Fractal: Revista de Psicologia, v. 32, n. 3, p. 306-317, set.-dez. 2020. doi: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 Artigos Introdução As pessoas que assumem as expressões travestis e transexuais têm, constantemente, suas vidas associadas à prostituição. Os estudos sobre travestilidades e transe- xualidades, que mergulham nos cotidianos destas pesso- as, apresentam aspectos sobre as práticas de prostituição como constituintes de relações sociais enquadradas e es- tigmatizadas. Como afirma Marcos Benedetti (2004, p. 5), em relação às travestis: [...] apesar destas mudanças no papel e lugar social ocupado por este grupo, ainda é comum a ideia de que as traves- tis constroem sua identidade sexual e de gênero motivadas apenas pela prostituição e pelos ganhos financeiros que esta atividade pode proporcionar. As relações que atravessam essas posições tidas como abjetas, como práticas de trabalho, práticas sexuais e de subsistências dissidentes, permeiam as produções de co- nhecimentos acerca deste grupo. Temos observado pro- duções que têm rompido com padrões heteronormativos, binários e burgueses. Ao iniciarmos estas problematizações, pensando re- lações de poder e resistências, tomamos como premissa fazer emergir diálogos sobre o trabalho na prostituição como forma de trabalho, mas também como práticas sociais, estéticas, táticas e políticas de sobrevivência e prazeres; podendo agir como manutenção e/ou subversão dos estilos de vidas heteronormativas, padrões universais e estereótipos biologizantes. Iniciamos, aqui, nossas defesas sobre o que é ser “puta”,1 como mais uma atividade mediada por relações comerciais, organizadas de diversas formas e que relacio- nam poder, força e resistência. Resultam, assim, na pro- dução de múltiplos sentidos que compõem tal atividade, dada a variedade de possibilidades que as manifestações 1 O termo “puta” é escolhido dentre os diferentes termos utilizados na definição desta atividade: prostituta, profissional do sexo, garota de programa etc. Essa opção encontra-se respaldada na defesa feita por algumas putas (mulheres cis, mulheres trans e travestis) pelo uso do termo como afirmação política do lugar de puta, conforme discussão entre diferentes denominações levantada por Gabriela Leite (SILVA; PERES, 2016). Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” Herbert de Proença Lopes, H Wiliam Siqueira Peres, Adriana Sales Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, SP, Brasil Resumo A proposta deste texto é estabelecer diálogos com os estudos sobre as travestilidades e transexualidades que possam contribuir para as problematizações acerca dos modos de subjetivação e práticas sexuais dissidentes e abjetas. As expressões de gêneros desviantes dos modelos de produção normativos são sublinhadas, neste diálogo, a partir da exploração dos prazeres e práticas se- xuais que transbordam visões naturalizadas e reprodutivas, iniciando com a problematização da prostituição como modo de vida, trabalho, socialização e de descoberta de saberes em relação às práticas sexuais. Tais problematizações partem de duas pesquisas realizadas em pós-graduação em Psicologia, ambas sob orientação do método da cartografia e desenvolvidas com participantes do movimento social organizado. Com base em perspectivas teórico-políticas queer, procuramos por posições alternativas que não tomem a dissidência pelo viés da negatividade, mas interessados nas pedagogias alternativas que operam nos territórios de subjetivação trans e que ampliam as noções sobre “ser gente”. Assim, entendemos que estas problematizações podem estabelecer conexões com outras experiências e provocar a ampliação de esquemas de saber que considerem as dissidências como formas de resistências micropolíticas e desejantes. Palavras-chave: práticas sexuais; travestilidades e transexualidades; perspectivas queer. Pleasures, sexual practices and abjection: travestis, transsexuals and limits of “being a person” Abstract This paper proposes dialogues with studies about travestis and transsexuals that offered contributions to problematize modes of subjectivation and sexual practices dissidents and abjects. The gender expressions that deviate from normative production models featured, in this paper, from the exploration of pleasures and sexual practices that extrapolate naturalized and reproductive visions, starting with a problematization of prostitution as a way of life, work, socialization and discovery of knowledge regarding sexual practices. Such problematizations come from research developed in Psychology postgraduate courses, under the methodological guidance of cartography and developed with participants from the organized social movement. Based on queer theoretical-polit- ical perspectives, we objective alternative positions that do not consider dissent as negativity, but more interested in alternative pedagogical forms in territories of trans subjectivation and that can broaden the notions about being “a person”. These problema- tizations can establish connections with other experiences and cause the expansion of knowledge schemes that consider dissent as modes of micropolitical and desiring resistance. Keywords: sexual practices; travestis and transexuals; perspectivas queer. H Endereço para correspondência: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes- quita Filho - Campus de Assis. Av. Dom Antônio, 2100 - Parque Universitário, Assis, SP – Brasil. CEP: 19806-900. E-mails: herbert.proenca@gmail.com, pe- reswiliam@gmail.com, adriana.salesunesp@gmail.com. Os dados completos dos autores encontram-se ao final do artigo. Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License. Recebido em: 30 de dezembro de 2017 1ª avaliação: 21 de março de 2020 2ª avaliação: 23 de junho de 2020 Aceito em: 4 de agosto de 2020 https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 https://orcid.org/0000-0003-3360-7039 https://orcid.org/0000-0002-5968-4203https://orcid.org/0000-0002-5968-4203 https://orcid.org/0000-0002-7089-1115 mailto:herbert.proenca@gmail.com mailto:pereswiliam@gmail.com mailto:pereswiliam@gmail.com mailto:adriana.salesunesp@gmail.com http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/ Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” destas questões compreendem. Muitos destes sentidos, ao serem problematizados, nos levam a pautar processos de exclusão que também compõem os modos de ser puta. Nossos interesses, entretanto, estão em outras perspec- tivas destas relações: as que nos conduzem às potências das vidas, dos desejos, das realizações e de práticas se- xuais dissidentes que borram a fixidez identitária binária. No diálogo proposto, procuramos conexões com perspectivas queer, como as encontradas em Judith Butler (1999, 2003), Paul B. Preciado2 (2011, 2014) e Guacira Lopes Louro (2000, 2004), pois indicam posi- ções de conhecimentos e práticas mais potentes, e, as- sim, recusamo-nos a abordar o lugar da dissidência como negatividade. Em Rosi Braidotti (2013), compartilhamos a ideia de que as transformações de paradigmas, estrutu- ras sociais, econômicas, políticas, sexuais, entre outros aspectos configurados como parte das crises da contem- poraneidade, impõem a necessidade de novos esquemas de pensamentos. Segundo a autora, precisamos combinar crítica e criatividade para a criação de novas ontologias possíveis, que possam considerar os desafios contempo- râneos e estabelecer relações éticas para a defesa das di- ferentes formas de vida. Este artigo propõe um debate teórico sobre as traves- tilidades e transexualidades enfatizando a visibilidade destas expressões de gêneros para além da associação única com a prostituição. Esta pode considerada um dos atravessadores dos processos de subjetivação de muitas travestis e transexuais, motivo pelo qual a trouxemos para este debate. Mas a vida destas pessoas, no entanto, não se resume a isso. Ampliamos o olhar, tanto no que se refere ao aumento das possibilidades de trabalho e sub- sistência que esta população tem conquistado quanto no que concerne às atividades de prostituição, não restrito aos aspectos excludentes, considerando a multiplicidade destes processos. A discussão que propomos tem diálogo com duas pesquisas de pós-graduação em Psicologia finalizadas em 2018, uma de doutorado (SALES, 2018) e uma de mestrado (LOPES, 2018), ambas orientadas pelo terceiro autor deste trabalho. As pesquisas foram desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Univer- sidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP/ Assis). A primeira problematizou a relação de travestis brasileiras e a escola, e dialogou com treze lideranças do movimento nacional de travestis e transexuais, encon- trando narrativas de produção de existências na cons- trução de corporalidades, sexualidades