Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 30, n. 4, 4504 (2008) www.sbfisica.org.br Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino (Impedance spectroscopy used in a teaching lab) D.L. Chinaglia1, G. Gozzi, R.A.M. Alfaro e R. Hessel Departamento de F́ısica, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Rio Claro, SP, Brasil Recebido em 30/4/2008; Aceito em 13/6/2008; Publicado em 27/2/2009 Neste trabalho, mostramos que uma configuração desconhecida de um circuito montado com resistores e capacitores no interior de uma “caixa preta”, pode ser determinada através de uma técnica, conhecida como espectroscopia de impedância, largamente utilizada em várias áreas da ciência. Como essa técnica faz uso da impedância complexa, apresentamos também uma introdução aos circuitos AC do ponto de vista do formalismo de números complexos. O arranjo experimental utiliza um gerador de áudio como fonte AC para alimentar a caixa e um osciloscópio de duplo canal para medir tanto a parte real como a imaginária da impedância com- plexa do circuito desconhecido em função da frequência do gerador. A partir do espectro de impedância obtido, identifica-se não só a configuração do circuito no interior da caixa como também os valores das resistências e capacitâncias utilizadas para montá-lo. Palavras-chave: espectroscopia de impedância, circuitos AC, fasores, caixa preta. In this work we show that the configuration of an electrical circuit made up of resistors and capacitors in a black box may be determined using impedance spectroscopy, a technique that has been largely used in several scientific areas. Because the complex impedance is measured in this technique, we present basic concepts of a.c. electrical circuits analyzed with the formalism of complex numbers. The experimental setup includes a radiofrequency generator as the a.c. source for the circuit and a double-channel oscilloscope to measure both the real and imaginary parts of the complex impedance of the circuit in the black box. From the impedance spectrum we can not only determine the configuration of the electrical circuit in the black box but also the values of resistors and capacitors used. Keywords: impedance spectroscopy, a.c. circuits, complex formalism, black box. 1. Introdução A espectroscopia de impedância é uma técnica de grande utilidade para os profissionais e estudantes de pós-graduação, com especialização nas áreas de f́ısica, f́ısico-qúımica ou ciências dos materiais, que necessi- tam caracterizar o comportamento elétrico de materi- ais sólidos ou ĺıquidos (iônicos, semicondutores e até mesmo dielétricos) e dispositivos eletrônicos. De uma maneira geral, a técnica de medida consiste em colocar a amostra do material sob investigação entre dois eletrodos, aplicar um est́ımulo elétrico e observar a resposta resultante. Vários tipos de est́ımulo po- dem ser considerados, no entanto o mais comum ou o procedimento padrão, é utilizar uma tensão alternada do tipo senoidal, e medir as partes real e imaginária da impedância complexa em função da frequência. Os gráficos da parte real e da parte imaginária da impedância em função da frequência compõem o espec- tro de impedância para aquele dispositivo formado com a amostra do material e os dois eletrodos [1,2]. Com os equipamentos comerciais dispońıveis, essas medidas são feitas automaticamente numa faixa de frequência que vai desde 10 µHz até 32 MHz [3]. Os parâmetros derivados de um espectro de frequência situam-se geralmente em duas categorias: a) aqueles pertinentes ao material em si, tais como condutividade, constante dielétrica, mobilidade de car- gas, concentração de equiĺıbrio de cargas, taxa de geração/recombinação de cargas e b) aqueles perti- nentes a uma interface entre o material e o eletrodo, tais como capacitância da região interfacial, coeficiente de difusão, injeção e acumulação de carga, por exemplo. Para auxiliar a análise ou interpretação dos resulta- dos obtidos, o pesquisador dispõe de diversos modelos. Alguns desses modelos baseiam-se em circuitos equiva- lentes [4], outros tratam os dados do ponto de vista macroscópico [5-7] e outros, ainda, procuram correla- 1E-mail: dantelc@rc.unesp.br. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 4504-2 Chinaglia et al. cionar as propriedades e comportamentos observados com mecanismos microscópicos que ocorrem no interior da amostra ou nas suas interfaces [8-10]. O trabalho descrito aqui surgiu da necessidade de preparar rapidamente alunos de graduação que optaram por desenvolver suas atividades de iniciação cient́ıfica junto ao grupo de nosso departamento que utiliza a espectroscopia de impedância para investigar o comportamento elétrico de dispositivos eletrônicos fabricados com poĺımeros condutores. A idéia era propor um conjunto de atividades que permitisse ao aluno familiarizar-se com a técnica de espectrosco- pia de impedância e com o prinćıpio de funciona- mento dos equipamentos comerciais, utilizando, inicial- mente, equipamentos menos sofisticados, normalmente dispońıveis num laboratório de graduação e com os quais já estivesse habituado, antes de usar um equipa- mento mais sofisticado. O material produzido foi tes- tado durante um curso optativo oferecido a alunos de graduação e mostrou-se perfeitamente adequado, quer para introduzir e desenvolver os conceitos básicos relacionados com a espectroscopia de impedância quer como atividade alternativa para ser desenvolvida, com vantagem, num Laboratório de Ensino. 2. Considerações teóricas 2.1. O conceito de impedância Quando passamos de um circuito DC para um cir- cuito AC, a noção de “resistência” como um parâmetro que usualmente se atribui a resistores precisa ser es- tendida pois, além dos resistores, capacitores e indu- tores também oferecem resistência à passagem de uma corrente alternada. As resistências que esses elemen- tos opõem à corrente alternada são denominadas re- sistências reativas ou reatâncias. Do ponto de vista da energia dissipada, a diferença entre resistência e reatância é que numa resistência a energia é dissi- pada unicamente na forma de calor enquanto que numa reatância a energia é armazenada periodicamente em campos elétricos ou magnéticos sem que haja perdas por calor. A ação conjunta de resistências e reatâncias é definida como impedância. Para calculá-la, exami- nemos a tensão em cada um dos componentes em série representados na Fig. 1, supondo que a corrente que flui através deles é do tipo i = I cos ωt, onde i é o valor da corrente num instante t qualquer (no que segue, usa- remos letras minúsculas para representar valores ins- tantâneos de tensão e corrente.) i I= coswt R L C Figura 1 - Corrente i fluindo através de R, L e C em série. As tensões instantâneas vR, vL e vC em R, L e C são dadas respectivamente por vR = Ri = RI cosωt, (1) vL = L di dt = −ωLI senωt = ωLI cos ( ωt + π 2 ) (2) vC = q C = ( 1 ωC ) I senωt = ( 1 ωC ) I cos ( ωt− π 2 ) (3) onde, na expressão (3), usamos a relação q = ∫ idt. Estas equações revelam que a tensão vR está em fase com a corrente e que, em relação à corrente, vL está adiantada de π/2 enquanto que vC está atrasada de π/2. Os coeficientes RI, ωLI e (1/ωC) I têm dimensão de volt e representam as amplitudes das tensões em R, L e C, respectivamente. Usando VR, VL e VC para representá-las, resulta VR = RI, VL = (ωL) I e VC = (1/ωC) I. Isto nos mostra que, para ω cons- tante, existe uma relação de proporcionalidade entre tensão e corrente máximas em cada elemento. Fazendo ωL = XL e 1/ωC = XC , as duas últimas relações podem ser reescritas como VL = XLI e VC = XCI, que são expressões análogas à lei de Ohm. Tanto XL como XC são dadas em ohms e medem, numa certa frequência, a resistência à corrente alternada oferecida pela indutância e pelo capacitor, respectivamente. A grandeza XL é denominada reatância indutiva e XC , reatância capacitiva. Mas