1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN O CONSUMISMO E A AÇÃO DO DESIGN EM PRODUTOS DE MODA Marcos José Alves de Lima Bauru, 2020 2 Marcos José Alves de Lima O CONSUMISMO E A AÇÃO DO DESIGN EM PRODUTOS DE MODA Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Bauru, junto ao Programa de Pós- Graduação em Design, como requisito à obtenção do título de Doutor em Design – área de concentração Desenho do Produto - sob a orientação da Profa. Dra. Paula da Cruz Landim. Bauru, 2020 3 Lima, Marcos José Alves de O consumismo e a ação do design em produtos de Moda / Marcos José Alves de Lima, 2020. 250 f.: il. Orientadora: Paula da Cruz Landim. Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2020. 1. Design. 2. Moda. 3. Consumo. 4. Consumismo. 5. Design de moda. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. 4 5 Dedico este trabalho à minha amada família Letícia Andrian Feitoza de Lima, musa inspiradora; Benício Andrian de Lima, meu melhor projeto; Meus irmãos Júnior, Viviane e Maria Regina; Meu pai João e minha mãe Glória (in memorian) 6 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha orientadora, Profa. Dra. Paula da Cruz Landim, por sua disposição e solidariedade durante o processo de doutoramento. Também agradeço às professoras membros de minha banca. Suas observações sempre somaram e continuarão somando neste e em muitos outros trabalhos pelos quais passarem. Aos participantes das fases da pesquisa pela disposição em colaborar. Ao companheiro de viagem Professor Doutor Marcelo Forcato. A colega Dávila Kess, disponível com tempo, ideias e contatos. Ao Amigo, Diretor e professor José Aparecido de Souza pela ajuda sem preço. Ao Sr. William Martinez, pela ajuda e o resgate muito bem vindos no momento de maior crise. Agradeço ao Programa de Capacitação Docente - Ajuda de custo para Pós-graduação Strictu Sensu - Doutorado pela bolsa de estudos concedida a mim. Por fim, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Bauru. A todos o meu mais sincero OBRIGADO! “A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê”. Arthur Schopenhauer 7 RESUMO: Este trabalho partiu de uma observação particular do cotidiano do pesquisador. Parece ser uma cena dessas comuns em filmes, onde a mulher se lança em um armário abarrotado de roupas e após testar várias composições (looks), conclui, frustrada, não ter nada para vestir. A partir dessa cena pode-se validar ou negar empiricamente que este trabalho se propõe a analisar questões sobre o consumo, o consumismo, o design de moda, e sobre a percepção de posse de produtos de moda, sem representar o universo feminino de forma estereotipada e sexista. Algumas tendências concretizam-se e confirmam o cenário de uma sociedade que tem fácil acesso a créditos e como consequência acaba se endividando e tonando-se permanentemente insatisfeita, essa que desfruta de liberdade, mobilidade e amplo acesso à informação. Quanto ao consumo de moda também é possível identificar a incongruência da multiplicidade de estilos, do potencial para criar personas e mimetizar-se desalinhando a crença no estilo de vida ou formando um estilo de vida sob representação social plural suportada pelo consumo excessivo e ostentatório. Esses fatores são capazes de questionar a dinâmica da ciência do design aplicado à moda ou design de moda, desafiando os conceitos de projeto, etapas metodológicas, alocação das funções dos produtos, da arte, da inspiração, da ergonomia, da pesquisa, constituindo um reducionismo grosseiro do essencial, bem como, desrespeito de questões éticas indissociáveis. Tal quadro esboça a grande necessidade e urgência que se impõe a essa geração e às futuras, que é a de ser sustentável e a de atender as necessidades humanas que se sobrepõem a produção de coisas e mais coisas. E, apesar de haver um despertamento global para o tema, há também pouco engajamento de agentes com papel determinante nesses novos caminhos como os governos, as empresas, os consumidores, os designer´s e as instituições de ensino de design. A pesquisa está classificada como descritiva e exploratória baseada na pesquisa bibliográfica e de estudo de campo utilizando a técnica de observação direta extensiva, bem como, com nuanças qualiquantitativas. Entrevistou-se 155 mulheres na fase 01, que realizaram a contagem de suas posses de produtos de moda, a saber, blusinhas, camisas, calças, shorts e bermudas, blazers e casacos, vestidos e sapatos. A fase 2 consistiu em um grupo focal formado por 08 mulheres com formação na área da moda - com atuação ou olhares no marketing, na indústria, na docência e na pesquisa. Desta imersão percebe-se que é possível analisar as relações entre o consumo ou consumismo e o impacto destes no design de moda, bem como, responder a questão de pesquisa que se dá no caminho inverso, quando o design de moda (design de maneira geral) rompe os vínculos com o sistema do consumismo e passa a contribuir positivamente para formação de um novo cenário. E, que este sistema tem atrativos e justificativas que comprometem a sensibilidade dos agentes envolvidos nele: consumidores, designer´s, governos, instituições educacionais, etc. Confirmando as hipóteses elencadas sobre o processo de dessensibilização, da subjetividade de métricas para conceituar o consumismo e da auto percepção sobre o próprio consumo. Palavras-chave: design, moda, consumo e consumismo. 8 ABSTRACT: This work started from a particular observation of the researcher's daily life. It seems to be such a common scene in films, where the woman throws herself into a closet crammed with clothes and after testing various compositions (looks), she concludes, frustrated, having nothing to wear. It is from this scene that can be empirically validated or denied, that this work proposes to analyze questions about consumption, consumerism, fashion design, about the perception of possession of fashion products, without representing the female universe in a stereotyped and sexist view. Some trends materialize and confirm the scenario of a society which has an easy access to credits and consequently gets indebted, becoming permanently unsatisfied, that enjoys freedom, mobility and ample access to information. When it comes to the fashion consumption it is also possible to identify the incongruity of the multiplicity of styles, the potential to create personas and reproduce it, misaligning the belief in a lifestyle or creating a lifestyle on plural social representation supported by excessive and ostentatious consumption. These factors are capable of questioning the dynamics of design science applied to fashion or fashion design, challenging the project concepts, methodological steps, allocation of product functions, art, inspiration, ergonomics, research, constituting a gross reductionism of the essential, as well as, disrespect of inseparable ethical tasks. That scenario outlines the huge necessity and urgency that is imposed on this generation and on future ones, which is to be sustainable and to meet the human needs that overlap the production of things and more things. Although there is a global awakening to the theme, there is also a small engagement of agents with a determining role in these new paths such as governments, companies, consumers, designers and design teaching institutions. The research is classified as descriptive and exploratory based on bibliographic research and field search using the extensive direct observation technique, as well as, with qualitative and quantitative nuances. A total of 155 women were interviewed in phase 01, who counted their fashion products possession: blouses, shirts, pants, shorts and bermudas, blazers and jackets, dresses and shoes. The phase 02 was consistituted by a group composed of 08 women majored in the fashion area - with performance or views in marketing, industry, teaching and researching. From this immersion, it is perceived that it is possible to analyze the relation between consumption or consumerism and its impact on fashion design, as well as answer the research question that goes in the opposite path, when fashion design (design in general) breaks the connection with the consumerism system and starts to contribute positively to the formation of a new scenario. This system has attractions and justifications that compromise the sensitivity of the agents involved in it: consumers, designers, governments, educational institutions, etc. Confirming the hypotheses catalogued about the desensitization process, the subjectivity of metrics to conceptualize consumerism and self-perception about consumption itself. Keyword: Design, Fashion, Consumption and Consumerism 9 LISTA DE FIGURAS Figura1: Traje de tendência para alta costura Dior 2005, blusa comercial – reducionismo. p. 60 Figura 02: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. p. 69 Figura 03: Descrição da pegada hídrica da calça jeans. p. 81 Figura 04: Renda (R$) das entrevistadas na pesquisa. p. 136 Figura 05: Número total de peças de vestuário e sapatos, segundo adaptação das classificações de rendimentos das entrevistadas na pesquisa. p. 143 Figura 06: Representação dos grupos formados com as 155 entrevistadas da pesquisa para avaliar o consumo de seus itens de vestuário e sapatos. p. 147 Figura 07: Níveis de consumo em relação às questões utilizadas para a análise de agrupamento das 155 entrevistadas na pesquisa na pesquisa. p. 150 Figura 08: Percentual e total de mulheres segundo a jornada de trabalho por níveis de consumo. p. 156 Figura 09: Número de pessoas na família por níveis de consumo das mulheres entrevistadas na pesquisa. p. 158 Figura 10: Percentual e total de mulheres que afirmaram necessitar de produtos de moda por níveis de consumo. p. 161 LISTA DE TABELAS Tabela 01: Comparação das medidas descritivas para as variáveis idade (anos0, renda (R$) e percentual de roupas em uso das 155 entrevistadas na pesquisa. p. 123 Tabela 02: Frequência e percentual das profissões citadas pelas 155 entrevistadas na pesquisa. p. 125 Tabela 03: Frequência e percentual das 155 entrevistadas, segundo atividade laboral concomitante ao estudo. p. 126 Tabela 04: Frequência e percentual das 155 entrevistadas, segundo o curso superior de graduação. p. 127 10 Tabela 05: Frequência e percentual das 155 entrevistadas, segundo a necessidade de adquirir algum produto de moda. p. 128 Tabela 06: Frequência e percentual das 155 entrevistadas, segundo o tipo de produto de moda que precisa. p. 131 Tabela 07: Comparação das medidas descritivas para as quantidades e tipos de peças de vestuário e sapatos das 155 entrevistadas na pesquisa. p. 133 Tabela 08: Total e percentual segundo a classe de rendimento das entrevistadas. p. 138 Tabela 09: Medidas descritivas para o número total de peças de vestuário e sapatos, segundo as classificações de rendimentos das entrevistadas na pesquisa. p. 140 Tabela 10: Total e percentual segundo a adequação das classes de rendimentos das entrevistadas. p. 142 Tabela 11: Comparação das médias para número total de peças de vestuário e sapatos, segundo as classificações de rendimentos das entrevistadas. p. 144 Tabela 12: Comparação das medidas descritivas do total de peças de vestuário e de sapatos entre os níveis de consumo das 155 entrevistadas na pesquisa. p. 149 Tabela 13: Comparação das medidas descritivas das idades, em anos, entre os níveis de consumo das 155 entrevistadas. p. 151 Tabela 14: Comparação das medidas descritivas da renda, em Reais, entre os níveis de consumo das 155 entrevistadas. p. 155 Tabela 15: Comparação das medidas descritivas do tamanho das famílias das entrevistadas entre os níveis de consumo. p. 158 Tabela 16: Comparação das medidas descritivas do percentual de uso das roupas das 155 entrevistadas entre os níveis de consumo. p. 163 Tabela 17: Dados Gerais do Percentual