PEDRO HENRIQUE SANTOS DECANINI MARANGONI O EU DO DESEJO: Estudos sobre o desenvolvimento do esquema corporal na filosofia de Merleau-Ponty. Relatório de Pós-doutorado realizado na Univesidade Estadual Paulista (UNESP) Faculdade de Ciências e Letras de Assis Supervisor: Prof. Dr. Danilo Saretta Verissimo Fomento concedido pela Pró-Reitoria de Pesquisa da UNESP, segundo os termos do Edital PROPe 13/2022 Assis, SP 2024 SUMÁRIO Introdução 3 1. Resumo do Plano Inicial 3 2. Resumo dos Progressos Teóricos 4 2.1 Primeira etapa: Estudos de mapeamento do contexto e sentido do conceito de esquema corporal na Fenomenologia da Percepção (1945) 5 2.2 Segunda etapa: A inflexão psicanalítica nos anos 50 – o esquema corporal nos cursos da Sorbonne (1951) até os Cursos no Collège de France (1953) 6 2.3 Terceira etapa: Desejo e Intercorporeidade nos cursos sobre A Natureza (1956-1960) 8 2.4 Artigos em preparação 14 3. Atividades acadêmicas e científicas realizadas no período. 10 3.1) Atividades de docência no Programa de Pós-Graduação em Psicologia 11 3.1.1) Plano de ensino e estrutura detalhada das aulas 12 3.2) Participação em Grupos de Pesquisa 17 3.2.1) Participação no Grupo de Pesquisa “GeFeFiP”/Unesp Assis 17 3.2.2) Participação em Grupo de Pesquisa da Unesp/Bauru 18 3.3) Artigos publicados em periódicos especializados 19 3.4) Avaliador e Palestrante do Congresso de Iniciação científica de Unesp 19 4) Reserva Técnica 19 5) Conclusão e Perspectivas Futuras 19 6) Referências 21 3 Introdução As atividades descritas neste relatório são oriundas de nosso projeto pós-doutorado intitulado “O Eu do desejo: estudos sobre o desenvolvimento do esquema corporal na filosofia de Merleau-Ponty”, realizado no período de 01º de novembro de 2022 à 31 de Dezembro de 2023, supervisionado pelo Prof. Danilo Saretta Verissimo, e desenvolvido junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unesp de Assis. Tais atividades serão detalhadas e divididas nos seguintes tópicos: I) Resumo do Plano Inicial, II) Resumo dos Progressos Teóricos, III) Atividades acadêmicas e Científicas realizadas no período, IV) Reserva Técnica, V) Conclusão e Perspectivas Futuras, VI) Referências. 1. Resumo do plano inicial Nosso trabalho de pesquisa pós-doutoral consistiu em uma investigação acerca da gênese e do desenvolvimento das reflexões de Merleau-Ponty sobre a estrutura libidinal do esquema corporal, a partir da análise da incursão do autor no campo psicanalítico. Na obra do filósofo, a ideia de uma estrutura libidinal ou desejante do esquema corporal aparece em suas publicações dos anos 50 e sua maturação culmina no surgimento da noção de “intercorporeidade”, mais explicitamente desenvolvida em seu pensamento final. Apoiando-se em referenciais psicanalíticos, Merleau-Ponty recorre à formulação de uma estrutura libidinal ou desejante de nossa corporeidade, com o intuito de destacar a necessária composição intersubjetiva, relacional ou interpessoal de nossa existência encarnada. Sob este novo prisma, emerge a hipótese de que nosso esquema corporal seria modulado pela relação com outros corpos, de modo que a intersubjetividade será pensada como intercorporeidade em suas produções finais Em sua estrutura geral, nosso trabalho pode ser dividido em dois momentos. O primeiro momento é composto de duas etapas, e o segundo momento é composto de uma etapa. A demarcação por “momentos” visa sublinhar a divisão entre a investigação acerca dos estudos antecedentes ao aparecimento da noção de estrutura libidinal do esquema corporal e os estudos posteriores ao emprego dessa ideia. Nossa linha de demarcação seria imposta, a grosso modo, pelos cursos de 1953, intitulados Mundo Sensível e Mundo da Expressão (Merleau-Ponty, 4 2001), nos quais se visualiza o aparecimento explícito do conceito de estrutura libidinal do esquema corporal. Assim, este trabalho divide-se em dois momentos e apresenta três etapas de desenvolvimento. As etapas específicas serão detalhadas no tópico seguinte. No primeiro momento, que abarca duas etapas, examinamos o problema do esquema corporal em obras anteriores às menções sobre a estrutura libidinal do corpo. Sobressai destas obras o papel do esquema corporal como meio de compreender nossa imersão pré-reflexiva, motora e significativa no mundo. No segundo momento, nos dedicamos a demarcar os elementos conceituais que alicerçam o surgimento e o desenvolvimento do problema da dimensão desejante ou interpessoal do esquema corporal. Com essa demarcação, intencionamos circunscrever o movimento conceitual que habilita o autor a alargar a teoria do esquema corporal em uma teoria do esquema intercorporal, no período intermediário e final de seu pensamento. O material primário de pesquisa foi composto pelas obras em que Merleau-Ponty apresenta contribuições significativas à teoria do esquema corporal, com ênfase nos momentos de interlocução com a Psicanálise. Além das produções relativas à filosofia de Merleau-Ponty, realizamos leituras sobre o tema da estrutura libidinal da corporeidade, especialmente, em Paul Schilder (1950/2022) e Freud (1915/2017; 2010a; 2010b). A leitura e o trabalho de escrita acerca de suas teorias não nos demandaram esforços independentes ou deslocados de nosso propósito primário, centrado na obra de Merleau-Ponty. Na verdade, o estudo de seus pensamentos mostrou-se fundamental para a realização de análises aprofundadas da gênese e do desenvolvimento do tema da estrutura libidinal e da intercorporeidade em Merleau-Ponty. A descrição da “estrutura libidinal” do esquema corporal configura um ganho fundamental nas produções intermediárias e finais de Merleau-Ponty, e representa um dos frutos da inflexão psicanalítica pela qual passa o pensamento do filósofo. Neste sentido, o trabalho de pesquisa transita da descrição de suas concepções iniciais do esquema corporal para o modo como elas serão remodeladas pela inflexão psicanalítica das análises de Merleau-Ponty, a partir dos anos 50. 2. Resumo dos desenvolvimentos teóricos Nesta seção, apresentamos um resumo dos desenvolvimentos teóricos alçados ao longo de 2023, com base na divisão de nossa pesquisa em três etapas que se alicerçam em análises 5 focalizadas em diferentes fases da obra de Merleau-Ponty. Estas etapas são:1) Estudos de mapeamento do contexto e sentido do esquema corporal na Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/1976), 2) Análise da inflexão psicanalítica nas discussões de Merleau- Ponty sobre a intersubjetividade, nos cursos da Sorbonne (Merleau-Ponty, 2001a) até o aparecimento da figura da estrutura libidinal do esquema corporal em Mundo Sensível e Mundo da Expressão (Merleau-Ponty, 2011); e 3) Exame do problema do desejo e da intercorporeidade nos cursos sobre A Natureza (Merleau-Ponty, 1995). As etapas 1 e 2 seriam subdivisões relacionadas à gênese do conceito de estrutura libidinal. A etapa 3 seria dedicada a registrar a dimensão de desenvolvimento desta ideia. 2. 1 Primeira etapa: Estudos de mapeamento do contexto e sentido do esquema corporal na Fenomenologia da Percepção Na primeira fase de nossa pesquisa, ocupamo-nos exclusivamente do trabalho em que o conceito de esquema corporal aparece pela primeira vez, a Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/1976). A bibliografia secundária é composta por autores que tratam tanto do panorama de problemas da Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/1976), quanto por autores que se dedicaram a investigar as nuances envolvendo a noção de esquema corporal. Nesta fase, recorreremos aos seguintes trabalhos: Barbaras (1998/2019), Bimbenet (2004), Colonna (2014), Moura (2001), Saint-Aubert (2013), Tiemersma (1982) e Verissimo (2012a; 2012b). Na Fenomenologia da Percepção, o esquema corporal é pensado como um sistema dinâmico de equivalências e adequações entre o corpo e o mundo. A proprioceptividade, a organização postural e os gestos encontram seu sentido a partir de referências ao mundo circundante. O esquema corporal é, portanto, um ser de implicação em um duplo sentido. Primeiro, suas partes se implicam e se comunicam dinamicamente, sem a necessidade de recursos cognitivos organizadores; segundo, esta implicação não é fechada em-si, mas é uma implicação que se faz em razão da atinência necessária do corpo ao mundo. O saber pré- reflexivo que me possibilita segurar uma vassoura não deriva do saber objetivo do espaço. O acoplamento do corpo ao mundo de seus objetos circundantes não é da ordem da mensuração objetiva das coordenadas do espaço corporal. Ao contrário, ele expressa um tipo de analogismo carnal. Conforme observa Saint-Aubert: “O esquema postural não opera segundo um cálculo do melhor movimento entre todos possíveis, mas, segundo um sistema de analogias sensório- 6 motoras, um sistema de equivalências práticas (e não uma combinatória de representações)” (Saint-Aubert, 2013, p. 80). Embora a Psicanálise esteja presente nas elaborações teóricas da Fenomenologia da Percepção, ela não ocupa, no entanto, um lugar decisivo na maneira pela qual Merleau-Ponty formula e desenvolve sua ideia de esquema corporal. O escopo teórico sob qual Merleau-Ponty se apoia a fim de detalhar tal conceito é, sobretudo, devedor de trabalhos na área da neurologia (Saint-Aubert, 2013). Embora o autor dê um sentido existencial ao conceito de esquema corporal, definindo-o como um sistema de equivalências sensório-motoras que nos permitem habitar um mundo cujo significado é sempre definido por nossa incursão encarnada nele, não se observa uma reflexão apurada sobre o sentido de outrem na constituição do esquema corporal. Assim, a Psicanálise, alvo de críticas nas duas primeiras obras de Merleau-Ponty, ganhará o estatuto de referencial central ao desenvolvimento do conceito de esquema corporal no pensamento do autor francês, a partir dos anos 50. Tendo em vista, portanto, que o quadro teórico sob o qual se erige a noção de esquema corporal, na Fenomenologia da Percepção, não está diretamente referido aos insights psicanalíticos e tampouco se lança à tarefa de refletir sobre o trânsito ou a permeabilidade entre os esquemas corporais, preparamos uma publicação que ateste esta leitura, que situe o sentido e o contexto deste conceito em relação ao primeiro livro de Merleau-Ponty, A Estrutura do Comportamento, e que demonstre como, na Fenomenologia da Percepção, o esquema corporal não é, satisfatoriamente, vinculado às discussões sobre a intersubjetividade. Nosso artigo se intitulará: “Esquema corporal e intersubjetividade na Fenomenologia da Percepção”, e deverá ser enviado à publicação em periódicos especializados no ano de 2024. 