NATHANAEL DA CRUZ E SILVA NETO A POLÍTICA DA CAPES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E OS INDICADORES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2014-2024 MARÍLIA 2022 NATHANAEL DA CRUZ E SILVA NETO A POLÍTICA DA CAPES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E OS INDICADORES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2014-2024 Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Câmpus de Marília, para a obtenção do título de Doutor em Educação. Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais. Orientador: Prof. Dr. Julio Cesar Torres MARÍLIA 2022 NATHANAEL DA CRUZ E SILVA NETO A POLÍTICA DA CAPES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E OS INDICADORES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2014-2024 COMISSÃO EXAMINADORA ______________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Julio Cesar Torres Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Marília (SP) _____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos da Fonseca Brandão Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Marília (SP) _____________________________________________________ Profa. Dra. Alessandra David Moreira da Costa Centro Universitário Moura Lacerda (CUML) Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Ribeirão Preto (SP) _____________________________________________________ Profa. Dra. Claudia Maria de Lima Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) Presidente Prudente (SP) _____________________________________________________ Profa. Dra. Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) São Carlos (SP) Marília, 9 de março de 2022 A todos aqueles que acreditam que é possível mudar nossa sociedade. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo apoio incondicional. Ao Julio Cesar Torres, pela orientação. À Silvana Fernandes Lopes, por todo o suporte. À professora Alessandra David, ao professor Carlos Brandão, à professora Cristina Galan e à professora Claudia Lima, pelas contribuições na banca examinadora. Aos colegas do grupo Organizações e Democracia, pelos debates. Aos professores, funcionários e a todo o Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP de Marília. Aos amigos e amigas, por aguentarem minhas queixas sem fim. A todos aqueles que contribuíram de alguma forma: muito obrigado! A POLÍTICA DA CAPES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E OS INDICADORES DO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2014-2024 Resumo: dentre as várias modificações que sofreu ao longo dos seus 70 anos de existência, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – que constitui uma agência de fomento à pesquisa brasileira vinculada ao Ministério da Educação – talvez a mais significativa tenha sido a que atribuiu à Capes a tarefa de coordenar a Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. Dessa forma, a partir de 2009, diversos programas voltados à formação docente são instituídos por essa entidade. O objetivo desta pesquisa foi verificar o impacto da Política Nacional de Formação de Professores no cumprimento das metas 15 e 16 do Plano Nacional de Educação, voltadas à formação docente. Nesse sentido, procurou-se responder à seguinte questão: a institucionalização da Capes como responsável pela formação de professores da educação básica significou, efetivamente, uma alteração no quadro de formação dos docentes no Brasil? Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental. Com relação à pesquisa bibliográfica, recorreu-se tanto a autores que discutem o Ensino Superior e a pós-graduação no Brasil, bem como suas interfaces com esse órgão, o qual possui papel relevante no contexto das políticas educacionais, quanto a autores que discutem as políticas públicas para a formação de professores no Brasil e questões ligadas à profissão docente. No que tange à pesquisa documental, foram analisados os documentos legais referentes à criação, à implementação e às modificações da Capes ao longo dos anos, bem como os relatórios de gestão da instituição, onde se encontram informações sobre as políticas sob sua competência. Após a apresentação da trajetória da Capes, evidenciando as suas diversas modificações, e do Plano Nacional de Educação 2014-2024, com destaque para as estratégias para a consecução das metas 15 e 16, analisaram-se os resultados das políticas da Capes, com enfoque nos dois principais programas – o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) –, buscando discutir, a partir de indicadores educacionais, o impacto dessas ações da Capes no cumprimento de tais metas. Verifica-se que não ocorreram mudanças concretas, em função de problemas históricos na área de educacional, em geral, e na formação de professores, em particular, inclusive de cunho estrutural. As políticas da Capes voltadas para a Educação Básica constituem-se em ações focalizadas, marcadas fortemente pela descontinuidade, além da pouca pactuação entre os entes da federação, uma das dificuldades enfrentadas em função da complexidade do modelo federativo brasileiro e a lacuna em termos de constituição de um sistema nacional de educação, não contribuindo para o alcance das metas. Ademais, a questão dos cortes orçamentários frente às medidas de ajuste fiscal do Governo Federal impacta no financiamento dos programas instituídos, comprometendo a frágil política de formação docente que se pretendia implementar a partir de 2009 com a Nova Capes. Palavras-chave: Nova Capes, Plano Nacional de Educação, Formação de Professores da Educação Básica, Pibid, Parfor. CAPES' POLICY FOR FORMATION OF ELEMENTARY EDUCATION TEACHERS AND THE INDICATORS OF THE 2014-2024 NATIONAL EDUCATION PLAN Abstract: among the many changes it has undergone over 70 years of existence, the Coordination for Improvement of Higher Education Personnel (Capes) – a Brazilian research funding agency linked to the Ministry of Education – perhaps the most significant one was the one that gave Capes the task of coordinating the National Policy for Formation of Elementary Education Teachers. Accordingly, as of 2009, several programs aimed at training teachers have been implemented by the agency. This research aimed at verifying the effects of the National Policy for Formation of Teachers on the attainment of goals No. 15 and 16 of the National Education Plan, which are focused on training teachers. In this regard, we sought to answer the following question: did the institutionalization of Capes as the agency responsible for training elementary education teachers effectively mean a change in the framework of teacher education in Brazil? This is a bibliographic and documentary research. As to bibliographic research, we resorted to both to authors who discuss Higher Education and postgraduate studies in Brazil, as well as their interfaces with the agency, which has a relevant role in the context of educational policies, and authors who discuss public policies for training teachers in Brazil and issues related to the profession. Regarding the documentary research, we analyzed the legal documents related to the creation, implementation and modifications in of Capes over the years, as well as the institution's management reports, which include information on the policies under its jurisdiction. After presenting Capes' trajectory, highlighting its several modifications, and the 2014-2024 National Education Plan, emphasizing the strategies for achieving goals No. 15 and 16, we analyzed the results of Capes’ policies, focusing on the two main programs – the Institutional Scholarship Program for Initiation to Teaching (Pibid) and the National Policy for Formation of Elementary Education Teachers (Parfor) – and seeking to discuss, based on educational indicators, the impact of these actions on the attainment of such goals. It can be verified that there were no concrete changes, due to historical problems in the area of education in general and especially in the training of teachers, including structural problems. Capes' policies aimed at Elementary Education are focused actions, strongly marked with discontinuity and little agreement between entities across the federation – one of the difficulties faced due to the complexity of the Brazilian federative model and the gap in the creation of a national education system, which does not contribute to the achievement of the goals. Furthermore, the issue of budget cuts due to the Federal Government's fiscal adjustment measures affects the funding of the established programs, compromising the already fragile policy of teacher training intended to be implemented as of 2009 with New Capes. Keywords: New Capes, National Education Plan, Formation of Elementary Education Teachers, Pibid, Parfor. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACT Acordo de Cooperação Técnica AUD Auditoria Interna BNCC Base Nacional Comum Curricular Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CC Conselho Consultivo CD Conselho Deliberativo CFE Conselho Federal de Educação CICan Colleges and Institutes Canada CNC Confederação Nacional do Comércio CNE Conselho Nacional de Educação CNI Confederação Nacional da Indústria CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Conae Conferência Nacional de Educação Coneb Conferência Nacional da Educação Básica Cosupi Comissão Supervisora do Plano dos Institutos Covid-19 Doença do Coronavírus - 2019 (Coronavirus Disease) CS Conselho Superior CTC-EB Conselho Técnico-Científico da Educação Básica CTC-ES Conselho Técnico-Científico da Educação Superior DASP Departamento Administrativo do Serviço Público DAV Diretoria de Avaliação DEB Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica DED Diretoria de Educação a Distância DEX Diretoria Executiva DF Distrito Federal DGES Diretoria de Gestão DPB Diretoria de Programas e Bolsas no País DRI Diretoria de Relações Internacionais DTI Diretoria de Tecnologia da Informação EaD Educação a Distância FHC Fernando Henrique Cardoso Forpibid Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Pibid Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Fundef Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais da Educação GAB Gabinete IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IES Instituição de Ensino Superior IFETs Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IUE Instituto Universitário de Educação de Cabo Verde LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação OEI Organização dos Estados Iberoamericanos Obeduc Observatório da Educação OEEI Observatório da Educação Escolar Indígena PAC Programa de Aceleração do Crescimento Parfor Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica Pasem Programa de Apoio ao Setor Educacional do Mercosul PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PDPI Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores de Língua Inglesa nos Estados Unidos PDPP Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores PF Procuradoria Federal PgU Programa Universitário PIB Produto Interno Bruto Pibid Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNE Plano Nacional de Educação PNPG Plano Nacional de Pós-Graduação PQTC Programa de Quadros Técnicos e Científicos ProEB Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública de Educação Básica Protec Programa de Expansão do Ensino Tecnológico PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro SA Seção de Administração SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SBE Serviço de Bolsas de Estudo SEB Secretaria de Educação Básica SED Serviço de Estatística e Documentação SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TCU Tribunal de Contas da União UAB Universidade Aberta do Brasil LISTA DE FIGURAS Figura 1: Estrutura organizacional da Capes (1961) ................................................. 