na relação com experiências escolares (marcadas por processos de exclu- são) e com experiências de militância (marcadas por pro- cessos de resistência). Já a segunda interessou-se pelos modos de resistências atravessados por práticas teatrais e 2 Paul B. Preciado, filósofo trans espanhol, relata parte de seu processo de transi- ção no livro Un apartamento en Urano: crónicas del cruce (PRECIADO, 2019). Utilizamos o nome Paul B. Preciado no corpo do texto por ser o modo adequado de tratamento do autor. Com exceção deste livro, mantivemos nas referências bibliográficas o nome Beatriz Preciado por ser a forma encontrada nos bancos de dados e nos livros e textos publicados anteriormente ao uso de nome Paul, pelo autor. Frisamos que, com isso, não descaracterizamos a luta pelo reconhecimento das identidades trans. Esta nota tem a função de esclarecimento, mas também de posicionamento em favor do reconhecimento do nome social como direito das pessoas trans e travestis. desenvolveu-se a partir de oficinas de teatro vivenciadas com participantes do Coletivo ElityTrans, formado por travestis e transexuais da cidade de Londrina, interior do Paraná. Além da proximidade temática e da interlocução com o movimento social, que marcaram as referidas pesqui- sas, ambas buscaram no método cartográfico elementos teórico-metodológicos para a construção das experi- ências geradas nestas interlocuções. A cartografia con- tribuiu para problematizarmos as relações de pesquisa, questionando certa separação entre sujeito-objeto, partin- do da compreensão de que tais relações se constituem no processo de cartografar, não sendo dada de antemão. Ao contrário de isolar o “objeto” de pesquisa, a proposta car- tográfica visa estudá-lo em sua composição sócio-históri- ca, a partir da rede de forças que constitui os fenômenos estudados (ALVAREZ; PASSOS, 2009). Nessa linha, nos propomos a compor a relação de pesquisa com as participantes, uma relação que implicou o envolvimento da pesquisadora e pesquisador, uma vez que ambos participavam ativamente dos processos polí- ticos que caracterizam os coletivos pesquisados, estando envolvidos(as) com os territórios existenciais por onde caminharam as pesquisas, e posicionados eticamente em relação ao sentido que tais pesquisas tiveram na promo- ção e defesa da vida, diante dos cenários de marginaliza- ção, exclusão e violência que atingem sistematicamente as populações pesquisadas. Assim, ao contrário de “saber sobre” as participantes, nos propomos a “saber com” elas, procurando romper com as violências epistemológicas que caracterizam os paradigmas tradicionais de ciência (ALVAREZ; PAS- SOS, 2009). As narrativas que trouxemos para a pesqui- sa foram produzidas com base nesse posicionamento, constituídas nos diversos encontros possibilitados pelo pesquisar. Neste artigo, trouxemos recortes do vasto conjunto de narrativas encontradas. Esses recortes refe- rem-se, especificamente, às experiências da pesquisa de mestrado e foram produzidos durante as oficinas de te- atro (LOPES, 2018). Através de uma cena narrada por uma das participantes, ativista trans, durante as experi- mentações teatrais constituintes da referida pesquisa, desenvolvemos este artigo, procurando analisar os temas por esta cena suscitados. A partir disso, articulamos olha- res sobre travestilidades e transexualidades e indagações sobre práticas sexuais, buscando problematizar os modos de subjetivação atravessados por estas vias, onde se en- contram a produção de territórios de exclusão e subver- são. Cenas de territórios de exclusão e subversão A relegação de travestis e transexuais a territórios de subjetivações específicos, como o do mercado do sexo, é, sem dúvida, traço marcante para apontarmos as violên- cias que constituem seus modos de vida, violências estas que se associam à produção de gêneros e sexualidades. A prostituição se configura, na experiência de vida de mui- tas travestis e transexuais, como um processo social que vai configurar a transfobia, quando entendida do ponto de Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 307 Herbert de Proença Lopes; Wiliam Siqueira Peres; Adriana Sales vista estrutural. Assim, a ideia da prostituição como um destino comum, considerado o único território possível para a existência de travestis e transexuais, é uma evidên- cia desta violência, conduzida por uma dinâmica social excludente. Somam-se a isso todas as formas de exclu- são que são geradas pelo exercício de uma atividade que, não tendo regularização, é submetida a condições inade- quadas ao exercício digno de uma atividade profissional. Temos, ainda, as formas de preconceito e discriminação associadas a valores morais e normativos, fatores que aumentam a invisibilidade sobre as duras realidades de trabalho. Os sistemas de invisibilidade, tais como os atu- antes sobre o trabalho na prostituição, por sua vez, refor- çam as práticas de violência e, muitas vezes, favorecem a impunidade. Sinalizamos como transfobia todas as formas trans- postas de violências físicas, psicológicas e excludentes em relação às pessoas travestis e transexuais que vi- vem essas expressões de vida, resultando em processos de sofrimento, estigmatização e marginalização, que, somados, promovem a anulação de suas potências. A transfobia, assim, é constituída por diferentes formas de exclusão, que são exercidas em instituições como a famí- lia, a escola, o trabalho, entre outros. As dinâmicas existentes entre as formas de exclusão destacam que expressões de transexualidades e travestili- dades não são permitidas dentro dos critérios normativos para as relações sociais e institucionais. Travestis e tran- sexuais têm o acesso aos direitos dificultado ou negado sistematicamente, e isso gera, em muitos casos, exclusão do espaço familiar e da instituição escolar e, por sua vez, barreiras para o ingresso no mercado de trabalho formal. Os processos de exclusão transpõem-se em práticas de violência, pois partem de pressupostos de gênero, sexua- lidades e relações sociais normativos e binários, que não dão conta de modos de vidas singulares. Tais formas de imposição de poderes têm buscado or- ganizar as cidades e as relações pessoais (psicossociais), os trânsitos e os ambientes, de modo higienista e norma- tivo. Como encontramos em Benedetti (2004, p. 5), uma das ideias que reproduzem o estigma e a exclusão social que cerca este grupo é a de que “a construção do corpo e do gênero das travestis dá-se única e exclusivamente em função do interesse pelos rendimentos financeiros pro- porcionados pela prostituição”. Sobre as práticas de prostituição, que se referem às formas de ser puta (conforme anteriormente citado), po- demos disparar trânsitos nos seguintes eixos: os territó- rios onde tais práticas acontecem; como se organizam as relações comerciais; quais relações de poder se exercem e como são estabelecidas as hierarquias; quais as vio- lências cotidianas e as situações de risco que acometem as pessoas que vivenciam tais práticas; entre muitos as- pectos. Dentre estes, queremos sublinhar os regimes de verdades que regulam os prazeres e as práticas sexuais. Estes regimes dificultam, inclusive, as possibilidades de produzir significados sociais críticos, múltiplos e com- plexos sobre o tema, isentos de perspectivas moralistas, discriminatórias e cruéis. Tais inquietações podem nos levar a caminhos que se guiam pela defesa de territórios que sejam mais demo- cráticos. As denúncias que retratam os controles sobre as vidas destinam-se aos processos de exclusão vividos por travestis e transexuais em seu cotidiano. Mais que isso, tais controles procuram delimitar os territórios permiti- dos para sua existência. Dentre eles, temos como espaço de status, sobrevivência, relações familiares e afetivas, os universos da prostituição, o assumir-se puta. Nestes caminhos, são mapeadas outras geografias, impulsiona- das por perspectivas teóricas marcadas pelas aberturas que os estudos feministas criaram no campo de produ- ções científicas. Evidenciamos, com isso, os posiciona- mentos éticos/políticos que configuram os olhares sobre os fenômenos estudados e nos responsabilizando pelos conhecimentos produzidos, conforme discutido por Don- na Haraway (1995). Estas aberturas reconhecidas por serem avanços na história da humanidade garantem que “as pluralidades de abordagens nesse campo de saber são expressões de sua riqueza teórico-metodológica, e se convertem também em energias que renovam os debates e o avanço científi- co” (SILVA, 2009, p. 50). Os crescentes estudos, que trazem às configurações de sexualidades os espaços, expressões marginalizadas e estigmas enfrentados pelas pessoas que escapam das “normas”, também dão suporte para acreditarmos que longos caminhos serão necessários para avançarmos nes- te campo de