de uso das peças por categoria de produtos e seus respectivos totais. p. 164 Tabela 18: Dados Gerais da Contagem das peças por categoria de produtos e seus respectivos totais. p. 165 11 LISTA DE DIAGRAMAS, GRÁFICOS, INFOGRÁFICOS E QUADROS Quadro 01: Caracterização dos Participantes do Grupo Focal – Fase 02. p.119 Quadro 02: Classificação dos rendimentos para as entrevistadas na pesquisa considerando o salário mínimo nacional de R$ 998,00 em 2019. p. 137 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS / SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial WFN - Water Footprint Network WFN LDB - Leis de Diretrizes e Bases CFE - Conselho Federal de Educação CNE - Conselho Nacional de Educação CES - Conselho de Educação Superior 12 SUMÁRIO 1 Introdução 13 2 Objetivos 17 2.1 Objetivo Geral 17 2.2 Objetivos Específicos 17 2.3 Questão da Pesquisa 18 2.4 Tese 19 2.5 Hipótese 20 2.6 Estrutura do Trabalho 21 3 Fundamentação Teórica 22 3.1 Percepções 22 3.2 Algumas Tendências 24 3.2.1 Compre Agora, não pague nunca 24 3.2.2 Expectativas Progressivas – Nunca satisfeitos 29 3.3 Ajustando o Foco 35 3.3.1 Do consumo ao Consumismo 35 3.3.2 Consumindo para Ser ou para Estar 41 3.3.3 O mínimo é o Máximo, o máximo é o mínimo 44 3.3.4 Consumo, Consumismo, Consumistas – Algumas razões 48 3.3.5 Desdobramentos do Consumo no Design de Moda 55 3.4 Consumismo e Acumulação 63 3.5 Novos Horizontes e Reflexões 66 3.5.1 Alguns Caminhos 70 3.5.2 O Governo 72 3.5.3 As Empresas 76 3.5.4 Reconhendo Entraves 86 3.5.5 O Consumidor 89 3.5.6 Design e Designers do novo tempo 97 4 Aspectos Metodológicos 109 4.1 Percurso Metodológico 109 4.2 Aspectos Éticos 114 4.3 Abordagem e Seleção dos Participantes 116 4.4 Relatório da Análise Estatística 120 5 Resultados e Discussão 123 5.1 Quantificando Posses 123 5.1.1 Idade, Renda, Roupas em uso 123 5.1.2 Profissão, Curso de Graduação e Atividades 125 5.1.3 Necessidade de Aquisição e produtos elencado 128 5.1.4 Mensurando Quantidades 133 5.1.5 Renda e Rendimentos 136 5.1.6 Análise de Agrupamento 147 5.1.7 Aspecto Etário 151 5.1.8 Renda e Atividade Laboral 155 5.1.9 Tamanho da Família 157 5.1.10 Necessidade e Percentual de Uso 161 5.2 O que os números não mostram 168 5.3 Conversando sobre moda e consumo 174 5.3.1 Análise do Grupo Focal 174 5.4 Convergências 182 5.5 Algumas Contribuições 190 5.5.1 Slow Fashion 190 5.5.2 Investimentos em Tecnologia 192 5.5.3 Fazer Algo – Tomar a Iniciativa 197 5.5.4 Upcycle 199 5.5.5 Procurando Aliados 203 6 Conclusão 206 7 Referências 209 8 Apêndices e Anexos 221 13 1. INTRODUÇÃO Este trabalho parte de uma observação particular e íntima do cotidiano do pesquisador, conforme se explica a seguir: Parece ser uma cena dessas comuns em filmes, onde a mulher se lança em um armário abarrotado de roupas e após testar várias composições (looks), conclui, frustrada, não ter nada para vestir. É desta cena, que pode ser validada ou negada empiricamente, que este trabalho se inicia, propondo-se a analisar questões sobre o consumo, o consumismo, o design de moda a partir desta imagem, sobre a percepção de posse de produtos de moda, sem representar o universo feminino de forma estereotipada e sexista. Quiçá baseado nesta percepção de não ter nada adequado para vestir - no contexto de sua percepção e subjetividade, que o consumo seja promovido de necessário para excessivo ou consumismo. Um olhar sobre o estudo das tendências, ou seja, sobre caminhos por onde a coletividade podia trilhar, concretizaram-se confirmando o cenário de uma sociedade envolvida com muito crédito disponível e dívidas, permanentemente insatisfeita, que desfruta de liberdade, mobilidade e amplo acesso a informação, contudo, desfruta dessas benesses sentada, inconsciente e contemplativa de muitas telas. Considera-se ter havido mudanças nas formas de se relacionar com os produtos, dado às facilidades de aquisição tanto da informação do produto quanto deles mesmos, porém, agora são os produtos que 14 impõem seus ritmos aos homens, na busca de ter e não do ser, bem como na tentativa de saciedade ou satisfação e de tudo que possa gerar prazer. Quanto ao consumo de moda também é possível registrar a incongruência da multiplicidade de estilos, do potencial para criar personas e mimetizar-se desalinhando a crença no estilo de vida ou formando um estilo de vida ou representação social plural. Vê-se que o consumo excessivo e ostentatório que dá suporte a esta mentalidade ou estilo de vida da sociedade de consumo. E que estes mecanismos de consumo são retroalimentados por um constante bombardeamento midiático, que é fortalecida pela permissividade com que se recebe voluntariamente influenciadores nas multíplices telas digitais por onde se observa a vida. Esses fatores são capazes de comprometer a dinâmica da ciência do design aplicado à moda ou design de moda. Desafiando os conceitos de projeto, etapas metodológicas, alocação das funções dos produtos, da arte, da inspiração, da ergonomia, da pesquisa, constituindo-se um reducionismo grosseiro do essencial, bem como o desrespeito de questões éticas indissociáveis. Pode ainda elencar como dano nessas práxis, as doenças mentais relacionadas ao consumo como a oniomania e acumulação. Todavia, o quadro até aqui é retratado esboça a grande necessidade e urgência que se impõe a essa geração e às futuras, que é a de ser sustentável. 15 Ressalta-se que o design para este novo tempo de tomada de consciência e de atitude, que o design deve “oferecer uma maneira mais otimista de olhar para o futuro, reformulando os problemas como oportunidades”(WDO: 2020). E, apesar de haver um despertamento global para o tema, há também necessidade de mais engajamento de agentes com papel determinante nesses novos caminhos como os governos, as empresas, os consumidores, os designer´s e as instituições de ensino de design. A pesquisa está classificada como descritiva e exploratória, baseada na pesquisa bibliográfica e de estudo de campo utilizando a técnica de observação direta extensiva, bem como, caracteriza-se como qualiquantitativa. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e liberado da certificação por ser considerada pesquisa de opinião. A pesquisa entrevistou 155 mulheres na fase 01, que realizaram a contagem de suas posses de produtos de moda, a saber, blusinhas, camisas, calças, shorts e bermudas, blazeres e casacos, vestidos e sapatos. A fase 02 consistiu em um grupo focal formado por 08 mulheres com formação na área da moda - com atuação ou olhares no marketing, na indústria, na docência e na pesquisa. Desta imersão percebeu-se que é possível analisar as relações entre o consumo ou consumismo e o impacto destes no design de moda, bem como, responder a questão de pesquisa que se dá no caminho 16 inverso, quando o design de moda (design de maneira geral) rompe os vínculos com o sistema do consumismo e passa a contribuir positivamente para formação de um novo cenário. E, que este sistema atual e dominante, têm atrativos e justificativas que comprometem a sensibilidade dos agentes envolvidos nele: consumidores, designers, governos, instituições educacionais, etc. Confirmando as hipóteses elencadas sobre o processo de dessensibilização, da subjetividade de métricas para conceituar o consumismo e da auto percepção sobre o próprio consumo. 17 2. OBJETIVOS 2.1. OBJETIVO GERAL Este estudo propõe analisar a relação entre o consumo de produtos de moda e o design de moda, com vistas a levantar, informações e discussões sobre o cenário de consumo e ações no design de moda. 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS  Conceituar consumo e consumismo;  Apontar o quanto o consumismo interfere nas práticas do design moda;  Coletar dados, por meio de protocolo da população alvo da pesquisa (mulheres) acerca da quantidade de produtos de moda em seus armários, gerando dados referenciais;  Coletar informações por meio de grupo focal (videoconferência) com profissionais da área da moda, acerca de suas concepções sobre consumo, da participação do design no sistema de consumismo; 18 2.3 QUESTÃO DE PESQUISA Considerando que é possível reconhecer novos padrões de consumo, ou melhor, consumismo em especial nos produtos de moda, e, que parte deste consumismo se dá pela pressão de estar na moda - o que significa tentar acompanhar de uma indústria muito veloz, onde a pressão é fortalecida pelo excesso de acesso a informação, pela busca de identificação a uma pessoa ou grupo social e na sensação de insatisfação que só será resolvida com a aquisição de um produto novo, dessa forma, busca-se responder se o Design de Moda pode contribuir para criação de novos cenários? 19 2.4 TESE DE PESQUISA Acredita-se que muitos consumidores se encontram com a percepção alterada sobre a posse dos produtos, em especial os produtos de moda ou vestuário. Por outro lado, com objetivos claros de lucro a indústria tem incorporado as demandas geradas pelo sistema de consumo, impondo novos métodos e ritmos produtivos e criativos, atingindo ou comprometendo diretamente a ação dos designers. Tendo como base o contexto teórico supracitado busca-se responder se o Design de moda pode contribuir positivamente para criação de novos cenários? Reconhecendo o design de moda como elo entre a indústria de produtos e o consumidor, sim, o design de moda pode interferir ou contribuir positivamente no cenário apresentado. 20 2.5 HIPÓTESE Diante do crescimento da educação na área de Design, em especial o Design de Moda, acredita-se que boa parte dos produtos, sejam eles de que categorias forem, saiam de empresas que empregam designers, como resultado de metodologias que levantavam questionamentos sobre a real capacidade destes produtos atenderem satisfatoriamente seus clientes. Todavia, as relações de consumo são influenciadas por muitos fatores, e se de fato, instigando o olhar do designer sobre a questão percepção da posse de produtos de moda, vestuário e calçados, apresentar caminhos para discussão sobre novas responsabilidades do designer agindo consciente e positivamente para influenciar à sua sociedade – outros profissionais, as empresas, o meio ambiente, as relações sociais, e, sobretudo o consumidor. Desta forma se tem por hipóteses: A - Que consumidores, a indústria e os designers (design) têm suas ações embotadas (comprometidas) pelo consumismo que criou um sistema próprio de funcionamento ou existência que defrauda a essência do design, as ações dos consumidores e a atuação das organizações. B - Há um quadro de consumismo e que as métricas para confirmação desse fato são parcialmente subjetivas; C- Que o consumidor não tem percepção clara do quanto ele é consumista; 21 2.6. ESTRUTURA DO TRABALHO A estrutura da Tese se dividiu em 6 capítulos: Capítulo 1: Introdução Capítulo 2: Objetivos Capítulo 3: Fundamentação Teórica Capítulo 4: Aspectos Metodológicos Capítulo 5: Resultados e Discussão Capítulo 6: Conclusão. 