UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências – Campus Bauru Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Laila Guzzon Hussein EFEITOS DE SONDAS E DE ENSINO DE ECOICO SOBRE A ACURÁCIA DA FALA EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA E IMPLANTE COCLEAR BAURU – SP 2021 Laila Guzzon Hussein EFEITOS DE SONDAS E DE ENSINO DE ECOICO SOBRE A ACURÁCIA DA FALA EM CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA E IMPLANTE COCLEAR Tese apresentada como requisito para obtenção do título de Doutora junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Linha de Pesquisa Aprendizagem e Ensino, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, campus de Bauru, sob orientação da Prof. Dra. Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu. BAURU 2021 Hussein, Laila Guzzon. Efeitos de sondas e de ensino de ecoico sobre a acurácia da fala em crianças com deficiência auditiva e implante coclear / Laila Guzzon Hussein, 2021 207 f. Orientadora: Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2021 1. Independência funcional. 2. Sondas. 3. Ecoico. 4. Comportamento verbal. 5. Ensino baseado em equivalência. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Este trabalho foi realizado sob o escopo do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento Cognição e Ensino (INCT-ECCE, 2014). Processos FAPESP 2014/50909-8; CNPQ 465686/2014-1; CAPES 88887136407/2017-00, com vigência de 01/01/2017 a 31/01/2023. Este trabalho é apoiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) fonte de Recurso 001. Aos meus pais, sem eles nada seria possível... AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que me ajudaram e apoiaram durante esta jornada, mesmo que não tenham sido aqui citados, em especial: A minha orientadora Profa. Dra. Ana Cláudia Moreira Almeida-Verdu, que desde a graduação me ensina e me acolhe, obrigado pela confiança; A minha família, por acreditarem no meu potencial e pelo apoio incondicional; A minha melhor amiga Maria Flávia Calil, estar presente em mais uma conquista, por me aguentar e estar ao meu lado todos estes anos, obrigado por acreditar sempre em mim; Aos meus companheiros do Laboratório de Aprendizagem Desenvolvimento e Saúde - LADS, obrigado por todo apoio e constante aprendizado; Ao André Mogica, meu companheiro de vida e nessa longa jornada. Obrigado por sempre ser um ponto de apoio, por alegrar meus dias e sempre acreditar em mim; Aos membros da banca examinadora: Profa. Dra. Raquel Maria de Melo, Profa. Dra. Raquel Melo Golfeto, Profa. Dra. Olga Maria Piazentim Rolim Rodrigues, pelas importantes contribuições ao meu trabalho e pela forma atenciosa e carinhosa como a fizeram; Às famílias e crianças que participaram dos estudos, este trabalho só é possível graças a vocês, muito obrigado pela compreensão e suporte; A Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES), e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT|ECCE), pelo apoio financeiro. “Palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia” Alvo Dumbledore (Harry Potter e as Relíquias da Morte – J. K. Rowling) HUSSEIN, Laila Guzzon. Efeitos de sondas e de ensino de ecoico sobre a acurácia da fala em crianças com deficiência auditiva e implante coclear. 2021. 207f. Tese. (Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Bauru, 2021. RESUMO GERAL Considerando a independência funcional documentada na literatura entre os operantes de ouvir e falar e entre operantes verbais de tato e textual em pessoas com deficiência auditiva e implante coclear, evidências das extensões do modelo de relações de equivalência e a transferência de controle de estímulos (como de textuais para pictóricos) nesta população tem se demonstrado inversa àquela observada em ouvintes (como de pictóricos para textuais). Pesquisas recentes têm demonstrado que em crianças implantadas e leitoras, as vocalizações controladas pela palavra impressa (leitura) são muito mais precisas do que as vocalizações controladas pela figura (nomeação). Uma possibilidade de refinamento das vocalizações estudadas no processo de reabilitação de pessoas com implante coclear tem sido a intervenção através do estabelecimento da leitura via Instrução Baseada em Equivalência como uma rota para o desenvolvimento de uma fala mais precisa. Sondas intercaladas com etapas de ensino têm sido adotadas em diferentes estudos que visam monitorar a precisão da fala durante o ensino de leitura e parecem ter alguma relação com o refinamento do controle pelas unidades menores da palavra em tarefas de nomeação. Com a necessidade de verificar o real efeito da inserção sistemática de sondas sobre a emergência de vocalizações mais precisas em nomeação de figuras, o Estudo 1 objetivou verificar o seu efeito. Intercalou sondas entre passos de ensino, em duas de quatro unidades do programa de ensino de leitura Aprendendo a Ler e Escrever em pequenos Passos (ALEPP), de maneira contrabalanceada em três participantes com idades entre sete anos e oito anos. Os resultados demonstraram que apesar de haver melhora tanto em leitura de palavras quanto em nomeação de figuras, as sondas não foram critério para melhora nas vocalizações. Outra possibilidade de refinamento das vocalizações estudadas no processo de reabilitação de pessoas com implante coclear tem sido a intervenção direta sobre a produção oral, tornando-a mais precisa pelo ensino de ecoico. O efeito do ensino de ecoico sobre a emergência de vocalizações mais precisas em tarefas de nomeação de figuras foi conduzido no Estudo 2. O ensino de ecoico foi encadeado com o ensino de seleção de palavras impressas condicionada às palavras ditadas, durante os passos de duas unidades, entre quatro, previstas pelo ALEPP, de maneira contrabalanceada, em outros três participantes, entre sete e oito anos. Os participantes também melhoraram as porcentagens de acertos em leitura e em nomeação, porém a melhora na vocalização não parece estar associada ao ensino de ecoico, já que uma melhora expressiva também pode ser observada nas Unidades na qual este ensino não foi inserido. Discute-se que a melhora em leitura de palavras e, por transferência de função, em nomeação de figuras esteja associada a outras características do ALEPP como o ensino de respostas sob controle de unidades menores das palavras como o treino silábico (seleção de sílabas) e o treino da resposta de construção (em tarefas de cópia e ditado) como demonstrado em estudos com ouvintes. Palavras-chave: independência funcional, sondas, ecoico, comportamento verbal, ensino baseado em equivalência. HUSSEIN, Laila Guzzon. Effects of probes and echoic teaching on speech accuracy in deaf and hard of hearing children and cochlear implant. 2021. 207f. Thesis. (Doctorate in Developmental and Learning Psychology) – Universidade Estadual Paulista, Faculty of Sciences, Bauru, 2021. GENERAL ABSTRACT Considering the functional independence documented in the literature between hearing and speaking operants and between verbal tact and textual operants in people with deaf and hard of hearing and cochlear implant, evidence of extensions of the equivalence relationship model and the transfer of control of stimuli (i.e. from textual to pictorial) in this population has shown to be inverse to that observed in listeners (i.e. from pictorial to textual). Recent research has shown that in implanted children and readers, the vocalizations controlled by the printed word (reading) are much more accurate than the vocalizations controlled by the figure (naming). One possibility of refining the vocalizations studied in the process of rehabilitation of people with cochlear implants has been the intervention through the establishment of reading via Equivalence Based Instruction as a route for the development of a more precise speech. Probes interspersed with teaching stages have been adopted in different studies that aim to monitor the accuracy of speech during the teaching of reading and seem to have some relationship with the refinement of control by the smaller units of the word in naming tasks. With the need to verify the real effect of the systematic insertion of probes on the emergence of more precise vocalizations in the naming of figures, Study 1 aimed to verify its effect. Interposed probes between teaching steps, in two of four units of the reading teaching program “Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequenos Passos” (ALEPP), in a counterbalanced way in three participants aged between seven years and eight years. The results showed that although there was an improvement in both word reading and picture naming, the probes were not a criterion for improving vocalizations. Another possibility to refine the vocalizations studied in the process of rehabilitation of people with cochlear implants has been the direct intervention on oral production, making it more precise by echoic teaching. The effect of echoic teaching on the emergence of more accurate vocalizations in figure naming tasks was conducted in Study 2. The echoic teaching was chained with the teaching of selection of printed words conditioned to the dictated words, during the steps of two units, among four, provided by ALEPP, in a balanced way, in three other participants, between seven and eight years. The participants also improved the percentage of correct answers in reading and in naming, however the improvement in vocalization does not seem to be associated with the echoic teaching, since a significant improvement can also be observed in the Units in which this teaching was not inserted. It is argued that the improvement in reading and, by transferring function, in picture naming is associated with other characteristics of the ALEPP, such as teaching responses under the control of smaller units of words such as syllabic training (syllable selection) and training of the construction response (in copy tasks and dictation) as demonstrated in studies with listeners. Keywords: functional independence, probes, echoic, verbal behavior, equivalence-based teaching. LISTA DE FIGURAS Estudo 1 Figura 1: Porcentagem de acertos totais na Avaliação Comportamental de Leitura e Escrita. Barras cinza (pré-teste) e barras pretas (pós-teste) mostram o resultado de cada tarefa de acordo com os três tipos de respostas solicitadas. .................................................................... 88 Figura 2: Frequência acumulada das exposições aos passos de ensino de cada participante. 90 Figura 3: Porcentagens de acertos parciais em tentativas de nomeação de figuras (linhas) e leitura de palavras (barras) nas Sondas sucessivas antes e entre Unidades de Ensino. Os dois gráficos menores indicam as Unidades em que sondas entre passos foram inseridas. De cima para baixo um conjunto de gráficos representa um participante. As cores das barras indicam testes realizados logo após o ensino (cinza escuro), testes linha de base (branco) e testes de follow-up (cinza claro). A linha pontilhada indica o momento em que o ensino foi inserido. 92 Figura 4: Frequência acumulada de acertos totais nas tentativas de nomeação de figuras e leitura de palavras nas Sondas sucessivas entre Unidades. O gráfico a esquerda representa nomeação de figuras e o da direita leitura de palavras. A linha hipotética de desempenho ótimo representa o resultado máximo que um participante poderia alcançar. As áreas sombreadas em cinza indicam Unidades em que foram realizadas Sondas entre passos ......... 94 Figura 5: Da esqueda para a direta, distribuição de frequência de erros em tentativas de nomeação de figuras (à esquerda) e leitura de palavras (à direita) nas Sondas Sucessivas antes e entre Unidades de Ensino. A legenda indica a sequência de sondas. A direita, número total de erros, barras significando erros em leitura e linhas erros em nomeação ............................. 