Elimeire Alves de Oliveira A proposta de Ensino Médio integrado à educação técnico profissionalizante na rede pública do Estado de São Paulo São José do Rio Preto 2019 Câmpus de São José do Rio Preto Elimeire Alves de Oliveira A proposta de Ensino Médio integrado à educação técnico profissionalizante na rede pública do Estado de São Paulo Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientadora: Prof.ª Dra. Solange Vera Nunes de Lima D´Água São José do Rio Preto 2019 Oliveira, Elimeire Alves de 048p A proposta de Ensino Médio integrado à educação técnico profissionalizante na rede pública do Estado de São Paulo/ Elimeire Alves de Oliveira. •· São Josk do Rio Prcfo, 2019 106 f. : il., tabs. Dissertação (mestrado)• Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientadora: Prol:' Dra. Solange Vera INuneli de Lima D' Água 1. Ensino Médio. 2. Ensino Técnico Profissionalizante. 3. Programa REDE. 4. Parceria SEE-IFSP. 1. Título. Sis1ema de geraç.ào automática de fic.has catalog.r.if1ca� da Unesp. Biblioteca do lnstitu10 de Biociência� Leuas e Ciências Exatas. Sâo Josê do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ftcha nào pode ser modificada. Elimeire Alves de Oliveira A proposta de Ensino Médio integrado à educação técnico profissionalizante na rede pública do Estado de São Paulo Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Prof.ª Dr.ª Solange Vera Nunes de Lima D´Água UNESP - São José do Rio Preto Orientadora Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto IBILCE - São José do Rio Preto Prof. Dr. Vlademir Marim UFU - Uberlândia São José do Rio Preto 02 de setembro de 2019 A minha família, por todo o apoio e estímulo. AGRADECIMENTOS A Deus Pai, em nome do Senhor Jesus, que me sustentou espiritualmente e deu forças e saúde suficientes para levar a cabo essa árdua batalha. A minha orientadora, Prof.ª Dra. Solange Vera Nunes de Lima D’Água, por ter acreditado em mim, no meu potencial e, principalmente, por ter aceitado o desafio de me orientar na elaboração desse trabalho, fazendo-o com competência, dedicação, paciência e sabedoria. Mais que orientadora, foi mãe, irmã, aconselhadora, exemplo de profissional e ser humano. Sem a magnitude de seu olhar atento e amoroso, eu não teria conseguido. Gratidão eterna! Aos meus amados e reverenciados pais, Eurides e Ezequiel que, desde muito cedo me ensinaram o valor do estudo, da busca pelo conhecimento, o maior legado que se pode deixar a um filho. Aos meus amados filhos, com seus novos núcleos familiares: Fernando, com a esposa Mirela e os netos Larissa e João Neto; Estela, com o esposo Matheus e os netos Pedro Henrique e Júlia e, por fim, Ana Maria, com o esposo Kayles. Muito obrigada pela compreensão e incentivo para que eu não desistisse, fazendo-me acreditar que nunca é tarde para realizar um sonho. Ao meu querido companheiro, Antônio, que me acompanhou durante todo esse processo, e sofreu comigo a cada etapa. Sua fala e seu silêncio, nos momentos certos, foram muito importantes para mim, nessa caminhada. Gratidão pelas viagens, pelas horas de espera nos bancos do Ibilce e pelo apoio desmedido. Ao Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto, por compor minha banca de qualificação e de defesa, além de participar das comissões avaliadoras em todos os eventos promovidos pelo Programa, cujas perguntas, temidas e desafiadoras, fervilhavam na minha cabeça, mas me instigavam a dar um passo além do que eu já havia caminhado com meu estudo. Ao Prof. Dr. Jackson Gois da Silva, que aceitou compor minha banca de qualificação, pela gentileza da leitura e pelas sugestões importantes para o desenvolvimento e término do trabalho. Ao Prof. Dr. Vlademir Marim, pela disponibilidade e atenção dispensadas à leitura desse trabalho e por compor a banca examinadora de minha defesa. Às Prof.ªs Drªs Ana Paula Leivar Brancaleoni; Carina Alexandra Rondini e Maria Eliza Brefere Arnoni, pela leitura, considerações e contribuições de grande valia realizadas por ocasião dos seminários do Programa. À querida amiga de Mestrado, Débora Boulos, parceira de estudos, pelo apoio, acolhimento e incentivo. Horas intermináveis de escuta em momentos difíceis foram essenciais para que eu seguisse avante. Olhar nos seus olhos de calmaria me faziam acreditar que eu conseguiria. Aos amigos da pós-graduação, pessoas tão especiais, que muito contribuíram no período das aulas, nos grupos de pesquisa, no convívio, proporcionando-me um aprendizado que levarei para toda a vida: Amanda, Andrezza, Érica, Giovana, Marcos e Simone, muito obrigada! À querida amiga Prof. Dr.Adriana Campos, pelo carinho e incentivo. Foi a partir de suas informações que tive a coragem de enfrentar esse mundo, até então desconhecido. Ao amigo Prof. Dr. Daniel Carreira Filho, pelo incentivo. À amiga Rosemar Rosa de Carvalho Brena, pelo carinho com que me recebeu no Iblice, pelas conversas, orientações quanto aos prazos e documentos, auxílio nas formalidades, apoio moral e amizade sincera. Sem palavras para qualificá-la! À Roseli Maria Rodrigues Alves, pelo carinho e cuidados dispensados à minha família, cuidando dela quando eu não pude cuidar. À Sonia Maria Maciel Lopes, amiga sempre presente, pela torcida e orações. À querida Simone Aparecida Taino Mioni, do Laboratório, pela acolhida e auxílio. Aos funcionários da Pós-graduação em Ensino e Processos Formativos, Felipe, Sílvia e Mauro, por toda a informação zelosamente prestada, pessoalmente e por telefone. À equipe de bibliotecários, que, com muita paciência e educação, prestaram um trabalho de atendimento e orientação de excelência. Em nome da Luciane Antonia Passoni, bibliotecária supervisora da Seção Técnica de Referência, Atendimento ao Usuário e Documentação, estendo meus cumprimentos a cada um deles. Agradeço, enfim, a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desse feito. “Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam” (FREIRE, 2008, p. 54). RESUMO O presente trabalho é resultado de uma pesquisa de Mestrado, cujo objeto de estudo é o Ensino Médio integrado à educação técnico profissionalizante, proporcionado aos alunos da rede pública estadual paulista, entre os anos de 2012 e 2017, por meio do acordo de cooperação técnico educativa entre a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE- SP) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (IFSP), no âmbito do Programa Rede de Ensino Médio Técnico (REDE). Esse programa foi instituído no Estado de São Paulo pelo Decreto Estadual nº 57.121, de 12 de julho de 2011, e tinha como meta expandir as matrículas no Ensino Médio articulado à educação profissional técnica, nas modalidades integrada e concomitante. Desse modo, de forma geral, buscou-se compreender o Ensino Médio integrado para a educação dos jovens de 15 a 17 anos, oferecido pela parceria SEE-IFSP, tendo em vista a historicidade dessa etapa da escolaridade, bem como da educação profissionalizante de nível técnico no país. Para tanto, foram estabelecidos objetivos específicos, quais sejam, i) analisar a trajetória do Ensino Médio no Brasil; ii) compreender como o Ensino Médio profissionalizante se desenvolveu historicamente no país; iii) compreender a implementação e execução do Programa Rede no acordo de cooperação entre a SEE e o IFSP para a oferta do Ensino Médio integrado no Estado de São Paulo e iv) empreender uma análise da parceria efetivada entre uma escola estadual paulista e um Campus do IFSP do mesmo município. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de objetivos descritivos, já que o estudo sistemático permitiu a descrição da realidade a ser estudada. Quanto aos procedimentos, foram os de uma pesquisa documental, já que contou com a análise de documentos e aspectos legais referentes ao tema e, também, bibliográfica, por ordem do aproveitamento das referências teóricas relacionadas. Dessa forma, para a coleta das informações foi utilizada a revisão bibliográfica e a análise documental, envolvendo documentos relativos à criação, implementação e execução da educação profissionalizante e da parceria SEE-IFSP, por trazerem dados legais importantes, bem como referências teóricas ligadas à temática do Ensino Médio e seus desdobramentos na história do país e do Estado de São Paulo. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Médio. Ensino Técnico Profissionalizante. Programa REDE. Parceria SEE-IFSP. ABSTRACT The present work is the result of a Master's research, whose object of study is the High School integrated to the professionalizing technical education, provided to the students of São Paulo state public school, from the years 2012 to 2017, through the technical educational cooperation agreement between São Paulo State Secretariat of Education (SEE-SP) and the Federal Institute of Education, Science and Technology of São Paulo State (IFSP), under the Technical High School Network (REDE) Program. This program was instituted in the State of São Paulo by State Decree nº. 57.121, of July 12, 2011, and aimed to expand enrollment in high school articulated to technical professional education, in integrated and concomitant modality. Thus, in general, we sought to understand the integrated high school for the education of young people from 15 to 17 years old, offered by the SEE-IFSP partnership, in view of the historicity of this stage of schooling, as well as technical level professional education in the country. To this end, specific objectives were established, namely: i) to analyze the trajectory of high school in Brazil; ii) understand how professional high school has historically developed in the country; iii) understand the implementation and execution of the Rede Program in the cooperation agreement between SEE and IFSP for the provision of integrated high school in the State of São Paulo; and iv) undertake an analysis of the partnership between a state school in São Paulo and a Campus do IFSP from the same municipality. This is a qualitative approach research, with descriptive objectives, since the systematic study allowed the description of the reality to be studied. Regarding the procedures, they were the ones of a documentary research, since it counted on the analysis of documents and legal aspects related to the subject and, also, bibliographic, because of the use of the related theoretical references. Thus, for the collection of information was used the literature review and document analysis, involving documents related to the creation, implementation and execution of professional education and of the partnership SEE-IFSP, for bringing important legal data, as well as theoretical references about themes related to High School and its developments in the history of the country and the state of São Paulo. KEYWORDS: High School. Professional Technical Education. REDE Program. SEE-IFSP Partnership. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Fora da Escola, Brasil, 2015 18 Figura 2 – Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (unidades) 57 Figura 3 – Mapa da microrregião administrativa de Votuporanga 78 Figura 4 – Mapa dos campi do IFSP 79 Figura 5 – Foto da E. E. Prof.ª Uzenir Coelho Zeitune 82 Figura 6 – Delimitação da distância entre a E. E. Prof.