22 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 PERCEPÇÕES Parece ser uma cena dessas comuns e esperadas em filmes onde se enfatiza caricatamente o universo feminino. A mulher se lança em um armário abarrotado de roupas e depois de testar várias composições (looks), conclui não ter nada para vestir. Apesar de caricato, esta sensação ou percepção de não ter nada para vestir certamente inquieta alguns grupos femininos. A percepção é algo que varia entre compreensão, impressão, ou a resposta a estímulos em um ou mais dos sentidos humanos - tato, olfato, paladar, audição e visão, principalmente a visão. É preciso pontuar que a cena ilustrativa, citada não tem a pretensão de criar uma imagem feminina estereotipada, sugerindo que toda mulher é consumidora compulsiva de produtos de moda, ou seja, nenhuma indicação ou orientação sexista trata-se apenas de uma escolha para afunilar ou delimitar o tema. A sensação é a etapa inicial no processo cognitivo suscitando a percepção, que é a interpretação e a organização das sensações, atribuindo a cada interpretação um significado, e é se constrói a partir de fatores sociais e psicológicos variados dentro de uma série de abstrações. Estas conclusões mentais oferecem razões para que mais que uma percepção haja projeção para a frustração real, ou seja, não tendo nada para vestir que corresponda a expectativa do momento que desencadeou 23 aquela ação, aquelas posses não a representam ou não condizem com a representação ou imagem social que se deseja exibir. Para Sousa “as pessoas tendem a procurar, aceitar e consumir as mensagens que vão ao encontro dos seus interesses e do seu sistema de crenças, valores, expectativas e ideias e a rejeitar ou deturpar as mensagens que colidam com esse sistema” (SOUSA, 2006, p.499). O que sugere que a percepção mencionada pode ser contestada, que pode ser parte de uma estratégia mental para consumir, visto que ao confrontar-se com suas posses o consumidor rejeite o reconhecimento das mesmas e justifique a necessidade do novo. O fator percepção, definido por Lamb, Hair e McDaniel (2012) como o processo de seleção, organização e interpretação de estímulos, convergindo-os em algo significativo, coerente e individual, que ainda organiza quais estímulos serão ignorados ou notados, como perceber ou não a disponibilidade dos produtos de vestuário à disposição. 24 3.2 ALGUMAS TENDÊNCIAS 3.2.1 – “COMPRE AGORA, NÃO PAGUE NUNCA” A projeção da frustração anteriormente referida pode estar relacionada a fatores pessoais latentes que poderão ser identificados posteriormente, como também, estar relacionada a reações macrossociais da contemporaneidade, ou seja, uma tendência de comportamento, de consumo, econômica, entre outras, em escala mundial. “originária da palavra nórdica trendr, cujo significado é „virar‟, a palavra tendência foi por muito tempo utilizada para descrever o fluxo de um rio ou corrente. Quando as estatísticas ganharam popularidade no século XIX, o sentido de tendência foi ampliado para movimentos demográficos e observações das massas (LINDKVIST, 2010, p.5). Hill (2003) dentre as várias macrotendências que apresenta no livro “60 tendências em 60 minutos”, duas se mostram muito relevantes para discussão e compreensão global do tema – „Compre agora, não pague nunca‟ e „Expectativas progressivas‟. A primeira “compre agora, não pague nunca” colabora para implantação básica da ideia pautada aqui. A aquisição de crédito pessoal nunca foi tão fácil e esse não é um movimento exclusivo do Brasil. Propositalmente as instituições financeiras através dos bancos oficiais e de bancos dissimulados de crediário de loja, tem permitido uma potencialização amedrontadora de crédito, digna de estudos científicos específicos. Segundo Rocha (2010, p.10): 25 Crédito é um dos recursos mais utilizados nas economias modernas para tornar possível e concretizar uma relação de consumo entre pessoas, sejam físicas ou jurídicas, de uma cidade, estado ou país. Isso porque as pessoas passam a consumir bens ou serviços comprometendo-se a pagar em parcelas ou à vista em data futura os compromissos assumidos (ROCHA, 2010 p.10). O conceito de crédito descrito é perfeito, porém, trata da situação conceitual ideal. Uma proposição de realidade é que um brasileiro que ganha em média R$ 1.000,00 de salário, tem sua renda facilmente potencializada em até R$ 2.300,00, ou mais, considerando que em vários locais diferentes ele recebe até 30% de crédito baseado no seu salário (holerite), desta forma, ele tem R$ 300,00 de limite do banco (considerando que o usuário do crédito tem conta em um só banco), mais R$ 300,00 em compras do cartão da loja X, mais R$300,00 em compras do cartão da loja Y, mais R$ 300,00 em compras da W, mais R$ 300,00 em compras do cartão da Z. Esta ideia apresentada é prática comum no mercado financeiro conforme explicam Brito, Borges e Santos (2020) O fenômeno do superendividamento está inserido na sociedade atual de forma intrínseca, considerando que atualmente muitas das relações giram em torno do consumo, não havendo como o indivíduo economicamente ativo sair ileso das tentações do mercado financeiro, sendo impelido a contrair algum tipo de crédito em algum momento de sua vida financeira (BRITO, BORGES E SANTOS, 2020) Tendo ingressado no sistema financeiro, o potencial consumidor será alvo de empresas de crédito que podem ser ainda mais generosas, porém, para efeito de simulação mantém-se R$ 300,00 de cota em cada bandeira de cartão, e ele poderá ter pelo menos duas. Ainda pode-se 26 acreditar que o novo consumidor pode ser mutuário do sistema nacional de habitação o que lhe gera uma prestação de no mínimo R$ 300,00. Ainda é importante lembrar que muitas lojas além do crediário oferecem aos seus clientes saques emergenciais em dinheiro o que dobra o valor de crédito disponível. Isso é mais um exemplo ilustrativo da estrutura de manutenção do crédito amplificado. Hill (2003) ao explicar a tendência, ainda alude a outro tempo em que as famílias contentavam-se a viver somente com o que podiam comprar, pois havia um grande temor do endividamento. Para ele “nossos pais relutavam muito para fazer dívidas. [...] Nós temos uma atitude completamente diferente dos nossos pais e avós, no que se refere a dívidas e créditos” (HILL: 2003, p198). Há na questão do acesso ao crédito, muitos desdobramentos econômicos pertinentes, que são abordados pelo autor mostrando que depois de anos da publicação do livro, que mais que uma tendência essa é uma ideia que se confirma e se concretiza. No passado como se consumia menos ou se consumia com mais parcimônia, e havia uma preocupação de fazer circular no grupo familiar e entre os amigos as roupas em bom estado de conservação. Além da economia familiar, a maior virtude dessa prática era alongar o ciclo de vida dos produtos, e como resultado secundário evitava-se também a acumulação. Tolotti (2007 p.24) ao falar sobre a sociedade atual e o consumo, explica: “não é uma crítica ao consumo, mas uma forma de reflexão sobre 27 quais são os motivadores que levam algumas pessoas ao consumismo desenfreado”. Voluntário em um sistema econômico tão disponível, o consumidor cumpre então a previsão de Sam Hill (2003) - cederá aos apelos de consumo e provavelmente utilizará todas as possibilidades de crédito que lhe forem estendidas, e, provavelmente, jamais conseguirá quitar seus créditos, por isso, como na tendência de consumo apresentada por ele chamada de „compre agora e não pague nunca‟. Tolotti (2007 p. 24) acrescenta: “Comprometidas financeiramente, encontram-se endividadas, sobreendividadas ou escravizadas pelas dívidas. Nessa empreitada, cabe compreender o funcionamento da sociedade de consumo”. Esta engrenagem desse sistema de consumismo que é a ampliação do crédito pessoal e o iminente endividamento, que impetra que as pessoas possam comprar cada vez mais e mais de coisas das quais 'precisam', conforme explica Slater (2002, p. 135). Fazem-nos entrar numa esfera de signos-mercadorias a fim de nos induzir a comprar mais, em vez de nos levar para uma esfera de valor de uso ou utilidade onde usamos as propriedades „reais‟ dos objetos para fazer coisas (SLATER, 2002, p.135). Tolotti (2007) ainda apõe que angústias, ansiedades, ressentimentos, questões de autoestima e status quando não formulados concretamente podem levar a um processo inconsciente para solucionar os gatilhos citados na busca da abstração com compras. Para Brito, Borges e Santos (2020) o fornecimento de crédito possui papel de relevo na economia nacional que forma um mecanismo 28 capitalista para estimular a economia. Sobretudo, se faz necessário ter em vista que a renda, o salário do indivíduo não pode estar apenas comprometido com o pagamento das obrigações contratuais referentes a crédito, como também deve suprir todas as necessidades do deste como: a alimentação, o vestuário, o lazer, a locomoção dentre outras. Para os autores o sistema apresentado tem todos os elementos necessários para existir e funcionar. [...] a disponibilidade de opções de contratação de crédito de forma extremamente facilitada, favorece a contratação impensada e sem o devido aconselhamento, junta-se o fato de que as necessidades são infinitas tem-se uma combinação que pode gerar inicialmente o endividamento e com o passar do tempo e novas contratações ou renovações das operações chegar ao superendividamento. [...] visto que pode desencadear doenças psicológicas e reflexos em sua dignidade e subsistência como também diante da evidente relevância social da situação, podendo gerar impacto e comprometer o cenário econômico em geral. (BRITO, BORGES E SANTOS (2020). Ainda sugerem que haja discussões e ações no âmbito do Direito que protejam o sujeito, o que depreende que há componentes nocivos nessa relação como apresentados acima, as doenças psicológicas e impactos na dignidade e subsistência. 29 3.2.2 Expectativas Progressivas - nunca satisfeitos A segunda ideia defendida por Hill (2003): “Expectativas Progressivas - nunca satisfeitos”, reforça a anterior no sentido que a busca pela satisfação das necessidades – resulta em consumir, como provavelmente a primeira atitude deste usuário insatisfeito. Por quase qualquer medida, os produtos e serviços estão melhores do que jamais foram, e ainda não estamos satisfeitos e felizes. E não vamos ficar satisfeitos e felizes. Atualmente os consumidores têm expectativas progressivas, e jamais alguém vai atendê-las, quanto mais excedê-las [...] Quanto mais ganhamos, mais gastamos, mais queremos. Quanto mais rápido conseguimos as coisas, mais rápido as queremos. Quanto mais as coisas se tornam convenientes, mais compreendemos como podem simplesmente ficar ainda mais convenientes. Na medida em que um número maior das nossas exigências excessivas são satisfeitas, elas se tornam ainda mais exorbitantes. (HILL 2003 p. 179 180). Neste sentido, esta tendência fará com que o design industrial, pressionado pelo sistema industrial capitalista, esteja sempre inovando, o que é óbvio, porém, considerando o alto nível de competitividade dos mercados e a obrigação de manter os clientes vorazes fidelizados, a dinâmica projetual e produtiva entram em um ritmo frenético que altera dramaticamente o ciclo de vida dos produtos, bem como na dinâmica metodológica dos processos de design. O que na moda já é bem explícito. Para Frings (2012, p.3) “a moda é um reflexo das forças sociais, políticas, econômicas e artísticas de um determinado período”. 