1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Campus de Ilha Solteira ALAN HENRIQUE VICENTINI CARACTERIZAÇÃO DE UM NOVO AGLOMERANTE ORIGINADO DA COMBUSTÃO DA MISTURA DE ARGILA E BIOMASSA Ilha Solteira 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Campus de Ilha Solteira PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL ALAN HENRIQUE VICENTINI CARACTERIZAÇÃO DE UM NOVO AGLOMERANTE ORIGINADO DA COMBUSTÃO DA MISTURA DE ARGILA E BIOMASSA Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia – UNESP – Campus de Ilha Solteira, para obtenção do título de Mestre em Engenharia Civil. Área do Conhecimento: Estruturas Orientador: Prof. Dr. Jorge Luís Akasaki Ilha Solteira 2018 Este trabalho é dedicado à minha esposa Samara, aos meus pais Moacir e Claudete e aos meus irmãos Rafael e Suelen. Isto é por vocês. AGRADECIMENTOS Agradeço a cada ar que respiro ao Meu Senhor Jesus Cristo, que me permitiu chegar até aqui e que me iluminou em cada passo que dei no escuro, em várias etapas da minha vida. Acima de tudo, sou grato de forma inexplicável às conquistas grandiosas que Ele tem me ensinado a atingir. À minha esposa Samara Nunes Campos, pela confiança e por compreender a necessidade das noites em que precisou dormir sozinha durante a elaboração deste trabalho. Aos meus pais, Moacir e Claudete, que enxergaram em mim o homem no qual nunca imaginei que me tornaria e me ajudaram na formação do caráter que tenho, o qual desejo passar aos meus filhos. Aos meus irmãos, Rafael e Suelen, pelo incentivo ao longo das batalhas que venho enfrentando na minha formação pessoal e profissional e aos meus sobrinhos, Igor e Maria Eduarda, que me mostraram o melhor lado que a vida pode ter. Aos meus cunhados Bárbara e Márcio, pelas palavras de amizade e companheirismo ao longo destes anos. Ao meu orientador, Prof. Dr. Jorge Luís Akasaki, que me enxergou como o profissional que quis me tornar e estendeu sua confiança e compreensão ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Aos Prof. Dr. Mauro Mitsuuchi Tashima e Prof. Dr. Jordi Payá Bernabeu, pelos ensinamentos compartilhados durante o desenvolvimento deste trabalho. Ao Prof. Dr. José Luiz Pinheiro Melges, pelo auxílio dos trabalhos laboratoriais e trabalhos de campo. Aos amigos do Grupo MAC, especialmente Adriana, Danilo, João Cláudio, João Victor e Maria Júlia. Aos técnicos do Laboratório Central de Engenharia Civil, especialmente Flávio, Gilson, Mário e Osias, pelo acolhimento e companheirismo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio financeiro durante o desenvolvimento do trabalho. Ao Instituto de Ciência e Tecnologia do Concreto, da Universidade Politécnica de Valência, onde foram realizados diversos procedimentos experimentais para obtenção de resultados. Uma alma sob tensão que está aprendendo a voar, Condições mínimas, mas determinado a tentar. Não consigo tirar meus olhos dos céus circulantes. Mudo e confuso, só um desajustado preso à Terra, Eu. 7 RESUMO A indústria cimenteira tem passado por pressões cada vez mais constantes, referentes aos impactos ambientais causados pela emissão de gases na produção de cimento Portland e, atualmente, pela crise econômica que o setor da construção civil vem passando. Estes acontecimentos têm levado pesquisadores a investigarem novas formas de se obter aglomerantes alternativos, de maneira mais sustentável e econômica. Aliada a este problema, está a geração de resíduos de biomassa provenientes da atividade agroindustrial. Uma das alternativas criadas para a redução da emissão de CO2 e do consumo de cimento Portland é a produção de novos aglomerantes à base de argilas calcinadas. Além de reduzir significativamente o teor de cimento em matrizes cimentantes, a utilização destes aglomerantes proporciona economia de energia e menor temperatura de queima, liberando menos CO2 que o cimento durante sua produção. Assim, o objetivo desta pesquisa foi produzir e caracterizar um novo aglomerante formado pela mistura da cinza do bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada, denominada de CBA. A proporções entre bagaço, argila e água foram de 1,000:0,150:0,125, em massa, respectivamente. Após a calcinação, a cinza passou por processo de peneiramento e moagem. O estudo foi divido em três principais etapas: produção e caracterização da CBA; estudo da reatividade da CBA em pastas e; análise do comportamento mecânico de argamassas produzidas com substituição parcial de cimento por CBA. Inicialmente, a cinza passou por ensaios de caracterização físico-química, sendo realizados os ensaios de difração de raios-X, termogravimetria, microscopia eletrônica de varredura, espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier, fluorescência de raios-X e granulometria a laser. A segunda etapa consistiu em avaliar a ação da cinza em pastas de cal e de cimento, através dos ensaios de espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier, microscopia eletrônica de varredura e termogravimetria. A última etapa baseou-se em avaliar a consistência e o comportamento mecânico de resistência à compressão de argamassas produzidas com substituição de cimento por CBA nos teores de 10%, 20%, 30% 40% e 50%. Foi possível substituir cimento por CBA em até 50% em massa, mostrando que o material possui grande potencial de ser utilizado na produção de aglomerantes, além de ser energeticamente viável, devido à geração de calor durante sua produção. Palavras-chave: Cinza do bagaço da cana-de-açúcar. Argila calcinada. Pozolana. Propriedades químicas. Propriedades mecânicas. 8 ABSTRACT Cement industry has been suffering pressure increasing, related to environments impacts due gas emission promoted by Portland cement production and, furthermore, due the currently crisis in civil construction sector that has been passing through. These events have lad researchers to investigate new forms of obtaining alternative binders more sustainable and economic. Allied to this problem, there is to biomass residues generation from agro-industry activity. One of the alternatives created to reduce the CO2 emissions and Portland cement consumption is the manufacturing of new binders based on thermally calcined clay. Besides it to reduce significantly cement content in cementitious matrix, these binders provides energy saving and lower calcination temperature, realizing less CO2 than Portland cement related to its production. Thus, the main of this objective of this study was to produce and characterize a new binder, composed by sugar-cane bagasse ash and calcined clay (SCA). The content of sugarcane bagasse, clay and water in mixture was 1/0.15/0.125, by mass, respectively. After calcination procedure, SCA passed through sieving and mill process. The study was separated in three stages: characterization of SCA; SCA reactivity study in pastes and; mechanical behavior analysis in cement mortars produced with partial cement replacement by SCA. Initially, SCA was characterized by physicochemical tests, being X-ray diffraction, thermogravimetric analysis, scanning electron microscope, Fourier transform infrared spectroscopy analysis, X-ray fluorescence spectroscopy and laser granulometry analysis. The second stage consisted of to evaluate SCA behavior in lime/SCA pastes and Portland cement/SCA pastes systems, through Fourier transform infrared spectroscopy, scanning electron microscope and thermogravimetric analysis. The third and last stage consisted of to evaluate the plastic consistence and mechanical behavior by compressive strength in mortars produced with partial cement replacement by SCA in 10%, 20%, 30%, 40% and 50% contents, by mass. It was possible replace cement by SCA in up to 50% content, showing that this material has potential to be widely utilized in production of binders, besides being energetically viable, due to the heat generation during SCA production. Keywords: Sugarcane Bagasse ash. Calcined clay. Pozzolan. Chemical properties. Mechanical properties. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Microscopia eletrônica de varredura da microestrutura de uma argamassa de cimento ................................................................................................................................ 22 Figura 2 – Distribuição granulométrica do metacaulim e do cimento Portland ..................... 25 Figura 3 – Formação de CSH em pastas de cal/pozolana observadas em MEV .................... 27 Figura 4 – Imagem de MEV de uma amostra de CBC ......................................................... 29 Figura 5 – Microscopia eletrônica de varredura da CBC moída por 50 minutos ................... 31 Figura 6 – Jazida natural de argila ....................................................................................... 33 Figura 7 – Microscopia eletrônica de varredura das argilas cauliníticas A1 (a) e A2 (b). ...... 35 Figura 8 – Microscopia eletrônica de varredura da argila caulinítica bruta (a), calcinada por 3 horas (b) e calcinada por 4 horas (c) ..................................................................................... 37 Figura 9 – Processo de produção da cinza de folha de cana-de-açúcar e argila calcinada ..... 40 Figura 10 – Curva granulométrica do agregado miúdo ........................................................ 45 Figura 11 – Organograma da metodologia aplicada na pesquisa .......................................... 50 Figura 12 – Materiais utilizados: blocos de argila (a) e bagaço de cana-de-açúcar (b) .......... 51 Figura 13 – BSC confeccionados (a) e em processo de secagem a céu aberto (b) ................. 52 Figura 14 – Colocação do BSC no forno ............................................................................. 52 Figura 15 – Curva da temperatura ao longo do tempo de calcinação do BSC ....................... 53 Figura 16 – Procedimento de moldagem das argamassas em fôrmas de aço na mesa vibratória ............................................................................................................................................ 58 Figura 17 – Processo de cura submersa em água das argamassas para ensaio de resistência mecânica .............................................................................................................................. 58 Figura 18 – Mesa utilizada no ensaio de Índice de Consistência (a) e ensaio realizado (b) ... 59 Figura 19 – Argamassas após tempo de cura (a) e execução do ensaio de ruptura (b) ........... 60 Figura 20 – Curva e porcentagem volumétrica da distribuição granulométrica da CBA ....... 65 Figura 21 – Curva e porcentagem volumétrica da distribuição granulométrica do metacaulim ............................................................................................................................................ 65 Figura 22 – Imagens de MEV para a CBA sem moer (a), CBA após 50 minutos de moagem (b) e Metacaulim (c e d) ....................................................................................................... 67 Figura 23 – Difratograma de raios-X da amostra de CBA .................................................... 68 Figura 24 – FTIR da CBA e do metacaulim ......................................................................... 69 Figura 25 – Curvas TG e DTG da argila bruta ..................................................................... 70 Figura 26 – Curvas TG e DTG da CBA ............................................................................... 71 10 Figura 27 – FTIR das pastas de cimento e CBA .................................................................. 72 Figura 28 – FTIR das pastas de cimento e metacaulim ........................................................ 73 Figura 29 – Curvas DTG das pastas de cimento e CBA ....................................................... 74 Figura 30 – Curvas TG das pastas de cimento e CBA .......................................................... 75 Figura 31 – Curvas DTG das pastas de cimento e metacaulim ............................................. 