ª Uzenir Coelho Zeitune e o IFSP 86 Quadro 1 – Compromissos da SEE-SP na parceria com o IFSP 63 Quadro 2 – Compromissos do IFSP na parceria com a SEE-SP 65 Quadro 3 – Relação de campi do IFSP com parceria com a SEE-SP 68 Tabela 1 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Araraquara 69 Tabela 2 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Avaré 69 Tabela 3 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Barretos 70 Tabela 4 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Birigui 70 Tabela 5 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Boituva 70 Tabela 6 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Bragança Paulista 70 Tabela 7 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Capivari 70 Tabela 8 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Caraguatatuba 71 Tabela 9 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Catanduva 71 Tabela 10 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Guarulhos 71 Tabela 11 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Hortolândia 71 Tabela 12 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Itapetininga 71 Tabela 13 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Piracicaba 72 Tabela 14 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Presidente Epitácio 72 Tabela 15 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Registro 72 Tabela 16 – Ingresso e matrícula no Câmpus de São Carlos 72 Tabela 17 – Ingresso e matrícula no Câmpus de São João da Boa Vista 72 Tabela 18 – Ingresso e matrícula no Câmpus de São Roque 72 Tabela 19 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Sertãozinho 73 Tabela 20 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Suzano 73 Tabela 21 – Ingresso e matrícula no Câmpus de Votuporanga 73 Tabela 22 – Evolução de vagas no Ensino Médio Integrado (2012-2016) 76 Tabela 23 – Fluxo escolar do curso “Técnico em Edificações” 89 Tabela 24 – Fluxo escolar do curso “Técnico em Manutenção e Suporte em Informática” 90 Tabela 25 – Fluxo escolar do curso “Técnico em Mecatrônica 90 Tabela 26 – Fluxo por curso e turma na parceria SEE-IFSP 90 Tabela 27 – Ranking do ENEM do Ensino Médio Integrado 91 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BNCC Base Nacional Comum Curricular CEB Câmara de Educação Básica CF Constituição Federal CNCT Catálogo Nacional de Cursos Técnicos CNE Conselho Nacional de Educação CEETPS Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio EC Emenda Constitucional E.E. Escola Estadual EJA Educação de Jovens e Adultos EM Ensino Médio ENEM Exame Nacional do Ensino Médio EPEM Equipe de Planejamento do Ensino Médio EUA Estados Unidos da América FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador FHC Fernando Henrique Cardoso FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEA Instituto de Economia Agrícola IFSP Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação MAPA Memória da Administração Pública Brasileira MEC Ministério da Educação OCEM Orientações Curriculares para o Ensino Médio PAA Plano Plurianual PAC Plano de Aceleração do Crescimento PIB Produto Interno Bruto PDE Plano de Desenvolvimento da Educação Planfor Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNE Plano Nacional de Educação PPC Projeto Pedagógico dos Cursos ProEMI Programa Ensino Médio Inovador PROEP Programa de Expansão da Educação Profissional PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego ProUni Programa Universidade para Todos REDE Programa Rede de Ensino Médio Técnico SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica Sebrae Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEE Secretaria Estadual de Educação SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Senar Serviço Nacional de Aprendizagem Rural Senat Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SP São Paulo SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Sesc Serviço Social do Comércio Sescoop Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo Sesi Serviço Social da Indústria Sest Serviço Social do Transporte SISTEC Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica SISU Sistema de Seleção Unificada Sistema de Seleção Unificada UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância USAID United States Agency for International Development SUMÁRIO INTRODUÇÃO 14 1 CAPÍTULO 1 – O ENSINO MÉDIO NO BRASIL 18 1.1 Antecedentes históricos: Brasil colonial 19 1.2 Brasil Imperial 20 1.3 Advento da República: primeiro marco de transformações do Ensino Médio 22 1.4 Segundo marco de transformações do Ensino Médio (1940 – 1960 25 1.5 Terceiro marco de transformações do Ensino Médio (1960 – 1970) 26 1.6 Quarto marco de transformações do Ensino Médio (1970 – 1990) 27 1.7 Quinto marco de transformações do Ensino Médio (a partir de 1990) 28 2 CAPÍTULO II - O ENSINO MÉDIO DE NATUREZA TÉCNICO PROFISSIONALIZANTE 40 2.1 O Ensino Médio Profissionalizante no Brasil 40 2.1.1 A profissionalização na Era Vargas 42 2.1.2 A profissionalização na Ditadura Militar 46 2.1.3 A profissionalização a partir da LDB nº 9.394/96 48 2.1.4 A preparação para o trabalho na era Lula/Dilma 52 3 CAPÍTULO III – O ENSINO MÉDIO TÉCNICO PROFISSIONALIZANTE DO PROGRAMA REDE 59 3.1 O ensino profissionalizante de nível médio pela parceria SEE-SP e IFSP 62 3.2 Organização didática e curricular nas Escolas Estaduais parceiras 74 4 CAPÍTULO IV – ANÁLISE DA PARCERIA ENTRE A E.E.PROFª UZENIR COELHO ZEITUNE E O INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA 78 4.1 A operacionalização do Acordo de Cooperação nº 002/11 na parceria entre a E.E.Profª Uzenir Coelho Zeitune e o IFSP -Câmpus de Votuporanga 85 4.2 Dos indicadores de resultados 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS 92 REFERÊNCIAS 98 14 INTRODUÇÃO Atualmente, o Ensino Médio se constitui na última etapa da escolarização básica de cunho obrigatório, oferecida pelo Estado. Tal obrigatoriedade demanda um conjunto de ações e políticas públicas, em um contexto societário que leva a pensar sobre que tipo de formação deve ser dada nessa etapa escolar, aos jovens de 15 a 17 anos: preparação para o vestibular ou um Ensino Médio voltado à profissionalização? A partir da LBD nº 9.394/96 se configurou no país a possibilidade de uma terceira alternativa, a combinação entre essas duas modalidades formativas, denominada ‘politecnia’. “A noção de politecnia se encaminha na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral” (SAVIANI, 2003a, p. 136). Essa perspectiva é reconhecida na referida lei, a partir da proposta de oferta do Ensino Médio integrado à educação profissional, isto é, da possibilidade de a matrícula nessa etapa escolar estar vinculada a um curso profissionalizante, com certificação qualificada para a possível inserção no mercado do trabalho, bem como para o avanço na escolarização de nível superior, independentemente do curso de grau médio realizado. No ano de 1997, o Decreto nº 2.208 suprimiu tal possibilidade de integração, resgatada em 2004, pelo Decreto nº 5.154, que ensejou a construção de um currículo único, composto por disciplinas da educação geral e da formação profissional. Assim, diante dessa possibilidade legal, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) lançou no ano de 2011 o Programa Rede de Ensino Médio Técnico (REDE), que previa a oferta do Ensino Médio articulado ao ensino profissionalizante de nível médio, nas modalidades integrada e concomitante. Na modalidade integrada, ocorreu mediante acordos de parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia e com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETPS); na modalidade concomitante, por meio do credenciamento de instituições privadas. Dessa forma, o ensino de nível médio integrado à educação técnico profissionalizante poderia acontecer, desde então, para os alunos da rede pública estadual, por meio de acordos de parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia e com o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETPS). O REDE foi um programa governamental anunciado com o objetivo de expandir as matrículas do Ensino Médio, por meio de uma educação de melhor qualidade, além de 15 oportunizar aos alunos da rede paulista a formação para o exercício de profissões técnicas, com vistas à inserção qualificada no mundo do trabalho. Por ocasião da implementação do REDE, eu atuava como diretora de uma escola pública estadual no município de Votuporanga, que atendia ao Ensino Médio regular, e que foi selecionada para compor a parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo local, para a oferta do Ensino Médio integrado. Enquanto gestora, participei de todas as fases de sua implementação e, durante os cinco anos de vigência da parceria, fui uma das responsáveis por diversas ações de competência da esfera estadual. Com isso, surgiu meu interesse pelo estudo desse tema, para compreender o real significado dessa proposta de Ensino Médio, o que faço nessa pesquisa. Tal interesse, na verdade, veio de minha vivência como aluna do antigo 2º grau, hoje Ensino Médio, na década de 70, cuja Lei de Diretrizes e Bases da época (Lei nº 5.692/71) impunha o ensino profissionalizante compulsório, na área Terciária. Nessa modalidade, diminuíam-se algumas aulas da Base Nacional Comum, principalmente da área de Ciências Humanas, em detrimento das disciplinas da chamada base profissionalizante. Dessa forma, o objetivo geral desse trabalho é compreender o Ensino Médio integrado oferecido na parceria SEE-SP/IFSP, no âmbito do Programa Rede Ensino Médio Técnico, tendo em vista a historicidade dessa etapa da escolaridade, bem como da educação profissionalizante de nível técnico do país. Para o alcance desse objetivo, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: i) analisar a trajetória do Ensino Médio no Brasil; ii) compreender como o Ensino Médio profissionalizante se desenvolveu historicamente no país; iii) compreender a implementação e execução do Programa Rede no acordo de cooperação entre a SEE e o IFSP para a oferta do Ensino Médio integrado no Estado de São Paulo e iv) empreender uma análise da parceria efetivada entre uma escola estadual paulista e um Câmpus do IFSP do mesmo município. Sendo assim, para dar curso a essa investigação, optou-se por uma pesquisa de natureza básica, pois se intentou “gerar conhecimentos novos, úteis para o avanço da Ciência, sem aplicação prática prevista” (GERHARDT E SILVEIRA, 2009, p, 34). Além disso, por não se ater a uma representatividade numérica, preocupando-se em compreender seu objeto de estudo, qual seja, o Ensino Médio integrado à educação profissionalizante, o estudo traz uma abordagem de cunho qualitativo, com objetivos descritivos, já que sua preocupação essencial foi a busca do significado para o objeto estudado (TRIVIÑOS, 1987). 