a maquete conceito: entre a arte e a arquitetura guilherme bullejos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes, Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Artes. Orientadora: Profª. Drª. Rosangella Leote São Paulo 2023 A Maquete Conceito: entre a arte e a arquitetura. Guilherme Miguel Bullejos Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. B936m Bullejos, Guilherme Miguel (Guilherme Bullejos), 1993- A maquete conceito : entre a arte e a arquitetura / Guilherme Miguel Bullejos. -- São Paulo, 2023. 96 f. : il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosangella Leote. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Maquetes. 2. Modelos e construção de modelos. 3. Criação (Literária, artística, etc.). 4. Artes. 5. Arquitetura. I. Leote, Rosangella. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 720.22 Bibliotecária responsável: Luciana Corts Mendes - CRB/8 10531 A Maquete Conceito: entre a arte e a arquitetura. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes, Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em Artes. _______________________________________ Profª. Drª. Rosangela da Silva Leote Presidente - Orientadora UNESP – Instituto de Artes Orientadora ________________________________________ Profª. Drª. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Membro ________________________________________ Profª. Drª. Luisa Angélica Paraguai Donati PUC CAMPINAS - CLC - Centro Linguagem e Comunicação. Membro São Paulo, 17 de Novembro de 2023 Guilherme Miguel Bullejos "colaboração" (2016) — guilherme bullejos De todas as coisas, sempre a colaboração. O desenvolvimento da vida só se dá por esse modo de operação em rede que me movimenta em constantes e intensos diálogos entre pessoas que me conectam. Obrigado a todos que me tiram da inércia e me colocam em movimento. Agradeço, primeiramente, a minha querida orientadora, Profª. Drª. Rosangella Leote, que ao longo desses anos sempre acreditou em mim e me motivou a não desistir. Sempre me incentivando e balizando meu caminhar acadêmico. A minha querida Profª. Drª. Clice Mazzilli que de tão distante vem acompanhando minha trajetória acadêmica e profissional. A minha família que sempre me apoiou sabendo quão preciosa é a dedicação que eu coloco na minha vida profissional e acadêmica: zelando e orando por mim. Ao meu companheiro, amigo e confidente, Felipe Yuri , que enfrenta o desafio de lidar com minhas inquietações e cuidar do meu bem-estar dia após dia. Aos meus amigos arquitetos sempre próximos: Larissa Cristina, Thiago Gregio, Mariana Sari e Luiza Guerino. É uma honra crescer - profissionalmente, emocionalmente e fraternalmente - com vocês. Muito obrigado. resumo Partindo do ponto no qual a maquete é um modelo tridimensional arquitetônico feito em escala, tem-se que o papel da maquete é comunicar as relações espaciais. Contudo, há, na atualidade, a classificação de diversos tipos de maquetes, de modo a agrupá-las de acordo com sua tipologia, com o que representam, com a fase do processo criativo a que dizem respeito, ou até mesmo com o público a que se dirigem. Nesta pesquisa, é realizada uma revisão bibliográfica desses agrupamentos feitos pelos autores apresentados e, em seguida, o pesquisador elabora o termo "maquete conceito" ao extrair qualidades das maquetes já categorizadas e apresentar exemplos de possíveis aplicações. Formada a base teórica, apontam-se as qualidades intrínsecas que tornam as "maquetes conceito" singulares para a sua produção e apreciação, tendo-as não somente como um objeto, mas como uma experiência em criação e apresentação tanto no campo da Arquitetura quanto das Artes. Palavras-chave: Maquetes. Instrumento. Produto. Conceito. Criação. abstract Starting from the point that the model is a three-dimensional architectural model made to scale, the role of the model is to communicate spatial relationships. However, there is currently a classification of different types of models, in order to group them according to their typology, what they represent, the phase of the creative process to which they relate, or even the public they are interested in. who are heading. In this research, a bibliographical review of these groupings made by the authors presented is carried out and, then, the researcher elaborates the term “concept model” by extracting qualities from the models already categorized and bringing examples of possible applications. Having formed the theoretical basis, the intrinsic qualities that make “concept models” unique for their production and appreciation are highlighted, having them not only as an object, but as an experience in creation and presentation both in the field of Architecture and Art. Keywords: Models. Instrument. Product. Concept. Creation. lista de ilustrações Figuras Figura 01 - Registro das matrizes elaboradas pelo autor.—18 Figura 02 - Escalas gráficas do Google Maps na base das imagens abaixo.—50 Figura 03 - Capturas de tela do vídeo de montagem de uma das cartela do livro Desplegar.—52 Figura 04 - Registros do trabalho de Tatsuya Tanaka.—54 Figura 05 - Escultura vestível da séris "Fundação"(2022) do artista Diego Rimaos.—56 Figura 06 - Escultura vestível da série "Fundação"(2022) do artista Diego Rimaos.—57 Figura 07 - Foto da maquete de papel do museu elaborada por Paulo Mendes da Rocha.—69 Figura 08 - Obras da série "Architecture Anomaly" (2022) do arquiteto Saul Kim.—75 Figura 09 - Registros da exposição "Futuros do futuro" de Sou Fujimoto na Japan House São Paulo. —77 Figura 10 - Enric Mestre em seu ateliê.—87 Figura 11 - Obras sem título de Enric Mestre. —89 Figura 12 - Seis obras da série "Arquitectura para la mirada". (1991 - 2006).—91 Diagramas Diagrama 01 - Diagrama explicação dos conjuntos que estabelecem as relações entre os termos apresentados. —27 Diagrama 02 - Diagrama representando os extremos das categorias apresentadas. Fonte: eleborada pelo próprio autor.—37 Diagrama 03 - Diagrama representando o gradiente no qual se endereçam as maquetes conceito. —39 Diagrama 04 - Diagrama do campo expandido apresentado por Rosalind Krauss.—85 sumário prefácio—14 1 introdução—18 2 a maquete e o conceito—23 2.1 termos “modelo” e “maquete”—23 2.2 o papel da maquete—27 2.3 maquete como instrumento e como produto—33 2.4 construindo a maquete conceito—39 3 a maquete conceito e seus parâmetros—46 3.1 a escala —46 3.2 a forma—57 3.3 a expressividade—65 4 construindo pontes—77 4.1 diálogos entre Arte Visuais e Arquitetura—77 4.2 a expansão das Artes Visuais para a Arquitetura—81 4.3 Enric Mestre: esculturas e maquetes—85 5 considerações finais—94 referências—99 14 prefácio 15 Diante da necessidade de expressão humana, vemos a Arte construir diversos caminhos para a humanidade, mas todos eles - talvez sendo a maior casualidade de sua existência - trilham passagens para que suas produções carreguem informações do passado para as gerações futuras. Servido, assim, para a inquietude dos que irão apreciá-la e estudá-la, de material sensível para reflexão das interconexões elaboradas em cada momento histórico. Contudo, mais do que revelar um contexto histórico, as produções artísticas carregam uma bagagem que está intrinsecamente ligada ao seu artista e sua vivência, constituindo, em matéria palpável, a sua visão do mundo e não isentando toda a sua percepção individual deste. De tal forma, o artista se configura como agente que é apto a traduzir a realidade em suas produções. Seja de maneira descritiva ou simbólica, suas produções são capazes de levar o apreciador à autorreflexão. Assim sendo, desenvolver uma consciência de sua produção se torna parte imprescindível do processo artístico. Obviamente, tal consciência pode ser desenvolvida com a prática e reflexão constante sobre o próprio trabalho dentro do ateliê, todavia, se tal preocupação for tomada primordialmente como prática constante durante o processo, pode se encontrar grande proveito para o desenvolvimento do artista e de sua produção. A efetividade de processos de autoconhecimento durante a prática artística podem alavancar o conteúdo e precisão do que está sendo construído - mesmo que a construção do ideal nunca se realize - ainda assim, são tentativas que tornam cada vez mais palpáveis a identidade artística de quem massivamente desenvolve suas pesquisas artísticas. O proponente durante sua formação acadêmica no exterior, experienciou um exercício em que a turma de alunos era levada a pensar individualmente sobre aspectos que construíram sua linguagem artística e sobre aspectos primordiais que pavimentavam seu percurso artístico. O exercício consistia na criação de duas matrizes correspondentes entre si e compostas por quatro colunas e três linhas: uma das matrizes só levava imagens, enquanto a outra somente textos. Além disso, cada coluna possuía um tema: a primeira coluna era sobre as produções artísticas do aluno; a segunda coluna dizia respeito a arte e design; a terceira coluna dizia respeito a natureza e ciência; e a quarta coluna recebia um tema escolhido pelo aluno. E cada linha recebia uma palavra-chave que definia cada obra artística mostrada na primeira coluna. Assim, ambas tinham que explicitar o porquê de a imagem e o texto escolhidos para o cruzamento dos 16 Figura 01 - Registro das matrizes elaboradas pelo autor. Fonte: Bullejos (2016). 17 temas das linhas e colunas ressaltavam um aspecto importante para a construção da identidade do arquiteto-artista. Tal processo se deu de forma iterativa no qual, durante todo o terceiro trimestre, os alunos iam preenchendo pouco a pouco suas matrizes, sendo estimulados semanalmente a investigar os aspectos que colaboravam para a individualidade de suas produções. Ao final desse processo, com as matrizes todas preenchidas, os alunos foram desafiados a escolherem cinco aspectos contidos em suas matrizes e a elaborarem cinco modelos tridimensionais que, além de expressarem tais aspectos, compusessem uma unidade visual coerente. A produção desses modelos apresentou um objeto que, dali em diante, serviu de inquietação para definir onde encaixava-se a produção deste proponente, visto que o autoconhecimento é um item tão caro a este. Tal exercício permite que o criador reflita sobre os aspectos de sua criação para que seja mais apto a desenvolver um trabalho conciso e fidedigno a si mesmo. A consciência de seu processo e dos aspectos inerentes a sua criação são potencialidades para o desenvolvimento de sua linguagem. Dessa forma, é possível que este proponente consiga olhar para sua produção e começar a identificar as interconexões que sua produção elabora para que desenvolva suas pesquisas e sua linguagem. Encontrar uma categoria para a própria produção por vezes pode ser um trabalho difícil para aqueles que desejam ter um domínio e delimitação da própria produção, quando esta parece “ser contaminada” por disciplinas que extravasam suas origens. Contudo, a expansão das categorias é feita pelos meios de produção das artes (pinturas, esculturas, fotografia etc.), só foi possível quando artistas começaram a fazer conexões com outras disciplinas que fornecessem novos meios e tecnologias que viabilizassem as obras a serem construídas. Em contrapartida, essa contaminação não se deu apenas no âmbito prático, mas também de forma conceitual, a fim de que novas produções pudessem abrandar o que se entende por Arte. Da mesma forma, esta pesquisa parte de uma inquietação individual do momento no qual o pesquisador vê em sua produção obras que habitavam campos outros além da Arquitetura. Mas, para tanto, era preciso identificar onde se situava na Arquitetura para, assim, procurar construir suas pontes com outras disciplinas que acenavam para a produção deste artista. Desse aceno, nasce esta pesquisa. 