UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA CAROLINA BALTIERI TRAJETÓRIA, DIFICULDADES E PERMANÊNCIA DAS MULHERES NO ENSINO SUPERIOR CAROLINA BALTIERI TRAJETÓRIA, DIFICULDADES E PERMANÊNCIA DAS MULHERES NO ENSINO SUPERIOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Profa. Dra. Célia Regina Rossi Rio Claro - SP 2022 CAROLINA BALTIERI TRAJETÓRIA, DIFICULDADES E PERMANÊNCIA DAS MULHERES NO ENSINO SUPERIOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Célia Regina Rossi (orientadora) Prof. Dr. Erica Rodrigues do Nascimento Augustine Prof. Dr. Cesár Donizete Pereira Leite Aprovado em: 15 de FEVEREIRO de 2022 Assinatura do discente Assinatura do(a) orientador(a) A Educação é o poder das mulheres. Malala Yousafzai RESUMO É comum lermos sobre o aumento da entrada de mulheres no ensino superior, mas pouco se aborda sobre a desistência derivada das necessidades ocasionadas das diversas jornadas em sua vida diária. É preciso compreender o que elas de fato passam e enfrentam, quais mecanismos utilizam para conciliar suas obrigações, e como lutam para prosseguir com suas conquistas. Entretanto, é fato que a mulher vem conquistando com o passar do tempo seu lugar nas universidades e no trabalho. Tratando sobre a problemática que a envolve em sua tripla jornada de: estudante, mãe, dona de casa e trabalhadora, será realizada uma pesquisa qualitativa sobre a questão da permanência dessas mulheres dentro das universidades, em quais situações que elas se identificam, como se dá o processo de aprendizagem, quais estratégias adotadas para conciliar a tríplice jornada e quais são as principais dificuldades encontradas, pois analisa-se que sua saúde mental é afetada por essas diversas responsabilidades que as cercam. O estudo portanto, mostrará estes percursos e seus desdobramentos baseados em pesquisas que apontam estas trajetórias Palavras-chaves: Mulher. Universidade. Dificuldades. Tripla Jornada. Permanência ABSTRACT It is common to read about the increase in the number of women entering higher education, but little is said about the dropout rate derived from the needs arising from the several journeys in their daily lives. It is necessary to understand what they actually go through and face, what mechanisms they use to reconcile their obligations, and how they fight to continue with their conquests. However, it is a fact that women have been conquering over time their place in universities and at work. Dealing with the problems that involve her in her triple journey as student, mother, housewife, and worker, a qualitative research will be carried out on the issue of these women's permanence inside the universities, in which situations they identify themselves, how the learning process occurs, which strategies they adopt to conciliate the triple journey, and what are the main difficulties they encounter, because it is analyzed that their mental health is affected by these several responsibilities that surround them. The study will show these journeys and their unfoldings based on research that points out these trajectories Keywords: Woman , University, difficulties, triple journey and permanence AGRADECIMENTOS Gostaria primeiramente de agradecer a Nossa Senhora Aparecida e a Deus por intercederem ao longo desses quatro anos para a conclusão do curso e serem fonte de renovação e força perante as diversas dificuldades encontradas ao longo da trajetória. A minha mãe Adriana, que desde muito cedo deu todo suporte para que eu usufruísse de uma educação de qualidade e sempre me incentivou grandemente nos estudos me ensinando que são essenciais para uma vida digna e que o conhecer nunca é demais. Ao meu pai Ariovaldo, que sempre acreditou no meu potencial e me mostrou o quanto sou capaz. A minha irmã Bruna, por me ajudar a não carregar um fardo maior do que posso, a ter equilíbrio e saber descontrair quando necessário. Ao meu namorado Marcelo, que esteve em todos os momentos ao meu lado me dando força e motivação para não desistir. A minha prima Rubia, que não está mais comigo, porém, sempre deu todo apoio e suporte me fazendo acreditar em meu potencial e inteligência para entrada na universidade. As minhas amigas de turma, Bruna C., Caroline M., Isabella I., Letícia A. e Valesca R. que durante os anos de graduação se fizeram extremamente presentes e tornaram o processo mais leve e prazeroso. A minha orientadora Professora Dra. Célia Regina Rossi, por toda paciência e dedicação ao decorrer da pesquisa para que construíssemos um trabalho de qualidade SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 I- VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL E REIVINDICAÇÃO DE DIREITOS 15 II- LUTAS E TRAJETÓRIAS: O PROCESSO DE INSERÇÃO DA MULHER NOS MEIOS SOCIAIS 22 III- A INSERÇÃO DA MULHER NO ENSINO SUPERIOR DESEMPENHO, DIFICULDADES E PERMANÊNCIA 26 IV- ABORDAGEM METODOLÓGICA 34 V- CONSIDERAÇÕES FINAIS 36 VI- REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 39 10 INTRODUÇÃO O tema estudado nesta pesquisa é “O Caminho percorrido pela mulher que é mãe, dona de casa e trabalhadora a partir de sua inserção no Ensino Superior e as dificuldades da permanência”. As discussões acerca do campo educacional vêm ganhando destaque na sociedade com o passar do tempo, especificamente tratando sobre as relações de gênero dentro desta área. São diversas as desigualdades fortemente presentes no dia a dia e entre elas, e é fácil apontar a desigualdade de gênero, como extremamente vigente na área da educação quando tratado sobre a mulher. A realidade que cerca o gênero feminino se iniciou muito tempo atrás, quando mulheres e meninas foram desde seu nascimento subordinadas a determinados padrões e opressões gerados pelo fato de terem nascido mulheres. Fato esse, derivado da afirmação construída pela sociedade, de que mulheres são biologicamente mais fracas do que homens ou de antiquados pensamentos estabelecidos de que a mulher é propriedade de seu marido, como um objeto submisso a seu proprietário, designada a satisfazer desejos, vontades e comandos sem opção de negar, contrapor e até mesmo questionar, ela estava completamente as ordens do marido e a serviço da família por eles constituída. Como citado, desde o nascimento a mulher está subordinada a padrões que são impostos a seu gênero e regras são impostas para ambos os sexos, no que se referem a princípios a serem seguidos que potencializam características pré-estabelecidas ao gênero designado, justificada como naturais quando na realidade são uma construção social, histórica e educacional que prevalece principalmente dentro do seu lar. Pode- se constatar uma moral diferente para os dois sexos. Segundo a autora: De fato, o que havia era uma dupla moral, que, paralelamente a seu expresso puritanismo, preceituava tacitamente condutas divergentes para homens e mulheres. No entanto, esse mundo de moral dupla não é algo natural, mas sim fruto de construção social em torno do que é masculino e do que é feminino. (RESENDE apud STEIN, 1984, p.33). Desta maneira, acontece a opressão do gênero feminino, produzida através de uma estabilização do poder que é produzido e reproduzido na família. 