80 Figura 32 – Curvas TG das pastas de cimento e metacaulim ................................................ 81 Figura 33 – Microscopia eletrônica de varredura em pastas: 10%CBA aos 7 dias (a) e aos 28 dias (b), 30%CBA aos 7 dias (c) e aos 28 dias (d), 50%CBA aos 7 dias (e) e aos 28 dias (f) . 82 Figura 34 – Microscopia eletrônica de varredura em pastas: 30%MK aos 7 dias (a) e aos 28 dias (b) ................................................................................................................................. 83 Figura 35 – FTIR das pastas de cal e CBA .......................................................................... 84 Figura 36 – FTIR da pasta de cal e metacaulim ................................................................... 85 Figura 37 – Curvas DTG da pasta 50%CH/CBA ................................................................. 86 Figura 38 – Curvas TG da pasta 50%CH/CBA .................................................................... 87 Figura 39 – Curvas DTG da pasta 50%CH/MK ................................................................... 89 Figura 40 – Curvas TG da pasta 50%CH/MK...................................................................... 89 Figura 41 – Microscopia eletrônica de varredura em pastas: 50%CH/CBA aos 7 dias (a) e aos 28 dias (b) e 50%CH/MK aos 7 dias (c) e 28 dias (d) ........................................................... 91 Figura 42 – Diâmetro médio das argamassas com CBA no ensaio de índice de consistência 93 Figura 43 – Diâmetro médio das argamassas com MK no ensaio de índice de consistência . 94 Figura 44 – Comparação dos diâmetros de espalhamento entre as argamassas com CBA e MK ...................................................................................................................................... 94 Figura 45 – Resistência à compressão das argamassas de cimento e CBA ........................... 96 Figura 46 – Resistência à compressão em função do teor de CBA ....................................... 98 Figura 47 – Resistência à compressão das argamassas de cimento e MK ........................... 100 Figura 48 – Resistência à compressão das argamassas: comparação entre CBA e MK ....... 101 Figura 49 – Índice de atividade resistente das argamassas de cimento e CBA .................... 102 Figura 50 – Índice de atividade resistente: comparação entre argamassas CBA e MK ........ 103 Figura 51 – Ganho de Resistência das argamassas com CBA ............................................ 105 Figura 52 – Ganho de Resistência das argamassas com MK .............................................. 106 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Composição química (em %) do cimento CPV – ARI Plus ................................. 43 Tabela 2 – Composição química (em %) do metacaulim ...................................................... 44 Tabela 3 – Dosagem das argamassas de cimento e CBA ...................................................... 57 Tabela 4 – Processo de mistura das argamassas de cimento e CBA ...................................... 57 Tabela 5 – Dosagem das argamassas de cimento e CBA segundo a NBR 5752 .................... 60 Tabela 6 – Dosagem das argamassas de cimento e MK ........................................................ 62 Tabela 7 – Composição química e Perda ao Fogo (em %) da argila bruta, da CBA e do metacaulim .......................................................................................................................... 63 Tabela 8 – Parametrização dos diâmetros (valores em µm) .................................................. 66 Tabela 9 – Perda total de massa, perda de água devido à desidratação da cal e perda de água dos compostos hidratados..................................................................................................... 77 Tabela 10 – Cal Fixada (em %) das pastas de cimento e CBA .............................................. 78 Tabela 11 – Cal fixada (em %) das pastas de cimento e metacaulim ..................................... 82 Tabela 12 – Perda total de massa, perda de água devido à desidratação da cal, perda de água dos compostos hidratados liberada e cal fixada na pasta de cal e CBA.................................. 88 Tabela 13 – Cal fixada na pasta de 50%CH/MK .................................................................. 90 Tabela 14 – Índice de consistência das argamassas de cimento e CBA ................................. 92 Tabela 15 – Resistência à compressão e índice de desempenho pozolânico (I) da CBA........ 95 Tabela 16 – Resistência à compressão das argamassas de cimento e CBA ........................... 95 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................... 15 1.2 RELEVÂNCIA E JUSTIFICATIVA ...................................................................... 17 1.3 APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .............................................................. 18 2 OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO ................................................................... 20 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................. 21 3.1 CIMENTO ............................................................................................................. 21 3.1.1 Definição ............................................................................................................... 21 3.1.2 Reações de hidratação do cimento ....................................................................... 21 3.2 ADIÇÕES MINERAIS .......................................................................................... 22 3.2.1 Definição ............................................................................................................... 22 3.3 MATERIAIS POZOLÂNICOS .............................................................................. 23 3.3.1 Definição ............................................................................................................... 23 3.3.2 Produção de aglomerantes com materiais pozolânicos por meio de reação pozolânica ............................................................................................................. 26 3.4 CINZA DO BAGAÇO DA CANA-DE-AÇÚCAR ................................................. 28 3.5 ARGILA CALCINADA......................................................................................... 32 3.5.1 Definição ............................................................................................................... 32 3.5.2 Utilização de argila calcinada como pozolana em matrizes cimentantes ........... 33 3.5.3 Argamassas de sistemas ternários de argila calcinadas e outras pozolanas ....... 39 4 PROGRAMA EXPERIMENTAL ........................................................................ 43 4.1 MATERIAIS .......................................................................................................... 43 4.1.1 Cimento Portland ................................................................................................. 43 4.1.2 Cinza do bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) ........................... 43 4.1.3 Metacaulim ........................................................................................................... 44 4.1.4 Hidróxido de cálcio ............................................................................................... 44 4.1.5 Agregado miúdo ................................................................................................... 44 4.1.6 Água ...................................................................................................................... 45 4.2 EQUIPAMENTOS ................................................................................................. 45 4.2.1 Prensa de Tijolos .................................................................................................. 45 4.2.2 Forno de combustão ............................................................................................. 46 4.2.3 Peneiras ................................................................................................................. 46 13 4.2.4 Moinho de esferas metálicas ................................................................................ 46 4.2.5 Espectrofotômetro de fluorescência de raios-X ................................................... 47 4.2.6 Espectrofotômetro de infravermelho por Transformada de Fourier ................. 47 4.2.7 Equipamento de análise termogravimétrica ....................................................... 47 4.2.8 Microscópio eletrônico de varredura................................................................... 48 4.2.9 Difratômetro de raios-X ....................................................................................... 48 4.2.10 Granulômetro a laser ........................................................................................... 48 4.2.11 Argamassadeira industrial ................................................................................... 49 4.2.12 Máquina universal de ensaios .............................................................................. 49 4.2.13 Demais equipamentos ........................................................................................... 49 4.3 METODOLOGIA .................................................................................................. 49 4.3.1 Produção de cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) ....... 50 4.3.1.1 Secagem da argila e do bagaço da cana-de-açúcar ............................................... 50 4.3.1.2 Preparação da argila ............................................................................................. 51 4.3.1.3 Confecção e calcinação dos blocos sólidos combustíveis (BSC) ............................ 51 4.3.2 Caracterização físico-química .............................................................................. 53 4.3.3 Estudo da reatividade pozolânica da CBA em pastas de Cimento/Pozolana e Cal/Pozolana ......................................................................................................... 55 4.3.3.1 Pastas de cimento e pozolana ................................................................................ 55 4.3.3.2 Pastas de cal e pozolana ........................................................................................ 55 4.3.3.3 Ensaios realizados com as pastas .......................................................................... 55 4.3.4 Estudo da aplicação da CBA em argamassas de cimento ................................... 56 4.3.4.1 Estudo das dosagens de argamassa de cimento e CBA .......................................... 56 4.3.4.2 Confecção das argamassas de cimento e CBA ...................................................... 57 4.3.4.3 Procedimento de moldagem e cura ........................................................................ 57 4.3.4.4 Ensaios realizados com as argamassas de cimento e CBA .................................... 58 4.3.5 Reprodução do procedimento experimental utilizando metacaulim como pozolana ................................................................................................................ 61 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................... 63 5.1 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA ............................................................ 63 5.1.1 Caracterização química........................................................................................ 63 5.1.2 Granulometria a laser .......................................................................................... 64 5.1.3 Microscopia eletrônica de varredura................................................................... 66 5.1.4 Difração de raios-X .............................................................................................. 67 14 5.1.5 Espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier ........................ 