96 Estudo 2 Figura 1: Porcentagem de acertos totais na Avaliação Comportamental de Leitura e Escrita. Barras cinza (pré-teste) e barras pretas (pós-teste) mostram o resultado de cada tarefa de acordo com os três tipos de respostas solicitadas. .................................................................. 143 Figura 2: Tentativas de ecoico, a linha cheia demarca para cada participante. A tentativa marcada por (*) sinaliza dicas orofaciais dada pela pesquisadora em caso de erro na emissão do ecoico na primeira tentativa. Tentativas programadas são indicadas por símbolos vazados enquanto que tentativas com dicas orofaciais são representadas por símbolos cheios. ......... 146 Figura 3: Porcentagens de acertos em tentativas de nomeação de figuras (linhas) e leitura de palavras (barras) nas Sondas entre Unidades. As cores nas barras indicam testes realizados logo após o ensino (barra mescla), testes de linha de base (barras brancas) e testes de follow- up (barras cinzas). A linha pontilhada indica o momento em que o ensino foi inserido. ....... 148 Figura 4: Frequência acumulada de acertos totais nas tentativas de nomeação de figuras e leitura de palavras nas Sondas sucessivas entre Unidades. O gráfico a esquerda representa nomeação de figuras e o da direita leitura de palavras. A linha hipotética de desempenho ótimo representa o resultado máximo que um participante poderia alcançar. As áreas sombreadas em cinza indicam as Unidades em que foi realizado o ensino de ecoico. .......... 150 Figura 5: Da esqueda para a direta, distribuição de frequência de erros em tentativas de nomeação de figuras (à esquerda) e leitura de palavras (à direita) nas Sondas Sucessivas antes e entre Unidades de Ensino. A legenda indica a sequência de sondas. A direita, número total de erros, barras significando erros em leitura e linhas erros em nomeação. .......................... 152 LISTA DE TABELAS Estudo 1 Tabela 1: Caracterização dos Participantes: Nome, Data de Nascimento, Tipo de Deficiência Auditiva, Etiologia da Perda Auditiva, Modelo do Implante e Data do Implante do Ouvido Direito (OD) e do Ouvido Esquerdo (OE), Escolaridade, Categoria de Linguagem, Categoria de Audição, Teste de Desempenho Escolar (pontos e classificação), Escala de Maturidade Mental Columbia (pontos e classificação) e Peabody Picture Vocabulary Test (pontos e idade equivalente). ............................................................................................................................. 72 Tabela 2: Visão geral do ALEPP ............................................................................................. 75 Tabela 3: Estrutura de um Passo de Ensino do ALEPP: Blocos, tipos de tentativas, função de cada bloco nos passos e critério de fluxo em caso de erro ....................................................... 78 Tabela 4: Etapas do procedimento e programas utilizados em cada etapa.............................. 82 Estudo 2 Tabela 1: Caracterização dos Participantes: Nome, Data de Nascimento, Tipo de Deficiência Auditiva, Etiologia da Perda Auditiva, Modelo do Implante e Data do Implante do Ouvido Direito (OD) e do Ouvido Esquerdo (OE), Escolaridade, Categoria de Linguagem, Categoria de Audição, Teste de Desempenho Escolar (pontos e classificação), Escala de Maturidade Mental Columbia (pontos e classificação) e Peabody Picture Vocabulary Test (pontos e idade equivalente). ........................................................................................................................... 133 Tabela 2: Local onde foi inserido o ensino de ecoico dentro do Treino de Palavras de um passo do ALEPP. .................................................................................................................... 136 Tabela 3: Etapas do procedimento e programas utilizados em cada etapa ............................ 138 DADOS SUPLEMENTARES DADO SUPLEMENTAR 1 – Análise fonêmica de cada participantes do Estudo 1 nas Sondas entre Unidades Sucessivas. O destaque em cinza informa onde as Sondas entre passos foram inseridas durante o ensino para cada participante. Contabilizou-se o total de fonemas corretos de cada Unidade no pré-teste e em cada Pós-teste de Unidade e a diferença (positiva, negativa ou nula) de fonemas de um teste para o outro após o ensino. .................................................................................................................................................201 DADO SUPLEMENTAR 2 – Porcentagem de acertos parciais, nas tarefas de ditado com construção da resposta no computador e ditado manuscrito, com palavras de generalização, dos participantes do Estudo 1. As barras cinzas correspondem aos escores no pré-teste enquanto que as barras pretas correspondem aos escores do pós-teste. .................................................................................................................................................202 DADO SUPLEMENTAR 3 – Análise fonêmica de cada participantes do Estudo 2 nas Sondas entre Unidades Sucessivas. O destaque em cinza informa onde as Sondas entre passos foram inseridas durante o ensino para cada participante. Contabilizou-se o total de fonemas corretos de cada Unidade no pré-teste e em cada Pós-teste de Unidade e a diferença (positiva, negativa ou nula) de fonemas de um teste para o outro após o ensino. .................................................................................................................................................203 DADO SUPLEMENTAR 4 – Porcentagem de acertos parciais, nas tarefas de ditado com construção da resposta no computador e ditado manuscrito, com palavras de generalização, dos participantes do Estudo 2. As barras cinzas correspondem aos escores no pré-teste enquanto que as barras pretas correspondem aos escores do pós-teste .................................................................................................................................................204 LISTA DE ANEXOS ANEXO 1 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ..........................................................194 ANEXO 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................................196 ANEXO 3 – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido ....................................................199 LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A – Modelo de devolutiva entregue aos pais dos participantes .......................205 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO GERAL ........................................................................................................... 19 1.1 Deficiência auditiva e uso do implante coclear .................................................................. 19 1.2 Análise do comportamento verbal ...................................................................................... 23 1.3 Independência funcional e repertórios de ouvinte e falante ............................................... 26 1.4 Instruções baseadas em equivalência ................................................................................. 30 1.5 ALEPP e outros programas de ensino de habilidades verbais baseados em evidência ...... 35 1.6 Rotas de aprendizagem de repertórios verbais ................................................................... 51 ESTUDO 1 - EFEITOS DA INSERÇÃO SISTEMÁTICA DE SONDAS DE NOMEAÇÃO DE FIGURAS NA PRECISÃO DA FALA EM IMPLANTADOS COCLEARES ................ 58 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 59 2. MÉTODO ................................................................................................................................... 69 2.1 Aspectos éticos da pesquisa .............................................................................................. 69 2.2 Participantes ...................................................................................................................... 69 2.3 Local ................................................................................................................................. 73 2.4 Instrumentos e materiais ................................................................................................... 73 2.5 Delineamento .................................................................................................................... 81 2.6 Procedimento de análise dos dados .................................................................................. 83 3. RESULTADOS .......................................................................................................................... 86 4. DISCUSSÃO .............................................................................................................................. 97 5. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 111 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 113 ESTUDO 2: EFEITOS DO ENSINO DE ECOICO NA PRECISÃO DA FALA DE IMPLANTADOS COCLEARES .............................................................................................. 122 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 123 2. MÉTODO ................................................................................................................................. 131 2.1 Aspectos éticos da pesquisa ............................................................................................ 131 2.2 Participantes .................................................................................................................... 131 2.3 Local ............................................................................................................................... 134 2.4 Instrumentos e materiais ................................................................................................. 134 2.5 Delineamento .................................................................................................................. 136 2.6 Procedimento de análise dos dados ................................................................................ 139 3. RESULTADOS ........................................................................................................................ 141 4. DISCUSSÃO ............................................................................................................................ 153 5. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 164 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 166 CONCLUSÃO GERAL ............................................................................................................... 173 REFERÊNCIAS GERAIS ............................................................................................................ 