30 No século passado, que parece uma data distante, mas não o é, a moda evidenciava muito claramente a mudanças sociais e a velocidade destas mudanças podia ser dividida em décadas. Todavia, em épocas menos tecnológicas, um vestuário podia ficar em „voga‟ por até 2000 anos, considerando que as primeiras expressões de vestuário eram de variações de tecidos quadrados sobrepostos, drapeados e togas, o que viria a mudar a partir da época das invasões por volta de 1200 a. C, com contato dos romanos com os etruscos, o contato dos etruscos com outros povos, como explica Laver (2003). Contudo, o fator globalização promoveu uma nova época de invasões1 conforme explica Featherstone (2007) o tempo presente ou pós-moderno é portador de tendências globalizadoras inseparáveis, que provocaram a ampliação do fluxo de informações, imagens, pessoas e todas as coisas em geral, sendo, no pós-modernismo integrados muitos objetos portadores de signos e a cultura de consumismo que vai além dos produtos, pois aos signos se atribui importância igual ou superior à dos produtos. Delgado (2008), ainda explica que a aceleração da velocidade na difusão de informações sobre moda, resultou na divulgação e produção de novas tendências de consumo, bem como, na aceleração da oferta de produtos e modificou a relação entre produtos e indivíduos. Resultado deste processo, estilos e conceitos que duravam dez anos, como reflexo da mudança social, estes modos de vestir também 1 Referindo-se a invasões bárbaras e outras que involuntariamente operavam transferência de tecnologia; 31 mudam em uma escala vertiginosa, transformados em estilos e conceitos com prazo de validade cada vez mais curtos, de cinco em cinco anos, de dois em dois anos, de um em um ano. Este processo é atestado por Seeling (2000, p9), “roupas bonitas, houve-as em todas as épocas, mas MODA é um fenômeno do nosso século”, referindo-se então a estruturação desse objeto imaterial manifesto nos produtos materiais. É no final do século XX e início do século XXI, que a aceleração da informação e consequentemente da moda fica mais nítida. Nesse momento, o período de um ano é subdividido em inverno e verão, depois, coleções para outono, inverno, primavera, verão. O ritmo fica cada vez mais cinético. Quatro coleções por ano, entradas e inserções de fragmentos de coleção, para o alto verão (carnaval), coleções cápsula, temporada de festas como formaturas, natal e ano novo, dia das mães, dia dos namorados, tem-se uma nova tendência de moda que precisa ser aplicada aos produtos a cada dois meses. O documentário „Minimalism: A Documentary About the Important Things‟, que traduzido corresponde a „Minimalismo: Um documentário sobre as coisas importantes‟ (D‟Avella, 2016), que trata obviamente da tendência de viver com o essencial, explica que as marcas de moda na atualidade produzem cinquenta e duas (52) coleções por ano, que na verdade não são necessariamente coleções. São inserções de produtos novos semanalmente para não desgastar aquele consumidor que vai a busca de novidade constantemente. 32 Para Lipovetsky (2009 p.24) a efervescência deste movimento começa na idade média onde “a renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e ornamentações já não é exceção, mas regra permanente: a moda nasceu”. Jones (2005 p. 99) explica que “criar é uma questão de misturar elementos conhecidos de uma maneira nova e estimulante para gerar combinações e produtos diferentes”. O novo e frenético ritmo de criação ou desenvolvimento de produtos para atender um consumidor constantemente insatisfeito e ao mesmo tempo ávido por consumir, estabelece um ponto de reflexão sobre posturas ideais para o designer. Este por sua vez, (o designer) através do design precisa oferecer produtos que contemplem funções práticas, estéticas, simbólicas, em níveis básicos, esperados, ampliados e potenciais (Löbach 2001, Lewitt 1995). Blackman ao referir-se a esse processo no século XX explica que: “Esse período testemunhou o rápido desenvolvimento da produção e da disseminação da moda e a maior transformação em seu consumo: passou de couture (alta costura) destinada à elite no início do século à quase universalidade atual, disponível para todos em qualquer loja […]” (BLACKMAN, 2012, p. 6). É importante destacar que se descreve aqui uma tendência onde os consumidores estão constantemente insatisfeitos, e, isso acarreta em mais consumo, todavia, é necessário depreender que a questão trata-se 33 de um círculo vicioso, designa uma sucessão, geralmente ininterrupta, de acontecimentos que se repetem e voltam sempre ao ponto de origem, colidindo sempre com o mesmo obstáculo. Através das mídias, o consumidor é injetado com insatisfação, uma vez que a informação de moda chega até ele e o mesmo percebe “estar fora da moda”. O consumidor recorre a novos produtos e assim o círculo se estabelece. Dessa forma, é necessário compreender como um primeiro sinal da constituição de um ponto de pressão sobre o profissional, que precisa adaptar-se a essa velocidade mercadológica e estrutural da moda em confronto com a teoria acadêmica. O Fast Fashion nasce aqui. Segundo Cietta (2012) o movimento Fast Fashion surgiu em 1980, proporcionando aos consumidores produtos com preços mais acessíveis, margeados pelas tendências do mercado e na velocidade que eles desejavam. Este sistema é organizado ou direcionado para aumentar as vendas, e está estruturado cadeias produtivas muito ágeis e complexas, que possibilitam criar, fabricar e distribuir em um curto espaço de tempo. Conforme Noldin (2012) essa mudança é considerada uma evolução ancorada em uma espécie de empoderamento do consumidor que não se restringe mais a escolher entre o que há disponível. A principal evolução do fast fashion em relação ao sistema de moda tradicional está no envolvimento das escolhas dos consumidores na concepção dos produtos. Nos sistemas tradicionais, as pessoas escolhem o que consumir a partir de certo número de produtos que fazem parte de coleções sazonais. Já no modelo Fast Fashion, o processo criativo é 34 contínuo e as escolhas dos consumidores são imediatamente incorporadas ao design de novos produtos (NOLDIN, 2012, p. 50). Todavia, o que Noldin (2012) chama de processo criativo contínuo, resume-se a mais oferta de produtos, fora dos ciclos conhecidos de coleção para atender a demanda e a insatisfação gerada, para responder ou solucionar aquela percepção construída de não ter nada satisfatório para vestir. 35 3.3 AJUSTANDO O FOCO 3.3.1 – Do consumo ao consumismo Respondendo aos objetivos propostos, define-se consumo como: “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (Canclini, 2015, p. 77). Desta forma, as ideias antes apresentadas apontam para uma mudança na relação das pessoas com seus produtos, especificamente mudanças nos processos socioculturais, uma vez que, noutros tempos a aquisição de produtos não era tão facilitada como atualmente, isso se desdobrava também nos usos e práticas entorno do consumo e do vestir. Não é raro ouvir depoimentos de que em outro tempo não muito distante, onde as compras de vestuário, por exemplo, aconteciam só uma vez por ano, que a roupa passava de um irmão para outro, que as tias trocavam peças entre si para atenderem o crescimento das crianças. Havia uma preocupação ou outro tipo de hábito, de comprar coisas duradouras e sem muita personalização, pois o uso propriamente dito e o reuso era „planejado‟, o ciclo de vida do produto tendo em vista sua neutralidade era alongado e estendido por essas manobras, evitando também a acumulação. Mais que outra forma de consumir, o mercado, aquele local onde consumidor e produtos se encontram também era diferente, o que havia de oferta de produtos no mercado era um conjunto restrito de produtos, 36 ou seja, não havia tanta produção, tanta variedade e preços tão acessíveis. Consumidores com maior poder aquisitivo podiam recorrer à costureiras que faziam roupas personalizadas e/ou sob medida. Os demais grupos submetiam-se ao que era oferecido no mercado. Foi a partir dos anos de 1990 que o Brasil entrou francamente no processo de globalização, permitindo a aquisição de informação e tecnologia, fomentando a alta industrialização e ampla diversificação do mercado como consequência. A difusão da informação de moda no Brasil, por exemplo, se dava por intermédio das novelas ou em revistas como a Revista Manequim de Editora Abril, posteriormente começaram a circular revistas especializadas como a ELLE, Vogue e L'officiel. A revista Manequim era direcionada ao consumidor final com objetivo que o mesmo fizesse seus próprios produtos ou que levasse a uma costureira. Já as outras revistas citadas como exemplo tinham a característica de oferecer informação especializada de moda para um público especializado ou dos bastidores da moda. Em resumo, o processo de aquisição de um produto constituía-se mais complexo, pois envolviam questões sociais, econômicas e culturais daquele momento, como a falta de opções de produtos, falta de recursos financeiros e a falta do conhecimento de moda, e, sobretudo a relação do consumidor com o produto consumido era diferente. 37 Já o consumidor atual, frente aos fatores expostos sobre a evolução das formas de consumo, da oferta de produtos, da relação do consumidor com o objeto de desejo, municia-se de uma percepção embotada para seus próprios pertences, e, ainda bombardeado e estimulado pelas mídias e marketing, sempre sentirá a necessidade de comprar um objeto ou produto novo, pois sempre lhes falta algo. Para Baudrillard (2015, p168), Não vai longe o tempo em que a compra da sala de jantar, do carro, constituía o termo de um longo esforço de economia. Trabalhava-se sonhando adquirir: a vida é vivida a maneira puritana do esforço e da recompensa, mas quando os objetos se acham presentes, e que foram ganhos, constituem quitação do passado e segurança para o porvir. Um capital (BAUDRILLARD, 2015, p168). Na fala de Baudrillard, percebe-se que a quitação, a recompensa dos sacrifícios e esforços de uma vida economizando, em tese termina quando o objeto se faz presente. Contudo, Baudrillard (2015, p. 169) ainda explica; “Se antes era o homem que impunha seu ritmo aos objetos, hoje são os objetos que impõem seus ritmos descontínuos aos homens [...]”. Noutras palavras pode-se depreender que, posterior à presença do objeto, ao passo que a quitação pelo esforço se estabelece, outros anseios serão projetados para que esse mesmo sujeito consumidor seja impelido a adquirir novos objetos que serão necessários sob as mais variadas justificativas. Quanto a isso Bauman (2009, p. 16) acrescenta: “que os bens capazes de tornar a vida mais feliz começam a se afastar dos domínios não-monetários para o mercado de mercadorias”, aludindo a mudança de comportamento de consumo com maior enforque nas mercadorias do que 38 nas relações humanas, ou seja, o consumo como resposta à busca da felicidade. Tolotti (2007 p. 25) acredita que o consumo, é motivado às novas formas de como as relações sociais ocorrem hoje em dia, pois o excesso de exposição da vida privada aponta para a ideia de que “a aparência, em um primeiro momento, e às vezes para sempre, é mais importante do que a própria realidade. Em maior ou menor grau, todos absorvem esse novo pensamento”. Para Castilho (2009 p. 81) [...] a possibilidade de redesenhar o próprio corpo, em razão da eterna insatisfação humana com a própria aparência, é um dos moventes que permitem a transformação do ser humano biológico ou „mais natural‟ em ser cultural. A imagem que um sujeito cria de si mesmo exprime-se, então, em codificações, em seu modo de parecer, de mostrar-se para ser visto. Em acordo com a ideia de Castilho, sobre a construção do ser cultural, Lipovetsky (2009) atribui ao prêt-à-porter, “moda aberta” como ele chama, a consolidação da efemeridade da moda, quando ela, torna-se uma necessidade das massas, independente de classe social. Onde, ao consumir permite-se sair do ser „mais natural‟ e consumindo consegue expor seus ideais de representação social. Uma espécie de mimese, no sentido da imitação, da recriação e da simulação. Para B. Silva (2014), o tema refere-se a „tragédia‟ do ser e do ter, onde o ser leva a posse de si mesmo, da própria identidade e caráter, e na maneira como se relaciona social e afetivamente. O ter conduz a posse material das coisas que coabitam com egoísmo e falta de 39 altruísmo. Para ela a sociedade atual tem como senso comum vigente o ter, por isso, chama-a de sociedade de produtos. Nesta “é necessário possuir tudo que seja capaz de gerar prazer de forma intensa e imediata” (B. SILVA 2014, p 18). Mais um caminho para o esclarecimento do que se quer discutir nessa tese sobre consumo, consumismo, moda e design, é descrito por outra pesquisadora de tendências, a autora Faith Popcorn(1998, 2020). Popcorn (1998, 2020), apresenta outra tendência chamada de „99 vidas‟, onde o ritmo acelerado dos tempos modernos obriga as pessoas a desempenhar vários papéis a fim de poder enfrentar uma vida muito ocupada como ter dois empregos, estar vários e diferentes grupos