16 Quanto aos procedimentos, foram adotados os bibliográficos e documentais, pois houve a utilização de livros e publicações sobre o Ensino Médio e o ensino profissional, a fim de “[...] conhecer e analisar as principais contribuições teóricas existentes sobre um determinado tema ou problema, tornando-se instrumento indispensável a qualquer tipo de pesquisa” (KÖCHE ,1997, 122). Outrossim, a pesquisa documental realizada permitiu estabelecer relações entre os documentos oficiais e os estudos já realizados sobre o tema pelos teóricos da área educacional e afins. Isso posto, os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a revisão bibliográfica e a análise documental. Na revisão bibliográfica, foram estudados autores como Abramovay e Castro (2003); Almeida (1989); Azevedo (1996); Brazorotto (2014); Ciavatta; Ramos (2011); Dallabrida (2009); Franca (1952); Frigotto (2012); GhiraldellI Jr. (1994); Kuenzer (1997); Lopes (2008); Moehlecke (2012); Nagle (1976); Oliveira (2009), Palma (2005); Pinto (2002), Romanelli (2014); Saviani (2013); Simões (2011); Tartuce et. al (2015); Wittaczik (2008); Zooti (2004); Zotti (2006), dentre outros. A análise documental, por sua vez, utilizou documentos legais relacionados à criação, implementação e execução da parceria SEE-IFSP, como o Acordo de Cooperação nº 002/11; a Portaria nº 1.230 de 11/04/2012, que trata da organização didática dos cursos; os Projetos Pedagógicos dos cursos técnicos, específicos do IFSP, câmpus de Votuporanga; documentos acadêmicos e institucionais do IFSP, como o Anuário nº 2; o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) 2014-2018 e os Relatórios de Gestão do IFSP (2011 – 2017). Ademais, interessa notar que os dados coletados para o desenvolvimento das particularidades do tema tiveram como fundamentação a representação legal das jurisdições envolvidas, no caso os governos federal e municipal, como Decretos, Instruções Normativas, Leis, Planos de Educação, Portarias e Resoluções, por trazerem dados importantes para a compreensão e contextualização das informações levantadas. Nessa lógica, a pesquisa ora apresentada se estruturou em quatro capítulos, seguidos das considerações finais. No primeiro capítulo, foi explicitada uma breve retomada da trajetória do Ensino Médio no Brasil, nos seus diversos períodos e contextos, com ênfase nas políticas públicas empreendidas nesse segmento de ensino, nos diversos momentos sociais. No segundo, procurou-se mapear a historicidade da etapa escolar do ensino profissionalizante de nível médio, desde sua concepção até a contemporaneidade, destacadas as ações, programas e políticas públicas de incentivo a sua implementação, na busca de compreender o percurso dessa modalidade de ensino na educação do país, bem como sua função 17 social em cada época, considerando, sobretudo, a formação necessária adequada às demandas da lógica do processo produtivo vigente. No terceiro foi realizado um estudo específico sobre o Programa Rede de Ensino Médio (REDE), na proposta de oferta de Ensino Médio técnico profissionalizante integrado, no Estado de São Paulo, à luz das concepções de autores que tratam especificamente do tema, com vistas a compreender suas concepções ideológicas e sua medida de valor agregado à formação profissionalizante. Por fim, no quarto e último capítulo apresentou-se uma das parcerias da SEE-IFSP do interior paulista, cuja análise pretendeu trazer informações sobre o que representou o Ensino Médio integrado à educação profissional nessa parceria, com vistas a vislumbrar a sua contribuição na melhora da qualidade de formação ofertada na etapa escolar dos três últimos anos da educação Básica. 18 1. CAPÍTULO I - O ENSINO MÉDIO NO BRASIL O Ensino Médio é uma etapa da escolaridade que se destaca no que tange às políticas públicas para a educação, pois ainda apresenta muitos desafios, principalmente quanto ao acesso e permanência dos estudantes na escola, de acordo com os números apresentados pelas pesquisas relacionadas a esse segmento escolar. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015 demonstra que há no país 2, 8 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola e que, dentre entre eles, 1,59 milhão possui entre 15 a 17 anos. Ou seja, 57% dos menores fora da escola são justamente os adolescentes que deveriam estar frequentando o Ensino Médio, mas que nem chegaram a concluir o ensino fundamental (UNICEF, 2017): Figura 1- Fora da Escola, Brasil, 2015 Fonte: Unicef, 2017, p.41. Além disso, a referida pesquisa também notabiliza que praticamente três em cada dez alunos matriculados no Ensino Médio apresentam um atraso escolar de dois ou mais anos, atingindo a média de 27% de distorção idade-série. Portanto, tais dados evidenciam um cenário para a educação média que ratifica a dimensão da responsabilidade do Brasil em relação a esse nível escolar, principalmente quanto ao acesso, permanência e qualidade educacional, o que demanda um conjunto de ações e políticas específicas. As normas garantidoras do acesso ao Ensino Médio tiveram seu embrião na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) que, em seu artigo 208, inciso II, assegurou a todos os cidadãos o acesso à educação escolar e a progressiva extensão de sua obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio. 1 Disponível em https://buscaativaescolar.org.br/downloads/guias-e-manuais/busca-ativa-escolar-v10-web.pdf. Acesso em 27.jun.2019. https://buscaativaescolar.org.br/downloads/guias-e-manuais/busca-ativa-escolar-v10-web.pdf 19 No entanto, por muito tempo, essa etapa da educação foi privilégio de poucos e ainda trazia sua essência circunscrita a uma dualidade: o ensino acadêmico, propedêutico, provido de um currículo enciclopédico, destinado aos jovens das classes econômicas mais favorecidas, e o ensino profissionalizante, destinado a engrossar as camadas trabalhadoras da nação, voltado à manutenção da força produtiva do país. O fato é que o Ensino Médio, durante toda a sua trajetória, careceu de uma identidade própria, oscilando [...] “entre duas alternativas básicas: oferecer um ensino profissionalizante com caráter de terminalidade e serventia no ‘mercado de trabalho’, ou oferecer um ensino propedêutico, voltado ao prosseguimento dos estudos em nível superior” (ABRAMOVAY e CASTRO 2003, p.27). Observa-se assim, durante a história da educação, variações na feição, função e finalidade dessa etapa de ensino, que representaram exigências impostas por diferentes momentos políticos e econômicos, demandando ações específicas do Estado, de acordo com cada contexto. 1.1 Antecedentes históricos: Brasil Colonial Os contornos do Ensino Médio se encontram desde a fase Colonial do país (1550 a 1822), tendo passado por várias denominações ao longo de sua história: “Gramática latina” (1º período Colonial); “Estudos inferiores - Curso de Humanidades” (2º período colonial); “Estudos menores - Curso das humanidades” (Fase Pombalina); “Ensino Secundário” (Primeira República); “Ensino Médio Colegial” (Lei de Diretrizes e Bases nº 4.024/ 61); “Ensino de 2º Grau” (Lei de Diretrizes e Bases n.º 7.692/71) e “Ensino Médio” (Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96), conforme estabelece Saviani (2013). Quando da denominação “Gramática Latina, no primeiro período Colonial, os estudos eram voltados aos que fossem ingressar no Ensino superior, na Universidade de Coimbra (SAVIANI, 2013), conforme determinado pelo Plano de Instrução formulado pelo Padre Manoel da Nóbrega, em 1559, exclusivo e adequado aos moldes do Brasil Colônia, que não dispensava também o Ensino profissional agrícola, para os jovens que iriam para o trabalho. Na segunda fase do Brasil Colonial, a Coroa Portuguesa institucionalizou um plano geral de Ensino, denominado Ratio Studiorum2, que suprimia os primeiros estágios de escolarização - a escola de ler e escrever destinada aos indígenas - e organizava o estudo 2 Conjunto de normas reguladoras do ensino nos colégios jesuíticos. 20 (estudos menores) para a formação da elite colonial, já que era composto por um currículo Humanista, com classes de Retórica, Humanidades, Gramática Superior, Gramática Média e Gramática Inferior (FRANCA, 1952). Neste sentido, As atividades intelectuais eram para os poucos que tinham garantido suas necessidades materiais pela exploração da mão-de-obra escrava. O currículo, essencialmente humanista, visava à formação de intelectuais comprometidos com as orientações da igreja católica e do modelo econômico, atendendo ao que se propunha sob o ponto de vista das classes dominantes (ZOTTI, 2004, p.32). Na sequência, na terceira fase do Brasil Colonial (Fase Pombalina), sob o comando do Marquês de Pombal, foi decretado o fechamento dos colégios jesuíticos da época, suprimidas as disciplinas e introduzidas as aulas régias, ou avulsas, de Latim, Grego, Filosofia e História, mantidas pela Coroa Portuguesa, por meio da Reforma dos Estudos Menores. Com isso, a ênfase em uma formação humanista e clássica no equivalente ao nível secundário se mantinha, já que os professores de tais aulas eram, em sua maioria, formados nas escolas jesuíticas. Assim, observa-se que, muito embora no Brasil Colonial não existisse uma estrutura claramente definida para a educação secundária, como acontece atualmente, há um indicativo de que sua finalidade era o preparo para o ingresso ao ensino superior, para os mais favorecidos, e a profissionalização, para os que não dispunham de condições econômicas, dualismo educacional que caracterizava uma educação altamente elitista: O termo “dualismo educacional” é corrente nos estudos da área da educação – a exemplo de Kuenzer (1997, 2005), Landim (2009) e Rangel (2011). Os autores partem, em geral, da evidência das diferenças de qualidade, com cursos mais breves, de menor custo e entre a educação que é oferecida aos filhos das elites e aos filhos dos pobres (CIAVATTA, RAMOS, 2011, p. 28). Também essa é a visão de Pinto (2002), quando afirma que o Ensino Médio no Brasil colonial foi organizado nos moldes jesuíticos de seminário-escola, cuja função social foi centrada no preparo da elite local para os exames de acesso aos cursos superiores, com currículo humanístico, pouco voltado às ciências experimentais e reservado a poucos, haja vista que apenas uma minoria tinha acesso a esse nível de ensino. 1.2. Brasil Imperial 21 Após a Proclamação da Independência do Brasil, D. Pedro I outorgou a primeira Constituição Imperial (1824) que, em termos educacionais, limitou-se a tratar da instrução primária. Em seu artigo 179, inciso 32, afirma que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”, não fazendo menção ao ensino secundário (SAVIANI, 2013). Somente com o Ato Adicional de 1834 é que se tratou especificamente do Ensino Secundário, momento em que as províncias passaram a ser responsáveis pela oferta do ensino primário e secundário. No entanto, essa autonomia educacional não se deu de forma articulada com o governo central e, portanto, sem planos e métodos de educação, as províncias ficaram sujeitas aos interesses de grupos e interesses pessoais. De acordo com Almeida (1989, p.66), “a diversidade de leis e a ausência de regra não concorrem de modo algum [...] para formar um espírito nacional uno e homogêneo”. Não havia obrigatoriedade de frequência às aulas para o ingresso nos cursos superiores. Dessa forma, os jovens eram preparados por preceptores, para serem submetidos a um único exame para cada disciplina. Assim, o ensino secundário durante o período imperial foi marcado pelo regime de cursos preparatórios e de exames parcelados (HAIDAR, 1972). Segundo Fernando de Azevedo (1996), essa instrução pública elementar inorganizada, anárquica e desagregada arrastou-se pelo século XIX: O ensino público estava condenado a não ter organização, quebradas como foram as suas articulações e paralisado o centro diretor nacional, donde se devia propagar às instituições escolares dos vários graus uma política de educação, e que competia coordenar, num sistema, as forças e instituições civilizadoras, esparsas pelo território nacional. [...]