181 19 1. INTRODUÇÃO GERAL 1.1 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E USO DO IMPLANTE COCLEAR A deficiência auditiva é caracterizada pelo déficit na detecção de estímulos sonoros, interferindo na audibilidade dos sons em intensidades sonoras que são percebidos por pessoas com audição funcional, ou seja, cujos limiares sejam até 24 decibéis. Qualquer distúrbio que aconteça entre as etapas do processo normal de audição, que vai desde a detecção a compreensão (ERBER, 1982), independentemente de sua causa, localização, tipo ou severidade, provocará uma alteração auditiva que pode ocasionar problemas no desenvolvimento da linguagem, psicológico e social (GATTO; TOCHETTO, 2007; LEVINE et al., 2016; OLIVEIRA; PENNA; LEMOS, 2015). De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem deficiência auditiva, o que representa 5,1% da população do país. No que se refere a idade, quase 1 milhão são crianças e jovens até 19 anos (BRASIL, 2012). Há diferentes forma de classificar a deficiência auditiva. Os tipos de deficiência auditiva podem ser de acordo com a localização, como sensorioneural (acomete a orelha interna – cóclea – e o nervo), condutiva (quando há comprometimento da passagem no som pela orelha externa e/ou média, mas a orelha interna está normal) e mista (mistura de perda auditiva sensorioneural e condutiva). Pode ser de acordo com o grau e a deficiência pode variar entre leve (limiar entre 25 e 40 decibéis), moderada (entre 41 e 70 decibéis), severa (entre 71 e 90 decibéis) e profunda (acima de 90 decibéis); sendo que nos casos mais graves o indivíduo apresenta pouco resíduo auditivo, sendo mais difícil sua inclusão em uma sociedade que se utiliza da linguagem falada. Considerando a lateralidade, a deficiência pode ser bilateral (ambas as orelhas apresentam perda auditiva) ou unilateral – apenas uma das orelhas apresenta perda auditiva (ALMEIDA- VERDU et al., 2008; MORET; BEVILACQUA; COSTA, 2007). A deficiência auditiva pré-lingual ocorre quando os indivíduos nasceram com 20 a deficiência auditiva severa ou profunda, ou cuja perda ocorreu antes do aprendizado da linguagem; e os riscos de atrasos no desenvolvimento (GATTO; TOCHETTO, 2007), distúrbios da linguagem (OLIVEIRA; GOULART; CHIARI, 2013) e de outros transtornos (HOGAN et al., 2011) é significativamente maior. Em casos de crianças não verbais ou com deficiências verbais, mas que possuem função verbal presente em seus repertórios (que apresenta comportamentos não vocais com funções de fazer pedidos, rotular objetos, responder perguntas), o uso de tecnologia ou meios alternativos de comunicação podem compensar tais deficiências (GREER; ROSS, 2008). No entanto, a pessoa com privação sensorial auditiva estabelecida muito precocemente, por não estar exposta a estímulos auditivos presentes nas interações verbais, não é sensível às consequências diferenciais apresentadas pela fala de outras pessoas, o que dificulta o estabelecimento de relações entre nomes e eventos e a possibilidade de modelar a própria fala a partir de reações faladas ou não de outras pessoas (LEVINE et al., 2016). Existem muitas possibilidades após o diagnóstico de surdez que vão desde a protetização (opção terapêutica) até a aprendizagem da língua de sinais (opção educacional) (LACERDA, 1998). Nos casos de protetização, a aprendizagem se dá no uso do dispositivo eletrônico (VASCONCELOS; MORAES; BRAGA, 1998), podendo ser o aparelho de amplificação sonora individual (AASI) e o implante coclear (IC). O AASI é um dispositivo eletrônico que tem a função de amplificar os sons para que o indivíduo utilize sua audição residual (NORTHERN; DOWNS, 1989). No entanto, os portadores de deficiência auditiva profunda nem sempre apresentam bons resultados com a amplificação sonora fornecida pelo AASI. Pessoas com esse tipo de perda (como por exemplo a deficiência auditiva pré-lingual) podem beneficiar-se do implante coclear (BEVILACQUA; FORMIGONI, 1998; SVIRSKY, 2017), que é um dispositivo biomédico colocado cirurgicamente na base do osso temporal e na cóclea (parte interna do ouvido). O implante é constituído por componentes externos, um 21 processador de voz e um microfone, que captam e transformam os sons do ambiente em sinais digitais que são enviados aos componentes internos, fazendo a função das células cocleares danificadas, estimulando diretamente o nervo auditivo e permitindo que seu usuário volte a ter sensações auditivas (SVIRSKY, 2017), priorizando assim, o tratamento da população por meio do ensino de habilidades auditivas e orais (BEVILACQUA, 1998). O recebimento do implante coclear permite a estimulação das fibras do nervo auditivo com pulsos elétricos fornecidos a partir de eletrodos implantados dentro da cóclea. Esse mecanismo funciona porque um número suficiente de fibras do nervo auditivo permanecem vivas e excitáveis na maioria dos pacientes com perda auditiva neurossensorial. Um processador de voz externo captura som com um microfone e o codifica para transmissão de uma antena externa para um receptor implantado (SVIRSKY, 2017). Após a cirurgia com inserção dos componentes internos, adaptação dos componentes externos e a ativação do implante coclear, a criança torna-se capaz de detectar estímulos sonoros, isto é, de perceber presença e ausência de som, incluindo os sons que constituem a fala, em indivíduos que nunca tiveram oportunidade de ouvir. Inicialmente tal estimulação sonora não tem qualquer função de controle sobre o comportamento de ouvinte, nem de conteúdo simbólico (ALMEIDA-VERDU et al., 2014). O sujeito precisa aprender a usar o dispositivo, e isso envolve o estabelecimento de habilidades auditivas como detectar os sons recebidos por ele (presença/ausência), discriminação entre sons iguais e diferentes, reconhecimento de estímulos sonoros (relacionar a um evento), compreensão auditiva (associar a um evento por intermédio de outro) e memória auditiva (ALMEIDA-VERDU, 2002; BEVILACQUA; FORMIGONI, 1998; ERBER, 1982). Assim, é importante que estes indivíduos desenvolvam comportamento verbal e aprendam a ouvir, desenvolvam a fala e que os sons da fala sejam entendidos de modo que possam participar 22 socialmente de suas comunidades (ALMEIDA-VERDU at., 2014; CEDRO; PASSARELI; HUZIWARA, 2014). Para a realização do implante existem parâmetros e critérios bem estabelecidos, além de identificadas as variáveis envolvidas para se ter bom desempenho durante o processo de reabilitação (BOONS et al., 2012; HAMID et al., 2015). Mas, essa população de crianças com deficiência auditiva pré-lingual possui necessidades relacionadas ao aprendizado de repertórios verbais complexos como desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Os atrasos em relação as crianças ouvintes não são facilmente superados (CONVERTINO et al., 2014) e obstáculos são encontrados na aprendizagem e manutenção de vocabulário (LUND, 2016), no estabelecimento de uma fala acurada, isto é, com correspondência com as convenções da comunidade (ERTMER; GOFMAN, 2011) e aprendizagem de leitura e escrita (LEDERBERG; SCHICK; SPENCER, 2013; LEMES; GOLDFELD, 2008). Com relação ao vocabulário de ouvinte e falante (LUND, 2016) – que são preditores de bons desempenhos acadêmicos (EASTERBROOKS et al., 2008; LUND, 2016) – a aprendizagem incidental para essa população pode não ser suficiente para que seus desempenhos se equiparem ao de seus pares ouvintes. Aprendizagem incidental são interações que ocorrem naturalmente e que são usadas para transmitir novas informações ou promover a prática no desenvolvimento de novas habilidades de comunicação (HART; RISLEY, 1975). Tal aprendizagem deriva do ensino naturalista, sendo que o termo “incidental” refere-se tanto a contextos educacionais em que existe certo grau de programação (por exemplo, feedback imediato, oportunidades de repetição da resposta, modelação) quanto a contextos em que não há arranjo específico de contingências em relação às respostas emitidas pelo aprendiz (MARSICK; WATKINS, 2001). É necessário, então, uma intervenção sistemática, que de acordo com Moog e Stein (2008) é a instrução relacionada a todos os aspectos da linguagem 23 falada (como linguagem, percepção e produção da fala), e deve ser “direta, intensa, focada, objetiva e altamente individualizada” (MOOG; STEIN, 2008, p. 135). A operacionalização das etapas do processamento auditivo (ALMEIDA-VERDU, 2002), a compreensão do ouvir e do falar como comportamentos (SKINNER, 1957) e o planejamento de condições de ensino (HENKLAIN; CARMO, 2013) podem contribuir, na interface com a Fonoaudiologia, no estudo do processo de reabilitação auditiva e de outros repertórios verbais complexos. Precisa ser multidisciplinar dada a sua complexidade, e a Psicologia – e mais especificamente a Análise do Comportamento – tem apresentado avanços nessa área em interface com a Audiologia (ASSOCIATION FOR BEHAVIOR ANALYSIS INTERNACIONAL, 2020; ALMEIDA-VERDU, 2002; ALMEIDA-VERDU; GOLFETO, 2016; MORGAN, 2020). 1.2 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO VERBAL Se a “Análise do Comportamento Aplicada é a ciência na qual as táticas derivadas dos princípios do comportamento são aplicadas para melhorar o comportamento socialmente significativo, e a experimentação é usada para identificar as variáveis responsáveis pela mudança de comportamento” (COOPER; HERON; HEWARD, 2007, p. 40), por que os analistas do comportamento deveriam se importar com o comportamento verbal? Aspectos socialmente significativos do comportamento humano envolvem comportamento verbal, como a aquisição de linguagem, interação social, acadêmicos, solução de problemas, ciência, política, religião; além de também problemas humanos como o autismo, dificuldades de aprendizagem, analfabetismo, comportamentos anti-sociais entre outros (COOPER; HERON; HEWARD, 2007). Justifica-se o estudo do comportamento verbal enquanto um tópico de estudo da Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis - ABA), pois ele possui 24 “papel central na maioria dos principais aspectos da vida de uma pessoa, nas leis, convenções, arquivos e atividades de uma sociedade” (COOPER; HERON; HEWARD, 2007, p. 537), E a maior parte das atividades humanas sob certas circunstâncias, por exemplo, falar, escrever, digitar um texto usando um computador, usar códigos (MATOS, 1991) envolvem, de alguma maneira, comportamento verbal. A Análise do Comportamento Verbal enquanto um campo da ABA, tem como finalidade identificar procedimentos e promover intervenções que estabeleçam repertórios verbais funcionais quando estes não estão ocorrendo. Em 1957, Skinner propôs que a linguagem é um comportamento aprendido e que é adquirido, estendido e mantido pelas mesmas variáveis ambientais e princípios que controlam o comportamento não-linguístico (como por exemplo controle de estímulos, reforço, extinção). Mas o comportamento verbal não opera diretamente sobre o ambiente físico, mas sim no social. O comportamento verbal é definido como o comportamento cujo reforço é mediado por um ouvinte (SKINNER, 1957) e inclui o “comportamento verbal-vocal (dizer “água por favor” para obter água) e o comportamento não verbal-vocal (apontar para um copo de água para obter água)” (COOPER; HERON; HEWARD, 2007, p. 20). Desta forma, o comportamento verbal envolve interações sociais entre falante e ouvinte, onde o falante ganha acesso ao reforço e controla seu ambiente através do comportamento do ouvinte. Skinner (1957) definiu o comportamento verbal pela função da resposta, e não por sua forma ou topografia, assim a análise do comportamento verbal deve ser feita com base nas relações funcionais, indicando que a topografia não é requisito para a classificação de uma palavra ou sentença, mas deve-se voltar para as circunstâncias em que determinada resposta ocorre no ambiente, ou seja, todo comportamento verbal deve ser contextualizado (SKINNER, 1957). “Qualquer forma de resposta pode se tornar verbal com base na definição funcional de Skinner” (COOPER; HERON; HEWARD, 2007, p. 538). Desta forma, o comportamento verbal inclui qualquer topografia que resulta em função verbal, (que tem 25 propósito/intenção verbal) tais como a fala, linguagem de sinal, gestos, figuras/símbolos e dispositivos eletrônicos da fala (SKINNER, 1957). Os operantes verbais primários categorizados por Skinner (1957) são tato, mando, ecoico, comportamento textual, intraverbal e cópia; e os de segunda ordem são os autoclíticos. Os operantes que serão alvo deste trabalho são comportamentos de mesma topografia (vocal) e controlados por estímulos diferentes, no caso o tato e textual como variáveis dependentes no Estudo 1 e 2, e o ensino de ecoico como variável independente no Estudo 2. O tato é controlado por estímulo discriminativo não-verbal, tendo como consequência o reforço generalizado, ou seja, uma resposta é evocada (ou reforçada) por um objeto particular ou um acontecimento ou propriedade de objeto (SKINNER, 1957). No comportamento textual os estímulos são de uma modalidade (visual ou tátil) e os padrões produzidos pela resposta são de outra (auditivos) (SKINNER, 1957). O comportamento textual diferencia-se do tato basicamente por causa dos estímulos discriminativos que controlam cada um dos dois, no caso do primeiro, o discriminativo é verbal e no segundo não-verbal. No ecoico o indivíduo atua como ouvinte e falante, a resposta verbal é controlada por estimulo discriminativo verbal apresentado por outro falante e o estimulo discriminativo e a resposta verbal correspondem ponto-a-ponto (SKINNER, 1957). Como exemplo disso, dizer “bola” pode: ter a função de um tato, se o estímulo antecedente for o próprio brinquedo; pode se constituir em um textual se o antecedente for o estímulo impresso BOLA e a resposta for a resposta vocal correspondente; e pode ser um ecoico se o estímulo antecedente for alguém dizendo “bola” e ocorrer uma mera repetição da palavra (SOUZA; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2013). As condições necessárias para que diferentes estímulos que controlam o comportamento verbal, possam, de forma arbitrária, assumir um mesmo significado, ou seja, a mesma função no controle do comportamento, é uma pergunta importante a se fazer na 26 aprendizagem do comportamento verbal. A aprendizagem de comportamentos com função de tato (como vocalização controlada pelo objeto, figura, evento) ou de textual (vocalização controlada pela palavra impressa) podem ser aprendidos na relação direta com estímulos antecedentes e mediadas pela comunidade verbal (SKINNER, 1957). Mas a aprendizagem destes comportamentos também pode ser estabelecida como parte de uma história de reforçamento da relação entre esses estímulos (por exemplo entre a figura e a palavra impressa), em contextos específicos (SIDMAN, 1971; SIDMAN; CRESSON, 1973; SIDMAN; TAILBY, 1982), de forma que o controle exercido por um estímulo seja transferido para outro (FERRO; VALERO, 2006; PILGRIM, 2019). 