18 1 introdução 19 As maquetes, ao longo da história da Arquitetura, sempre tiveram um papel fundamental para a representação tridimensional, visto que seu desenvolvimento culminou na instrumentalização desse objeto como um grande e poderoso artifício para ofício do arquiteto. O incremento de novas tecnologias permitiu também o aprimoramento desse meio de representação, conferindo novas possibilidades e explorações ao processo de construção e consolidação de um conceito. Dessa maneira, amplia-se o seu repertório da dualidade entre o fazer do arquiteto-artista e a comunicação de sua criação ao indivíduo fora de seu processo, seja ele um cliente ou um apreciador. Portanto, a maquete estabelece um importante canal de comunicação entre o criador e o seu apreciador, pois permite um vislumbre não somente dos processos internos nos quais o seu criador navega para entregar sua criação, mas também torna as investigações e intenções do criador palpáveis ao apreciador. Nesse sentido, esta pesquisa delimita os conceitos de "modelo" e "maquete", de modo a fornecer uma análise das várias dimensões nas quais esses termos são empregados nas áreas das Ciências, Artes, Desenho Industrial, Moda e, em particular, na Arquitetura. A pesquisa busca, simultaneamente, definir esses termos e delinear a noção de "maquete conceito" e sua relação com os modelos em um contexto amplo. Seguindo teóricos como Rozestraten (2003) e Flusser (2019), o termo "modelo" abrange uma gama diversificada de significados, que incluem exemplos, ideais, referências e padrões, tanto no âmbito material quanto conceitual. Também desempenha um papel fundamental nas áreas acadêmicas, didáticas e artísticas, porque fornece um meio de representação e compreensão. Dentro da disciplina da Arquitetura, o "modelo" adquire nuances adicionais, pois representa conjuntos de partidos conceituais, ideias de formas materiais e sistemas de teste de hipóteses relacionadas ao desempenho ambiental. Ademais, o termo se estende a várias representações bidimensionais e tridimensionais, culminando nas "maquetes" quando se trata de representações tridimensionais em escala reduzida. Para tanto, as maquetes servem como ferramentas essenciais para representar relações tridimensionais, estruturais e materiais em escala, oferecendo aos criadores a capacidade de antecipar e validar suas soluções de forma tangível. Além disso, tornam possível a apreensão da experiência tridimensional de maneira imediata, o que elimina a necessidade de uma representação puramente imaginativa. 20 Para situar a maquete conceito, é apresentada uma revisão bibliográfica que conta com autores que também exploram um grupamento distinto da diversidade de classificações e tipologias de maquetes. Essas classificações abrangem diversos critérios, como fase do projeto, finalidade, elementos envolvidos e materiais utilizados. A pluralidade de categorias reflete a complexidade das maquetes e sua adaptabilidade a uma ampla gama de contextos e necessidades dentro do campo da Arquitetura. No segundo capítulo, a pesquisa apresenta os parâmetros essenciais para a definição da maquete conceito, abordando a questão da escala e sua importância na compreensão e apreciação desse tipo de representação arquitetônica. A relação entre o corpo do apreciador e o espaço representado na maquete é cuidadosamente analisada. Destaca-se a distância entre o modelo e a realidade, bem como a maneira pela qual a escala desempenha um papel fundamental na criação dessa relação. A maquete conceito é apresentada como uma representação visual que permite ao apreciador explorar, de forma onírica, o espaço ali representado, o que, por consequência, enriquece sua percepção e amplia suas potencialidades de compreensão. Para isso, a escala emerge como um elemento-chave, haja vista que serve como um referencial que possibilita ao observador criar correspondências de dimensões e proporções. A discussão sobre a escala é desdobrada em duas categorias relevantes para a pesquisa: a escala como instrumento e a escala como conceito. A primeira categoria trata da escala como uma ferramenta de representação; enquanto a escala como conceito é abordada tal qual uma relação que transcende a mera razão absoluta de tamanho. Esta instiga o observador a questionar as relações e correspondências presentes na representação, levando-o a reinterpretar o objeto referente com base no objeto representante. A maquete conceito é, então, apresentada como um diálogo com lacunas, que desafia o observador a preenchê-las com sua própria bagagem e repertório, fato que cria uma experiência única e enriquecedora. Ainda neste capítulo, é apresentada a relação entre a forma arquitetônica e as maquetes conceito. Eles abordam como a criação de maquetes conceito exige uma compreensão crítica da forma, considerando-a uma ideia e um modelo que informa diversas matérias. Assim, a dualidade entre forma e matéria é destacada, e as formas arquitetônicas são apresentadas como um elemento central na produção de maquetes conceito. 21 Para tanto, são abordadas cinco formas arquitetônicas específicas - piso, parede, telhado, janela e porta - e como cada uma delas desempenha um papel fundamental na criação de espaços arquitetônicos significativos. Finalizando o capítulo, é apresentado o último parâmetro qualificador, a expressividade em maquetes conceituais. Aborda-se como esses modelos tridimensionais arquitetônicos, em escala reduzida, relacionam-se com a disciplina da Arquitetura. Além disso, como suas formas, ao estarem diretamente ligadas aos elementos arquitetônicos tradicionais – como paredes, pisos, tetos, entre outros – possuem aspectos que os qualificam na relação com o espaço criado, fazendo referência às atmosferas de Zumthor (2006). O autor identifica nove aspectos subjetivos que contribuem para criar uma boa Arquitetura. Tais aspectos são discutidos como parâmetros para avaliar a expressividade das maquetes conceituais. Os autores também examinam exemplos de maquetes conceituais, incluindo o trabalho do arquiteto Saul Kim e uma exposição de Sou Fujimoto. Destacam, ainda, como esses arquitetos exploram a relação entre a matéria e a forma para criar imaginários por meio de maquetes. Eles enfatizam a importância da expressividade das maquetes, não apenas como ferramentas para comunicar ideias e conceitos arquitetônicos, mas como obras artísticas. No último capítulo, o enfoque recai sobre os diálogos intrincados que ocorrem entre a arte e a Arquitetura. A representação espacial, essencial para ambas as disciplinas, é influenciada pela intenção arquitetônica, que pode variar desde o simples reconhecimento do ambiente construído até a necessidade de modificação desse ambiente. Esse desejo não está confinado apenas aos profissionais da Arquitetura, estendendo- se às Artes Visuais e a outros domínios criativos. Dessa forma, a pesquisa não busca sua finalização na delimitação das fronteiras entre Arte e Arquitetura, mas explora o terreno de indefinição que une essas duas esferas de conhecimento e examina a produção de maquetes conceito. As maquetes conceito, vistas como objetos que têm raízes na Arquitetura, encontram seu espaço não apenas nessa disciplina, mas também em contextos artísticos e disciplinas afins. Esse fenômeno é impulsionado, em parte, pelo avanço das tecnologias digitais, as quais permitem que os arquitetos trabalhem de maneira mais escultórica e artesanal. Essa intercambialidade do conhecimento entre Arte e Arquitetura destaca como os avanços tecnológicos na Arquitetura são aproveitados pelas Artes, e como os artistas encontram maneiras 22 de incorporar formas arquitetônicas em suas obras. Assim, a distinção tradicional entre Arte e Arquitetura, historicamente ancorada em funcionalidade e meios de produção, está se tornando cada vez mais fluida. Nesse ínterim, essa pesquisa busca explorar essas convergências. Do ponto de vista das artes, traz- se a análise de Rosalind Krauss, em seu ensaio "Sculpture in the Expanded Field" (1979), no qual busca-se compreender como a produção artística de esculturas transcende sua categorização tradicional, e como a Arte e a Arquitetura podem se fundir para criar territórios criativos. Finalmente, a obra do renomado artista Enric Mestre é apresentada como um estudo de caso que questiona se suas esculturas podem ser consideradas maquetes conceito. O mestre, conhecido por suas esculturas em cerâmica e madeira que evocam sutilmente formas arquitetônicas, é analisado sob a ótica da Arquitetura, revelando paralelos surpreendentes entre suas obras e as maquetes conceito. A discussão se concentra na poética construtiva presente em suas criações, na influência da escala e na maneira como suas obras se situam no limiar entre Arte e Arquitetura. Destarte, este capítulo estabelece uma base sólida para a investigação das relações complexas entre estes campos do conhecimento, bem como a relevância das maquetes conceito nesse contexto. 23 2 a maquete e o conceito 2.1 termos “modelo” e “maquete” 2.2 o papel da maquete 2.3 maquete como instrumento e como produto 2.4 construindo a maquete conceito 24 Ao propor a discussão dos termos “modelo” e “maquete”, a pesquisa se propõe a estabelecer um contorno para o que foi conceituado como maquete conceito. À luz disso, torna-se necessário explorar as aplicações contemporâneas para os termos, tendo em vista a possibilidade do emprego efetivo dos termos. Segundo Rozestraten (2003), o termo modelo é bem amplo e genérico, relacionando-se com exemplo, ideal, referência ou padrão - o que se aproxima da "forma" discutida por Flusser (2019) enquanto imaterialidade. Nas Ciências, sua aplicação estende-se tanto ao âmbito material quanto conceitual, mas, em todos os casos, já está relacionado ao processo de conhecimento, fazendo- se presentes modelos teóricos ou conceituais, didáticos ou experimentais. Nas Artes-plásticas, o termo se relaciona com a materialidade do fazer artístico ou com o ideal compositivo do artista, como modelos de referência ou modelos de projeto (estudo, experimentação e apresentação). Ainda no universo do Desenho Industrial, tem-se o modelo como uma produção ou reprodução de objetos de um original. Na Moda, o modelo assume um papel primordial, como o desfile das diversas peças produzidas em ateliê. Nesse caso, modelos podem ser sinônimo de manequins, que podem ter tanto a escala natural quanto partes do corpo que representam. Por fim, Rozestraten (2003, p.10- 11) apresenta os sentidos de modelo no âmbito da Arquitetura (disciplina que se alimenta da arte, ciência e indústria). Aqui, modelo pode ser entendido como: [a] um conjunto de partidos (entendidos como conceitos, premissas e formas) que estabelecem uma proposta arquitetônica ou urbanística; [b] uma ideia ou forma material, escolhidas como referência; [c] um sistema construído com o intuito de formular ou testar hipóteses relacionadas ao desempenho de um ambiente; [d] um objeto de teste para uma produção seriada futura; [e] um conjunto de objetos referências; [f] diversas representações bidimensionais como plantas, cortes, elevações etc.; [g] diversas representações tridimensionais feitas em escala. Quando essa representação é feita em escala reduzida, denominam-se modelos de maquete; Dessa forma, poder-se-ia estabelecer uma ideia de conjuntos e subconjuntos, em que as maquetes seriam um subconjunto da ampla gama de modelos. Evidencia-se que o termo modelo carrega em si uma ambiguidade, haja vista que 25 MODELOS ARQUITETÔNICOS MODELOS Desenhos Planos Urbanísticos Maquetes Protótipo Projetos Diagrama 01 - Diagrama explicação dos conjuntos que estabelecem as relações entre os termos apresentados. Fonte: Bullejos (2023). 