estudos, de forma a contribuir para a garantia de direitos, pois há necessidade de superarmos metodolo- gias descritivas de mapeamentos apenas em perspectivas sexuais (SILVA, 2009). Em relação à associação entre prostituição e travestis e transexuais, recorremos à fala de uma atriz transexu- al, ativista do movimento trans, no interior do Paraná, e participante da pesquisa de mestrado mencionada ante- riormente. Esta fala descreve mais diretamente o que ten- tamos argumentar. Diz ela: “Quando me questionam por que nossa imagem é associada à prostituição, costumo questionar de volta: com quantas travestis você estudou na escola?”3 No meio das variadas formas de denúncia, reconhe- cemos que mesmo posições de contestação aos efeitos perversos de um sistema que cria gêneros e dispõe-se a regular as vidas podem ser capturadas por perspectivas moralizadoras. As lutas que se levantam contra as va- riadas formas de opressão, que destacam a prostituição como evidência da falta de possibilidades, ou destino único, podem em muitos casos estar marcadas por um viés moralizante. Trata-se de uma forma de assimila- ção, que visa efeito semelhante à da aceitação prometida às travestis e transexuais, com a condição de que suas expressões de gêneros produzidas reproduzam normas binárias universais. Antes de estas observações serem apontadas como aspectos que desqualifiquem tais lutas, 3 Esse depoimento e os demais presentes neste texto referem-se a um extrato da fala de uma participante da pesquisa de mestrado e compõem os materiais de pesquisa. Ressalta-se que a pesquisa tem aprovação do Comitê de Ética. 308 Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” consideramos, por outro lado, importante pensá-las como questões que atravessam os modos de subjetivação nas expressões dissidentes. Às pessoas, de modo geral, são destinados modelos do que seja mulher e homem, respectivamente. Com suas variações, são modelos fixos e padrões identitários destas expressões, e, do mesmo modo, modelos identitários são destinados às pessoas trans e travestis. Por outro lado, as expressões de gêneros a que nos referimos são múltiplas e transbordantes, pois excedem regras tidas como neces- sárias à existência pessoal. Recorremos à prostituição para iniciar esta empreita- da e, a partir dessa associação e de apontamentos iniciais, queremos fazer outras perguntas. E se uma pessoa traves- ti ou transexual que se prostitui (pois não são, obviamen- te, todas as pessoas travestis e transexuais que o fazem) não o faz por necessidade ou falta de oportunidades? E se manifestar desejo pessoal por este tipo de prática? Ob- viamente, não podemos reduzir os atravessamentos que agem nos referidos modos de subjetivação a dois eixos polarizados: necessidade ou desejo. Assim, cabe uma úl- tima pergunta: como, nesse caso, poderia o sistema de re- gulação de gêneros desvar tais pessoas desta subversão? Para nossa problematização, o tema se revela um interessante ponto de partida, pelo tipo de relações que evidencia e pelo que oculta. O que nos interessa são as práticas sexuais, mais especificamente as que não se con- formam ao modelo reprodutivo normatizado, biologica- mente, popularmente conhecido como “papai-mamãe”, adequado para as pessoas fazerem bebês. “Papai-mamãe” é conhecida como uma posição sexual em que o homem, que assume papel ativo, se deita sobre a mulher, que tem papel sexual passivo. Outra definição, em Gilles De- leuze e Félix Guattari (2010), aborda o “papai-mamãe” como uma forma de reducionismo atribuído ao modelo de triangulação psíquica, que se instaura como modelo universal de subjetividade. Optamos por brincar com esse termo, utilizando-o como imagem para descrever as formas de realização de práticas sexuais que relacionam, de maneira crítica, estes sentidos. As práticas sexuais pressupõem uma relação de duas ou mais pessoas. Nas atividades de prostituição, elas su- gerem, ainda, a realização de desejos que vão além das proporcionadas na vida cotidiana comum. Não somente travestis e transexuais, mas muitas putas cisgêneras são procuradas para realizar os desejos que não são realizados nas relações conjugais domésticas. Um desejo além do “papai-mamãe”. Em busca de travestis e mulheres trans, é frequente grande variação de homens casados ou sol- teiros, ativos ou passivos, bofes ou mariconas,4 em busca destas práticas, prazeres e relações para além-sexo. En- fim, trata-se de experiências diversas, mas que em alguma medida provocam as normativas estabelecidas pelo sis- tema sexo/gênero/desejos/práticas sexuais, proposto por 4 Estes termos fazem parte da linguagem utilizada entre grupos LGBT, muito usa- da em contextos travestis e transexuais. Em linhas gerais, “bofes” são homens jovens e ativos; “mariconas” são homens mais velhos e passivos. Judith Butler (2003). Que tipo de subversão tais práticas concretas geram no sistema? Quais tempos lhe são ofer- tados e em quais geografias são permitidos seus acessos? As formas subversivas do “papai-mamãe”, na explo- ração dos prazeres sexuais, que possibilitam o universo da prostituição, geralmente são associadas a travestis ou transexuais, não aos clientes. O mundo de experimen- tações vividas no quarto de motel, ou dentro do carro, ou no terreno baldio, ou onde for possível realizar o afã sexual – que é vivido entre essas pessoas –, pouco se as- socia (no imaginário social) aos clientes que procuram as travestis e os transexuais. A discrição e o anonimato, que permeiam tais modos de relação, são reforçadores de processos de invisibili- zação, que agem num duplo ocultamento: por um lado, oculta o “Outro/Outra” da relação sexual, invertido em relação a(o) sujeita(o) da diferença: no caso, o cliente, resguardado de seu valor moral perante a sociedade. Por outro lado, oculta condições de existências que agem so- bre algumas vidas negando a elas (porque não vê) o aces- so a direitos, inclusive direitos básicos e sexuais. Trata-se de processos de ocultamento e invisibilidade que engendram as produções dos prazeres e desejos sexu- ais dentro de dispositivos que regulam as sexualidades, definem o que deve ser silenciado ou, em outras palavras, o que não deve existir. Processos como esses operam con- tradições como a que faz o Brasil estar no topo do ranking de acesso à pornografia transexual, de acordo com o site RedTube,5 ao mesmo tempo que, em outro ranking, apa- rece como um dos países de maior violência transfóbica.6 O que muito se deseja, muito se mata? Propomos as práticas sexuais e desejantes como li- nhas de problematizações a serem desfiadas neste texto, primeiro porque essa discussão nos faz considerar os sis- temas morais que agem na regulação de tais práticas e reforçam marcadores identitários fixos, não somente em relação às práticas, mas também em relação às pessoas que as vivenciam. Os aspectos desviantes dos prazeres sexuais são associados às formas abjetas produzidas pelo sistema de materialização dos gêneros. Não somen- te isso, o sistema determina qual expressão/identidade, quais desejos, quais práticas sexuais são permitidas. Tudo que não é permitido não é possível de existir, pois é humanamente impensável. Queremos apresentar uma cena, para instigar nossa posição e – por que não? – esquentar nosso diálogo. Esta cena foi narrada pela participante da pesquisa de mestra- do, anteriormente citada. A participante, que é ativista do movimento trans, narra a seguinte situação, vivida num salão de cabeleireiro de seu bairro: Eu estava no salão de cabelereiro numa tarde e aquela mu- lher chegou pra mim e disse: - Eu quero te fazer uma pergunta íntima! 5 Conforme dados do levantamento publicado pelo site RedTube (REDTUBE..., 2016), que analisa o perfil do Brasil no acesso ao site de pornografia 6 Conforme dados atualizados em 2016 do relatório Transgender Europe’s Trans Murder Monitoring da organização Transgender Europe. O rela- tório, em inglês, está disponível no site: https://transrespect.org/en/map/ trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016. Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 309 https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016 https://transrespect.org/en/map/trans-murder-monitoring/?submap=tmm_2016 Herbert de Proença Lopes; Wiliam Siqueira Peres; Adriana Sales Provavelmente eu imaginei que ela ia me perguntar se eu era operada ou coisa parecida. Aí ela me disse assim: - Aí, eu tô muito preocupada, eu não sei o que fazer. Eu preciso saber como é que dá o cu. Porque meu marido quer comer meu cu, mas eu nunca dei o cu. E uma amiga me disse que se eu não desse o cu pra ele, ele ia comer fora. Então, você pode me ensinar a dar o cu? Aí eu disse: - Olha, dar o cu é todo um ritual. Você precisa de uma pre- paração. Então, primeiro você pega e analise o tamanho do pau do seu companheiro, tipo, se for um pau pequeno, você pode fazer todas as posições, se for um pau médio, você já tem que escolher uma posição mais confortável. Agora se for um pau grande, tem que ser determinadas posições por- que senão fica muito desconfortável, você precisa saber o que fazer a partir do pau que tem ali na sua frente. A melhor posição, pra você que tá iniciando, é você deitá-lo e subir em cima de coqueirinho. - O que é coqueirinho? Ela perguntou. - É uma posição sexual onde você comanda a situação indo por cima do seu parceiro. Isso é coqueirinho, um sobe e desce em cima do seu parceiro, até gozar (Trecho do Diário de Campo, materiais de pesquisa). Se esta cena (uma conversa picante de salão) revela libertação ou reconfiguração de uma demanda machista de realização sexual – que reforça a responsabilidade da mulher sobre o prazer do marido – não nos cabe discutir nesse momento. No entanto, consideramos importante pontuar essa questão na problematização da reprodução do machismo, inclusive na regulação das relações sexu- ais conjugais. Mais que o consentimento, é importante considerar o desejo, ambos compartilhados, nas negocia- ções cotidianas das práticas sexuais. Isso no sentido de evidenciar e desconstruir relações assimétricas de poder existentes entre quatro paredes. Porém, além deste destaque, outras coisas esta cena cotidiana revela: uma mulher, casada, pedindo conselhos a uma travesti sobre sexo anal. Primeiro, refere-se à bus- ca por um tipo de relação sexual “não-natural”. Segundo Paul B. Preciado (2014), a natureza humana, enquanto eixo constitutivo dos sexos e sexualidades, é uma tec- nologia social que busca reproduzir a equação natureza = heterossexualidade nos corpos e nos espaços, organi- zando-os e direcionando as possibilidades de prazeres. Segundo a autora, O sistema heterossexual é um dispositivo social de produ- ção de feminilidade e masculinidade que opera por divisão e fragmentação do corpo: recorta órgãos e gera zonas de alta intensidade sensitiva e motriz (visual, tátil, olfativa...) que depois intensifica como centros naturais e anatômicos da diferença sexual (PRECIADO, 2014, p. 25). Para o sistema de produção de gêneros, as formas não reprodutivas das sexualidades opõem-se à normali- dade heterossexual. Logo, as práticas anais nas relações sexuais não são bem vistas pelos essencialismos univer- sais que defendem hegemonias biológicas entre pênis e vagina. O cu se torna lócus de contestação destas práticas binárias sexuais e, por compor todas as corporalidades humanas, salvaguardados casos de deficiências corporais, possibilita democráticas formas de explorar estes corpos. Em contrapartida, tais práticas usando o cu nas re- lações sexuais são marcadas pelo que é marginal, sujo, inadequado e do universo do feminino, pois tal explora- ção anal está vinculada ao que é ser passivo (feminino, que recebe o pênis) e ser ativo (masculino, que introduz no ânus). Logo, defendemos que, por todo o contexto de negação, de exclusão e usos dos corpos trans, as pessoas travestis e transexuais já trazem seus cus na cara, porque estas pessoas embaralham os códigos legíveis nas práti- cas sexuais e usos de seus corpos, desorganizando a or- dem dominante machista e falocêntrica.7 O segundo ponto de destaque sobre a cena, refere-se à referência da imagem da travesti, associada pela mulher que a procurou. Podemos dizer que, neste caso, a travesti age como uma professora: um outro tipo de professora em outro tipo de escola, que ensina coisas “da vida”. Outras pedagogias de sexualidades e gêneros encontram espaço nos terrenos que o sistema heteronormativo pre- tendeu áridos e impotentes. Nos territórios de subjeti- vação de travestis e transexuais, e aqui frequentemente tendo a prostituição como participante, toda uma espécie de educação não-formal se desenvolve, possibilitando di- ferentes expressões de gêneros, sexualidades e, no caso de nosso interesse, prazeres e práticas sexuais. Existem pedagogias de sexualidade, conforme discu- tido por Guacira Lopes Louro (2000), que agem na pro- dução das expressões de gêneros, no disciplinamento dos corpos, no direcionamento do desejo e na regulação das práticas sexuais. As pedagogias procuram dar sentidos sociais aos corpos. Estas pedagogias agem como parte do dispositivo da sexualidade, como apresentado por Fou- cault (1984, p. 244), “um conjunto decididamente hetero- gêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filo- sóficas, morais, filantrópicas”. As verdades produzidas sobre as sexualidades se inscrevem nos corpos como marcas. Conforme Louro (2000, p. 16), as múltiplas instâncias sociais (escola, fa- mília, mídia, igreja, lei, entre outras) fazem um investi- mento sobre os corpos, “reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas” na constituição binária de homens e mulheres. Nesse sentido, cabe pensar sobre as pedagogias alter- nativas sobre os desejos e práticas sexuais. Uma vez des- viantes as sexualidades e já não admitidas como naturais, passam a gerar novos saberes acerca das sexualidades e das práticas sexuais. As professoras, no nosso caso as travestis e transexuais, são formadas na “vida”, de onde produzem seus saberes teórico-práticos. Como na cena acima narrada, podem ser procuradas por mulheres, ca- 7 Sobre esta questão, citamos o livro Por el culo: políticas anales, de Javier Sáez e Sejo Carrascosa (2011), onde os autores pretendem uma problematização sobre como se articula a política do cu permeada por uma rede de poder marcada tam- bém pelo ódio, machismo, transfobia e racismo. 310 Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” sadas ou não, para conversar sobre a experiência do sexo anal. Assim como podem ser procuradas por homens, casados ou não, pelo mesmo motivo. Mas, no caso, não necessariamente para conversar. Práticas sexuais abjetas e objetos de desejo Não existe pecado do lado de baixo do equador Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho Um riacho de amor Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo Que eu sou professor (CHICO BUARQUE, 1973) Boaventura de Souza Santos (2009) descreve a con- cepção humanista de sujeito como parte de uma epis- teme própria da modernidade, forjada com base numa cisão ontológica. Tal cisão parte de uma dicotomização necessária: o pensamento moderno, na linha do autor, é um pensamento abissal. De um lado da linha, a experiên- cia oficial de sujeito, aquele que pode ser visibilizado e que recebe, nesse sentido, estatuto absoluto de existência humana. Do outro lado, a experiência ininteligível de su- jeitas e sujeitos “selvagens” dos povos coloniais, povos “descobertos”. Tais experiências de vida não têm os di- reitos próprios de “gente”, segundo parâmetros propostos naquele modelo. Uma linha divisória separa os de lá e os de cá, selvagens e civilizados, sociedades industriais e po- vos não industriais, sujeitos e abjetos, normais e anormais. Não se situando fora das regulagens sociais e sexuais, os territórios da prostituição, assim como outros habi- tados por travestis e transexuais, permitem a criação de regras diferentes para o jogo, no caso, os jogos sexuais. A existência de pedagogias alternativas (não ausentes de violências) para as expressões e práticas sexuais permite um universo desconhecido e fascinante: mundos a des- cobrir envoltos de fantasias, fetiches e jogos sexuais a serem explorados. Ampliam-se as fronteiras do proibido, como na mú- sica de Chico Buarque “Não existe pecado ao sul do Equador”, que compõe a obra cênico-musical escrita pelo artista em parceria com Ruy Guerra. A peça, escrita em 1972 durante a ditadura militar, traz como cenário o Brasil do século XVII, na época dos conflitos entre portugueses e holandeses na disputa pela colonização de Pernambuco. A música citada, cantada pela personagem Anna de Amsterdam, prostituta que embarca para o Bra- sil, revela uma moral cristã questionada por sua heran- ça eurocêntrica, e que encontra limites na liberdade de costumes – tanto vivenciada pela prostituta quanto pelas relações sociais vividas na terra brasileira. A existência desses universos sexualizados, “excessi- vamente” sexualizados, é o paralelo constituinte dos uni- versos de relações dessexualizadas, ou de sexualidades “mornas”. As travestis e os transexuais muitas vezes são considerados “indivíduos míticos” por carregarem uma sexualidade negada ou reprimida. Esta atribuição mítica está ligada à relação que Guacira Lopes Louro (2000) faz da análise das queixas de uma instituição escolar sobre o comportamento de uma adolescente, considerado exces- sivamente sexualizado. Essa percepção da sexualidade como “excessiva” é possibilitada pelo seu oposto, uma dessexualização sistemática da instituição. Nesse para- lelo estabelecido, onde encontramos uma sexualidade presente/ausente