existiria também uma relação de proporciona- lidade entre tensão total máxima atuando nos 3 ele- mentos em série e a corrente máxima que os atravessa? Para responder a essa questão, calculemos a tensão ins- tantânea total v dada pela soma algébrica vR +vL +vC . Usando as Eqs. (1), (2) e (3), resulta v = RI cosωt + ( 1 ωC − ωL ) I senωt. (4) Lembrando que uma relação trigonométrica do tipo a cosx+bsenx pode ser expressa na forma A cos (x + φ), com A = √ a2 + b2 e tgφ = −b/a, podemos reescrever a Eq. (4) como v = V cos (ωt + φ) , (5) onde V = I √ R2 + ( ωL− 1 ωC )2 = I √ R2 + (XL −XC)2 (6) e φ = arctg ωL− 1/ωC R = arctg XL −XC R . (7) Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino 4504-3 O radical na Eq. (6), normalmente representado pela letra Z, é definido como a impedância dos 3 ele- mentos em série na Fig. 1. Usando Z, essa equação pode ser escrita como V = ZI, (8) que é uma expressão formalmente idêntica à Lei de Ohm, com a impedância Z desempenhando a mesma função da resistência equivalente num circuito DC. Ela nos mostra que existe também uma relação de propor- cionalidade entre o valor máximo da tensão total e o valor máximo da corrente. A expressão Z = √ R2 + (XL −XC)2 (9) fornece a impedância somente para elementos em série, no entanto, usando a Eq. (8), podemos definir a impedância de um circuito mais complexo como a razão entre tensão total e corrente máximas. 2.2. Representação vetorial 2.2.1. Elementos em série A Eq. (9) nos mostra que a impedância dos três elemen- tos da Fig. 1 pode ser imaginada como a hipotenusa de um triângulo retângulo, cujos lados medem R e XL − XC , ou como o vetor resultante de dois vetores perpendiculares entre si cujos módulos medem R e XL − XC , como mostra a Fig. 2. O ângulo φ nessa figura representa a defasagem entre a tensão total e a corrente máximas. Z R XC XL j Figura 2 - Representação vetorial da impedância para R, L e C em série. A representação vetorial estende-se também para as amplitudes das tensões, pois da Eq. (6), resulta V = I √ R2 + (XL −XC)2 = √ (RI)2 + (XLI −XCI)2 =√ V 2 R + (VL − VC)2. O diagrama das tensões é, por- tanto, semelhante ao da Fig. 2. Se esse diagrama for posto a girar com velocidade angular ω, as projeções dos vetores de módulo VR, VL, VC e V sobre o eixo ho- rizontal fornecerão os valores instantâneos vR, vL, vC e v dados respectivamente pelas Eqs. (1), (2), (3) e (5). Nesse diagrama (Fig. 3), denominado por alguns autores como diagrama de fasores [11-13], o vetor de módulo I representa a corrente através dos três elemen- tos em série. Ele foi desenhado na mesma direção do vetor de módulo VR porque, segundo a Eq. (1), tensão e corrente num resistor estão sempre em fase; a corrente instantânea i = I cos ωt é dada pela sua projeção sobre o eixo horizontal. · VL VR VC V x y V VL C- j wt w I Figura 3 - Diagrama de fasores para R, L e C em série no caso de VL > VC . Os vetores representados nas Figs. 2 e 3 não de- vem ser identificados com os vetores tratados em tex- tos de análise vetorial, uma vez que as grandezas con- sideradas nessas figuras não têm a mesma natureza das grandezas vetoriais que aparecem em mecânica ou eletromagnetismo. Por essa razão, em vez de utilizar o termo vetor, alguns autores preferem, nestes casos, em- pregar termos como fasores, fasores girantes ou ainda vetores de Fresnel [11-15]. 