31 Figura 2: Estrutura organizacional da Capes (atual) ................................................. 44 Figura 3: Apresentação da DEB ................................................................................ 67 Figura 4: Principais programas da DEB/Capes ......................................................... 68 Figura 5: Desenho Institucional do Pibid ................................................................... 76 Figura 6: Programas da Capes no âmbito da DEB em 2021 .................................. 127 Figura 7: Programas da Capes e Metas do PNE .................................................... 128 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Metas do PNE (2001-2010) com impacto financeiro, por área ................. 56 Gráfico 2: Número de matrículas em licenciaturas no Brasil, por dependência administrativa (2019) ................................................................................................. 73 Gráfico 3: Número de matrículas em licenciaturas no Brasil, por modalidade de ensino (2019) ............................................................................................................ 74 Gráfico 4: Evolução do número de bolsas do Pibid (2007 a 2014)............................ 80 Gráfico 5: Número de licenciandos bolsistas e número de matrículas em cursos de licenciatura no Brasil (2007 a 2014) .......................................................................... 81 Gráfico 6: Bolsas Pibid em 2014, por região geográfica ........................................... 82 Gráfico 7: IES participantes do Pibid em 2014, por esfera administrativa ................. 83 Gráfico 8: IES participantes do Pibid em 2014, por região geográfica e categoria administrativa ............................................................................................................ 84 Gráfico 9: Áreas com déficit de professores no Ensino Médio e número de bolsas Pibid em tais áreas em 2014 ..................................................................................... 87 Gráfico 10: Orçamento da Capes (em R$ bilhões) .................................................... 93 Gráfico 11: Orçamento da Capes para a Educação Básica (em R$ milhões) ........... 93 Gráfico 12: Evolução do número de bolsistas (Pibid e Residência Pedagógica) ...... 94 Gráfico 13: Oferta de cursos do Parfor por tipo de turma (2009-2014) ..................... 97 Gráfico 14: Número de IES participantes do Parfor em 2014, por região ................. 99 Gráfico 15: Percentual de IES participantes e matrículas ativas do Parfor em 2014, por região geográfica ................................................................................................ 99 Gráfico 16: Percentual de docências de professores com formação adequada à área de conhecimento em que lecionam ......................................................................... 107 Gráfico 17: Percentual de docências de professores com formação adequada à área de conhecimento em que lecionam, por região (2019) ........................................... 108 Gráfico 18: Matrículas ativas no ProEB ................................................................... 111 Gráfico 19: Estado dos profissionais selecionados para o Programa de Desenvolvimento de Profissionais da Educação Básica na Irlanda ........................ 115 Gráfico 20: Percentual de professores da Educação Básica com pós-graduação .. 117 Gráfico 21: Percentual de professores da Educação Básica com pós- -graduação, por modalidade de pós-graduação (2014 e 2019) ................................................... 118 Gráfico 22: Percentual de professores da Educação Básica com pós- -graduação, por região (2019) ..................................................................................................... 119 Gráfico 23: Percentual de professores da Educação Básica com pós- -graduação, por etapa da Educação Básica (2019) .................................................................... 120 Gráfico 24: Percentual de professores da Educação Básica com pós- -graduação, por dependência administrativa (2019) ................................................................... 121 Gráfico 25: Percentual de matrículas na Educação Básica, por dependência administrativa (2019) ............................................................................................... 121 Gráfico 26: Percentual de professores da Educação Básica que realizaram cursos de formação continuada ............................................................................................... 125 Gráfico 27: Percentual de professores da Educação Básica que realizaram cursos de formação continuada, por região (2019) ................................................................. 126 Gráfico 28: Percentual de professores da Educação Básica que realizaram cursos de formação continuada, por dependência administrativa (2019) ................................ 126 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Trajetória da Capes .................................................................................. 39 Quadro 2: Metas do PNE (2014-2024), por área ....................................................... 58 Quadro 3: Objetivos dos Programas de Iniciação à Docência da DEB/Capes .......... 90 Quadro 4: Distribuição das vagas do Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores da Educação Básica no Canadá ................................................. 113 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Recursos investidos na DEB de 2009 a 2014 ........................................... 72 Tabela 2: Número de IES participantes e número de bolsistas em 2014, por unidade federativa................................................................................................................... 85 Tabela 3: Áreas contempladas no Pibid em 2014 ..................................................... 86 Tabela 4: Número de matrículas e de turmas no Parfor por região (2009 a 2014) . 101 Tabela 5: Professores da Educação Básica com nível superior, com e sem licenciatura, por região geográfica (2009) ............................................................... 101 Tabela 6: Professores da Educação Básica com formação superior compatível com a área/disciplinas em que lecionam (2012) ............................................................. 102 Tabela 7: Parfor – dados numéricos acumulados (2009 a 2019) ............................ 105 Tabela 8: Participação de professores da Educação Básica em programas de cooperação internacional de 2010 a 2014 .............................................................. 111 file:///C:/Users/Usuario/Google%20Drive/Pós-graduação/Doutorado/TESE/TESE%20-%20Texto%20para%20defesa.docx%23_Toc94986332 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 CAPÍTULO 1 - A CAPES E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ....................... 25 1.1 A trajetória da Capes e a Educação Básica ...................................................... 25 1.1.1 De campanha a fundação: a consolidação da pós-graduação no Brasil ...... 25 1.1.2 A Nova Capes e a atuação na Formação de Professores da Educação Básica ................................................................................................................... 40 1.2 O Plano Nacional de Educação ........................................................................ 52 1.2.1 Trajetória do PNE ......................................................................................... 52 CAPÍTULO 2 - AS AÇÕES DA CAPES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA E O CUMPRIMENTO DAS METAS 15 E 16 DO PNE ..... 66 2.1 A Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) .............. 66 2.2. Matrículas em cursos de formação inicial de professores no Brasil ................. 73 2.3. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – Pibid .................. 75 2.3.1 A reconfiguração do Pibid e o Programa de Residência Pedagógica .......... 90 2.4. Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor ... 95 2.5. Programas voltados à formação continuada .................................................. 110 2.5.1 Mestrado Profissional para Qualificação de Professores da Rede Pública de Educação Básica (ProEB) ................................................................................... 110 2.5.2 Cooperação Internacional .......................................................................... 111 2.5.2.1 Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores da Educação Básica no Canadá ............................................................................ 113 2.5.2.2 Programa de Desenvolvimento de Profissionais da Educação Básica na Irlanda ............................................................................................................... 114 2.5.2.3 Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores de Língua Inglesa nos Estados Unidos (PDPI) .................................................................. 115 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 131 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 138 Me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente. Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia 17 INTRODUÇÃO Nosso objeto de estudo é a formação de professores no Brasil, foco das metas 15 e 16 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, em termos de política de formação docente. Em sua grande mudança paradigmática, no ano de 2009, a fundação Capes instituiu uma nova diretoria, a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB), por meio da qual passou a induzir e fomentar uma série de programas voltados à formação de professores da Educação Básica, área de atuação inédita no âmbito dessa instituição. O novo desenho institucional da Capes, a partir desse ano, é resultado da instituição da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2009). Supostamente, tal política deveria impactar, de forma ampla, esse campo da educação brasileira, contribuindo para o cumprimento das referidas metas do PNE. Ao longo da história da educação brasileira, nota-se um crescente debate acerca de políticas públicas voltadas à Educação Básica. Todavia, a carreira docente não vem acompanhada de prestígio social no Brasil. Esse desinteresse pela profissão pode ser explicado por inúmeros fatores. De acordo com o estudo de Caldas (2007), sobre o abandono da profissão docente de professores da rede municipal de educação de Curitiba (PR), estão, entre os principais fatores: baixos salários, problemas físicos e psicológicos, infraestrutura precária, violência no ambiente de trabalho, pressão e cobrança pelos resultados e sentimento de desvalorização da profissão pela sociedade. De fato, o baixo prestígio social da profissão docente se reflete na baixa relação candidato/vaga nos exames de ingresso, bem como na concentração de excedente de vagas nos cursos de licenciatura, conforme apontam Torres e Pagotto (2013). Ademais, os problemas apontados por Caldas (2007) são velhos conhecidos, temas que circulam diariamente pela mídia e afugentam os ingressantes de cursos de licenciatura. Em alternativa, muitos deles acabam por seguir outros caminhos que não a docência. É importante salientar que, da perspectiva das classes médias e altas, a profissão docente, de fato, não representa carreira de prestígio, haja vista que se observa grande