26 pode pertencer ao âmbito material ou imaterial. Em contrapartida, o termo maquete está diretamente relacionado à materialização da forma, ou seja, dentro do processo de desenho, é o modo pelo qual as formas aparecem após receberem conteúdo-matéria (FLUSSER, 2016). Caminhando em direção ao objeto dessa pesquisa, de forma a adentrar nos subconjuntos, encontra-se a possibilidade de formação de dois termos: o modelo arquitetônico e a maquete arquitetônica. Assim, para entender como se dá o englobamento dos termos, "será empregado 'modelo arquitetônico' para designar o amplo conjunto de objetos com formas arquitetônicas em escala reduzida que podem ter os mais diversos usos." (ROZESTRATEN, 2003, p. 11) O modelo arquitetônico, grosso modo, pode englobar os modelos lúdicos (jogos), os modelos simbólicos (cidades modernas), os modelos didáticos (exemplos de diferentes colunas gregas), os modelos representativos (plantas, cortes etc.), isto é, todos que dizem respeito à construção imaginária ou real dos espaços físicos. Dessa forma, pode-se dizer que a maquete arquitetônica também está contida como um subconjunto dos possíveis modelos arquitetônicos, mas, diferente dos demais, caracteriza-se por "seu sentido claramente material e tridimensional" (ROZESTRATEN, 2003, p. 11). No âmbito desta pesquisa, acrescenta-se a importância de estarem relacionadas à escala e de possuírem qualidades arquitetônicas, já que são um subconjunto dos modelos arquitetônicos. 27 2 a maquete e o conceito 2.1 termos “modelo” e “maquete” 2.2 o papel da maquete 2.3 maquete como instrumento e como produto 2.4 construindo a maquete conceito 28 Dentro das possibilidades representativas da Arquitetura, que abrange um vasto conhecimento expressivo e técnico, a maquete insere- se como um elemento participante da comunicação especializada e representada por um conjunto de modelos arquitetônicos, os quais facilitam a compreensão de forma sintética das ideias e do conteúdo. Dentro desse conjunto de instrumentos, as maquetes tornam compreensíveis as relações tridimensionais referentes à criação e à modificação estrutural e material, em escala, do espaço físico. A utilização de maquetes arquitetônicas no processo projetual converte-se em uma importante confirmação da validade das soluções do próprio criador – uma antecipação tridimensional – sendo possível que este a utilize como um importante instrumento processual de validação e (r)elaboração de ideias. "Além disso, o papel da maquete transcende à simples descrição sintética do projeto que se pretende representar em pelo menos dois aspectos. O primeiro consiste no papel operativo que a maquete assume durante o desenvolvimento do projeto: a essência, ou seja, comprovar a solução do projeto que somente a verificação tridimensional pode confirmar ou colocar em crise. A segunda reside na expressividade que caracteriza a maquete como objeto, ou seja, a sua autonomia formal em relação com o projeto que representa." (CONSALEZ, 2011, p.4) Tanto no seu papel operativo quanto em seu papel expressivo, a extensão do uso da maquete pode se dar desde o início de um projeto até a apresentação para o público-final. Isso as mostra como potentes contentoras de informações tomadas e sintetizadas a partir e para o mundo "real". Ou seja, a maquete "permite perceber a experiência tridimensional em vez de ter que imaginá-la." (DUNN, 2010, p. 8) Quanto mais os criadores se dotarem, no que tange ao repertório, de técnicas e de métodos operacionais e expressivos, maiores serão as possibilidades de exploração do pensamento projetual por meio de maquetes. Assim, podem explorar todos os tipos de maquetes que se encontram dentro desse subconjunto de modelos arquitetônicos. Consolidam- se, então, enquanto objeto e técnicas de maquetaria, e incrementam suas potencialidades às possibilidades de exploração de formas arquitetônicas, por meio do uso e desenvolvimento das novas tecnologias digitais. Dessa forma, quanto mais enriquecidas são as técnicas e tecnologias, mais tipos de maquetes surgem no vasto espectro de tipos que compõem o subconjunto das maquetes arquitetônicas. Atualmente, há um esforço de tentar agrupar os inúmeros tipos existentes, pela sua finalidade, técnicas usadas, seu próprio processo de construção ou até mesmo pelo tipo de ambiente (físico ou virtual), no qual é gerada. 29 Nacca (2009, p. 17-18) apresenta os seguintes tipos: [a] maquetes industriais, usadas para representar grandes empreendimentos; [b] maquetes artísticas, empregadas para expressar ideias criativas; [c] maquetes artesanais, as quais são o meio do caminho entre as maquetes industriais e as artísticas. Nacca (2009, pp. 20-22) separa, ainda, em três categorias: [1] por objeto a ser representado; [2] por finalidades; e [3] pelos componentes que apresenta. A autora também expõe uma terceira classificação que diz respeito à separação entre os ambientes, resultando em duas possibilidades: [a] maquetes físicas e [b] maquetes virtuais. Tal agrupamento fornece à maquete mais de um estado, já que pode ser uma maquete artística que representa um centro cultural (objeto a ser representado), mas é feita em ambiente virtual (é uma maquete virtual). Logo, qualifica-se e não somente restringe a maquete a um conjunto específico e abstrato. Já Mills (2007) divide em apenas dois grupos: [a] maquetes primárias e [b] maquetes secundárias. O primeiro refere-se a um grupo empregado para representar a exploração em diferentes estágios, de modo a possuir conceitos abstratos; o segundo é utilizado para a análise de componentes específicos. De forma interseccional, Miró, Carbonero & Corden (2010) classificam as maquetes em diferentes tipologias a depender [a] da fase do projeto; [b] da representação a que correspondem; [c] da finalidade que terão; e [d] dos elementos básicos envolvidos na sua criação. Vale ressaltar que, para esses autores, as maquetes podem se encontrar em mais de uma tipologia. Barreto, Braida, Silva, Lima & Morais (2021) agrupam suas maquetes de acordo com as fases do projeto, das habilidades necessárias e das questões cognitivas envolvidas, separando-as em três grupos: [a] maquete de concepção; [b] maquetes de desenvolvimento; e [c] maquetes de apresentação. Para Dunn (2010), as maquetes são categorizadas em: [a] maquetes conceituais; [b] maquetes urbanísticas; [c] maquetes de volumes; [d] maquetes de trabalho; [e] maquetes espaciais; [f] maquetes de Arquitetura de interiores; [g] maquetes de iluminação; [h] maquetes de apresentação; [i] protótipos de tamanho natural; [j] maquetes descritivas; [k] maquetes predicativas; [l] maquetes de avaliação; [m] maquetes de exploração; e [n] maquetes de futuro. Grosso modo, Knoll & Hechinger (2003) agrupam todas as descritas por Dunn (2010) em três grupos: [a] maquetes topográficas, [b] maquetes de edificação e [c] maquetes específicas. 30 Por fim, Corsalez (2014) considera duas divisões que se correspondem: a primeira entre [a] maquetes volumétricas e [b] maquetes analógicas; a segunda entre [a] maquetes de estudo e [b] maquetes de apresentação. Ele também divide as maquetes de acordo com os materiais utilizados, mas seguindo um agrupamento que qualifica a escolha de determinados materiais, quais sejam: madeira, papel e cartolina, plástico e materiais heterogêneos, analógicos e outros materiais de manuseio mais difícil pelas técnicas tradicionais da maquetaria (como pedra, metal, cimento etc.). Abaixo, contempla-se uma tabela que organiza e resume os principais agrupamentos trazidos por tais autores: Autores Agrupamentos propostos Nacca (2009) Tipos maquetes industriais: utilizadas para representar grandes empreendimentos. maquetes artísticas: empregadas para expressar ideias criativas. maquetes artesanais: meio do caminho entre maquetes industriais e artísticas Categorias objeto a ser representado. finalidades. componentes que apresenta. Ambiente maquetes físicas. maquetes virtuais. Mills (2007) maquetes primárias: utilizada para representar a exploração em diferentes estágios, possuindo conceitos abstratos. maquetes secundárias: utilizado para análise de componentes específicos, possuindo conceitos mais representativos. Tabela 01 - Quadro resumo do agrupamento de tipos de maquetes feitas pelos autores apresentados. 31 Autores Agrupamentos propostos Miró, Carbonero & Corden (2010) classificam as maquetes de acordo com uma ou mais tipologias, por isso a maquete é caracterizada pela intersecção dessas tipologias. a fase do projeto. a representação a que correspondem. a finalidade que terão. os elementos básicos envolvidos em sua criação. Barreto, Braida, Silva, Lima & Morais (2021) Agrupa de acordo com as habilidades e questões cognitivas envolvidas. maquete de concepção. maquete de desenvolvimento. maquete de apresentação. Dunn (2010) maquetes conceituais. maquetes urbanísticas. maquetes de volumes. maquetes de trabalho. maquetes espaciais. maquetes de Arquitetura de interiores. maquetes de iluminação. maquetes de apresentação. protótipos de tamanho natural. maquetes descritivas. maquetes predicativas. maquetes de avaliação. maquetes de exploração. maquetes de futuro. Knoll & Hechninger (2003) maquetes topográficas. maquetes de edificações. maquetes específicas. Corsalez (2014) primeira divisão maquetes volumétricas & maquetes de estudo segunda divisão maquetes analógicas & maquetes de apresentação terceira divisão de acordo com os materiais utilizados, como a madeira, papel e cartolina, plástico e materiais heterogêneos, analógicos e outros tipos mais difíceis de se manusear, como pedra, metal, cimento etc. Fonte: Resumo elaborado pelo autor.1 1 Baseado na bibliografia apresentada anteriormente no capítulo. 32 Como é possível ver, além da tipologia, os autores também estabelecem um agrupamento em razão do processo, função ou objeto sintetizado e representado. Para esta pesquisa, é importante pontuar dois desses quatro aspectos. Isso porque, ao embasar o termo utilizado para designar o conjunto de objetos que formam as "maquetes conceito", é preciso discutir como tais autores consideram o objeto maquete no âmbito de sua produção e de sua finalidade. Além disso, vale ressaltar que a maioria dos autores apenas concebe as maquetes físicas para o processo de classificação, de modo que somente Nacca (2009) considera as maquetes virtuais no âmbito desta pesquisa. 33 2 a maquete e o conceito 2.1 termos “modelo” e “maquete” 2.2 o papel da maquete 2.3 maquete como instrumento e como produto 2.4 construindo a maquete conceito 34 A maquete, como toda obra de arte, evolui no seu trabalho em quatro estágios: (1) concepção: ter a ideia; (2) materialização: dar forma básica; (3) interpretação: execução do trabalho; e (4) reinterpretação: quando vista e interpretada pelo espectador (LANDI, 2002, p. 13). Assim, é possível que seja classificada quanto ao seu estágio dentro desses estágios de criação. Como já mostrado, existem interpretações de agrupamentos que se colocam de forma efetiva no endereçamento dos tipos de maquetes a serem executados. Diante dessas possibilidades, este pesquisador propõe dois agrupamentos, os quais partem de uma análise processual da confecção de maquetes. Para fins da pesquisa, estabelece-se, de um lado, o grupo de maquetes como um instrumento projetual de verificação e, de outro lado, o grupo de maquetes como um produto de apresentação para o cliente final. Dessa forma, estabelece-se, de forma sutil, uma visão flexível de endereçamento da maquete, feita à luz de seu momento dentro do processo criativo: ora pode ser um instrumento de verificação, ora pode ser um produto de apresentação. Isso porque a situação da maquete é determinada pelas qualidades e empregabilidade do momento no qual se encontra. Há um intuito de fazer tal endereçamento em alguns outros autores apresentados anteriormente: Quando Nacca (2009) situa a maquete enquanto uma interseção entre o tipo, a categoria e o ambiente no qual é produzida, de tal forma, o modelo arquitetônico tridimensional a ser produzido pode ser uma maquete industrial (tipo), representando um empreendimento imobiliário de uso misto e multifamiliar (categoria), feito para um estande de vendas (ambiente). Nesse exemplo, é possível notar que a maquete não está ligada diretamente ao assunto a que se refere, mas é determinada por um conjunto de fatores que a qualifica enquanto um produto arquitetônico tridimensional a ser apresentado ao público enquanto síntese do insumo que se deseja comercializar. Da mesma forma o fazem Miró, Carbonero & Corden (2010), contudo, a partir de outros critérios. Os outros autores partem de uma visão mais categórica e estabelecem seu agrupamento feito à luz da finalidade ou assunto a que dizem respeito. Para fins profissionais (e comerciais), tal predeterminação, de fato, endereça de forma efetiva o que se espera do objeto maquete: seu nível de síntese, seu acabamento, os materiais a serem utilizados e, até mesmo, o assunto a que se referem. Desse modo, em termos práticos, a divisão proposta pelo autor - instrumento e produto - faz paralelo com os agrupamentos feitos por 35 INSTRUMENTO MAQUETE APRESENTAÇÃO Diagrama 02 - Diagrama representando os extremos das categorias apresentadas. Fonte: eleborada pelo próprio autor. Fonte: Bullejos (2023). 