2.2 Segunda etapa: A inflexão psicanalítica nos anos 50 – dos cursos da Sorbonne até os Cursos no Collège de France Na segunda etapa, nos detivemos em produções do início dos anos 50 que podem ser divididas entre os textos que antecedem o aparecimento da noção de estrutura libidinal do esquema corporal e os cursos em que se nota a menção primária a esta nova maneira de se pensar o corpo. Dirigimo-nos aos cursos na Sorbonne1 (Merleau-Ponty, 2001), de 1949-1952, 1 O exame dos cursos oferecidos na Sorbonne (Merleau-Ponty, 2001) ainda antecedem a utilização explícita da noção de estrutura libidinal da corporeidade. Contudo, o interesse pela questão das relações entre o esquema corporal e a intersubjetividade começa a ser aí delineado, tendo, inclusive, a psicanálise como um dos pilares fundamentais a essa discussão. 7 e aos cursos de 1953, no Collège de France, intitulados O mundo sensível e mundo da expressão (Merleau-Ponty, 2011). No que se refere ao período que antecede o aparecimento da noção de “estrutura libidinal”, examinamos, especificamente, os textos O Homem e a Adversidade (2003a) e os cursos oferecidos na Sorbonne, com atenção detalhada ao curso O relacionamento da criança com outrem (2001a). Nosso propósito foi identificar, nestes textos, os elementos germinais que compõem a tonalidade intersubjetiva que toda a reflexão de Merleau-Ponty assumirá até o final de sua vida. Destacamos, destas produções, os esforços de Merleau-Ponty em problematizar a importância de Freud e de Lacan para se pensar o alicerce de nossa vida intersubjetiva. A produção científica decorrente dos estudos desta fase da pesquisa está em vias de preparação e versará, especificamente, sobre a leitura merleau-pontyana do conceito de estádio de espelho, tal como desenvolvido pelo psicanalista Jacques Lacan. Como bibliografia de apoio à compreensão deste período da obra de Merleau-Ponty, nos reportamos aos trabalhos de: Barbaras (1998), Verissimo (2013a; 2013b) Bimbenet (2004), Dorfman (2007), Lacan (1999), Nasio (2009), Sales (2005) e Saint-Aubert (2013). Ademais, nesta fase, investigamos as mudanças teóricas acrescidas à compreensão do esquema corporal, nos cursos intitulados Mundo sensível e o Mundo da expressão (Merleau- Ponty, 2011), por meio de um alargamento da teoria da percepção em direção a uma teoria da expressão. Isto nos permitiu compreender a definição de Merleau-Ponty do esquema corporal como um sistema diacrítico, isto é, como unidade lacunar ou vivida. São nestes cursos que observamos, pela primeira vez, Merleau-Ponty tratar da dimensão libidinal do esquema corporal. Assim, em o Mundo Sensível e mundo da expressão (Merleau-Ponty, 2011), temos dois pontos de inflexão da abordagem merleau-pontyana do esquema corporal. Primeiro, vê-se a ampliação da teoria da percepção em uma teoria da expressão e, em segundo lugar, nota-se a presença mais marcante do pensamento de Paul Schilder, responsável pela inclinação psicanalítica que marcará as reflexões finais de Merleau-Ponty. São nestes cursos que o filósofo utiliza, pela primeira vez, o conceito herdado de Schilder: estrutura libidinal da imagem corporal. Em razão da importância destacada do pensamento de Schilder para a elaboração da noção de estrutura libidinal do esquema corporal, a produção científica referente a esta etapa da pesquisa será dedicada à explicitação da concepção Schilderiana de estrutura libidinal da imagem corporal, desenvolvida em sua obra Image and appearance of the human body, e à consequente apropriação conceitual realizada por Merleau-Ponty em seus cursos de 1953 (Merleau-Ponty, 2001). O título do artigo será “ A estrutura libidinal do esquema corporal: Merleau-Ponty leitor de Schilder”, e deverá ser enviado para análise em periódicos 8 especializados no ano de 2024. A título de bibliografia de apoio, nesta fase recorremos aos trabalhos de: Freud (1915/2017; 2010a; 2010b), Saint-Aubert (2013), Schilder (1950/2022) e Verissimo (2013) 2.3 Terceira Etapa: Desejo e Intercorporeidade nos cursos sobre A Natureza (1956- 1960) Na etapa final de nossa pesquisa, nos dedicamos a explicitar a teoria da intercorporeidade e do desejo presente nos cursos de 1956-1960, reunidos sob o título de A Natureza (Merleau-Ponty, 1995). Objetivamos aclarar a preocupação tardia com a dimensão intercorpórea e desejante do esquema corporal. Neste movimento elucidativo, dirigimos nossa atenção, especialmente, para o delineamento e consolidação posterior de uma teoria do corpo libidinal ou desejante. Esta fase marca o aprofundamento da relação de Merleau-Ponty com os dispositivos teóricos e clínicos da Psicanálise de Freud e Paul