69 5.1.6 Análise termogravimétrica ................................................................................... 70 5.2 ESTUDO DA REATIVIDADE POZOLÂNICA DA CBA EM PASTAS ............... 71 5.2.1 Pastas de cimento e pozolana ............................................................................... 71 5.2.1.1 Espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier ............................ 71 5.2.1.2 Análise termogravimétrica..................................................................................... 73 5.2.1.3 Microscopia eletrônica de varredura ..................................................................... 82 5.2.2 Pastas de cal e pozolana ....................................................................................... 83 5.2.2.1 Espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier ............................ 83 5.2.2.2 Análise termogravimétrica..................................................................................... 85 5.2.2.3 Microscopia eletrônica de varredura ..................................................................... 90 5.3 ESTUDO DA APLICAÇÃO DA CBA EM ARGAMASSAS DE CIMENTO ........ 91 5.3.1 Ensaio de consistência na mesa ............................................................................ 91 5.3.2 Determinação do índice de desempenho pozolânico da CBA ............................. 95 5.3.3 Resistência mecânica das argamassas de cimento e CBA ................................... 95 5.3.3.1 Índice de atividade resistente ............................................................................... 101 5.3.3.2 Ganho de resistência ........................................................................................... 103 6 CONCLUSÕES .................................................................................................. 107 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 110 15 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O Brasil é um dos maiores consumidores de cimento Portland do Mundo. Após pouco tempo da inauguração de sua primeira indústria de via úmida, no final do século XIX, o Brasil se aproximava da autossuficiência na demanda do produto (SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO, 2010). Na atual década, as modernas indústrias cimenteiras de via seca são predominantes no País, atingindo em 2013 a produção de 70 milhões de toneladas de cimento Portland (SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO, 2013). O consumo de cimento está diretamente relacionado com as atividades da construção civil, setor que consome a oferta do produto em sua totalidade. Em 2016, o setor da construção civil sofreu contração de 5,2% nos quatro trimestres, resultando em uma participação de 5,6% no PIB que, por sua vez, sofreu uma contração de 3,6% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017). A indústria da construção civil no Brasil se mantém em uma trajetória de constante queda. O setor atuou em Fevereiro de 2017 com 53% da sua capacidade operacional, indicando a crescente ociosidade desde Fevereiro de 2012, quando a capacidade operacional era de 71% (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS, 2017). A retrospectiva de 2017 foi negativa, com a constante queda atingindo o setor da construção civil. Afetada diretamente pela queda das atividades deste setor no Brasil, a indústria do cimento sofre paralelamente com a atual crise. Os primeiros meses de 2017 indicaram a constante queda na venda de cimento nas indústrias nacionais, segundo o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (2017). No período de Fevereiro de 2016 a Janeiro de 2017, as vendas internas de cimento chegaram a 57,1 milhões de toneladas, representando uma queda de 10,3% do mesmo período entre 2015 e 2016. Só em Janeiro de 2017, a venda de cimento caiu 17,5% em relação a Janeiro de 2016 (PENNA, 2017). Outra oposição às indústrias de cimento é a grande pressão causada pelas questões ambientais relacionadas às instalações das fábricas de produção de cimento Portland. Estas pressões ambientais causadas pelo governo e pelas organizações ambientais obrigaram a indústria cimenteira a investir amplamente em programas de recuperação ambiental e redução de impactos provenientes desta atividade industrial (MURTA, 2008). 16 O setor da construção civil, por sua vez, tem estudado formas de contornar este cenário de forma sustentável em todos os aspectos, em termos de tecnologia, economia e sustentabilidade. A necessidade de redução do consumo de recursos naturais, do custo e da emissão de gases decorrentes da produção de cimento Portland faz com que se iniciem pesquisas objetivando desenvolver novas técnicas de obtenção de produtos alternativos na construção, como as pozolanas, de modo a proporcionar um desenvolvimento sustentável no setor. Pozolanas são materiais ricos de compostos silicosos ou silicoaluminosos que, uma vez que possuam uma microestrutura na condição amorfa, possibilitam a formação de compostos resistentes, originados através de reações químicas. Segundo Sabir, Wild e Bai (2001), os estudos referentes à aplicação de pozolanas tornaram-se atraentes devido às vantagens técnicas manifestadas em matrizes de cimento com a utilização destes materiais, como significante contribuição à resistência mecânica e durabilidade. Argilas calcinadas são pozolanas que utilizam argilas cauliníticas como matéria-prima, podendo também ser utilizadas argilas esmectíticas e ilíticas. O termo calcinação refere-se ao processo de queima em temperaturas específicas para se produzir um material amorfo (SAID- MANSOUR et al., 2011). Argilas brutas, principalmente cauliníticas, podem conter elevados teores de óxidos de silício e alumínio e, após passarem por tratamento térmico, adquirem caráter amorfo e, consequentemente, propriedades pozolânicas (FRÍAS et al., 2005). Estas propriedades são de grande interesse no estudo da aplicação de pozolanas na confecção de aglomerantes à base de cimento Portland. Aliado a isto, a abundância de argila bruta na superfície terrestre torna a argila calcinada uma das mais promissoras alternativas com potencial de substituição do cimento em matrizes cimentantes (SCHNEIDER et al., 2011). Destaca-se também como material pozolânico a cinza do bagaço da cana-de-açúcar (CBC), que desde as últimas décadas vem sendo estudada como substituinte do cimento em pastas e argamassas, como exemplo, nas pesquisas de Frias, Villar e Savastano (2011), Arif et al.(2016) e Martirena Hernández et al. (1998). O interesse por este material surgiu da necessidade de se avaliar formas viáveis de utilizá-lo, uma vez que o mercado sucroalcooleiro expandiu significantemente nas últimas décadas. O bagaço, quando calcinado de forma adequada, gera uma cinza com grande atividade pozolânica, viabilizando sua utilização em misturas cimentantes e contribuindo física e quimicamente na mistura (CORDEIRO et al., 2008). 17 1.2 RELEVÂNCIA E JUSTIFICATIVA A construção civil é um dos setores que atuam em praticamente todo o mundo e que mais utilizam matérias-primas. A produção de cimento Portland representa 5% a 8% das emissões de gás carbônico (CO2) em escala mundial (SCRIVENER; KIRKPATRICK, 2008) e, somente no Brasil, há 79 unidades, sendo 51 fábricas e 28 unidades de moagem (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2012). Estima-se que 1 tonelada de cimento produzido gere 1 tonelada de gás carbônico, propiciando uma poluição atmosférica em larga escala (CAO et al., 2016). Além disso, a energia elétrica consumida pelas usinas de cimento no Brasil atinge 5000 GWh/ano, o suficiente para abastecer uma cidade de 10 milhões de habitantes por um ano (SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE CIMENTO, 2011). O bagaço da cana-de-açúcar é um dos subprodutos oriundos da produção de açúcar e etanol em grandes indústrias sucroalcooleiras, instaladas principalmente na região sudeste, que detém cerca de 60% do total de cana-de-açúcar produzido no Brasil (CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS, 2009). Este resíduo apresenta difícil gestão em relação à sua disposição final e em muitos casos seu descarte por resultar em contaminação do solo e da água. Existem possibilidades de reutilização destes resíduos da agroindústria no âmbito da engenharia civil como componente de materiais de construção, especificamente de materiais aglomerantes inorgânicos, que podem ser utilizados para a criação de novos produtos. Por meio do correto processo de calcinação do bagaço da cana-de-açúcar em temperaturas adequadas, diversos autores (CORDEIRO; TAVARES; TOLEDO FILHO, 2016; PEREIRA et al, 2015; FARIA; GURGEL; HOLANDA, 2012) obtiveram êxito em produzir um material pozolânico de alta reatividade. Outros autores, seguindo a mesma linha de pesquisa, obtiveram êxito em seus experimentos evidenciando a capacidade de produzirem pozolanas de alta reatividade através da calcinação de argilas provenientes de jazidas naturais, como argilas cauliníticas (ALUJAS et al., 2015; ALMENARES et al., 2017; TIRONI et al., 2015). Existem ainda estudos que vão mais além, visando a produção de pastas e argamassas compostas de matrizes de sistemas ternários, as quais recebem em sua composição o cimento e mais duas adições, podendo ambas ter propriedades pozolânicas, como cinza da folha da cana-de-açúcar, cinza do bagaço da cana de açúcar ou argila calcinada (FRÍAS et al., 2005; 18 JAMSAWANG et al., 2017). Outra possibilidade é produzir uma cinza reativa, a qual é composta por argila ativada termicamente por meio da combustão de blocos sólidos combustíveis (BSC), que são blocos formados de argila moída e resíduos da agroindústria, como folha ou bagaço da cana-de- açúcar. Martirena et al. (1999), citados por Martirena e Scrivener (2015), iniciaram os estudos com cinzas reativas por meio da queima de BSC produzidas com argila e folha da cana-de- açúcar e, de acordo com os resultados obtidos, resíduos da agroindústria são uma alternativa atrativa para promover a ativação de argilas. O maior diferencial apresentado nesta pesquisa está na obtenção de uma cinza reativa por meio da geração de energia proveniente da autocombustão da mistura de argila e bagaço da cana de açúcar. Os materiais utilizados no processo de produção da cinza possuem grande disponibilidade na região de Ilha Solteira – SP, em função da alta concentração de usinas sucroalcooleiras e jazidas de argilas, favorecendo a aplicação da metodologia com materiais da própria região onde o estudo foi realizado. A técnica de produção consiste confeccionar blocos sólidos combustíveis (BSC), compostos por uma mistura de argila bruta e bagaço da cana-de-açúcar, a fim de incinerá-los por meio de autocombustão e aproveitar a energia desprendida para promover a ativação da estrutura da argila, obtendo-se um produto de boa atividade pozolânica e reduzindo significantemente o gasto de energia. O material resultante, composto de cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) apresenta-se como uma alternativa interessante na aplicação de materiais suplementares na produção de argamassas. Além de se tratar de um material obtido em um processo gerador de energia, a utilização da CBA em argamassas permitiu a redução do consumo de cimento em até 50%, sem prejuízo às propriedades mecânicas da mistura. Portanto, os resultados apresentados nestes estudos mostram a relevância deste material no desenvolvimento sustentável no setor da construção civil. 1.3 APRESENTAÇÃO DA DISSERTAÇÃO Capítulo 1 – Apresenta-se aqui a introdução do tema em que o estudo é proposto. Neste capítulo são colocadas em questão a problemática abordada na investigação, a relevância do estudo a nível ambiental e tecnológico e a justificativa por estar investigando este tema. No final do capítulo é mostrada a estrutura de apresentação do trabalho. 