. Foi esse estado de inorganização social que dificultou a unificação política e impediu a consolidação educacional num sistema de ensino público, se não uniforme e centralizado, ao menos subordinado a diretrizes comuns (AZEVEDO, 1996, p. 556). Com isso, diante do modelo econômico agroexportador então vigente, estruturado pelo tripé economia agrária, latifundiária e escravista, a função social e o currículo humanista do ensino secundário presente no Brasil Colonial se estenderam ao período imperial, cujo objetivo educacional continuou sendo a formação das classes economicamente dominantes (ZOTTI, 2004). Dessa maneira, em um contexto de agro exportação e trabalho manual, realizado por quem não detinha o bem principal (a terra), pensava-se não haver necessidade de políticas voltadas à educação, em especial ao ensino secundário, cuja função continuava sendo o preparo 22 da elite, da minoria privilegiada, para ingressar no ensino superior e assumir posições de destaque na sociedade. 1.3 Advento da República: primeiro marco de transformações do Ensino Médio O primeiro grande marco de transformação na história do Ensino Médio ocorreu na Primeira República, entre os anos de 1889 e 1930, em que a primeira Constituição (1891) adotou como regime o sistema federalista, o que conferiu certa autonomia aos Estados, no sentido de poderem legislar sobre seus sistemas de ensino, ficando o governo central apenas com as questões educacionais relativas ao Gymnasio Nacional3. No entanto, isso gerou desorganização no sistema de educação do Brasil, culminando com várias reformas direcionadas a organizar o sistema escolar. Com relação ao Ensino Médio, as reformas empreendidas pelo Governo Federal foram, conforme Palma (2005): 1) Reforma Benjamin Constant (1890): considerada a mais ampla por abranger todos os níveis de ensino, criou a escola secundária com duração de sete anos e com currículo de fisionomia enciclopédica. Almejava o fim dos exames preparatórios parcelados para o ingresso ao ensino superior e, para tanto, estabeleceu os chamados exames de madureza4, que conferiam aos alunos o certificado de conclusão do ensino secundário; no entanto, em função da prorrogação do prazo para a sua regulamentação, beneficiou os preparatórios; 2) Código Epitácio Pessoa ou Código dos Institutos Oficiais de Ensino Superior e Secundário (1901): imprimiu ao curso secundário contornos de um curso preparatório para o ingresso nas Faculdades da época, reduzindo sua duração de sete para seis anos. Com a finalidade de expansão do ensino secundário, o Governo Central estabeleceu o regime de equiparação, o que permitiu o funcionamento de instituições de ensino fundadas pelos Estados, ou por particulares, desde que respeitassem o regimento e os programas de ensino adotados no estabelecimento oficial, no caso, o Colégio D. Pedro; 3 Tradicional Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, cujo nome foi alterado para Gymnasio Nacional, voltando a ter a primeira denominação posteriormente (VEIGA, 2007). 4 De acordo com Castro (1972, apud Oliveira 2017), o exame de madureza se originou no período Colonial brasileiro, com os exames parcelados exigidos aos alunos dos liceus e estabelecimentos particulares que desejassem ingressar nos cursos superiores, realizados pelo Colégio Dom Pedro II, o único que conferia o grau de bacharel exigido para o ingresso ao ensino superior. 23 3) Reforma Rivadávia Correa ou Lei Orgânica de Rivadávia Correa (1911): ficou conhecida como a lei que desoficializou o ensino, por instituir a não obrigatoriedade de frequência, abolir os diplomas e criar exames de admissão para o ingresso nas Faculdades, realizados pelas próprias instituições, que poderiam admitir candidatos sem a exigência da comprovação de conclusão do ensino secundário. Além disso, aboliu a equiparação das instituições ao Colégio D. Pedro II e, ao instituir essa autonomia ao ensino, representou um retrocesso; 4) Reforma Carlos Maximiliano (1915): considerada por Palma (2005) a reforma educacional mais inteligente de toda a Primeira República, buscou a conciliação de diversos aspectos das leis anteriores, pois conservou o exame de admissão para o ensino superior, da Lei Rivadávia Correa; o ensino seriado e a redução do currículo, do Código Epitácio Pessoa, e a restrição da equiparação aos estabelecimentos estaduais e aos exames preparatórios (PALMA,2005 apud SILVA, 1969). 5) Reforma João Luiz Alves/Rocha Vaz (1925): por meio dessa reforma, o ensino secundário foi oficializado em duas modalidades: a de seis anos de estudos, pela qual se obtinha o grau de bacharel, e a que, ao final de cinco anos, possibilitava prestar o vestibular para o ensino superior, de cunho classificatório, dada a quantidade de vagas pré-definida. Para Nagle (1976), essa última reforma foi a mais importante do período, levando em consideração seu significado educacional, já que implementava o ensino ginasial seriado, de frequência obrigatória, e, também, aumentava as funções normativas e fiscalizadoras da União quanto ao ensino secundário de todo o país. No entanto, de maneira geral, o referido autor entende as reformas como iniciativas que, embora numerosas, refletiram a falta de unidade e coesão das políticas educacionais do país, tendo em vista a educação inteiramente descentralizada que se apresentava no período. No ano de 1930, Getúlio Vargas tomou a presidência e uma das principais características de seu governo foi a forte centralização do poder, manifestada por diversas ações e, no que tange à educação, aconteceu a criação do Conselho Nacional de Educação e a organização das bases do ensino secundário e do ensino comercial profissionalizante. Getúlio assumiu o poder um ano após a quebra da Bolsa de Nova York em 19295, cujos efeitos resvalaram no Brasil, que ficou sem seu maior comprador para a safra cafeeira, base da economia brasileira. Assim, o país foi forçado a estimular seu processo de industrialização, 5 Evento de forte impacto na economia brasileira, que se apoiava na exportação, sobretudo, do café. Ao mesmo tempo, o país importava bens manufaturados. A partir de então, o governo passou a adotar uma política de substituição de importações, despertando para o início da indústria nacional (PENIN, S. T. S. 2001, p.119). 24 desembocando no mundo capitalista de produção, o que passou a exigir mão-de-obra especializada e trabalho de pessoas capacitadas para responder às novas demandas do mercado: A intensificação do capitalismo industrial no Brasil, que a Revolução de 30 acabou por representar, determina consequentemente o aparecimento de novas exigências educacionais. Se antes, na estrutura oligárquica, as necessidades de instrução não eram sentidas, nem pela população nem pelos poderes constituídos (pelo menos em termos de propósitos reais), a nova situação implantada na década de 30 veio modificar profundamente o quadro das aspirações sociais, em matéria de educação, e, em função disso, a ação do próprio Estado (ROMANELLI, 2014, p. 61). Diante desses primeiros sinais da industrialização, houve a necessidade de mão-de-obra capacitada para produzir e, conforme Romanelli (2014), um dos fatores que interfere na organização de ensino é a evolução da economia, pois o sistema econômico pode ou não exigir recursos humanos capacitados pelo sistema escolar; foi o que ocorreu no caso do Brasil: o sistema econômico exigiu do Governo mudanças no sistema educacional. Essa mudança nas relações de produção e o consequente deslocamento da população para os centros urbanos trouxeram novos imperativos, notadamente o de eliminar o analfabetismo, para preparar um número suficiente de trabalhadores e, também, para gerar um mercado consumidor para a sobrevivência do próprio sistema capitalista. Para cumprir tal exigência, Vargas promoveu grandes reformas na educação nacional. Já em 1930 extinguiu o Ministério da Justiça e Negócios Interiores e, em seu lugar, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a responsabilidade de Francisco Campos que, em 1931, reformulou pela primeira vez todo o sistema de educação em nível nacional, por meio de um conjunto de decretos conhecido por Reforma Francisco Campos. Especificamente no que diz respeito ao ensino secundário, tal reforma determinou que ele seria ministrado no Colégio D. Pedro II, ao qual todos os colégios secundários oficiais deveriam ser equiparados. Com duração total de sete anos, esse nível de ensino foi estruturado em dois ciclos: o fundamental, com duração de cinco anos, voltado à formação geral e comum a todos os alunos; e o complementar, de dois anos, direcionado à formação propedêutica, para o encaminhamento aos cursos superiores, basicamente nas áreas jurídicas, biomédicas e das engenharias (ROMANELLI, 2014). A Reforma Francisco Campos teve o mérito de conferir organicidade ao Ensino Médio, porque estabeleceu o currículo seriado e a frequência obrigatória, abolindo o regime de cursos 25 preparatórios e exames parcelados; no entanto, na apreciação de Romanelli (2014), criou sistemas rígidos e fechados. Outras críticas a essa reforma são a de que ela dificultou aos trabalhadores a conclusão do ensino secundário, por aumentar os anos de permanência na escola (TARTUCE et. al 2015), e estabeleceu um projeto de educação diferenciado: uma educação “para pensar” e outra “para produzir” (ZOTTI, 2006, p.3). Francisco Campos possuía formação jurídica e forte atuação política no Governo Vargas, sobretudo no período do Estado Novo6, e foi praticamente o autor da Constituição de 1937, que prescrevia um ensino voltado ao disciplinamento patriótico, cumprindo um papel ideológico do Estado. Conforme Dallabrida (2009, p. 185), a função do sistema educativo era “produzir estudantes secundaristas autorregulados e produtivos, em sintonia com a sociedade disciplinar e capitalista que se consolidava no Brasil, nos anos 30”. 1.4 Segundo marco de transformações do Ensino Médio (1940-1960) O segundo momento marcante para o Ensino Médio no Brasil foi na década de 1940, ainda no governo Vargas, quando o então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, iniciou uma série de regulamentações intituladas Reforma Capanema, também denominadas Leis Orgânicas do Ensino, que abrangeram tanto o ensino primário quanto o secundário e, além disso, o ensino profissionalizante. Em relação ao secundário, foi promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, pelo Decreto nº 4.244, de 9 de abril de 1942 (BRASIL,1942a), que já na sua Exposição de Motivos dispôs a sua finalidade: O que constituí o caráter específico do ensino secundário é a sua função de formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo, a um tempo, das humanidades antigas e das humanidades modernas e, bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística (BRASIL, 1942). 