2.2.2. Elementos em paralelo A representação vetorial se presta também para anali- sar circuitos com elementos em paralelo. Para ilustrar esse fato, consideremos o caso simples de um resistor e um capacitor em paralelo alimentados por uma tensão comum do tipo v = V cos ωt. As correntes instantâneas iR e iC através do resistor e do capacitor são dadas respectivamente por iR = v R = V R cos ωt = IR cos ωt (10) e iC = dq dt = C dv dt = −ωCV senωt = − V XC senωt = IC cos (ωt + π/2) . (11) 4504-4 Chinaglia et al. A corrente total instantânea i = iR+iC é, portanto, i = IR cos ωt− IC senωt, ou i = I cos (ωt + φ) , (12) onde I = √ I2 R + I2 C (13) e φ = arctgIC/IR. Disto se conclui que a corrente to- tal pode ser imaginada como o vetor resultante de dois vetores de módulos respectivamente iguais a IR e IC e perpendiculares entre si (Fig. 4). Se esses vetores forem postos a girar com velocidade angular ω, as projeções dos vetores de módulos IR, IC e I sobre o eixo horizon- tal fornecerão os valores instantâneos iR, iC e i dados respectivamente pelas Eqs. (10), (11) e (12). O ângulo φ entre IR e I representa a defasagem entre a corrente i e a tensão v, que, de acordo com a Eq. (10), está em fase com iR. · IR x y IC j wt w I V Figura 4 - Diagrama de fasores para R e C em paralelo. Reescrevendo a Eq. (13) na forma I2 = I2 R + I2 C e dividindo ambos os membros da equação por V 2, re- sulta ( 1 Z )2 = ( 1 R )2 + ( 1 XC )2 . (14) Em vista disso, podemos representar o inverso da impedância, conhecido como admitância Y , como a hipotenusa de um triângulo retângulo, cujos lados me- dem 1/R e 1/XC siemens (ou ohms−1). 2.2.3. Representação por vetores do plano complexo A representação vetorial de grandezas como aquelas que aparecem nas Figs. 2 a 4 é análoga à representação geométrica de um número complexo no plano complexo. Usando a relação de Euler, exp jωt = cos ωt + j senωt onde j2 = −1, podemos substituir as funções cosseno ou seno por funções exponenciais complexas, desde que ao final dos cálculos se tome somente a parte real ou imaginária do resultado, de acordo com a conveniência. A corrente i = I cosωt, por exemplo, usada no item 2.1, pode ser substitúıda por i∗ = I exp jωt. Proce- dendo assim, quantidades tais como di/dt ou q = ∫ idt transformar-se-ão em di∗/dt = jωI exp jωt e q∗ = (1/jω) I exp jωt. Desta forma, a tensão aplicada nos três elementos da Fig. 1, v = Ri + Ldi/dt + q/C, deve ser substitúıda pela expressão v∗ = ( R + jωL + 1 jωC ) I exp jωt (15) ou v∗ = ( R + jωL + 1 jωC ) i∗, (16) uma vez que i∗ = I exp jωt. Tomando a parte real de v∗, obtemos a tensão instantânea total v, pois supuse- mos inicialmente que a corrente é do tipo i = I cos ωt. Para isso, devemos desenvolver primeiramente o pro- duto no segundo membro da Eq. (15), levando em conta que exp jωt = cos ωt + j senωt. Separando a parte real do resultado, podemos mostrar então que Re (v∗) = v = RI cos ωt + ( 1 ωC − ωL ) I senωt, expressão idêntica àquela obtida no item 2.1 (Eq. (4)). A importância da Eq. (15) reside no fato dela mos- trar: i) que podemos representar as reatâncias indutiva e capacitiva por quantidades complexas e ii) que estas quantidades podem ser adicionadas por uma regra análoga àquela usada para adicionar resistências em série, quando o indutor e o capacitor estiverem em série, o que simplifica enormemente os cálculos [16]. A fase da tensão, que, em relação à corrente, está adiantada de π/2 no indutor e atrasada de π/2 no ca- pacitor, é garantida pela presença do operador j. Isto porque um vetor do plano complexo ao ser multiplicado por j gira de π/2 no sentido anti-horário, e ao ser multi- plicado por -j, gira de π/2 no sentido horário mantendo o seu módulo. De fato, v∗L = jωLi∗ = ωLI (exp jπ/2)× (exp jωt) = ωLI exp j (ωt + π/2) e v∗C = 1 jωC i∗ = −j ωC i∗ = 1 ωC I [ e−jπ/2 × ejωt ] = ( 1 ωC ) Iej(ωt−π/2). Se, como de costume, quantidades reais forem re- presentadas por vetores paralelos ao eixo x e quanti- dades imaginárias por vetores paralelos ao eixo y, a impedância complexa será representada por um vetor Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino 4504-5 de módulo Z idêntico aquele mostrado na Fig. 2, e cujo argumento será igual ao ângulo de fase φ. Podemos chegar à mesma conclusão, examinando a Eq. (15). O fator entre parêntesis nessa equação é uma quantidade complexa com dimensão de resistência, que é definido como impedância complexa e representado pela letra Z∗. Assim, Z∗ = R + jωL + 1 jωC = R + j ( ωL− 1 ωC ) = R + j (XL −XC) = Z exp jφ, (17) onde Z = |Z∗| = √ R2 + (XL −XC)2 e tgφ = XL−XC R , resultados já obtidos anteriormente (Eqs. (7) e (9)). Usando a impedância complexa Z∗, a Eq. (16) pode ser reescrita como v∗ = Z∗i∗ = Z exp jφ× I exp jωt = ZI exp j (ωt + φ) . (18) A parte real da Eq. (18) é v = ZI cos (ωt + φ) = V cos (ωt + φ), como a Eq. (5). Estendendo-se o tratamento desenvolvido acima, pode-se mostrar que a impedância resultante Z∗ de um circuito contendo várias impedâncias em série, Z∗1 , Z∗2 , ..., Z∗n é dada por Z∗ = Z∗1 + Z∗2 + ... + Z∗n. (19) A fórmula correspondente para impedâncias em paralelo pode ser determinada, tendo em mente que a tensão em cada uma delas é a mesma. Pela Eq. (18), a corrente através da impedância Z∗k é v∗/Z∗k e a corrente total i∗ é a soma de vários termos semelhantes a esse, ou seja, i∗ = v∗ (1/Z∗1 + 1/Z∗2 + ... + 1/Z∗n). Disto se conclui que a impedância equivalente Z∗ é dada por i∗ v∗ = 1 Z∗ = 1 Z∗1 + 1 Z∗2 + ... + 1 Z∗n . (20) 3. Espectros de impedância O espectro de impedância é obtido construindo-se, num mesmo gráfico, tanto a parte real como a parte ima- ginária de Z∗ em função da frequência. Examinemos o que se deve esperar quando um resistor, ou um ca- pacitor, ou uma associação deles for alimentada por uma tensão do tipo v = V cosωt (do ponto de vista prático, podemos desconsiderar o indutor, uma vez que, ao se aplicar a técnica de espectroscopia de impedância, supõe-se que a amostra do material a ser estudado possa ser substitúıda por um circuito equivalente constitúıdo unicamente por resistores e capacitores.) a) Resistor Se um resistor de resistência R for ligado direta- mente à fonte AC, a impedância complexa do circuito, calculada a partir da Eq. (17), será Z∗ = R, de modo que Re [Z∗] = R e Im [Z∗] = 0. O espectro de impedância é dado, portanto, pelo gráfico representado na Fig. 5. R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 1,5 1,0 0,5 0 f (Hz) 100 101 102 103 Re [ *] -Im [ *] Z Z v t( ) R R = 1 kW Figura 5 - Espectro de impedância para um resistor ideal. b) Capacitor Se, em vez do resistor, ligarmos um capacitor dire- tamente à fonte AC, a impedância complexa do circuito será Z∗ = − (1/ωC) j, donde se conclui que Re [Z∗] = 0 e Im [Z∗] = −1/ωC. A Fig. 6 mostra o espectro de impedância para este caso. R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 10 8 6 4 2 0 f (Hz) 100 101 102 103 Re [ *] -Im [ *] Z Z v t( ) C C = 100 Fm Figura 6 - Espectro de impedância para um capacitor ideal. c) Resistor e capacitor em série A impedância complexa de um circuito contendo apenas um resistor e um capacitor em série ligados di- retamente à fonte AC será, de acordo com a Eq. (17), dada por Z∗ = R− (1/ωC) j. (21) As partes real e imaginária de Z∗ são portanto Re [Z∗] = R e Im [Z∗] = −1/ωC, e o espectro de impedância terá a forma mostrada na Fig. 7. 4504-6 Chinaglia et al. R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 10 8 6 4 2 0 f (Hz) 100 101 102 103 Re [ *] -Im [ *] Z Z v t( ) R C R = 5 kW C = 100 mF Figura 7 - Espectro de impedância para um capacitor e um re- sistor em série. d) Resistor e capacitor em paralelo Se agora ligarmos diretamente à fonte AC uma as- sociação de um resistor com um capacitor em paralelo, a impedância complexa do circuito poderá ser deter- minada por meio da Eq. (20), fazendo Z∗1 = R e Z∗2 = 1/jωC. Assim, 1/Z∗ = (1/R) + jωC ou Z∗ = R/(1 + jωRC). Multiplicando numerador e de- nominador desta fração por 1− jωRC, obtemos Z∗ = R (1− jωRC) 1 + (ωRC)2 = R 1 + (ωRC)2 − ωR2C 1 + (ωRC)2 j, (22) cujas componentes real e imaginária estão represen- tadas graficamente na Fig. 8 (Desta equação conclui-se que |Z∗| = Z = R √ 1+(ωRC)2 1+(ωRC)2 . Este resultado é idêntico àquele que obteŕıamos se tivéssemos usado a Eq. (14) para determinar Z.) R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) f (Hz) 100 101 102 103 Re [ *] -Im [ *] Z Z v t( ) R C R = 10kW R = 1mF 10 8 6 4 2 0 Figura 8 - Espectro de impedância para um capacitor e um