nos diferentes lugares sociais, como nos seios das relações sexuais conjugais, elas, as excessivas, se constituem como a “outra”, que deve ser estigmatiza- da, mas também exerce certa fascinação. A questão aqui não é considerar que travestis e tran- sexuais, naturalmente pelo lugar social a que são cotidia- namente submetidos, vivenciam suas sexualidades livres das normas de gêneros. Mesmo porque há uma tendên- cia de que suas corporalidades, valores e crenças sejam subjetivados a partir das linhas de subjetivação normati- zadoras. São linhas que impõem, como modo de cons- trução única, a reprodução dos modelos dados a respeito de como expressar as masculinidades e feminilidades de acordo com os padrões vigentes e impostos pela lógica binária, reducionista e universal. Ao transformarem seus corpos, na busca por outra sexualidade, as travestis e os transexuais desafiam aber- tamente os aparatos de controle da sexualidade. Esta posição não determina, por outro lado, uma forma, uma identidade-modelo de transgressão e resistência à produ- ção normativa. Judith Butler (2003) aborda esse ponto de discussão no prefácio à segunda versão inglesa, apresen- tado também na edição em espanhol, de seu famoso livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identi- dade.8 Segundo ela, não é sua intenção Celebrar el travestismo como la expression de un género modelo y verdadero (si bien es imporante oponerse a la denigracion del travestismo que a veces tiene lugar), sino demonstrar que el conocimiento naturalizado del género actúa como una circunscripción com derecho preferente y violenta de la realidade (BUTLER, 2007, p. 28). A ênfase de Butler é destinada à extensão da legitimi- dade de gêneros para os corpos que têm sido vistos como falsos, irreais e ininteligíveis. Como afirma a autora, “el travestismo es un ejemplo que tiene por objeto esta- blecer que la ‘realidad’ no es tan rígida como creemos” (BUTLER, 2007, p. 29). A transgressão das fronteiras de gêneros ocorre a partir das transformações realizadas no processo de construção dos corpos de travestis e transexu- ais. Eles cometem essa transgressão, mesmo sem o saber, e colocam em debate a naturalização das sexualidades e dos gêneros, naquilo que é tido como mais “essencial”: o corpo. Segundo Larissa Pelúcio (2004, p. 138), os traves- tis “são o que construíram, essa é sua ‘natureza’. Não uma natureza anatômica, mas a do saber e do desejo”. As normas de gêneros são representadas por elemen- tos como: o dimorfismo ideal, a complementariedade he- terossexual dos corpos ideais e o domínio de concepções de masculinidade e de feminilidade adequadas e inade- quadas (BUTLER, 2007). Esse processo, colocado em curso pelo dispositivo biopolítico da sexualidade, como discutido por Foucault (1988), é operado por um sistema de produção de corpos sexuados e generificados como 8 Em espanhol, El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad. Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 311 Herbert de Proença Lopes; Wiliam Siqueira Peres; Adriana Sales sistema de sexo e gênero, conforme apresentado incial- mente por Gayle Rubin (1975) e retomado por Judith Butler (2003), com a adição de mais duas categorias de produção, passando-se a denominar sistema sexo/gênero/ desejos/práticas sexuais. A “verdade” sobre os gêneros, as expressões permi- tidas segundo normas e valores, garantem a produção de “gêneros inteligíveis” como referências para mascu- linidades e feminilidades. Referem-se a produções que buscam continuidade e coerência entre sexo biológico, as formas culturalmente constituídas de gêneros e a mani- festação de desejos realizados por meio de práticas sexu- ais admitidas e restritas à procriação. Essas regras normativas que agem na materialização dos gêneros compõem parte dos atravessamentos que constroem nossas experiências de vida. Segundo Butler (2007, p. 29), “determinan lo que será inteligiblemente humano y lo que no, lo que se considerará “real” y lo que no, establecen el campo ontológico en que se puede atribuir a los cuerpos expresión legitima”. Esses processos fazem com que as travestis e transe- xuais sejam rainhas durante a noite e monstros durante o dia. Sua presença é delimitada em espaços e tempos determinados, geografias e temporalidades que definem seus territórios existenciais. No outro lado do dia, do ou- tro lado da rua, ou “abaixo da linha do Equador”, vivem seres “míticos” cuja ontologia é negada pelas relações de poder determinantes para a existência do(a) Outro(a). Isso é permitido porque este sistema de produção de gêneros e corpos, de matriz heteronormativa, não tem uma origem natural fundadora. Trata-se de uma tec- nologia sexual social cujo curso é possível modificar, subverter, alterando-se, assim, a produção das identida- des sexuais. As travestis e os transexuais, assim como as bichas, as lésbicas, caminhoneiras, as sapas, as drag queens, dentre outras figurações políticas, são, como pro- voca Paul Preciado (2014, p. 31), “brincadeiras ontológi- cas, imposturas orgânicas, recitações subversivas, de um código sexual transcendental falso”. Outras ontologias possíveis, brincantes, subversivas, são expressões dissidentes deste modelo e que, por isso, recebem o lugar de abjeção. A ideia de abjeção está liga- da àquilo que não pode ser considerado humano, pois é impensável nas categorias-padrão de produção de sujei- tos. Para Butler (1999, p. 61), A construção do humano é uma operação diferencial que produz o mais e o menos “humano”, o inumano, o huma- namente impensável. Esses locais excluídos vêm a limitar o “humano” com seu exterior constitutivo, e a assombrar aquelas fronteiras com a persistente possibilidade de sua perturbação e rearticulação. Sabemos que a “humanidade”, o fato de sermos huma- nos, não é um dado natural à espécie, mas um processo que separa os mais ou menos humanos, processo que é defini- do por vários estratos, que agem enquanto linhas de seg- mentação nas formações subjetivas daquilo que pode ser chamado de humano. Agem nesse processo, em conjunto com as categorias de gênero, outros definidores de “huma- nidade”, como classe social, cor, raça e estética corporal. Associadas às produções de expressões de gêneros e sexualidades estão, como já afirmamos, as práticas se- xuais. Estas, como pretendemos destacar, também agem na composição dos sujeitos, do que pode ser considerado uma experiência “normal” (ou não) admitida. As per- versidades, como consideradas pelas instituições médi- co-legais desde o século XIX, referem-se às formas não reprodutivas de sexualidade, do fetichismo ao lesbianis- mo, passando pelo sexo oral e chegando à descoberta do prazer anal (PRECIADO, 2014). Essas formas estranhas, desconfiadamente humanas, serão consideradas queer pelo movimento teórico políti- co que ganha terreno nos Estados Unidos e Reino Unido a partir dos anos 90, e do qual fazem parte teóricas como Judith Butler, Paul B. Preciado, Guacira Lopes Louro, entre outras, com quem temos dialogado neste texto. O movimento queer intenta a desnaturalização das noções de sexualidades e gêneros e critica as identidades sexuais consideradas como fixas e estáveis, conforme o modo de produção apresentado acima. Recorre justa- mente ao lugar de afirmação da diferença, vista enquanto potencialidade e não como anormalidade. Demarcar um lugar (des)apropriado para abjeção consiste, assim, em demarcar espaços políticos de resistência. O termo queer é uma palavra da língua inglesa, uti- lizada comumente como insulto a população LGBT. Se- gundo Louro (2004, p. 7-8), Queer é tudo isso: estranho, raro, esquisito. Queer é, tam- bém, o sujeito da sexualidade desviante – homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o excêntrico que não deseja ser “integrado” e muito menos “tolerado”. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira ao centro nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do “entre lugares”, do indeci- dível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina. Queer é outra forma de conceber experiências de po- lítica sexual que não cabem nos moldes do humanismo clássico. As práticas sexuais consideradas como queer não afirmam, pelo contrário, questionam concepções atribuídas como naturais às relações sexuais. O descon- forto gerado pelo questionamento da ideia de natureza atribuída às sexualidades afeta alguns dos princípios da concepção clássica do sujeito moderno, universal, essen- cialista, eurocentrado e masculino. Sustentado por diferentes posições binárias, como as oposições homem/mulher, heterossexual/homossexual, ativo/passivo, normal/anormal, o sistema de produção dos gêneros vai encontrar na oposição natureza/cultura um importante sustentáculo para o modelo heteronorma- tivo, cuja legitimidade está na (aparentemente estreita) ligação entre sexualidade e natureza humana. Em suas 312 Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” formas adequadas, e não por acaso associadas a valores apropriados dos regimes morais, são vistas como expres- são de uma natureza humana. As formas dissidentes são consideradas perversões ao modelo natural. As vidas que se encaixam nesta descri- ção não são convidadas a participar do banquete da hu- manidade. Não recebem o mesmo tratamento destinado aos humanos, sendo submetidas a formas de desqualifi- cação, discriminação, estigmatização, negação de direi- tos, violências e, inclusive, à morte. Os crimes contra a vida de motivação transfóbica geralmente apresentam traços de crueldade – além da violência própria de tirar a vida de outrem. Em muitos casos, as vítimas têm os olhos perfurados ou os membros decepados, ou são enterradas de cabeça para baixo,9 ou quaisquer marcas físicas que revelam ódio aos corpos que ousaram atravessar as fron- teiras da natureza. Para as pessoas: direitos desviantes e subjetividades impossíveis As tecnologias corporais utilizadas, muitas vezes, por travestis e transexuais, como aplicação de próteses, sili- cone, hormônios, entre outras alterações, assim como as tecnologias sexuais que geram subversão ao modelo do sexo procriativo, configuram-se como parte das idealiza- ções “míticas” dessas identidades rotuladas e estigmati- zadas. Em diálogo com Preciado (2014), significamos as tecnologias sexuais e corporais acompanhadas pelas his- tórias das sexualidades, desde suas versões mais naturali- zadas. Neste caso, é importante tomar estas expressões a partir dos efeitos de questionamento que apresentam aos regimes de verdade que reiteram marginalidades a que são submetidas travestis e transexuais: A partir de nociones de diferencia y margen, se reiventa lo que entendemos por naturaleza. Se producen narrativas de resistencia con posiciones de sujetos híbridas, contradicto- rias, encarnadas, flexibles, parciales, fragmentadas, provisio- nales, nómadas, heterogéneas, atentas a sus efectos esencia- lizantes y excluyentes (RODRIGO; TORRES, 2005, p. 206). Aqui, a crítica ao sujeito10 universal e essencialista, que contém uma natureza humana, é colocada. É tão “natural” a concepção de humano quanto antinatural a relação anal, para humanas e humanos – se tomarmos esta ótica. De fato, são questionáveis as noções de hu- manidade que podem ser encontradas nas relações que constroem as vidas de travestis e transexuais. Paradoxal- mente, muitos espaços de militância, onde são conside- radas as reivindicações dessa população, levam o título de Direitos Humanos. Secretarias, Comissões, Grupos de Trabalho, Departamentos, entre outros espaços de Di- reitos Humanos, se encarregam de pautas advindas das ditas “minorias”, dentre elas a população LGBT11 e, mais especificamente, as travestis e os transexuais. Sobre a ca- tegoria “humano”, afirma Braidotti (2013, p. 11): 9 Estas três situações de homicídio transfóbico ocorreram recentemente na cidade de Londrina, Paraná. 10 Aqui, o termo “sujeito” é usado unicamente na flexão masculina de gênero gra- matical, dada a estreita relação que a concepção moderna de sujeito tem com o gênero masculino, no caso com a categoria Homem. 11 Pessoas lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transexuais. Este término disfruta de un amplo consenso y conserva la tranquilizadora familiaridad del lugar común. Nosotros afirmamos nuestro apego a la especie como si fuera um dato de hecho, um presupuesto. Hasta el punto de construir en torno a lo humano la noción fundamental de Derecho. Pero, ¿las cosas son de verdad así? Logo, a frase: “Direitos humanos para humanos direi- tos” traz à tona o incômodo frente às lutas em favor des- tas minorias. Lutas por direitos que seriam privilégios, segundo tal posição binária e universal. Um maior senso crítico e inteligência nos levariam logo a reconhecer que, infelizmente, a frase não representa uma reivindicação, mas a constatação de um sistema injusto no uso dos di- reitos das pessoas. Uma grande quantidade de pessoas que não são direitas (estão “à esquerda”) e, por consequência, estão à margem do acesso aos direitos garantidos aos humanos represen- tam, conforme denomina Preciado (2011), uma multidão dos anormais. Essa noção de humano/humana realmente não abarca todas as multiplicidades de experiências de vi- das, como defende Rosi Braidotti (2013, p. 11): No si por “humano” entendemos esa criatura que se nos há vuelto tan familiar a partir de la Ilustracion y de su herencia: el sujeto cartesiano del cogito, la kantiana comunidad de los seres racionales, o, em términos más sociológicos, el sujeto- -cuidadano, titular de direitos, proprietário, étctera, étctera. Braidotti (2013) coloca como central a problematiza- ção sobre os limites do humano, a partir de críticas an- ti-humanistas, para podermos pensar relações no mundo contemporâneo, marcado pelo que denomina por con- dições pós-humanas. O termo pós-humano, talvez uma brincadeira ontológica (nos termos de Paul B. Preciado), é descrito como um termo útil para indagar os novos mo- dos de se comprometer com o presente. Dentre as considerações que podemos trazer para o nosso diálogo estão, em primeiro lugar, as posições crí- ticas frente ao humanismo. O conceito de Humano tem como imagem principal o Homem, “medida certa de to- das as coisas”. O enunciado de Protágoras, simbolizado por Leonardo Da Vinci no “homem vitruviano”, é res- gatado por Braidotti para referir-se ao sujeito masculino associado ao termo “humano”. O ideal humanista, com essa e outras premissas excludentes, se instaura como um modelo universal que, de maneira hegemônica, tem de- terminado relações binárias entre Identidade e Diferença. Es central, por esta actitud universalista y por su lógica bi- naria, la noción de diferencia, entendida en sentido peyo- rativo. El sujeto equivale a la consciencia, a la racionalida- de universal y al comportamiento ético autodisciplinante, mientras que la alteridad es definida como su contraparte negativa y especular (BRAIDOTTI, 2013, p. 27). Atrelado à produção da diferença, sendo seu outro oposto, encontra-se o conceito de humano como sujeito racional, livre e de direitos. Esta noção produzida numa ordem de relações capitalistas reforça modelos identitá- rios que, por sua vez, instauram séries de violências siste- maticamente dirigidas para as expressões das diferenças. Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 313 Herbert de Proença Lopes; Wiliam Siqueira Peres; Adriana Sales Nas sociedades modernas ocidentais, estas noções estão na base de relações coloniais, patriarcais, machistas, ra- cistas, classistas, lgbtfógicas, xenofóbicas, higienistas etc. La toma de conciencia de la violencia epistémica va al mis- mo ritmo que el reconocimiento de la violencia en la vida real, que era y aún es practicada contra los animales, los no- -humanos y los otros agentes sociales y políticos deshuma- nizados por la norma humanista (BRAIDOTTI, 2013, p. 43). Os efeitos excludentes e violentos serão, no século XX, vivenciados em escala catastrófica (a exemplo das guerras mundiais) tanto quanto cotidiana (por exemplo, se considerarmos as violências transfóbicas). Também no século XX, mais especificamente na segunda meta- de, vemos emergir no cenário político sujeitas e sujeitos da diferença reivindicando seus direitos de existência (movimentos feministas, de trabalhadores e trabalhado- ras, movimentos de luta de gays, lésbicas, transexuais e travestis, entre outros). A emergência destes novos ato- res e atrizes, para nossa discussão, cria denúncias sobre os limites que o conceito de “humano” carrega, dada a desumanização presente nos modos de subjetivação des- tas minorias, como passaram a ser chamadas. O termo “minorias”, inclusive, é alvo de crítica pelos movimentos sociais, pois, dentre outros fatores, sugere atribuição de algo “menor” ao seu sentido. A visão reducionista do conceito de humano, que des- tacamos aqui como os limites de ser “gente”, é uma das posições-chave para considerar a inflexão pós-humana de Rosi Braidotti (2013). A autora apresenta tal perspec- tiva como uma política afirmativa que combina crítica e criatividade na busca por imagens e projetos alternativos. Para montar sua ficção ontológica do pós-humano, Braidotti (2013) recorre a diversos elementos contem- porâneos que nos indicam tanto preocupações quanto aspirações de um novo campo de pensamento crítico, lo- calizado e preocupado com o presente. Dentre os aspec- tos apresentados, estão as revoluções científicas guiadas pela biogenética, neurociências e ciências da informação, associadas às novas formações capitalistas, que criam re- des de relações econômicas, sociais, culturais, eróticas, etc., não (mais) somente