1.3 INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL E REPERTÓRIOS DE OUVINTE E FALANTE Contextualizando a relação existente entre repertórios de ouvintes e falantes em crianças com audição normal e a aquisição destes repertórios de forma funcionalmente independente, Greer e Ross (2008), afirmam que as crianças aprendem que as palavras podem ser usadas para obter facilmente objetos e atrair atenção. Desta forma, tais objetos adquirem nomes e se tornam ferramentas essenciais de comportamento. Para os autores, o comportamento verbal em crianças parece ser adquirido com pouco esforço e quanto mais complexo se torna o ambiente ao qual a criança está inserida, as formas e variedades do comportamento verbal se expandem para satisfazer funções mais complexas. As crianças inicialmente não nomeiam objetos, pois não sabem seus nomes. Nas interações com a comunidade verbal são expostas, ainda que de maneira incidental, a pareamentos ostensivos (por exemplo, observam adultos nomeando itens a sua volta), são demandadas a repetir palavras, a apontar objetos quando perguntadas sobre eles, e vocalizações são selecionadas à medida que se aproximam das convenções da comunidade verbal (STEMMER, 1996). As crianças passam a funcionar como ouvintes e como falantes, e 27 a exposição a essas contingências podem levar à interdependência funcional entre estes repertórios. Dito de outra forma, a aquisição de repertórios de ouvinte e falante ocorre em contingências independentes (SKINNER, 1957; LAGE et al., 2004) e o fato de um repertório ser aprendido não garante a ocorrência do outro. Alguns dos primeiros estudos a verificar a relação existente entre repertórios de ouvintes e falantes em crianças com audição normal e a confirmar a independência funcional entre estes repertórios (CUVO; RIVA, 1980; GUESS, 1969; GUESS; BAER, 1973; LEE, 1981), demonstram que a aquisição destes repertórios foi funcionalmente independente (CÓRDOVA; LAGE; RIBEIRO, 2007). No caso de crianças com deficiência auditiva, quando equipadas com o implante coclear, tais crianças aprendem a ouvir e isso as auxilia na aprendizagem da fala (MOOG; STEIN, 2008). Equipes que pesquisam o uso do implante coclear em crianças afirmam que, apesar de o dispositivo proporcionar aos sujeitos o acesso a sons, há uma grande variabilidade individual nos resultados de linguagem após a inserção do implante (PISONI et al., 1999; PISONI et al., 2008). No entanto, a produção oral, com aquisição de vocabulário e fala compatível com o convencionado pela comunidade verbal, não acompanha o mesmo ritmo (COLALTO et al., 2017; ERTMER; GOFFMAN, 2011; GEERS et al., 2016; STUCHI et al., 2007; WIE et al., 2007). O repertório de ouvinte é adquirido de forma mais rápida, enquanto que o falar é mais demorado e normalmente caracterizado por falhas (GAIA, 2005; SANTOS, 2012). Além disso, ainda no tópico da independência funcional entre operantes e, nesse caso, operantes verbais, o falar controlado por certos estímulos (por exemplo, figuras) não é condição para que ocorra na presença de outros estímulos (por exemplo, textuais), sem que haja planejamento específico (PEREIRA; ASSIS; ALMEIDA-VERDU, 2016). Estudos têm demonstrado a independência funcional entre os operantes verbais (CUVO; RIVA, 1980; GREER; ROSS, 2008) e entre repertórios de falante e de ouvinte (GUESS, 1969; BANDINI et al, 2012) e em crianças com deficiência auditiva pré-lingual 28 estes resultados são ainda mais notórios (SOUZA, ALMEIDA-VERDU, BEVILACQUA, 2013; HUSSEIN et al., 2018), demonstrando grande progresso em relação a repertórios auditivos após um ano de experiência com o implante coclear (MORET; BEVILACQUA; COSTA, 2007), contudo a fala é estabelecida mais tardiamente não decorrendo, necessariamente, da aprendizagem de ouvinte (PISONI, 2000, FORTUNATO; BEVILACQUA; COSTA, 2009). Um trabalho que demonstra a independência funcional entre repertórios de ouvintes e falantes em crianças com desenvolvimento típico é o de Bandini et al. (2012), dividido em dois estudos. O procedimento foi o mesmo para os dois estudos, os participantes deveriam selecionar figuras relacionadas às respectivas palavras ditadas (estímulo auditivo) em tarefas de discriminação condicional, seguido de teste de nomeação das mesmas figuras. A diferença é que no Estudo 2 havia um pré-teste de emissão de comportamento ecoico com 40 pseudopalavras, no qual a pronúncia correta de todas as palavras experimentais foi considerada um requisito para a participação no estudo. No geral, os resultados demonstraram que não houve diferença no desempenho em tarefas de seleção, nem em tarefas de nomeação ao comparar o desempenho dos participantes em ambos os estudos: ou seja, o desempenho preciso no pré-teste ecoico não foi uma variável suficiente para prever a emergência comportamentos de nomeação. Uma interessante demonstração da independência funcional entre falar e ouvir em crianças com implante coclear contralateral sequencial1 foi feita por Hussein et al. (2018). Os autores investigaram a aprendizagem do ouvir baseada em ensino de seleção de figuras e relações que estabelecem com a nomeação em crianças com implante coclear contralateral recente. Participaram duas crianças com deficiência auditiva, nos anos iniciais do ensino 1 Apenas uma minoria dos serviços (cerca de 12%) oferece o procedimento do implante coclear contralateral. Normalmente a colocação do segundo implante é realizada em cumprimento de medida judicial conjunta de pais de crianças que utilizavam os serviços de implante coclear e que tiveram como ganho de causa o procedimento do implante coclear contralateral (Fernandes, 2016). Esse foi o caso desses participantes. 29 fundamental, oralizadas e com implante coclear contralateral ativado a menos de um mês. O ensino e testes foram conduzidos por tentativas discretas e apresentadas por um microcomputador, adotando três conjuntos de estímulos com palavras ditadas e figuras convencionais. No caso desse estudo o reconhecimento auditivo (ouvir) e a nomeação de figuras (fala) foram estabelecidas primeiro via primeiro implante coclear. No experimento, o primeiro implante foi desligado e as atividades foram conduzidas com o implante contralateral, recentemente ativado. Os participantes já sabiam nomear os estímulos e assim continuaram fazendo. Contudo, o reconhecimento auditivo não ocorreu imediatamente; este foi sendo estabelecido ao longo de sucessivas tentativas de treino, demonstrando não só a independência funcional entre os operantes, mas que a aquisição inicial de um ou de outro depende da via sensorial preservada e das contingências de ensino que vigoram. Como já explicitado, em crianças com deficiência auditiva e usuárias de implante coclear o repertório de ouvinte é adquirido de forma mais rápida, enquanto que o falar é mais demorado e normalmente caracterizado por falhas e distorções (GAIA, 2005; SANTOS, 2012). A sutileza do estudo de Hussein et al. (2018) é de que os repertórios de ouvir e falar já haviam sido estabelecidos via primeiro implante coclear (mais antigo). Com a colocação do segundo implante e consequente ativação e treino utilizando apenas este novo implante (o antigo desligado), as crianças continuaram nomeando as figuras pois já sabiam falar, porém o ouvir com este segundo implante teve de ser ensinado. Este estudo demonstrou a independência funcional entre os operantes, mas não só isso. O comportamento estabelecido de falante não garante o de ouvinte, mostrando que a aquisição inicial de um repertório depende do tipo de ensino empregado e da preservação da via sensorial. Este estudo difere de estudos anteriores sobre controle de estímulos por focar na aprendizagem auditiva com o implante recente em vez da produção oral. 30 1.4 INSTRUÇÕES BASEADAS EM EQUIVALÊNCIA Considerando que uma necessidade de pessoas com implante coclear é a compreensão auditiva, sobretudo dos sons da fala, essa aprendizagem complexa pode ser operacionalizada quando o sujeito reage não apenas a estimulação sonora vinda da fala de outra pessoa, mas sim a uma rede de relações que essa fala estabelece com outros estímulos, conferindo função simbólica. Tal aprendizagem está intimamente ligada à questão das condições que fazem com que estímulos arbitrários (palavras faladas, palavras escritas) passem a se relacionar por equivalência ou substituição mútua com diferentes eventos. Assim, a operacionalização da função simbólica é proposta pelo Paradigma das Relações de Equivalência entre estímulos e entre estímulos e respostas (DE ROSE, 1993; MACKAY; SIDMAN, 1984; SIDMAN, 1971; SIDMAN, 2000), em que por procedimentos em que as respostas podem ser baseadas em matching to sample (MTS) ou emparelhamento com o modelo, são estabelecidas discriminações condicionais entre estímulos e entre estímulos e respostas, formando classes de equivalência onde estímulos e respostas que são topograficamente diferentes podem ter a mesma função (SIDMAN, 1971; SIDMAN; TAILBY, 1982). Por exemplo, estabelecida uma resposta para um estímulo (por exemplo, dizer “bola” na presença da figura da bola), pode emergir a mesma resposta na presença de outro estímulo (por exemplo, dizer “bola” na presença da palavra impressa BOLA), após o emparelhamento entre o estímulo figura e o estímulo palavra impressa (ALMEIDA; GIL, 2018; DE ROSE, 2005). Estudando como tais relações são estabelecidas e como uma aprendizagem de respostas auditivas (por exemplo, reação a palavras ditas por outras pessoas) pode ser transferida para uma aprendizagem de respostas visuais (por exemplo, reação a uma palavra impressa), Sidman (1971) ensinou um adolescente com deficiência intelectual severa a ler com compreensão 20 palavras por meio do procedimento de emparelhamento com o modelo. Tal procedimento consiste na apresentação de um estímulo com função de modelo e dois ou 31 mais com a função de comparação. O participante deve escolher entre os estímulos de comparação aquele que se relaciona experimentalmente ao modelo, sendo que consequências diferencias para acertos ou erros podem ser programadas (SIDMAN; CRESSON, 1973; STROMER; MACKAY; STODDARD, 1992). Em Sidman (1971), antes do ensino, o adolescente já apresentava respostas de seleção de figuras controladas pela palavra ditada (relação AB) e nomeação de figuras (relação BD). Neste procedimento, foram ensinadas discriminações condicionais entre palavra ditada e palavra impressa (relação AC) e testadas relações condicionais entre figura e palavra impressa (relações BC e CB). Os resultados demonstram que o ensino foi capaz de estabelecer relações condicionais entre figura e palavra impressa e vice-versa e o participante também foi capaz de nomear palavras. Concluiu-se que o procedimento ofereceu condições para que o controle que a figura exercia sobre a vocalização fosse transferido para a palavra impressa. Com base no estudo inicial de 1971, Sidman e Tailby (1982) demonstram, com base no modelo matemático que, para que se possa falar de relações de equivalência entre estímulos, estes devem demonstram três propriedades: Reflexividade; um estímulo é igual a ele mesmo (A1=A1); Simetria; no caso de uma relação A1B1, B1A1 também é verdadeira; Transitividade; havendo as relações entre A1B1 e A1C1, deve haver relações condicionais entre B1C1 e C1B1; e tais estímulos são considerados equivalentes quando sua substituição não altera sua função no controle de uma resposta. Grande parte das pesquisas que se propõem a ensinar relações condicionais entre diferentes modalidades sensoriais utilizam o procedimento de emparelhamento com o modelo. Tais procedimentos de emparelhamento são essenciais para o estabelecimento de relações entre estímulos, pois além do controle discriminativo, promovem o ensino de relações condicionais que poderá resultar na emergência de novas relações entre os estímulos que não foram explicitamente ensinados (SIDMAN; TAILBY, 1982). O modelo de funcionamento 32 simbólico trazido pela equivalência de estímulos demonstra que reagimos a símbolos apresentando uma resposta comum a dois estímulos que apresentam relação de equivalência entre si, ou seja, uma relação simbólica (BORTOLOTI; DE ROSE, 2014). Assim, o arranjo de relações entre estímulos distintos e arbitrários (palavra ditada e figura; palavra ditada e palavra impressa) e entre estímulos e respostas (nomear figuras, nomear palavras), de acordo com o paradigma das relações de equivalência, podem resultar no estabelecimento de relações de interdependência entre operantes verbais controlados por estímulos impressos (como o comportamento textual) e estímulos vocais (como responder a ditado) (DE SOUZA; DE ROSE, 2006). Após o estabelecimento das propriedades formais (SIDMAN; TAILBY, 1982), observa-se o surgimento de estudos sobre as condições necessárias e suficientes para a formação de classes de equivalência, relacionados ao baixo funcionamento simbólico de diferentes populações (ALBUQUERQUE; MELO, 2005; SIDMAN, 2009), especialmente em deficientes auditivos (HOLLIS, 1986) e usuárias de com implante coclear (ALMEIDA- VERDU et al., 2008; DA SILVA et al., 2006), alvo do presente trabalho. A linha de investigação do laboratório ao qual este trabalho faz parte propõe que os operantes de ouvir (reagir à palavra ditada e selecionar, condicionalmente, a figura ou o estímulo textual definido como correto) e de falar (vocalizar diferencialmente na presença de figuras ou estímulos textuais) possam ser interligados pelo mesmo processo de transferência de controle via relações de equivalência. O modelo de relações de equivalência também tem fundamentado a programação de condições metodologicamente bem controladas para o ensino de tais repertórios simbólicos (ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015; GOLFETO; DE SOUZA, 2015; LUCCHESI et al., 2015a, 2015b; LUCCHESI, 2018). Um dos primeiros estudos que teve como objetivo investigar a extensão do paradigma da equivalência de estímulos para aplicação em pessoas com deficiência auditiva e estímulos 33 visuais foi o de Barnes, Mccullagh e Keenan (1990). Posteriormente, outros estudos que investigaram os processos de aprendizagem durante a reabilitação auditiva e o funcionamento simbólico com a população de implantados foi o de da Silva et al. (2006) com participantes pós-linguais e estímulos elétricos via implante coclear e o de Almeida-Verdu et al. (2008) no Estudo 4 com participantes pré-linguais e estímulos auditivos. Os experimentos 1, 2 e 3 de Almeida-Verdu et al. (2008) ensinaram relações condicionais entre estímulos auditivos e visuais com palavras convencionais e não convencionais. Após a formação de classes de equivalência das relações figura–palavra escrita (BC) e palavra escrita–figura (CB), testes de vocalização do nome das figuras – como B1 e C1 – foram conduzidos e relacionados ao mesmo estímulo auditivo durante o ensino – por exemplo A1. Os testes de nomeação após os testes de equivalência revelaram algo interessante. A maioria dos participantes denominou os estímulos consistentemente, diferentes estímulos que foram relacionados entre si através de contingências de ensino foram nomeados com a mesma topografia vocal, entretanto, a topografia da resposta nos testes de nomeação não tinham correspondencia direta com a palavra ditada durante as tarefas de aprendizagem, sendo uma evidência da independência funcional entre ouvir e falar (GUESS, 1969; HUSSEIN et al., 2018; SKINNER, 1957). As respostas tinham muitas distorções e omissões de unidades verbais mínimas ou até mesmo de palavras. Uma série de investigações foram iniciadas a partir deste dado. As emissões vocais dessa população de implantados tornaram-se variáveis dependentes importantes e as condições que fazem com que sejam controladas pela classes de estímulos equivalentes passaram a ser investigadas, em relação à topografia das respostas analisadas e a acurácia da fala de acordo com a correspondência ponto a ponto com as palavras ditadas durante o ensino (ALMEIDA-VERDU et al., 2009; ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015; BATTAGLINI; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2013; LUCCHESI et al., 2015a). Estudos tem 34 demonstrado a transferência do controle da palavra impressa para a figura, após equivalência com palavras simples (ALMEIDA-VERDU; GOMES, 2016; ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015; LUCCHESI et al., 2015a; RIQUE et al., 2017), palavras complexas (GOLFETO, 2010) e com sentenças (GOLFETO; DE SOUZA, 2015; NEVES et al., 2018; SILVA; NEVES; ALMEIDA-VERDU, 2017). Alguns procedimentos para se estudar a acurácia da fala são citados por Barreto e Ortiz (2008), sendo um deles referente a medida da precisão por transcrição, com o critério de correspondência fonêmica entre a transcrição ortográfica do ouvinte e o estímulo produzido pelo falante o mais frequentemente utilizado. Os autores Yoder, Camarata e Gardner (2005) fazem uma distinção entre inteligibilidade da fala e acurácia da fala. Para os autores, inteligibilidade seria o grau que a mensagem pretendida pelo interlocutor é entendida pelo ouvinte. Já acurácia da fala seria a medida em que a criança produz com precisão o som da fala nas palavras que usa em comparação com a versão das palavras dita por um adulto. Por exemplo, uma criança dizer “tete” para “leite” pode ser inteligível para o adulto que entende o significado da produção oral da criança, porém a acurácia da produção da fala seria medida pela porcentagem de fonemas corretos quando comparado à fala de um adulto típico. Os estudos que têm como alvo a precisão da fala em crianças com deficiência auditiva e implante coclear têm realizado a análise da fala pela transcrição e posterior análise fonêmica (BARRETO; ORTIZ, 2008) em estudos envolvendo análise de palavras (SOUZA; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2013) e sentenças (NEVES et al., 2018); mas também têm realizado análise por brigramas, que também envolve a transcrição da palavra e a análise de correspondência de pares de letras adjacentes, com sobreposição (HANNA et al., 2004; LEE; SANDERSON, 1987), em estudos envolvendo palavras (LUCCHESI et al., 2015a). 35 1.5 ALEPP E OUTROS PROGRAMAS DE ENSINO DE HABILIDADES VERBAIS BASEADOS EM EVIDÊNCIA Como já afirmando, o ouvir é um comportamento controlado por estímulos sonoros, e, assim, selecionado e mantido pelas suas consequências (SKINNER, 1957). Se por um lado a pessoa com deficiência auditiva e implante coclear tem restabelecida a capacidade de detectar sons, por outro lado, o reconhecimento do que se ouve, isto é, a capacidade de um organismo comportar-se sob controle do evento produtor do som e da relação estabelecida com um referente requer aprendizagem (ALMEIDA-VERDU, 2002; ALMEIDA-VERDU et al., 2014). Assim, pessoas com privação sensorial auditiva podem não discriminar a fala apresentada por outros e não terem sua própria vocalização modelada por falta de feedback auditivo, fazendo-se necessária a identificação e pesquisa de procedimentos de ensino que otimizem o uso do dispositivo de tal forma que o ouvir seja estabelecido com compreensão e sejam feitas as devidas relações com o falar (ANASTÁCIO-PESSAN; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2011; NOBRE; BEVILACQUA; SILVA, 2009). Os operantes verbais descritos por Skinner (1957), mantidos por consequências, foram divididos por controle de estímulos (por exemplo, palavra ditada, figura, etc.) e podem se relacionar por equivalência (DE SOUZA et al., 2009). No entanto, existem diferenças importantes entre aprender relações nome-objeto em um ambiente natural e aprender as mesmas relações através de procedimentos de emparelhamento com o modelo nos currículos educacionais da escola (DE SOUZA, DE ROSE, DOMENICONI, 2009). Em ambientes naturais, a criança está aprendendo a reconhecer os objetos (a olhar ou apontar para um objeto quando seu nome é falado) e pronunciar os nomes na presença dos objetos. Normalmente, as crianças também são expostas a muitas palavras e objetos em várias oportunidades de aprendizado que não são explicitamente programados. Esta ausência de programação significa 36 que o nível de dificuldade não aumenta sistematicamente e o aprendizado em uma etapa não é necessariamente verificado antes que a criança avance para a próxima. Muitos recursos são utilizados para facilitar o progresso da criança na aprendizagem e a maioria das crianças expostas a estimulação suficiente aprendem a falar sem dificuldades sérias. No entanto, isso não acontece tão facilmente com crianças com déficits sensoriais, portanto, o procedimento de emparelhamento com o modelo é importante porque reproduz, em uma versão simplificada, o processo de aprendizagem de relações que são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. No entanto, a transposição de procedimentos de emparelhamento com o modelo em currículos educacionais estruturados também envolve uma simplificação de tarefas e requer cuidadosa programação de contingências para ensiná-las de acordo com os princípios da análise comportamental aplicada (DE SOUZA, DE ROSE, DOMENICONI, 2009). Muitos estudos foram desenvolvidos utilizando a descrição operacional de funcionamento simbólico a partir da equivalência de estímulos. No âmbito nacional, foi desenvolvido o ensino programado de repertórios básicos de leitura e escrita com base em alguns estudos (DE ROSE et al., 1989, 1992; DE ROSE; DE SOUZA; HANNA, 1996). O estudo de de Rose et al. (1989), teve como um de seus objetivos a construção de um programa de ensino para a aquisição de leitura por crianças com dificuldades na alfabetização. O programa inicialmente era feito com folhas sulfites organizadas em uma pasta catálogo, onde o experimentador apresentava tentativas sucessivas virando as páginas da pasta. Os estímulos eram desenhos em preto e branco e palavras impressas. O programa consistia em vários passos, sendo linha de base, de exclusão, de equivalência e testes extensivos de generalização de leitura. Os autores afirmam que este primeiro estudo serviu, por um lado, não apenas para mostrar, com base no bom desempenho de alguns participantes, que programas de ensino com abordagem comportamental poderiam ser eficientes. Mas também, por outro lado, com base 37 nos resultados dos sujeitos que não tiveram tanto êxito, verificar e aprimorar o programa de ensino. Já em 1992, os mesmos autores apresentam um