Schilder. Nesta etapa, recorremos às obras de comentadores que nos permitiram discutir a questão da intersubjetividade, intercorporeidade e do desejo. Selecionamos as seguintes obras: Ferraz (2009), Gallagher (1989; 1995; 2005), Leder (1990), Lorelle (2015), Marrato (2012), Verissimo (2013a; 2013b), e Zahavi (1999). Nos cursos sobre A Natureza (Merleau-Ponty, 1995), o filósofo aprofunda sua investigação acerca da dimensão libidinal ou interpessoal do esquema corporal, buscando dar contornos mais precisos ao caráter relacional e osmótico da imagem do corpo. Essa ideia, que já germinava anteriormente, agora emerge refletida à luz de uma reconfiguração da teoria da percepção. O detalhamento deste trânsito intercórporeo, desta promiscuidade dos esquemas corporais, enfim, desta estrutura libidinal do esquema corporal, conduz Merleau-Ponty a supor um vínculo íntimo entre percepção e o desejo. De antemão, isto vale como um lembrete de que o sensível, isto a que o corpo se abre, já se encontra enovelado pela presença e pela densidade carnal ou sensível de outros corpos. O corpo libidinal, a corporeidade tematizada no comércio com outros esquemas corporais, não é uma extensão do corpo percepiente. Na verdade, Merleau-Ponty inclina-se a considerar que a percepção já “é um modo de desejo” (Merleau-Ponty, 1995, p. 272). Com efeito, aqui se nota de maneira mais contundente como a influência de Schilder se infiltra na fase final do pensamento de Merleau-Ponty. A razão é que Merleau-Ponty extrai do psicanalista a ideia de que o desejo é o fundamento que anima o esquema corporal (Verissimo, 2014, p. 605). Ao elucidar o desejo como fundamento do esquema corporal, Merleau-Ponty busca evitar 9 a alternativa habitual entre definir o corpo como um objeto qualquer ou defini-lo como uma perspectiva ou ponto de vista próprio ou individual. “Há uma imbricação dos esquemas corporais uns nos outros”, escreve o filósofo (Merleau-Ponty, 1995, p. 347). Em outras palavras, “o meu esquema corporal é um meio normal de conhecer os outros corpos e de estes conhecerem o meu corpo” (Merleau-Ponty, 1995, p. 281). É patente a semelhança desta afirmação com o que defende Schilder na introdução de sua obra: Vivenciamos as imagens corporais dos outros. A experiência da nossa imagem corporal e a experiência dos corpos dos outros são intimamente interligadas. Assim como nossas ações e ações são inseparáveis da imagem corporal, as emoções e ações dos outros são inseparáveis de seus corpos. A imagem postural do corpo precisa ser estudada, se desejarmos alcançar um insight mais profundo da psicologia social. (Schilder, 1950/2022, p.13) Em suas produções dos anos 50, Merleau-Ponty aproxima a análise da plasticidade do esquema corporal, de sua capacidade de enredar-se com o mundo e com os outros, ao movimento de desvelamento de uma arquitetônica do desejo, em que a dimensão interpessoal e intercorpórea tornam-se constitutivas da imagem do corpo. É nesse sentido que a inflexão “psicanalítica” na investigação merleau-pontyana do esquema corporal não deve ser tomada apenas como o desvelamento de uma dimensão suplementar da experiência do corpo. A problematização da estrutura libidinal do corpo não deixa incólume as teorizações próprias da Fenomenologia da Percepção: o que se tem é uma mudança radical na apreensão de nossa existência encarnada. Com efeito, é o que se depreende de afirmações tais como: “A estrutura estesiológica do corpo humano é, portanto, uma estrutura libidinal” (Merleau-Ponty, 1995, p.272). O corpo estesiológico, quer dizer, o corpo aberto pelo sentir é, inerentemente, aberto não apenas a si e ao mundo, mas a outros esquemas corporais. Na Fenomenologia da Percepção (1945/1976), o tema da intencionalidade motora, o vínculo carnal entre o corpo e mundo, é exposto a partir de uma centralização subjetiva do corpo na constituição da experiência do espaço, sendo tomado como centro de perspectiva e de abertura às coisas. Já em seus cursos sobre A Natureza, a acentuação da percepção como um modo de desejo tem como consequência uma correspondência direta entre a estrutura estesiológica e a estrutura libidinal do esquema corporal (Saint-Aubert, 2013, p.124). Em outras palavras, o esquema corporal descentraliza-se; não mais centro, mas ponto de passagem de outros esquemas corporais e do mundo. 