36 Corsalez (2014), enquanto maquetes de estudo e maquetes de apresentação, respectivamente. Além disso, se aproxima do conceito classificatório elaborado por Mills (2007), respectivamente, como maquetes primárias e maquetes secundárias. No entanto, apenas faz- se uso das qualidades apresentadas pelos autores para o endereçamento da maquete como instrumento e da maquete como produto (e, posteriormente, da maquete conceito). Isso se justifica, de fato, porque parte-se da ideia de que a maquete, independentemente de sua composição e/ou empregabilidade, pode ser utilizada tanto como instrumento quanto produto. Contrapondo-se à ideia de que ela ora habita um lugar, ora abriga outro: "É significativo que, ao contrário das maquetes de apresentação que são realizadas por encomenda e portanto fora do atelier do projetista, as maquetes de estudo sejam realizadas exclusivamente no interior da estrutura de projeto devido ao seu valor instrumental." (CORSALEZ, 2014, p.5) Desse modo, constata-se o estabelecimento de correspondências entre o local designado para o objeto e a sua caracterização: quando as maquetes habitam ateliês, oficinas e maquetarias, estão fadadas às verificações do profissional que se debruça sobre seu processo criativo; quando saem desses espaços de criação e materialização, se tornam objetos de apresentação e comunicação para clientes e apreciadores, ou seja, tornam-se um produto. Dessa forma, as maquetes são, na maioria dos autores apresentados, resumidas ou [a] a um objeto processual devoto à criação do artista e escondido no recanto do criador, ou [b] a um objeto funcional que se apresenta ao mundo com um assunto dado e terminado. Em um curso de maquetes, ministrado por Paulo Mendes da Rocha em 2006, em Curitiba, na inauguração da Casa Vilanova Artigas, este caracteriza o que, aqui, está se construindo como maquete instrumento - em contraposição ao que está sendo construído enquanto maquete produto: "(...) É a maquete como croqui. A maquete em solidão! Não é para ser mostrada a ninguém. A maquete que você faz como um ensaio daquilo que está imaginando. O croqui, o boneco, um conto. Como o poeta quando rabisca, quando toma nota. O croqui que ninguém discute. É a maquete como instrumento de desenho. Em vez de você desenhar, você faz maquete. Não tem nada a ver com as maquetes profissionais, do maquetista que tem a função de mostrar a ideia já pronta. Esse é um objeto que pode ser encomendado para ser exibido, e tem seu valor. A maquete aqui é um instrumento que faz parte do processo de trabalho; são pequenos modelos simples. Não é para ninguém ver." (ROCHA, 2007, p.22) Assim, a maquete instrumento se caracteriza por ser uma maquete processual, um objeto inacabado, um 37 INSTRUMENTO MAQUETE CONCEITO APRESENTAÇÃO Diagrama 03 - Diagrama representando o gradiente no qual se endereçam as maquetes conceito. Fonte: Bullejos (2023). 38 instrumento que não deve ser visto como um produto e que serve apenas para a reflexão, validação e (r)elaboração de ideias do(s) criador(es). Em contrapartida, apresenta-se a maquete produto, a qual, segundo CORSALEZ (2014, p. 7), mostra- se como: "(...) a construção de uma imagem que está diretamente voltada para a própria realidade e, portanto, o papel comunicativo da maquete pode superar a barreira da comunicação entre adeptos. A prova e consequência disso é: a utilização cada vez mais frequente da maquete como instrumento de apresentação do projeto, a apresentação de maquetes em exposições para o grande público, a progressiva aproximação das linguagens das maquetes realizadas para motivos comerciais, ou seja destinadas a usuários em geral (por exemplo, as maquetes das imobiliárias) e a utilização das maquetes arquitetônicas." Verifica-se, portanto, que a maquete produto se estabelece de forma a entregar uma síntese, que o espectador leigo recebe sem que seja necessário qualquer tipo de abstração. Se, por um lado, tal maquete rompe com as barreiras da comunicação, por outro, reduz as possibilidades de criação de novos imaginários, visto que o espectador vê, nas maquetes de apresentação, uma correspondência entre o representado e o real. Por exemplo, na maquete produto, uma pedra pequena pode somente corresponder a uma pedra em escala natural; na maquete instrumento, faz- se possível pegar um pedaço de papel, amassar e dizer que é uma pedra. Dessa forma, enquanto o primeiro gesto não impõe nenhuma dificuldade de abstração, o segundo estimula a abstração para que sejam feitas as devidas inquietações ao usuário que a aprecia. Foram endereçados, portanto, os dois extremos: a maquete instrumento e a maquete produto, de um gradiente em relação ao qual a pesquisa propõe a definição. Assim como Nacca (2004) propõe a maquete artesanal, como sendo o grupo entre maquetes industriais e maquetes artísticas, propõe-se a construção do termo maquete conceito, gradiente entre dois polos: instrumento e produto. Apesar de os autores citados abordarem e trazerem características do termo em construção, é importante ter em mente que são ainda incipientes, já que, de alguma forma, generalizam o termo e carecem de uma definição coesa com o objeto em questão. Além disso, apresentam a situação da maquete de forma absoluta e restrita a um ambiente admitido como coerente à sua fase processual. 39 2 a maquete e o conceito 2.1 termos “modelo” e “maquete” 2.2 o papel da maquete 2.3 maquete como instrumento e como produto 2.4 construindo a maquete conceito 40 O consenso que existe sobre o único objeto a ser considerado uma maquete de arquiteto é o modelo de ádyton, do templo A de Ninha, do séc. II d.C., o qual trata "de um conjunto de conhecimentos e procedimentos técnicos e artísticos, sistematizados pelo Império para o planejamento e a construção de cidades, infra-estrutura e Arquiteturas numa escala até então inédita na história" (ROZESTRATEN, 2003, p. 238). Salvo esse objeto, não se pode afirmar que os outros modelos produzidos anteriormente, de fato, fazem menção ao que se entende por maquete arquitetônica, visto que foram produzidos há mais de 5.000 anos por outra cultura e contexto, além de não ser óbvia a distinção entre modelo arquitetônico e maquete arquitetônica (ROZESTRATEN, 2003, p.9). Contudo, é evidente que a maquete surge como um meio de comunicação e verificação de conceitos, de sistemas construtivos e de materiais a serem utilizados. A maquete passou a ser extensamente utilizada a partir do Renascimento, de modo a consolidar-se, atualmente, como um importante artifício para o ofício do arquiteto (DUNN, 2010, pp. 15-20). Nesse contexto, enquanto objeto de comunicação, elas sempre versam sobre um assunto. Em termos gerais, partem da Arquitetura e verbalizam as relações espaciais que se estabelecem em um determinado espaço (com suas proporções), com um determinado programa arquitetônico (seus usos) e determinada materialidade (a qual atua no desempenho técnico da composição). Tais relações reverberam de forma direta na percepção do usuário, de forma que se mostra coerente dizer que o projeto de Arquitetura não é feito levando em consideração apenas a construção em si, mas também a experiência do indivíduo que a habita e a vivencia. Entendendo que a maquete surge dentro da disciplina de Arquitetura, é factível observar que, da mesma forma, segue a linha processual da disciplina: conceber, materializar, interpretar e reinterpretar. Com exceção da última, as três primeiras etapas apresentadas por Landi (2002) resumem o que é apresentado enquanto planejamento arquitetônico (NEVES, 2012, pp. 9-11): o ato de projetar, ter o esforço de idealizar e viabilizar algo em um determinado tempo. Segundo Neves (2002), o planejamento arquitetônico é organizado em três etapas: a primeira etapa diz respeito à coleta e análise de dados; a segunda etapa, ao ato criador, o primeiro gesto de materialização que satisfaça todas as informações levantadas, obtidas e analisadas na primeira etapa, com o intuito de serem verificadas e (re) elaboradas; a terceira etapa, à solução final, à consolidação das diversas variáveis envolvidas no projeto. 41 Enquanto Neves (2002) aborda da concepção até a consolidação do partido arquitetônico, já que discute o método por trás disso, Landi (2002) tem uma visão mais sintetizada. Esta, porém, considera o usuário, o que traz uma quarta etapa ao processo no qual existe a reinterpretação do projeto de Arquitetura - e tal momento é crucial para a discussão apresentada nesta pesquisa. Isso porque derruba-se a ideia de monólogo criativo, bem como apresenta-se a dialética entre o criador e o espectador, seja ele um cliente ou um apreciador. Assim, quando os autores apresentados categorizam as maquetes, ocorre o endereçamento estático desse modelo tridimensional arquitetônico em algum ponto desse processo: seja como um instrumento, seja como um produto. A partir disso, comunica o que ela é, não o que pode ser. Antes de tudo, a maquete conceito não é um mero objeto que apenas comunica, mas vai além, pois também provoca e instiga. Vale ressaltar que alguns autores apresentam tipos de agrupamentos, cuja qualidade se aproxima do que está sendo elaborado como "maquete conceito". Contudo, não há, de fato, uma extensão e formalização das capacidades e potencialidades de tal objeto enquanto uma obra artística de apreciação, uma vez apresentada essa como um objeto de ateliê: um instrumento de verificação e validação de ideias, o qual, fora desse ambiente, se torna inútil. (ROCHA, 2007, p. 22) Apresentadas a maquete como produto e a maquete como instrumento, como estados opostos de um espectro possível para endereçamento de uma maquete, obtém-se um gradiente, cujas qualidades são extraídas de ambos os agrupamentos para elaborar a maquete conceito. Assim, a maquete conceito ora pode se aproximar de um estado de instrumento, ora pode se estabelecer como um produto. Tanto Rocha (2007) quanto Dunn (2010) trazem a qualidade das maquetes como um objeto processual voltado à reflexão, à validação e à (r)elaboração de ideias do(s) criador(es), enfatizando a utilização delas enquanto instrumento de verificação em processos criativos dentro do ateliê. Rocha (2007) reserva suas maquetes de papel à solidão do ateliê e à presença sagrada da entidade criadora, enquanto Dunn (2010) denomina esse tipo de maquete como conceitual. A maquete conceito absorve essa característica investigativa, mas não se limita à solidão do ateliê. Quando Dunn (2010, pp. 95-96) apresenta a maquete 42 conceitual1, esta é trazida como uma solução cada vez mais utilizada enquanto instrumento de comunicação, que expressa o pensamento do arquiteto que a constrói. Assim, o autor afirma que, nos últimos cinquenta