re- sistor em paralelo. e) Um resistor em série com uma associação de um re- sistor com capacitor em paralelo Suponhamos agora um resistor (R2) ligado em série com uma associação de um outro resistor (R1) em paralelo com um capacitor. Se esse conjunto for ligado diretamente à fonte AC, não é dif́ıcil mostrar, usando o resultado obtido no exemplo anterior e a Eq. (19), que a impedância complexa do circuito será dada por Z∗ = R2 + R1 1 + (ωR1C)2 − ωR2 1C 1 + (ωR1C)2 j, (23) cujas componentes real e imaginária estão represen- tadas na Fig. 9. R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 5 4 3 2 1 0 Re [ *] -Im [ *] Z Z v t( ) R1 C R2 R1 = 3 kW R2 = 2 kW C1 = 3,3 Fm f (Hz) 100 101 102 103 104 Figura 9 - Espectro de impedância para um resistor em série com uma associação de um resistor em paralelo com um capacitor. 4. Procedimento experimental Num laboratório t́ıpico de pesquisa, o espectro de impedância da amostra do material que se pretende in- vestigar pode ser obtido automaticamente por meio de uma ponte ou analisadores de impedância. Mas, se a idéia é implantar a técnica num laboratório de ensino, existe também uma alternativa mais viável que consiste em utilizar um gerador de áudio como fonte de tensão AC, um osciloscópio de duplo canal para as medidas e uma “caixa preta” para simular a amostra do material. A “caixa preta”, em cujo interior monta-se uma as- sociação desconhecida de resistores e capacitores, é liga- da em série com um resistor de resistência R conhecida (resistor de referência). A caixa e o resistor em série (Fig. 10) são, então, ligados ao gerador de áudio, cuja sáıda fornece tensão variável em amplitude e frequência. O objetivo do experimento consiste em descobrir, a par- tir do espectro de impedância Zcx da caixa, que tipo de associação existe em seu interior. Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino 4504-7 Æ Caixa ZCX i R VCX VR · · · Figura 10 - “Caixa preta” contendo em seu interior uma asso- ciação desconhecida de resistores e capacitores ligada em série com um resistor de referência. Para isso, examina-se a tensão vcx (t) entre os ter- minais da caixa e a tensão vR (t) entre os terminais do resistor por meio do osciloscópio de duplo canal. Como a tensão vR está em fase com a corrente que atravessa tanto a resistência R como a impedância Zcx em série, a diferença de fase entre a tensão vcx na caixa e a corrente que a atravessa pode se obtida, como veremos adiante, a partir dos gráficos associados a vR (t) e vcx (t) obser- vados na tela do osciloscópio. Esses gráficos fornecem também as amplitudes das tensões vR (t) e vcx (t). Para levantar o espectro de impedância da caixa, é necessário determinar a impedância complexa da as- sociação no interior da caixa. Se Z∗cx é a impedância complexa dessa associação, então, de acordo com as Eqs. (17) e (8), Z∗cx = Zcx exp jφ = Vcx I (cos φ + j senφ) . (24) Se medirmos Vcx, I e φ, a impedância complexa ficará completamente determinada. a) Medida de Vcx A amplitude Vcx da tensão entre os terminais da caixa é determinada medindo-se a amplitude da senoide correspondente observada na tela do osciloscópio. b) Medida de I No item 2.1, vimos que existe uma relação de pro- porcionalidade entre a amplitude VR da tensão no re- sistor e a amplitude I da corrente que o atravessa dada por VR = RI. Como R é conhecido e VR pode ser determinado medindo-se a amplitude de vR (t) na tela do osciloscópio, determina-se I pela razão VR/R. Com isso, a Eq. (24) pode ser reescrita como Z∗cx = R Vcx VR (cos φ + j senφ) . (25) As partes real e imaginária de Zcx serão, portanto Re [Z∗cx] = RVcx VR cos φ e Im [Z∗cx] = RVcx VR senφ. c) Medida de φ Consideremos as funções senoidais, v1 (t) e v2 (t) representadas na Fig. 11. t = 0 Dt t Dt n1 n2 t Figura 11 - Representação de duas funções senoidais defasadas. No instante t = 0, indicado na figura, a fase de v1 é zero e ∆t segundos depois, quando um novo ciclo de v2 se