10 A captação e o desenvolvimento do significado dessa correspondência entre a estrutura estesiológica e a estrutura libidinal envolvem, por conseguinte, o recurso ao arsenal psicanalítico. Merleau-Ponty escreve: ‘Projeção-introjeção, relação de Ineinander, que desvela uma dimensão libidinal do esquema corporal” (Merleau-Ponty, 1995, p. 281). Notemos que projeção e introjeção são conceitos caros ao campo psicanalítico. Merleau-Ponty os mobiliza em uma espécie de detalhamento desta “arquitetônica do desejo”. Projeção e introjeção dariam nome, justamente, a mecanismos que possibilitam o trânsito ou promiscuidade entre os esquemas corporais. A estrutura libidinal do esquema corporal diz respeito tanto ao modo como meu corpo ocupa o campo de visibilidade e o desejo de outros corpos, como à maneira pela qual meu corpo visa outros corpos e os integra em suas próprias redes afetivas. Ora, dentre as descrições específicas sobre a estrutura libidinal e a intercorporeidade, é de suma importância reter o seguinte comentário de Merleau-Ponty: “Freud é, pois, uma contribuição essencial para este aspecto do E.C [Esquema corporal]” (1995, p.281). Eis um dos contrastes possíveis de serem explorados no tocante às elaborações de 1945: se na Fenomenologia da percepção o corpo é “como que o sujeito da percepção” (Merleau-Ponty, 1945/1976, p.239), não deixaremos de notar que, ao final dos cursos sobre A Natureza, o filósofo parece nos propor uma outra fórmula. Assim, Merleau-Ponty indaga: “Qual é o eu do desejo?” , o que, prontamente recebe como resposta - “É o corpo” (Merleau-Ponty, 1995, p.272). No que concerne a expectativa de publicação oriunda desta fase, destacamos que está em vias de preparação um artigo que contempla o sentido da aproximação entre percepção e desejo e sua influência na modulação do conceito de intercorporeidade. O artigo se intitulará “Percepção e desejo no último Merleau-Ponty: notas sobre a intercorporeidade” e deverá ser enviado para avaliação em periódicos especializados no ano de 2024. 3. Atividades acadêmicas e científicas realizadas no período. Este tópico é dedicado à descrição das atividades acadêmicas e científicas realizadas no período de desenvolvimento do projeto de Pós-Doutorado. As atividades realizadas compreendem: o oferecimento de uma disciplina na pós-graduação em psicologia, cujo plano de ensino e estrutura das aulas são expostos abaixo; a participação em grupos de estudo e pesquisa vinculados ao curso de Psicologia da Unesp de Assis e da Unesp de Bauru; publicação de artigo em periódico especializado; realização de minicurso e participação como avaliador de trabalhos no XXXV Congresso de Iniciação Científica da Unesp de Assis. 11 3.1) Atividades de docência no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Em trabalho conjunto com o supervisor Prof. Dr. Danilo Saretta Verissimo, o bolsista elaborou e ministrou no primeiro semestre de 2023 a disciplina intitulada: “A estrutura desejante da corporeidade: aportes psicanalíticos e fenomenológicos da constituição intersubjetiva da imagem de si”, junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unesp/Assis. Estas aulas foram destinadas a examinar como a Fenomenologia e a Psicanálise inauguram novas maneiras de se pensar o corpo, no século XX. Esta disciplina foi estruturada de modo a corresponder às atividades de pesquisa do proponente. A respeito do percurso proposto, em um primeiro momento, analisamos a tese de que a modernidade filosófica, representada pela figura de Descartes, nasce de uma separação explícita entre o domínio da materialidade, da res extensa, e a dimensão propriamente subjetiva, relegada ao pensamento: a res cogitans. Esta análise inicial nos forneceu um panorama fundamental sobre os modos pelos quais a corporeidade fora tematizada na filosofia moderna. Posteriormente, avançamos da caracterização do papel do corpo na teoria de Descartes para a análise da tese de que Fenomenologia e Psicanálise proporcionariam deslocar a tematização mecanicista do corpo para revelar seu lugar fundante da experiência subjetiva (Corbin, Courtine, Vigarello, 2008). Assim, percorremos uma trajetória, que será explicitada no tópico abaixo, caracterizada pela leitura e discussão de autores centrais aos campos da Fenomenologia e da Psicanálise, como Husserl, Merleau-Ponty, Freud e Lacan. A experiência de ensino nesta disciplina foi enriquecida pela diversidade de pesquisas e discussões levantadas pelos alunos e alunas, do mestrado ao doutorado. Abordar a dimensão intersubjetiva da corporeidade significa, necessariamente, colocar em perspectiva as teorias que naturalizam o corpo e o destacam de seu contexto social e cultural. Ao cabo da disciplina, discutimos a maneira como a experiência vivida do corpo negro é pensada por Franz Fanon. A escolha deste autor também possibilitou apontar certas limitações das análises fenomenológicas e psicanalíticas clássicas sobre o corpo. O corpo negro é estigmatizado constantemente, de sorte que a experiência do sujeito é caracterizada pela negação incessante de sua existência corpórea, isto é, pela tematização exarcebada de si. Interessante notar, neste ponto, que Fanon dirige sua crítica a uma certa formalização a-histórica do conceito de esquema corporal, tema caro a Merleau-Ponty. 