procura por cursos elitizados, tais como medicina, direito, engenharias e outros. No caso das licenciaturas, estudos demonstram que se trata, em sua maioria, de alunos provenientes de escolas públicas, de classe média e 18 baixa, e filhos de pais com baixo nível de escolaridade. Não são raros casos em que os licenciandos representem o primeiro membro da família a ingressar no Ensino Superior. Nesse sentido, pode-se afirmar que tal formação constitui uma conquista profissional de grande valor.1 Além da questão do desinteresse, encontramos também os problemas observados após o ingresso em um curso de formação de professores. No final dos anos 1930 e início dos anos 1940, em razão da falta de professores, acrescentava- se à formação de bacharéis, para obterem a habilitação para o magistério, um ano de disciplinas da área de Educação, modelo que se denominou popularmente “3 + 1” (GATTI, 2010, p. 1356). Tal modelo demonstra, de maneira clara, a desarticulação teoria/prática presente na formação de professores, problemática existente ainda hoje nos cursos de licenciatura. Entretanto, nota-se que muitos estudantes de licenciatura recorrem aos chamados “estágios remunerados”, cujo auxílio financeiro proporciona o incremento da própria renda familiar. Nesses casos, embora possa, muitas vezes, não haver supervisão que promova a reflexão sobre a atuação nos estabelecimentos de ensino, não se pode afirmar que não haja vivência profissional que constitua prática docente concomitante com a formação teórica. Mais um ponto a ser discutido na formação de professores no Brasil é a deficiência, inadequação ou mesmo a ausência de formação superior entre os docentes que atuam na Educação Básica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabeleceu a obrigatoriedade da formação desse professor em nível superior2. Disso resultou, consequentemente, o aumento acelerado de cursos de licenciatura voltados para a formação de professores da Educação Básica, sobretudo para a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental (GATTI; BARRETO, 2009). Ainda assim, continuamos a evidenciar a falta de professores sem formação adequada para atuar nos Ensinos Fundamental e Médio, sendo que, muitos deles, sequer possuem formação superior (MAZZETTO; CARNEIRO, 2002). Importa referir, ainda, a questão da permanência daqueles que ingressam em cursos de formação docente. Levando-se em consideração o baixo prestígio social 1 Com relação ao perfil socioeconômico de licenciandos, é possível consultar Torres et al. (2013), Santos et al. (2014), Pizoni (2014), entre outros. 2 Alguns autores defendem que tal obrigatoriedade é uma interpretação equivocada do §4º do artigo 87 da LDBEN, uma vez que, segundo o artigo 62, é “admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”. A esse respeito, consultar Brandão (2007). 19 da profissão, a baixa relação candidato/vaga e, ainda, a formação deficitária dos alunos do Ensino Médio, é possível que o perfil socioeconômico dos estudantes de licenciatura possa vir a interferir nos índices de evasão e, com isso, de concluintes (TORRES; PAGOTTO, 2014). Assim, continuamos a enfrentar os problemas de escassez de professores em sala de aula, levando a medidas que prejudicam o próprio ensino, como admitir a docência de professores em disciplinas que não são objetos de sua formação (as chamadas “correlatas”), ou mesmo permitir o exercício da docência a profissionais sem formação superior, contrariando a legislação e as instruções normativas3. Para Saviani (2007, p. 1243), Efetivamente, a luta dos educadores pela qualidade da educação pública começa na década de 1920, com a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924; adquire visibilidade com o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, e com a Campanha em Defesa da Escola Pública, na virada da década de 1950 para os anos de 1960, na fase final da tramitação do projeto de LDB; prossegue com as Conferências Brasileiras de Educação da década de 1980 e com o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na Constituinte e na nova LDB; desemboca na elaboração da proposta alternativa de Plano Nacional de Educação nos Congressos Nacionais de Educação de 1996 e 1997; e se mantém com grandes dificuldades neste início do século XXI, na forma de resistência às políticas e reformas em curso e na reivindicação por melhores condições de ensino e de trabalho para os profissionais da educação. O primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), que havia sido formulado em 1996 e 1997, foi instituído pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e vigorou por 10 anos. No texto da lei, na seção que aborda as questões do magistério da Educação Básica, eram estabelecidos 28 objetivos e metas para a formação dos professores e a valorização do magistério. Tais metas tinham como princípio estruturante a instituição de uma política global de magistério que implicasse a formação profissional inicial, as condições de trabalho, salário e carreira, e a formação continuada. 3 A Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, conversão da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, popularmente conhecida como Reforma do Ensino Médio, altera o artigo 61 da LBD 9394/96, acrescentando como profissionais da educação “profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou privada ou das corporações privadas em que tenham atuado”. Tal inclusão parece colocar em xeque a premissa da formação adequada para o exercício da docência e, inclusive, enfraquece programas como o Parfor (que será abordado posteriormente, neste trabalho), que tem por objetivo a adequação da formação de professores em exercício. 20 Entretanto, o plano não foi cumprido à risca, mas seus anos de vigência culminaram com a realização, em 2010, da Conferência Nacional de Educação (Conae), em Brasília, na qual o plano foi reformulado e aprimorado para que as metas fossem alcançadas entre 2011 e 2020. Por questões que envolvem conflitos de interesses e jogos de poder na arena política, o trâmite do projeto no Congresso Nacional foi bastante estendido, e, por isso, a Lei nº 13.005, que o aprova, publicada em 25 de junho de 2014, modificou a vigência do plano para o decênio 2014-2024. Dentre as 20 metas que o constituem, 2 são voltadas para a questão da formação docente, e outras duas são voltadas à profissão docente: • Meta 15 – assegurar que todos os professores da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam; • Meta 16 – garantir a todos os profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. Em 2007, o Ministério da Educação (MEC) publicou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado no segundo mandato do Governo Lula (2007-2010). O propósito era constituir uma ferramenta de prestação de contas da qualidade de ensino, de monitoramento do desenvolvimento das ações do PNE e de execução de novas ações em favor da melhoria da educação. Saviani (2007) considera que o PDE “aparece como um grande guarda-chuva que abriga praticamente todos os programas em desenvolvimento pelo MEC”. Além disso, o Plano também assume a agenda do “Compromisso Todos pela Educação”, que havia sido lançado no ano anterior, como uma iniciativa da sociedade civil. Profissionais, pesquisadores e especialistas em educação brasileiros, por sua vez, também indicaram a necessidade de atenção às questões concernentes à formação e à valorização da profissão docente. Tais apontamentos foram feitos por meio de estudos, diagnósticos e relatórios da situação educacional do país. Em maio de 2007, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou o documento Escassez de professores no Ensino Médio: propostas estruturais e emergenciais, abordando a 21 falta de professores no Ensino Médio, especialmente das áreas de exatas e de biológicas, fenômeno que, à época, foi cunhado de “apagão educacional”. Em consequência disso, também foi apresentado, pelo Diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do INEP, o relatório intitulado As licenciaturas e o Ensino Básico brasileiro: diagnóstico, mostrando que muitos dos problemas apontados no diagnóstico anterior também se aplicavam ao Ensino Fundamental, além de outras questões que precisavam ser consideradas no âmbito das políticas educacionais. Enfim, os documentos apontavam que a questão da formação docente demandava uma política de alcance nacional, que pudesse apoiar a formação de quadros qualificados para o exercício da docência. Nesse contexto, é lançada a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica4, instituída pelo Decreto nº 67.554, de 29 de janeiro de 2009. Entre outras providências, esse instrumento legal disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no fomento a programas de formação inicial e continuada de docentes da Educação Básica. Tradicionalmente voltada a questões relativas à pós-graduação no Brasil, o órgão passa por diversas modificações, tanto em sua estrutura quanto em seu campo de atuação, de modo a se adequar ao cumprimento do decreto. A partir de então, passa a ser chamado de Nova Capes5 pelos pesquisadores da área. Vários programas voltados à formação inicial, continuada e à valorização do magistério são lançados no âmbito de sua nova diretoria, criada para esse fim, a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB). Ademais, outras iniciativas, já existentes no interior do MEC e voltadas à formação docente dessa etapa de escolarização, passam a ser de sua competência. O objetivo desta pesquisa foi verificar o impacto da Política Nacional de Formação de Professores no cumprimento das metas 15 e 16 do PNE, voltadas à formação docente. Nesse sentido, procuramos responder à seguinte questão: a institucionalização da Capes como responsável pela formação de professores da educação básica significou, efetivamente, uma alteração no quadro de formação dos docentes no Brasil? Partimos da hipótese de que não tenham ocorrido mudanças concretas, em função de problemas históricos na área de educacional, em geral, e 4 Doravante Política Nacional. 5 “Nova Capes” é a nomenclatura adotada por Ristoff e Bianchetti (2012), para se referir à Capes após a sua mudança de paradigma de atuação, passando a atuar também na Educação Básica. 