11 “A opressão (de gênero) pode ocorrer como relação de poder que se reproduz através da família, socializando seus membros conforme os ditames da cultura vigente, internalizando, reproduzindo, ocultando a opressão vivida” (KOLLER, & NARVAZ, 2004 p. 8). No momento que se descobre o gênero da criança, a vida da mesma passa a ser planejada pelos pais, como exemplo, na escolha das roupas, cor do quarto e brinquedos que serão adquiridos para o bebê. Diversos são os exemplos de brinquedos sexistas presentes no mercado e escolhidos pelas famílias, as bonecas, panelas e muitos outros voltados para os cuidados da casa são direcionados para as meninas, enquanto para os meninos se tem os carrinhos, super-heróis e semelhantes. Com isto, inicia-se o processo de submissão e aquisição das normas impostas às mulheres na sociedade. Devido a esses fatores apontados anteriormente, essas questões são reproduzidas ao longo da vida mulher, seja na escola, quando se tem aula de ballet para elas e judô para meninos, ou no decorrer de sua vida profissional e acadêmica, onde escolhas devem ser feitas e muitas vezes muitos desejos e ambições abandonados. Antigamente, a desigualdade de gênero era extremamente mais severa na medida em que mulheres eram, inicialmente, propriedade de seu pai e irmãos que controlavam integralmente a vida da mesma. Essa posse era transferida quando a mulher casava com um homem, que passaria então a ser seu novo dono. Antes desse feito, ela era preparada desde pequena para ser a mais desejável e feminina possível, e para que soubesse cuidar do lar e do futuro homem para quem era pretendida. Não se pensava em trabalho e em estudos. A alfabetização era aprendida apenas para que escrevessem cartas românticas para seu pretendente, além de bordados e arrumar a casa e a mesa. Desta maneira, a opressão do gênero foi reafirmada já que para a mulher não existia possibilidade de ascensão, de crescimento e novas perspectivas. Existia a constante busca da privação de conhecimento e saberes para que assim ela continuasse assumindo seu papel como submissa do homem, pois, sem dúvida, o progresso da mulher traria questionamentos (CODO, 2006). Portanto, é necessário colocar em debate a questão das diversas dificuldades que a figura feminina enfrenta não apenas 12 para sua inserção na universidade, mas também sua permanência nela, tratando especificamente casos em que se possuía uma dupla ou tripla jornada. Depois da primeira e segunda guerra mundial, a inserção da mulher no mercado de trabalho aumentou gradativamente devido à ausência dos homens nos negócios da família já que estes haviam sido enviados às frentes da guerra. Os postos no mercado de trabalho precisavam ser ocupados, então as mulheres precisam assumir tarefas fora de casa, o que raramente acontecia antes desses ocorridos, salvo algumas exceções como viúvas que realizavam alguns serviços domésticos para outras famílias para sustentar seus filhos. Fatores como a Revolução industrial, as duas grandes guerras, como citado anteriormente, o desenvolvimento tecnológico, o crescimento da maquinaria e a revolução feminista que reivindicava a libertação da mulher na década de 70, a mulher começa a ser requerida no mercado de trabalho, favorecendo a posição da mulher na sociedade. Apenas em meados do século XX a mulher inicia um processo de conquista na área educacional, ou seja, possui acesso à educação, porém de maneira restrita para que ocorresse a manutenção dos valores impostos sobre ela. Com o passar dos anos, os movimentos feministas foram tomando forças e reivindicando direitos que são das mulheres, como melhores condições de trabalho, livre acesso à educação e independência. Atualmente, o número de mulheres nas universidades e nos postos de trabalho cresce absurdamente, mas há ainda a questão que trata sobre a permanência dessa mulher nos estudos, se dividindo em casa, trabalho e universidade, e como é sua qualidade de vida a partir disso. A questão levantada a respeito da inserção da mulher na área educacional, vem crescendo de maneira positiva. Segundo o INEP (2018), as mulheres representaram no Censo de Educação em 2016, 57,2% dos estudantes na graduação. No entanto, este é apenas o primeiro desafio encontrado pela figura feminina para concluir o ensino superior. Considerando a luta contínua da mulher por seus direitos, tem-se, apesar das diversas conquistas, muito pelo que exigir. A prova disto é o fato de que apesar de ela poder realizar sua graduação e estar no mercado de trabalho, em grande parte das vezes é sempre responsável integral 13 pelos afazeres domésticos, pelo cuidado dos filhos, mesmo que possua um cônjuge. Analisando toda sobrecarga que é depositada na mulher enquanto realiza uma graduação que exige muito de seu psicológico e físico, precisa de um emprego para compor a renda familiar e cuidar de seus filhos, é comum que em determinado momento uma escolha tenha que ser feita. Abandonar os filhos não costuma ser uma opção, deixar o emprego também não, porque este é o meio de arcar com as despesas da casa. Portanto, a faculdade é a escolhida das três jornadas a ser abandonada, encerrando os estudos para conseguir suprir as necessidades biológicas diárias. Desta maneira, a figura feminina se vê obrigada a abrir mão de seus estudos para conseguir dar conta de todo restante, já que a carga familiar ainda recai sobre a mulher, que é comumente vista como dona de casa, quem deve lavar as roupas, fazer a refeição, cuidar de filhos, tudo isso enquanto se preocupa com o seu trabalho e abdica da sua busca por conhecimentos e um diploma que teria potencial para proporcionar uma melhor qualidade de vida a ela e a sua família. Outro fator de extrema relevância é a questão da saúde mental e da qualidade de vida que a mulher possui. A sobrecarga gerada pela dupla ou tripla jornada acarreta conflitos e crises em um ou mais campos da vida da mulher, seja na família, estudos ou trabalho. Nota-se que apesar da mulher ter conquistado sua entrada no mercado de trabalho e universidade ela continua possuindo as obrigações outrora atribuídas a ela dentro de sua casa, aumentando ainda mais suas responsabilidades e deveres, prejudicando, interferindo e afetando diretamente todos os outros âmbitos de sua vida. No caso da existência do conflito entre trabalho e família, onde o trabalhador sente-se roubado de um tempo que poderia estar dedicando à família, percebe-se um aumento significativo dos fatores de exaustão emocional e despersonalização, conforme dito por Vasques-Menezes, Codo e Medeiros (2006, p. 257). Não apenas a mulher como mão de obra no mercado de trabalho, mas a estudante dentro de uma graduação. Primeiramente, será tratado, ao decorrer do Capítulo I, questões legais que protegem a mulher no Brasil. Para isto, se faz necessário compreender certos 14 pontos sobre o porquê da necessidade da existência de leis específicas e exclusivamente voltadas para as mulheres. Já no Capítulo II, será tratado a inserção da mulher no campo da atuação social, assim como sua trajetória e lutas. No capítulo III será apresentado como se deu a inserção da mulher no Ensino Superior assim como as dificuldades de permanência e desempenho destas. O capítulo IV tratará a abordagem metodologica, como o estudo se realizou e no capitulo V tratará as considerações que essa pesquisa levantou, observou, trouxe como reflexão para futuros pesquisadores e pesquisadoras no que tange a mulher e sua trípla jornada. 15 CAPÍTULO I VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL E REIVINDICAÇÃO DE DIREITOS O movimento feminista foi um movimento importante para destacar a mulher e sua importância na sociedade, assim como as violências e preconceitos que foram e ainda são submetidas, e a reivindicação de seus direitos. Nos anos 70, a violência contra a mulher pôde adquirir maior visibilidade e, consequentemente, destaque. Explicação para tal acontecimento, deriva da hierarquia imposta desde os primórdios da civilização humana, quando as sociedades iniciam a sua formação, que coloca o homem como centro e detentor de grande poder. É correto dizer que a construção desta assimetria nas relações de poder entre os gêneros se inicia no momento da descoberta do sexo do bebê, e se estende ao passar dos anos. Através dos brinquedos direcionados para meninos, que possuem uma função social de poder, superação e competição, enquanto os brinquedos femininos visam os cuidados da casa e dos filhos. Assim, acabam por chegar à fase adulta com esses valores enraizados em cada indivíduo, demarcando suas potencialidades e funções, derivadas também, de um tratamento diferenciado dentro de casa, delimitando o que meninos devem fazer de acordo com suas vontades e desejos, e restringindo meninas em sua grande maioria de exercer sua liberdade e vontades pessoais e assumindo as funções da casa. Considerando a hierarquia de poder tratada, que abrange aspectos muito mais perigosos do que o simples pensamento de submissão da mulher, mas também resultava em todos os tipos de violência que estão enraizadas em uma cultura sexista, os movimentos das mulheres reivindicavam, uma lei que as protegessem de todas as formas