segundo experimento com as mesmas crianças que completaram o programa de ensino em 1989. Neste experimento foi analisado mais detalhadamente a aquisição de unidades, ao passo que as crianças conseguiam ler palavras compostas por duas ou três silabas simples, mas não conseguiam ler palavras com dificuldades da língua, como palavras com irregularidades fonéticas ou combinações complexas de grafema/fonema. Esse programa de ensino foi informatizado (ROSA FILHO et al., 1998) e ganhou o nome de Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequenos Passos (ProgLeit), mantendo suas principais características, quais sejam: a individualização, que permite que o indivíduo aprenda de acordo com o seu próprio ritmo; a divisão de repertórios em unidades menores; a possibilidade de retreinar o desempenho anterior caso não atingir o esperado e fornecimento de consequências diferenciais para acerto e erro imediatas no decorrer das tentativas de ensino (DE SOUZA; DE ROSE, 2006; BENITEZ; DOMENICONI, 2012). Atualmente o programa se encontra sediado na plataforma LECH-GEIC (CAPOBIANCO et al., 2009). O projeto de desenvolvimento do GEIC (Gerenciador de Ensino Individualizado por Computador - http://geic.ufscar.br/site/), foi realizado pelo Laboratório de Estudos do Comportamento Humano (LECH) e pelo Laboratório para Inovação em Computação e Engenharia (LINCE) com sede na Universidade de São Carlos, faz parte do projeto denominado TIDIA-Ae (Tecnologia da Informação para o Desenvolvimento da Internet Avançada - Aprendizado Eletrônico). Esse currículo para o ensino de repertório elementar de leitura e escrita – o programa Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequenos Passos (ALEPP) – atualmente é constituído de 3 módulos de dificuldade gradualmente crescente (DE ROSE et al., 1989; DE SOUZA; DE ROSE, 2006). O 38 Módulo 1 ensina palavras consideras simples, o Módulo 2 ensina palavras com sílabas complexas que incluem irregularidades entre som e texto, e o Módulo 3 ensina leitura contextualizada com base em livros infantis. A Avaliação Comportamental de Leitura e Escrita (ACOLE) também faz parte do currículo de ensino, e usualmente é realizada ao início e ao fim da realização do Programa ALEPP. A ACOLE foi construída para avaliar repertórios envolvidos na rede de leitura e escrita com base nos diferentes tipos de respostas (seleção, construção e vocalização) e nos diferentes tipos de controle (palavra ou sílaba ditadas ou impressas e figuras). Nas tarefas de seleção, os participantes deveriam selecionar entre palavra ditada (A), impressa (C) e figura (B), o estímulo de comparação correto. São avaliadas as relações de identidade entre figura- figura (BB) e palavra impressa-palavra impressa (CC), relações auditivo-visuais entre palavra ditada-figura (AB) e palavra ditada-palavra impressa (AC), além de relações arbitrárias como figura-palavra impressa (BC) e sua simétrica entre palavra impressa-figura (CB). Nas tarefas de vocalização, um estímulo (figura ou palavra impressa) é apresentado na tela do computador e os participantes devem ser capazes de emitir a resposta verbal adequada e correspondente, realizando assim a nomeação da figura ou leitura da palavra impressa. Nessa etapa são testadas a nomeação de figuras (BD), leitura de palavras (CD), letras (CD letr.), sílabas (CD síl.) e vogais (CD vog.). Nas tarefas de escrita são exibidas palavras impressas (C) e palavras ditadas (A) pelo computador. Em tais tarefas é avaliado o repertório de composição pelo procedimento de CRMTS (Constructed Response Matching to Sample) pelas relações em ditado por composição de letras (AE), ou manuscritas (AF) com papel e lápis, cópia por composição de letras (CE) e manuscritas com papel e lápis (CF), sendo que (E) representa a resposta de compor selecionando letras da tela do computador e (F) representa a resposta manuscrita do participante (LUCCHESI et al., 2015b; DE SOUZA et al., 2020). 39 Com relação ao ALEPP, cada Unidade de Ensino é dividida em passos. O Módulo 1, que é o mais utilizado, foi planejado para ensinar leitura de palavras da Língua Portuguesa sem dificuldades ortográficas e sequências regulares no padrão consoante vocal (CVCV), como por exemplo bolo, bico e peteca. É constituído de 20 passos que estão distribuídos em 5 Unidades, cada passo ensina três palavras, usando procedimentos de Matching to Sample (MTS) e de Constructed Response Matching to Sample (CRMTS). O MTS é planejado de acordo com o procedimento de exclusão, um método de aprendizagem rápida que ensina discriminações sem erro (DIXON, 1977). A principal característica do procedimento é que são apresentados apenas dois estímulos visuais de comparação, um corresponde ao estímulo modelo (palavra ditada) e cuja escolha é a resposta correta, e o segundo funciona como linha de base, que o aluno já aprendeu a relacionar a um outro modelo (DE SOUZA et al., 2020). Tentativas de CRMTS ensinam e avaliam a habilidade do aluno na composição de palavras por meio da escolha e da sequenciação de letras ou sílabas de acordo com um modelo (escrito ou ditado), favorecendo o responder sob controle de unidades mínimas da palavra (DE SOUZA et al., 2020). Cada passo de ensino – com exceção do primeiro – inicia-se por Testes de Retenção, onde os participantes devem ter 100% de acertos nos testes de seleção de palavra impressa frente palavra ditada (AC), com as palavras do passo anterior para avançar, caso contrário, seriam novamente expostas a este passo (LUCCHESI et al., 2015b; DE SOUZA et al., 2020). Após os Testes de Retenção os participantes são expostos ao pré-teste de seleção de palavras (AC) com as palavras que serão ensinadas no referido passo. Independente de acertos ou erros, elas são expostas ao Treino de Palavras, com tentativas de seleção de palavra impressa- palavra ditada (AC), e de cópia por composição de letras (CE). Atingidos 100% de acertos nos treinos de palavras, os participantes são expostos ao pós-teste de seleção de palavras do 40 passo (AC). Se o participante atinge 100% de acertos é exposto ao Treino Silábico, caso contrário, repetia o Treino de Palavras. O Treino Silábico é iniciado com o pré-teste de ditado por composição de letras (AE). Em seguida, independentemente da quantidade de acertos, o participante realiza o ensino, que é composto por seleção de sílabas impressas frente modelo ditado (ACs), ditado por composição de sílabas (AEs) e cópia por composição de sílabas (CEs). Quando o participante obtém 100% de acertos é exposto ao Pós-Teste de Ditado 1 (AE). Nesta etapa, caso o participante apresente erros, há nova possibilidade de atingir a precisão de acertos sendo exposto ao Pós-Teste de Ditado 2 (AE), e caso à precisão não seja atingida, é exposto novamente ao Treino Silábico. Se o desempenho no Treino Silábico, com as palavras do passo, for de 100% de acertos o participante avança para o próximo passo de ensino, ao qual se inicia com o Teste de Retenção (DE SOUZA et al., 2020; LUCCHESI et al., 2015b). Com relação ao uso do ALEPP em pesquisas, resultados consistentes têm sido observados com populações típicas, com crianças com história de fracasso escolar (DE SOUZA; DE ROSE, 2006; REIS; DE SOUZA; DE ROSE, 2009), crianças com deficiência intelectual (BENITES; DOMENICONI, 2012; 2014; MELCHIORI; DE SOUZA; DE ROSE, 2000; MENZORI, 2016), crianças com comportamentos externalizantes (GUIDUGLI, 2014), com diagnóstico de dislexia (ARAÚJO, 2007), adultos não alfabetizados (MELCHIORI; DE SOUZA; DE ROSE, 2000), e, de interesse especial para o presente projeto, crianças com deficiência auditiva e usuárias de implante coclear (LUCCHESI, 2018; LUCCHESI et al., 2015a; SANTOS, 2012). Os resultados em tarefas de compreensão leitora (BC e CB) e leitura oral (CD) obtidos por 13 crianças com deficiência auditiva e implante coclear após serem submetidas ao ALEPP, extraídos de cinco diferentes estudos, foram sistematizados (DE SOUZA et al., 2020); e demonstram que a compreensão leitora aumentou de 53,5% para 96,6% de acertos; e a leitura oral de 35,9% para 84,5%. 41 Na área de reabilitação auditiva, existem basicamente três maneiras de realizar treino auditivo; sendo: individualmente, em grupos ou treinamentos computadorizados. (NANJUNDASWAMY et al., 2018). Nos últimos anos com o avanço da tecnologia os treinamentos computadorizados se tornaram populares entre os pesquisadores, que foram desenvolvendo novos programas que tinham como alvo o desenvolvimento de habilidades auditivas. Apesar do crescente número de programas voltados para a reabilitação, a grande maioria é voltado para o público adulto e não segue os critérios de uma prática baseada em evidências. Os autores Sweetow e Palmer (2005) relataram em sua revisão sistemática das evidências para a eficácia do treinamento auditivo individual em adultos que apenas seis artigos atenderam aos critérios de sua revisão. A revisão destacou que, embora existam várias publicações sobre treinamento auditivo, muito poucas atendem aos critérios científicos rigorosos, como falta de grupos de controle, pequeno número de sujeitos etc., definidos para qualificar os resultados como evidências. Eles sugeriram que determinar a eficácia é crucial e que estudos adicionais devem se concentrar na adaptação de critérios bem definidos para serem comprovados como uma abordagem baseada em evidências. De acordo com a revisão desenvolvida por Tucci, Trussell e Easterbrooks (2014) sobre estratégias para ensinar correspondência fonema-grafema em crianças com deficiência auditiva, apenas nove artigos atenderam os critérios estabelecidos par a revisão. As autoras afirmam que a área de pesquisa sobre tais métodos ainda se encontra bastante escassa, com poucos estudos e um número ainda menor de replicações. Na revisão de Nanjundaswamy et al. (2018) com foco em programas que cumprem os critérios de serem baseados em evidências para a população infantil apenas o Software de Treinamento Auditivo LiSN & Learn (CAMERON; DILLON, 2010) se encaixou nos critérios de busca. Neste Software, crianças com deficiência realizam tarefas de seleção (sentenção ditada apontando para figuras) por meio de ensino explícito e delineamento de sujeito único (NANJUNDASWAMY 42 et al., 2018). A seguir apresentaremos outros dois programas de ensino baseados em evidências que foram desenvolvidos para crianças com deficiência auditiva. Foundations for Literacy Outro programa de ensino utilizado em crianças com deficiência auditiva, é o “Foundations for literacy” (Foundations) (LEDERBERG et al., 2014), que foi desenvolvido com base em evidências sobre intervenções eficazes de alfabetização com crianças ouvintes, mas com adaptações específicas para atender às necessidades de crianças com deficiência auditiva e com audição funcional (ou seja, aquelas com percepção de fala suficiente para entender pelo menos algumas palavras faladas) (LEDERBERG; SCHICK; SPENCER, 2013). O Foundations é um programa sistemático e sua instrução é explícita, multimodal e intensiva. Ele fornece suporte visual e semântico para a aquisição de fonemas cruciais para crianças com habilidades fracas de fala e processamento fonológico associadas à diminuição do acesso ao sinal de fala (LEDERBERG et al., 2014). Foi construído para ser utilizado por crianças pré-escolares (idade cronológica entre 3 anos 8 meses e 5 anos 11 meses) com grau de perda auditiva moderado ou profundo ou serem usuárias de implante coclear. Sua utilização se dá na escola e é aplicado por professores. Durante o estudo de seu desenvolvimento, o programa foi aplicado quatro vezes por semana, uma hora por dia, durante todo o ano letivo, durante cinco anos, em grupos pequenos de no máximo três crianças. O Foundations consiste em unidades instrucionais de 25 semanas, com cada unidade contendo aulas de 4 horas. É organizado como um currículo integrado, onde os objetivos de aprendizagem baseados em código (codificação) e baseados em significado estão frequentemente contidos na mesma atividade