19 Capítulo 2 – No segundo capítulo é mostrado o objetivo geral proposto neste estudo. Em seguida, são abordados os objetivos específicos do trabalho. Capítulo 3 – A revisão bibliográfica, presente no terceiro capítulo, é um levantamento de pesquisas que abordam o mesmo tema ou temas relacionados, como argamassas de cimento Portland, adições minerais utilizadas como pozolanas na produção de argamassas à base de cimento Portland e resultados referentes às propriedades analisadas em argamassas produzidas com substituição parcial de cimento Portland por adições minerais. Capítulo 4 – No quarto capítulo são apresentados os materiais e equipamentos empregados na pesquisa, assim como os métodos cuja aplicação foi necessária para realização do programa experimental de coleta de informações e dados. São mostrados os procedimentos de coleta da argila e do bagaço da cana-de-açúcar. É detalhada a produção dos BSC e da CBA e os ensaios realizados para caracterização da cinza e dos aglomerantes confeccionados com CBA. Capítulo 5 – Neste capítulo são mostrados os resultados obtidos e a análise dos dados. A análise é feita por meio da abordagem dos resultados obtidos, identificando a coerência destes com o que foi encontrado na bibliografia. Capítulo 6 – Nesta parte, é realizada a conclusão perante os resultados obtidos. É apresentada a conclusão sobre a eficácia da empregabilidade da CBA em matrizes de cimento. Por fim, são apresentadas informações levantadas referentes à revisão bibliográfica utilizada como fundamentação teórica deste estudo. 20 2 OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO O objetivo desde estudo é analisar a viabilidade de se produzir um novo material e empregá-lo como pozolana na produção de matrizes cimentantes, substituindo parcialmente o cimento Portland. O material em questão é a cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA). Como objetivos específicos, são destacados:  Estudar a utilização de bagaço da cana-de-açúcar e de argila na produção de pozolana;  Avaliar as proporções de argila e bagaço na produção de blocos sólidos combustíveis (BSC);  Produzir e caracterizar a CBA;  Produzir matrizes cimentantes utilizando a CBA;  Avaliar a reatividade pozolânica da CBA, por meio de ensaios com pastas de cimento/pozolana e cal/pozolana;  Analisar os resultados obtidos nos ensaios realizados e avaliar a reatividade pozolânica da CBA;  Produzir matrizes cimentantes utilizando metacaulim, avaliar sua reatividade pozolânica e comparar os resultados obtidos com a CBA. 21 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 CIMENTO 3.1.1 Definição Cimento é definido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (1991) como aglomerante hidráulico obtido pela moagem de clínquer, podendo, se necessário, adicionar determinadas quantidades de sulfato de cálcio. O cimento Portland é um material de construção utilizado principalmente para produção de argamassa e concreto. Sua propriedade de aglomerante hidráulico é caracterizada pela fácil reação com a água, em que ocorre a hidratação de seus compostos, formando novos produtos de características interessantes, como resistência mecânica e durabilidade. As matérias-primas utilizadas na produção de cimento são argila e calcário. Na indústria, estes materiais passam pelos fornos rotativos em temperaturas que podem variar de 1300 a 1450 °C, originando o clínquer (CAO et al., 2016). 3.1.2 Reações de hidratação do cimento Quando hidratados, os compostos de silicatos e aluminatos presentes no cimento, como silicato tricálcico (C3S) e aluminato tricálcico (C3A), originam compostos à base de cálcio, como o silicato cálcico hidratado ((CaO)x(SiO2)y(H2O)n), muitas vezes representado em estudos pela abreviação C-S-H. Outro composto formado na hidratação do cimento é o hidróxido de cálcio, conhecido como portlandita, que é responsável pelo controle do pH da matriz, mas não desempenha função mecânica (DWIVEDI et al., 2006). A portlandita possui fórmula química Ca(OH)2, que é geralmente representada pela abreviação CH. O cimento Portland, se totalmente hidratado, pode produzir uma quantidade de portlandita que atinge até 28% de sua própria massa (SABIR; WILD; BAI, 2001). A Figura 1 mostra a imagem da microestrutura de uma argamassa de cimento produzida no estudo de Fan et al. (2016), em que podem ser visualizados o gel de C-S-H e CH. 22 Figura 1 – Microscopia eletrônica de varredura da microestrutura de uma argamassa de cimento Fonte: Fan et al. (2016). A reação de hidratação ocorre ao longo do tempo, a qual é responsável pelas características mecânicas no estado endurecido. A relação água/aglomerante é um fator importante no comportamento do material quanto à resistência mecânica, pois influencia na presença de poros no interior da mistura (DONATELLO et al., 2010). Em estudos como os de Tironi et al. (2012) e Cordeiro, Tavares e Toledo Filho (2016) foram utilizadas relações água/aglomerante entre 0,50 e 0,52 na produção de argamassas e pastas à base de cimento. 3.2 ADIÇÕES MINERAIS 3.2.1 Definição Adições minerais são produtos adicionados a matrizes cimentantes com a finalidade de modificar suas características (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1990). A utilização de adições na produção de matrizes cimentantes é uma tendência no desenvolvimento tecnológico. Quando adicionados adequadamente, estes materiais podem auxiliar em propriedades inerentes às características reológicas no estado fresco, resistência mecânica, redução de poros e maior durabilidade no estado endurecido. 23 Sua utilização pode se dar em pastas, argamassas e concretos. Uma prática corriqueira e confiável adotada atualmente é utilizar adições minerais em obras de concreto, a fim de reduzir o calor de hidratação do cimento, a retração e o consumo de cimento (MERMERDAŞ et al., 2012). As adições minerais podem ser classificadas como inertes e reativas. No primeiro caso, a adição tem efeito físico na matriz e, no segundo, a adição possui efeitos físico e químico, que serão explicados mais a frente. As adições reativas podem ser classificadas como hidráulicas e/ou pozolânicas. Quando hidráulica, a adição é capaz de reagir por si só com a água, originando novos compostos hidratados na mistura. Quando a adição é dita pozolânica, é capaz de reagir com os produtos de hidratação do cimento, aumentando a concentração de compostos hidratados na matriz. 3.3 MATERIAIS POZOLÂNICOS 3.3.1 Definição Materiais pozolânicos são compostos silicosos ou silicoaluminosos que possuem pouca ou nenhuma propriedade cimentante, ou seja, não reagem quimicamente em meio isolado. Contudo, se processados em pequenas dimensões e na presença de água, reagem com hidróxido de cálcio em temperatura ambiente, formando compostos que adquirem propriedades hidráulicas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1990). A pozolana deve possuir certas características para ser adequadamente reativa: conter alta porção de sílica (SiO2) ou sílica + alumina (Al2O3) no estado amorfo e ser fino (TASHIMA, 2006). A pozolana pode ser classificada com natural ou artificial, as quais são diferenciadas pela origem do material. Pozolana natural Quando se trata de uma pozolana natural, o material é originado de rochas vulcânicas ou sedimentares (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1992). A rocha mãe pode sofrer processo de degradação natural, através de agentes físicos que reduzem o tamanho dos grãos e partículas ou processos mecânicos de britagem, moagem e peneiramento, atingindo dimensões microscópicas. Estes processos dão origem a materiais com reatividade pozolânica significante. 24 Pozolana artificial Materiais pozolânicos artificiais são aqueles obtidos por meio de processos térmicos ou subprodutos de processos industriais. No primeiro caso, utiliza-se uma matéria-prima de origem mineral, como argila ou carvão mineral, os quais passam por processo de calcinação, em temperaturas que variam de 500 a 900 °C, para alteração das características químicas de sua microestrutura. Os produtos obtidos são pozolanas artificiais, como argila calcinada e cinza volante (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1992). Metacaulim O metacaulim é uma pozolana artificial obtida por meio da calcinação de argilas cauliníticas e atualmente é um produto industrializado (PEREIRA et al., 2015). O metacaulim começou a ser aplicado em estruturas de grande porte em 1962, quando foi incorporado ao concreto utilizado na barragem de Jupiá, usina hidrelétrica que forma o Complexo Urubupungá, na região sudeste do Brasil (PERA, 2001). Na produção do metacaulim, a calcinação deve ocorrer entre 600 e 800 °C, para que a água ligada quimicamente à estrutura cristalina da caulinita seja expulsa, destruindo a estrutura, tornando-a amorfa (MERMERDAŞ et al., 2012). Após sua calcinação, a estrutura é desformada, formando óxidos de silício e alumínio na fase amorfa, proporcionando alta reatividade com a portlandita. Segundo Sabir, Wild e Bai (2001), temperaturas de calcinação acima de 850 °C provocam a formação de compostos cristalinos estáveis, reduzindo sua reatividade. Comparada a outras pozolanas, a reatividade do metacaulim é mais significativa em detrimento da alta concentração de sílica e alumina em sua composição (BADOGIANNIS et al., 2015). No estudo de Istuque et al. (2016), por exemplo, a soma de sílica e alumina na composição do metacaulim utilizado atingiu 93,86%, sendo 58,39% de sílica e 35,47% de alumina, sendo considerado um material de alta reatividade pozolânica. Gharzouni et al. (2015) utilizaram 4 tipos de metacaulim em seu estudo, em que a quantidade de material amorfo variou de 94 a 98,8%. Esta grande quantidade de material amorfo de sua estrutura promove uma maior taxa de formação de fases hidratadas. Contudo, a distribuição granulométrica e a superfície específica do material também são fatores preponderantes para se obter um material com boas propriedades (TIRONI et al., 2012). Segundo Cordeiro et al. (2009), a reatividade pozolânica do material aumenta conforme a superfície específica se eleva e o diâmetro da partícula diminui. Em misturas de 25 cimento e adições minerais reativas, é necessário elevar ou reduzir a relação água/aglomerante para se manter uma trabalhabilidade constante, dependendo da superfície específica e da porosidade da adição (CYR; LAWRENCE; RINGOT, 2006). Badogiannis et al. (2015) compararam a distribuição granulométrica entre cimento Portland e metacaulim, e confirmaram que a pozolana é mais fina, como mostra a Figura 2. Além do desempenho como adição, Badogiannis et al. (2015) ressaltam que o metacaulim favorece o conceito de construção sustentável, por emitir menor quantidade de CO2 que o cimento no processo produtivo. Comparando sua temperatura de calcinação com a temperatura atingida na produção de clínquer, a diferença pode atingir 700 °C. Figura 2 – Distribuição granulométrica do metacaulim e do cimento Portland Fonte: Badogiannis et al. (2015). Grande parte dos estudos sobre o metacaulim visam avaliar o teor ótimo de substituição parcial de cimento Portland pelo material em sistemas binários ou ternários, de forma a se obter melhores propriedades em matrizes cimentantes. No estudo de Antoni et al. (2012) foi possível atingir uma substituição de 45% de cimento por 30% de metacaulim e 15% de calcário, promovendo uma resistência 15% maior que a argamassa com 100% de cimento aos 28 dias. 26 3.3.2 Produção de aglomerantes com materiais pozolânicos por meio de reação pozolânica Atualmente, os materiais pozolânicos têm sido alvos de estudos em detrimento de suas interações em matrizes cimentantes. Suas composições os tornam muito interessantes em misturas de cimento Portland, uma vez que as fases hidratadas obtidas pelas reações pozolânicas proporcionam benefícios à matriz (DONATELLO et al., 2010). A maioria dos estudos relacionados à aplicação de pozolana em matrizes cimentantes se baseia na análise do comportamento de pastas e argamassas produzidas com substituição parcial de cimento pela pozolana, como por exemplo, os estudos de Antoni et al. (2012), Scrivener e Kirkpatrick (2008), Frías, Villar e Savastano (2011), Tironi et al. (2014) e Moraes et al. (2015). A pozolana age de forma física e química na matriz. No primeiro caso, a adição pode preencher vazios não ocupados anteriormente pelos agregados da mistura por meio de rearranjo das partículas, tornando a argamassa mais homogênea e resistente, de modo a reduzir a exsudação e aumentar a coesão, processo chamado de efeito fíler (CORDEIRO et al., 2008). Outro fenômeno decorrente destas adições é o efeito nucleação, em que ocorre aumento da velocidade de hidratação das partículas de cimento Portland, produzindo ainda mais portlandita, que posteriormente será consumida na reação pozolânica (TASHIMA, 2012). A ação química da pozolana ocorre por meio da reação pozolânica, que ocorre entre a pozolana, a portlandita e a água. A substituição parcial do cimento Portland pela pozolana eleva a velocidade de hidratação das partículas de cimento e, por conseguinte, promove uma rápida liberação de portlandita que, por sua vez, reage com a pozolana e forma novos produtos hidratados (MATIAS; FARIA; TORRES, 2014). A reação pozolânica ocorre em temperatura ambiente, quando os óxidos de silício e alumínio com estrutura amorfa presentes na pozolana interagem com o hidróxido de cálcio, formando silicatos e aluminatos cálcicos hidratados (C-S-H, C-A-H e C-A-S-H) (TIRONI et al., 2014). O processo de reação pozolânica é regido pelas Equações 1, 2 e 3. 