22 na formação de professores, em particular, inclusive de cunho estrutural. As políticas da Capes voltadas para a Educação Básica constituem-se em ações focalizadas, marcadas fortemente pela descontinuidade, conforme apresentamos no decorrer deste trabalho, além da pouca pactuação entre os entes da federação, uma das dificuldades enfrentadas em função da complexidade do modelo federativo brasileiro, e a lacuna em termos de constituição de um sistema nacional de educação. No que tange aos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental. De acordo com Sá-Silva et al. (2009, p. 6), as duas são muito próximas, e o que as diferencia é a natureza das fontes: “a pesquisa bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias, enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias”. Com relação à pesquisa bibliográfica, recorremos, no âmbito deste trabalho, à literatura pertinente aos estudos sobre formação de professores no Brasil e sobre a trajetória e o papel desempenhado pela Capes nas políticas de formação de profissionais do magistério da Educação Básica, além de indicadores educacionais voltados às metas do PNE. Nesse sentido, valemo-nos, no primeiro caso, das contribuições de Caldas (2007), Gatti (2010), Gatti e Barreto (2009), Mazzetto e Carneiro (2002), Saviani (2007), Scheibe (2010; 2011), Torres e Pagotto (2013) e Torres et al. (2013). No que diz respeito ao percurso da Capes e seu papel, apoiamo-nos em Barbosa (2009), Castro e Soares (1983), Córdova et al. (1986), Cunha (1988), Gouvêa (2011), Hostins (2006), Mendonça (1999; 2003), Ristoff e Bianchetti (2012) e Teixeira (1956). Sobre o PNE, consultamos Saviani (2008; 2014), Azanha (1993), Horta (1997), Romanelli (1999), Valente (2001) e Moura (2013) Quanto à pesquisa documental, Sá-Silva et al. (2009, p. 2) salientam que “o uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado”, uma vez que podemos extrair e resgatar deles uma riqueza de informações para ampliar o entendimento de nosso objeto de pesquisa. Tendo em vista tais considerações, utilizamo-nos, para fundamentar nossas análises, de documentos e dados provenientes da própria Capes, e mais especificamente, dos relatórios de gestão da sua diretoria que nos interessa no âmbito deste estudo, a DEB. Além disso, também recorremos a estudos sobre a 23 situação educacional brasileira, sobretudo no que concerne à formação docente, e também sobre os programas da Capes. Também foram fundamentais para a construção de nossa pesquisa os indicadores educacionais. Dados tanto do Censo da Educação Básica quanto do Censo da Educação Superior compõem muitos dos números que apresentamos para discutir as políticas da Capes. Além dos gráficos, tabelas e resumos técnicos disponíveis no próprio site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), os estudos baseados em dados estatísticos foram de grande valia para nossa pesquisa, como o Estudo exploratório sobre o professor brasileiro, da Diretoria de Estatísticas Educacionais do INEP, por meio do qual foi possível extrair informações não tão facilmente encontráveis nos censos. Vale a pena mencionar, ainda, que, por vezes, foi necessário recorrer também a dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como é possível perceber no decorrer da leitura deste trabalho. Ainda sobre a pesquisa documental, Sá-Silva et al. (2009 p. 2) consideram que essa metodologia “possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural”. Nesse sentido, o presente trabalho apresenta alguns elementos do percurso histórico da formação de professores da Educação Básica no Brasil, e também da trajetória e da atuação da Capes. Mostra-se fundamental, pois, analisar os documentos considerando o contexto em que eles foram produzidos. Este trabalho está organizado em 2 capítulos, levando-se em consideração a instituição que analisamos e suas políticas, bem como os indicadores de que nos apropriamos para nossas análises. Desse modo, no primeiro capítulo, intitulado A Capes e o Plano Nacional de Educação, apresentamos a história dessa instituição, desde sua fundação, como campanha, até sua atual configuração como fundação, procurando demonstrar as diversas transformações pelas quais a instituição passou, tanto em termos de estrutura organizacional quanto no que tange aos seus paradigmas de atuação. Destaque especial é dado para sua última reestruturação, no ano de 2009, que ampliou o seu campo de atuação, até então circunscrito às questões voltadas à pós-graduação no Brasil, também para a Educação Básica, momento a partir do qual passou a exercer papel central na execução da política nacional de formação de professores. Ademais, apresentamos o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. Iniciamos por um breve recuo histórico, buscando 24 verificar seus antecedentes ao longo da história da educação brasileira, para chegar à configuração do Plano vigente, com especial atenção para as metas 15 e 16, que dizem respeito a aspectos ligados à formação de professores. No segundo capítulo, As ações da Capes para a Formação de Professores da Educação Básica e o cumprimento das metas 15 e 16 do PNE, descrevemos como se estrutura o setor da Capes voltado a essa etapa da educação, a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB), e como é a dinâmica de organização e funcionamento dos programas sob sua responsabilidade, que constituem as políticas da Capes voltadas para a área em questão. Buscamos ainda, a partir de relatórios de gestão e outros dados provenientes da própria Capes, discutir os resultados desses programas e sua articulação com o PNE, bem como o cumprimento das metas 15 e 16 desse Plano, a partir de indicadores educacionais e relatórios de monitoramento. 25 CAPÍTULO 1 A CAPES E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Este primeiro capítulo tem como finalidade contextualizar dois elementos centrais no âmbito deste trabalho: a Capes e o Plano Nacional de Educação. Por isso, em um primeiro momento, apresentamos a trajetória da Capes, desde o seu surgimento até o seu momento atual, com destaque para a sua última reorganização, que criou uma Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB), passando, então, a fomentar programas nessa área. Posteriormente, apresentamos o atual Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência de 2014 a 2024, com especial atenção para as metas 15 e 16, que dizem respeito a aspectos ligados à formação de professores, foco das políticas da DEB na Capes, buscando discutir, a partir de indicadores educacionais, o cumprimento de tais metas. 1.1 A trajetória da Capes e a Educação Básica A Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é uma fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC) que atua na expansão e na consolidação da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) no Brasil, sendo uma das principais instituições de fomento à pesquisa no país, além de exercer papel central na regulação e na avaliação dos programas de pós-graduação. Mais recentemente, a partir de 2007, a Capes modificou sua estrutura organizacional e passou a atuar também na formação de professores da Educação Básica, instituindo diversos programas voltados à formação docente. No entanto, embora esta seja a reestruturação que culminou em uma mudança em seu paradigma de atuação, desde a sua criação, em 1951, a Capes tem passado por diversas modificações, conforme procuramos explorar a seguir. 1.1.1 De campanha a fundação: a consolidação da pós-graduação no Brasil Entre os anos 1950 e 1960, o cenário nacional foi marcado por um período de grande expansão do Ensino Superior. No contexto histórico da época, consolidavam-se paradigmas de crescimento econômico pautados na 26 industrialização acelerada, centrada no Poder Executivo, o que desencadeou o crescimento do setor público e diversificou suas atividades internas. Já havia se iniciado o processo de migração da população rural para o meio urbano, caracterizando uma sociedade urbano-industrial em expansão e exigindo transformações institucionais, a fim de estruturar o poder de maneira mais adequada às tendências da nova configuração econômico-social. Em função disso, aos poucos, a administração pública foi se transformando, tornando-se uma complexa estrutura governamental centrada na eficiência, cuja atenção era voltada para os problemas econômicos do país. Dessa maneira, o Estado passou a dispor de organizações, de técnica e de pessoal (administrativo, burocrático, técnico, político etc.), elementos indispensáveis para a execução de suas atividades. Por conseguinte, “o aparelho estatal incorporava o pensamento tecnocrático e científico, para melhor desempenhar suas funções” (IANNI, 1979, p. 8). Nessa época, intensificou-se o processo de expansão do Ensino Superior, que havia se iniciado nas décadas anteriores, em função da demanda sobretudo da região centro-sul, onde as aglomerações urbanas mais cresciam, gerando a necessidade de maior escolarização. Segundo Cunha (2007), no período de 1954 a 1964, o número de alunos inscritos em curso superior no Brasil aumentou exponencialmente, passando de 18.894 a 97.481 matrículas. Havia, nesse sentido, a preocupação com a expansão do ensino em nível superior, evidenciada com o crescimento de universidades: em 1945, contava-se com cinco estabelecimentos dessa natureza, e, no final de 1964, o país já contabilizava 39 universidades. Nesse cenário, foi instituída, em 11 de julho de 1951, por meio do Decreto nº 29.741, uma Comissão Executiva para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. O objetivo era “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam o desenvolvimento econômico e social do país” (BRASIL, 1951b, Art. 2°). A princípio, a comissão teria seis meses para a instalação da campanha; contudo, tal prazo foi dilatado para um ano, por meio do Decreto nº 30.286, publicado em 19 de dezembro de 1951. A fim de alcançar tais objetivos, essa Comissão deveria: 27 a) Promover o estudo das necessidades do país em matéria de pessoal especializado, particularmente nos setores onde se verifica escassez de pessoal em número e qualidade; b) Mobilizar, em cooperação com as instituições públicas e privadas, competentes, os recursos existentes no país para oferecer oportunidades de treinamento, de modo a suprir as deficiências identificadas nas diferentes profissões e grupos profissionais; c) Promover em coordenação com os órgãos existentes o aproveitamento das oportunidades de aperfeiçoamento oferecidas pelos programas de assistência técnica da Organização das Nações Unidas, de seus organismos especializados e resultantes de acordos bilaterais firmados pelo Govêrno brasileiro; d) Promover, direta ou indiretamente, a realização dos programas que se mostrarem indispensáveis para satisfazer às necessidades de treinamento que não puderem ser atendidas na forma das alíneas precedentes; e) Coordenar e auxiliar os programas correlatos levados a efeito por órgãos da administração federal, governos locais e entidades privadas; f) Promover a instalação e expansão de centros de aperfeiçoamentos e estudos pós-graduados (BRASIL, 1951b, Art. 3º). É possível notar, pelo texto do decreto, a preocupação com a especialização, o treinamento e o aperfeiçoamento profissional. Consequentemente, intensificou-se um processo de estruturação e de expansão dos estabelecimentos onde pudessem ser desempenhadas tais atividades. Entendia-se, à época, que a pós-graduação era uma das necessidades para o desenvolvimento nacional. Com efeito, tal visão vai ao encontro do contexto histórico e econômico da época, o qual exigia rapidez e eficiência para satisfazer às novas demandas. Ademais, houve o entendimento da relação economia-educação como fator importante para o desenvolvimento nacional, conforme destaca Gouvêia (2011, p. 50): A constituição da comissão foi um reflexo da política desenvolvimentista, ou seja, do consequente modelo de industrialização implantado no país e reforçou, ainda, a postura assumida nos diversos documentos oficiais que enfatizaram a relação economia e educação, evidenciando a necessidade da formação de quadros de nível superior para suprir as lacunas determinadas por um novo ritmo de crescimento econômico. Inicialmente, quando criada, a comissão subordinava-se ao Ministério da Educação e Saúde da época, e era composta por representantes de diversas instituições públicas e privadas, a saber: Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)6, Fundação Getúlio Vargas, Banco do Brasil, Comissão Nacional de 6 No caso específico do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), instituído em 1937, no período do Estado Novo, o órgão era incumbido de assessorar a Presidência da República nas 28 Assistência Técnica, Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), IBGE, Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC) e um representante do Ministério de Educação e Saúde. De acordo com Gouvêa (2012, p. 379), “a diversidade dessa composição é corolário da diversidade dos interesses