12 4.1.1) Plano de ensino e estrutura detalhada das aulas A seguir, detalhamos a estrutura da disciplina pela apresentação do plano de ensino e pela exposição circunstanciada da ementa e das referências de cada aula. Plano de ensino da disciplina “A estrutura desejante da corporeidade: aportes psicanalíticos e fenomenológicos da constituição intersubjetiva da imagem de si” Curso Programa de Pós-Graduação em Psicologia Disciplina A estrutura desejante da corporeidade: aportes psicanalíticos e fenomenológicos da constituição intersubjetiva da imagem de si Créditos 04 (quatro) Carga horária 30 horas/aula Ementa • O dualismo Cartesiano e o corpo na modernidade. Imagem corporal e esquema corporal: polissemia e confusão conceitual. Aspectos Fenomenológicos e psicanalíticos da corporeidade. O corpo negro e o racismo. Objetivo geral • Apresentar as novidades aportadas pela Psicanálise e pela Fenomenologia, no século XX, à discussão do papel do corpo na constituição da experiência social e de si. Objetivos Específicos • Identificar os aspectos principais e os problemas decorrentes da formulação moderna do dualismo mente-corpo • Examinar as diferenças entre pesquisas sociológicas, psicanalíticas, fenomenológicas e antropológicas e suas formas de tratar do objeto “corporeidade”. • Distinguir os termos Imagem e Esquema Corporal • Traçar os aspectos fundamentais da análise fenomenológica da corporeidade • Apresentar a diferença entre Corpo Biológico e Corpo Pulsional • Marcar a importância da corporeidade na constituição do mundo social 13 Conteúdo Programático Carga horária A modernidade e o corpo-máquina 02 A reinvenção do corpo no século XX: Fenomenologia e Psicanálise 08 Imagem corporal: polissemia e dificuldades de definição na história da Psicologia 04 O corpo vivido em Husserl 04 O Corpo Pulsional em Freud 04 Merleau-Ponty e o esquema corporal 04 Estádio do espelho em Lacan 04 Sociologia do racismo e fenomenologia da experiência do corpo negro em Fanon 04 Total 30h Procedimentos de Ensino - Aulas expositivas e dialogadas - Leituras conjuntas de trechos de textos clássicos que abordam o problema do corpo Procedimentos de Avaliação - Elaboração de uma produção escrita sobre o tema da corporeidade, relacionando-o às questões e ao problema de pesquisa próprios da dissertação ou tese dos discentes. Critérios de avaliação - Participação em Sala de aula - Construção coerente e coesa do texto - Capacidade de relacionar o tema à pesquisa Referências • ALCOFF, L. Towards a phenomenology of racial embodiment. Radical Philosophy, Nº95, 1999 • ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019 • BUTLER, J. Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory. Theatre Journal [Maryland], v. 40, n. 4, pp. 519-531, 1988 • BUTLER, J. Sexual ldeology and Phenomenological Description. A Feminist Critique of Merleau-Ponty’s Phenomenology of Perception. In: Allen, J.; Youn, I. M. The Thinking Muse: Feminism and Modern French Philosophy. Indiana: Indiana University Press, pp. 85-100, 1989 14 • CARDIM, L. Descartes: a distinção e a união do corpo e da alma. In: Cardim, L. O Corpo . Globo: São Paulo, p, 29-39, 2009 • CORBIN, A; COURTINE, J-J; VIGARELLO, G (org.). História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. 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São Paulo: Difel, 1962/1641, (Clássicos Garnier), p.105-p.137 (meditações primeira e segunda), 1973 • CARDIM, L. Descartes: a distinção e a união do corpo e da alma. In: Cardim, L. O Corpo . Globo: São Paulo, p, 29-39, 2009 • HUSSERL, E. A Crise das Ciências Européias e a Fenomenologia Transcendental. Forense Universitária: Rio de Janeiro; Parágrafos: §8, §9 e §10, p. 15-49, 2012 • MURTA, C, SANSON JR. ,J.S. O corpo-máquina de Descartes em Técnicas médico- terapêuticas Pensando – Revista de Filosofia, v.8, n.15, 2017 • SMITH. K.The Descartes Dictionary. Bloomsbury Academic: London, 2015 Aulas 3-6 - A reinvenção do corpo no século XX: Fenomenologia e Psicanálise Ementa: A definição do corpo como organismo nas ciências do século XIX. Psicanálise: dos sintomas histéricos ao corpo pulsional. Fenomenologia e o estudo da estrutura da experiência vivida. Corpo como condição da experiência perceptiva em Husserl. Esquema corporal em Merleau-Ponty e a semente das ciências cognitivas incorporadas contemporâneas. Lacan e o estádio do espelho. Referências básicas: • CORBIN, A; COURTINE, J-J; VIGARELLO, G (org.). História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. Tradução e revisão de Ephraim Ferreira Alves. 4. ed. 3. reimp. Petrópolis, RJ: Vozes, v. 3, p. 7-15, 2008  FREUD, S. (Obras completas - Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (“O caso Schreber”). Artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010a,v. 10  FREUD, S. Obras completas - Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010b. v. 12  FREUD, S. As pulsões e seus destinos. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, Trad. Pedro Heliodoro Tavares, 2017. (Original publicado em 1915) 17 • LACAN, J. Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je telle qu‟elle nous est révélée dans l‟expérience psychanalytique. Em J. Lacan. Écrits I (pp. 92-99), 1999 Paris: Éditions du Seuil. (Original publicado em 1949). • MERLEAU-PONTY, M. O Homem e a Adversidade. In: Merleau-Ponty, M. Signos. São Paulo: Martins Fontes, Trad. Maria Ermantina G.G Pereira, p.253-262, 1991 Aula 7- Imagem corporal: polissemia e dificuldades de definição na história da Psicologia Ementa: O conceito de imagem corporal na história da Psicologia. Imagem corporal em diferentes autores da Psicanálise. O conceito de esquema corporal na Fenomenologia. Distinções contemporâneas entre imagem e esquema corporal. Referências básicas: • GALLAGHER, S. Body Image and Body schema: a conceptual clarification. The Journal of Mind and Behavior, nº7, v4, p.541-554, 1986. Aula 8– O Racismo e a experiência do corpo negro. Ementa: O racismo e suas consequências na experiência do corpo. Fanon, da crítica ao conceito de esquema corporal à elaboração da noção de esquema histórico-racial. Referências básicas: • ALCOFF, L. Towards a phenomenology of racial embodiment. Radical Philosophy, 95, 1999 • ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019 • FANON, F. Chap. 5 L’expérience Vécu du Noir. In: Peau Noire, masques blancs. Éditions du Seuil: Paris, 2013 (Original publicado em 1952) • PETO, L. A superexploração da força de trabalho da população preta no Brasil. Izquierdas, nº 49, p. 4286-4304, 2020 3.2) Participação em Grupos de Pesquisa Nesta seção, detalha-se a participação do bolsista em atividades de estudo e pesquisa junto a grupos vinculados aos cursos de Psicologia das instituições Unesp/Assis e Unesp/Bauru. 3.2.1) Participação em Grupo de Pesquisa da Unesp Assis Dentre as atividades realizadas no Campus de Assis, destaca-se a participação do bolsista nas reuniões quinzenais do grupo de pesquisa GeFeFiP (Grupo de estudos em 18 fenomenologia e filosofia da Psicologia) coordenado pelo prof. Dr. Danilo Saretta Verissimo. A reuniões são compostas por orientandos e orientandas do prof. Verissimo e visam tanto o debate dos trabalhos em desenvolvimento, por parte de discentes de graduação e pós-graduação, como também se organizam em torno de leituras de textos importantes no campo da Filosofia da Psicologia. As atividades de leitura do ano de 2023 centraram-se em textos de Fenomenologia, com ênfase especial ao pensamento de Merleau-Ponty. Destacamos que alguns desses encontros foram supervisionados diretamente pelo bolsista de Pós-Doutorado. Nesse sentido, nossa participação ocorreu no âmbito de discussões metodológicas, cujo intuito foi fomentar o diálogo, estimular e acompanhar as pesquisas, propor contribuições sobre a estrutura e desenvolvimento dos trabalhos do grupo, e partilhar modos de leitura e compreensão dos textos fenomenológicos. 3.2.2) Participação em Grupo de Pesquisa da Unesp de Bauru Além das atividades junto ao GeFeFiP da Unesp/Assis, participamos do grupo de orientação e estudo coordenado pela Profª Drª Josiane Cristina Bocchi. A Profª. Drª. Josiane Cristina Bocchi é professora assistente (RDIDP) na Faculdade de Ciências da Unesp de Bauru, lotada no departamento de Psicologia. É também docente no Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual (Mestrado profissionalizante) da UNESP/Araraquara. É integrante de importantes grupos atuantes no campo da filosofia e da epistemologia da Psicanálise, sendo membro do GT Filosofia e Psicanálise, da ANPOF, e do GT Psicanálise e Clínica Ampliada, da ANPEPP. Sua produção concentra-se nos campos da psicopatologia, psicossomática e epistemologia da psicanálise. Atualmente, suas pesquisas se dirigem a investigar as relações entre psicanálise e a fenomenologia de Maurice Merleau-Ponty. Nossa participação neste grupo ocorreu de maneira semanal, ao longo do primeiro semestre de 2023. A convite da Profª Bocchi, nossas intervenções se endereçaram à discussão dos trabalhos de Iniciação Científica desenvolvidos no grupo. A vinculação deste projeto aos trabalhos da supervisora e ao grupo de pesquisa mencionado tem sua razão de ser na convergência mútua entre seus interesses de pesquisa e a temática ora proposta. Uma vez que o objetivo de nosso projeto foi estudar a “inflexão psicanalítica” das reflexões de Merleau- Ponty sobre o esquema corporal, enfatizando a maneira pela qual o autor trata da dimensão “libidinal” de nossa corporeidade, acreditamos que nosso trabalho pôde se beneficiar demasiadamente do contato com uma pesquisadora do campo psicanalítico, cujas preocupações atuais situam-se na intersecção da teoria psicanalítica com o pensamento de Merleau-Ponty. 19 3.3) Participação no Congresso de Iniciação Científica da Unesp No segundo semestre de 2023, participamos do XXXV Congresso de Iniciação Científica da Unesp - FCL/Assis, realizado em 17/10/2023, nas condições de palestrante e avaliador. Como palestrante, o bolsista ofertou, em parceria com o Prof. Dr Lucas Carvalho Peto, lotado no Departamento de Psicologia social da unidade de Assis, o minicurso intitulado: “Introdução à formulação de Projeto de Pesquisa Teórico em Ciências Humanas”, com carga horária de 1,5 horas. Na condição de avaliador, analisamos trabalhos, apresentados no formato de “pôster”, na área de Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas e Linguística, Letras e Artes. 3.4) Artigo aceito para publicação No ano de 2023, nosso artigo intitulado “O Perspectivismo da Percepção em Husserl: análises em torno de Ideias I” foi aceito para a publicação em 2024, na Revista Memorandum, de Belo Horizonte. 4. Reserva Técnica No período compreendido por este edital, de Novembro de 2022 a Dezembro de 2023, declaramos que a reserva técnica não foi utilizada. 