humanas. A complexidade e os paradoxos de nossos dias na produção de novas formas de subjetivação exigem criatividade teórica para acom- panhar a produção de tais cenários de maneira crítica aos novos efeitos gerados nesses processos. A condição pós-humana é apresentada de maneira si- multânea, sendo configurada, por um lado, pela fascina- ção diante dessa condição, um aspecto crucial de nossa historicidade, observadas as formas de potencialização humana advindas do desenvolvimento científico. Por ou- tro lado, é colocada a preocupação com as aberrações, abusos de poder e outros aspectos negativos que geram novas formas de desumanidade. Ao apresentar sua pers- pectiva pós-humana, Braidotti (2013) intenta questionar os estatutos do humano e, nesse sentido, reformular a questão da subjetividade, a partir da necessidade de in- ventar formas de relações éticas adequadas à complexi- dade dos tempos atuais. Os pressupostos androcêntricos, antropocêntricos, in- dividualistas e essencialistas a que remontam o conceito de humano são todos eixos importantes a serem toma- dos por uma visão crítica pós-humana. Central para esse questionamento é a necessidade de retomar a relação na- tureza-cultura, a que recorremos para desconstruir visões dicotômicas que operam nas concepções de sujeitas e sujeitos, de gêneros e sexualidades. A posição adotada é a de não pautar a relação entre a natureza e a cultura como marcada por dois polos, toman- do distância, inclusive, das vertentes socioconstrutivistas que têm postulado uma distinção categórica entre o dado (natureza) e o construído (cultura). Segundo Braidotti (2013), os limites entre as categorias de “natural” e “cul- tural” têm sido fortemente esfumaçados pelos efeitos de desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Uma forma não dualista de abordagem destas categorias se apresenta num continuum natureza-cultura, que reforça, cada vez mais, as posições híbridas constituintes das subjetivida- des contemporâneas. Como maneira de exercitar essa forma de conceber a relação natureza-cultura, voltamos às travestis e transexu- ais que, na construção de seus corpos, gêneros e sexua- lidades, questionam os limites do que é natural/cultural. Os processos de transformação corporal, como uso de hormônios, próteses, cirurgias de redesignação sexual, entre outros procedimentos, desnaturalizam uma concep- ção tradicional acerca do corpo “humano”. Em relação às práticas sexuais, conforme discutimos anteriormente, as subversões ao modelo heteronormativos são consideradas abjetas ou, em outras palavras, antinaturais. Fazem parte do leque de categorias que servem para desqualificar algu- mas vidas, tomando-as como menos dignas de ser “gente”. Podemos perceber que, se tomadas pela ótica queer, as formas desviantes na busca e realização de prazeres se- xuais são indicadores importantes para criarmos perspec- tivas que produzam menos violências epistemológicas, uma vez que buscamos mudar nossos modos de conceber a experiência subjetiva. Se as instituições que agem na produção de gêneros normativos voltam-se para perspec- tivas naturalizadas da exploração das sexualidades, os territórios nos quais se subjetivam travestis e transexuais podem ser pensados como espaços mais libertários em relação ao uso dos corpos e prazeres? As práticas sexuais podem ser consideradas como in- dicadores de regimes hierárquicos utilizados para classi- ficação de indivíduos, de modo identitário. Gayle Rubin (1989) propõe uma forma de analisar como as sociedades ocidentais modernas avaliam os atos sexuais de acordo com um sistema valorativo. Estabelecidos em forma de uma pirâmide erótica, encontram-se no topo as formas mais aproximadas de uma visão naturalizada e reprodutiva de sexualidade. Não obstante, essas formas estão alinhadas por regimes de moralidades cuja hipocrisia tenta impedir que se alarguem os limites de normalidade. Na parte mais baixa da pirâmide, encontram-se “as castas sexuais mais desprezadas”, que “correntemente incluem transexuais, travestis, fetichistas, sadomasoquistas, trabalhadores do sexo como as prostitutas [...]” (RUBIN, 1989, p. 16). 314 Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” Nos níveis mais baixos da escala de valorização sexu- al estão sujeitas e sujeitos que não são considerados, na maioria das vezes, gente. Estão fora dos padrões de sujeito que o conceito suporta, de acordo com tradições humanis- tas que reforçam esses aspetos. A determinação de quais experiências de vida podem ser concebidas como válidas e quais são descartáveis se orienta por um sentido comum: valorizar formas tidas como naturais/normais e conceber como impossível as variações possíveis. A ideia de sexua- lidades produzidas como expressões de uma natureza hu- mana encontra limites sérios quando nos deparamos com as experiências trazidas pelas provocações deste texto: a construção dos corpos travestis e transexuais e práticas se- xuais, os modos de ser puta e o desejo de “dar o cu”. Considerações finais possíveis A descoberta da relação e do prazer anal, como lição a ser aprendida em espaços e tempos alternativos, sugere problematizar questões como as anteriormente apresenta- das. Com base nas experiências encontradas, questiona- mos: é possível considerar as redes de relações de travestis e transexuais como processos de educação não-formal? As redes de relação e solidariedade que se criam entre essas pessoas, paralelas aos processos de exclusão, não garantem processos de socialização, aprendizagem e con- vivências menos marcadas por relações transfóbicas, ao contrário das que atravessam as instituições educacionais? No movimento de afirmação de identidades rotula- das e subjugadas historicamente em nossa sociedade, estar no lugar de dissidência é exercer um ato político. As travestis e os transexuais, como exemplo de sujeitos que cometem essa subversão, pagam caro o preço pela construção de modos singulares de existência. Concebida como fronteira por visões reducionistas e antiquadas, a natureza atribuída ao corpo é transpassada pelos corpos transformados e transtornada por formas de prazer con- sideradas perversas. A exclusão de travestis e transexuais da escola é um dos preços pagos pela grande maioria, ainda hoje. A morte, ademais, é o preço mais alto a ser pago por quem ousa mudar as regras do jogo. Resgatando Michel Foucault, ao defender que toda ação de poder implica ação de resistência, vale dar des- taque às formas de resistir aos processos de violências pela criação de expressões de vida que existem e resis- tem, apesar de todas as agressões. No texto “A vida dos homens infames”, Foucault (2006, p. 207-208) faz uma afirmação do lugar de resistência, para as vidas de pesso- as que não são dignas de ser consideradas “gente”: O que as arranca da noite em que elas teriam podido, e tal- vez sempre devido, permanecer é o encontro com o poder: sem esse choque, nenhuma palavra, sem dúvida, estaria mais ali para lembrar seu fugidio trajeto. O poder que es- preitava essas vidas, que as perseguiu, que prestou atenção, ainda que por um instante, em suas queixas e em seu pe- queno tumulto, e que as marcou com suas garras, foi ele que suscitou as poucas palavras que disso nos restam; seja por se ter querido dirigir a ele para denunciar, queixar-se, solicitar, suplicar, seja por ele ter querido intervir e tenha, em poucas palavras, julgado e decidido. Todas essas vidas destinadas a passar por baixo de qualquer discurso e a de- saparecer sem nunca terem sido faladas só puderam deixar rastros – breves, incisivos, com frequência enigmáticos – a partir do momento de seu contato instantâneo com o poder. Ao compartilharmos a ideia de que o objetivo das instituições educacionais, como dispositivos de poder, é o de disciplinar os corpos, logo observamos que as peda- gogias da sexualidade, conforme Louro (2000), agem na produção de corpos heteronormativos. Quais espaços e geografias são destinados a quem é excluído(a) dessas instituições? Aprender a “aquendar a neca”,12 “fazer a chuca”,13 “dar o cu”, posições sexuais, jogos sexuais, são algumas das importantes lições para a socialização em contextos trans. Apontam para rituais que envolvem atividades e prazeres sexuais que ganham sentido nas relações trocadas entre as pessoas na realiza- ção dos atos sexuais. As tecnologias sexuais agem conforme o sistema he- teronormativo, regulando expressões consideradas nor- mais. Utilizam-se, para isso, de diversas instituições que limitam as potencialidades dos corpos, como a família, a escola, o trabalho, entre outras. Muitos travestis e transe- xuais precisam encontrar outros espaços de relação e so- brevivência, expulsos destes vários lugares, ou gerando uma presença incômoda, em muitos casos. No tocante às práticas sexuais, voltamos à fala da participante