sociais, estudar, etc. Pode-se inferir sobre esse envolvimento com várias vidas é que às vezes cada uma dessas vidas requer um código de vestir diferente como: a roupa para ir à igreja, trabalhar, ir ao ambiente de estudo, sair no final de semana, praticar um esporte por exemplo. Embora se considere os condicionantes da vida moderna onde o indivíduo sai de casa cedo para trabalhar e do trabalho poder ir para os estudos, ou shopping, academia, happy hour, a concretização das 99 vidas trata mais de 99 ocupações do que 99 aparências. Todavia, o conceito mensurado é plausível quando o indivíduo concentra tempo para se preparar para uma exposição social, busca, projeta e organiza suas 99 aparências condizente com as 99 vidas. Para cada uma dessas vidas que o indivíduo desempenha cabe-lhe um código de vestir específico. Antes mesmo da Popcorn (1998, 2020) falar das „99 vidas‟ que é um tema legitimamente contemporâneo, a moda já impunha desde seus 40 primórdios um código de vestir adequado para cada ocasião pelo menos para os mais nobres. Leite e Guerra (2002, p. 10) evidenciam que: O desejo de expressar-se através da aparência física, de embelezar-se, enfeitar-se, sempre esteve presente, de formas diversas, em todas as sociedades e civilizações. E debruçar-se sobre esse binômio função/imaginário contido na indumentária pode fornecer um panorama extremamente esclarecedor do funcionamento e das prioridades dos grupos humanos em determinados momentos históricos (LEITE e GUERRA, 2002, p. 10). Hoje, em tempos de alta difusão da informação seja ela qual for, é mais fácil encontrar padrões sociais que se deseja reproduzir, quase sempre baseados na observação da vida em seu cotidiano, como através dos múltiplos canais midiáticos existentes, por tornarem virtual e explícita uma considerável parte da vida particular aos seus públicos; o que obriga certa „maquiagem‟ na realidade para também inserir-se social e digitalmente nas últimas modas. 41 3.3.2 – Consumindo para Ser ou para Estar À medida que avançam os meios de comunicação e a visibilidade de um modo geral, o consumir produtos de moda, como vem sendo apresentado, instala um ponto uma incongruência para quem trafega no ambiente da moda e apregoa que os indivíduos precisam ter um estilo e que este estilo é parte da construção da identidade e da subjetividade. Como explica Flugel (1966, pg 127), a incongruência: [...] o paradoxo da moda está em que todo mundo tenta, ao mesmo tempo, ser igual e diferente de seus companheiros: parecer-se a eles no que se refere à sua superioridade, não se parecer a eles (no sentido de estar mais na “moda”) nos aspectos que julgam inferiores (FLUGEL, 1966, pg. 127, apud BARNARD, 2003, p. 30). O novo consumidor, dotado de crédito e de muita informação, pode tornar-se „camaleônico‟ em termos de estilo de moda, e, nos dias atuais não se mostrar conflitante nisso, transitando e se livremente se travestindo do „eu‟ escolhido por ele, nas palavras de PopCorn (1998, 2020) uma aventura da fantasia2 na moda, na música, na gastronomia ou alimentação, no turismo, e tudo que se puder imaginar pode compor o novo „eu‟, física ou virtualmente. Em acordo com este pensamento, ao mesmo tempo em que a moda tem o poder de arquitetar personagens, ela essencialmente não constrói personas ou sujeitos reais, pois se baseia na construção de aparência e não a exibição de uma cultura construída ao longo de uma 2 Aventura da Fantasia é uma tendência da autora Faith Popcorn - Sugere um escape da dureza da realidade cotidiana, onde as pessoas buscam ter experiências ou viver coisas novas, permitindo-se um retiro momentâneo do mundo estressante para provar um sabor exótico, uma viagem diferente, hospedagem inusitada, novo visual, tudo através do consumo. 42 vida, na formação de um estilo. Para Barbosa (2010 p. 22): “Estilo de vida e identidade tornaram-se, portanto, opcionais. Independente da minha posição social, idade e renda, posso ser quem eu escolher”. Gebauer e Wulf (2005), explicam que este comportamento é classificado como mimese e elucidam que o termo se refere à „imitação‟, a „fazer-se parecido‟, „expressar‟ ou „representação algo‟, aperfeiçoado na reprodução repetitiva por meio da imitação de algo existente. A moda nesse sentido fornece recursos que permitem a adequação às similaridades no vestir-se. “Com a ajuda de capacidades miméticas percebe-se uma semelhança entre si e o outro e experimentar-se a percepção de si do outro. Desta forma chega-se à concordância do agir, das opiniões e dos sentimentos entre os homens” (GEBAUER e WULF, 2005, pg. 38). Noutro termo, o indivíduo mimético pode ser caracterizado como „poser‟, que delineia uma pessoa que finge ser o que não é, através da imitação das roupas, vocabulário e/ou maneirismos de um grupo ou subcultura, na busca de aceitação ou popularidade dentro do grupo, mas que, de fato, não compartilha ou não entende integralmente os valores ou a filosofia daquele grupo. O que também caracteriza uma forma de consumo ostentatório. D'Angelo (2006), exemplifica a profundidade das ações que envolvem a formação dessa imagem social, falando sobre o significado do consumo de produtos de luxo, que até na favela essa ideação e mimese se aplica, quando relata que uma moradora da comunidade comprava o 43 sabão em pó da marca líder de mercado, de valor mais alto e depois de usá-lo continuava a abastecer a caixa com outra marca de sabão em pó mais popular. Segundo D´Angelo (2000) esta ação tratava-se de uma pantomima para ostentar aos vizinhos que ela desfrutava de uma situação melhor do que a real. Quanto a este consumo ostentatório ou conspícuo, Assimos, Pinto, Leite e Andrade (2019), aludem algumas práxis como: conformar-se aos padrões estabelecidos, busca de aumento de prestígio, necessidade de exibição do produto, autoexpressão, consciência de marca, singularidade e outros. O que se torna mais claro nesse ponto que é a moda ou a roupa/vestuário serve à construção da identidade que o usuário/comprador/consumidor quer assumir. Isso se dá através da variabilidade de possibilidades de produtos de moda disponíveis, acessíveis, e, fragmentados conceitual e projetualmente que não raras vezes desafiam as teorias do desenvolvimento de produtos e as metodologias projetuais consagradas com a de Baxter (2011), Munari (2008), Bürdek (2010) e de Ambrose e Harris (2011). 44 3.3.3 – O Mínimo é o Máximo, o Máximo é o Mínimo3 O assunto pede uma abordagem holística considerando que a forma de consumir de uma maneira geral mudou vertiginosamente nas últimas décadas e tem afetado a indústria, os consumidores, os sistemas de design, os sistemas econômicos, etc. No Documentário „Minimalism (D‟Avella, 2016), Friedlander4 e Hill5 entrevistados para o documentário, explicam que devido ao excesso de consumo a sociedade norte-americana mesmo com o aumento na metragem das casas, precisa de três vezes mais espaço do que precisavam nos anos 1950. E que ainda assim alimentam uma grande indústria de armazenamento de 2,2 bilhões de metros quadrados, no formato de depósitos alugados onde guardam os excessos que não cabem em suas casas. A ideia apresentada apoia também outra percepção no que tange os desdobramentos do consumismo, em especial ao de moda, no design de objetos e mobiliário, de interiores, na arquitetura. A percepção da metamorfose do mobiliário destinado a guardar as roupas, e seu crescimento em número de portas, altura, largura e profundidade em se tratando do móvel na escala comercial. Para outros consumidores a necessidade de armazenamento personalizou-se e transformou o guarda-roupa no closet – o mais novo 3 Da Música: “Salário Mínimo” banda Espírito da Coisa - 1986 4 David Friedlander, diretor de comunicação da LIFEEDITED. 5 Grahan Hill, diretor de comunicação da LIFEEDITED, empresa que projeta espaços considerando a filosofia de viver confortavelmente com o essencial. Outras informações sobre os projetos da LIFEEDiTED https://lifeedited.com/about/. 45 ambiente da casa, o que sugere mais espaço para „guardar‟ e armazenar ou acumular. É preciso estabelecer alguns contrapontos, do primeiro momento onde à aquisição de roupas, sapatos e ou qualquer objeto era extremamente difícil, os mesmos tornavam-se muito importantes para as famílias, como as sacolas de feira, guarda-chuvas e sombrinhas ou qualquer outro objeto que a família conquistasse por esforço. O segundo momento é esse onde a aquisição é facilitada e tendo em vista o acesso a outras culturas, como a norte-americana se almeja além dos produtos, o estilo de vida, o padrão das casas, os closets, o espaço extra com muitas caixas plásticas armazenadoras, o fast food, o fast fashion, etc. A exposição destes extremos, a saber: de um lado a ausência, carência e ou dificuldade de acesso aos objetos para algumas gerações, e, do outro a completa banalização do consumo e dos produtos por outros grupos, permite a aproximação do entendimento do atual estado do consumo, a sociedade de consumo (BAUDRILHARD, 2015; B.SILVA, 2014; BARBOSA, 2010, RETONDAR, 2008). Ao vislumbrar esse antigo consumidor que considerava cada aquisição como algo importante, sua relação com suas conquistas eram consequente e possivelmente diferentes da do novo consumidor que iniciou suas experiências de consumo com muito mais crédito e tendo como ponto de partida, um mercado repleto de opções. Por ter expectativas progressivas (HILL, 2003) poderá estar sempre insatisfeito, não encontrando contentamento frente aos novos 46 estímulos a que se expõe, com a percepção de posse alterada e atrelada a um tipo de felicidade, preso a um sistema circular retroalimentado pela descoberta de coisas que não ainda tem, desejo, conquista, posse, satisfação temporária, e, o ciclo reinicia colaborando para que nunca encontre contentamento. SCHWERINER (2008) define que a essência ou cerne deste tipo consumismo, se dá por compras compulsivas, onde o ato da compra é mais importante que a posse ou o uso; posses desmensuradas onde o acúmulo leva-o a ter tantos produtos que não é capaz de usufruir deles e uso ostentatório, quando o uso está baseado no valor do signo ou simbólico e menos na utilidade. Os consumidores munidos da percepção embotada sobre a posse de seus próprios pertences será bombardeado e estimulado pelas mídias e marketing, sentirá a necessidade de comprar um objeto novo, pois lhe falta algo, e, estabelecer um padrão de comportamento que se conforma com o mínimo não se sustentará. Abarcado a esses fatores da necessidade da representação do social, que se mistura a questão do consumo e da acumulação, da assimilação cultural de outros estilos de vida, formará na mente do novo consumidor aquela percepção inicial de inadequação frente ao julgamento externo. Para Fogg (2013, p. 13) “As pessoas continuam sendo julgadas pela aparência – seu status, sexualidade e gosto estão sujeitos ao olho discernido”. 47 O indivíduo envolvido nesse sistema atormenta-se sobre a opinião de outras pessoas ao vê-lo usando uma toalha de banho velha ou surrada na praia o no clube, então, esta projeção o impele a transformar seu desejo de figurar bem, na necessidade de possuir o produto X ou Y para corresponder a esta imagem social, e, comprará toalhas de banho, protetor solar de marca, chinelos, bolsas, viseiras, a bóia de flamingo. Vale retomar que o desejo de figurar bem será influenciado pelo contexto social ou pela cultura de cada indivíduo, em uma espécie de competição em seus ambientes sociais, a toalha de banho no clube, o professor com mais livros e recursos digitais nas escolas, a área gourmet nas casas, o esmalte na cor „de moleton e salto‟, o carro, o piso, os móveis, mas, sobretudo a moda, pois é uma segunda pele, nossos ambientes habitáveis conforme Crillanovick (2007). A busca pela conceituação dos verbetes consumo, consumidor e consumista no dicionário (MICHAELLIS, 2020) indica de maneira breve e simplificada parte do ideário da pesquisa, que de maneira nenhuma deseja culpabilizar ou extinguir o consumo. 