5. Considerações finais e Perspectivas Futuras. Nosso caminho de pesquisa pode ser sumarizado por um percurso cujo ponto de partida é o estudo das formulações iniciais do esquema corporal, na Fenomenologia da Percepção (Merleau-Ponty, 1945/1976) como dimensão pré-reflexiva e individual. Após esta fase inicial, avançamos para o trabalho detido nas obras dos anos 50, nos quais se sobressaem a importância da noção de expressão, intersubjetividade e estrutura libidinal para a tessitura da noção de esquema corporal. Por fim, passamos à tematização do reconhecimento de Merleau-Ponty a respeito da centralidade do desejo e da intercorporeidade como modos de acesso carnal ao outro. No quadro de sua obra de 1945, o esquema corporal é concebido como um sistema de equivalências intersensoriais que, no entanto, não porta em seu sentido primário uma referência aos outros esquemas corporais. A posição do esquema corporal como um sistema de equivalências ou adequações sensório-motoras realça seus poderes analógicos pré-reflexivos, 20 que o permitem formar estruturas de transposições ou hábitos que se endereçam de maneira fluída e dinâmica ao mundo. Porém, esta função analógica do esquema corporal sofrerá uma alteração importante em suas reflexões sobre a dimensão libidinal de nossa corporeidade; o esquema corporal passa a ser interpretado, sob o prisma do pensamento de Schilder, como um “sistema de equivalências entre sistemas de equivalências” (Saint-Aubert, 2013, p.130). “O esquema corporal, escreve Saint-Aubert, porta não somente o mundo percebido em sua estruturação analógica, mas também, e mesmo primeiramente, outros corpos” (Saint-Aubert, 2013, p.130). Em outras palavras, “o esquema corporal se revela esquema intercorporal” (Saint- Aubert, 2013, p.130). Passemos, agora, a uma breve exposição sobre as perspectivas futuras de pesquisa. Em minha trajetória acadêmica, privilegiei a formação em ensino e pesquisa no campo dos Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Psicologia. No interior deste domínio, a Fenomenologia figurou como o campo principal de reflexão e trabalho. O círculo temático desta trajetória abrangeu temas como corpo, intersubjetividade e percepção. Nossas pesquisas abordaram uma diversidade de autores importante à Fenomenologia, como Husserl, Merleau- Ponty, Gurwitsch e Bimbenet (Marangoni, 2014; Marangoni & Verissimo, 2018a, Marangoni & Verissimo, 2018b, Marangoni & Verissimo, 2020a, Marangoni & Verissimo, 2020b, Marangoni & Verissimo, 2024, no prelo) Dentre as perspectivas que se abrem a partir das acentuações destes interesses, meu intuito é articular a Fenomenologia com pensamentos que permitam abordar a dimensão ideológica, cultural e libidinal da constituição da imagem do corpo. Um primeiro passo em direção a esta articulação foi dado em virtude da realização deste Pós-Doutorado, cujo objetivo foi estudar a maneira pela qual Merleau-Ponty integrou em suas reflexões sobre o esquema corporal o problema da experiência de outrem, tal como tematizada pela Psicanálise. Em minhas reflexões futuras, procurarei integrar a questão da intersubjetividade e da intercorporeidade, com base nas apreciações da Psicanálise, da Fenomenologia Crítica e do pensamento Decolonial latino-americano. A Fenomenologia Crítica tem se destacado como um conjunto de apreciações teóricas cujo propósito é incorporar à reflexão fenomenológica a necessidade de se pensar como as contingências históricas e culturais moldam e determinam as estruturas de nossa experiência. Gênero, raça e classe tornam-se categorias centrais a este aporte e indicam uma importante inflexão do campo fenomenológico ao campo social. O pensamento decolonial, de autores como Enrique Dussel, Nelson Maldonado-Torres, Aníbal Quijano e Walter Mignolo por exemplo, são representativos de maneiras de integrar à fenomenologia a 21 tarefa de refletir sobre os problemas especificamente latino-americanos, com vistas à crítica à epistemologia tradicionalmente eurocentrada. Estas epistemologias emergentes buscam interrogar a pretensão de universalidade do discurso filosófico moderno. É possível, portanto, propor novos modos de ler a História e a Filosofia da Psicologia com base em novas epistemologias, atentas aos problemas estruturais do capitalismo e aos danos culturais, econômicos, sociais e epistêmicos causados pela manutenção da lógica de opressão do sistema colonial. As perspectivas futuras de pesquisa englobam, simultaneamente, o trânsito entre domínios tradicionais e importantes da História e Filosofia da Psicologia, e a frequentação em epistemologias emergentes e maneiras de se pensar a subjetividade, voltadas a integrar os problemas sociais à reflexão filosófica. 6. Referências Barbaras, R. (2019) Le tournant de l’experience: recherches sur la philosophie de Merleau- Ponty. Paris: Vrin. 2019. (Original publicado em 1998) Bimbenet, E. (2004) Nature et Humanité: Le problème anthropologique dans l’oeuvre de Merleau-Ponty. Paris: Vrin. Bocchi, J. 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