políticos e econômicos em disputa em todos os campos”. Todavia, não se pode ignorar que essa diversidade de instituições compositoras da comissão executiva era permeada por uma disputa de interesses, uma vez que, de um lado, havia o grupo dos pesquisadores, preocupados com o desenvolvimento científico nacional, e, do outro, estadistas, preocupados com a qualificação profissional imediata, com vistas a dar andamento nos objetivos econômicos nacionais. Córdova et al. (1986, p. 17) denominam tais grupos como o dos políticos e o dos “pragmáticos”: [...] a ideia inspiradora da Campanha é nitidamente a dos cientistas que lutavam, desde os anos 20, pelo seu espaço na Universidade. Mas durante os debates da Comissão encarregada de programar a Campanha, tornaram-se fortes as divergências entre estes (que denomino grupo dos políticos) e os “pragmáticos”, apoiados pelos representantes das confederações empresariais. O então Secretário de Estado da Educação da Bahia, Anísio Teixeira, foi convidado pelo Ministro da Educação e da Saúde à época, Ernesto Simões Filho, para assumir o cargo de Secretário Geral da Comissão. Coube a ele, portanto, a função de atuar como mediador dos conflitos entre esses dois grupos de interesse. Dessa forma, “as diretrizes da CAPES nasceram de um compromisso entre essas duas tendências” (MENDONÇA, 1999, p. 3). Teixeira entendia a educação como relevante para o desenvolvimento econômico que se pretendia à época. Por essa razão, adequar o sistema de ensino à tendência desenvolvimentista era tão fundamental quanto as intervenções estatais na economia (GOUVÊA, 2011, p. 49). Ele criticava o tratamento burocrático dado à educação, de forma semelhante àquele aplicado às atividades econômicas: questões técnicas e orçamentárias, além de representar a primeira grande reforma da administração pública brasileira na história republicana. Dessa monta, em questões que envolvessem o aparato político-institucional das políticas públicas, a participação daspiana era tida como fundamental. Para um aprofundamento do DASP e seu papel na história da administração pública brasileira, consultar Nunes (1997) e Nogueira (1998). 29 O espírito formal e burocrático de uma falsa técnica administrativa (...) não distinguiu serviços de contrôle e fiscalização dos serviços de condução de atividades próprias e autônomas como os de educação. (...) estes serviços passaram a ser regulados de forma idêntica aos de arrecadação de impostos ou de fiscalização da legislação trabalhista. Transformou-se a educação em uma atividade estritamente controlada por leis e regulamentos e o Ministério da Educação e as Secretarias de Educação em órgãos de registro, fiscalização e contrôle formal do cumprimento de leis e regulamentos. A função dêsses órgãos é a de dizer se a educação é legal ou ilegal, conforme hajam sido ou não cumpridas as formalidades e os prazos legal e regularmente fixados (TEIXEIRA, 1956, p. 11). Percebe-se, assim, o entendimento de que os princípios técnico- administrativos norteadores das ações estatais para os setores ligados à economia não poderiam simplesmente ser transferidos para o campo educacional. O tratamento da educação, em especial da Educação Superior, exigia outras bases, que levassem em conta as especificidades desse nível de ensino para, dessa forma, permitir o seu pleno desenvolvimento. Caberia, pois, a esse órgão tal função. Em 1961, dez anos mais tarde, o Decreto nº 50.737 organizou a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, desta vez, subordinada diretamente à Presidência da República (Art. 1°). Art. 2° Incumbe à CAPES formular e pôr em execução programas anuais de trabalho, orientados com os seguintes propósitos: 1 - o estímulo à melhoria das condições de ensino e pesquisas dos centros universitários brasileiros, visando a melhor formação dos quadros profissionais de nível superior do país; 2 - o aperfeiçoamento do pessoal de nível superior já existente, promovido em função das prioridades ditadas pelas necessidades do desenvolvimento econômico e social do País; 3 - a realização de levantamentos, estudos e pesquisas sôbre os problemas envolvidos em seu campo de ação; 4 - a administração das bôlsas de estudo oferecidas pelo Govêrno Brasileiro a latino-americanos e afro- asiáticos para cursos de graduação e pós-graduação no Brasil [...] (BRASIL, 1961). Durante os primeiros anos de existência da Comissão, a morosidade marcou o desenvolvimento de seus trabalhos. Isso pode ser observado, por exemplo, na dinâmica dos trabalhos da comissão executiva. Embora tenha sido criada em 1951, o registro de início oficial dos trabalhos data de 1952, e houve a realização de uma média de duas reuniões anuais nos três primeiros anos. Essa lentidão também é percebida ao se observar o início da implementação de bolsas, que começou a 30 ocorrer apenas em 1963, dois anos após a publicação do decreto. A disponibilidade de recursos para a concretização das medidas estabelecidas pelos textos legais pode ser uma possível explicação, a qual, à semelhança da atualidade, não se revelavam suficientes, tornando ainda mais difícil a tarefa da Capes. Como um dos propósitos centrais da empreitada delegada a essa Comissão estava a preocupação com a formação docente de Ensino Superior, Anísio Teixeira entendia que o desenvolvimento das universidades brasileiras, em termos qualitativos, poderia ser alcançado por meio do envio de graduados para a especialização no exterior, concepção que deu início a um processo de internacionalização no Ensino Superior. A partir desse fato, pode-se observar que tal tendência na universidade não é uma novidade da atualidade. Desse modo, não somente se viria a concorrer para o aperfeiçoamento do Ensino Superior, mas, em verdade, também para ampliá-lo, pois a solução importa em articular o Ensino Superior nacional com as universidades e centros de estudos superiores do estrangeiro (CAPES apud GOUVÊA, 2011, p. 53). Esse objetivo aparece ainda mais acentuado no texto do decreto de 1961, quando se refere “ao estímulo à melhoria das condições de ensino e pesquisas dos centros universitários brasileiros, visando a melhor formação dos quadros profissionais de nível superior do país” (BRASIL, 1961, Art. 2º). Com efeito, a formação docente era vista por Teixeira com grande relevância para a concretização de seu projeto maior: a reconstrução da universidade brasileira, que aconteceria por meio da consolidação da pós-graduação. Para ele, a universidade precisava se transformar em um lócus de ciência e de pesquisa, isto é, deixar de executar apenas o papel de transmissora do conhecimento e passar também a produzir novos saberes, contribuindo para a construção de uma cultura brasileira (MENDONÇA, 2003, p. 235). Nesse diapasão, pode-se perceber que, considerando a dualidade de interesses entre “políticos” e “pragmáticos”, o Secretário Geral da Comissão priorizava, claramente, os primeiros. Contudo, é necessário chamar a atenção para o aspecto excludente dessa iniciativa. Na visão de Ristoff e Bianchetti (2012), os destinatários dessa “vigorosa política pública” representavam uma minoria, metaforicamente denominada por eles de “o ápice da pirâmide do sistema educacional”. Isso pode ser justificado pelo fato de as ações dessa Campanha atingirem “preferencialmente os professores que 31 atuam no ES, mas que não contam com titulação adequada para desempenharem suas funções nesse grau de ensino” (RISTOFF; BIANCHETTI, 2012, p. 799). Os autores criticavam, portanto, o fato de essa política ser uma iniciativa realizada de “cima para baixo”. No que tange à estrutura inicial da Capes, em seus primeiros anos de existência, podemos observar o seguinte organograma: Figura 1: Estrutura organizacional da Capes (1961) Fonte: Elaborado pelo pesquisador, com base em Gouvêia (2011). Os trabalhos eram organizados com base em dois grandes programas. O primeiro, PQTC, era especialmente voltado para as áreas de Engenharia, Química, Arquitetura, Administração, Economia e Veterinária. No bojo desse Programa, havia três direções norteadoras do trabalho: (1) o levantamento das disponibilidades e necessidades do país em relação ao pessoal especializado de nível superior; (2) o levantamento dos centros de preparação e de aperfeiçoamento pós-graduado existentes no país, de modo a utilizá-los para promover especializações em atendimento às necessidades profissionais, técnicas, científicas e culturais; e (3) a preparação e o aperfeiçoamento, no Brasil e no exterior, de especialistas em falta nos quadros de pessoal do país (GOUVÊA, 2011). Nesse ínterim, ao PQTC caberia 32 verificar as deficiências de quadros profissionais no Brasil, com a finalidade de suprir tais necessidades de especialização por meio da promoção de cursos de pós- graduação, contribuindo, desse modo, para o pleno funcionamento do PgU. Em adição, tinha a tarefa de avaliar as bases de experiências de pós-graduação já existentes, de modo a utilizá-las ampla e racionalmente em prol das ações definidas em tais levantamentos. O segundo, PgU, objetivava auxiliar o desenvolvimento das universidades e dos institutos de nível superior. Tal programa era voltado aos campos das Ciências Biológicas, Medicina e afins, Matemáticas, Ciências Sociais e Humanidades. Eram propostas melhorias das condições de ensino e de pesquisa nas instituições universitárias do país, utilizando-se, para tanto, de missões de professores estrangeiros, visando ao desenvolvimento das instituições e dos grupos de pesquisa nacionais: A dinâmica utilizada pelo plano de melhorias incluiu (...) a importação de professores, assistentes e técnicos estrangeiros para a ministração de cursos regulares ou de pós-graduação das respectivas especialidades, em colaboração com as cátedras brasileiras da mesma disciplina. Tal colaboração evidenciou a preocupação com a consolidação dos centros nacionais de pesquisa, após a partida dos professores estrangeiros, através do intercâmbio universitário de professores e assistentes brasileiros para programas de cursos, pesquisas e formação de técnicos (GOUVÊA, 2011, p. 55, grifos do autor). Dessarte, o entendimento de iniciativas de internacionalização e de intercâmbios de saberes já eram percebidos como estratégias produtivas de desenvolvimento do conhecimento científico. Havia o entendimento de que, por meio do auxílio de professores e de pesquisadores de países cujos sistemas de pós- graduação já se encontravam consolidados, seria possível potencializar a consolidação desse nível de ensino no Brasil, entendido como urgente para o desenvolvimento do país e como tarefa primordial da Capes. De acordo com Gouvêa (2011), o auxílio às instituições acontecia via projetos, metodologia que parece se manter na dinâmica da Capes em seus programas atuais. De acordo com o autor, o PgU “foi ao encontro dos anseios da comunidade científica que via na Universidade um espaço privilegiado para a consolidação da pesquisa no Brasil” (GOUVÊA, 2011, p. 55). 