instrucional (LEDERBERG et al., 2014). O Foundations começa com quatro unidades introdutórias nas quais os professores ensinam explicitamente o idioma instrucional necessário para entender as atividades pelo resto do ano. As outras 21 unidades de instrução têm uma estrutura comum. Cada unidade é 43 organizada em torno de uma história (conhecida como histórias letra-sons da Miss Giggle) que os professores usam para ensinar explicitamente correspondências letra(s)-som e vocabulário em um contexto de linguagem narrativa. Cada história se concentra em um fonema e nas várias maneiras de soletrar (ou seja, codificar) esse fonema. Os professores apresentam a história usando cartões de sequência ilustrativos e imagens de vocabulário direcionado. As atividades relacionadas ao longo da semana incluem recontar a história de Miss Giggle, planejar, fazer e relembrar uma atividade de linguagem com correspondência letra-som (LEDERBERG et al., 2014). As atividades também proporcionam um contexto divertido para as crianças se envolverem em práticas repetidas de percepção e produção de fonemas individuais. Cada história é acompanhada por um grande cartão de som (que demonstra como se diz aquele som) que exibe as letras e uma imagem associadas com a atividade da história. Essa imagem atua como uma sugestão mnemônica quando as crianças precisam se lembrar do fonema. A imagem também é usada em pequenos cartões de som para representar o fonema nas atividades de leitura subsequentes. A vantagem dos pequenos cartões conceituais é que existe uma correspondência individual entre fonema e cartões (ao contrário de letras e fonemas). A cada semana as crianças recebem instruções explícitas sobre 6 a 10 palavras do vocabulário de enriquecimento selecionadas de uma lista de palavras relevantes para a história semanal. A instrução é realizada por meio de práticas baseadas em evidências, como a discussão explícita dos significados das palavras favoráveis às crianças, acompanhados de figuras, representação gestual (e sinal quando apropriado) e várias oportunidades para produzir e compreender as palavras em contextos significativos - especialmente as histórias semanais e subsequentes experiências de linguagem (SCHWANENFLUGEL et al., 2010). Segue-se as instruções sobre correspondências letra-som com atividades de leitura, usando pequenos cartões de som ou letras. Depois de dominar as correspondências letra(s)-som 44 relevantes, as crianças se envolvem em uma atividade de linguagem de palavras decodificáveis que oferece repetidas oportunidades para ouvir, ver e produzir a decodificação da palavra (LEDERBERG et al., 2014). Por exemplo, em uma atividade, depois de aprenderem as correspondências letra-som para m e e, as crianças jogam um jogo de perguntas e respostas em que a resposta certa é “me” (eu, em inglês) (por exemplo, “Quem tem esses olhos?” Quando mostrada uma imagem dos olhos das crianças). Os objetivos dessas atividades incluem consciência fonológica e decodificação. Essas atividades garantem que as crianças tenham fortes representações semânticas e fonológicas de decodificação de palavras (EHRI, 2014). No final da atividade de linguagem de decodificação das palavras, professores e alunos segmentam e misturam os fonemas da palavra, usando pequenos cartões de som relevantes. A leitura de palavras decodificáveis oferece repetidas oportunidades para segmentar e misturar os fonemas de uma palavra. Embora a leitura não seja uma atividade típica nos programas de pré-escola, a pesquisa sugere que as crianças aprendem melhor as habilidades de consciência fonológica no nível dos fonemas quando a instrução inclui letras (SHANAHAN; LONIGAN, 2010), provavelmente porque as letras servem como suporte visual para fonemas difíceis de discriminar. Habilidades adicionais de consciência fonológica foram desenvolvidas por meio de instruções explícitas em segmentação de sílabas, identificação inicial de fonemas e rimas. Essas atividades costumavam usar o vocabulário de enriquecimento das semanas anteriores para aliviar a carga da linguagem e concentrar a atenção na consciência fonológica (LEDERBERG et al., 2014). Os professores reforçam ainda mais a linguagem e o vocabulário por meio da leitura diária de livros de histórias usando a leitura dialógica, que é uma das intervenções validadas para melhorar as habilidades de linguagem de crianças ouvintes e crianças deficientes auditivas (FUNG; CHOW; MCBRIDE-CHANG, 2005; SHANAHAN; LONIGAN, 2010). O 45 objetivo é aumentar a interação verbal ativa da criança com um parceiro de leitura adulto, fazendo perguntas, adicionando informações e incentivando a criança a aumentar a sofisticação das descrições de material em um livro de figuras. As expansões das declarações da criança e as perguntas desafiadoras do adulto incentivam respostas mais sofisticadas para criar um verdadeiro diálogo entre professor e criança. No geral, os resultados revelaram que o Foundations parece melhorar as habilidades baseadas em código em crianças com deficiência auditiva e audição funcional (LEDERBERG et al., 2014). Moog Center Outro programa de ensino desenvolvido especialmente para crianças com deficiência auditiva é realizado no Moog Center (MOOG; STEIN, 2008). Este programa, diferentemente dos outros dois, foi desenvolvido por profissionais da audiologia. O programa é baseado em audição, que prioriza a intervenção precoce e os avanços na tecnologia auditiva, sendo o público crianças até 8 anos de idade. Este programa incorpora todas as características dos programas auditivo-orais – são auditivos no sentido de que é dada ênfase ao desenvolvimento de habilidades auditivas; são orais, no sentido de que as instruções são direcionadas ao desenvolvimento da linguagem falada, à compreensão e à produção – e, além disso, utiliza recursos exclusivos e estratégias de ensino que demonstram acelerar o aprendizado da língua falada para crianças surdas. Esses recursos incluem instrução em todos os aspectos da linguagem falada (ou seja, linguagem, percepção e produção da fala) direta, intensa, focada, orientada a objetivos e altamente individualizada, além de um foco ao longo do dia em ajudar cada criança para melhorar sua língua falada. Os serviços de audiologia no local fornecem acesso consistente ao som através de gerenciamento de dispositivos por audiologistas pediátricos qualificados. O desenvolvimento das habilidades auditivas é um objetivo essencial do currículo e é abordado por meio de uma combinação de instrução direta nas aulas e imersão na experiência 46 auditiva. São lições agendadas por aproximadamente 15 minutos por dia, com foco principal na escuta, sendo trabalho do professor aumentar as habilidades de escuta da criança para que ela possa fazer discriminações auditivas cada vez mais refinadas. Nas aulas, o professor se concentra em objetivos auditivos específicos que foram selecionados a partir de uma hierarquia de desenvolvimento, um currículo que fornece estrutura para selecionar e praticar habilidades direcionadas e avaliar o progresso ao longo de um continuum de tarefas discretas (como discriminar e identificar palavras), para habilidades mais globais, com foco na compreensão da fala conectada. A experiência auditiva tende a ser menos focada e mais "natural" do que as lições auditivas. Mesmo nesses ambientes naturais, o professor tem objetivos específicos para a criança e tenta capitalizar situações que proporcionam a prática das habilidades especificadas (MOOG; STEIN, 2008). As habilidades de fala são abordadas no contexto de lições, em atividades de linguagem artificial e em uso real ao longo do dia. Essa abordagem abrangente acelera o desenvolvimento das habilidades de fala e facilita sua transferência para uso espontâneo e independente para comunicação real. As aulas diárias de fala são fornecidas para cada criança individualmente ou em um pequeno grupo de dois ou três. No cenário da lição, as crianças praticam intensamente as habilidades de fala à medida que são movidas ao longo de uma hierarquia de desenvolvimento, da produção de sons em palavras para a linguagem conectada, voltando a sílabas e fonemas únicos, conforme necessário. Uma lição típica pode incluir o desenvolvimento de sons específicos (se necessário), trabalhar a fala no contexto do vocabulário selecionado em conjunto com outras atividades cognitivas e de linguagem conforme descrito abaixo, prática de canções e rimas e discussão em áreas de interesse das crianças. Além das lições, o uso da fala é essencial para a participação da criança em todas as outras atividades. 47 Enquanto as crianças conversam ao longo do dia, continua a haver um foco em ajudá- las a melhorar a precisão e a inteligibilidade de suas falas. Os professores ouvem atentamente as produções da criança, fornecendo as informações adicionais necessárias para melhorar a articulação e entonação da criança. Essa prática de fala em ambientes comunicativos reforça para a criança que melhorar a fala é importante em todas as comunicações, não apenas nas lições. A expectativa de usar a fala para se comunicar ao longo do dia é essencial para facilitar a transferência de habilidades de fala para uso real e acelerar o progresso da criança no desenvolvimento da competência na linguagem falada (MOOG; STEIN, 2008). Depois que a criança expressa uma ideia, o professor ajuda a criança a melhorar sua linguagem falada usando técnicas de modelagem e imitação. Um modelo pode ser fornecido para completar ou preencher as peças ausentes, como linguagem, vocabulário ou articulação corretos; ou aumentar o tamanho ou a complexidade da expressão original. Fazer com que a criança imite o modelo aprimorado é uma etapa essencial do processo, pois fornece prática usando a estrutura sintática, a palavra do vocabulário ou o som da fala que foi direcionado no modelo. Além disso, a imitação ajuda a criança a aprender a reconhecer e entender as novas palavras ou sons da próxima vez que as ouve, além de ajudar no desenvolvimento da memória auditiva (MOOG; STEIN, 2008). Para cada atividade de ensino ao longo do dia, o professor assume a responsabilidade de avaliar o grau em que a criança está aprendendo ou aprendeu a habilidade ou o conhecimento desejado. Esse foco nos objetivos garante que os professores estejam cientes do progresso contínuo da criança. Existem muitas atividades nas quais as crianças podem aprender. No entanto, no Moog Center, os professores selecionam atividades para as crianças com base no grau em que a atividade escolhida ajuda a atender aos objetivos da linguagem falada das crianças (MOOG; STEIN, 2008). 