de violência e que fosse enfatizado que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos. Foi criada, então da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República em 2003, e a elaboração da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006 foi desenvolvida, afirmando que toda mulher, sem restrições, goza dos direitos 16 fundamentais e pretende assegurar a todas possibilidades para ter uma vida segura e livre (MENEGHEL, MUELLER, COLLAZIOL, QUADROS, 2013). Com o vigor desta Lei anteriormente citada, medidas mais severas puderam ser aplicadas com os agressores, representando um amadurecimento da Lei. Uma obrigação dos defensores e aplicadores da lei que merece seu devido destaque devido a sua importância, é a questão de que é garantido para a mulher ser acompanhada até sua casa para que pegue seus pertences até que uma solução seja encontrada, e enquanto isso, as medidas protetivas são colocadas em execução. No entanto, considerando o atual cenário de violência no Brasil, em que em 2020 estatísticas afirmam que no mínimo cinco mulheres morreram por dia vítimas de feminicídio (JUCÁ, 2021) conclui-se que essa proteção não é completamente efetivada. Existem fatores a serem colocados em questão, como por exemplo: para onde a mulher vai depois de recolher seus pertences em sua casa? Onde seus filhos vão e com quem ficarão? Quem garante que o agressor realmente manterá a distância da mulher? E se não, como ela conseguirá contatar a polícia a tempo de não ser ferida e morta? Um aspecto positivo gerado pela criação desta Lei, é a possibilidade da prevenção da agressão, por exemplo, quando a mulher denuncia o agressor por ameaças e solicita medida preventiva, em tese, agressão física não deverá ocorrer em seguida, já que foi ordenado para o agressor que mantenha distância da vítima. Com isto, nota-se que a quantidade de queixas de agressões graves tem diminuído, já que existe a possibilidade da tentativa de prevenção. No entanto, a quantidade de queixas no geral não tem diminuído com o vigor da lei, fator esse que pode ser explicado tanto quanto pelo aumento real de casos de agressão contra a mulher, mas também pela questão do maior acesso à informação e consequente maior segurança para que seja possível denunciar o agressor. (MENEGHEL, MUELLER, COLLAZIOL, QUADROS, 2011) Esta lei veio para enfatizar que a violência contra a mulher não deve ser admitida e que sua segurança é um direito humano fundamental, e que deve ser tratada com a gravidade que lhe é merecida, se contrapondo às antiquadas leis onde a pena era mínima. Mas essa lei ainda possui algumas limitações, na 17 medida em que a mesma se encontra contextualizada em uma sociedade sexista e machista, em que muitos juízes e operadores da lei são influenciados por uma cultura conservadora que tende a não acreditar no relato da mulher e considerá-lo insuficiente para a solicitação da ordem de restrição do agressor com a vítima. Outro fator limitante é a questão de que o sistema policial não responde aos pedidos com rapidez ou oferece a ajuda imediata para a mulher quando solicitada, considerando que a medida restritiva nestes casos não passa de um papel, já que não existe uma fiscalização e real proteção de que o agressor ficará longe da vítima. Desta maneira é perceptível que ainda não existe suporte e garantia de que a mulher pode ficar segura perante situações de agressão mesmo após a denúncia. (MENEGHEL, MUELLER, COLLAZIOL, QUADROS, 2011). Anterior a essa lei, violências cometidas contra mulheres eram em sua grande maioria consideradas crime de menor potencial ofensivo, julgadas segundo a lei 9.099/95 e poderiam ser cumpridas através do pagamento de cestas básicas ou trabalho comunitário. (MENEGHEL, MUELLER, COLLAZIOL, QUADROS, 2011) No entanto, as questões aqui debatidas se atentarão às legislações atuais, e, por isto, cabe ressaltar que a Lei Maria da Penha trouxe medidas mais rígidas para os agressores. Para abordar as atuais legislações que protegem a mulher, é de suma importância salientar que segundo a Organização Mundial da saúde, o Brasil é o quinto país com a maior taxa de feminicídio no mundo. Em outras palavras, o número de assassinatos de mulheres chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. Por isto, como forma de combate a este grande problema, o Brasil adotou leis que pudessem proteger a figura feminina e zelar por seu bem-estar (MARTINS, 2017). É importante ter conhecimento sobre algumas dessas leis que vigoram visando a proteção da mulher, e, para isto, temos a Lei do feminicídio, que diz respeito a situações em que a mulher tem sua vida tirada consequente de abusos e violências, sejam estes domésticos, físicos e também psicológicos, levando a mulher ao suicídio. Em suma, qualquer que seja o motivo que levou a morte da mulher, pelo simples fato dela ser do sexo feminino, se enquadra a lei do feminicídio. Esta lei, 13104, de 9 de março de 2015, foi criada devido aos altos 18 índices de morte de mulheres no Brasil e pela busca de igualdade de gênero na sociedade. Uma outra lei que apesar de não ser tão reconhecida quanto a anterior, porém que merece grande atenção, é a que garante para a mulher o direito de sair do trabalho para consultas médicas ou realização de exames seis vezes ao ano. Ou seja, se a figura feminina precisar durante sua jornada de trabalho realizar algum procedimento médico ela tem esse direito assegurado pela legislação. Tratando também sobre questões da saúde da mulher, cabe destacar a lei que garante a mulher direito ao repouso remunerado de duas semanas para descanso físico e mental em caso de aborto espontâneo (EDUQC OAB, 2016) . Apesar da existência de diversas leis que visam a proteção da figura feminina em nossa sociedade, na prática esta ação não ocorre efetivamente por diferentes razões que serão tratadas a seguir. Muitas mulheres sofrem inúmeros abusos dentro de casa e de seu trabalho, por isso, diversos motivos as cercam e a impedem de denunciar tais atitudes. Dentre estes motivos, se tem a dependência financeira e/ou emocional da mulher com o agressor, que a impossibilita de sair daquela zona de violência, que a faz acreditar (o que muitas vezes é real) que não terá condições de sobreviver e criar seus filhos. Se for o caso, sem a presença do homem no lar, de que ela não possui capacidades, estruturas e condições de manter sua família sozinha, pensamento esse gerado muitas vezes através de falas do atual parceiro. Se for uma violência no trabalho pode existir grande temor em perder o que lhe garante alimento e a certeza de um futuro em que exista uma garantia de vida digna e até mesmo a sua sobrevivência e dos que a cercam. Há também, a questão do terrorismo psicológico que o agressor causa na vítima, ameaçando-a de inúmeras maneiras que a impedem de exercer seus direitos e conquistar sua liberdade física e mental. Outros fatores que impedem a figura feminina de denunciar tais maus tratos anteriormente citados, é a vergonha de divorciar-se e encarar os julgamentos que cercam a mulher ainda nos dias em nossa sociedade. Por fim, em larga escala, se tem a questão de depositar a confiança no agressor acreditando em juras que afirmam que será a última vez que a situação ocorrerá (CYMROT, BIANCHINI, 2011) . 