unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP OSVALDO LUIS BAUCH ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL NO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO: NÚCLEO DA ESPERANÇA “VILA AZUL” (2012-2016) ARARAQUARA – S.P. 2018 OSVALDO LUIS BAUCH ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL NO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO: NÚCLEO DA ESPERANÇA “VILA AZUL” (2012-2016) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional Orientador: Profa. Dra. Marta Leandro da Silva ARARAQUARA – S.P. 2018 OSVALDO LUIS BAUCH Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional Orientador: Profa. Dra. Marta Leandro da Silva Data da defesa: 15/02/2018 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa. Dra. Marta Leandro da Silva UNESP Membro Titular: Profa. Dra. Maria Tereza Miceli Kerbauy UNESP Membro Titular: Prof. Dr. Geraldo Inácio Filho UFU Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Dedico este trabalho à minha esposa Leilane, que me apoiou e me incentivou na realização desta pesquisa, desde o primeiro dia em que conversamos sobre a possiblidade de prestar o processo seletivo. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Jandira e Oswaldo pela educação, ensino a respeitar ao próximo e pelo cuidado que até hoje me dispensam. Ao meu pai, em especial, que sempre me demonstrou como superar as adversidades através de seu gênio criativo, ao ver em cada objeto muito mais do que realmente é, mas que possa vir a ser. Infelizmente, ele nos deixou ainda durante a realização desta pesquisa, mas viverá eternamente em nossos corações. À minha diretora, amiga e irmã, Maria Luiza da Silva Borges, que sempre me apoiou nesta jornada, mesmo nos momentos em que estive ausente da escola. Agradeço seu incentivo incondicional. À minha orientadora, Marta Leandro da Silva, que acreditou no meu trabalho e me acolheu nesta Instituição de Ensino, proporcionando a realização de uma das mais desejadas metas pessoais. Aos companheiros de turma, que compartilharam as dúvidas, incertezas e no decorrer do curso. “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele.” Paulo Freire (2001, p. 59) RESUMO Esta dissertação de mestrado tem como temática a escola de tempo integral no Ensino Fundamental no Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto, sob a perspectiva da educação básica como direito universal. A delimitação temporal deste estudo compreendeu o período de 2012, ano de implantação das escolas de tempo integral, até o final de 2016. A pesquisa foi realizada mediante abordagem ‘quali-quantitativa’, tendo como fonte documental a legislação nacional, especificamente, a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional 9394/96; bem como a legislação municipal concernente à temática abordada. Nesta investigação priorizou-se na metodologia a pesquisa documental com foco no estudo histórico-organizacional de implantação da Escola de Tempo Integral no Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto. No referencial teórico, contemplou-se a obra dos seguintes autores: Dewey (1959); Gadotti (2004, 2006); Moll (2008, 2009, 2012); Cavaliere (2002, 2003, 2009), bem como no âmbito da pesquisa documental foram analisadas as publicações institucionais do Ministério da Educação e Cultura. Objetivou-se nesta pesquisa a análise da implantação da escola de tempo integral no Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto, mais especificamente, a Escola Municipal Professor Rodrigues Ferreira, localizada no complexo Educacional “José Luiz Spotti” Núcleo da Esperança Vila Azul. A título de objetivos específicos foram analisadas as atividades desenvolvidas na ampliação da jornada escolar, a estrutura organizacional- pedagógica, a matriz curricular, e os indicadores, no âmbito do planejamento escolar. Os resultados da pesquisa indicaram que a referida escola obteve resultados satisfatórios nas avaliações em larga escala em relação à média das escolas do sistema municipal de ensino de tempo integral, durante o período contemplado neste estudo. Pela análise dos documentos escolares, identificamos fatores que contribuíram para o êxito da referida escola, a saber: a) planejamento participativo realizado no nível da Unidade Escolar; b) estabilidade da equipe escolar; c) efetiva participação da comunidade escolar no planejamento e na definição das metas; d) implantação de uma matriz curricular a partir de 2014; e) formação continuada de professores e estudos sobre educação de tempo integral; f) uso das informações fornecidas pelos resultados das avaliações em larga escala no planejamento escolar. Palavras – chave: Escola de Tempo Integral; Legislação; Educação em Tempo Integral. Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto-SP ABSTRACT This Master's dissertation deals with full-time education in Primary Education in the Municipal Education System of São José do Rio Preto, under the perspective of education as a universal right. The time delimitation for the study comprised the period between 2012, year of implementation of full-time schools, and 2016. The research was carried out through the documentary and historical-normative study, with a ‘quali-quantitative’ approach, and based on the Federal Constitution of 1988, on the Law of Directives and Basis of National Education 9394/96, and on the National and Municipal educational laws about the proposed theme. The methodology priorized the use of documentary research focused on a historic- organizational study of the implementation of Full-Time School in the Municipal Education System of Sao Jose do Rio Preto. The theoretical reference includes the works of the following researchers: Dewey (1959); Gadotti (2004, 2006); Moll (2008, 2009, 2012); Cavaliere (2002, 2003, 2009); as well as in the scope of documentary research we analyzed the institutional publications of the Ministry of Education and Culture. The objectives of this work are the analysis of the initiative of implantation of full-time school in Primary School in the city of São José do Rio Preto, more specifically in the Municipal School Professor Rodrigues Ferreira, located in the Educational Complex "José Luiz Spotti" Núcleo da Esperança Vila Azul. The activities developed in the expansion of the school day, its trajectory, structure, adequacies, perspectives and possibilities were also object of this study. The results of the research indicated that the school achieved satisfactory results in the large- scale evaluations in comparison to the average of the schools of the full-time municipal education system during the period of this research. By the analysis of the school documents we identified some factors that contributed to the success of the cited school, such as: a) participative planning performed at the level of the school; b) stability of the school team; effective participation of the school community on planning and goals definition; d) implantation of a curriculum as from 2014; e) continued teacher training and studies about full-time education; f) use of the information obtained from the results of the large scale evaluations on school planning. Key-words: Full-time school. Legislation. Full-time Education. Municipal Education System of São José do Rio Preto-S.P LISTA DE QUADROS Quadro 1 Quantidade de alunos da escola 77 Quadro 2 Adaptação do Anexo II da Resolução SME 01/2014 91 Quadro 3 Quadro de Porcentagem dos alunos por faixa de rendimento no SARESP – Abaixo do Básico 107 Quadro 4 Quadro de Porcentagem dos alunos por faixa de rendimento no SARESP – Básico 107 Quadro 5 Quadro de Porcentagem dos alunos por faixa de rendimento no SARESP – Adequado 108 Quadro 6 Quadro de Porcentagem dos alunos por faixa de rendimento no SARESP – Avançado 108 Quadro 7 Comparativo do resultado do IDESP - do 5º ano. Escolas E.F. dos Núcleos. 109 Quadro 8 Resultados e metas obtidos pela escola no IDEB 110 Quadro 9 Resultados e metas obtidos pelo Município no IDEB 111 Quadro 10 Comparativo do IDEB do Município e outros com médias concentrações urbanas. 112 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AECs Atividades Educacionais Complementares AEE Atendimento Educacional Especializado ANA Avaliação Nacional de Alfabetização ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica ANRESC Avaliação Nacional do Rendimento Escolar APM Associação de Pais e Mestres CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil (1988) CNE Conselho Nacional de Educação ETI Escola de Tempo Integral FAPERP Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica HTPC Horário de Trabalho Pedagógico coletivo IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IVS Índice de Vulnerabilidade Social IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola PEB I Professor de Educação Básica I PEB II Professor de Educação Básica II PNAIC Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa PNE Plano Nacional de Educação PPM Preparo Pedagógico de Material PROAP Programa de Apoio Pedagógico SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE Secretaria da Educação do Estado de São Paulo SME Secretaria Municipal de Educação UE Unidade Escolar UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 1.1 Educação em tempo integral - considerações preliminares 13 1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa 18 1.3 Abordagem e procedimentos metodológicos 21 1.4 Coleta de Dados 24 2. EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL A PARTIR DA LDB 9394/96. 