27 Equação 1 Equação 2 Equação 3 Em que x, y e z são números reais positivos. A Figura 3 indica os produtos formados pela reação pozolânica em uma pasta de cal e resíduo de granito como pozolana, confeccionada nos estudos de Medina et al. (2016), mostrando a formação de compostos semelhantes ao C-S-H mostrado em Fan et al. (2016) (Figura 1). Figura 3 – Formação de CSH em pastas de cal/pozolana observadas em MEV Fonte: Adaptado de Medina et al. (2016). O comportamento final do material endurecido é resultado de diversos fatores, os quais se relacionam com a reatividade da pozolana, a qualidade do cimento e a proporção entre os materiais. Segundo Tironi et al. (2013), as relações água/aglomerante e pozolana/cal, a superfície específica da pozolana e a temperatura de cura do material afetam as características no estado endurecido. 28 Tashima (2006) afirma que somente relações água/cimento inferiores a 0,50 permitem que a atividade pozolânica seja significante, pois valores maiores que este resultam em matrizes porosas, fazendo com que a reação pozolânica seja menos evidente. 3.4 CINZA DO BAGAÇO DA CANA-DE-AÇÚCAR Atualmente o Brasil lidera no ranking de produção mundial da cultura da cana-de- açúcar, com uma produção estimada em 635,6 milhões de toneladas na safra 2017/2018, em uma área de 8,74 milhões de hectares, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB (2017). As principais atividades realizadas com a cana-de-açúcar são produção de etanol e açúcar. Um estudo realizado no Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2009) avaliou o potencial do bagaço da cana-de-açúcar para produzir etanol. Dentre os processos tecnológicos apresentados no estudo, o processo mais efetivo produz cerca de 150 litros de etanol por tonelada de bagaço processado, o qual é constituído de pré-tratamento e hidrólise enzimática. Um dos subprodutos produzidos no processo é o bagaço da cana-de-açúcar. Nos últimos anos, vários estudos foram elaborados com a finalidade de avaliar a reatividade pozolânica da cinza do bagaço da cana-de-açúcar, dos quais muitos obtiveram êxito, como os de Martirena Hernández et al. (1998), Cordeiro et al. (2008), Frías, Villar e Savastano (2011), Pereira et al. (2015), Cordeiro, Tavares e Toledo Filho (2016), dentre outros. A cinza obtida pela calcinação adequada do bagaço da cana-de-açúcar, chamada de CBC, pode conter altos teores de sílica reativa. No estudo de Martirena Hernández et al. (1998), foram utilizadas cinza de casca de arroz (CCA), cinza do bagaço da cana-de-açúcar (CBC) e cinza da folha da cana-de-açúcar (CFC). As quantidades de sílica nas amostras foram de 71,74%, 72,74% e 59,06% para a CCA, CBC e CFC, respectivamente. A Figura 4 mostra a análise de uma amostra de CBC através de um microscópio eletrônico de varredura (MEV), em que é possível verificar a porosidade da estrutura. 29 Figura 4 – Imagem de MEV de uma amostra de CBC Fonte: Martirena Hernández et al. (1998). No mesmo estudo, os autores salientaram que a CBC foi coletada já calcinada, não havendo, portanto, controle da queima do material. Foi verificada presença de fases cristalinas de sílica por análise de difração de raios-X (DRX), indicando que possivelmente a temperatura de queima do bagaço possa ter atingido valores maiores que 800 °C. Contudo, o mesmo ensaio indicou presença de material amorfo, provavelmente fases amorfas de sílica. Ensaios de DRX em pastas de cal/CBC indicaram evolução da formação de C-S-H ao longo do tempo, evidenciando a reatividade pozolânica da CBC. Os autores concluíram que a CBC é um material com boa atividade pozolânica, mas altas temperaturas ou calcinações incompletas podem provocar o surgimento de quartzo no composto, aumentando sua cristalinidade. Além disso, outro fator que altera a reatividade do material, segundo os autores, é a presença de carbono e matérias que sofreram combustão incompleta. Frías, Villar e Savastano (2011) utilizaram em seu estudo três cinzas de bagaço calcinadas de formas diferentes. A cinza 1 foi calcinada em forno elétrico. O processo de queima foi primeiramente na temperatura de 400 °C por 20 minutos e, em seguida, em 800 °C por 60 min, a uma taxa de 10 °C por minuto. A cinza 2 foi obtida já queimada em caldeiras de indústrias sucroalcooleiras, onde a temperatura de queima é próxima a 800 °C. A cinza 3 foi obtida pela fumaça da queima do bagaço, onde foram atingidas temperaturas próximas a 300 °C. O ensaio de granulometria a laser indicou que as cinzas 1 e 3 possuíam granulometrias 30 semelhantes, com máxima densidade de distribuição de 18 μm, enquanto a cinza 2 apresentou o valor de 45 µm. O ensaio de fluorescência de raios-X indicou que as 3 cinzas possuíam os mesmos óxidos, mas em proporções diferentes. Os principais óxidos foram de silício e alumínio. O ensaio de fixação de cal indicou que a cinzas 1, 3 e 2 possuíam grande, média e nenhuma reatividade, respectivamente. Os autores concluíram que a queima em temperatura controlada é fundamental para a boa atividade pozolânica da CBC, de forma que sejam removidas impurezas e sejam formados materiais com estrutura amorfa. Pereira et al. (2015) realizaram em seu experimento o processo de autocombustão no bagaço da cana-de-açúcar, o mesmo realizado por Tashima et al. (2012). O processo se iniciou com a colocação de aproximadamente 10 kg de bagaço no forno, então o material foi incinerado por fogo a gás, por um período de 10 minutos. A partir daí, o fornecimento de calor foi interrompido, mantendo-se a autocombustão por um período de 12 a 14 horas. Após a queima, a superfície não queimada foi retirada e a cinza coletada. A CBC passou por processo de moagem, em que foi utilizado um moinho de esferas de aço, que possuía 684 esferas de aço, contabilizando 51,5 kg. Os autores optaram por moer a CBC a cada 5 kg, para que o processo se tornasse mais eficaz. Foram coletadas amostras moídas a cada 5 minutos, até atingir o tempo de moagem final de 50 minutos. A Figura 5 mostra a CBC por MEV, após processo de moagem. O resultado mostrou que aos 50 minutos de moagem, obteve-se D50=25,1 µm, sendo este o tempo de moagem adotado no estudo. A composição química da CBC indicou 78,59% de sílica e 4,47% de alumina. Por meio de ensaios de resistência com argamassas, os autores concluíram que a CBC obtida por autocombustão mostrou boa reatividade pozolânica, podendo ser utilizada em matrizes cimentantes. 31 Figura 5 – Microscopia eletrônica de varredura da CBC moída por 50 minutos Fonte: Pereira et al. (2015). No estudo de Cordeiro, Tavares e Toledo Filho (2016), foram utilizadas duas amostras de CBC. As cinzas 1 e 2 foram coletadas em usinas sucroalcooleiras no Rio de Janeiro e na Bahia, respectivamente, onde foram queimadas nas caldeiras em temperaturas próximas a 800 °C. O ensaio de fluorescência de raios-X mostrou que as cinzas possuíam teor de sílica e alumina acima de 70%. Por meio de ensaios de difração de raios-X, os autores observaram que a reatividade pozolânica das cinzas é proporcional ao teor de compostos amorfos. Os autores concluíram que a CBC pode contribuir em larga escala como material pozolânico, desde que haja um bom processamento do material. Frías et al. (2017) desenvolveram sistemas ternários substituindo 20% de cimento Portland por uma cinza composta de bagaço e de folha da cana-de-açúcar em proporções iguais. A cinza foi produzida de duas maneiras diferentes. A primeira cinza (nomeada de BIOI) foi produzida em uma indústria sucroalcooleira brasileira, onde passou por moagem e queima entre 700 e 800 °C, sendo misturadas quantidades iguais de folha e bagaço da cana- de-açúcar. A segunda cinza (BIOL) foi produzida em laboratório, onde foram misturas a folha e o bagaço da cana com relação 1:1 em massa e calcinadas em forno elétrico a 700 °C por 90 minutos. Ensaios de FRX indicaram maiores teores de SiO2 e Al2O3 na cinza BIOI, cerca de 20% a mais que na cinza BIOL. Ensaios de DRX indicaram a presença de compostos cristalinos como quartzo, calcita e grafita na cinza BIOL, enquanto na BIOI foram 32 encontrados quartzo, cristobalita e hematita. Os autores atribuíram estas diferenças em detrimento da variabilidade envolvida nas diferentes amostras de cana-de-açúcar coletadas e a contaminação de solo nas amostras durante a coleta. Foram realizados ensaios de fixação de cal com as cinzas, cujos resultados foram comparados com ensaios realizados utilizando sílica ativa. O ensaio foi realizado adicionando 1 grama da cinza em 75 ml solução saturada com portlandita a 40 °C. O cálculo de cal fixada foi realizado com 1, 7, 28 e 90 dias de cura. Os resultados mostraram que as cinzas BIOI e BIOL atingiram um consumo de cal muito próximo à amostra de sílica ativa, cujo valor atingiu cerca de 95% aos 90 dias. Para ambas as cinzas, a concentração de cal caiu de 18 mmol/L para 1 mmol/L após 90 dias, o que mostrou boa atividade pozolânica. Nos ensaios de DRX em amostras de cal e BIOI foram encontradas fases de C2ASH8 localizados nos picos 2Ɵ =7,06 ° e 2Ɵ =14,1 ° e fases C4AH13 que, segundo os autores, são fases metaestáveis conhecidas como produtos de reação em sistemas de metacaulim e portlandita. Isto sugere que durante a coleta da biomassa em campo, o material foi contaminado com argila caulinítica. Ao sofrer processo de calcinação na indústria, a caulinita se transformou em metacaulinita, que é conhecida pela alta reatividade pozolânica. A análise termogravimétrica mostrou comportamentos semelhantes para ambas as amostras. Entre 70 °C e 400 °C, houve grande perda de massa referente às perdas de água das estruturas de fases hidratadas produzidas durante a reação pozolânica. Entre 550 °C e 700 °C houve perda de massa referente à descarbonatação da calcita. Os autores concluíram que a cinza originada ad mistura de cinza de folha e cinza de bagaço da cana-de-açúcar na proporção 1:1 é científica e tecnicamente viável para a produção de aglomerantes ecoeficientes. Contudo, os autores alertam sobre uma possível contaminação de solo na biomassa durante a coleta e estocagem. 3.5 ARGILA CALCINADA 3.5.1 Definição A NBR 12653 define argila calcinada como uma pozolana artificial proveniente da calcinação de argilas submetidas a temperaturas entre 500 e 900 °C, garantindo sua reatividade com o hidróxido de cálcio (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1992). 