19 A violência contra a mulher, além de um crime, é um problema de saúde pública, que requer um atendimento que supra as necessidades dessas vítimas, que precisam de um olhar atento para as mais abrangentes questões que vão além de lesões físicas que podem ser vistas, mas também inúmeros danos psicológicos que são deixados destas. Para tratar essa questão é preciso citar os pré-conceitos que rodeiam grande parte de profissionais da área de atendimento que, por não existir um dano, uma lesão aparente na mulher, desconfiam da veracidade dos fatos contados por ela. Como, por exemplo, uma mulher que é atendida de maneira grosseira e, por parte do profissional, há desinteresse em ouvir sua fala, gerando constrangimento para a mesma, provoca o abandono do tratamento. Paralelo a este fato, o mesmo acontece quando a denúncia acontece e existe descaso por parte do policial, fazendo com que a vítima de alguma maneira se sinta culpada abandonando a queixa. Em um caso contrário as duas situações apresentadas, quando existe real acolhimento e demonstração da devida importância merecida, a mulher sente-se encorajada para seguir em frente e sente o apoio que lhe está sendo oferecido e, consequentemente, existe a possibilidade de reflexão sobre o que está ocorrendo e tudo que pode ser feito em busca da melhoria. Portanto, é perceptível a necessidade de profissionais da área habilitados para intervenção correta em situações de violências contra a mulher, para isto, além de sua formação e de um olhar atento, uma aproximação e conhecimentos de sua família e quem a rodeia, buscando sempre um trabalho que vise o desenvolvimento da autonomia e independência da vítima. O despreparo destes pode ocasionar danos permanentes nas mulheres que sofreram agressão, na medida em que, na tentativa de medicar a vítima, para que ela se sinta melhor, o problema verdadeiro acaba por ser disfarçado. Um fator que influencia diretamente nesse atendimento é a questão do vínculo afetivo entre a vítima e o profissional, visto que a mulher que efetivamente não se sente acolhida não dá continuidade ao seu tratamento, já que sem essa proximidade suas necessidades individuais não são atendidas. Outra questão de saúde pública que convém ser abordada, trata sobre o aborto legal. No Brasil, este fato se dá em três situações, sendo estas em risco de 20 morte eminente da mulher, fetos anencefálicos e casos de estupro. Será trabalhado aqui a terceira hipótese de aborto legal (SANTOS, [S. D]). Tratando sobre a gestação em caso de violência sexual contra a mulher, apesar de ser um direito constitucional dela, ainda existe diversos fatores que buscam implementar barreiras para que o aborto seja de fato realizado. Como por exemplo, princípios morais e religiosos que estão fortemente presentes em nossa sociedade, incluindo nas instituições e profissionais, juntamente com o aumento dos pensamentos conservadores que em sua maioria repudiam o aborto mesmo que legalizado. O estado precário do sistema público de saúde também possui forte influência na não execução deste direito. Foi durante o desenvolvimento final do Sistema Único de Saúde – SUS, que os documentos que trariam consigo instruções para os atuantes na área da saúde para execução do aborto em caso de violência contra mulheres e adolescentes, foram elaborados, no ano de 1999 e atualizado em 2005, orientando a maneira como a vítima deve ser atendida e exigindo maneiras para garantir o sigilo absoluto juntamente com a privacidade da mulher para o procedimento. Esta lei que garante a mulher a interrupção de sua gestão gerada por um abuso sexual assegurando a ela o direito de sua saúde sexual e reprodutiva e simultaneamente faz jus ao direito que a mesma possui de tomar decisões sobre seu próprio corpo. Existe um extremo desrespeito penal em relação a esse direito assegurado na medida em que a sociedade conservadora e religiosa consegue colocar barreiras para a execução do procedimento. Outro fator agravante é o fato de algumas instituições exigirem um boletim de ocorrência ou autorização judicial como prova de que a mulher sofreu uma violência sexual, sendo que as prerrogativas da norma técnica do Ministérios da saúde não exigem tais documentos. A luta pelos direitos femininos aos longos dos anos sempre foi colocada em questão e debate, já que abala todo um sistema hierárquico e desigual que persiste ao longo das décadas na sociedade. A decisão da mulher em interromper uma gestação derivada de uma violência se trata não apenas da autonomia da mesma em tomar decisões sobre seu corpo, mas também diz respeito sobre a democracia, sobre os direitos 21 individuais de cada cidadão. É possível então se ter a compreensão de que desde o movimento nos anos 70, em que as mulheres buscaram destacar sua importância na sociedade, bem como as violências e preconceitos que as cercavam, diversas mudanças sociais aconteceram. No entanto, o caminho a ser percorrido ainda é muito longo, a sociedade ainda encontra-se centrada no homem como figura no topo da hierarquia social, os brinquedos ainda possuem distinção por sexo, as meninas têm tratamento diferenciado e restrito em relação aos meninos nos mais diversos círculos de suas relações, bem como a mulher possui barreiras muito maiores do que os homens para todos os quesitos em sua vida. Outro ponto que merece destaque é que mesmo com a conquista da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, que visa que a mulher possua todos os seus direitos fundamentais e assegure uma vida digna sem qualquer tipo de violência, a realidade imposta para essas pessoas é outra. Na medida em que existem muitas limitações que cercam a sociedade, desde a mulher ter a liberdade de ir a uma delegacia fazer a denúncia sem ser violentada, antes disso ou por que se sinta insegura, já que possui algum tipo de dependência com o agressor, seja emocional ou financeira. A mesma imagina que não terá condições de sobreviver sem ele. Até que ponto a lei e a justiça são exercidas à risca, garantindo à mulher uma proteção verdadeiramente efetiva e acolhedora, permitindo que a figura feminina se sinta realmente amparada e confiante, de que poderá sair de determinada situação de violência sem que sua vida esteja em risco? No próximo capítulo será tratado o processo de evolução da mulher em vários meios sociais. 22 CAPÍTULO II LUTAS E TRAJETÓRIAS: O PROCESSO DE INSERÇÃO DA MULHER NOS MEIOS SOCIAIS O processo evolutivo de voto no Brasil sofreu diversas mudanças com o passar do tempo, se iniciando por volta de 1530, no período colonial, onde apenas homens livres com um valor mínimo de renda financeira possuíam o direito de voto. Este período é marcado por um grande número de fraudes nos votos. No período da república este grupo de votantes ainda é bem restrito, menores de 21 anos, as mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero não possuíam este direito. Durante a República Velha, o conhecido voto de cabresto, que consistia na coação de eleitores para que votassem em quem os homens de maior poder aquisitivo eram favoráveis, marcava forte presença. Esta situação era extremamente comum e os eleitores ameaçados aceitavam votar em quem eram coagidos. Simultâneo a esta situação, nomes de pessoas que já haviam morrido também apareciam nos votos. Portanto, nota-se que eram realizadas fraudes para que os candidatos visados conseguissem atingir o cargo político cogitado (VINICIUS, GEREMIAS, 2017). Dando um salto na história, somente em 1932 a mulher teria adquirido o direito ao voto, porém, seus direitos políticos foram equiparados aos homens apenas em 1965. Este fato pode ser explicado na medida em que o voto é colocado como direito legal da mulher, porém, é tido como opcional, sendo obrigatório apenas para homens entre 21 e 60 anos. Neste momento, a figura de autoridade dentro de uma família e da sociedade em si, é o homem, por isto a obrigatoriedade de opinar no poder público era apenas do homem. Desta maneira conclui-se que o estado optou por não ultrapassar os limites desta concepção cultural imposta, que reafirmava o pensamento antiquado que dizia que a mulher possuía obrigação muito mais doméstica do que pública, moral e política, a encaixando em um papel inferior em todos seus círculos sociais. Analisando a história do voto no Brasil é perceptível que algumas mudanças de fato 23 aconteceram, porém, apesar de em 1932 as mulheres terem conquistado o direito de voto, elas só poderiam realizá-lo se fossem autorizadas pelos maridos, pois conforme dito anteriormente, acreditava-se que a mulher possuía apenas obrigação dentro de seu lar, sendo dispensável nas eleições. Cabe ressaltar aqui que a questão de o voto feminino ser facultativo não representava o querer ou não querer da mulher, mas sim reafirmava o poder do homem dentro da casa, já que este, conforme mencionado, sempre fora colocado como centro hierárquico na família, detentor de todo poder e assim, escolheria se a mulher iria ou não votar, quer dizer, se daria ou não autorização para que ela exerce seu direito. Quando surgiam propostas para