anos, a Arquitetura tem ampliado e trazido para o centro do debate sua relação com outras disciplinas. Além disso, profissionais de outras disciplinas, como Filosofia, Sociologia e, até mesmo, da Biologia, têm também se tornado mais comprometidos com as questões arquitetônicas do ambiente construído, de forma que a maquete, cada vez mais, abrange outras questões que não somente aquelas atinentes à comunicação das proporções e materialidades de sua composição. Traz, portanto, a construção de uma narrativa que intenciona especializar e materializar uma teoria. Tal movimento enfatiza a multidisciplinaridade da Arquitetura e reverbera no estímulo da utilização desse tipo de maquete - a conceitual - como instrumento efetivo na comunicação e diálogo com diversas disciplinas. Assim, Dunn (2010) localiza o nascimento das maquetes conceituais enquanto uma ferramenta geradora e representativa de ideias conceituais no campo da Arquitetura. No entanto, o autor não aponta a importância da escala nesse processo, de maneira que a maquete 1 Aqui ele não está se referindo ao que, nesta pesquisa, está sendo consolidado como maquete conceito. conceitual de Dunn (2010) deixa de ter um compromisso com as proporções e relações estabelecidas a partir da escala – e é isso que diferencia a maquete conceitual da maquete conceito: "Uma característica concreta de este tipo de maquetes é que não se realizam necessariamente a escala, já que são representativas de impulsos criativos iniciais que não buscam comunicar relações espaciais reais." (DUNN, 2010, p.96) Sendo assim, quando há um desapego da escala - seja enquanto um instrumento no auxílio dos processos representativos, seja como uma relação de proporção (HAGIO, 2014) – apresenta-se o perigo de confusão entre o que, nesta pesquisa, se apresentam como maquetes e modelos. Isso se justifica na medida em que uma maquete é um modelo, mas nem todo modelo é, necessariamente, uma maquete. Para que o objeto criado esteja dentro desse subconjunto, é necessário que ele atenda a alguns requisitos: seja tridimensional, dotado de qualidades arquitetônicas e estabeleça relações de escala. À luz de tais requisitos, do ponto de vista desta pesquisa, o que Dunn (2010) defende enquanto maquete conceitual é, na verdade, um modelo conceitual tridimensional, porque esse não necessariamente é dotado de qualidades arquitetônicas, antes disso, "na criação de maquetes, a ideia subsequente a um desenho ou conceito criativo se apresenta 43 de uma forma totalmente abstrata como objeto tridimensional, muitas vezes como metáforas. Os materiais, formas e cores materializam as estruturas e criam composições. A maquete pode ser utilizada, por exemplo, para visualizar os resultados de análises de espaços urbanos no início do processo de desenho." (DUNN, 2010, p. 96). Dessa forma, o autor apresenta as características de um modelo tridimensional do modo como conceitua e distingue Rozestraten (2003). Entretanto, há de se considerar a contribuição de Dunn (2010) para a elaboração da maquete conceito. Isso porque, seguindo a metodologia do processo criativo arquitetônico apresentada por Neves (2012), é nos momentos iniciais – na primeira etapa – que são estabelecidas as relações multidisciplinares a partir da análise e coleta de dados, sejam esses diretamente relacionados à disciplina da Arquitetura, sejam cruzados com outras disciplinas. É nesse momento que o criador se dota de dados, de natureza conceitual e físico ambiental, necessários à posterior formulação da maquete. Quando se inicia a segunda etapa, a de síntese, coloca-se à prova possíveis soluções para as inquietações e questões apresentadas na primeira etapa. Parte-se do ponto no qual a maquete surge como um instrumento, evolui gradativamente para um conceito, para se consolidar como produto. Todavia, ao contrário do que Rocha (2007) defende, esse processo de consolidação não é um processo velado. Quando Corsalez (2014, p. 7-8) evoca as questões para a construção da maquete, são pontuados três itens: [a] a relação entre o tipo de Arquitetura que se pretende representar e a característica técnica da maquete, na qual estabelece uma relação decisória de correspondência entre a Arquitetura projetada e os materiais específicos; [b] a unidade entre as técnicas de projeto e a realização das obras projetadas, na qual traça uma dependência entre as técnicas usadas na elaboração do projeto e sua expressividade; e [c] a relação entre maquetes e usuários, na qual se faz relevante o papel comunicativo da maquete, ou seja, quem é o destinatário ou quem é o público-alvo. A grande questão para definição da maquete conceito está na relação entre maquetes e usuários. Como exposto anteriormente, a maioria dos autores, estudiosos e maquetistas apresentados estabelece, de forma direta, a quem se direciona os objetos. Por um lado, a maquete como instrumento, destinada ao solitário criador ou ao seu respectivo grupo que detém o saber sobre a linguagem arquitetônica; por outro, a maquete como produto, direcionada àquele cujo conhecimento arquitetônico só pode corresponder ao limitado repertório 44 incentivado pelas correspondências reais entre representante e representado. No primeiro caso, cortam-se as tiras de papéis e as dobram para que se construa um cômodo e sejam exploradas suas proporções para o projeto em andamento. No segundo caso, as paredes levantadas na maquete serão da mesma cor, forma e espessura da correspondência esperada na escala natural. Dessa forma, reduz-se a potencialidade da utilização da maquete no processo criativo, ao gesto de instrumentalização e ao gesto de apresentação, além de serem inibidas as ações poéticas sobre o espaço projetado. É também já perceptível a diminuição de maquetes físicas dentro dos processos criativos dos profissionais de Arquitetura pelo desuso e pouca fluência na maquetaria. A modelagem digital intensificou a produção de modelos virtuais, os quais se encaixam de forma mais fluida e menos onerosa ao profissional, dentro da lógica do mercado. Tal movimento estimula o aumento de maquetes, cujo objetivo é impactar e estimular a venda e satisfação do cliente. Outrossim, traz dois grandes apontamentos: a diminuição do repertório da prática tridimensional física pelos profissionais de Arquitetura e a diminuição do entendimento do projeto arquitetônico como um processo poético e técnico pelo público que aprecia ou encomenda um serviço de Arquitetura. É possível que a maquete conceito habite ambientes virtuais. Porém, ela só carece de espaço no processo criativo, visto que a modelagem digital busca a máxima fidelidade ao real para prototipar uma experiência. Ao trazer ao conhecimento público apenas a obra "finalizada", tira-se a possibilidade da criação de novos imaginários para o espaço, colaborando para uma crise de repertório artístico da população leiga. "Extraindo o objeto de seu contexto habitual e revelando-lhe uma faceta insólita, o artista destrói os clichês e as associações estereotipadas, impondo uma complexa percepção sensorial do universo. A deformação enquanto ato criativo torna sagaz a percepção e mais denso o universo que nos circunda." (FERRARA, 2009, p.34 apud HAGIO, 2014, p.42) Portanto, vale ressaltar que a consolidação e a estimulação da produção de maquetes conceito partem da premissa de desenvolvimento do repertório: tanto para o criador, que está em seu ateliê desenvolvendo suas ideias e intenções, quanto para o observador leigo, o qual é estimulado a criar relações entre o representado e o real. Nessa conjuntura, ela intersecciona as características investigativas da maquete instrumento ao propor experimentações tridimensionais com materiais físicos, cujas características expressivas se tornam essenciais à sintetização de ideias. 45 Além disso, absorve a potencialidade formal, enquanto objeto "acabado" e finalizado das maquetes produto, para serem expostas e apreciadas pelo público leigo. Assim, a maquete conceito habita um gradiente entre dois extremos: a maquete como instrumento e a maquete como produto. Isso porque parte de validações e (r)elaborações de inquietações, surgidas na primeira etapa do processo criativo, para consolidar as indagações a serem feitas ao público. Portanto, as maquetes (enquanto) conceito estimulam repertórios, tanto do profissional que se põe a explorar relações entre os materiais e as formas quanto do público, convidado a apreciar e estabelecer novas relações com o espaço representado. 46 3 a maquete conceito e seus parâmetros 3.1 a escala 3.2 a forma 3.3 a expressividade 47 O primeiro aspecto que se faz presente na construção da maquete é a relação entre o corpo do apreciador e o espaço representado no modelo arquitetônico. Ou seja, a distância entre o modelo e a realidade se constrói criando um certo distanciamento do corpo, haja vista que a escala da maquete não é a escala do corpo, isto é, ela não pode ser habitada. Logo, é óbvio dizer que a maquete é apreendida visualmente, contudo, a escala reduzida da maquete não impede que o seu espaço não possa ser percebido. Pelo contrário, o corpo que a aprecia está ali presente e estático, entretanto, os olhos que navegam por cada detalhe da maquete apresentada permitem que seu apreciador caminhe oniricamente por ela, de forma que toda sua bagagem reinterprete essa vivência e, assim, amplie as potências (antes) inimagináveis do espaço ali representado. Todavia, para que isso aconteça, o corpo necessita de um referencial, para o qual possa criar correspondências de dimensões e proporções. Dessa forma, entra a necessidade da existência da escala enquanto referencial na produção de maquetes, e, por consequência, da maquete conceito. Dentre as diversas definições para "escala", pode-se agrupá-las em duas categorias que serão pertinentes a esta pesquisa: a primeira diz respeito à definição de escala no seu âmbito mais instrumental, que pode ser tanto como uma representação gráfica, que estabelece uma relação entre as medidas de um referente (uma casa a ser construída, por exemplo) e um representante, (os desenhos técnicos com plantas, cortes, elevações, etc., por exemplo), quanto um instrumento de medição, como uma escala gráfica ou um escalímetro; e a segunda diz respeito à escala estar abstratamente relacionada com a concepção de obras. (HAGGIO, 2014, pp.14-17) A fim de caracterizar melhor o uso da "escala" tanto de forma instrumental quanto conceitual, é pertinente que se detalhe no que ambos os grupos convergem e em quais pontos divergem. A convergência entre a escala como um instrumento e a escala como um conceito se estabelece na escolha de um nível de informação que seja adequado ao nível de organização a ser estudado (LEPETIT, 2001, p.209). Em contrapartida, começam a se distanciar quando a primeira se propõe a compor um sistema de representação útil e funcional da informação que se deseja comunicar, e a outra coloca-se a estabelecer as relações diretas ou indiretas entre o objeto referente e o objeto representado, sendo, assim, capaz de ressignificar essas relações. 