48 3.3.4 Consumo, Consumismo e Consumistas – algumas razões O primeiro verbete define esse estado o ato de consumir e já o atrela a fatores como despesa, dispêndio, gasto, que na teoria econômica assumam aspectos negativos e positivos. O segundo verbete explicita a situação que todo ser humano se encontra, que é o de consumidor, pois consumir faz parte da vida humana, mesmo que isso não envolva uma relação de troca, de compra e de dinheiro, como viver da natureza por exemplo. Porém, o conceito, se aperfeiçoa a partir da organização da vida humana em sociedade e da implantação dos muitos códigos socioculturais que vão se metamorfoseando continuamente, e desse processo surge o consumidor que compra produtos, experiências, sensações, segurança, etc. O terceiro, consumista, é o indivíduo consumidor que comete excessos de consumo em alguma área, ou, ainda, consume mais do que realmente precisa. Para SCHWERINER (2008), consumismo praticado pelo consumista é definido pela dependência do consumo de bens “não essenciais” que se presta a resolver os desejos do consumidor. Há uma percepção do autor que estes desejos não tem fim, além da ansia CONSUMO 1 Ato ou efeito de consumir; despesa, dispêndio, consumação, gasto. CONSUMIDOR 1 Que ou aquele que consome; aquele que compra produtos ou serviços para seu próprio gasto (ou de sua família); comprador, cliente, freguês. CONSUMISTA 1 Relativo a ou próprio do consumismo. 2 Que se caracteriza pela ocorrência do consumismo. 3 Diz-se daquele que é favorável ao hábito do consumismo ou que o vivencia. 49 crescente de ter, que o expoe ao risco de não desfrutar em plenitude das coisas adquiridas. Para Fajardo (2010, p.12) “O consumo está no centro e na essência da sociedade contemporânea. Tornou-se um fator de estruturação da cultura, da economia e dos nossos valores”. Ressalta que todos os seres vivos consomem em maior ou menor intensidade, porém, a sociedade humana tornou-se sofisticada e complexa. Nesse sentido, devido aos desejos tomarem o lugar da necessidade, e, fatores estéticos e simbólicos se tornaram iguais ou maiores que os práticos. Para B.Silva (2014. p. 67), diferencia o consumo advindo da supressão das necessidades como consumo primário. Porém, uma vez que o indivíduo já não consegue saber o limite entre o necessário e o supérfluo, este encaminha-se para o consumo secundário, ou seja, para “[...] atender às necessidades que são criadas e imaginadas por nós […] que nos levam a caminhos tortuosos de sedução, manipulação e desejos insaciáveis”. Concordando com o que explicam Schweriner (2008), Fajardo (2012) e B. Silva (2014) pode-se depreender que a necessidade é um estado que pode ser solucionado com a função prática de um produto (cf. LOBACH, 2001), se a pessoa está com frio qualquer cobertor serve, até aquele mais popular chamado de „corta febre‟. Todavia, a sofisticação nas formas de consumir, resultado da complexidade da mente humana, elevou o status da necessidade, colocando-a como desejo, pois nesse 50 caso, o cobertor precisa além da função prática, carregar funções estéticas e simbólicas. Aqui é importante destacar que o embotamento da percepção das pessoas é em parte abonado quando se entende que as razões ou justificativas do excesso tornam-se extremamente subjetivas6, quando não há métricas claras para afirmar para este ou aquele consumidor o que é de fato um consumo razoável, normal ou excessivo. Envolve razões psíquicas indimensíveis que formuladas ao longo da história de cada consumidor, como por exemplo, a pessoa se sentir segura com armários ou dispensa cheia, com produtos que podem até perder o prazo de validade para consumo, mas estão ali estocados e acumulados. O que regerá a ação do consumidor é uma percepção de segurança, de conforto, de paz ou qualquer outro estado e sentimento, o que é corroborado pela ideia de Norman (2008) e como o design emocional, quando o aspecto afetivo (positivo ou negativo) altera a forma de pensar e reestrutura o valor do que é amado ou detestado. Afora isso, Pintaudi conclui (1989, p. 06): “O psíquico do ser humano é muito bem trabalhado pela propaganda”, sobre o bombardeio de ofertas de coisas que as pessoas precisarão para serem felizes, da ampliação das possibilidades de consumo que cria um novo status de prazer: o prazer da posse e do ter. Para Leonard (2011. p.129) entende que o consumismo refere-se à “[…] atitude de tentar satisfazer 6 A subjetividade trata de formas da consciência: o eu - identidade e vivências psíquicas, a pessoa - consciência moral, o cidadão - consciência política e o sujeito epistemológico - consciência intelectual (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2000, p. 24). 51 deficiências emocionais e sociais por meio de compras e demonstrar valor pessoal por meio do que é possuído”. Então, além do bombardeamento midiático objetivo e quase sempre certeiro, mesmo aqueles „consumidores de concreto‟(HILL, 2003) que estão desconfiados e questionam a veracidade das informações da propaganda, são também abduzidos por outra extensão de comunicação midiática que é o marketing digital ou e-marketing com estratégias onde a venda do produto aparece diluída em uma estória bonita7. A dominante vertente de marketing ao consumidor, o marketing digital ou e-marketing de acordo com Limeira (2011, p. 10) é “o conjunto de ações de marketing intermediadas por canais eletrônicos, como a internet, em que o cliente controla a quantidade e o tipo de informação recebida”. O conceito só não conjuga plenamente correto, pois não raras vezes o cliente necessariamente não controla o conteúdo que o assedia. Para Las Casas (2014, p.41) “mídia social é aquela utilizada pelas pessoas por meio de tecnologias e políticas na web com fins de compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas”. Acrescenta-se o entendimento que nas mídias sociais pessoas físicas e jurídicas se misturam em uma dimensão virtual onde todos são “amigos”. Porém, a metafórica ponta do iceberg do consumo atual são os influenciadores digitais, como explicam Silva e Tessarolo (2016, p. 5): 7 Exemplo de campanha acima do radar do consumidor https://www.youtube.com/watch?v=3AsW29oZOl0 https://www.youtube.com/watch?v=3AsW29oZOl0 52 “O termo se refere aquelas pessoas que se destacam nas redes e que possuem a capacidade de mobilizar um grande número de seguidores, pautando opiniões e comportamentos e até mesmo criando conteúdos que sejam exclusivos” (SILVA E TESSAROLO, 2016, p. 5) Os autores completam que o estilo de vida dos influenciadores, suas experiências, opiniões e gostos repercutem fortemente entre os seus „seguidores‟. Alguns destes produzem conteúdos imagéticos de estilo de vida, anuídos apenas por „hashtags‟ (#) que se abrem para um imenso espaço de identificação. Ao entender essa dinâmica os influenciadores tornaram-se produtos midiáticos com objetivo de testar, opinar e, por conseguinte vender mais produtos, Almeida et al (2018) explicam que essa comunicação é baseada na interação do indivíduo, engajamento, curtidas, comentar ou marcar outras pessoas nos comentários, o boca a boca, endosso, recomendações e comentários considerados mais realistas, entre outros aspectos. Para eles “formadores de opinião são entidades institucionais ou indivíduos que inspiram outros, que por sua vez observam de perto comportamentos de compra e consumo tidos como referência” (ALMEIDA, COELHO, CAMILO e GODOY, 2018, p.119). Conota-se neste marketing subliminar a preparação para o consumo, as telas digitais dos computadores e smartphones funcionam como a vitrina nesse momento de imobilidade ou virtualização da vida como um todo. 53 O consumidor comum desliga-se da sua realidade indo para o trabalho no transporte público, acessa seu celular que já parece uma extensão da sua mão, ordena ao seu corpo posturas novas, e, “enquanto os males da humanidade andam à solta, na caixa vitrina está contida a promessa de transformação e de prazer” (DEMETRESCO, 2010, p.25). Remetendo a vitrina ainda: [...] na sua proposta de criação, efeitos de sentido que vão ao encontro do observador; efeitos esses, previamente separados e articulados para estarem presentes no cenário. As cenarizações são complexas encenações articuladas para atuar sobre as ordens sensoriais do consumidor a partir de um trabalho estético que estrutura o discurso (DEMETRESCO, 2010, p.15). Transpõe-se para as telas digitais essa „cenarização‟ que será travestida de ambiente natural e despretensiosa, no entanto, continuará havendo a articulação sobre os aspectos sensoriais do consumidor, para que absorva todos os aspectos da imagem, da estrutura, do discurso e busque no processo de mimese validar o consumo que atenda às suas „escolhas‟. Conteúdos produzidos nesse meio digital incentivam de maneira nada subliminar, „maquiado‟ ou merchandising a indicação de muitos produtos para todo tipo de bricolagem8, bem como, muitos outros produtos em uso por influenciadores digitais, ou mesmo clientes que produzem mídia espontânea ao abrir suas compras diante da câmera, ocasionando o desejo de seus públicos espectadores por ter aquele produto e aquela sensação de satisfação e felicidade exibida nos vídeos. 8 Aqui se adquire o sentido de “faça você mesmo” a reforma do seu quarto, o tratamento de cabelo, a receita gourmet, desde que para isso o expectador compre toda a lista de materiais indicados. 54 Indiferente da pertinência ou importância dos objetivos dos bastidores desta forma de comunicação do marketing digital, os influenciadores digitais vão impulsionar e reforçar as relações de consumo apelando para sensação tranquila9 de pertecimento e de identificação, sem deixar de expressar a mensagem que a participação do indivíduo/expectador naquele universo depende da aquisação de alguns produtos, como explica Santos (2007, p. 48) “O poder do consumo é contagiante, e sua capacidade de alienação é tão forte que sua exclusão atribui às pessoas a condição de alienados”. 9 Tranquila no sentido da passividade em que os expectadores de redes sociais recebem as mensagens que se ressignificam dentro dos contextos de cada um. 55 3.3.5 – Desdobramentos do Consumo no Design de Moda Uma ideia sobre o impacto ou desdobramentos do consumismo no Design de Moda se dá quando se analisa o conceito de coleção, segundo Rech (2002, p.68) “coleção é um conjunto de produtos, com harmonia do ponto de vista estético ou comercial, cuja fabricação e entrega, são previstas para determinadas épocas do ano”. Conforme a autora os produtos de moda ou coleções, como qualquer outro produto de design são resultado de planejamento, criação, estudos diversos de viabilidade, prototipia, produção, prazo cronograma, entre outras coisas que se balizam pela característica efêmera dos produtos, ou seja, para que esta coleção harmônica aconteça, é necessário haver metodologias aplicáveis aos produtos de moda dentro de cada esfera, estrato, segmento, matéria prima, público alvo, sistema de venda, etc. Teoricamente, uma etapa importante do planejamento de uma coleção, que é a definição do “tema” da coleção, submergirá da sensibilidade, do conhecimento de mundo, das viagens inspirativas do designer, que converterá tudo isso os elementos diferentes, encantadores, poéticos e até conceituais em uma proposta de moda interessante, especial e comercial, atendendo os objetivos da empresa, da marca, do público e do próprio designer como criador. Todavia, a velocidade com que as coleções de moda precisam acontecer para atender o sistema, faz que a trajetória contemplativa 56 importantíssima para criação de objetos sensíveis, dotados de alma, se torne uma corrida onde a paisagem passa borrada e indistinta. Lobach (2001) elenca como funções dos produtos industriais: a função prática, a estética e a simbólica, Pires (2000 apud TREPTOW, 2013, p. 96) “identifica três categorias de produto: básicos, fashion e vanguarda”. Há ainda vários outros autores que podem segmentar os produtos de moda de inúmeras maneiras, como Feghali (2008) que o faz através da tipologia de valores, Caldas (1999) que organiza em estilos e categorias. Quanto a isso, apesar do amparo de metodologias e teorias sobre a moda e seus produtos, se vê, talvez impulsionado pela venda fácil e certa, produtos extremamente básicos (desalmados) sendo procurados apenas pelos valores simbólicos do produto naquele momento10, cujos elementos estéticos convergem em ser apenas uma fração ou menção pequena e superficial de um conceito criado numa instância superior como o da Alta Costura. Apesar de ser considerada uma das indústrias mais poderosas atualmente, onde pelo menos uma em cada seis pessoas do mundo está ligada direta ou indiretamente a ela, cerca de 40 MILHÕES de pessoas trabalham na indústria têxtil no mundo, segundo MORGAN (2015). Ao considerar esta dimensão, se acredita que a indústria da moda deveria ter uma estrutura organizacional muito sólida, sobretudo, nota-se 10 Momento do lançamento, da novidade, da celebridade ou da personagem da novela que está usando determinada roupa ou “moda”. 