33 Vale a pena ressaltar, também, a preocupação da Campanha com as Ciências Sociais, área que não tinha muito espaço na agenda das iniciativas de fomento à pesquisa, problemática que também persiste na atualidade. Esse fato revela a autonomia de que a agência de fomento gozava naquele momento, além de mostrar mais uma das mudanças provocadas por ela no contexto nacional. Para Castro (apud GOUVÊA, 2011, p. 61): (...) nós (da CAPES) não achávamos que o desenvolvimento era uma coisa estanque, que se atendia apenas com tecnologia, com ciências básicas, etc. Sabíamos que há um contexto de implicação e interação de todas as coisas e por isso mesmo, atendíamos também áreas como Ciências Sociais, que era uma área abandonada. A CAPES foi a primeira agência do governo a se preocupar com Ciências Sociais (...). Além dos programas, a estrutura inicial da Capes contava com dois serviços. O Serviço de Estatística e Documentação (SED), responsável pelos arquivos, cadastros, estatísticas, enfim, pela documentação de todos os dados e documentos relacionados ao Ensino Superior e às instituições e profissionais envolvidos, tanto no Brasil quanto no exterior, realizando um papel extremamente importante, pois, por meio dos dados levantados e organizados, delineavam-se as ações a serem desenvolvidas pelos programas principais; e o Serviço de Bolsas de Estudo (SBE), responsável por planejar e administrar os programas de bolsas de fomento à especialização e ao aperfeiçoamento dos quadros nacionais, tanto no Brasil quanto no exterior. Os auxílios financeiros eram organizados em um sistema de três tipos: o Tipo A, com bolsas de aperfeiçoamento destinada a recém-diplomados que desejavam seguir seus estudos em nível pós-graduado; o Tipo B, voltado a pessoal com experiência científica ou profissional dedicada ao magistério de Ensino Superior, à pesquisa ou à aplicação da ciência, ou, ainda, à execução de obras e de trabalhos que exigiam conhecimentos especializados avançados; e o Tipo C, auxílio em caráter extraordinário, para suplementar despesas não previstas pelas bolsas, desde que houvesse interesse da Capes. Por último, a Seção de Administração (SA) era responsável por prestar o apoio logístico aos demais programas e serviços, além de tratar de questões de protocolo, correspondências, materiais, orçamento, contabilidade, departamento pessoal etc. 34 A organização da Capes em torno desses dois programas principais revela, pois, o atendimento aos interesses tanto do grupo dos “políticos”, com o PgU, quanto do grupo dos “pragmáticos”, com o PQTC. Para Mendonça (2003), o Secretário-Geral Anísio Teixeira, embora tenha exercido o importante papel de mediador entre esses dois grupos, sem dúvida, garantia a hegemonia do segundo. No que tange ao Decreto nº 50.737/61, que de fato organiza e consolida a Campanha, percebe-se, novamente, o longo intervalo de tempo entre a criação da comissão executiva e o estabelecimento da Capes. Tal morosidade pode tanto ser fruto dos conflitos de interesses quanto da própria burocracia, ainda que houvesse certa autonomia com relação aos trâmites estatais. Por exemplo, a baixa quantidade de reuniões anuais realizadas revela como os encaminhamentos demoravam para serem executados, ainda que se entendesse o caráter urgente do trabalho desempenhado. Para Mendonça (2003, p. 293), esse segundo decreto “consolida, em linhas gerais, uma situação já existente”. Quando comparado com o primeiro, o texto parece apresentar tônica maior sobre a necessidade do desenvolvimento da ciência e da pesquisa nacionais, ao colocar como prioridade a questão das condições de ensino e de pesquisa. Sem dúvida, essa era a postura assumida pelas iniciativas da Capes, sobretudo com a sua política de concessão de bolsas de estudo e de auxílios financeiros. Importa referir, também, as mudanças que ocorreram com relação à própria estrutura da Campanha. A Comissão Executiva foi extinta, uma vez cumprida a sua tarefa de criação da Capes, e foi criado um Conselho Consultivo (CC), de livre nomeação da Presidência da República, responsável por aprovar planos de trabalho, orçamentos e prestação de contas. A gestão da campanha passou a contar com um coordenador, um diretor executivo e o referido conselho consultivo. A nomeação dos membros que ocupariam esses cargos aconteceu somente dois anos depois, em 1963, revelando, novamente, a lentidão conferida aos encaminhamentos. Apesar dos danos causados pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985) para a sociedade brasileira em geral e para a vida acadêmica em particular, paradoxalmente, a universidade brasileira se desenvolveu acentuadamente durante esse período, a partir de um processo de modernização, característico da época. Com efeito, nessa época, concomitantemente, o Brasil percorria dois caminhos distintos no que diz respeito ao desenvolvimento científico nacional. Barbosa (2009) considera que: 35 Por um lado, os militares foram responsáveis pela dinamização da ciência no Brasil, criando instituições de Ensino Superior e agências de fomento à pesquisa científica e organizando as pós-graduações; por outro lado, porém, perseguiram e impediram que diversos cientistas desenvolvessem plenamente suas carreiras (BARBOSA, 2009, p. 100). Após a chegada dos militares ao poder, uma das primeiras medidas na Capes foi a cassação de Anísio Teixeira. A professora Suzana Gonçalves, ligada à PUC- RJ, assumiu o comando da instituição, não por sua importância intelectual no contexto nacional, mas por seu grau de parentesco com o então Presidente da República Castelo Branco (BARBOSA, 2009, p. 105). Menos de dois meses após o 1º de abril, foi publicado o Decreto-lei nº 53.932/64, alterando novamente a configuração da Capes, que teria sua denominação modificada para Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Ademais, o referido decreto fundiu esse órgão com a Comissão Supervisora do Plano dos Institutos (Cosupi) e com o Programa de Expansão do Ensino Tecnológico (Protec). No que diz respeito à sua estrutura, ficou subordinada ao Ministério da Educação e Cultura, e passou a ser orientada por um Conselho Deliberativo (CD) (BRASIL, 1964). Segundo o decreto, esse Conselho era formado por 9 membros designados pelo Presidente da República, indicados pelo Ministro da Educação e Cultura, cujos mandatos tinham duração de 3 anos. O próprio ministro ocupava a Presidência do Conselho, e o Diretor da Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura e o Presidente do Conselho Nacional de Pesquisas eram membros natos. Entre as competências do CD estava, além de definir a política da organização, aprovar as normas e os planos de trabalho organizados pelos seus órgãos técnicos, a concessão de bolsas de estudo no país e no estrangeiro, os planos de aplicação dos recursos e a proposta orçamentária anual. Na literatura pertinente à história da pós-graduação brasileira, considera-se que foi no ano de 1965, com a aprovação do Parecer nº 977/657 do Conselho Federal de Educação, que se instaurou de fato a pós-graduação no Brasil. A então recém-sancionada LBD 4.024/61 já previa, em seu artigo 69, os cursos desse nível de ensino sem, contudo, estabelecer critérios de credenciamento. Caberia, então, ao 7 O parecer foi elaborado pelo então conselheiro Newton Sucupira, que, posteriormente, ficou conhecido como “o pai da pós-graduação”, pois o documento é considerado marco legal que regulamentou e possibilitou o crescimento desse nível de ensino no Brasil. O documento passou a ser referido como “Parecer Sucupira”. 36 Conselho Federal de Educação (CFE) essa tarefa. Tal parecer foi fruto de um aviso8 do Ministro da Educação e Cultura, o qual solicitava ao CFE um pronunciamento que definisse e, se fosse o caso, regulamentasse os cursos de pós-graduação, “considerando a necessidade de implantar e desenvolver o regime de cursos-pós- graduação em nosso Ensino Superior e tendo em vista a imprecisão, que reina entre nós, sobre a natureza desses cursos” (BRASIL, 1965b). Em relação ao Parecer nº 977/65, este trouxe importantes contribuições e elucidações sobre o que “o legislador deixou expresso em forma algo nebulosa na LDB 4.024/61”. Nesse documento, distinguiram-se os estudos de lato e stricto sensu, e também as próprias definições de mestrado e doutorado, acadêmico e profissional, cuja inspiração teve como base o modelo norte-americano. Além disso, em linhas gerais, foi sugerida a carga horária que deveria ser dedicada a cada nível de estudo, a estruturação e o funcionamento dos cursos (disciplinas, seminários temáticos, exames de qualificação), e até mesmo questões relativas aos pré- -requisitos e às estratégias de seletividade intelectual às quais seriam submetidos os graduados para serem admitidos em tais cursos. Doravante, o CFE passou a instituir pareceres, resoluções e outras normativas específicas de cada um desses aspectos, para disciplinar e estabelecer critérios de credenciamento de cursos de pós- graduação. Talvez um dos grandes impulsores desse avanço, tão contraditório para o contexto da época, tenha sido a articulação dos interessados: Nos anos 60, apesar do regime autoritário em processo de acirramento (a lei nº 5.540/68 foi promulgada apenas um mês antes do Ato Institucional nº 5), houve uma busca de alianças com professores e pesquisadores, o que permitiu o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa, diferenciando o panorama universitário brasileiro das demais ditaduras militares latino- americanas (CUNHA, 1988, p. 46). A Reforma Universitária também contemplou o desenvolvimento da pós- graduação no Brasil. Embora os reais objetivos estivessem mais ligados à formação profissional imediata, houve a destinação de elevados recursos para a viabilização desses cursos e a criação dos Centros Regionais de Pós-Graduação. Cury (2005, p. 15) salienta que “foi no regime militar que a pós-graduação se desenvolveu como 8 Aviso é a designação para a modalidade de comunicação oficial expedida por ministros de Estado para outros ministros ou autoridades de mesma hierarquia (BRASIL, 2002b, p. 13). 37 patrimônio institucional da qualificação de docentes e como elemento fundamental da criação de um sistema nacional de ciência e tecnologia”. O Estatuto do Magistério Superior Federal (Lei n° 4.881-A), promulgado no mesmo ano do Parecer Sucupira, impulsionou a procura por cursos de pós- graduação pelos candidatos à carreira docente. Face a isso, a aferição da qualidade dos cursos de mestrado e doutorado passou a ser responsabilidade da Capes, em atendimento à demanda de agências de fomento à pesquisa de mecanismos de avaliação dos cursos de pós-graduação. A partir de 1981, tanto a discussão orçamentária das universidades federais quanto o próprio credenciamento de cursos de pós-graduação pelo CFE passaram a levar em consideração essas avaliações. Posteriormente, tal sistemática de avaliação passou a ser o próprio mecanismo de credenciamento de fato (CASTRO; SOARES, 1983). Foi também nesse período que o órgão passou a ser responsável pela formulação do Plano Nacional de Pós- Graduação (PNPG), sendo reconhecido pelo MEC como a Agência Executiva do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Nesse cenário, ainda que o objetivo continuasse a ser o de formação de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas, as diretrizes enfatizaram a institucionalização e o aperfeiçoamento da avaliação da pós-graduação. Analisando o percurso das políticas de pós-graduação no Brasil, principalmente nos seus primeiros vinte anos, observa-se que, inicialmente, visou-se a capacitação dos docentes para atuar nas universidades, o desenvolvimento da atividade científica e um aumento progressivo de sua importância estratégica no cenário do Ensino Superior e da Ciência e Tecnologia no Brasil. Posteriormente, com a consolidação da pós-graduação, notadamente a partir dos anos de 1980, a avaliação do desempenho do sistema torna-se o centro das preocupações [...] (HOSTINS, 2006, p. 141). Assim, o papel avaliativo da Capes passou a ser uma das funções centrais do órgão até os dias atuais. Tal mecanismo de avaliação tem como premissa a coleta e a organização de dados que, subsequentemente, são enviados para a apreciação dos consultores (pares). Os dados coletados são essencialmente de natureza numérica: número de alunos, de bolsas, de publicações, de comunicações apresentadas em congressos, de recursos captados etc. Parece haver também aqui alguma influência do modelo norte-americano. Segundo Castro e Soares (1983), “é procedente comparar o sistema da Capes com a tradição norte-americana de peer 38 reviews, que vem sendo aplicada há muitas décadas e que é feita com base na reputação dos programas”. Para Maraschin e Sato (2013), a pós-graduação se expandiu concomitantemente ao desenvolvimento de uma cultura de auditoria9, um movimento comum em vários países. Esse modelo revela-se um reflexo do gerencialismo adotado na condução das universidades. Nessa lógica, o atrelamento entre avaliação e financiamento tem levado pesquisadores e instituições à busca incessante por publicações, designada como produtivismo acadêmico, o qual gera consequências intensamente criticadas10. Em 1992, ocorreu mais uma modificação da Capes. Com a Lei n.