iniciar, sua fase será φ. O ângulo φ, que é justamente a diferença de fase entre v1 e v2, pode ser determinado por uma simples regra de três. De fato, se em ∆t se- gundos o argumento de v1 varia de φ radianos e durante um intervalo de tempo correspondente a uma peŕıodo τ varia de 2π radianos, então φ/∆t = 2π/τ , donde φ = 2π ∆t τ . (26) Pelo que vimos anteriormente, a diferença de fase φ pode ser tanto positiva como negativa, no entanto o valor de φ determinado pela Eq. (26) é sempre um número positivo. O sinal positivo ou negativo a ser usa- do nas equações depende da maneira como nos referi- mos a v1 e a v2 . As expressões correspondentes a v1 (t) e a v2 (t) devem ser consistentes com as informações ex- tráıdas da tela do osciloscópio, que no caso da Fig. 11 revelam que a tensão v2 está atrasada em relação a v1, ou que a tensão v1 está adiantada em relação a v2. Se imaginarmos a origem do eixo t no ponto in- dicado na Fig. 11, as tensões v1 e v2 serão dadas por v1 = V1 senωt e v2 = V2 sen (ωt− φ), onde φ é um número positivo calculado pela Eq. (26). Se, por outro lado, escolhêssemos fixar a origem num ponto ∆t se- gundos à frente da origem indicada na figura, escre- veŕıamos v1 = V1 sen (ωt + φ) e v2 = V2 senωt. Tanto uma maneira como outra de explicitar v1 e v2, são con- sistentes com as informações extráıdas da Fig. 11. 5. Resultados A Fig. 12 ilustra resultados experimentais obtidos em sala de aula durante um curso optativo oferecido para alunos de graduação. Os śımbolos (•) e (¥) nas Figs. 12(a), 12(b) e 12(c) representam os dados obti- dos quando os circuitos no interior de 3 “caixas pretas” analisadas consistiam, respectivamente, num a) resistor em série com um capacitor, b) resistor em paralelo com um capacitor e c) resistor em série com uma associação de um outro resistor em paralelo com um capacitor. 4504-8 Chinaglia et al. (a) (b) R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 4 3 2 1 0 w (rad/s) 102 103 104 105 Re [ *] -Im [ *] Z Z Re [ *] -Im [ *] Z Z 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0 w (rad/s) 103 104 105 (c) w (rad/s) 103 104 105 R e [ * ] e -I m [ * ] (k Z Z W ) 2,0 1,5 1,0 0,5 0 Re [ *] -Im [ *] Z Z Figura 12 - Resultados experimentais para (a) R e C série; (b) R e C paralelo; (c) R2 em série com a associação de R1 e C em paralelo. As linhas cheias representam os ajustes teóricos. As linhas cont́ınuas correspondem às curvas ajus- tadas aos dados experimentais usando, respectiva- mente, as partes real e imaginária das Eqs. (21), (22) e (23). Os valores das resistências e capacitâncias mostra- dos na Tabela 1 foram obtidos a partir dos valores de R e C que permitiram, utilizando o programa Origin, os melhores ajustes. A concordância entre esses valores e os valores nominais dos componentes (R1 = 1,00 kΩ ± 5%, C1 = 1,0 µF ± 10% e R2 = 1,00 kΩ ± 5%) utiliza- dos para montar os diferentes circuitos no interior das caixas é bastante satisfatória. Tabela 1 - Valores dos componentes dos circuitos, obtidos a partir do ajuste das curvas aos dados experimentais. Circuitos R1 (Ω) C1 (µF) R2 (Ω) R1 C1 1001 ± 7 1,045 ± 0,006 — R1 C1 979 ± 10 1,01 ± 0,02 — C1 R1 R2 989 ± 20 1,03 ± 0,04 1009 ± 7 A t́ıtulo de comparação, a Fig. 13 mostra o espectro de impedância obtido por meio de um impedanciômetro Solartron-1260 para um disposi- tivo eletrônico molecular formado por um filme do poĺımero poli(estireno-co-p-estireno sulfonado-co- metacrilato de metila) [P(S/SS/MMA)], na concen- tração de (0,44/0,06/0,50), ensanduichado entre dois eletrodos: um de ITO (Indium Thin Oxide) e o outro de alumı́nio. O comportamento deste dispositivo é equivalente ao de um circuito formado por um resis- tor em série com uma associação de um outro resis- tor em paralelo com um capacitor. Modelos baseados em circuitos equivalentes desse tipo permitem tirar in- formações a respeito da injeção e transporte de carga no dispositivo. Pode-se mostrar, também, que a