48 Figura 02 - Escalas gráficas do Google Maps na base das imagens abaixo. Fonte: Compilação do autor (2023).1 1 Montagem a partir de capturas de letas coletadas no aplicativo mobile do Google Maps. 49 Escala enquanto instrumento A partir do momento no qual se necessita comunicar as características de um projeto de Arquitetura, é necessário recorrer a um sistema de representação que satisfaça o caminho a ser percorrido, para que a informação desejada chegue ao destinatário. Em sua maioria, a representação projetual arquitetônica procura conceber as dimensões que compõem o objeto futuro. Para seu processo de concepção, há a necessidade de se comunicar com os diversos níveis de informações, pois os diferentes elementos que compõem a Arquitetura se organizam de variadas possibilidades que necessitam ser representadas para serem entendidas, como é possível ver na Figura 08 acima, na qual a escala estabelece uma mensurabilidade dos espaços reais. Nesse sentido, a pluralidade de informações legitima a escolha de específicas escalas para representação do projeto. A escala dentro desse sistema torna-se apreensível a partir do momento no qual se torna uma indicação gráfica: seja contendo um desenho que expresse a relação de proporcionalidade escolhida, seja pela indicação da proporção que corresponde, como a "escala 1:20" (lê-se escala um para vinte), em que um metro do representante equivaleria a 20 metros do seu referente real. "Cada sistema de representação baseia-se em uma linguagem específica composta por normas, instrumentos e parâmetros, os quais proporcionam que seu produto seja compreendido por indivíduos familiarizados com essa mesma linguagem. Um destes sistemas de representação é o desenho, o qual pode ser subdividido em campos menores, como desenho técnico, desenho artístico, desenho de observação, entre outros. A construção de modelos físicos, como maquetes e protótipos, também pode ser considerada um sistema de representação. Em ambos os sistemas, noções de medidas são exigidas e a escala torna- se um instrumento na elaboração de seus produtos." (HAGIO, 2014, p.17) Quando a escala serve de instrumento, passa a estabelecer relações de proporcionalidade, podendo ser maior (quando o representante é aumentado em relação ao referente), menor (quando o representante é reduzido em relação ao referente) ou igual (quando o representante tem dimensões iguais ao representado e se diz que o representante está na escala natural ou escala 1:1 - lê-se um para um). Independente da escala numérica utilizada, ela se faz necessária para ser dominada e aplicada enquanto um meio de viabilização da própria maquete, visto que trará as reais proporções entre o objeto referente e o objeto representante. A publicação Desplegar (2009), elaborada pelas arquitetas Christine Filshill e Francisca Muñoz, e pela designer gráfica Cristina Núñez, mostra um 50 Figura 03 - Capturas de tela do vídeo de montagem de uma das cartela do livro Desplegar. Fonte: Compilação do autor (2023).1 1 Vídeo disponível em https://vimeo.com/811010. Acesso em: 10 Ago. 2023. 51 conjunto de 24 maquetes destacáveis que representam edifícios notáveis da Arquitetura de uma forma tridimensional. Ao propor que o leitor destaque, dobre e encaixe o modelo com as próprias mãos para construir as maquetes propostas, fornece não somente uma experiência informativa, mas também lúdica, que leva em consideração tanto a forma do edifício representado quanto o contexto e materialidade representados graficamente. Ainda na mesma folha na qual se constrói a maquete, é possível verificar as informações da construção elaborada e a escala para que ela caiba em uma folha A4. Assim, o leitor (e ao mesmo tempo montador) é capaz de apreender a dimensão do que está construindo, sendo possível ver como a escala tem um caráter extremamente instrumental ao informar o tamanho do edifício representado. Logo, a escala como um instrumento estabelece uma importante relação de proporcionalidade entre um objeto referente e um objeto representante, ao carregar níveis de informações que viabilizam a existência do objeto representante. 1 Neste caso, quando a escala está sendo usada para se referir a algo objetivo, está se fazendo uso dela enquanto sinônimo de tamanho. É comum as pessoas utilizarem escala para se referir à dimensão das coisas, por exemplo, "larga-escala". Nesta pesquisa está sendo construído um conceito de escala de forma referencial que não se constrói de forma autônoma. A necessidade da relação entre um referente e um representante possibilita que o apreciador a crie novas interpretações do objeto referente a partir do objeto representante. Escala enquanto conceito Entendendo que escala está atrelada ao tamanho físico das coisas, é importante enfatizar que não se limita a uma razão absoluta1. Pelo contrário, a escala estabelece sua importância e significado quando está em relação a alguma coisa. Zumthor (2008) aponta para essa relação quando pontua um de seus aspectos: os níveis de intimidade que a Arquitetura é capaz de criar. "A escala é um sistema de codificação elaborado e complexo pelo qual as coisas, por seus tamanhos, podem imediatamente ser relacionadas a um todo, a umas às outras, a outras coisas com elas, e às pessoas. O resultado de todos esses cálculos pode ser um mensagem calma e clara, cuja hierarquia ordenada de coisas é revelada sem surpresas. A mensagem também pode conter algumas distorções óbvias. O mais interessante, talvez, é quando a mensagem parece coreografia de ambos, oferecendo uma ordem claramente perceptível em alguns termos, e um conjunto de surpresas e ambigüidades em outros. Então, a escala trabalha a serviço da atitude inclusivista que, em vez de apresentar ao observador respostas ("Isto é o que é"), inclui o observador instigando-o a fazer perguntas, ("O que é isto?"). A escala pode então ser um dispositivo que ajuda a alcançar uma qualidade que todos os bons edifícios possuem: estar em um 'como' algo (e ter um significado geral) ao mesmo tempo que é especial (e tendo um significado particular)." (MORRE, 1976, p.21 apud HAGIO, 2014, p.23, tradução nossa) 52 Figura 04 - Registros do trabalho de Tatsuya Tanaka. Fonte: Compilação do autor (2023).1 1 Registros disponíveis em https://miniature-calendar.com/. Acesso em: 20 Ago. 2023. 53 Dessa forma, a escala instiga o observador, levando-o a se perguntar o que é que está à sua frente, quais as relações que está buscando enfatizar. Isso dá vazão, então, para que o apreciador reinterprete o objeto referente a partir do objeto representante. Visto que tais correspondências podem não estar completas, na medida em que as sintetizações feitas pelo objeto representante não necessariamente corresponderem às matérias e formas a que faz alusões; cabe ao próprio apreciador preencher tais lacunas a partir de toda sua bagagem e repertório. Essa coreografia mencionada por Morre (1976, p.21) pode ser vista no trabalho do artista japonês Tatsuya Tanaka, no qual ele apresenta uma ordem claramente perceptível dos objetos apresentados, mas sutilmente recria surpresas ao criar correspondências com dioramas que apresentam cenas do cotidiano compostas por objetos em escala natural que simulam objetos em escala que compõem a cena proposta. Mostrando, assim interessantes e surpreendentes correspondências e, muitas vezes, até cômicas. Apesar das possibilidades de transgressão da escala, é necessário formalizá-la enquanto conceito, visto que, nesse caso, é estabelecida como uma relação. Portanto, com o fito de compreender as possíveis relações que se estabelecem ao utilizar escalas, Rebella (2010, pp.15-21) propõe seis tipos de escalas: - a escala intrínseca ou convencional, que é a relação que existe entre um objeto e seus semelhantes. Assim, os objetos podem ser percebidos como grandes ou pequenos em relação aos seus semelhantes; - a escala elementar, que informa como as coisas se vinculam umas às outras na relação entre suas partes e entre suas partes e o todo. A comparação de tamanho e proporção é estabelecida entre os elementos do próprio conjunto que configuram um todo; - a escala contextual, que é a relação estabelecida entre o objeto e o entorno no qual está inserido; - a escala do observador ou do usuário, que é possível ser dividida em duas relações: uma coletiva e outra individual. Na primeira, o tamanho do objeto é definido a partir do grupo; já na segunda, o tamanho é estabelecido em relação ao indivíduo; - a escala humana, na qual os objetos são percebidos de acordo com as dimensões humanas; - a escala pessoal, cuja relação parte de um observador específico com maior grau de subjetividade, passível de induzir valores não necessariamente compartilháveis. A partir da caracterização dessas relações de escala, quando a maquete 54 Figura 05 - Escultura vestível da série "Fundação"(2022) do artista Diego Rimaos. Fonte: Site do artista.1 1 Disponível em http://diegorimaos.com.br/pt/projeto/fundacao. Acesso em: 14 Maio 2023. 55 Figura 06 - Escultura vestível da série "Fundação"(2022) do artista Diego Rimaos. Fonte: Site do artista.1 1 Disponível em http://diegorimaos.com.br/pt/projeto/fundacao. Acesso em: 14 Maio 2023. 56 conceito é apresentada, pode-se apontar para o estabelecimento de diversas relações de escalas que acontecem mutuamente a fim de que toda a informação ali contida seja apreendida. Escala é diálogo com lacunas Esclarecidos os conceitos de escala, assim como a sua utilização como instrumento, fica explícito que aquela se propõe a estabelecer um diálogo com quem recebe a informação que comunica: é assim que se torna possível a "presença" do indivíduo que aprecia a maquete ou obra artística em escala. Contudo, a maquete conceito não estabelece evidentes correspondências no que diz respeito à sintetização da sua representação. Ao explorar a expressividade das diversas matérias informadas em elementos arquitetônicos, a maquete conceito abre precedentes para que, por meio da escala, o apreciador receba mensagens não consumadas, requerendo que ele complete tais lacunas a fim de que crie toda a sua experiência. Desse modo, a escala é uma relação que viabiliza a existência da maquete, ao ser um instrumento que cria as relações diretas ou ambíguas de proporção entre representante e referente. Ademais, permite a percepção dos aspectos espaciais ao transportar com maior facilidade o apreciador para o espaço ali representado, levando a explorar e buscar respostas às perguntas que, muitas vezes, a maquete conceito pode apresentar. É possível entender o diálogo, ou como Morre (1976, p.21) menciona, coreografia ao olhar as esculturas vestíveis da série "Fundação"(2022) de Diego Rimaos. O artista distorce a escala ao propor obras que redimensionam os tamanhos naturais dos elementos apresentados: ora o apreciador pode maximizar a dimensão do corpo para o tamanho real da cadeira, ora ele pode minimizar a cadeira para o tamanho real do corpo (tal qual é na realidade). Ao fazer isso, o artista estabelece relações sensíveis entre o corpo representado e o apreciador, que é convidado a estabelecer diversas representações de intimidade ao abrir a possibilidade de transportar quem aprecia a obra para os ambientes criados em suas obras. 