6 Período autoritário, com início em 10 de novembro de 1937, quando o Congresso Nacional, cercado por tropas da Polícia Militar, foi fechado. No mesmo dia, Getúlio Vargas anunciou à nação, pelo rádio, o início de uma nova era, orientada por uma nova Constituição, conhecida como "Polaca", por ter se inspirado na Constituição da Polônia, de tendência fascista. O período autoritário do Estado Novo durou de 1937 a 1945 (Disponível em < https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/e/estado_novo.htm>). https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/e/estado_novo.htm 26 Para Zotti, (2006, p.6), “A Reforma Capanema consagrou a tendência que já vinha sendo afirmada por Francisco Campos e reafirmada nos princípios da Constituição de 1937, em relação à dualidade do sistema de ensino brasileiro [...]”. Manteve a organização vertical de dois ciclos, com sete anos de duração, mas com terminologias diferentes: o primeiro ciclo era o ginasial, com duração de quatro anos, e o segundo, o Clássico ou Científico, com duração de três anos, de opção dos estudantes. De acordo com o artigo 4º desse dispositivo legal, o curso clássico concorria para a formação intelectual, com maior conhecimento de filosofia e um acentuado estudo das letras antigas; já no curso científico, essa formação era marcada por um estudo maior de ciências. Mas, na prática, conforme Romanelli (2014), não foi o que aconteceu, porque não houve uma diferença substancial entre as disciplinas ministradas nos cursos, sendo ambos os currículos excessivamente enciclopédicos, acadêmicos e humanísticos. Com isso, o nível secundário assumiu um caráter dualista e elitista: dualista pois, sob leis diversas, separou-se o ensino secundário do profissionalizante; elitista, porque a oportunidade de ascender a qualquer curso do Ensino Superior somente era dada aos que frequentassem o curso secundário, ou seja, para os poucos que faziam parte da elite pensante e poderiam assumir postos de comando na hierarquia da nação. Aos demais, alunos do profissionalizante, estaria reservado um local de labuta no mercado de trabalho. 1.5 Terceiro marco de transformações do Ensino Médio (1960-1970) O terceiro momento destacado por Tartuce et. al (2015) teve início em 1961, com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB nº 4.024/61 (BRASIL,1961), que manteve a estrutura do ensino secundário em dois ciclos: o primeiro, ginasial, com duração de 4 anos, e o segundo, chamado colegial, com duração de 3 anos, que poderia ser cursado tanto na modalidade regular como na técnico profissionalizante, nos ramos industrial, agrícola, comercial ou, ainda, na formação de professores. A LDB nº 4.024/61, inspirada nos princípios do movimento da Escola Nova, foi marcada pela flexibilização, porque conferia plena equivalência entre cursos regulares e profissionalizantes, permitindo aos egressos de qualquer modalidade de ensino ascender ao Ensino Superior. Com isso, houve um avanço significativo no que diz respeito à democratização, visto que a lei permitia o acesso ao Ensino Superior também a alunos dos cursos técnicos profissionalizantes. 27 Mas, conforme Tartuce et. al (2015), essa face democrática da referida lei era contraditória, pelo fato de que apenas o ensino primário era obrigatório, mas se exigia comprovação de escolaridade para o ingresso ao ensino secundário, mediante o exame de admissão ao ginásio, o que constituía um ponto de estrangulamento no sistema educacional da época. 1.6 Quarto marco de transformações do Ensino Médio (1970 – 1990) O quarto momento da educação secundária no Brasil, de acordo com Tartuce et. al (2015), situa-se no governo republicano militar, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases n.º 5.692/71 (BRASIL,1972), pela qual se buscou articular o ensino secundário ao modelo político e econômico vigente, com vistas à formação de técnicos, para cumprir as exigências do capital internacional. Para tanto, determinou-se a habilitação profissional compulsória a todos os alunos do Ensino Médio, doravante denominado 2º grau. Organizado em três anos, passou a ser o retrato da educação profissional. Conforme Frigotto (2007), efetivou-se na perspectiva do adestramento para o mercado. Embora a LDB nº 5.692/71 tenha trazido avanços positivos no que diz respeito à escolarização básica, ao fundir o ensino primário e o ginasial em um único ciclo, com terminologia de 1º grau, trouxe limitações na formação dos educandos, na medida em que seu currículo perdeu as características de educação humanista e cientificista para se tornar profissionalizante, mediante a imposição de conteúdos de utilidade prática, que atendessem a população, enquanto o ensino superior se destinaria, forçosamente, às elites (GHIRALDELLI JR.,1994). Segundo Kuenzer (1997), nessa ocasião, os objetivos principais do Ensino Médio eram a contenção da demanda de estudantes ao ensino superior, já que se entendia que tal ensino deveria ser destinado aos ‘intelectuais’; daí a necessidade da sua despolitização, mediante a imposição de um currículo tecnicista, voltado à preparação de mão-de-obra qualificada, para atender às demandas de empresas de médio e grande porte, que adotavam um modelo de organização taylorista7/fordista8. 7 Modelo de organização desenvolvido pelo engenheiro americano Frederick Winslow Taylor, baseado na execução de tarefas para melhorar a eficiência operacional (Disponível em ). 8 Modelo de organização desenvolvido pelo americano Henry Ford, baseado no sistema de produção em massa de determinado produto (Disponível em ). https://brasilescola.uol.com.br/geografia/taylorismo-fordismo.htm https://brasilescola.uol.com.br/geografia/taylorismo-fordismo.htm 28 A referida Lei n.º 5.692/71 perdurou até a edição da LDB n.º 9.394/96; no entanto, a profissionalização obrigatória foi revogada pela Lei nº 7.044/82, que substituiu a expressão “qualificação para o trabalho” por “preparação para o trabalho” (BRASIL, 1982), tornando a educação profissional opcional e equivalente ao Ensino Médio regular. 1.7 Quinto marco de transformações do Ensino Médio (a partir de 1990) O quinto e mais expressivo momento para a história do Ensino Médio se encontra nos anos 90, com a regulamentação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) que, no âmbito das políticas educacionais, representou um grande passo para essa etapa da escolaridade, pois, em seu artigo 208, inciso II, assegurou a todos os cidadãos o acesso à educação escolar e a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade a esse o nível de ensino. Em seguida, a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) trouxe outros avanços, ao incluir o Ensino Médio como parte integrante da Educação Básica e, em 2009, a Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009a) veio finalmente trazer a obrigatoriedade da universalização dessa etapa escolar, ao consagrar a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. Assim, assegurado o seu reconhecimento enquanto direito público subjetivo, inclusive para aqueles que não tivessem a oportunidade de cursá-lo na idade regular, o Ensino Médio tinha então o desafio e o imperativo de ser efetivado, mediante a inclusão de todos os sujeitos entre os 15 a 17 anos na escolarização básica, bem como de ofertar um ensino que assegurasse a permanência dos jovens na escola e uma aprendizagem de qualidade, para a terminalidade com êxito. Tal retrospectiva histórica demonstra que o oferecimento de estudos para a população sempre esteve atrelado à condição econômica e sua representação na estrutura da hierarquia social. Assim, aos filhos de classes trabalhadoras foi destinado secularmente os estudos relacionados à força e produção do trabalho, enquanto que os filhos da elite dispunham de condições favoráveis ao ingresso e possível permanência em estudos superiores. Em razão dessa característica histórica, a atualidade trouxe diversas propostas de políticas públicas, programas e ações governamentais, bem como investimentos no currículo, como forma de tornar o Ensino Médio mais próximo da realidade juvenil, na tentativa de incluir e atender o maior número possível de jovens na faixa dos 15 aos 17 anos. Dentre essas políticas públicas e ações governamentais pode-se destacar as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM); o Fundo de Manutenção e 29 Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB); o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI); as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil; o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM, BRASIL, 1998b) foram publicadas no ano de 1988, trazendo princípios, embasamentos e fundamentos para a condução das políticas educacionais de organização pedagógica e curriculares para as escolas de Ensino Médio do país, públicas ou privadas, em qualquer modalidade de ensino. Pelas DCNEM, o currículo passou a ser organizado em áreas de conhecimento: I – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II - Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e III - Ciências Humanas e suas Tecnologias. Na concepção das diretrizes, o currículo deveria privilegiar, em contraposição às disciplinas isoladas, “um tratamento metodológico que evidencie a contextualização e a interdisciplinaridade, ou outras formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos” (BRASIL, 1998b, § 2º). As DCNEM também vieram sugerir uma estrutura curricular baseada em competências básicas, com o incentivo do “uso de metodologias diversificadas e ativas, de modo a colocar os estudantes no centro do processo de aprendizagem e favorecer seu protagonismo” (TARTUCE et. al, 2015, p.30). Na visão de Lopes (2008), essa valorização da organização do currículo por competências e habilidades básicas se articula às mudanças tecnológicas empreendidas no mundo global, em que a tecnologia é entendida como o uso do conhecimento, meios, processos e organização para produzir bens e serviços. Nesse caso, a tecnologia se torna a condição de ser global e, para isso, a educação assume um lugar central, pois é pela educação que se busca, socialmente, formar trabalhadores com altas habilidades e capacidade de inovação entendidas como essenciais para sustentar os modelos tecnológicos vigentes. Nessa perspectiva, surge o Relatório Jaques Delors (1998), originado da Reunião Internacional sobre Educação para o Século XXI da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que influenciou esse movimento formativo com a apresentação das quatro grandes necessidades de aprendizagem para os estudantes, os quatro pilares da educação, a saber: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. No Brasil, a releitura desses pilares determinou os princípios axiológicos expostos nas respectivas diretrizes. Nesse documento, e em outros que orientaram as reformas subsequentes, 30 a principal finalidade da educação contemporânea seria a formação de personalidades flexíveis para a adaptação à realidade instável e incerta: “A era das diretrizes coincide, assim, com a era das incertezas” (CIAVATTA, M; RAMOS, M. 2011, p. 17). Nessa lógica, Lopes (2008) coloca que, a partir dos conceitos de interdisciplinaridade, contextualização e tecnologias, hibridizados à lógica do currículo por competências, constantes dos discursos das DCMEM, foi reelaborado um discurso de (re)contextualização das ideias de um currículo integrado, defendido pela literatura que trata de políticas