57 que o processo industrial prioriza aspectos que envolvem o lucro que pode ser obtido sobre o produto. O lucro é sim parte importante dos projetos e estão previstos nas questões metodológicas que obrigam o questionamento das viabilidades do projeto ou do produto, inclusive o lucro. Todavia, quando o enfoque é demasiadamente sobre esse aspecto, o novo caminho metodológico implicará em ações que suprimem os processos de design importantes para a construção de um produto modal mais integro. Segundo Treptow (2013) são os institutos setoriais que coordenam o fornecimento de matéria-prima, avaliando a oferta de fibras têxteis, pigmentos e corantes, bem como, fazem monitoramento do mercado „orientando‟ e criando as informações base para o trabalho dos estilistas. Estas informações são utilizadas em toda cadeia de moda, inclusive da Alta Costura e expositores nos „fashion weeks‟ internacionais. À medida que os elementos e conceitos propostos pelos institutos setoriais no topo da cadeia produtiva são difundidos, começam a descer pelos diferentes sistemas como Alta Costura, pret-à-porter, fast fashion de grandes magazines, lojas de varejo, sacoleiras, etc. Os elementos e conceitos supracitados serão adaptados para atender interesses e poder aquisitivos variados tanto das diferentes empresas confeccionistas como dos consumidores intermediários e finais. A alta costura e o prêt-at-porter das grandes marcas são a manifestação bruta, densa, artística, conceitual e sem dissolução dos elementos e princípios de design referenciais para o globo. 58 No entanto, na medida em que decrescem ou percorrem outros níveis da cadeia produtiva, adaptam-se e diluem-se conceitualmente. As tendências de moda, agora fluirão e sofrerão reduções drásticas até acercar-se da loja popular que entrega seus produtos ao preço de R$ 12,00 (doze reais). Tal fato, afeta o processo de design, aonde as preocupações com a sistemática do design vão também se esfacelando, até chegar a um processo ou metodologia de design descaracterizado e ou quase inexistente. Fator importante a ser citado é que antes da revolução da globalização e a possibilidade de acesso massivo da internet, a informação de moda era quase um segredo. A informação da Alta Costura vendia-se em livros com explicações dos temas das coleções, referências, inspirações, reforçadas por muitas fotos dos desfiles, de detalhes, e, ainda se podia ver a identidade da marca e do estilista muito presente, e, a diferença era exaltada e parte do espetáculo, que para Rubim (2003), espetáculo formado pelo pitoresco, pelo sensacional, pelo extraordinário que se contrapõem ao que é banal. Para esta informação chegar aos confeccionistas brasileiros, por exemplo, havia uma espera pela revista ou livro ser editado, publicado e exportado para ser adquirido em livreiros especializados. Em alguns casos o empresário confeccionista esperava ainda mais tempo até que consultorias de Moda como a do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) fizesse a decodificação de todas as 59 informações e repassasse em cursos específicos para estilistas e compradores de matérias-primas, isso a um custo relativamente alto. Como qualquer outra, a informação de moda agora chega a tempo real. Uma grande marca de Alta Costura desfila em Paris e as fotos do desfile ficam disponíveis imediatamente na internet, afastando a possibilidade de isolamento ou distanciamento da notícia ou das tendências de moda. Com o fim da era dos segredos, a informação tornar-se estratégia de revalorização da Alta Costura grandes marcas como Chanel, Dior, Gucci entre outras, tem disponibilizado vídeos dos ateliês que mostram os sofisticados e profundamente artísticos processos de confecção de uma da Alta Costura. E, mais que revalorização estes vídeos comprometem-se a reestabelecer a distinção marcante entre o que é a alta moda, e, sobretudo o que é só roupa. De posse do conjunto de informações do que é a tendência da moda, a empresa de confecção inicia um processo de adaptação daquela referência ao seu potencial produtivo e dos parceiros terceirizados, aos seus públicos alvos, às tecnologias que tem acesso, ao quanto pode investir ou economizar em cada processo. É pensando nesses aspectos, dos processos que a confecção, quase sempre voltada a atender consumidores de massa, e desprovida de processos metodológicos inteligentemente implantados, opta ou limita sua ação ao reducionismo conceitual, conforme ilustra a figura 1, onde se vê a proposta conceitual da marca Dior (2005) e um ensaio de como esta 60 imagem conceitual pode ser simplificada, porém, construindo para o consumidor, a partir do deslumbre e do espetáculo da alta moda, a ideia de que ele está usando algo da ou na moda, pois “animal print é uma tendência, Dior usou muito”, projetando a sensação de um usuário. Figura1: exemplo de reducionismo - traje de tendência para alta costura Dior 2005, blusa comercial. Fonte: compilada pelo autor 11 A riqueza de comunicação e criação conceitual que envolve cor, textura, forma, tema, localização histórica, acessórios, maquiagem, escolha de elenco de modelos (casting), e, até mesmo a trilha sonora especificamente preparada, dentro de um conceito geral desenvolvido pelo designer de produto ou designer de moda, perdem-se quando a proposta é reduzida para adequação fabril e comercialização de massa. A ideia em questão é que os consumidores ou usuários de moda estão cercados de uma quantidade tão grande de produtos com tão 11 Figura1: Traje de tendência para alta costura Dior 2005, blusa comercial – reducionismo. Imagens retiradas dos links a seguir: https://s-media-cache- ak0.pinimg.com/736x/ef/c9/1f/efc91f3c91323e77019e1760c4b74afb.jpg http://lojaspompeia.vteximg.com.br/arquivos/ids/212886-1000-1000/lojas-pompeia-blusa- tecido-ne-a-visco-chifon-coral-onca2.jpg 61 pouca informação conceitual de design que o valor emocional, apego ou sentimento de conquista podem ser afetados. Outro elemento que clama a presença do design é a fidelidade do cliente à marca. Soa como um problema de marketing, mas na verdade não o é. É um problema de gestão do design, manter consumidores fiéis a um partido ou identificação imagética, como o design escandinavo, design brasileiro, o design da Coco Chanel, do Dior, Yves Saint Laurent, Balenciaga, Valentino, Clodovil, Dener, Glória Coelho, Zuzu Angel e muitos outros que construíram a moda com seus estilos inconfundíveis. A fidelidade desses consumidores a uma marca também entra em segundo plano, de acordo com Moore (2013, p.16), “em um momento que os consumidores são constantemente bombardeados por informações, tornou-se mais desafiador para uma marca se destacar nesse mercado competitivo”, pela pluralidade da oferta e pela possibilidade da migração para qualquer outro estilo. Nesse sentido, a „culpa‟ não pode ser atribuída ao consumidor infiel, tendo em vista que faltam às marcas maior diferenciação, adoção de uma linha criativa que a destaque. Provavelmente exposto aos muitos produtos que parecem estar na moda, o consumidor decida pelo que custa menos (já que são aparentemente iguais), pelo atendimento, pela proximidade da loja, pela comodidade da compra online, pelas formas de pagamento, ou outro fator que lhe faça sentido. Para Castilho e Villaça (2006, p. 34) as marcas “se originaram como forma de proteção ao consumidor, passando a representar uma 62 garantia de confiabilidade e qualidade […] promete: beleza, bem-estar, poder, etc, e no sentimos únicos, diferenciados, e pagamos por isso”. Esta ideia permite o questionamento se de fato, o evento ou valor que deu causa a surgimento das marcas continuam estáveis, ou o novo consumidor tem desconsiderado subliminarmente confiabilidade e qualidade e se entregue a uma relação de consumo baseada em outros aspectos mais subjetivos e mais particulares? O custeio do fenômeno do consumo suscita outros vários desdobramentos, desde ajustes das leis de trabalho, trabalho escravo em alguns países, curtíssimos ciclos de vida dos produtos e uma indústria estrangulada por prazos cada vez mais urgentes. Quanto ao design há uma perda da essência conceitual dos produtos e do potencial de comunicação da moda, uma vez que criar em moda se ocupa em dar elementos como cores, formas, linhas, texturas, para criação da individualidade. 63 3.4 Consumismo e Acumulação Ao elencar agravos do consumismo, aponta-se também a acumulação, como ato ou comportamento de acumular e/ou colecionar objetos, que ocorre em todas as populações de forma normal ou patológica, caracterizada pela tendência a guardar objetos que na concepção do acumulador terão utilidade futura ou mesmo tem para eles valor financeiro ou afetivo, o que lhes dá segurança ao guardá-los. (SCHMIDT et. al, 2014). A acumulação tem vários estágios e já está configurada pelos canais competentes como um transtorno mental que evolui do simples colecionismo para a compulsão patológica onde a pessoa pode perder completamente a dimensão das suas posses. O desdobramento mais significante que pode estar associado à acumulação é a Síndrome de Diógenes, que de acordo com Almeida e Ribeiro (2012, p 90): Caracteriza-se por uma quebra e rejeição de padrões sociais observados no descuido pessoal e habitacional severo, no abandono progressivo do contacto social, no reduzido insight para o problema, bem como no comportamento de acumulação de objetos e lixo (ALMEIDA E RIBEIRO, 2012, p 90). Estas informações esboçam e delineiam que a percepção de posse embotada, mencionada como ponto de partida desta tese, quando adicionada de muitas pressões que a sociedade de consumo e que os 64 tempos hipermodernos12 impõem sobre as pessoas podem agravar-se em várias outras doenças mentais como a oniomania e a acumulação. Objetivamente falando, a acumulação é um quadro de doença mental grave que antes da instalação patológica, se inicia com hábitos simples de guardar ou colecionar até se tornar mais e mais intenso. O canal13 Arts & Entertainment (A&E) já apresenta a 11 temporadas (desde 2009) as várias faces da acumulação compulsiva. Diferente de programas de televisão cujo enfoque é organização, otimização de espaço e retratar a inabilidade de gerenciar um espaço, a quantidade de objetos ou mobiliário, cuja bagunça parece ter sido preparada para a gravação, os programas/documentários sobre os acumuladores são „produzidos‟ de menos e realistas demais, pois apresentam impactos muito severos destes excessos. Do ponto de vista da patologia, o indivíduo envolvido com a acumulação compulsiva tem níveis de „insight‟14 diferentes que vão do bom, razoável, pobre, ausente e delirante de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2016). As principais características ou sintomas aludem à necessidade imperativa e obrigatória de coletar intencionalmente objetos, dificuldade em desfazer-se dessas posses e problemas de organização (SCHMIDT et. 12 Para Lipovetsky e Charles (2004) A hipermodernidade é caracterizada por uma cultura do excesso, onde as coisas se tornam frenéticas, intensas e urgentes. Aceleração, flexibilidade e fluidez para acompanhar a velocidade, o movimento, as constantes mudanças. Tudo é elevado à potência do mais, do maior. A cultura do excesso e da moderação. 