º 8.405, ela foi instituída como fundação pública11, mantendo seu campo de atuação concentrado na pós-graduação. Os objetivos estabelecidos por essa lei não se mostram muito distantes do que vinha sendo praticado até então: subsidiar o MEC na formulação de políticas para a pós-graduação, coordenar e avaliar cursos na modalidade presencial e a distância, e estimular, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento da demanda dos setores público e privado (BRASIL, 1992). Posteriormente, com a Lei n.º 11.502/2007, as competências e a estrutura organizacional da Capes foram novamente modificadas, e ela passou a atuar, também, na formação de professores da Educação Básica (BRASIL, 2007b), conforme apresentamos no próximo subitem. Com relação à trajetória da Capes, temos o seguinte percurso: 9 Trata-se de um termo cunhado por sociólogos e antropólogos para descrever uma condição moldada pelo uso de técnicas e princípios modernos de auditoria financeira, mas em contextos muito distantes do mundo da contabilidade financeira. Para maiores esclarecimentos, consultar Shore (2009). 10 Para o aprofundamento dessa discussão, bem como a verificação das consequências negativas dessa lógica aplicada à pós-graduação no Brasil, é possível consultar Mancebo (2013). 11 Fundação Pública “é o patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinado, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de autonomia e mediante controle da administração Pública, nos limites da lei” (MEIRELLES, 2011, p. 87). 39 Quadro 1: Trajetória da Capes Data Dispositivo legal Descrição 11 de julho de 1951 Decreto nº 29.741 Instituiu uma Comissão Executiva para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 19 de dezembro de 1951 Decreto nº 30.286 Dilata de seis meses para um ano o prazo da Comissão Executiva para instalar a referida Campanha 7 de junho de 1961 Decreto nº 50.737 Consolida a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, diretamente subordinada à Presidência da República 1963 - Nomeação dos cargos de coordenador, diretor executivo e do Conselho Consultivo 26 de maio de 1964 Decreto-lei nº 53.932 Denominação modificada de Campanha para Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fusão com a Comissão Supervisora do Planos dos Institutos (Cosupi) e com o Programa de Expansão do Ensino Técnológico (Protec); subordinação ao Ministério da Educação e Cultura e criação de um Conselho Deliberativo. 3 de dezembro de 1965 Parecer CFE nº 977 (Parecer Sucupira) Distinção entre estudos lato e stricto sensu, mestrado e doutorado, acadêmico e profissional; estruturação, carga horária e funcionamento dos cursos de pós- graduação; pré-requisitos e estratégias de seletividade intelectual para ingresso. 6 de dezembro de 1965 Lei nº 4.881-A Estatuto do Magistério Superior; impulsionou a procura por cursos de pós- graduação aos pelos candidatos à carreira docente; Capes passa a ser responsável pela avaliação dos cursos de mestrado e doutorado. 28 de novembro de 1968 Lei nº 5.540 Reforma Universitária; destinação de recursos para a viabilização de cursos e a criação dos Centros Regionais de Pós- Graduação. 9 de janeiro de 1992 Lei nº 8.405 Capes é instituída como fundação pública, e continua centrada na pós-graduação. 11 de julho de 2007 Lei nº 11.502 Capes passa a atuar também na formação de professores da Educação Básica Fonte: Elaborado pelo pesquisador. 40 1.1.2 A Nova Capes e a atuação na Formação de Professores da Educação Básica Conforme mencionado, não só a estrutura organizacional da Capes, mas também suas competências foram modificadas no ano de 2007, com a publicação da Lei nº 11.502, trazendo a formação de professores da Educação Básica para o âmbito dessa instituição. Esse ano foi marcado pela publicação de relatórios e pelo estabelecimento de planos de metas para a educação brasileira, culminando com a publicação, em dezembro, do Decreto nº. 631612, o qual aprova o estatuto da Nova Capes. Abordamos esses documentos na sequência. No mês de abril daquele ano, o MEC apresentou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Em resumo, trata-se de um plano coletivo, cujo objetivo era melhorar a qualidade da educação no país, com foco prioritário na Educação Básica. Posteriormente, o Ministério da Educação publicou um novo documento, intitulado O PDE – razões, princípios e programas, no qual defende que o PDE pretende ir além de uma instrumentalização do Plano Nacional de Educação (PNE), não se limitando a apresentar diagnósticos dos problemas educacionais. Esse plano pretendia estabelecer um conjunto de ações que supostamente solucionariam problemas educacionais no Brasil. Aparentemente, tais ações pareciam abrigar todos os programas desenvolvidos pelo MEC à época, e é possível perceber uma ênfase substancial na Educação Básica, pois, das 30 ações estabelecidas pelo plano, 17 contemplavam a Educação Básica, entre elas, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o Piso Salarial do Magistério, entre outros programas de apoio, como “Transporte Escolar”, “Luz para Todos”, “Saúde nas Escolas”, “Guias de tecnologias”, “Censo pela Internet”, “Mais educação”, “Coleção Educadores” e “Inclusão Digital”. Nesse diapasão, o estímulo à formação de professores também constituiu uma das ações propostas, por meio do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor). 12 Este Decreto, posteriormente, foi revogado por outros dois – Decreto nº 7.692/2012 e Decreto nº 8977/2017 – sendo este último o que se encontra em vigência. Contudo, as alterações estatutárias engendradas por tais decretos dizem respeito a alterações em cargos e funções comissionadas, não havendo, portanto, modificação na estrutura organizacional da instituição. 41 Ainda no âmbito do PDE, e publicado no mesmo dia, o Decreto nº. 6.094 implementou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, cuja agenda havia sido lançada no ano anterior como uma iniciativa da sociedade civil, e que traduziu o movimento de um aglomerado de grupos empresariais “preocupados” com a Educação Básica. Entre outras ações, regulamentou o IDEB13 como mecanismo para aferir a qualidade da Educação Básica e acompanhar as ações em prol do alcance de tais metas. Para viabilizar o apoio técnico e financeiro e participar do compromisso, os municípios e unidades federadas deveriam elaborar, com base na realidade local, um Plano de Ações Articuladas, assinando um Termo de Adesão voluntária14. Saviani (2007, p. 1242) refere a inédita preocupação qualitativa com a educação, no âmbito da avaliação proposta pelo PDE: O que confere caráter diferenciado ao IDEB é a tentativa de agir sobre o problema da qualidade do ensino ministrado nas escolas de educação básica, buscando resolvê-lo. E isso veio ao encontro dos clamores da sociedade diante do fraco desempenho das escolas à luz dos indicadores nacionais e internacionais do rendimento dos alunos. Esses clamores adquiriram maior visibilidade com as manifestações daquela parcela social com mais presença na mídia, em virtude de suas ligações com a área empresarial. Tal parcela só mais recentemente vem assumindo a bandeira da educação, em contraste com os educadores que apresentam uma história de lutas bem mais longa. Esse Compromisso vinha chamando a atenção para a organização curricular e para os trabalhos no âmbito escolar com base na Prova Brasil e no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Isso porque essas provas compunham parte da composição do IDEB, e a ele estavam atreladas implicações sobre o financiamento de ações específicas dos estados e dos municípios no setor educacional. Todavia, há o lado perverso dessa dinâmica, sobretudo pelo caráter central que ela passa a ocupar, qual seja, a redução de práticas pedagógicas ao preparo de avaliações externas. 13 O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 e reúne, em um só indicador, o fluxo escolar (a partir de dados do Censo Escolar) e as médias de desempenho nas avaliações (a partir do Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb. O índice varia de 0 a 10 e é importante condutor de política pública em educação (https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de- atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/ideb). Acesso em 12 dez. 2021). 14 De acordo com documentos da Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), o diagnóstico da situação educacional elaborado a partir de visitas técnicas aos municípios signatários é balizado pelas seguintes dimensões: 1) gestão educacional; 2) formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; 3) práticas pedagógicas e avaliação; e 4) infraestrutura e recursos pedagógicos (http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pde_esc/todospelaedu.pdf). Acesso em 14 abr. 2019. 42 Em seguida, no mês de maio de 2007, o Conselho Nacional de Educação (CNE) tornou público o documento Escassez de professores no Ensino Médio: Propostas estruturais e emergenciais, um relatório produzido pela Comissão Especial instituída para estudar medidas que visassem a superar o déficit docente no Ensino Médio (RUIZ et al., 2007). Dentre as principais causas do problema abordado, estavam a remuneração docente e os baixos índices de concluintes de cursos de licenciatura face à demanda de professores nos sistemas estaduais de ensino. O relatório apresentava, ainda, o chamado apagão educacional na Educação Básica brasileira, revelando uma carência de cerca de 235 mil professores somente para o Ensino Médio, sobretudo nas áreas de química, física, matemática e biologia (RUIZ et. al., 2007, p. 11). Destaca-se uma das propostas apontadas por esse diagnóstico: a defesa da instituição de uma Política Nacional de Formação de Professores: Instituir uma política nacional de formação de professores é condição inerente ao Sistema Nacional de Educação, dele se beneficiando na medida em que se estabeleçam formas e mecanismos de cooperação entre os entes federativos, e, ao mesmo tempo, contribuindo para fortalecê-lo pela qualificação de seus agentes. Essa política deve ter metas ambiciosas, recursos financeiros adequados e ter por base programas e ações para formação, aperfeiçoamento, avaliação e promoção dos recursos humanos no campo da educação pública. Os programas e as ações abrangidos por essa política devem contemplar a criação de centros de formação inicial e continuada em todos os estados, regiões metropolitanas e outras consideradas de importância estratégica, com estabelecimento de metas a serem cumpridas pelos estados e municípios, bem como pela concertação política visando à definição de padrões e incentivos a serem inseridos nos planos de carreira de estados e municípios. As