curriculares. Para a autora, essa (re)contextualização acaba por legitimar a organização do referido documento, trazendo um consenso na sua adoção, que minou possibilidades de questionamentos e críticas acerca dos princípios integradores eleitos, mas que deveria se tornar alvo do debate educacional, principalmente na atualidade, onde o conhecimento ganha centralidade: A autonomia da educação é caracterizada por sua liberdade para se adequar às competências formadoras do cidadão necessário ao pleno desenvolvimento social, as quais não são mais restritas como aquelas exigidas pelo paradigma taylorista-fordista. Não há rompimento com a lógica de formação para a inserção na estrutura social vigente e seus processos produtivos. Apenas há uma mudança no que se concebe como necessário a essa inserção. O conhecimento acentua seu status de mercadoria, pois é reconhecido como base em seu valor de troca no mercado de trabalho e da produção social (LOPES, 2008, p. 106). Quanto ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais (FUNDEB), sabe-se que foi criado pela Emenda Constitucional (EC) nº 53, de 19 de dezembro de 2006, tornando-se substitutivo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), pela Lei n. º 11.494/07, que concentrava a destinação de recursos apenas para o Ensino Fundamental. Segundo Oliveira (2009), a instituição do FUNDEB, realizada no último ano do primeiro mandato do Governo Lula, em 2007, pôde ser considerada um avanço, no sentido de que buscou corrigir falhas apontadas no FUNDEF e se tornou “o principal mecanismo de financiamento da educação básica, compreendendo então suas três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, com duração prevista para 14 anos” (OLIVEIRA, 2009, p.197). Essa mudança e ampliação da destinação dos recursos arrecadados pelo Estado brasileiro foi uma política pública de grande importância para a educação básica, sobretudo para o reconhecimento do Ensino Médio com a expansão do raio de ação no financiamento da 31 educação, alcançando alunos de todas as etapas e modalidades de ensino, atendendo a perspectiva de universalização da educação básica. Na sequência, em 2009, foi proposto o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), instituído pelo Governo Federal pela Portaria nº 971, com o escopo de dar suporte e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas de Ensino Médio não profissionalizantes. Por meio desse programa, o Governo Federal passou a disponibilizar apoio técnico e financeiro às Secretarias Estaduais e Distrital, cujas propostas contemplassem projetos pedagógicos de formação integral dos estudantes e de fortalecimento do protagonismo juvenil, mediante atividades de educação científica e humanística, de valorização da leitura, da cultura, do aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de novas tecnologias e do desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras. Na visão de Simões (2011), o Programa Ensino Médio Inovador foi criado para incentivar as redes púbicas estaduais a construírem um Ensino Médio mais atraente e de melhor qualidade, a partir de iniciativas inovadoras, em que os currículos pudessem ser diversificados com ações integradoras, a partir da base unitária, formada pela articulação dos eixos trabalho, ciência, tecnologia e cultura, na perspectiva da emancipação humana, de forma equânime a todos os cidadãos. Por essa concepção, o ensino deveria ser estruturado em consonância com o avanço do conhecimento científico e tecnológico, fazendo da cultura um componente da formação geral, articulada com o trabalho produtivo, o que “pressupõe a vinculação dos conceitos científicos à contextualização dos fenômenos físicos, químicos e biológicos, bem como a superação das dicotomias entre humanismo e tecnologia e entre formação teórica geral e prática técnico- instrumental” (SIMÕES, 2011, p.120). De acordo com Simões (2011), o ProEMI buscou a inovação dos currículos de forma articulada com as ações que já vinham sendo desenvolvidas, nas esferas federais e estaduais, para fortalecer a gestão dos sistemas e das escolas, melhorar a formação docente - inicial e continuada - promovendo a participação do jovem e do adulto trabalhador, com investimentos nas infraestruturas físicas e nos recursos pedagógicos, bem como nas pesquisas voltadas ao Ensino Médio e à juventude. Tal noção partiu do pressuposto de que o avanço na qualidade depende do “[...] compromisso político e da competência técnica dos professores, do respeito às diversidades dos estudantes jovens e da garantia da autonomia responsável das instituições escolares na formulação de seu projeto político-pedagógico” (SIMÕES, 2011, p.120). 32 Dessa forma, o referido programa delegou à própria comunidade a incumbência de promover as inovações necessárias, porque, ao conhecer sua própria realidade, há mais legitimidade para decidir sobre seu currículo, enquanto que à União coube a responsabilidade de dar suporte às ações empreendidas. Assim, reconhece o compromisso docente frente à proposta pedagógica, bem como o papel da gestão democrática do ensino, pressupostos da LDB nº 9.394/96. Outra medida governamental para o Ensino Médio foi a publicação, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, em 2011, 14 anos após o lançamento das primeiras DCNEM. Tal providência foi apresentada como uma atualização necessária das antigas diretrizes, perante as múltiplas mudanças nas legislações referentes ao Ensino Médio e, também, por determinações decorrentes das transformações em curso na sociedade, no mundo do trabalho e nessa etapa da escolaridade (MOEHLECKE, 2012). Segundo o Parecer CNE/CEB nº 5/2011 (BRASIL, 2011), essas mudanças seriam decorrentes da aceleração da produção de conhecimentos, do crescente acesso às informações, dos novos meios de comunicação, das transformações no mundo do trabalho e das mudanças no interesse dos adolescentes e jovens, sujeitos dessa etapa educacional. Nesse sentido, o documento se traduz em um alerta de que a organização do Ensino Médio não é suficiente para atender as atribuições estabelecidas pela LDB nº 9.394/96 e traz várias premissas, como a necessidade da reorganização curricular, da formulação de diretrizes filosóficas e sociológicas, do reconhecimento das condições das redes escolares em seus múltiplos aspectos, acompanhado da ampliação do acesso a esse nível de ensino. O referido Parecer relaciona o Ensino Médio à expressão “educação de qualidade social”, uma construção histórica, com significados diferentes conforme o tempo, espaço e o lugar onde estão os sujeitos. Nessa perspectiva, pontua pressupostos e fundamentos para a formação nesse nível de ensino como: trabalho, ciência, tecnologia e cultura; trabalho como princípio educativo; pesquisa como princípio pedagógico; direitos humanos como princípio norteador e sustentabilidade ambiental como meta universal. Nessa tendência, o documento das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio sugere atividades integradoras, desenvolvidas a partir de temas significativos aos alunos, e propõe estratégias de ensino diversificadas, que incluam o problema do trabalho de forma relacional. Para tanto, indica atividades com os conteúdos disciplinares, planejadas por meio da relação entre situações práticas e reais, tendo como fio condutor as conexões entre o trabalho e as dimensões cultural, pessoal e social (BRASIL, 2011). 33 Depois disso, no ano de 2013, foi instituído o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, pela Portaria Ministerial nº 1.140/2013 (BRASIL, 2013), apresentado para articular e coordenar ações e estratégias entre o Governo Federal e os governos estaduais e distrital, na implementação de políticas voltadas à elevação da qualidade dessa etapa escolar, nas suas diferentes modalidades, para materializar o direito ao acesso, permanência e inclusão dos jovens estudantes. Para tanto, articulou estrategicamente duas ações: o redesenho curricular, por meio do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), e a Formação Continuada de professores e coordenadores pedagógicos das escolas estaduais, urbanas e rurais. Nessa ordem, em 2014 foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE), pela Lei nº 13.005/2014, como um imperativo do artigo 214 da Constituição Federal, que previa a necessidade de um Plano Nacional de Educação, de vigência decenal. Esse Plano estabeleceu diretrizes, metas e estratégias de concretização para a educação nacional em todos os níveis e modalidades, para o prazo de dez anos, mediante regime de colaboração e integração de ações entre as diversas esferas da Federação, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação e garantir a manutenção e desenvolvimento do ensino, a partir de dados estatísticos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Censo Demográfico e do Censo Escolar. As diretrizes previstas no referido Plano são descritas como segue: I − erradicação do analfabetismo; II − universalização do atendimento escolar; III − superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV − melhoria da qualidade da educação; V − formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; VI − promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; VII − promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do país; VIII − estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade; IX − valorização dos(as) profissionais da educação; X − promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2014) Isso posto, tornou-se necessário estipular metas para atingir essas diretrizes. Foram 20 metas, duas delas específicas do Ensino Médio, quais sejam, a meta 3 que, de forma direta, trata da sua universalização, e a meta 11, que traz o fomento à expansão da oferta da Educação Profissional Técnica em nível médio: 34 Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%; [...] Meta 11: Triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público (BRASIL, 2014, p.10). Acompanhando essa estrutura organizacional, foram lançadas 14 estratégias, como forma de viabilizar que cada uma dessas metas fosse alcançada. Assim, para a meta 3, que trata da questão da universalização do Ensino Médio, as estratégias são as que seguem: 3.1) Renovação do Ensino Médio: Institucionalizar programa nacional de renovação do ensino médio, a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte, garantindo- se a aquisição de equipamentos e laboratórios, a produção de material didático específico, a formação continuada de professores e a articulação com instituições acadêmicas, esportivas e culturais; 3.2) Direitos de Aprendizagem do EM: O Ministério da Educação, em articulação e colaboração com os entes federados e ouvida a sociedade mediante consulta pública nacional, elaborará e encaminhará ao Conselho Nacional de Educação - CNE, até o 2º (segundo) ano de vigência deste PNE, proposta de direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para os(as) alunos(as) de ensino médio, a serem atingidos nos tempos e etapas de organização deste nível de ensino, com vistas a garantir formação básica comum; 3.3) Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio: Pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito da instância permanente de que trata o § 5º do