13 Como pesquisador tenho a percepção que quando determinado assunto ou pauta chega até a televisão, se dá pela urgência e necessidade do tema ser ampliado e se tornar público. Como mostra a tendência de programas: Acumuladores (A&E), Além da Conta (GNT), Santa Ajuda (GNT), Ordem na Casa (Netflix). 14 Insight – Nas palavras do próprio autor (APA, 2016), no sentido de que o acumulador tem diferentes níveis de percepção sobre seu acúmulo. 65 al, 2014). Todavia na ótica de quem acumula toda situação em que se encontra é percebida como normal. O insight bom, por exemplo, é reconhecer que se tem muitos objetos, porém, este reconhecimento não é acompanhado da percepção de suficiência, o que significa o impulso latente, a necessidade de obter mais, de elencar um valor irreal sobre seus objetos, de atribuir utilidade para coisas inúteis, entre outras coisas. 66 3.5 Novos horizontes e Reflexões A apresentação do quadro de consumo x consumismo, suas faces, impactos parecem extremamente distópicos, ou seja, lotados em um cenário de poucas possibilidades de reversão. Veem-se pequenas reações, novos caminhos, iniciativas, novos horizontes e reflexões, mesmo que predominantemente a sociedade atual se comporte como explica Campos (2009, p.2): Todas mudanças ocorridas durante anos, na sociedade e na forma de produzir e comercializar, contribuíram em parte para gerar o consumismo. O vício do consumo encorpara pelo desejo que o ser humano tem em ter todas as novidades lançadas pelas indústrias (CAMPOS, 2009, p.2). Poucos territórios de consumo são tão propícios ao excesso como o da moda. Para Monneyron (2007) pelo seu caráter tão cotidiano a moda fora rotulada como futilidade. Todavia, este status de fútil foi sobreposto quando o caráter sociológico da moda engendrou as esferas econômica e industrial de forma notória, ou seja, moda é comportamento e comportamento gera consumo, então é necessário entender mais a moda. A ascensão da Moda posteriormente inclusa nos bancos universitários e corretamente adotada dentro do design ou desenho industrial, conforme Conti (2008, p. 219): [...] a moda, privada de sua efemeridade, não é somente um fazer ligado à genialidade de um único criador, mas se realiza na dinâmica de três questões fundamentais: o que devemos produzir; o que precisamos consumir; e o quê e como consumir (CONTI, 2008, p.219). 67 Na direção apontada por ele, o produzir e as formas consumir impostos pela Moda, tem-se norteador imperativo das sociedades humanas ao longo da sua história com a moda, contudo, em alguns momentos dessa biografia ainda em construção, onde as necessidades oriundas dos sofisticados códigos humanos, se tem sobreposto sobre a natureza como se somente o conforto de uma parte da comunidade humana fosse importante em detrimento da qualidade de vida e até da liberdade de outros grupos humanos e de outros seres vivos. Em resposta a essa postura que tem causado danos irreversíveis ao meio ambiente, implicando na extinção de algumas espécies vegetais e animais, do consumo desenfreado de recursos não renováveis como florestas inteiras que queimaram para alimentar as caldeiras das máquinas a vapor da revolução industrial, da pegada hídrica de cada processo produtivo, e, muitos outros danos paralelos e secundários como o abando do campo, a superpopulação das cidades, o desaparecimento de povos e culturas inteiras. No ínterim desse processo que ainda pode elencar muitos e muitos outros aspectos e desdobramentos, surgem a responsabilidade social e a sustentabilidade. É importante mensurar para não causar consternação e parecer exageradamente distópico, que apesar dos aspectos negativos dos processos de industrialização, que cada grupo humano ao seu tempo fez aquilo que julgou ser necessário ou bom pela ótica e pelo conhecimento e informação que possuíam. 68 É uma espécie de justificativa ou indulto pelo passado, para enfim, colocar objetivamente a atenção, os esforços, as pesquisas, a superioridade desse grupo humano atual no que tange ao seu excesso de acesso a informação, as mentalidades do marketing e da indústria 4.0 em ações do presente e para futuro. A grande necessidade que se impõe então a essa e as futuras gerações é a de ser sustentável e a de atender as necessidades humanas que se sobrepõem a produção de coisas e mais coisas. Schulte e Rosa (2010, p.42) explicam: [...] a negação do objeto gerou o descartável e o sujeito se distanciou dos objetos. O sujeito, sem qualquer apego pelos objetos, é rodeado por uma extraordinária abundância deles, que perderam seu valor e são rapidamente substituídos. O design para o futuro não pode ser visto como critica e ilustrativamente explica Lobach (2001, p.12 e 13) a visão do fabricante e do crítico marxista, ao referir-se “ao emprego de meios estéticos [...] para atrair atenção de compradores” ou uma “droga milagrosa para aumentar as vendas e refinamento para encobrir baixo valor utilitário” (SCHULTE E ROSA, 2010, p.42). A World Design Organization(2020), (WDO) tem por definição de Design Industrial: [...] processo estratégico de solução de problemas que impulsiona a inovação, gera sucesso nos negócios e leva a uma melhor qualidade de vida através de produtos, sistemas, serviços e experiências inovadores. O design industrial preenche a lacuna entre o que é e o que é possível. É uma profissão transdisciplinar que utiliza a criatividade para resolver problemas e co-criar soluções com a intenção de melhorar um produto, sistema, serviço, experiência ou negócio. Na sua essência, o Design Industrial oferece uma maneira mais otimista de olhar para o futuro, reformulando os problemas como oportunidades. Ele une inovação, tecnologia, pesquisa, negócios e clientes para fornecer novo valor e vantagem competitiva nas esferas econômica, social e ambiental. https://wdo.org/about/definition/ https://wdo.org/about/definition/ 69 Deste conceito todo é importante ressaltar, que o design para este novo tempo de tomada de consciência e atitude que o “Design Industrial oferece uma maneira mais otimista de olhar para o futuro, reformulando os problemas como oportunidades”(WDO: 2020). Para a WDO(2020), esse otimismo declara-se em novos objetivos do design industrial estão alinhados com as metas da Organização das Nações Unidas (ONU), os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), dos quais sete ODS foram arrolados como particularmente relevantes para a comunidade de design industrial. Figura 02: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Fonte: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ Eles são ODS (3) Saúde e bem estar, (6) Água Potável e Saneamento,(7) Energia Limpa e acessível, (9) Indústria, Inovação e Infraestrutura, (11) Cidades e Comunidades Sustentáveis, (12) Consumo e Produção Responsáveis e por fim (17) Parcerias e Meios de Implementação. Embora a WDO (2020) tenha elegido estes ODS como os mais relevantes para efetiva ação dentro dos desafios do design, o que já é suficiente para afirmar a importância do design nesse tempo, pode-se notar nas outras 10 ODS não listadas, que a presença direta ou indireta do design pode ser associada. https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ 70 3.5.1 Alguns Caminhos Schulte e Rosa (2010) explicam que concomitante aos problemas ambientais que se manifestaram mais fortemente depois da revolução industrial, porém, foi nesse período também que aconteceram as primeiras ações em prol do meio ambiente em oposição à exploração e transformação da natureza, dentre estas a criação dos Parques de Yellowstone e de Yosemite em 1872 e 1890, onde Guifford Pinchot chefe do Serviço de Florestas americano é sugerido como um precursor do desenvolvimento sustentável. Os autores ainda citam como marco inicial das discussões do assunto, o Congresso Internacional de proteção à natureza em 1909 em Paris, a obra intitulada “Limites do Crescimento”, publicada pelo Clube Científico de Roma em 1968, as conferências de Estolcomo promovidas pela ONU em 1972, e na década de 1990 a conferência ECO-92 que aconteceu no Rio de Janeiro/Brasil. A ECO-92 trouxe como item relevante a ideia de que as questões do meio ambiente e da ecologia não podiam ser discutidas sem considerar aspectos do desenvolvimento humano e da erradicação da pobreza. Naquele momento de ECO-92 já se percebia que aspectos sociais como a pobreza em determinados grupos era um agente propulsor e uma justificativa da exploração abusiva dos recursos naturais e do descaso com questões como lixo por exemplo. 71 Quase 30 anos depois do evento, os aspectos sociais ainda são fator determinante no mau uso coletivo dos recursos ou, vê-se, contudo, não só que a pobreza assume novas faces, como também outros agentes por trás da insustentabilidade atual estão muito mais organizados industrial e comercialmente, e, até em alguns casos, respaldados por bancadas políticas que pressionam, reorganizam as pautas ambientais e até leis como a reforma do Código Florestal Brasileiro que propõe a redução da Reserva Legal na Amazônia de 80% para até 50%. É preciso salientar que todo sistema de consumo já apresentado até aqui se constitui como força antagônica a sustentabilidade, no sentido de que ao passo que se manifesta um despertamento global para o tema, por outro, existe o franco enfrentamento das medidas necessárias para trazer equilíbrio à equação ambiental. Tal oposição sobrevém de agentes governamentais e das políticas ambientais ou da falta delas, de empresas que visam apenas às questões capitais, do custo para ser sustentável, da formação negligente do designer (que é pressionado a servir um sistema) e também do consumidor que ora se apresenta como uma vítima de um sistema muito estruturado, porém não pode ser indultado da parte que lhe compete. 72 3.5.2 O Governo A legislação ambiental Brasileira é vista como uma das mais avançadas do mundo, e objetivam proteger o meio ambiente e reduzir ao mínimo as consequências de ações. Os órgãos ambientais são responsáveis por fiscalizar e fazer cumprir as leis que se aplicam tanto às organizações de qualquer natureza como ao cidadão comum. A premissa básica descrita no Artigo 225 da Constituição Brasileira de 1988, a importância de conservar o ecossistema através da preservação e recuperação ambiental, entendendo que disso depende a qualidade de vida que todo indivíduo é digno de ter. Desse aprimorado conjunto de leis ambientais tem-se Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651 - 2012) que dispõe sobre a preservação da vegetação nativa e revoga o Código Florestal Brasileiro de 1965, e apresenta muitos pontos controversos e tem o apoio claro do presidente da República Jair Messias Bolsonaro que defende o avanço ruralista e até, de acordo com Costa (2019) regularizar garimpos e explorar terras indígenas. A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605 - 1998) ocupa-se das questões penais e administrativas no que diz respeito às ações nocivas ao meio ambiente, concedendo aos órgãos ambientais autoridade para aplicação de punição de infratores, que vão de multas, ordem de recup