33 Solos argilosos provenientes de depósitos de fundos de rios, de indústrias de cerâmicas ou de jazidas naturais (Figura 6) podem conter significantes teores de óxidos de silício e alumínio na forma reativa, se forem tratados termicamente. Figura 6 – Jazida natural de argila Fonte: Almenares et al. (2017). Argilas cauliníticas desenvolvem boa reatividade pozolânica quando são calcinadas devido à formação de fase amorfa reativa denominada metacaulinita (MK). Durante a decomposição térmica das argilas, a água é liberada para o ambiente, ao invés do CO2, que é liberado durante a descarbonatação de calcário no processo de produção de clínquer (SABIR; WILD; BAI, 2001). 3.5.2 Utilização de argila calcinada como pozolana em matrizes cimentantes Nunca houve interesse em pesquisas com materiais cimentantes suplementares como na última década, devido à relação oferta/demanda que envolve as questões ambientais mundiais. Uma das mais promissoras alternativas envolvidas nestas pesquisas é a utilização de argila calcinada para se obter um produto com propriedades pozolânicas, o qual pode ser adicionado a matrizes cimentantes (HOLLANDERS et al., 2016). A calcinação de argilas já é um assunto bastante disseminado nas pesquisas, devido à abundância de jazidas de argila em todo o mundo, promovendo o interesse em utilizá-las como fonte de matéria-prima na produção de materiais cimentantes. As jazidas de argila 34 podem ser fontes de grandes quantidades de SiO2 e Al2O3. Após o processo de calcinação, grande parte das impurezas e matéria orgânica são perdidas, restando sílica, alumina e pequenos teores de carbono e quartzo (ZENG et al., 2014). Muitos estudos têm mostrado efetividade na calcinação de argilas, principalmente argilas cauliníticas, que dão origem ao metacaulim. Podem ser citados os experimentos de Mermerdas et al. (2012), Tironi et al. (2014), Alujas et al. (2015), Shafiq et al. (2015), Avet et al. (2016), Hollanders et al. (2016), entre outros. Mermerdas et al. (2012), em seus estudos, coletaram quatro argilas cauliníticas em diferentes jazidas de formações geológicas. Após passarem por ativação térmica, as argilas tiveram suas composições químicas determinadas e foram verificados teores de sílica variando entre 56 e 78% e de alumina entre 16 e 33%. A análise do metacaulim comercial utilizado na mesma pesquisa apontou 53% e 43% de sílica e alumina, respectivamente. Após a caracterização dos materiais, foram produzidos concretos com substituição parcial de cimento por argilas ou metacaulim nos teores de 0, 5, 10, 15, e 20%, em massa. Após análise, verificou-se que todas as substituições resultaram em aumento da resistência mecânica aos 90 dias, quando comparadas ao traço sem substituição. Os autores concluíram que todas as argilas promoveram comportamento similar ao metacaulim comercial e a substituição mais efetiva é de 15%, de acordo com o ganho de resistência dos traços aos 28 e 90 dias. Tironi et al. (2014) calcinaram dois tipos de argilas cauliníticas (denominadas pelos autores de A1 e A2, conforme a Figura 7) de diferentes jazidas na Argentina. O ensaio de fluorescência de raios-X indicou os teores de SiO2 + Al2O3 de 82,9% e 82,7% para A1 e A2, respectivamente. Os materiais foram calcinados em forno programável em laboratório. A argila A1 sofreu queima a 700 °C por 30 minutos e A2 foi queimada a 750 °C por 20 min. A temperatura e o tempo de queima, segundo os autores, foram determinados por estudos anteriores, visando a melhor atividade pozolânica para uma substituição de 30% (em massa) de cimento pela argila calcinada. Os materiais passaram por moagem até que 80% das partículas atingissem diâmetro menor que 45 µm. Após a calcinação, ensaios de caracterização detectaram 93% e 73% de metacaulinita reativa em A1 e A2, respectivamente. Além disso, verificou-se uma maior superfície específica em A2, comparada com A1. Para análise de resistência mecânica, foram produzidas argamassas com substituição de 15 e 30% de cimento Portland (em massa) por A1 ou A2 (4 argamassas), além do traço com 100% de cimento. Aos 90 dias, as argamassas com A2 obtiveram resistências maiores que a mistura com 100% de cimento, enquanto as 35 argamassas com A1 obtiveram resultados ligeiramente inferiores à argamassa sem substituição. Para os autores, o nível de substituição ideal é associado à proporção de produtos de hidratação formados, da porosidade e da superfície específica das argilas. Os autores concluíram que a substituição de argila caulinítica calcinada é viável para se obter matrizes cimentantes com boas propriedades mecânicas, além de reduzir emissões de CO2. Figura 7 – Microscopia eletrônica de varredura das argilas cauliníticas A1 (a) e A2 (b). Fonte: Tironi et al. (2014). No estudo de Alujas et al. (2015), o objeto de estudo foi uma argila bruta coletada em uma jazida, na província de Villa Clara, em Cuba. A argila era composta principalmente por caulinita e esmectita, além de quartzo e feldspato em menor quantidade. A composição química da argila bruta indicou a presença de 43,89% de SiO2 e 24,73% de Al2O3. Antes da calcinação, a argila foi levada ao aquecimento em 80 °C por 48 horas sob recirculação de ar e em seguida passou por moagem por 30 segundos em um moinho de discos. Após esta etapa, a argila foi calcinada em um forno programável. Foram produzidas argilas calcinadas com diferentes temperaturas de queima, variando entre 500 e 1000 °C, durante 60 minutos. Para as argilas calcinadas em temperaturas próximas de 600 °C, verificou-se alta superfície específica, desidroxilação completa da caulinita e decomposição incompleta. Para temperaturas próximas de 800 °C, foram averiguadas estruturas amorfas e decomposição parcial. Em temperaturas acima de 925 °C, a argila adquiriu estrutura cristalina e baixa superfície específica. 36 Os autores concluíram que, para as temperaturas analisadas, quanto maior for a temperatura de calcinação, maior será o diâmetro médio das partículas e menor será a superfície específica da argila. Acredita-se que isso ocorra por aglomeração e preenchimento dos poros da argila em altas temperaturas. Por fim, foram produzidas pastas de cal/argila e argamassas de cimento/argila. Os resultados indicaram que as argamassas com substituição de 30% em massa de cimento por argila atingiram resistências à compressão semelhantes à argamassa com 100% de cimento. Os autores concluíram que a argila calcinada a 800 °C adquire a melhor reatividade pozolânica. No estudo de Shafiq et al. (2015), uma argila caulinítica foi calcinada em temperaturas entre 600 °C e 800 °C, por períodos entre 1 e 5 horas. A Figura 8, de Shafiq et al. (2015), mostra a diferença entre a argila caulinítica bruta e a mesma após a calcinação em 800 °C em períodos de 3 e 4 horas. Ensaios de difração de raios-X nas amostras calcinadas mostraram redução da intensidade dos picos (2Ɵ=8 ° e 2Ɵ=27 °) referentes a estruturas cristalinas a 800 °C, principalmente para 3 e 4 horas de calcinação. Segundo os autores, esta análise evidencia o aumento de fases desordenadas na argila calcinada, comparada à bruta. Ensaios de fixação de cal mostraram que a argila calcinada por 3 horas a 800 °C promoveu um consumo de 1,32 gramas de portlandita por grama de argila, sendo considerada a mais reativa de todas pelos autores. 37 Figura 8 – Microscopia eletrônica de varredura da argila caulinítica bruta (a), calcinada por 3 horas (b) e calcinada por 4 horas (c) Fonte: Adaptado de Shafiq et al. (2015). Hollanders et al. (2016) realizaram tratamento de ativação térmica em 8 argilas, sendo 4 cauliníticas, 3 esmectíticas e 1 ilítica, utilizando forno elétrico com temperatura variando entre 500 e 900 °C. Segundo os autores, foi preciso retirar grandes quantidades de impurezas das argilas esmectíticas e ilítica, uma vez que estas impurezas atingiam até 50% da composição. Foi determinado o teor de cal fixada em pastas de argila e cal. Em uma das amostras com argilas cauliníticas calcinadas a 700 °C, o consumo foi de 1,75 grama de portlandita por grama de argila. Em outra pasta produzida com argila caulinítica calcinada a 800 °C, o consumo atingiu 1,6 grama de portlandita por grama de argila. Contudo, a 800 °C, as argilas esmectíticas adquiriram reatividade semelhante às cauliníticas, mostrando 38 significante reatividade. As melhores temperaturas de queima, segundo os autores, são de 700 a 800 °C para as argilas cauliníticas e esmectíticas e 900 °C para as ilíticas. Finalmente, os autores concluíram que o grau de reatividade depende da amorficidade estrutural das pozolanas e que as argilas mais reativas são as cauliníticas, seguidas pelas esmectíticas e, por último, a ilítica. No estudo de He, Makovicky e Øsbæck (1995) também verificou-se que argilas ilíticas possuem baixa atividade pozolânica. Os autores calcinaram uma argila ilítica nas temperaturas de 650 °C, 790 °C e 930 °C por 100 minutos. Para cada amostra de argila calcinada, foram realizados ensaios de caracterização química e física e foram produzidas argamassas com substituição parcial de cimento por argila ilítica calcinada. Resultados de difração de raios-X mostraram que mesmo à temperatura de 930 °C os principais picos referentes à ilíta permaneceram nas amostras. Contudo, na argila calcinada a 930 °C houve maior ocorrência de fases amorfas que as outras argilas. A superfície específica sofreu considerável redução com o aumento da temperatura de calcinação, resultante da aglomeração das partículas e fechamento dos poros em altas temperaturas. Ainda no mesmo estudo, foram produzidas argamassas com substituição de 30% de cimento pela argila ilítica calcinada, com relações aglomerante/areia de 1:3 e água/aglomerante de 0,6. Os resultados de resistência à compressão aos 91 dias indicaram que a argamassa produzida com argila calcinada a 930 °C atingiu uma resistência 10% menor que a argamassa produzida com 100% de cimento. Fernandez, Martirena e Scrivener (2011) também realizaram a comparação da atividade pozolânica de argilas cauliníticas, ilíticas e esmectíticas. As argilas foram calcinadas nas temperaturas de 600 °C e 800 °C em estufa com temperatura controlada durante 1 hora. Após a calcinação, as 3 argilas adquiriram teor de SiO2 e Al2O3 maiores ou próximos de 80%. A argila caulinítica não apresentou quantidade significante de Fe2O3, enquanto as argilas ilítica e esmectítica apresentaram teor de 5,04% e 3,96%, respectivamente. Ensaios de difração de raios-X indicaram que a argila caulinítica calcinada a 600 °C não apresentou picos referentes à caulinita, evidenciando uma grande perda de cristalinidade da amostra, enquanto a argila calcinada a 800 °C não demonstrou variação na sua composição química. Para as argilas ilítica e esmectítica, a variação da temperatura de calcinação não influenciou de forma considerável a composição química da amostra, mantendo-se uma estrutura cristalina. Foram produzidas pastas de cal com proporção cal/argila de 7:3 e relação água/aglomerante de 0,4. Ensaios de determinação de teor de cal nas amostras indicaram que 39 a pastas de argilas cauliníticas calcinadas a 600 °C e 800 °C consumiram grande quantidade de portlandita, seguidas da pasta com argila esmectítica calcinada a 600 °C. As outras pastas apresentaram teor de portlandita próximo à pasta controle de cimento. Os autores concluíram que a argila caulinítica possui maior potencial de atividade pozolânica, em detrimento do maior teor de grupos hidroxila que favorecem a amorfização da estrutura cristalina durante o processo de calcinação. 