art. 7º desta Lei, a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular do ensino médio; 3.4) Esportes e Cultura: Garantir a fruição de bens e espaços culturais, de forma regular, bem como a ampliação da prática desportiva, integrada ao currículo escolar; 3.5) Programas de Correção de Fluxo: Manter e ampliar programas e ações de correção de fluxo do ensino fundamental, por meio do acompanhamento individualizado do aluno com rendimento escolar defasado e pela adoção de práticas como aulas de reforço no turno complementar, estudos de recuperação e progressão parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo escolar de maneira compatível com sua idade; 3.6) Universalização do ENEM: Universalizar o Exame Nacional do Ensino Médio – OCEM, fundamentado em matriz de referência do conteúdo curricular do ensino médio e em técnicas estatísticas e psicométricas que permitam comparabilidade de resultados, articulando-o com o Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, e promover sua utilização como instrumento de avaliação sistêmica, para subsidiar políticas públicas para a Educação Básica, de avaliação certificadora, possibilitando aferição de 35 conhecimentos e habilidades adquiridos dentro e fora da escola, e de avaliação classificatória, como critério de acesso à Educação superior; 3.7) Ensino Médio Integrado ao Profissional: Fomentar a expansão das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à Educação profissional, observando-se as peculiaridades das populações do campo, das comunidades indígenas e quilombolas e das pessoas com deficiência; 3.8) Frequência dos beneficiários de programas de transferência de renda: Estruturar e fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência dos jovens beneficiários de programas de transferência de renda, no ensino médio, quanto à frequência, ao aproveitamento escolar e à interação com o coletivo, bem como das situações de discriminação, preconceitos e violências, práticas irregulares de exploração do trabalho, consumo de drogas, gravidez precoce, em colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à adolescência e juventude; 3.9) - Busca ativa da população de 15-17 anos: Promover a busca ativa da população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos fora da escola, em articulação com os serviços de assistência social, saúde e de proteção à adolescência e à juventude; 3.10) Educação e Cultura associadas à Qualificação Profissional: Fomentar programas de educação e de cultura para a população urbana e do campo de jovens, na faixa etária de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, e de adultos, com qualificação social e profissional para aqueles que estejam fora da escola e com defasagem no fluxo escolar; 3.11) Oferta de Ensino Médio: Redimensionar a oferta de ensino médio nos turnos diurno e noturno, bem como a distribuição territorial das escolas de ensino médio, de forma a atender a toda a demanda, de acordo com as necessidades específicas dos alunos; 3.12) População itinerante e Ensino Médio: Desenvolver formas alternativas de oferta do ensino médio, garantida a qualidade, para atender aos filhos e filhas de profissionais que se dedicam a atividades de caráter itinerante; 3.13) Prevenção à evasão por preconceito e discriminação: Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação racial, por orientação sexual ou identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão; 3.14) Cursos tecnológicos e científicos: Estimular a participação dos adolescentes nos cursos das áreas tecnológicas e científicas (BRASIL, 2014, anexo, grifos nosso). No caso da meta 11, sobre a Educação Profissional Técnica de nível médio, as referidas estratégias seguem descritas na sequência: 11.1) expandir as matrículas de educação profissional técnica de nível médio na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, levando em consideração a responsabilidade dos Institutos na ordenação territorial, sua vinculação com arranjos produtivos, sociais e culturais locais e regionais, bem como a interiorização da educação profissional; 11.2) fomentar a expansão da oferta de educação profissional técnica de nível médio nas redes públicas estaduais de ensino; 11.3) fomentar a expansão da oferta de educação profissional técnica de nível médio na modalidade de educação a distância, com a finalidade de ampliar a oferta e democratizar o acesso à educação profissional pública e gratuita, assegurado padrão de qualidade; 36 11.4) estimular a expansão do estágio na educação profissional técnica de nível médio e do ensino médio regular, preservando-se seu caráter pedagógico integrado ao itinerário formativo do aluno, visando à formação de qualificações próprias da atividade profissional, à contextualização curricular e ao desenvolvimento da juventude; 11.5) ampliar a oferta de programas de reconhecimento de saberes para fins de certificação profissional em nível técnico; 11.6) ampliar a oferta de matrículas gratuitas de educação profissional técnica de nível médio pelas entidades privadas de formação profissional vinculadas ao sistema sindical e entidades sem fins lucrativos de atendimento à pessoa com deficiência, com atuação exclusiva na modalidade; 11.7) expandir a oferta de financiamento estudantil à educação profissional técnica de nível médio oferecida em instituições privadas de educação superior; 11.8) institucionalizar sistema de avaliação da qualidade da educação profissional técnica de nível médio das redes escolares públicas e privadas; 11.9) expandir o atendimento do ensino médio gratuito integrado à formação profissional para as populações do campo e para as comunidades indígenas e quilombolas, de acordo com os seus interesses e necessidades; 11.10) expandir a oferta de educação profissional técnica de nível médio para as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação; 11.11) elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos técnicos de nível médio na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica para 90% (noventa por cento) e elevar, nos cursos presenciais, a relação de alunos (as) por professor para 20 (vinte); 11.12) elevar gradualmente o investimento em programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica, visando a garantir as condições necessárias à permanência dos (as) estudantes e à conclusão dos cursos técnicos de nível médio; 11.13) reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais no acesso e permanência na educação profissional técnica de nível médio, inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei; 11.14) estruturar sistema nacional de informação profissional, articulando a oferta de formação das instituições especializadas em educação profissional aos dados do mercado de trabalho e a consultas promovidas em entidades empresariais e de trabalhadores (BRASIL, 2014, anexo). Assim sendo, observa-se que as finalidades do Ensino Médio trazidas pela LDB nº 9.394/96, que vão desde o aprofundamento dos conhecimentos à preparação básica para o trabalho, são fomentadas no Plano Nacional de Educação, pelas metas 3 e 11 e, nesse sentido, a ideia da profissionalização passa a estar presentes nos discursos e propostas de reformulação do currículo, em todas as modalidades de ensino, considerando as populações do campo, comunidades indígenas e quilombolas, pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. 37 No caso específico da educação profissional técnica de nível médio, as mudanças curriculares se entrecruzam com a ideia da LDB/96 sobre a necessidade de maior integração entre trabalho, ciência e tecnologia e, nesse sentido, buscam uma formação não somente para o conhecimento técnico, mas também para o desenvolvimento de habilidades de iniciativa e de capacidade de solucionar problemas e tomar decisões com autonomia. Não por acaso, mais recentemente o Projeto de Lei (PL) nº 6.840/2013 veio propor uma reforma de ordem estrutural no Ensino Médio, cujo cunho é a instituição da jornada em tempo integral e a disposição do currículo em áreas do conhecimento e competências; após várias emendas, em fevereiro de 2017 o referido projeto foi transformado na Lei nº 13.415/179, atualmente em fase de implementação: Art. 13. Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Parágrafo único. A Política de Fomento de que trata o caput prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por escola, contado da data de início da implementação do ensino médio integral na respectiva escola, de acordo com termo de compromisso a ser formalizado entre as partes, [...] (BRASIL, 2017, Art. 13) Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas. § 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural. § 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia. § 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas. § 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. § 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum 9 Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto- Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (Disponível em ). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm 38 Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino. § 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional Comum Curricular. § 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais. § 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem (BRASIL, 2017, Art. 35-A). No entanto, compete destacar que essa reforma tem sido alvo de críticas por parte de educadores e pesquisadores de todo o país, que acreditam que ela fere princípios basilares da Constituição Federal, ao estabelecer uma única diretriz para todos os estabelecimentos de Ensino Médio do país, públicos ou privados: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, [...] (BRASIL, 1988, Art. 206). Além disso, há os que reclamam a falta da participação efetiva na sua formulação e a ausência de clareza sobre sua implementação, especialmente no tocante às áreas do conhecimento, disciplinas obrigatórias e qualificação dos profissionais que atuarão no segmento. Dessa forma, tendo em vista a centralidade da reforma na mudança curricular, houve a necessidade de atualização das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio, o que ocorreu pela Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. A partir de então, o currículo do Ensino Médio passou a contar com uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com os chamados itinerários formativos: Art. 10. Os currículos do ensino médio são compostos por formação geral básica e itinerário formativo, indissociavelmente (BRASIL, 2018, Art. 10). Art. 11. A formação geral básica é composta por competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e articuladas como 39 um todo indissociável, enriquecidas pelo contexto histórico, econômico, social, ambiental, cultural local, do mundo do trabalho e da prática social, e deverá ser organizada por áreas de conhecimento [...] (BRASIL, 2018, Art. 11). Art. 12. A partir das áreas do conhecimento e da formação técnica e profissional, os itinerários formativos devem ser organizados, considerando: I - linguagens e suas tecnologias: aprofundamento de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes linguagens em contextos sociais e de