57 3.1 a escala 3.2 a forma 3.3 a expressividade 3 a maquete conceito e seus parâmetros 58 Ao entender que as maquetes conceito estão no âmbito da produção de maquetes, depara-se com um tipo de raciocínio projetual específico, o qual leva em consideração dois aspectos, apontados por Corsalez (2014) como questões construtivas da maquete. Sendo assim, visto que cada objeto tridimensional arquitetônico criado em escala é um caso, os dois aspectos determinantes para essa produção são a forma e a matéria. Em seu ensaio sobre matéria e forma, Flusser (2017, pp. 20-30) apresenta tal dualidade e estabelece uma clara relação entre ambas enquanto conteúdo e contingente, respectivamente. "A ideia básica é esta: se vejo alguma coisa, uma mesa, por exemplo, o que vejo é a madeira em forma de mesa. É verdade que essa madeira é dura (eu tropeço nela), mas sei que perecerá (será queimada e decomposta em cinzas amorfas). Apesar disso, a forma 'mesa' é eterna, pois posso imaginá- la quando e onde eu estiver (posso colocá-la ante minha visada teórica). Por isso a forma "mesa" é real e o conteúdo "mesa" (a madeira) é apenas aparente. Isso mostra, na verdade, o que os carpinteiros fazem: pegam uma forma de mesa (a "ideia" de uma mesa) e a impõem em uma peça amorfa de madeira. Há uma fatalidade nesse ato: os carpinteiros não apenas informam a madeira (quando impõem a forma de mesa), mas também deformam a 1 "O conceito de espacialidade define uma qualidade natural, vinda da forma do espaço e da direcionalidade a ela inerente. A medida e o valor da espacialidade são naturalmente dados pelo corpo; pelo modo como ocorre a acomodação do(s) corpo(s) ao espaço. Portanto, o conceito de espacialidade se refere ao grau de encadeamento de dois elementos da Arquitetura; o espaço e o corpo ou ainda, detalhando, a forma do espaço e o deslocamento do(s) corpo(s). O conceito de espacialidade, portanto, abrange os conceitos de espaço (geometria) e movimento (topologia). Quanto à materialidade – o espaço como matéria espacial – a pesquisa da espacialidade se ocupa das características e propriedades do vazio, o espaço ideia de mesa (quando a distorcem na madeira). A fatalidade consiste também na impossibilidade de se fazer uma mesa ideal." (FLUSSER, 2017, pp. 23-24) Dessa forma, fica clara a relação entre contingente e conteúdo, e é possível fazer um paralelo com o desenvolvimento de maquetes conceito, já que, se um conceito é uma forma - um modelo, uma ideia - a elaboração de maquetes conceito é exatamente um ato de informar a matéria, a composição do modo a partir do qual as formas aparecerão. Nesse sentido, ao passo que a maquete sintetiza elementos arquitetônicos, é importante citar a construção dessas formas que, com o passar dos séculos, desenvolveram-se a ponto de operações, gestos projetuais, que envolviam a manipulação do espaço se consolidarem nesses elementos. O Arquiteto Francis Ching, em seu livro “Arquitetura: Forma, Espaço e Ordem” (2002), desenvolve a construção e ordenação do espaço a partir de formas geométricas. Assim, página a página, o autor mostra como essas formas, ao serem operadas e transportadas para o espaço, estabelecem seu ordenamento. Com isso, o autor sistematiza estratégias possíveis para criação de espacialidades1 59 ao mostrar e exemplificar como os impactos gerados por essas operações feitas no espaço, enquanto matéria, são percebidos pelos corpos de quem os vivencia. Esse tipo de abordagem toma um partido projetual em que não define as formas geométricas enquanto formas arquitetônicas. Isso porque não há a sua apresentação enquanto uma ideia a ser informada e passível de ser reproduzida. Pelo contrário, o autor aporta de um ponto de vista projetual buscando exemplificar como são possíveis de serem construídas certas espacialidades: a exemplificação de um quadrado enquanto um plano horizontal que pode ser um piso elevado ou pode ser uma cobertura, o que determina sua função arquitetônica é um gesto estritamente ligado à intenção criadora e à demanda contextual. Sendo assim, por meio da junção intencional do repertório construído pelas operações possíveis feitas com essas formas geométricas, cria-se as espacialidades na Arquitetura enquanto uma disciplina que ordena o espaço em detrimento do programa, da habitabilidade, do uso, da estrutura, do conforto etc. Em contrapartida, na Bienal de Veneza de 2014, Rem Koolhaas exibiu uma pesquisa de dois anos de seu estúdio deixado livre entre os objetos, a forma desse vazio, seu modo de arranjo tanto na escala do interior dos edifícios quanto na escala dos interiores urbanos. O estudo da espacialidade focaliza o fundo ao invés da figura. " (AGUIAR, p. 75, 2006) junto à Escola de Design de Havard, intitulada "Elementos da Arquitetura", a qual foi documentada em uma coleção de livros. "Elementos da Arquitetura" olha minuciosamente os elementos arquitetônicos que formam os edifícios usados por qualquer arquiteto: o teto, o telhado, a porta, a janela, a fachada, a varanda, o corredor, a lareira, o banheiro, a escada, a escada rolante, o elevador, e a rampa. Assim, Koolhaas (2014) examina as micronarrativas encontradas no decorrer da história e nas diversas apropriações e tratamento desses elementos. Isso significa que Koolhaas (2014) parte de um estudo histórico e social das espacialidades criadas pela humanidade e as relaciona com formas arquitetônicas consolidadas com o passar dos séculos. Dos elementos arquitetônicos por ele apresentados, esta pesquisa aborda cinco dessas formas que são relevantes para a elaboração de maquetes. São elas: o piso, a parede, a porta, a janela, e o telhado. Para tanto, cabe uma rápida abordagem de tais formas arquitetônicas para entendimento da consolidação social e histórica enquanto formadores de espacialidades. Piso "O piso é uma tecnologia personalizável para negociação entre a gravidade e o 60 corpo ereto." (KOOLHAAS, 2014, p.10) O piso é um elemento bidimensional, que possui uma medida em área. Quando o piso passa a ser volume, ele é irregular, é primitivo, é natural. É uma topografia intocável e irregular, que está constantemente exposta a intempéries e, pouco a pouco, vai se modificando. Já a ação do homem implica uma certa estabilidade e solidez a esse elemento, a fim de diminuir a difícil negociação entre a gravidade e a locomoção do corpo ereto. A retificação do piso nos seus primórdios desenvolvia a socialização e a culturalização de um determinado grupo. O chão batido dos tempos Neolíticos eram os espaços de reunião, celebração, ritualização e adoração. Na Antiguidade Clássica, tornou-se o lugar de debates, as ágoras. O piso é lugar de inclusão, mas também de exclusão e territorialização. No decorrer da história, recebe adornos e tecnologias mágicas que ligam os representantes divinos aos seus deuses - o piso se torna manifestação de poder. Um puro reflexo dos ambientes imaginados para seus deuses que, de algum piso, firmemente observam as desventuras de seus mortais. Os deuses gregos sobre um piso de outro. O Deus cristão sobre o firmamento do céu - um piso semitransparente - adornado com joias. (KOOLHAAS, 2014, p.20) Da mesma forma, os humanos traçam seus pequenos territórios: o devoto islâmico que estende seu tapete de oração em direção à Meca traça seu espaço sagrado de adoração; a celebridade que desfila no tapete vermelho tem seu momento de glória; genkan na cultura japonesa que anuncia a aproximação. E, assim, são construídas plataformas que separam o profano do sagrado, o governante do governado, o limpo do sujo. O piso dá instruções aos corpos que negociam com ele, e tais instruções não necessariamente são traduzidas em uma língua. O piso induz o corpo que sobre ele divaga, estimulando ou permitindo um espectro de comportamentos: tipos de pavimentos estrategicamente combinados a fim de delimitar o que é passagem e o que é estadia, por exemplo. Tal poder dessa forma arquitetônica é subexplorado. Na artificialidade do homem moderno, esse elemento só assume uma volumetria quando empilhado. É por meio de seu empilhamento, associado ao desenvolvimento de tecnologias de compactação e engenharia estrutural, que o homem foi capaz de construir arranha- céus e construir cidades que vivem nas alturas, carregando toda a carga estática e dinâmica que incide sobre ele. Contudo, ainda o piso é o lugar de extremos. É nele que o corpo cansado e não mais capaz de resistir à gravidade 61 sucumbe. Um corpo jogado ao chão é sempre inquietante e chocante para a cultura ocidental. Em contrapartida, o som que é produzido pelo embate dos pés contra o piso é desafiador e alarmante; é resistência e sedução. Um sapato com salto que intimida com seu som político, sexual e autoritário; o flamenco cria uma música tensa e sexual usando o piso como instrumento; e o craquelar inesperado do piso que denota movimento; esses são exemplos do corpo que se impõe em sua negociação buscando estabelecer suas próprias regras e manifestar sua relação com o contexto social e físico que habita. Além disso, o piso evolui cada vez mais tecnicamente: do chão batido das ágoras até as tecnologias capazes de detectarem o bem-estar de seus ocupantes, é um software em constante desenvolvimento com, ou sem, elementos tecnológicos. É uma superfície para as práticas espaciais se desenrolarem. Uma superfície cheia de informação que não é declarada, mas informada. Uma vez que o piso não somente se manifesta como um objeto a ser admirado por sua geometria, contorno ou perfil, mas também apresenta a sua maior sofisticação ao ser plano. (KOOLHAAS, 2014, p.10) Dessa maneira o piso funciona como um algoritmo que passa suas instruções à “máquina” humana - o corpo humano. Enquanto um plano horizontal, a ser moldado e operado nas mais diversas possibilidades, ele cria espacialidades que reverberam nos mais diversos tipos de comportamento social. E, enquanto forma arquitetônica, ele dialogará projetualmente com os outros elementos a fim de compor intenções projetuais que contextualizam e, literalmente, formam a base de toda a maquete, visto que, assim como o corpo humano, ela negocia com a gravidade também. Parede “O significado da parede é tão diverso quanto os usos da superfície vertical podem ser, mas existem pelo menos duas funções essenciais: fornecer estrutura e dividir espaços.” (KOOLHAAS, 2014, p. 195) Ao longo da história, é possível ver esse elemento arquitetônico se desenvolver em compasso com a organização social, econômica e política da humanidade. Preliminarmente, ao dividir os espaços e segmentá-lo, são criados níveis de intimidade. Quando a parede passa a ser constituída de elementos pesados e estruturais, é perceptível a transição de uma sociedade que deixa de ser nômade e passa a ser sedentária. Assim, para a segmentação espacial, as paredes passam do uso de tecido para a construção de paredes de barro, pedras, madeira e, mais futuramente com o incremento das tecnologias de produção, tijolos, drywall, e até mesmo impressão tridimensional com cimento e braços robóticos. 62 Tal aspecto evidencia as passagens dos modelos econômicos da humanidade e estabelece também a suas relações humanas criando níveis de intimidade. Portanto, além de seu papel estrutural tradicional, as paredes podem assumir diversas funções e se adaptar às necessidades espaciais em constante evolução. "A crescente complexidade dos sistemas de parede reflete a crescente complexidade da sociedade, como no conjunto de planos na página oposta." (KOOLHAAS, 2014, p.232) Nesse contexto, é possível que as paredes não somente criem limites físicos, mas simbólicos. Isso ilustra como as paredes são divisórias e também instrumentos para criar espaços independentes e únicos. No entanto, não é só sua personalização que apresenta essa unicidade, enquanto um elemento de enclausuramento e de compartimentação, as paredes asseguram maior segurança tanto pela sua característica estrutural, quanto pelos graus de resistência térmica e sonora. Na História, é possível ver que o Grande Incêndio de Roma levou à criação da primeira lei que proibia paredes comuns e determinava que cada edifício deveria ser contido por suas próprias paredes. Portanto, enquanto forma arquitetônica derivado de um plano vertical que compartimenta os espaços, é possível entender que, ao ser sintetizada para um objeto em escala, para a maquete, a parede não só confere tais segmentações, mas criam níveis de intimidade que vão do público ao mais íntimo do privado. É essa tensão que é manifestada na composição de uma maquete. Telhado A primeira tentativa foi a simples montagem de alguns mastros unidos com galhos e cobertos de lama... Outros construíram suas paredes com pedaços secos de turfa, conectaram essas paredes com vigas dispostas horizontalmente e cobriram as estruturas com canas e galhos, com o objetivo de se abrigar das inclemências das estações." (KOOLHAAS, 2014, p.404) Ao longo da história, arquitetos representaram a cabana primitiva como inspiração para a Arquitetura contemporânea. Essa tradição de especulação sobre as origens da Arquitetura é usada para justificar a Arquitetura do presente e criar um repertório básico de cabanas primitivas em todo o mundo. E, como o primeiro objetivo dessas cabanas, a proteção contra as intempéries sempre são fundamentais para quando se