as- sociação RC em paralelo tem origem na injeção de carga na interface óxido-poĺımero enquanto que a re- sistência em série tem origem no transporte de carga através do volume do óxido. Além disso, a partir da área do eletrodo metálico, da espessura do filme e dos valores das resistências e capacitância utilizados para o ajuste, pode-se calcular parâmetros importantes do ma- terial sob investigação, como resistividade e constante dielétrica, por exemplo. R e [ * ] e -I m [ * ] ( Z Z W ) Re [ *] -Im [ *] Z Z3x10 2 2x10 2 1x10 2 0 10-1 100 101 102 103 104 105 f (Hz) Figura 13 - Espectro de impedância obtido por meio de um impedanciômetro Solartron-1260 para um dispositivo eletrônico molecular. Espectroscopia de impedância no laboratório de ensino 4504-9 6. Conclusões Mostramos que a técnica da espectroscopia de impedância utilizada em laboratórios de pesquisa para investigar o comportamento elétrico de materi- ais orgânicos ou inorgânicos e dispositivos eletrônicos também pode ser introduzida em laboratórios de en- sino. A exploração da técnica, particularmente num laboratório de f́ısica básica, apresenta diversos aspec- tos positivos. Primeiramente porque oferece, através de uma situação concreta, a oportunidade de mostrar para um aluno de graduação a utilidade e importância, não só do formalismo complexo como também da uti- lização de um osciloscópio de duplo canal. Em segundo lugar, porque serve como preparação preliminar para o aluno de iniciação cient́ıfica que precise dessa técnica em seu trabalho. Por outro lado, como o tipo de ativi- dade proposta neste trabalho envolve a análise do com- portamento da impedância de um circuito alimentado por uma fonte AC em função da frequência, ela cons- titui uma alternativa para as práticas mais usuais de ressonância em circuitos AC com elementos em série ou paralelo. Do nosso ponto de vista, a experiência descrita é adequada para um laboratório de graduação e perfeita- mente viável, porque necessita de equipamentos, como gerador de áudio e osciloscópio de duplo canal, normal- mente dispońıveis na maioria dos laboratórios de f́ısica básica. Agradecimentos Os autores gostariam de agradecer a Fundunesp, Fapesp e IMMP/Institutos do milênio/CNPq. Referências [1] C.J F. Böttcher, Theory of Electric Polarization (Else- vier, Amsterdam, 1973), v. 2. [2] E. Barsoukov and J.R. Macdonald, Impedance Spec- trocopy Theory, Experiment and Applications (Willey- Interscience, Hoboken, New Jersey, 2005). [3] Ver, por exemplo, manual de operação do analisador de impedância, modelo 1260A, fabricado pela Solartron Instruments. [4] M. Meier, S. Karg and W. Ries, Journal of Applied Physics 82, 1961 (1997). [5] K.S. Cole and R.H. Cole, Journal of Chemical Physics 9, 341 (1941). [6] D.W. Davidson and R.H. Cole, Journal of Chemical Physics 19, 1484 (1951). [7] S. Havriliak and S. Negami, Polymer 8, 161 (1967). [8] J. Dyre, Journal of Applied Physics 64, 2456 (1988). [9] R.F. Bianchi, G.F. Leal Ferreira, C.M. Lepienski and R.M. Faria, Journal of Chemical Physics 110, 4602 (1999). [10] G. Gozzi, D.L. Chinaglia, T.F. Schmidt, L. Walmsley, C.J.L Constantino, A.E. Job, L.F. Santos and O.N. Oliveira Jr., Journal of Applied Physics D: Applied Physics 39, 3888 (2006). [11] D. Halliday, R. Resnick and J. Walker, Fundamentos de F́ısica (LTC- Livros Técnicos e Cient́ıficos Editora S.A., Rio de Janeiro, 1996), 4a ed., v. 3, cap. 36. [12] G.A.G. Bennet, Electricity and Modern Physics (Ed- ward Arnold, London, 1986), 2a ed., cap. 12. [13] F.W. Sears, M.W. Zemansky and H.D. Young, College Physics (Addison-Wesley Publishing Company, Massa- chusetts, 1991) 7a ed. cap. 34. [14] R.E. Scott, Linear Cicuits (Addison-Wesley Publishing Company, Massachusetts, 1960) cap. 15. [15] G. Bruhat, Électricité (Masson & Cie, Éditeurs, Paris, 1959) cap. II et cap. XXVIII. [16] B.I. Bleaney and B. Bleaney, Electricity and Mag- netism (Oxford University Press, Oxiford, 1987) 3a ed., cap. 7.