que a mulher tivesse a obrigação do voto, conflitos sociais apareciam, na medida em que a hierarquia era ameaçada, e eram vistas como uma espécie de convite para que a mulher tivesse uma vida pública mais ativa, colocando em risco a detenção de poder voltada unicamente para o homem. Para isto, mais uma vez o voto voluntário se apresentava como uma boa conciliação, na medida em que ele não colocava a hierarquia em risco e aparentava ser igual para os gêneros, já que a mulher poderia, supostamente, escolher votar ou não. Entretanto, o voto voluntário, na realidade, é uma escolha do marido, que detinha o poder sob a mulher. Entretanto, apenas em 1965, finalmente, o voto perde o caráter voluntário por parte das mulheres e passa a ser obrigatório. (LIMONGI, OLIVEIRA, SCHMITT, 2010) Fatores como a conquista da obrigatoriedade de o voto feminino ter sido tão tardio em relação ao masculino, influenciam diretamente nos dias atuais, bem como diversas outras questões machistas que cercam a atual sociedade desde muito tempo atrás. Uma problemática que resulta desse sexista, antigo e persistente padrão social é a diferença salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. A legislação brasileira garante a igualdade salarial entre homens e mulheres na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) desde 1943. No texto, a determinação de que salários devem ser iguais "sem distinção de sexo" aparece em pelo menos quatro artigos: no 5º, no 46, no 373-A e no 461. (BRANDALISE, 2019) 24 Apesar de existir na legislação a obrigatoriedade de salários iguais em uma mesma função, minorias sociais, como negros, mulheres, idosos, imigrantes e deficientes, são vítimas de discriminação e divergência no valor salarial em relação aos demais não pertencentes a esses grupos citados. Conforme vem sendo trabalhado neste estudo, a mulher e todos os círculos sociais que a rodeiam reforçam a sua submissão perante ao homem e essa disparidade salarial confirma tal afirmação. Assim como existem brinquedos que são voltados para meninas e de outro lado para meninos também existem trabalhos que são socialmente e culturalmente objetivados para a mulher. No geral, estes são voltados para funções com atribuições consideradas femininas, possuindo um forte caráter doméstico e também apresentam grande distanciamento de funções voltados para a política e outras esferas sociais que envolvem o topo da hierarquia que se vive atualmente em que o homem é sempre colocado no topo, ocupando os cargos de poder, enquanto a mulher reproduz essa realidade ocupando estes cargos designados para ela, efetivando uma condição vista como natural e necessária e não algo que foi gerado e que deve ser transformado. Além de todas as questões anteriormente tratadas sobre as injustiças que cercam a vida da mulher em sociedade, a desigualdade em relação ao salário também a cerca. Considerando o ambiente de trabalho um reprodutor dessa distinção de gêneros, essas problemáticas de desigualdade de sexo também são enfatizadas e enraizadas neste local já que se trata de uma hierarquia e a mulher encontra-se sempre abaixo dos homens. (LIMA, 2018) Entre as estatísticas da OIT (2016), constata-se que a mulher trabalha até duas horas a mais que o homem e que o gênero feminino representa um maior contingente de trabalho informal, não qualificado e por tempo parcial. Com relação à desigualdade salarial entre homens e mulheres, apesar de, em estudo recente, a instituição ter constatado que houve redução nas diferenças salariais de 30% para 23%, ainda se precisará de mais de 70 anos para suprimir essa disparidade, que implica, também, a redução da cobertura previdenciária da mulher, em consonância com o percentual anual de redução (OIT, 2016) - o que concorre para a “crescente feminização da pobreza” (LIMA, 2018). 25 Conforme visto, existem constatações de que a mulher, no geral, trabalha cerca de duas horas a mais do que um homem. Ela também está fortemente presente no trabalho informal, ou seja, aquele que não possui direitos assegurados, como fundo de garantia, por exemplo. Apesar da existência da tentativa de redução das diferenças de salário conforme visto, ainda existe uma grande disparidade, o que é extremamente injusta, considerando que o mesmo trabalho é exercido, não existindo motivos para que a figura feminina receba um ordenado menor do que o homem. Uma consequência da alta gravidade é a questão da aposentadoria, pois na mesma medida em que o salário da mulher é menor que o do homem, sua aposentadoria será proporcionalmente menor também, desta maneira, como real consequente tem-se a feminização da pobreza. Ou seja, se as mulheres ganham um menor salário, por conseguinte elas constituem a maior parte desta classe socioeconômica de maior inferioridade financeira. Tratando sobre a lei no Brasil, a primeira manifestação constitucional no que diz respeito ao salário entre homens e mulheres aconteceu em 1934, para por fim, em 1940, o decreto-Lei número 2548 afirmar que o salário da mulher poderia legalmente ser 10% menor que o salário dos homens. Porém, em seguida, entre 1946 e 1967, a igualdade salarial entre gêneros foi regularizada. No entanto, apenas na Constituição Federal de 1988 a igualdade formal entre homens e mulheres é consagrada e se estabelece a proibição da repressão e diferenciação com o sexo feminino, estabelecendo uma certa proteção para a mulher. No entanto, bem como a Lei Maria da Penha citada no capítulo anterior, mais uma vez a lei não é executada com veracidade na realidade da mulher, já que não existe uma forte fiscalização para esta injustiça. Portanto, pode-se concluir que apenas essa legislação exigindo salários iguais não garante este direito à figura feminina dentro do mercado de trabalho, já que essa é uma questão histórica e cultural fortemente implantada. É fato que primeiro passo para resolução dessas questões seria que a questão da distribuição de trabalho de acordo com o gênero não existe mais, que as mulheres conseguissem chegar em cargos de alto poder e não apenas a cargos com caráter doméstico, apenas dessa maneira a trajetória da mulher rumaria para a igualdade social, através de uma reestruturação desse sistema. (LIMA, 2018) 26 Outro fator que dificulta a inserção e permanência da mulher no mercado de trabalho é o preconceito das empresas perante as que são mães. É comum ser dito que mulheres que são mães não possuem capacidade de conciliar os afazeres de casa com os do trabalho. Neste momento, cabe ressaltar que ao homem essa questão não é levantada, já que os afazeres domésticos são sempre atribuídos para a mulher (MARTINS, 2018) . Tratando sobre essa divisão sexual do trabalho, pode-se dizer que há muito tempo o trabalho do homem é visto como fora de sua casa. Este seria então o que traz dinheiro para dentro do lar, enquanto o trabalho principal da mulher é cuidar da casa, porém com passar dos tempos ela vem ganhando espaço no mercado de trabalho, no entanto ainda é responsabilizada pelos cuidados da casa. Algumas pequenas mudanças vêm acontecendo, como o surgimento do despertar de uma consciência em relação a desigualdade nas tarefas domiciliares, principalmente nos jovens, porém ainda não possui um tamanho significativo para grande mudança, mas caminha para este objetivo. Portanto, devido a esse pensamento sexista de que essas tarefas são apenas das mulheres, a afirmação de que elas não conseguem conciliar trabalho com a casa é reafirmada na medida em que ela é sobrecarregada com seus afazeres duplos. Nesse sentido, Carloto (2001) apresenta: (...) que a divisão sexual do trabalho não cria a subordinação e a desigualdade das mulheres no mercado de trabalho, mas recria uma subordinação que existe também nas outras esferas do social. Portanto a divisão sexual do trabalho está inserida na divisão sexual da sociedade com uma evidente articulação entre trabalho de produção e reprodução. E a explicação pelo biológico legitima esta articulação. O mundo da casa, o mundo privado é seu lugar por excelência na sociedade e a entrada na esfera pública, seja através do trabalho ou de outro tipo de prática social e política, será marcada por este conjunto de representações do feminino. (CARLOTO, 2001,apud Brito e Oliveira, 1997, p. 252) Cabe ressaltar que durante a pandemia do COVID-19 muitas pessoas iniciaram o trabalho em casa, o famoso home office. Para muitas mulheres isso representou o trabalho em dobro, já que precisam dar conta do trabalho em casa e cuidar dos filhos se fosse o caso, já que as escolas ficaram por um longo período de tempo fechadas, além de dar conta das tarefas domésticas. 