48 Comparando os programas, o Foundations (LEDERBERG et al., 2014) e o programa do Moog Center (MOOG; STEIN, 2008) foram criados especialmente para a população com deficiência auditiva. O Foundations foca em habilidades de alfabetização precoce, avaliando consciência fonológica, conhecimento alfabético e vocabulário; por meio de aprendizagem focada em código e baseados em significado. No Moog Center, o foco é em desenvolvimento da fala para comunicação e leitura, no ensino de habilidades de falante, ouvinte e de linguagem. Os dois programas se caracterizam por intervenção precoce sendo o Foundations utilizado por crianças dos 3 aos 6 anos, e no Moog Center crianças desde o nascimento até 8 anos. Já o ALEPP e seus protocolos possuem foco no desenvolvimento de leitura e escrita, ensinando habilidades de seleção e transcrição. Ao contrário dos programas acima, o ALEPP foi desenvolvido para ser utilizado por pessoas típicas, apesar de estudos e adaptações para outras populações estar bastante avançado. Também não há limite de idade para o uso do programa, sendo utilizado também com adultos. Mesmo não sendo específico para pessoas deficientes auditivas, o ALEPP tem se mostrado efetivo para essa população pois o treino de seleção de palavra impressa frente palavra ditada (AC) e a transcrição pelo CRMTS de ditado por composição de letras (AE) e cópia por composição de letras (CE) favorece o controle pelas unidades mínimas das palavras, pois as letras servem como suporte visual. Em especial, crianças com deficiência auditiva tem demonstrado leitura com compreensão e escrita sob ditado. O trabalho de Golfeto (2010) foi um dos primeiros na direção de estruturar um programa de ensino baseado em equivalência, com o objetivo de ampliar vocabulário, ensinar compreensão auditiva e refinamento da produção oral em crianças com deficiência auditiva e implante coclear (DE SOUZA et al., 2020). Os resultados deste trabalho de Golfeto (2010), que contou com três estudos, no ensino de habilidades auditivas entre estímulos ditados (palavras simples, com dificuldades ortográfica e sentenças), 49 estímulos impressos (letras, palavras simples e com dificuldades ortográficas) e eventos (figuras e cenas de ações), proporcionou que outros pesquisadores pudessem avançar e testar os efeitos do programa ALEPP (DE SOUZA et al., 2020), sobre a emergência de habilidades de leitura com compreensão (aferida pelas relações entre figura e palavra impressa e palavra impressa e figura), leitura oral, nomeação e escrita sob ditado (CRAVO, 2018; LUCCHESI et al., 2015a; LUCCHESI; ALMEIDA-VERDU; DE SOUZA, 2018; TENÓRIO, 2018), além dois estudos que fazem parte deste trabalho. Os estudos tiveram múltiplos objetivos, porém todos adotaram o ALEPP como programa de ensino. Os principais resultados destes trabalhos, documentados em de Souza et al. (2020), no Módulo 1, as habilidades de compreensão leitora (relações entre palavras ditadas e figuras e as mesmas palavras ditadas e palavra escritas) obtiveram a maior porcentagem média de acertos nos pré-testes (média de 53,5% de acertos). A porcentagem média de acertos nas habilidades de leitura oral e ditado ficaram bem abaixo das medidas observadas nas habilidades receptivas, fato documentado em outras pesquisas (PERCY-SMITH et al., 2012; DE SOUZA et al., 2020); evidência da independência entre as habilidades de ouvir (envolvida na compreensão leitora), de falar (leitura oral) e de escrever (ditado) (DE ROSE, 2005; GOLFETO, 2010; LEE; PEGLER, 1982; SKINNER, 1957; DE SOUZA et al., 2020). Observa-se aumento da porcentagem média de acertos tanto em leitura (resposta vocal) quanto em compreensão leitora (resposta de apontar) após a exposição aos passos de ensino do ALEPP (84,5% e 96,6%, respectivamente). Pode-se dizer que essas habilidades passaram a se relacionar por equivalência (DE ROSE, 2005; ALMEIDA-VERDU; GOLFETO, 2016; DE SOUZA et al., 2020). Com relação a nomeação de figuras, antes da exposição ao material de ensino, as crianças não nomeavam as figuras ou nomeavam com imprecisão. Após o ensino, a porcentagem média de acertos na nomeação de figuras também aumentou. Para o Módulo 2, 50 resultados alcançados em habilidades expressivas de ditado e de leitura demonstram um aumento expressivo na porcentagem média de acertos nas duas habilidades (DE SOUZA et al., 2020). Esses resultados evidenciam os efeitos positivos do currículo do ALEPP e demonstram o potencial de integrar habilidades consideradas relevantes para a alfabetização e que são apontadas como componentes importantes de outros currículos desenvolvidos especialmente para a população de crianças com deficiência auditiva (LEDERBERG et al., 2014; MOOG; STEIN, 2008; DE SOUZA et al., 2020). No entanto, estudos de revisão da literatura com foco na população de crianças usuárias de implante coclear apontam para um grande investimento na avaliação dos repertórios de ouvinte e de falante e possíveis variáveis preditoras na aquisição destes repertórios, e poucos estudos que avaliem métodos, currículos ou programas de ensino direto desses repertórios (ALMEIDA-VERDU; DA SILVA; GOLFETO, 2008; ALMEIDA- VERDU; GOLFETO, 2016; NEVES et al., 2015; LUCCHESI, 2018). Apesar de nos últimos anos o número de estudos que avaliam algum ensino destes repertórios estar aumentando, ainda representam uma pequena porção da literatura e, muitas vezes, descrevem procedimentos com pouco controle experimental e de ensino incidental (LUCCHESI, 2018). Tendo em vista a necessidade de desenvolvimento de tecnologias para a reabilitação auditiva e a existência de dados que afirmam que o estabelecimento da leitura favorece o controle de estímulos exercido pela palavra impressa seja transferido para figuras (ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015) e estudos sobre a obtenção de leitura e da generalização recombinativa por meio do ensino das relações condicionais entre sílabas ditadas e sílabas impressas (DE SOUZA et al, 2009; DE SOUZA et al., 2014), esforços na avaliação e melhorias de tecnologias instrucionais que foram desenvolvidas e testadas previamente em outras populações, vem sendo investidos tendo em vista as necessidades da população com deficiência auditiva (LUCCHESI, 2018). 51 1.6 ROTAS DE APRENDIZAGEM DE REPERTÓRIOS VERBAIS O processo de reabilitação das crianças com deficiência auditiva, deve se dar de forma multidisciplinar por causa da complexidade do problema. A reabilitação não é apenas auditiva, mas também deve levar em consideração repertórios verbais complexos. A Psicologia, na área da Análise do Comportamento, tem estudado essa população e apresentado resultados positivos na compreensão do comportamento verbal e do funcionamento simbólico a partir de uma interface com a Fonoaudiologia (ALMEIDA- VERDU, 2002; ALMEIDA-VERDU; GOLFETO, 2016; LUCCHESI, 2018). Estudos desenvolvidos sob a ótica do paradigma de equivalência de estímulos com a população com deficiência auditiva pré-lingual e usuária de implante coclear demonstram algumas variáveis que, associadas ao ensino de repertórios de ouvinte (habilidades auditivas, também denominadas receptivas) podem se constituir em condições importantes para uma boa aprendizagem de outras funções verbais, sobretudo de repertórios expressivos que sejam inteligíveis de acordo com as convenções da comunidade verbal (ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015; LUCCHESI et al., 2015a; LUCCHESI; ALMEIDA-VERDU; DE SOUZA, 2018; ALMEIDA-VERDU; GOMES, 2016), Alguns dos primeiros estudos nesta direção registraram dados semelhantes aos da Fonoaudiologia quanto à discrepância observada na aquisição do ouvir e do falar, com a apresentação de respostas vocais com pouca acurácia (GAIA, 2005; SANTOS, 2012). Outros procedimentos de ensino que já foram adotados com usuários de implante coclear, e que podem ser associados ao MTS, podem ter importante papel no estabelecimento de discriminações condicionais estabelecendo topografias de controle de estímulos coerentes com o alvo do ensino (MCILVANE; DUBE, 2000). Assim, procedimentos como o fading (TERRACE, 1963), o ensino por exclusão (DIXON, 1977), o ensino de ecoico (SKINNER, 52 1957; KODAK; CLEMENTS, 2009) ou mesmo o procedimento de escolha de acordo com o modelo com resposta construída (Constructed Response Matching to Sample – CRMTS) (MACKAY, 1985; DUBE et al., 1991) podem estabelecer relações de controle entre estímulos textuais mínimos e entre estímulos e respostas considerando as propriedades relevantes. Considerando a aprendizagem de relações condicionais que envolviam palavras ditadas (estímulos auditivos), figuras, e palavras impressas (estímulos visuais) no MTS associado à modelagem do controle de estímulos (fading-out), o controle exercido pela similaridade física entre estímulos visuais é utilizado como base para o ensino das discriminações auditivo-visuais. Nesses procedimentos, o estímulo modelo é composto por uma parte visual e outra parte auditiva. (CEDRO; PASSARELLI; HUZIWARA, 2014). Por exemplo, para ensinar uma criança a escolher a figura de uma bola, diante da palavra ditada “bola”, apresenta-se, como modelo, nas primeiras tentativas de ensino, tanto a figura bola, como a palavra ditada “bola”. Em tentativas posteriores, a figura apresentada como parte do modelo ia sendo esvanecida, gradualmente. Dessa forma, apenas a palavra ditada era apresentada, nas últimas tentativas de ensino. A partir da retirada gradual da parte visual do modelo, esperasse que a parte auditiva adquira controle sobre o comportamento de selecionar a figura correspondente (CATANIA, 1999; CEDRO; PASSARELLI; HUZIWARA, 2014). Nos procedimentos baseados no ensino por exclusão (DIXON, 1977), as relações condicionais aprendidas previamente são utilizadas como linha de base para a aquisição de novas relações condicionais (CEDRO; PASSARELLI; HUZIWARA, 2014). Por exemplo, uma criança aprendeu a relacionar, condicionalmente, a palavra ditada “bolo” e a palavra escrita BOLO. Para ensinar uma relação entre a palavra ditada “casa” e a palavra escrita CASA, pode-se apresentar a palavra ditada “casa” como modelo e os estímulos comparações seriam as palavras escritas BOLO (ensinado previamente) e CASA (não ensinado). O 53 participante poderia excluir o estímulo comparação definido BOLO e escolher o outro estímulo comparação apresentado - nesse caso, CASA. No ensino de ecoico (KODAK; CLEMENTS, 2009), adotado no experimento de Souza, Almeida-Verdu e Bevilacqua (2013), uma palavra é ditada e, em seguida, o sujeito deve emitir a vocalização correspondente ao estímulo auditivo. Quando a criança não apresenta a vocalização com correspondência ponto-a-ponto com a palavra ditada, pista orofaciais são fornecidas por meio de um vídeo como procedimento corretivo. Foram ensinadas três relações condicionais para quatro crianças. Antes do ensino do comportamento ecoico, nenhum dos participantes havia apresentado 100% de acertos nos testes de nomeação. Após o ensino do ecoico, no entanto, um participante apresentou 100% de acertos nos testes de nomeação (SOUZA; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2013). No caso do CRMTS, Almeida-Verdu e Golfeto (2016) descrevem que fortalecer as relações de controle por estímulos textuais mínimos poderia contribuir para aumentar o desempenho em nomeação de figuras por transferência de controle de estímulos, pois a leitura favorece o desenvolvimento de uma fala mais precisa pôr a letra ser um apoio visual importante. O ensino de discriminações auditivo-visuais (palavras ditadas e figuras, palavras ditadas e palavras impressas, entre sílabas ditadas e sílabas impressas) poderia contribuir para o estabelecimento do controle por unidades menores que palavras (pelo CRMTS). Tal controle por unidades menores poderia ser transferido para outros estímulos por equivalência (GOLFETO, 2010; LUCCHESI et al., 2015a; NEVES, 2014). Contudo, as condições sob as quais a nomeação mais precisa e de acordo com as convenções da comunidade verbal é estabelecida em crianças com implante coclear ainda representa uma lacuna na literatura. Considerando a independência funcional documentada na literatura entre os operantes de ouvir e falar (BATTAGLINI; ALMEIDA-VERDU; BEVILACQUA, 2013) e entre operantes verbais de tato e textual (GOLFETO, 2010; ANASTÁCIO-PESSAN et al., 2015; 54 LUCCHESI et al., 2015a) em pessoas com deficiência auditiva e implante coclear, Almeida- Verdu e Golfeto (2016) apontam fortes evidências da aplicação do modelo de relações de equivalência sobre a transferência de controle de estímulos de uma topografia já estabelecida para a palavra impressa que passa a ser emitida sob controle da figura. Em crianças com implante coclear, a transferência observada é inversa àquela observada em ouvintes. Em ouvintes a fala precisa é controlada, inicialmente, pela figura e objetos; com a exposição a programas de ensino de leitura observa-se a transferência do controle da figura para a palavra impressa (DE SOUZA et al., 1997). Em crianças com implante coclear, Golfeto (2010) demonstrou a independência funcional entre a leitura (controlada pela palavra impressa) e a nomeação (controlada pela figura), sendo a leitura mais precisa do que a nomeação. Pesquisas posteriores têm demonstrado que as vocalizações controladas pela palavra impressa podem ser refinadas e passar a ser emitidas sob controle de fig