3.5.3 Argamassas de sistemas ternários de argila calcinadas e outras pozolanas O estudo envolvendo a produção de pastas e argamassas com pozolanas em sistemas ternários vem aos poucos sendo realizado com o objetivo de investigar a otimização dos materiais conhecidos no meio. A utilização de misturas de materiais finos e sólidos com propriedades pozolânicas se mostra como uma alternativa na redução do consumo de cimento na produção de concretos e argamassas. A aplicação destes materiais, além de melhorar as características do produto resultante, também contribui para o desenvolvimento tecnológico sustentável no âmbito da construção civil. Frías et al. (2005) misturaram folha de cana-de-açúcar e argila, com 20% e 30% de argila em massa. As misturas foram queimadas em temperaturas de 800 °C e 1000 °C, obtendo no total 4 cinzas diferentes. Todas as cinzas apresentaram teores de sílica e alumina maiores que 75%. Foram produzidas pastas misturando-se 1 g de pozolana em 75 ml de uma solução saturada de cal. As pastas passaram por cura a 40 °C e foram ensaiadas para determinação do teor de cal fixada. Como resultado, os autores verificaram que todas as cinzas obtiveram alta reatividade pozolânica e que o teor de cal fixada variou de acordo com o teor de argila e a temperatura de calcinação. Os autores concluíram que a cinza produzida com 20% de argila a 800 °C e 80% de cinza de folha atingiu o maior teor de cal fixada, consumindo 56% da cal em apenas 24 horas de cura. Said-Mansour et al. (2011) estudaram vários tempos e temperaturas de calcinação de argila caulinítica para produzir argamassas com cimento, argila calcinada e calcário. Ensaios de difração de raios-X em amostras de diferentes temperaturas e tempos indicaram que a argila calcinada a 850 °C por 3 horas foi a amostra com maior redução dos picos de caulinita. Na mesma amostra houve o aparecimento de uma curva característica de fases amorfas entre 2Ɵ = 20 ° e 2Ɵ = 30 °. Foram preparadas argamassas produzidas com a argila calcinada e calcário como substituintes parciais de cimento em diferentes proporções, mantendo-se 40 constantes as relações água/aglomerante e aglomerante/areia, que foram 0,5 e 1:3, respectivamente. Os resultados indicaram que a mistura com 80% de cimento, 15% de argila calcinada e 5% de calcário promoveu um aumento de 19% da resistência à compressão em relação à dosagem com 100% de cimento, aos 28 dias de cura. Martirena et al. (1999) citados por Martirena e Scrivener (2015) produziram blocos compactados, compostos de argila crua e folha da cana-de-açúcar triturada, os quais chamaram de blocos sólidos combustíveis (BSC). Utilizando um forno semelhante ao descrito em Martirena et al. (2006), eles calcinaram os blocos entre temperaturas de 800 a 900 °C, obtendo uma cinza com grande atividade pozolânica. Segundo os autores, temperaturas acima de 850 °C promoveram a formação de compostos cristalinos na mistura. O processo de obtenção da pozolana composta por argila calcinada e folha da cana (biomassa) é o mostrado na Figura 9. Figura 9 – Processo de produção da cinza de folha de cana-de-açúcar e argila calcinada Fonte: Martirena e Scrivener (2015). Scrivener et al. (2017) produziram um novo material, o qual chamaram de cimento de calcário e argila calcinada, ou LC 3 , referente ao termo em inglês (calcined clay limestone cement). Inicialmente, os autores calcinaram argilas com diferentes teores de caulinita. Os autores combinaram as argilas calcinadas a 800 °C com calcário, com o objetivo de substituir o clínquer de cimento Portland. O cimento produzido no estudo foi chamado de LC 3 -50, que 41 consistiu em um cimento composto de 50% de clínquer, 30% de argila calcinada, 15% de calcário e 5% de gesso. Este cimento foi produzido com diversas argilas, as quais possuíam teor de caulinita variando de 0% a 95% na composição. Foram produzidas argamassas com relação água/aglomerante de 0,5 e relação aglomerante/areia de 1:3. Aos 90 dias, as argamassas produzidas com argila sem caulinita atingiram resistência à compressão de 45 MPa, enquanto as argamassas de argila com 95% de caulinita atingiram valores próximos de 70 MPa. Segundo os autores, misturas em que se utiliza somente argila calcinada como pozolana aceitam até 30% de substituição de cimento e, utilizando uma mistura de argila calcinada e calcário, a substituição pode atingir 50%. Há estudos que também investigaram a substituição de cimento por misturas de argilas calcinadas e materiais inertes. Mechti et al. (2014) desenvolveram um método numérico para estudar a influência de misturas de areia finamente moída e argila calcinada como substituinte de cimento. A argila utilizada no estudo possuía cerca de 85% de SiO2 e Al2O3 e foi calcinada nas temperaturas de 650 °C e 750 °C durante 5 horas em uma estufa programável. Para ambas temperaturas de calcinação, o ensaio de difração de raios-X indicou desaparecimento dos picos de caulinita (2Ɵ=25 ° e 2Ɵ=35 °), confirmando a transformação da caulinita em fases amorfas. A areia foi triturada em um moinho de bolas até atingir diâmetros menores que 40 µm. O ensaio de caracterização mostrou que a estrutura da areia se manteve cristalina após a moagem, com cerca de 95% de SiO2. Foram produzidas argamassas com substituição de 20% do cimento pela areia e, embora a estrutura da areia tenha se apresentado inerte, os resultados de resistência mecânica indicaram que a areia promoveu aumento de 20% de resistência na argamassa aos 90 dias, comparada à argamassa com 100% de cimento. Por fim, o método numérico mostrou que a argamassa produzida com 80% de cimento, 15% de areia e 5% de argila calcinada apresentou um acréscimo de 10% na resistência à compressão, se comparado com a argamassa com 100% de cimento. No estudo de Krishnan et al. (2018), foi analisado o comportamento de pastas e argamassas com substituição e cimento por misturas de argila calcinada e pó de pedra. A argila foi calcinada em temperaturas inferiores a 900 °C para impedir a formação de cristais de mulita e cristobalita, que não são reativas. Ensaios de difração de raios-X indicaram presença de material amorfo devido à curva presente entre 2Ɵ = 15 ° e 2Ɵ = 30 °. Foram utilizadas 2 amostras de pó de pedra (denominadas de KG e BA), provenientes de localidades 42 diferentes. Ambas passaram por processo de moagem para aumento da finura e da superfície específica. Ensaios de caracterização química indicaram que as amostras de pó de pedra possuem baixos teores de SiO2 e Al2O3. Contudo, KG e BA apresentaram 29% e 42% de CaO, respectivamente, indicando caráter de aglomerante hidráulico. Foram produzidas pastas com 55% de cimento, 30% de argila calcinada e 15% de pó de pedra. Ensaios de termogravimetria aos 28 dias mostraram que as amostras da mistura ternária apresentaram menores perdas de massa referentes à portlandita (~550 °C), comparadas à pasta com 100% de cimento. Segundo os autores, este resultado evidencia o consumo de portlandita decorrente da reação pozolânica da argila calcinada. No estudo de Ferreiro, Herfort e Damtoft (2017), foram produzidas 15 argamassas de sistemas ternários com cimento Portland e diversos tipos de materiais cimentantes suplementares, como argilas calcinadas, fíler calcário e cinza volante. Em todas as misturas, foram utilizadas as relações água/aglomerante e aglomerante/areia de 0,5 e 1:3, respectivamente. Foi também adicionado aditivo superplastificante com a finalidade de manter a mesma consistência em todas as argamassas. O ensaio de resistência mecânica de resistência à compressão indicou que a argamassa produzida com 75% de cimento, 22% de argila calcinada e 4% de calcário atingiu resistência 10% maior que a dosagem com 100% de cimento. Os autores atribuíram a melhoria nas propriedades devido a 4 fatores. O primeiro fator citado foi o efeito nucleação, que acelera o processo de hidratação do cimento nas primeiras idades da mistura. Este efeito foi promovido pelas partículas de calcário, por serem mais finas que o cimento e a argila calcinada. O segundo fator citado foi a reação sinergética entre o calcário e as fases AFm (Al2O3-Fe2O3-monosulfato), provenientes da reação de hidratação de C3A. Quando há presença de carbonato na mistura, ele reage com as fases AFm, formando compostos como a Etringita. Assim, o efeito sinérgico entre AFm e calcário promovem a densificação da estrutura devido à formação de novos compostos hidratados. O terceiro fator citado foi a reação pozolânica entre a argila calcinada e a portlandita formada pela hidratação do cimento, a qual já foi detalhadamente explicada anteriormente. Por último, o quarto fator atribuído foi a interação entre o calcário e os produtos obtidos na reação pozolânica. As fases AFm formadas pela reação química podem reagir com o carbonato de cálcio, de forma a densificar a estrutura da mistura. 43 4 PROGRAMA EXPERIMENTAL Neste capítulo são descritos os materiais utilizados, os equipamentos e técnicas experimentais necessários para realização do estudo. O trabalho foi realizado em 3 etapas diferentes. A primeira etapa consiste na produção de um material pozolânico. A segunda etapa se baseia na caracterização da pozolana produzida e, por fim, a terceira etapa é a análise mecânica de argamassas produzidas com este material. Os primeiro e terceiro passos foram realizados nas instalações do Laboratório Central de Engenharia Civil e do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Alvenaria Estrutural (NEPAE). A segunda etapa, que consiste na caracterização físico-química dos materiais e demais ensaios, foi realizada na Universidade Politécnica de Valência, na Espanha. 4.1 MATERIAIS 4.1.1 Cimento Portland O cimento utilizado foi CPV – ARI Plus (Cimento Portland de Alta Resistência Inicial). Foi escolhido este cimento por ser o mais puro disponível, com mais de 95% de clínquer em sua composição, não apresentando adição de pozolana em sua constituição, de forma que não interfira no estudo da reatividade pozolânica da cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada. A Tabela 1 fornece as informações referentes à caracterização do cimento utilizado. Tabela 1 – Composição química (em %) do cimento CPV – ARI Plus SiO2 Al2O3 Fe2O3 CaO Na2O K2O SO3 MgO 18,16 7,01 2,57 62,95 0,18 0,77 3,11 0,7 Fonte: Próprio autor. 4.1.2 Cinza do bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) A cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) é o objeto de estudo desta pesquisa. Os materiais necessários para produzir a cinza foram coletados em locais específicos. A argila utilizada foi adquirida em uma indústria de materiais cerâmicos, que coletou a matéria-prima em uma jazida natural localizada na cidade de Santo Antônio do Aracanguá – SP. Antes de ser coletado, o material passou por homogeneização na própria 44 fábrica, processo o qual consistiu na trituração, mistura por revolvimento e laminação. Após a laminação, o material foi segmentado em blocos de aproximadamente 5 kg e então coletado. O bagaço utilizado foi coletado na usina sucroalcooleira Vale do Paraná, localizada no município de Suzanápolis – SP. O bagaço é um subproduto obtido na produção de açúcar e álcool nas indústrias sucroalcooleiras que utilizam a cana-de-açúcar como principal matéria- prima. Após coletados estes materiais, foram estudadas as formas de misturá-los e calciná-los, obtendo a CBA, cujas propriedades são avaliadas neste trabalho. Com a CBA pronta, procederam-se a caracterização físico-química, o estudo de sua aplicação em pastas de cal e de cimento Portland e a caracterização mecânica de argamassas produzidas com substituição parcial de cimento pela cinza. 4.1.3 Metacaulim O metacaulim utilizado na pesquisa foi o Metacaulim HP Ultra®, fornecido pela indústria fabricante Metacaulim do Brasil. A Tabela 2 contém as informações referentes ao metacaulim utilizado. Tabela 2 – Composição química (em %) do metacaulim SiO2 Al2O3 Fe2O3 K2O Na2O CaO MgO TiO2 SO3 Perda ao Fogo 58,39 35,47 2,71 1,44 - 0,01 0,30 1,51 - 2,5% Fonte: Próprio autor. 4.1.4 Hidróxido de cálcio O hidróxido de cálcio utilizado na pesquisa possui mais de 95% de pureza, composto basicamente de Ca(OH)2. O material foi utilizado para produzir pastas de cal/pozolana para avaliação da evolução da atividade pozolânica da CBA. Neste trabalho, este material será citado como cal. 4.1.5 Agregado miúdo Foi utilizado como agregado miúdo areia natural disponibilizada pelo Laboratório 45 Central de Engenharia Civil da UNESP, campus de Ilha Solteira. Foram realizados ensaios de caracterização referentes à composição granulométrica da areia, conforme a NBR NM 248 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA E NORMAS TÉCNICAS, 2003). Este procedimento permitiu analisar a distribuição granulométrica da areia para partículas de até 150 µm. A análise granulométrica de partículas inferiores deve ser realizada pela NBR NM 46, porém, a areia apresentou 2% de materiais inferiores a 150 µm, não havendo necessidade de realização do ensaio. A curva granulométrica da areia está na Figura 10. Figura 10 – Curva granulométrica do agregado miúdo Fonte: Próprio autor. 