trabalho, estruturando arranjos curriculares que permitam estudos em línguas vernáculas, estrangeiras, clássicas e indígenas, Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), das artes, design, linguagens digitais, corporeidade, artes cênicas, roteiros, produções literárias, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino; II - matemática e suas tecnologias: aprofundamento de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes conceitos matemáticos em contextos sociais e de trabalho, estruturando arranjos curriculares que permitam estudos em resolução de problemas e análises complexas, funcionais e não-lineares, análise de dados estatísticos e probabilidade, geometria e topologia, robótica, automação, inteligência artificial, programação, jogos digitais, sistemas dinâmicos, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino; III - ciências da natureza e suas tecnologias: aprofundamento de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes conceitos em contextos sociais e de trabalho, organizando arranjos curriculares que permitam estudos em astronomia, metrologia, física geral, clássica, molecular, quântica e mecânica, instrumentação, ótica, acústica, química dos produtos naturais, análise de fenômenos físicos e químicos, meteorologia e climatologia, microbiologia, imunologia e parasitologia, ecologia, nutrição, zoologia, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino; IV - ciências humanas e sociais aplicadas: aprofundamento de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes conceitos em contextos sociais e de trabalho, estruturando arranjos curriculares que permitam estudos em relações sociais, modelos econômicos, processos políticos, pluralidade cultural, historicidade do universo, do homem e natureza, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino; V - formação técnica e profissional: desenvolvimento de programas educacionais inovadores e atualizados que promovam efetivamente a qualificação profissional dos estudantes para o mundo do trabalho, objetivando sua habilitação profissional tanto para o desenvolvimento de vida e carreira, quanto para adaptar-se às novas condições ocupacionais e às exigências do mundo do trabalho contemporâneo e suas contínuas transformações, em condições de competitividade, produtividade e inovação, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino (BRASIL, 2018, Art. 12). Dessa feita, verifica-se que a atual reforma voltada ao Ensino Médio trouxe um comprometimento com a educação profissionalizante, já que prevê itinerários formativos que incluem, de forma indissociável e obrigatória, a formação técnica e profissional. Sendo assim, justifica-se conhecer brevemente a trajetória do ensino profissional no país. 40 2. CAPÍTULO II - O ENSINO MÉDIO DE NATUREZA TÉCNICO PROFISSIONALIZANTE Na atualidade, a formação integral do estudante no nível médio de ensino também envolve a introdução em conhecimentos do mundo do trabalho, por parte da escola, com possível desdobramento em uma qualificação profissional técnica, não necessariamente como forma de atender às demandas de mercado, o que ocorreu ao longo de toda a história do Ensino Médio no Brasil, mas, também e sobretudo, para tentar fortalecer a participação do jovem na vida econômica e social. Assim, esse capítulo trata do Ensino Médio de natureza técnico profissionalizante, buscando a compreensão de sua introdução no sistema escolar brasileiro e seus desdobramentos na formação prevista para essa etapa da escolaridade. 2.1 O Ensino Médio profissionalizante no Brasil A formação para o trabalho no Brasil é um direito fundamental, explicitado no artigo 204 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). No entanto, essa prerrogativa ainda não foi bem assimilada, como formação escolar, levando-se em conta a herança escravagista que o país carrega, que “[...] deixou marcas profundas e preconceituosas com relação à categoria social de quem executava trabalho manual” (BRASIL, 2012, p.18, Anexo). Conforme Resolução CNE/CEB nº 6/2012, a escravidão, que durou mais de três séculos no Brasil, e a associação que se faz entre ela e o chamado trabalho manual, acabou por estigmatizar e influenciar negativamente a ideia de uma educação voltada para o trabalho, porque, à época, prevalecia o modelo agrário de produção, restrito ao serviço na lavoura, considerado de menor valor, por dispensar qualificação. Conforme Penin (2001), como não utilizava qualquer instrumento sofisticado ou de alta tecnologia, a aprendizagem para esse ofício se dava na própria execução das atividades. Assim, os primeiros indícios de educação profissional ocorreram, segundo Garcia (2000), a partir de 1809, com a criação do Colégio das Fábricas, pelo Príncipe Regente, futuro D. João VI. Foi o primeiro estabelecimento criado pelo poder público, para atender aprendizes, artistas e órfãos vindos de Portugal: “Se o Colégio das Fábricas não foi o primeiro estabelecimento de ensino profissional no Brasil, nem mesmo o que primeiro abrigou órfãos 41 com esse propósito, ele foi a referência para os outros que vieram a ser instalados” (CUNHA, 2000, p. 81). Há registros, nessa época, da criação de outras diversas instituições voltadas ao ensino de ofícios, dentre elas, o Asilo dos Meninos Desvalidos10, que abrigava menores pobres encontrados pelas ruas, ou em situação de mendicância, de acordo com o que está posto na MAPA11. Posteriormente, no período entre a Independência e a República, a estrutura econômica e social ainda seguia o modelo agrário-exportador, latifundiário e escravagista, segundo Vieira e Farias (2003), e, nesse sentido, era necessária uma escola para o trabalho, e não para o povo. Assim, para atender a essa finalidade, foram criados os Liceus de Artes e Ofícios, considerados de menor valor em relação à educação propedêutica, promovida para as classes condutoras do país (REGATTIERI E CASTRO, 2010). Oficialmente, o ensino profissionalizante público e gratuito foi implementado na Primeira República, no Governo de Nilo Peçanha, em 1909, por meio do Decreto n.º 7.566, de 23 de setembro de 1909, quando foram criadas dezenove Escolas de Aprendizes Artífices. Subordinadas ao Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio, foram instaladas nas capitais de diferentes estados do país, e tinham por finalidade qualificar profissionalmente os desafortunados da época, para afastá-los da marginalidade e inseri-los no mercado de trabalho: Que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazer-lhes adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vício e do crime (BRASIL, 1909, p.1). Nessas escolas, o ensino era voltado às especialidades das indústrias locais, em um contexto econômico de desenvolvimento industrial ainda incipiente, oferecidos em regime de externato, para aqueles que desejassem aprender um ofício e atendessem a características específicas: Serão admitidos os indivíduos que o requererem dentro do prazo marcado para a matrícula e que possuírem os seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna: a) idade de 10 anos no mínimo e de 13 anos no máximo; 10 Escola pública de instrução primária, que abrigava menores de 12 anos, criada pelo Decreto nº 5.532, de 24 de janeiro de 1874. 11 Memória da Administração Pública Brasileira (Disponível em http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de- categorias-2/256-asilo-dos-meninos-desvalidos. Acesso em 01.abr.2019. 42 b) não sofrer o candidato moléstia infectocontagiosa, nem ter defeitos que o impossibilitem para o aprendizado do oficio (BRASIL, 1909, Art.6º). Dessa forma, a educação profissional desse momento adquiria uma função social assistencialista, conforme Fonseca (1961), e era vista pela sociedade da época como filantrópica, ou de caridade. Reconhecida como “a educação dos desvalidos” (TAVARES, 2012, p.55), agia como mecanismo de regulação social, e levou as classes dirigentes a enxergarem tal forma de ensino como um corretivo para as mazelas sociais, ou seja, como um “poderoso instrumento para a solução da questão social” (CUNHA, 2000, p. 94). Em 1927 o Congresso Nacional sancionou o Projeto de Fidélis Reis, que não chegou a ser implementado. Esse projeto oferecia a obrigatoriedade do ensino profissional para todos, em todo o país, independentemente da classe social, e, por esse motivo, não vingou, já que a formação profissional da época se destinava apenas às classes mais pobres: [...] o mais radical de quantos projetos já haviam surgido no Brasil a respeito do ensino profissional, tornando-o obrigatório no País. Nunca se havia ido tão longe; pugnava-se pela ideia, combatia-se pela implantação de mais escolas daquele gênero, mostrava-se a necessidade da formação de um operariado consciente de sua profissão, porém destinava-se, sempre, qualquer tentativa às classes pobres, aos desafortunados, aos deserdados da sorte. O projeto Fidélis Reis, entretanto, tornava aquele ramo de ensino extensivo a todos, pobres ou ricos, desfavorecidos da fortuna ou representantes das classes abastadas (FONSECA, 1961, p. 195). Na sequência, na década de 1930, o Brasil enfrentava uma grave crise econômica por conta da Guerra Mundial, que restringiu as importações e impulsionou o processo de industrialização no país. Assim, entre 1937 e 1945 (Segunda República, ou Era Vargas), o modelo agrário foi substituído pelo nacional-desenvolvimentista, o que começou a demandar trabalhadores qualificados para a indústria nacional, já consolidada (TAVARES, 2012). 2.1.1 A profissionalização na Era Vargas No que diz respeito ao ensino profissionalizante, a primeira reforma educacional da Era Vargas (Reforma Francisco Campos) organizou o ramo comercial e regulamentou a profissão de contador, deixando à margem outros setores, como o industrial, “porque a burguesia industrial não conseguiu impor-se nos primeiros anos, tendo Getúlio Vargas se mostrado dúbio em relação ao apoio ao desenvolvimento industrial” (ROMANELLI, 2014, p.52). 43 Na visão de Romanelli (2014, p. 144), a Reforma Francisco Campos retrocedeu, “[...] perdendo a oportunidade que o contexto oferecia de criar um sistema de ensino profissional condizente com a ideologia do desenvolvimento que então ensaiava seus primeiros passos na política nacional”. Como não eliminou a antiga visão liberal-aristocrática de uma educação voltada às carreiras liberais, deixou de atentar para o ensino técnico científico e contribuiu, com isso, para a manutenção de uma estrutura de ensino dualista, já ultrapassada para a nova época. Em 1937, no contexto do Golpe de Estado decretado por Vargas, a política de cunho liberal foi substituída pelo dirigismo estatal, o que favoreceu a indústria nacional e provocou uma mudança de cenário em relação à visão do trabalho e do seu ensino pelas instituições públicas (ROMANELLI, 2014). Nessa perspectiva, a quarta Constituição Brasileira (Polaca), outorgada por Vargas naquele ano, em consonância com o momento desenvolvimentista da época, trouxe pela primeira vez o ensino técnico profissional e industrial em âmbito nacional, e as Escolas de Aprendizes Artífices de 1909 foram transformadas em Liceus Profissionais12, para oferta do ensino profissional em todos os ramos e graus: O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a