27 A junção desses fatores e dessa sobrecarga é extremamente prejudicial para a mulher na medida em que gera riscos para sua saúde e devido ao cansaço todos os quesitos de sua vida acabam sofrendo um déficit. Essa realidade que as mulheres foram expostas durante a pandemia foi extremamente desafiadora e estressante, e é claro que essa situação foi agravada pelo pensamento de que a casa é uma obrigação apenas da figura feminina. No entanto, toda essa situação não é novidade, já que essas desigualdades acontecem no dia-a-dia, no entanto foram potencializadas com essa necessidade de ficar em casa (MONTICELLI, 2021). Conclui-se, então, que a hierarquia social dentro dos próprios lares brasileiros é extremamente reforçada de acordo com essas desigualdades sociais perante a lei. Podemos dizer que de diferentes maneiras, tentava-se encontrar uma saída para deixar a mulher sempre como submissa e detentora de menor poder em relação à figura masculina. Um importante exemplo disto é o fato da voluntariedade do voto, deixando nas mãos do homem a decisão da mulher de votar ou não, já que o papel da mulher era reservado a cuidar da casa e dos filhos, e por isso não deveria interferir em situações políticas e sociais que eram consideradas voltadas para os homens. Esta grande negação da mulher votar provinha de um temor por parte dos homens em que a participação política da mulher colocaria em ameaça o seu papel dentro da casa e da sociedade. Retomando essa questão da submissão da mulher, a disparidade salarial reforça essa questão. É perceptível que a mulher sofre diversas injustiças e desigualdades ainda hoje na sociedade, mesmo que existam leis que exijam o contrário e para isto grandes reestruturações devem acontecer rumando para uma sociedade mais justa e igual. Conforme vem sendo estudado, o papel social da mulher vem se alterando ao longo dos tempos, bem como as leis vem sendo ajustadas ao seu favor e as condições de trabalho se tornando mais igualitárias com o passar dos anos. com isso, ela aos poucos vem se inserindo no meio social com maior igualdade em relação ao sexo oposto. Atualmente, existe a idealização da luta que a mulher enfrenta no seu dia-a-dia, cobrando de si a perfeição, em uma situação em que 28 precisa cuidar dos seus filhos, de sua casa e trabalhar fora. Pode-se dizer que se espera que a mulher tenha super habilidades para dar conta de todas as responsabilidades que as cercam. A história nos mostra que sempre existiu uma divisão sexual injusta do trabalho doméstico, que afirmava que o homem deveria voltar suas forças e habilidades para os trabalhos externos enquanto a mulher pertencia à o trabalho privado, dentro de sua casa. Com o passar do tempo, a mulher foi conquistando seu local de trabalho externo. No entanto, isto não significa que os trabalhos em casa diminuíram – na realidade o homem continuou com a obrigação externa enquanto a mulher deveria lidar com essa dupla jornada, já que além de suas obrigações anteriores domésticas, agora conquistou o trabalho fora de seu lar, não substituindo o anterior, mas sim somando-os. (SOUSA e GUEDES, 2016) Tratando sobre a questão da maternidade, sabe-se que é uma experiência diferente de qualquer outra vivida, seja desejada ou não, grandes transformações, sejam estas físicas ou mentais, acontecem com a mulher. E as transformações continuam desde a fecundação até o nascimento e desenvolvimento da criança, na medida em que o ser humano é totalmente dependente quando nasce, no caso, da mãe. Para isto, a mulher é obrigada, já que esta é vista como a principal responsável pelo ser que está se desenvolvendo, a abdicar de todas as suas outras obrigações por um longo tempo; suas relações sociais, seu trabalho, seus estudos, enfim, sua vida pessoal. (MENEZES et al., 2012) Portanto, a mulher encontra diversas dificuldades para ter tanto uma carreira profissional, derivada das dificuldades que ela passa e em todo preconceito que é imposto sobre ela, quanto para uma trajetória no ensino de nível superior, já este exige maior comprometimento. Em muitos casos isto é de extrema dificuldade, considerando a situação de mulheres que trabalham fora e possuem filhos, sobrando pouquíssimo tempo para que ela consiga investir em seu futuro, já que está criando outros seres que são dependentes dela, e que, como estudado anteriormente, são atribuídos como obrigação muito mais para a mulher do que para o homem. Desta maneira, então, ela se encontra sem opções se não trabalhar buscando sustento financeiro enquanto cuida dos afazeres 29 domésticos e da família. Entretanto, esta temática será melhor trabalhada no próximo capítulo. Cabe ressaltar que é claro que existem exceções, mas este trabalho não se atentará às minorias que podem deixar os filhos com terceiros enquanto usufruem da possibilidade de focar em si. 30 CAPÍTULO III A INSERÇÃO DA MULHER NO ENSINO SUPERIOR DESEMPENHO, DIFICULDADES E PERMANÊNCIA Tratando sobre a vida universitária, as mulheres iniciaram sua trajetória universitária muito depois dos homens, somente no século XX. A tradição imputada pelos europeus durante o processo de colonização do Brasil pregava a inferioridade da mulher, portanto, não considerava a alfabetização das mesmas. Além disso, a educação feminina era voltada às orientações e cuidados do lar (RIBEIRO, 2000). Conforme mencionado, a expansão do ensino brasileiro que possibilitou o aumento da presença feminina nos ensinos secundário e superior se deu apenas no século XX. Após a criação do Ministério da Educação, em 1930, ocorreram oportunidades maiores de inserção feminina no sistema educacional. Com o passar do tempo, a tendência aumentou, na medida em que a demanda de mão de obra em diferentes setores ampliou-se, exigindo das mulheres cargos cada vez mais específicos. O aumento mais significativo se deu nos anos 2000, com a criação da Secretaria de Promoção de Políticas para as Mulheres (SPM) e a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) (PEREIRA, NUNES, 2018). Considerando que, em 1956, elas representavam 26% do total de matriculados/as e, em 1971, não passavam de 40% (Barroso e Mello, 1975). A reversão deste quadro, de acordo com a pesquisa de Moema Guedes (2009), aconteceu no início dos anos 2000, quando as mulheres entre 20 e 29 anos atingiram 60% do total de concluintes. O número de mulheres ainda é mais expressivo quando os dados de matrícula são desdobrados nas categorias educação a distância (EaD) e educação presencial, com as mulheres representando 66,6% entre os/as estudantes na EaD em 2012. (BARRETO, 2014, p. 13) Porém, isso não quer dizer que as outras tarefas tenham diminuído. Na realidade, a mulher tem aumentado seus afazeres pensando em um crescimento profissional e intelectual (MENEZES et al., 2012). A constatação de que há um 31 aumento de mulheres no ambiente universitário, portanto, não exclui as desigualdades existentes nesse espaço no que concerne ao gênero, raça/etnia e condição social (PEREIRA, NUNES, 2018). No que se refere à inserção das mulheres, a partir da análise dos dados agregados, sem a decomposição em outras variáveis como raça, o exame do conjunto de informações sobre o ensino superior mostra que a presença feminina nos mais altos níveis de ensino também é cada vez mais ampla, mas ainda bastante desigual. Adicionalmente, pesquisadoras/es como Bruschini, Lombardi, Mercado e Ricoldi (2011) têm ressaltado que o fato das mulheres atualmente terem nível de escolaridade mais elevado que os homens, não tem impactado significativamente no cenário de discriminação e violência física e simbólica de que são objeto. (BARRETO, 2014, p.42) Em relação ao desempenho na faculdade, existem diversas dificuldades para a