da pes- quisa, anteriormente citada: Acho que práticas sexuais é um segredo, e o sexo é uma arte. Práticas sexuais é a forma como se vive essa arte. Então, quando eu me deparei com aquela pessoa querendo expandir seu universo sexual, obviamente eu me coloquei como uma multiplicadora de informações, porque eu tenho a experiência. [...] As pessoas já imaginam o anal como algo muito doloroso, muito agressivo, muito transgressivo, então tem tudo a ver com esse romper com esses centímetros de canal, de anal, digamos [...] Quando eles encontram esse prazer, é como aquele velho ditado, uma vez que você en- contra esse prazer, nunca mais você vai parar, porque é uma delícia. O prazer está depois desse limite, que é a morte pra heterossexualidade, digamos (Trecho de Diário de Campo). No trecho, a participante compartilha sua percepção de mulher que busca orientações sobre sexo anal e pro- cura dar sentido ao seu lugar de saber. Do mesmo modo, encontramos o reconhecimento sobre tais formas de co- nhecimento, estranhas aos regimes de saberes-poderes, que ganham destaque e valorização (como no campo das discussões científicas). Mas, por outro lado, são tão presentes nos territórios de subjetivação trans e podem, através de conexões parciais, provocar novos questiona- mentos acerca dos modos de ser das demais identidades de gêneros. Marcar as práticas sexuais como uma arte é subverter os regimes de moralidades que ocultam e silen- ciam os universos de práticas sexuais, sempre os relegan- do ao lugar de abjeção. 12 Termo utilizado no meio LGBT para descrever o ato de esconder o pênis, pren- dendo-o entre as pernas, parte do ritual de “se montar” feito por travestis, tran- sexuais e drag queens. 13 Termo utilizado no meio LGBT para descrever processo de higienização anal e do canal do reto, para evitar “passar cheque”, isto é, deixar rastros de fezes no pênis do parceiro, durante a penetração. Fractal, Rev. Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 315 Herbert de Proença Lopes; Wiliam Siqueira Peres; Adriana Sales Utilizamos essa fala para finalizar nossos diálogos, quem sabe deixando abertas outras questões. Para de- senvolvermos posições teóricas e práticas que combinem crítica e criatividade, e que sejam responsáveis e ade- quadas às questões da atualidade, precisamos ir além do “papai-mamãe” também na forma de elaborarmos nossas questões. Estas aberturas para novas problematizações podem abrir caminhos para a ampliação dos esquemas de saber que consideram as dissidências como formas de resistências micropolíticas e desejantes. Informações sobre os autores: Herbert de Proença Lopes https://orcid.org/0000-0003-3360-7039 http://lattes.cnpq.br/9194190900580700 Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP). Atua como professor temporário de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica PUC/PR - Campus Londrina. Trabalhou entre 2015 e 2020 como professor de Psicologia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela UEL (2012). Trabalhou no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), no Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (Protejo) do Ministério da Justiça, e no Projeto Caminhos com grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica, da Secretaria de Estado da Justiça (SEJU/ PR). Atua juntamente com o Coletivo ElityTrans, formado por Travestis e Transexuais, através de práticas e criações teatrais e ações políticas. É ator integrante da Cia. Teatro de Garagem e da Cia. Translúcidas de Teatro, resultado da pesquisa de mestrado. É articulador do Movimento dos Artistas de Rua de Londrina (MARL) e da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR). Estuda as relações entre psicologia social, processos de subjetivação, gêneros e sexualidades, psicologia comunitária, movimentos sociais, teatro e arte pública. Através do encontro destas áreas busca formas possíveis, mais belas e mais justas, de atuação no mundo. Wiliam Siqueira Peres https://orcid.org/0000-0002-5968-4203 http://lattes.cnpq.br/8322448212544045 Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1985), mestrado em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000), doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2005) e Pós Doutorado em Psicologia e Estudos de Gênero pela Universidade de Buenos Aires. Atualmente é professor de graduaçao e pós-graduaçao (mestrado e doutorado) em Psicologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Assis/SP. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Esquizoanálise e processos de Subjetivação, atuando principalmente nos seguintes temas: Direitos Sexuais Humanos, cidadania, sexualidades e gêneros em uma perspectiva política queer. Atualmente é professor aposentado. Adriana Sales https://orcid.org/0000-0002-7089-1115 http://lattes.cnpq.br/1060044890442594 Adriana Sales, graduada em letras pela Universidade Federal de Mato Grosso (2000). Estágio em cultura e civilização em Paris/ França. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Rondonópolis. Doutora em psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em psicologia da UNESP, Campus de Assis/SP. Professora efetiva lotada na Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, na Superintendência de Políticas de Desenvolvimento Profissional. Pesquisadora do grupo de pesquisa PsiCuQueer - Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Cultura Queer, UNESP/Assis. Pesquisadora do Grupo Pesquisador em educação ambiental, comunicação e arte - GPEA; Colaboradora do Grupo de Estudos em Gênero, sexualidade e (m) interseccionalidades, GENI, na UERJ. Ativista social do movimento trans brasileiro desde 1998, atuando junto a Associação Nacional de Travestis e Transexuais - ANTRA. Contribuições dos autores: Todos os autores colaboraram ao longo do processo, desde a elaboração até a revisão final do manuscrito. Os autores aprovaram o manuscrito final para publicação. Como citar este artigo: ABNT LOPES, Herbert de Proença; PERES, Wiliam Siqueira; SALES, Adriana. Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente”. Fractal: Revista de Psicologia, Niterói, v. 32, n. 3, p. 306-317, set./out. 2020. https://doi.org/10.22409/1984- 0292/v32i3/5991 APA Lopes, H. P., Peres, W. S., & Sales, A. (2020, Setembro/Outubro). Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente”. Fractal: Revista de Psicologia, 32(3), 306- 317. doi: https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 Copyright: Copyright © 2020 Lopes, H. P., Peres, W. S., & Sales, A. Este é um artigo em acesso aberto distribuído nos termos da Licença Creative Commons Atribuição que permite o uso irrestrito, a distribuição e reprodução em qualquer meio desde que o artigo original seja devidamente citado. Copyright © 2020 Lopes, H. P., Peres, W. S., & Sales, A. This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original article is properly cited. Referências ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 131-147. BENEDETTI, Marcos. 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Psicol., v. 32 – n. 3, p. 306-317, 2020 https://orcid.org/0000-0003-3360-7039 https://orcid.org/0000-0003-3360-7039 http://lattes.cnpq.br/9194190900580700 http://lattes.cnpq.br/9194190900580700 https://orcid.org/0000-0002-5968-4203 https://orcid.org/0000-0002-5968-4203 http://lattes.cnpq.br/8322448212544045 http://lattes.cnpq.br/8322448212544045 https://orcid.org/0000-0002-7089-1115 http://lattes.cnpq.br/1060044890442594 http://lattes.cnpq.br/1060044890442594 https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 https://doi.org/10.22409/1984-0292/v32i3/5991 https://docplayer.com.br/13244484-A-batalha-e-o-corpo-breves-reflexoes-sobre-travestis-e-prostituicao.html https://docplayer.com.br/13244484-A-batalha-e-o-corpo-breves-reflexoes-sobre-travestis-e-prostituicao.html https://docplayer.com.br/13244484-A-batalha-e-o-corpo-breves-reflexoes-sobre-travestis-e-prostituicao.html Prazeres, práticas sexuais e abjeção: travestis, transexuais e os limites em ser “gente” CHICO BUARQUE. Não existe pecado ao Sul do Equador. Intérprete: Chico Buarque. In: CHICO BUARQUE ; GUERRA, Ruy. Chico Canta. [S.l.] : Phonogram, 1973. 1 CD (30 min). Faixa 6 (3 min 57 s). DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2010. FOUCAULT, Michel. Sobre a história da sexualidade. In: ______. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984. p. 243-276. FOUCAULT, Michel. História de sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v. 1. FOUCAULT, Michel. A vida dos homens infames. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estratégia, Poder-Saber. Tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. Coleção Ditos & Escritos, v. 4, p. 203-222. HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995. 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