4.1.6 Água A água utilizada no estudo foi fornecida pelo sistema de abastecimento público do município de Ilha Solteira – SP. A água foi necessária para a produção de pastas e argamassas. 4.2 EQUIPAMENTOS 4.2.1 Prensa de Tijolos A prensa de tijolos é um equipamento manual utilizado para a produção em pequena 46 escala de tijolos de materiais cerâmicos, de solo-cimento ou solo comum. Neste experimento, o equipamento foi utilizado para produzir blocos sólidos combustíveis de bagaço da cana-de- açúcar e argila bruta (BSC). A prensa tem capacidade de produzir três tijolos por vez, com dimensões de 23x11x09 cm cada. 4.2.2 Forno de combustão O forno utilizado foi desenvolvido na pesquisa de Tashima (2006), no Laboratório Central de Engenharia Civil da UNESP, campus de Ilha Solteira. Trate-se de um forno de autocombustão, ou seja, que não possui controle de temperatura ou de tempo de combustão, de forma que é possível apenas medir a temperatura ao longo do tempo até que a combustão se encerre sozinha. A utilização deste forno é justificada pelos bons resultados obtidos em pozolanas produzidas no mesmo equipamento nos estudos de Tashima et al. (2012), Moraes et al. (2015) e Pereira et al. (2015). O forno foi utilizado neste estudo para produzir a CBA. 4.2.3 Peneiras A peneira utilizada é da marca Solo Test. As bandejas utilizadas possuem aberturas de 300 e 75 µm (ASTM 50 e 200, respectivamente). As peneiras foram utilizadas em dois estágios do estudo. No primeiro estágio, o equipamento foi utilizado para peneiramento da argila bruta, de modo a bloquear impurezas grosseiras, como pedregulhos. No segundo estágio, o equipamento foi utilizado para peneirar a CBA, com a finalidade de separar os fragmentos incompletamente calcinados, principalmente resíduos de bagaço de cana-de- açúcar não queimados. 4.2.4 Moinho de esferas metálicas O moinho de esferas metálicas foi utilizado para diminuir o diâmetro das partículas e aumentar a superfície específica da CBA. O equipamento consiste em um cilindro oco de aço, em que há em seu interior 405 esferas e cilindros de aproximadamente 160 gramas cada, totalizando uma massa de 66,5 kg. 47 4.2.5 Espectrofotômetro de fluorescência de raios-X O ensaio de fluorescência de raios-X (FRX) foi realizado para determinação da composição química da CBA, determinando quantitativamente os óxidos que constituem a cinza. A fluorescência de raios-X é uma forma de análise não destrutiva. O procedimento de ação do equipamento se inicia com uma radiação primária sob o material em análise. O acumulo de energia faz com que os elétrons de camadas internas se aproximem da superfície do material. Os elétrons da camada externa, por sua vez, ocupam os espaços deixados no interior. Com esta transição de elétrons, a energia excedida se dissipa na forma de raios-X fluorescentes. Esta radiação liberada por cada elemento do material é reconhecida pelo equipamento, que mede a concentração do elemento de acordo com a intensidade de cada transição eletrônica. O espectrofotômetro de fluorescência de raios-X utilizado é o modelo XRF Philips Magix Pro. 4.2.6 Espectrofotômetro de infravermelho por Transformada de Fourier Este equipamento de infravermelho por transformada de Fourier, modelo Mattson Genesis II FTIR, foi utilizado para caracterizar qualitativamente a composição da CBA e das pastas produzidas com a pozolana, de forma a identificar os compostos formados na hidratação, durante a reação pozolânica. O equipamento, durante o procedimento de ensaio, libera radiação infravermelha no material, cujas moléculas a absorvem. A interação da radiação com a molécula provoca sua vibração, que é identificada pelo equipamento de acordo com a amplitude do movimento da molécula. 4.2.7 Equipamento de análise termogravimétrica A realização do ensaio de análise termogravimétrica é outra prática muito útil para determinação dos compostos de pastas produzidas com cal/pozolana e cimento/pozolana. O primeiro resultado que o ensaio fornece é a curva termogravimétrica (TG), em que se analisa a perda ou ganho de massa do material em função da temperatura. Por meio desta curva, pode-se deduzir quais compostos existem no material. Outro dado importante fornecido é a derivada termogravimétrica (DTG), que é justamente a derivada da curva TG. A DTG indica a variação de massa através dos picos da curva TG. Segundo Tashima (2007), com o auxílio das Equações 4, 5, 6 e 7, pode-se verificar qual foi o material que sofreu decomposição de acordo com a temperatura do gráfico. 48 Equação 4 Equação 5 Equação 6 Equação 7 É possível também obter a curva de análise térmica diferencial simultânea (STDA), em que se classificam variações de massa como endotérmicas ou exotérmicas. O equipamento, modelo TGA 850 Mettler-Toledo, fornece simultaneamente as curvas TG, DTG e STDA. 4.2.8 Microscópio eletrônico de varredura O equipamento de microscopia eletrônica de varredura (MEV) foi utilizado para fornecer informações sobre a morfologia da microestrutura da CBA, sendo possível analisar a formação dos compostos das reações pozolânicas. O processo de funcionamento consiste na varredura da superfície do material por meio de emissão de elétrons, os quais podem ser absorvidos ou refletidos. Com estes sinais captados pelo equipamento, as imagens são formadas pelo programa de aquisição de imagens. O equipamento, modelo Zeiss EVO 1515, foi carregado com uma carga de 20 kVolts para aplicá-la sobre o material, obtendo assim as imagens. 4.2.9 Difratômetro de raios-X O equipamento de difração de raios-X (DRX) modelo Seifer TT 3003 foi utilizado para determinação de fases cristalinas e amorfas nas amostras de CBA. O funcionamento do equipamento consiste em medir os desvios dos raios-X ao incidirem na amostra analisada. 4.2.10 Granulômetro a laser O granulômetro a laser modelo Mastersizer 2000 foi utilizado para determinar com 49 precisão a distribuição granulométrica por difração a laser (ADL). O aparelho funciona de acordo do com princípio de captação da dispersão de luz incidida sobre a partícula do material em análise. O equipamento possui capacidade de medir diâmetros entre 0,02 e 2000 µm, além de contar com uma sonda ultrassônica de baixa potência para dispersar partículas em meio aquoso. 4.2.11 Argamassadeira industrial A argamassadeira, da marca Amadio, utilizada nesta pesquisa tem capacidade de produzir até 5 kg de material por vez. O equipamento também possui três opções de velocidades: 124, 220 e 450 rpm. 4.2.12 Máquina universal de ensaios A máquina universal de ensaios foi utilizada para estudar as propriedades mecânicas das argamassas produzidas com cimento e pozolana, em função da resistência à compressão. A máquina, da marca EMIC, possui capacidade máxima de 200 toneladas. O ensaio foi realizado com uma taxa de carregamento de 0,30 MPa por segundo, conforme a NBR 7215 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1996). 4.2.13 Demais equipamentos Além dos equipamentos supracitados, foram necessários outros equipamentos, como balança de precisão, mesa de consistência, mesa vibratória, fôrmas de aço, câmara úmida e estufa. 4.3 METODOLOGIA O procedimento experimental é esquematizado na Figura 11. O experimento se baseia na obtenção e caracterização da cinza de bagaço de cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA), além da produção e caracterização de aglomerantes compostos por cimento e CBA. A seguir, cada etapa é detalhadamente explicada. 50 Figura 11 – Organograma da metodologia aplicada na pesquisa Fonte: Próprio autor. 4.3.1 Produção de cinza de bagaço da cana-de-açúcar e argila calcinada (CBA) 4.3.1.1 Secagem da argila e do bagaço da cana-de-açúcar A argila foi obtida em blocos de 5 kg cada, com teor de umidade visivelmente alto. Para reduzir a umidade, os blocos passaram por processo de secagem a céu aberto por um período de 48 horas. O bagaço da cana-de-açúcar foi coletado em sacos e levado a secagem a céu aberto por um período de 24 horas. A Figura 12 mostra o processo de secagem dos materiais. 51 Figura 12 – Materiais utilizados: blocos de argila (a) e bagaço de cana-de-açúcar (b) Fonte: Próprio autor. 4.3.1.2 Preparação da argila Os blocos de argila foram moídos para reduzir o tamanho das partículas do material. O processo foi feito com 15 kg de material por vez, durante um período de 20 minutos. Foi utilizado este tempo de moagem pois foi verificado que era o suficiente para pulverizar o material, sem a necessidade de atingir partículas mais finas. Em seguida, a argila passou por peneiramento, a fim de retirar impurezas grosseiras que poderiam estar nos blocos. Foram peneirados aproximadamente 5 kg de material por um período de 10 minutos e foi recolhido somente o material que passou na peneira ASTM 50, correspondente a 300 µm. 4.3.1.3 Confecção e calcinação dos blocos sólidos combustíveis (BSC) A próxima etapa consistiu em confeccionar os blocos sólidos combustíveis (BSC). Misturou-se manualmente bagaço e argila nas proporções 1:0,10, 1:0,15 e 1:0,2 em massa, com a finalidade de se obter a proporção adequada. Adicionou-se água na proporção bagaço/água de 1:0,125 em massa. A água foi utilizada para promover aderência entre os materiais. Foi escolhida a proporção bagaço/argila de 1:0,15, pois verificou-se que o bloco adquiriu boa resistência à fragmentação, uniformidade e porosidade aparentemente alta, de modo a facilitar o processo de autocombustão. Após a compactação na prensa de tijolos, os BSC passaram por secagem a céu aberto por um período de 48 horas para retirada de umidade excessiva, como ilustra a Figura 13. 52 Figura 13 – BSC confeccionados (a) e em processo de secagem a céu aberto (b) Fonte: Próprio autor. O próximo passo foi calcinar os blocos. Como procedimento, foram colocados aproximadamente 50 blocos no forno, totalizando em torno de 9,5 kg, conforme a Figura 14. O processo de queima inicia-se com o fornecimento da chama por um dispositivo fogareiro a gás. Após a chama se espalhar pelos blocos, o fornecimento de fogo é cessado, mantendo a combustão pela própria queima do material. A temperatura de queima foi monitorada a cada 5 minutos com a utilização de um termopar por um período de 450 minutos (7 horas e meia). A máxima temperatura atingida no forno foi 694 °C, durante aproximadamente 2 horas. Após 24 horas, a CBA foi retirada do forno. A curva da temperatura em função do tempo está na Figura 15. Figura 14 – Colocação do BSC no forno Fonte: Próprio autor. 53 Figura 15 – Curva da temperatura ao longo do tempo de calcinação do BSC Fonte: Próprio autor. Após retirada do forno, a CBA passou por processo de peneiramento, em que o material não calcinado corretamente e outras impurezas foram removidos. A massa de matéria removida é desprezível em comparação à massa de CBA obtida, porém a presença de impurezas poderia reduzir a reatividade da cinza. Foi colocado cerca de 1 kg de CBA por 5 minutos, coletando apenas o material que passou na peneira ASTM 50, referente à abertura de 300 µm. Por fim, a última etapa a ser realizada foi a moagem da CBA, a fim de reduzir o tamanho das partículas e aumentar a superfície específica do material. No moinho foram colocados 15 kg de CBA. No estudo de Pereira et al., (2015) foi utilizado um moinho semelhante ao deste estudo para moer CBC e os resultados indicaram que o melhor tempo de moagem foi de 50 minutos. Desta forma, optou-se por realizar a moagem pelo mesmo período. 4.3.2 Caracterização físico-química A caracterização da CBA é o primeiro passo para avaliar a reatividade pozolânica e portanto, verificar seu potencial de utilização como pozolana. 54 O ensaio de fluorescência de raios-X (FRX) foi realizado para analisar a composição química da CBA. Como resultado, espera-se que a composição seja principalmente de SiO2 e Al2O3, justif