permanência, já que além de ser um desafio ingressar na faculdade, se manter lá dentro também se apresenta como outro. A rotina de uma mulher com tríplice jornada, na qual precisa cuidar de sua casa, de seus filhos, trabalhar e estudar é extremamente desgastante. Enquanto ela trabalha, se preocupa com as necessidades dos filhos, assim como quando está com os filhos, está pensando no trabalho e em seus estudos. Por isso é um ciclo de estresse e cansaço que não termina e que a não permite executar com excelência nenhuma das atividades já que se encontra extremamente sobrecarregada e sem nenhum tempo para que ela possa desestressar e usufruir de maneira livre. No atual contexto em que a universidade foi configurada, naquilo que se refere ao recebimento de mulheres nas condições de mães, esposas, donas de casa e trabalhadoras, é imprescindível pensar sobre os desafios que essas novas mulheres vêm enfrentando para ingressar, permanecer e atuar no espaço acadêmico, considerando os muitos encargos que vêm assumindo. Funções que elas mesmas escolheram e muitas outras que estão sendo condicionadas a se responsabilizar, mesmo que estejam além de suas capacidades. (AGUIAR; PAES; REIS, 2019) Em relação mulheres que engravidam durante seu percurso na universidade, é evidente que a conciliação entre a vida materna e os estudos é um grande desafio, na medida em que novas prioridades e necessidades aparecem. por isto, muitas mulheres vêm como única saída paralisar os estudos visando voltar posteriormente, porém, a realidade idealizada é alterada já que a 32 criança passa a ser o centro da vida da mulher que não tem onde deixar o seu filho para poder estudar e prosseguir o seu ensino de nível superior, tendo como uma única opção o abandono do curso. De acordo com uma pesqiosa feita por Andrade (2016), na Faculdade Governador Ozanam Coelho, a presença de criança na família aumenta em 14% a chance de evadir. Para grande parte das mulheres, a habilidade de separar e definir limites para os diferentes tempos/espaços é um grande desafio. Conciliar os três segmentos de trabalho é uma fonte de estresse, ansiedade e pressão constantes. Isso as torna emocionalmente vulneráveis. (ÁVILA; PORTES, 2012) Na década de 70, existiam movimentos sociais que reivindicavam às escolas o direito das mulheres que trabalhavam e precisavam de um local para deixar os filhos. Esses movimentos foram liderados por mulheres trabalhadoras feministas, buscando atendimento para crianças de zero a seis anos de idade. Este direito foi exigido derivado do aumento da quantidade de mulheres dentro do mercado de trabalho, consequente de algumas mudanças que estavam acontecendo na sociedade, como a expansão industrial, o crescimento das cidades e a reestruturação da família. Conforme exigido por essas reivindicações, algumas universidades foram recebendo creches em suas estruturas, que inicialmente eram direito apenas da mulher trabalhadora de 16 a 40 anos, com filhos amamentando e posteriormente, se tornou um direito trabalhista de todos os trabalhadores de órgãos entidades da administração federal e fundações. Raupp (2004) aponta que, mais à frente, surgem diversas discussões a respeito de medidas legais que poderiam garantir que as creches universitárias fossem direitos de todas as crianças, sendo filhos de servidores trabalhistas ou não. Em alguns lugares, como na Universidade Estadual Paulista de Rio Claro, existe o Centro de Convivência Infantil, conhecido popularmente como ''Unespinha'', que atende crianças de três meses a 3 anos de idade, dependentes de servidores e de discentes, que visa dispor de atendimento educacional e cuidados para os alunos. 33 Segundo uma pesquisa realizada por Aguiar, Paes e Reis (2019), com 116 alunas do campus XII da Universidade do Estado da Bahia, as mesmas, quando perguntadas sobre as renúncias que tiveram que fazer para estar na universidade a maioria delas um medo recorrente de não conseguir conciliar as atividades acadêmicas com as tarefas domiciliares e a maternidade. Essas mulheres, que possuem inúmeras obrigações, acabam fazendo o que dá tempo de fazer, o que no geral, infelizmente, não é grande parte das tarefas. Para dar conta das atividades acadêmicas elas precisam em muitos casos madrugar, ou seja, passar a noite em claro, fazendo os trabalhos que são solicitados, já que não tem outras opções para executar tais atividades. Outros obstáculos enfrentados por essas mulheres é o fator de que crianças pequenas ficam doentes e precisam de uma figura adulta que lhes dê ap3oio e supra suas necessidades, para isto, a mulher acaba perdendo dias da faculdade para cuidar de seus filhos. Em suma, cabe ressaltar que existe uma contraposição entre o que as mulheres realmente querem fazer e o que elas conseguem fazer, as frustrações são imensas ao se deparar com notas medianas ou baixas e avaliações entregues atrasadas por exemplo, já que estas passaram por grandes dificuldades para conseguir entrar na faculdade e agora não consegue usufruir pena plenamente do que está vivenciando, e possuem plena consciência disso. (ÁVILA; PORTES, 2012) Conforme vem sendo apresentado neste estudo, existe uma grande desigualdade no trabalho doméstico entre homens e mulheres, e é evidente que durante a pandemia esse quadro foi consideravelmente aumentado, na medida em que representa um desgaste redobrado por parte das mulheres. É importante considerar que o lar não é apenas um lugar de amor e afeto, mas sim um espaço de desigualdade em que a mulher é encarregada de muitas obrigações que deveriam ser divididas com o outro adulto da casa, o homem. Em relação aos filhos, cabe destacar que a mulher além das suas obrigações domésticas e o seu trabalho que se encontrava em home office, também tinha muitas obrigações com os estudos virtuais dos filhos pequenos já que as escolas estavam fechadas. Desta maneira, percebe-se que suas obrigações são dobradas, já que a mesma 34 precisa auxiliar as crianças nos estudos, passando para trás o seu trabalho, ficando para fazer depois que as crianças dormem ou em qualquer brecha no seu tempo. Essas circunstâncias nos remetem mais uma vez a questão da junção de muitas tarefas da mulher fazendo com que a mesma não consiga executar com excelência nenhuma, já que não existe a possibilidade de conseguir manter suas necessidades biológicas como uma noite de sono e realizar tudo que lhe é atribuído, desde suas obrigações trabalhistas até os estudos de seus filhos e todos os afazeres domésticos. Não obstante, pode se notar que esse isolamento social derivado da pandemia do COVID-19 aumentou ainda mais a sobrecarga que a mulher possui, intensificando seus trabalhos domésticos e somando com o seu trabalho externo, sem que haja nenhuma valorização sobre todo esse esforço exercido (MONTICELLI, 2021). Para além das necessidades físicas, de acordo com Aguiar, Paes e Reis (2019) existe um sentimento de frustração pela maioria das mulheres por não sentir que têm obtido êxito em nenhuma área de suas vidas, já que não podem dedicar-se 100% a nenhuma delas, prejudicando, inclusive, sua sanidade mental: “para a mulher contemporânea, trabalhar e ser uma profissional bem-sucedida é somar responsabilidades, mais do que isto, é frequentemente, suportar certas medidas de conflitos e culpa” (BORSA E FEIL, 2008, pág. 8.) Assim, de acordo com Pereira e Nunes (2018) faz-se necessário, perante à situação apresentada, ampliar o debate sobre os principais dilemas vividos pelas mulheres universitárias no que diz respeito ao processo de inserção, permanência e reconhecimento nos espaços sociais. Mais do que isso, é preciso a elaboração de políticas que efetivem este direito de permanência das mulheres nestes espaços. 