pensa na construção de uma cobertura. Ao tentar recriar a cabana primitiva, enquanto um conceito de proteção, vê- 63 se a humanidade produzindo diversos tipos de coberturas cuja materialidade e tecnologia evocam as condições sociais e ambientais nas quais se estabelece uma determinada cobertura. Isso porque a relação entre o sistema de construção de telhados e a sociedade sugere que, quanto mais alto o status social de um determinado grupo, mais complexos são os componentes do sistema de construção de telhados. É importante evidenciar que há uma alternância de percepção das formas geométricas que são utilizadas para construir coberturas: nas construções funcionais do dia a dia, como uma residência unifamiliar, é possível ver uma simplicidade em sua composição ao utilizar telhados com águas ou uma simples laje reta, de modo a denotar uma simplicidade e universalidade de construção; em contrapartida, edifícios que abrigam atividades da esfera pública como estações de transporte, museus etc., vê-se testarem os limites das capacidades construtivas, buscando, assim, geometrias não convencionais para se estabelecerem como marco. Também é possível observar a peculiaridade da utilização de coberturas em forma de cúpulas em edifícios onde residem poderes políticos ou religiosos enfatizando o símbolo de poder, fé, luto, anunciação, celebração, e o divino. A relação de telhados é estabelecida com as tecnologias disponíveis no contexto em que o edifício é construído. Logo, a sua representação arquitetônica parece meramente se destinar a cobrir, ou não, um espaço, ou completar o compartimento de um espaço. Todavia, na maquete conceito, essa mesma cobertura pode assumir um protagonismo ao fechar o raciocínio básico de compartimentar, ou não, um espaço: por um lado, a presença do telhado continua a perpetuar uma lógica de proteção, de sedentarização e de desenvolvimento tecnológico da humanidade; por outro lado, a sua ausência expõe o corpo às intempéries que a humanidade tanto lutou para se proteger ao desenvolver tecnologias mais complexas de estruturação, embora abre para a interlocução do corpo de volta com a natureza. O telhado é uma forma paradoxal, visto que evoca o desejo humano de se proteger das intempéries do mundo. Além disso, evoca a beleza que o humano vê no primitivo, na vernacular, que remetem ao reconhecimento do mundo que tenta tanto se proteger. Logo, qualquer que seja a geometria implicada a esse elemento arquitetônico, a forma do telhado mostra possibilidades de resistências: à amplitude do mundo e à compartimentação do espaço. A sua presença ou ausência podem deixar clara a intenção de quem o desenha. Porta 64 As portas não são apenas elementos funcionais, mas símbolos culturais e sociais que desempenham um papel crucial na definição dos espaços construídos. A variedade de portas ao redor do mundo evidencia como diferentes culturas e regiões influenciaram o design e a função das portas, exercendo diferentes papéis e se adaptando a diversas necessidades. Além da tecnologia por trás das portas, tal qual os sistemas de fechamento, como trancas e fechaduras, e a evolução desses componentes ao longo do tempo para garantir segurança e praticidade, há uma diversidade de materiais usados na construção de portas, desde madeira e metal até materiais mais contemporâneos, que afetam a estética e a durabilidade das portas. Entretanto, há uma relação mais importante para esta pesquisa que diz respeito aos espaços que elas conectam. Ao se configurarem como aberturas entre espaços, criam transições suaves ou marcantes entre ambientes, de forma a influenciar a experiência dos ocupantes e a circulação dentro de um edifício. Assim, as portas representam conceitos como privacidade, fronteiras, oportunidades e barreiras, que, costumeiramente, também são utilizadas de maneira metafórica e em expressões culturais para transmitir significados mais profundos. Janela Assim como as portas, as janelas se configuram como aberturas. Todavia, a sua peculiaridade é que fazem apenas delimitações entre interior e exterior, moldando tal marcada pela entrada de luz e ar, e impactando significativamente na estética e na experiência dos espaços. As janelas passaram por uma evolução histórica que refletem as mudanças nas necessidades e na estética da Arquitetura: desde as janelas pequenas e fortificadas da Idade Média até as grandes janelas de vidro da era moderna. A grande revolução tecnológica da janela se deu com a transição do uso de materiais tradicionais, como madeira, para o vidro, algo que revolucionou a Arquitetura ao permitir a entrada de luz natural de maneira controlada. Assim, as janelas se estabeleceram como mediadoras entre o ambiente interno e externo ao regularem as condições térmicas do ambiente. Nesse sentido, ao se introduzir aberturas em maquetes, é possível identificar quais são as relações criadas entre o interior e o exterior da Arquitetura. As tensões que elas revelam devem ser questionamentos levantados pelos apreciadores. 65 3.1 a escala 3.2 a forma 3.3 a expressividade 3 a maquete conceito e seus parâmetros 66 Quando se fala em maquete, até este ponto, é sabido que são modelos tridimensionais arquitetônicos em escala e, por constituírem uma referência clara à disciplina da Arquitetura, é coerente afirmar que as formas que as maquetes apresentam estão diretamente relacionadas aos elementos (formas) arquitetônicos que usamos na Arquitetura: paredes, pisos, tetos, telhados, janelas, portas etc. A maquete, sendo um conjunto de formas arquitetônicas, tenciona representar a composição de tais elementos com a utilização de diversos materiais, com a intenção de tangibilizar o ideal ou, propositalmente1, transgredi-lo. Tal transgressão é incentivada na maquete conceito, visto que esta informa ideias, teorias e fórmulas sem visar a um sucesso efetivo, mas apenas pela investigação do ato. Segundo Corsalez (2014, p.5), a importância da forma recai sobre a escolha do tipo de representação que se pretende realizar, já que a redução em escala pressupõe uma síntese dos elementos arquitetônicos. Tal escolha estabelece uma hierarquia na leitura do objeto, baseada nas características compositivas e distributivas da própria intenção criativa. Contudo, tal intenção 1 Vale a pena ressaltar o uso da palavra propositalmente, visto que, segundo Flusser (2010), enquanto o carpinteiro informa a madeira, eles também deformam a ideia de mesa, como parte do gesto de informar uma matéria e materializar uma forma. Contudo, tendo em vista a liberdade do processo criativo, pode sim, durante a criação e confecção da maquete, haver uma clara intenção de transgressão dessa forma. não se consolida sem nenhuma regra, antes disso, há uma sintaxe visual existente, a qual permite que, por meio da visualização de uma maquete, seja entendida sua composição e, assim, recebida uma mensagem. (DONDIS, 2007). "Maquete é uma massa, um peso, um contorno, uma realidade, a terceira dimensão de um 'continuum' de espaço. Uma forma que cria tendência e harmonia e que precisa ser solidamente unida ou apoiada. Sua massa é feita de formas geométricas variadas que tem um significado intrínseco." (LANDI, 2002, p.13) Desse modo, quando se menciona que o tipo em questão é a maquete conceito, estabelece-se um diálogo constante entre matéria e forma. É na “massa” resultante desse diálogo que o criador imprime um significado intrínseco à sua própria criação. Ou seja, a matéria informada intenciona tangibilizar ou transgredir o ideal da forma arquitetônica que busca representar, estimulando múltiplas interpretações que podem, ou não, corresponder ao que o criador intencionava expressar. Apesar desta pesquisa não buscar estabelecer métricas quanto à mensagem elaborada pelo criador ser, ou não, a mesma recebida pelo apreciador, vale 67 Figura 07 - Foto da maquete de papel do museu elaborada por Paulo Mendes da Rocha. Fonte: Artigo do website vitruvius.1 1 Disponível em https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.079/3067. Acesso em: 05 Maio 2023. 68 ressaltar que o criador experiente consegue manipular o diálogo entre forma e material com tamanha precisão, capaz de comunicar suas reais intenções, sejam elas de tangibilizar as ideias e conceitos, sejam de transgredi-los. Apesar de Rocha (2007) isolar os seus estudos e experimentos arquitetônicos tridimensionais em escala ao seu ateliê, é possível analisar suas produções do ponto de vista conceitual, no qual manipula a matéria de papel para testar suas composições arquitetônicas. Verifica-se a intenção de uma rápida visualização dos edifícios que pretende criar enquanto Arquitetura, utilizando- se de pouca expressividade, visto que o papel manipulado fornece uma prévia apreensão de sua obra. Apesar do ponto de vista instrumental, o papel cumpre sua função enquanto matéria de rápida prototipação do espaço, conforme a imagem abaixo de uma composição sua, apresentada para o estudo da Praças dos Museus, para a Universidade de São Paulo (em construção, atualmente). Do ponto de vista expressivo, obviamente, é possível ver pouco diálogo entre a matéria e a forma. Nesse exemplo da maquete usada enquanto instrumento, os recursos expressivos da matéria servem apenas para materializar as formas edilícias que o arquiteto aspirou a criar, trazendo pouca discussão a respeito de possíveis interlocuções entre a matéria e o conceito. No entanto, tendo como ponto de partida as maquetes de papel desenvolvidas e apresentadas por Rocha (2007), é preciso pontuar o que esta pesquisa propõe enquanto expressividade, trazendo, assim, parâmetros para que essa análise seja concluída e transposta também para outras obras. Para o entendimento dos aspectos e fatores que qualificam tal expressividade, recorre-se aos teóricos da Arquitetura para especificar quais serão considerados para a criação de uma maquete, enquanto uma representação tridimensional arquitetônica em escala expressiva e bem composta. "Arquitetura de qualidade é quando um edifício é capaz de me mover. O que na Terra me move? Como eu posso trazer estes aspectos para meu próprio trabalho? Como eu consigo desenhar um espaço [...], uma construção que eu apenas ame olhar? Como as pessoas desenham coisas com tal beleza, tal presença natural, coisas que me movem a todo tempo?" (ZUMTHOR, 2006, p. 11) Para tanto, o arquiteto suíço, Peter Zumthor, em seu livro “Atmosferas” (2006), debruça-se sobre a ótica do observador e, a partir de sua bagagem como arquiteto, elenca uma série de aspectos subjetivos que, segundo ele, criam uma boa Arquitetura - esse conjunto de elementos é descrito por ele como os criadores de "atmosferas" no espaço 69 real, nome dado ao livro, também citado acima com mesmo título, que foi baseado em uma palestra dada em 1 de junho de 2003. Abaixo é possível ver os aspectos e fatores citados por ele: 1. o corpo da Arquitetura, que defende ser a presença da Arquitetura como algo material, o qual tem massa e ocupa um espaço, delimitando e criando sutilezas como o corpo humano. Dessa forma, a Arquitetura, ao ser composta por diferentes materiais que criam um corpo, torna-se uma anatomia do espaço construído (ZUMTHOR, 2008, pp. 22-23); 2. a compatibilidade dos materiais, pois Zumthor (2008, pp. 23-29) assume que os materiais reagem não só estrutural e quimicamente, mas também esteticamente quando colocados juntos. Considerando que há uma infinidade de materiais disponíveis, quando diferentes conteúdos são colocados em diferentes contingentes, há uma reação entre eles, a qual reverbera na percepção do todo da composição; 3. o som do espaço que, muitas vezes, é esquecido. Além de os espaços terem sons, (Zumthor, 2008, pp. 28-30) provoca os leitores a recordarem os sons que, carinhosamente, habitam suas memórias, enfatizando a capacidade evocadora dos sons do espaço, visto que são capazes não somente