ações dessa política deverão, ainda, balizar-se pelo conceito de redes de ação e de cooperação, de forma a criar condições para a atuação integrada dos sistemas de ensino, das instituições de Ensino Superior, dos centros de pesquisas voltados para a Educação e das organizações sociais (RUIZ et al., 2007, p. 18). Após a publicação desse documento, o MEC encomendou um estudo junto ao INEP para verificar a veracidade dessas informações, que culminou no relatório do Diretor de Estatísticas do INEP, As Licenciaturas e o Ensino Básico Brasileiro: Diagnóstico. Segundo Ristoff e Bianchetti (2012), embora o estudo corroborasse a carência de professores e algumas outras questões relevadas pelos conselheiros do CNE, apresentou outras constatações, a serem levadas em consideração pelos formuladores de políticas: 43 1. havia mais professores atuantes em todas as disciplinas da educação básica do que a demanda hipotética projetada para o seu atendimento [(havia 323.109 docentes em exercício a mais do que a demanda estimada para o ensino fundamental (5ª a 8ª Séries) e médio, o que equivalia a uma oferta de docentes 44,5% acima da demanda)]; 2. nos últimos cinco anos (2001 a 2005), o número de ingressantes e de concluintes, em todas as licenciaturas, mostrava crescimento todos os anos; 3. em todas as disciplinas, exceto em Física e Química, havia mais professores licenciados nos últimos 25 anos do que a demanda hipotética projetada para o atendimento das necessidades do ensino médio e fundamental de 5ª. a 8ª. série; 4. em Física e Química, mesmo que todos os licenciados nos últimos 25 anos exercessem a profissão de professor do ensino médio, seria impossível atender à demanda hipotética para o atendimento destas disciplinas. Em Física, a demanda hipotética era aproximadamente três vezes superior ao número de licenciados nos últimos 25 anos e, em Química, mais de duas vezes; 5. em todas as áreas, inclusive em Física e Química, o número de licenciados é consideravelmente maior do que o número de professores licenciados atuantes, indicando forte evasão profissional apesar da grande disponibilidade de postos de trabalho (RISTOFF; BIANCHETTI, 2012, p. 806). Todos esses documentos e diagnósticos apontavam um caminho possível para uma efetiva mudança da situação brasileira, exercendo pressão sobre as autoridades para que tomassem alguma iniciativa de alcance nacional, que pudesse contribuir para a melhoria da formação de professores. Com efeito, reuniões do Ministro da Educação com a Câmara de Educação Básica do CNE foram realizadas com o objetivo de elaborar um programa nesse sentido. Em julho de 2007, dois meses após a apresentação do relatório do INEP, foi publicada a Lei nº 11.502, modificando, novamente, a estrutura e as competências da Capes e autorizando-a a conceder bolsas de estudo e de pesquisa a participantes de programas de formação inicial e continuada de professores para a Educação Básica. Em dezembro, o Decreto nº 6316, que aprova o novo estatuto e os cargos em comissão da Capes15, de fato viabiliza a transformação mais profunda sofrida por essa instituição. Ela passaria, a partir daquele momento, a induzir e estimular, em regime de colaboração com os estados, os municípios e o Distrito Federal, e por meio de convênios com instituições de Ensino Superior (IES), a formação inicial e continuada de professores da Educação Básica, fomentando 15 Atualmente, o estatuto e os cargos comissionados da Capes são disciplinados pelo Decreto nº 8.977, de 30 de janeiro de 2017. 44 programas de formação e articulando políticas em todos os níveis de governo, elaborando programas de atuação setorial e regional, acompanhando o desempenho de alunos na licenciatura, e promovendo estudos e avaliações para melhoria de conteúdo e de orientações curriculares dos cursos de formação de professores. A Capes com esse novo desenho instala-se, efetivamente, em janeiro de 2008. De acordo com Scheibe (2011, p. 817), [...] cabe hoje, portanto, a este órgão vinculado ao Ministério de Educação, a tarefa de implementar ações sistêmicas que visem à formação dos profissionais da Educação Básica, de forma a atender às necessidades reais das instituições educativas no contexto da diversidade regional e das especificidades da educação. Figura 2: Estrutura organizacional da Capes (atual) I - Órgãos de assistência direta e imediata ao Presidente: a) Gabinete (GAB): II - Órgãos seccionais: a) Procuradoria Federal (PF): b) Auditoria Interna (AUD); c) Diretoria de Gestão (DGES): d) Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI): III - Órgãos específicos singulares: a) Diretoria de Programas e Bolsas no País (DPB): b) Diretoria de Avaliação (DAV): c) Diretoria de Relações Internacionais (DRI): d) Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB): e) Diretoria de Educação à Distância (DED): IV - Órgão executivo: a) Diretoria Executiva (DEX); V - Órgãos colegiados: a) Conselho Superior (CS); b) Conselho Técnico Científico da Educação Superior (CTC-ES); c) Conselho Técnico Científico da Educação Básica (CTC-EB). Fonte: website da Capes/MEC. Adaptado pelo pesquisador. 45 A estrutura atual da Capes conta com órgãos colegiados como instâncias de deliberação. O primeiro deles, o Conselho Superior (CS), é o órgão colegiado deliberativo cuja função é estabelecer prioridades e linhas orientadoras das atividades da instituição, além de apreciar e aprovar critérios e procedimentos para concessão de bolsas e auxílios, programação anual, proposta orçamentária, relatórios de atividades, entre outros. Em seguida, há o Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES), responsável por assistir a Diretoria-Executiva na elaboração de políticas e diretrizes específicas de atuação da Capes no que diz respeito ao Ensino Superior, além de colaborar, opinar, propor e até mesmo deliberar sobre questões relativas a esse nível de ensino, tais como programação anual, acordos de cooperação, acompanhamento e avaliação dos programas de pós-graduação, propostas de cursos e outras questões ligadas à formação de recursos humanos de alto nível, ao sistema de pós-graduação e ao sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico. O CTC-ES possui um representante no CS. Em decorrência dessa nova reestruturação, a Capes passa a contar com um novo órgão colegiado: o Conselho Técnico-Científico da Educação Básica (CTC- EB), a atuar conjuntamente com o CS e com o CTC-ES. As suas funções são equivalentes às do CTC-ES, porém voltadas à formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica e à construção de um sistema nacional de formação de professores. De acordo com o novo estatuto da Capes, passam a ser competências desse Conselho: I - assistir a Diretoria-Executiva na elaboração das políticas e diretrizes específicas de atuação da CAPES no tocante à formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica e à construção de um sistema nacional de formação de professores; II - assistir as Diretorias de Formação de Professores da Educação Básica e de Educação a Distância no que diz respeito à consolidação do regime de colaboração entre todos os níveis de governo; III - discutir diretrizes de longo prazo para a formação inicial e continuada dos professores da educação básica; IV - fixar parâmetros para avaliação da demanda por professores da educação básica, inclusive para subsidiar a instalação de polos de apoio presencial; V - acompanhar a avaliação dos cursos de formação inicial dos professores nos processos conduzidos pelo INEP; 46 VI - colaborar na elaboração de propostas relativas à formação inicial e continuada de professores da educação básica, para subsidiar e consolidar o PNE; VII - opinar sobre a programação anual da CAPES, na área específica de formação de professores e valorização da educação básica; VIII - opinar sobre critérios e procedimentos para fomento a estudos e pesquisas relativos à orientação de políticas de formação e conteúdo curriculares dos cursos de formação de professores da educação básica; IX - estabelecer parâmetros para avaliação dos programas de fomento da CAPES; X - propor a realização de estudos e programas para o aprimoramento das atividades da CAPES na sua área de atuação; XI - opinar sobre assuntos que lhe sejam submetidos pelo Presidente da CAPES; e XII - eleger seu representante no Conselho Superior (BRASIL, 2012b, Art. 14). Ademais, são criadas mais duas diretorias vinculadas aos órgãos singulares: a Diretoria de Educação Básica (DEB) e a Diretoria de Educação à Distância (DED)16, ocupando-se dos programas de formação inicial e continuada de professores nas modalidades presencial e a distância, respectivamente. Desse modo, estava instaurado o novo setor da Capes, responsável pela discussão dos rumos da Educação Básica nacional no que tange à formação docente. A princípio, as novas diretorias da Capes assumiram ações que já eram desenvolvidas no âmbito do MEC, tais como o Parfor, o Pibid, o Prodocência, o Observatório da Educação, a Universidade Aberta do Brasil, entre outros, conferindo continuidade a esses projetos e progressiva ampliação. Em abril de 2008, alguns meses após sua criação, a DEB apresentou, durante a Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb), algumas linhas de ação como objetivos a serem alcançados, cujos prazos seriam definidos caso a caso, conforme recursos financeiros e condições estruturais: 1. todas as disciplinas da EB terão professores licenciados para ministrá-las; 2. nenhuma evasão profissional de licenciados deve encontrar justificativa na falta de valorização do magistério; 16 Apesar de esta Diretoria da Capes não ser o enfoque de nossa investigação, não se deve deixar de mencionar sua forte atuação, por meio da Universidade Aberta do Brasil, na oferta de cursos de formação inicial de professores, sobretudo de docentes em exercício sem formação adequada. No ano de 2020, de acordo com Relatório de Gestão da Capes, foram iniciadas 690 turmas de licenciatura, com o ingresso de 17 mil novos alunos. A despeito da importância desses números, nada além de dados genéricos como este são divulgados a respeito da atuação dessa diretoria. 47 3. todos os professores licenciados deverão ter formação prática em sala de aula ao longo do curso; 4. todos os licenciados serão formados em cursos com currículos especialmente construídos para a formação de docentes para a EB; 5. todos os níveis de escolaridade, desde a PG stricto sensu à EB, participarão do esforço nacional comum de melhoria da qualidade da educação brasileira e da formação docente de forma integrada e comprometida; 6. os estudantes da EB deverão demonstrar melhora constante dos níveis de desempenho nos exames nacionais e internacionais; 7. todas as escolas brasileiras deverão apresentar atmosfera propícia para o estudo, o conseqüente avanço cognitivo dos estudantes e convívio social harmonioso (RISTOFF; BIANCHETTI, 2012, p. 811). Aparentemente, os dois primeiros itens têm sido rigorosamente contrariados, sobretudo nos últimos anos. A já referida Reforma do Ensino Médio, com sua referência ao “notório saber”, desconsidera a necessidade de todos os professores da Educação Básica serem licenciados. De igual maneira, questões referidas neste trabalho e velhas conhecidas da área, relativas à precarização de salários e de condições de trabalho, não permitem a concretização do segundo objetivo. É possível notar que tais propostas antecipam as diretrizes da política nacional, para a qual esses novos setores estavam conferindo seus esforços. Scheibe (2011, p. 818) apresenta uma justificativa para a atribuição à Capes da tarefa de pensar a formação de pr