35 CAPÍTULO IV- ABORDAGEM METODOLÓGICA Para a realização desta pesquisa a metodologia adotada foi a qualitativa. Compreende-se esta metodologia como a mais adequada para a pesquisa realizada devido ao propósito assumido pela mesma, de acordo com o objetivo desse estudo. A pesquisa qualitativa possui um caráter exploratório, ela trabalha com significados, motivos, olhares, movimento, compreensão, ações e observações. Sua preocupação não é voltada para os números pesquisados, mas sim para o aprofundamento da compreensão de um grupo social, organização, etc. Pensando nos primórdios da pesquisa em ciências sociais, é importante destacar o debate entre a sociologia positivista e a sociologia compreensiva. Os pesquisadores que utilizam o método da pesquisa qualitativa se colocam contra a ideia que afirma a existência de um modelo único de pesquisa para todas as ciências estudadas, afirmando que as ciências sociais têm suas particularidades, por isso necessita de uma metodologia própria. É importante compreender que a pesquisa qualitativa não corresponde a um menor rigor científico. Não existe um método perfeito para elaboração da pesquisa, é preciso unir diversos recursos para que haja a possibilidade de um resultado efetivo para o que se está sendo pesquisado. Dado pode ser desde um conjunto de medidas bem precisas que tomamos até depoimentos, entrevistas, diálogos, discussões, observações, etc. de que nos servimos para a geração de algum conhecimento que acrescente alguma coisa à compreensão do problema que nos interessa. (GATTI, 2007, p. 11). A pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica acerca do caminho percorrido pela mulher que é mãe, dona de casa e trabalhadora a partir de sua inserção no ensino superior e as dificuldades da permanência, envolvendo as problemáticas que geram esses transtornos e desistências. Para melhor delineamento de tais questões, a ferramenta utilizada foi o Portal de Periódicos 36 SCIELO. Os descritores definitivos usados foram ‘tripla jornada da mulher’+ ‘universidade dona de casa’+ ‘trabalho+ ''desigualdade' A elaboração deste levantamento bibliográfico proporcionou um melhor entendimento sobre as questões que envolvem as dificuldades que as mulheres encontram em sua tríplice jornada e as razões que as levam para a evasão universitária. Foram muitos estudos pesquisados, apesar de não haver tantas pesquisas atualmente. Mas, buscou-se observar as trajetórias de mulheres no país que lutam para buscar uma ascensão educacional, profissional e ser inseridas com respeito e equidade na sociedade. Os objetivos gerais deste estudo buscaram identificar as dificuldades encontradas no decorrer da graduação por mulheres que são donas de casa e trabalham para compor renda familiar que as levam interromper os estudos. Os objetivos Específicos visaram analisar a inserção e permanência de mulheres na graduação, identificar as razões para a evasão que acontece na universidade e analisar a qualidade de vida e a saúde mental das mulheres na tríplice jornada utilizando para tal, referenciais teóricos que apontam estes estudos. 37 CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS No intuito de demonstrar como há dificuldades para as mulheres conciliarem sua tríplice jornada com o Ensino Superior, nesse estudo procurou-se fazer uma revisitação histórica sobre as dificuldades já passadas pelas mesmas aqui no Brasil, que culminaram nessa situação de difícil permanência no Ensino Superior. Compreender o que as mulheres passam e passaram é fundamental para isto. O caminho percorrido pela mulher em sua história e trajetória seguido de sua inserção no Ensino Superior acaba por gerar dificuldades de sua permanência, pois a mesma tem que conciliar o seu papel de mãe/dona de casa, trabalhadora e estudante. A ênfase na dificuldade da mulher nessa jornada foi feita visto as desigualdades sociais no trato com a mulher e descaso com seus direitos na história do Brasil. Foi dada ênfase na questão da violência contra a mulher e nos direitos das mulheres no Brasil e sua história, com o intento de demonstrar os motivos que levaram a necessidade desses direitos, visto que a violência contra mulher é imposta desde os primórdios da civilização. Também foi tratada a questão da socialização, ou seja, da construção social da mulher e do homem que têm como consequência problemáticas na vida adulta, onde somente a mulher assume o papel de dona de casa e mãe. Para além disso, também há a realidade vivida e as agressões às quais as mulheres são submetidas, fora e dentro de casa, que já dificultam sua convivência em sociedade em geral, quem dirá após a entrada no Ensino Superior com mais uma jornada para assumir. Também foi abordado as lutas e trajetórias no processo de inserção da mulher nos meios sociais, assim como direitos humanos e trabalhistas adquiridos ao longo das últimas décadas. Houveram muitas leis e iniciativas, assim como algumas vitórias para o movimento feminista, entretanto, isto ainda não muda a realidade de que o sexo feminino continua sendo tratado de forma desigual. 38 Portanto, estudo buscou abordar as problemáticas que envolvem as dificuldades que as mulheres encontram em permanecer nas universidades para concluir seu ensino superior, considerando sua tríplice jornada, composta pelo trabalho fora de casa, o trabalho domiciliar com os cuidados do lar, cuidado dos filhos, os estudos e toda a responsabilidade que esses afazeres demandam da mulher e a sobrecarga que é imposta sobre ela. Para delimitação deste tema abordado, questões importantes se fazem necessárias neste estudo, como a questão das desigualdades dentro dos lares em que toda a responsabilidade com os filhos e com os cuidados domésticos são designados a mulher, que fica extremamente sobrecarregada. Outro aspecto relevante, é a da discrepância salarial entre gêneros que está fortemente presente em nossa sociedade, fazendo com que mulheres ganhem menos que os homens mesmo que exerçam a mesma função. É de suma importância que este tema seja estudado na medida em que envolve muitos aspectos sociais em que a mulher se insere e é influenciada e tratada pela sociedade através de visões preconceituosas sobre a figura feminina, que está inserida em uma sociedade sexista e machista em que elas muitas vezes são dependentes do homem, seja financeira ou emocionalmente e por isso se submetem a situações de violência e abusos físicos e psicológicos por não conseguirem ver outra saída para uma melhoria de vida, tudo isso consequente de um sistema que centraliza o homem como detentor de todo o poder social envolvido e mulher como sua submissa. Conforme objetivado no início da realização da pesquisa foi possível identificar aspectos que dificultam a permanência da mulher no ensino superior, enquanto trabalha e cuida de sua família. Pode se constatar, que as mulheres possuem extrema dificuldade de concluir seus estudos já que possuem uma rotina sobrecarregada em que os afazeres domésticos são em sua maior parte atribuídas para ela e precisam criar os seus filhos, para isso todas as obrigações da casa e da família ocupam primeiro lugar na lista de prioridades e os estudos vão sendo adiados ou feitos sem excelência o que leva ao desânimo e consequente desistência. Para tais questões é preciso que se invista em fortes fiscalizações 39 governamentais que garanta um salário igual para a mulher executa as mesmas funções de um homem, existindo assim a valorização igual de seu trabalho e um forte combate à desigualdade social presente no mercado de trabalho. É preciso que exista consciência social dentro dos lares e que as tarefas domésticas sejam divididas igualmente entre os responsáveis pela casa de maneira que a mulher não fique com uma sobrecarga em que não possa investir em sua educação e possa manter o equilíbrio mental consequente do alívio da sobrecarga que é imposta nela. Sem equidade, sem igualdade e muitas vezes sem o direito humano que é um direito de toddos e todas, culminando assim, na dificuldade de permanência das mesmas no Ensino Superior.A luta é imensa por direitos na casa, direitos trabalhistas e educacionais, para que a mulher possa ter uma formação educacional, com respeito as suas diferenças e também é importante ofertar oportunidades para que ela possa ser inserida em todas as áreas sociais com dignidade. 40 VI - REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO AGUIAR, S. G.; PAES, V. N.; REIS, S. M. A. D. O. Mulher, mãe, dona de casa e esposa:: dificuldades e superações para ingressar e permanecer na universidade pública. 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