27 2.1 A Educação em Tempo Integral 29 2.2 Escolas de tempo integral 34 2.3 Educação Integral, Instruções Normativas MEC/ SECAD 36 2.4 Revisão de Literatura: Educação em Tempo Integral, pressupostos 41 2.5 Iniciativas de implantação de escolas em tempo integral 49 2.5.1 Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) 50 2.5.2 Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (PRONAICA) 52 2.5.3 Programa Mais Educação 54 3. A CONSTITUIÇÃO DOS SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO: APONTAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 28 3.1 Criação dos Sistemas Municipais de Ensino: descentralização política 60 3.2 São José do Rio Preto, indicadores socioeconômicos e educacionais: trajetória histórico-normativa do Sistema Municipal de Ensino 66 4. COMPLEXOS EDUCACIONAIS "NÚCLEOS DA ESPERANÇA": estrutura organizacional-pedagógica 73 4.1 A estrutura administrativa dos complexos educacionais: composição da equipe gestora 75 4.2 Complexo Educacional Núcleo da Esperança "José Luiz Spotti" e Escola Municipal Professor Rodrigues Ferreira 76 4.3 Caracterização da escola de Ensino Fundamental: a equipe gestora 77 4.4 Caracterização do Corpo Docente: constituição da jornada de trabalho 80 4.5 Sistemática de funcionamento no primeiro ano de implantação em 2012 81 4.6 As adequações da escola para o ano de 2013: livro de Atas de Atribuição de aulas 86 4.7 O Biênio de 2014 a 2016: publicação da matriz curricular da AECs 87 4.8 A Matriz Curricular das Atividades Educativas Complementares (AECs): a partir de 2014 89 4.9 Apontamentos do Planejamento Escolar: no processo de implantação (2012 a 2016) 97 4.10 Resultados das Avaliações de Larga Escala de 2012 a 2016 105 CONSIDERAÇÕES FINAIS 113 REFERÊNCIAS 120 ANEXOS 132 11 1 INTRODUÇÃO As motivações que levaram a esta pesquisa iniciaram com questões levantadas a partir do próprio percurso profissional do pesquisador como coordenador pedagógico em duas escolas de Ensino Fundamental no município de São José do Rio Preto, interior do Estado de São Paulo, tendo sido a primeira experiência nos anos de 2010 e 2011,em uma escola que recebeu o Programa Mais Educação e a segunda, a partir do ano seguinte, em uma instituição escolar de tempo integral do Núcleo da Esperança. Por iniciativa do governo municipal, com recursos próprios, a partir de 2012 foram inauguradas quatro escolas de Ensino Fundamental para atendimento em tempo integral em bairros periféricos. Essa necessidade de implantar um modelo de escola de tempo integral no município, sem, no entanto, ter um modelo anterior, proposta pedagógica ou mesmo normatização por parte da Secretaria Municipal de Educação proporcionou a este pesquisador, como coordenador pedagógico, uma experiência profissional desafiadora. Tais desafios trouxeram também inquietações e indagações sobre o caminho percorrido pela equipe escolar na implantação e desenvolvimento de atividades pedagógicas e de formação continuada de professores, bem como no envolvimento da comunidade e da gestão escolar. Todo esse empenho levou a instituição de ensino em questão a alcançar êxito nos indicativos de resultados das avaliações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). A fim de delinear as questões que envolvem a educação de tempo integral e, principalmente, as concepções adotadas sobre essa categoria de análise, de início realizamos algumas considerações sobre educação em tempo integral sob a perspectiva de uma escola humanizadora e democrática, voltada à população residente em áreas que contemplam demandas diversificadas de atendimento do poder público. Considera-se, desse modo, que a escola de tempo integral possibilita o desenvolvimento dos princípios do planejamento participativo e da democratização do ensino público ao demandar maior envolvimento da comunidade e outros agentes sociais. Para maior entendimento das questões normativas sobre as diferentes vertentes da ampliação da jornada escolar, na segunda seção conduzimos a pesquisa documental da legislação federal com base na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), e em legislação complementar, com objetivo de trazer o entendimento sobre a questão da educação em tempo integral e escolas de tempo integral, 12 bem como sobre os termos que se referem a ampliação de jornada da legislação brasileira, além de lançar bases para o desenvolvimento dessa seção a qual aborda iniciativas do governo federal em implantar programas de ampliação de jornada em nível nacional. Os programas de ampliação de jornada a partir dos anos 1980 aos dias atuais, abordados nessa seção trazem consigo iniciativas de oferecer educação em tempo integral em diferentes regiões do país, visando atender a populações de baixa renda em regiões com grande concentração populacional. Tais programas, por constituírem políticas de governo, não foram tratados como prioridade na agenda de governos posteriores, o que os levou a sofrer mudanças e descontinuidades. Dentre os principais motivos das descontinuidades foi a alegação de alto custo ou avaliação negativa sobre a eficácia desses programas; essa justificativa, no entanto, não teve base em uma avaliação criteriosa dos resultados de tais programas. As políticas governamentais educacionais federais de abrangência nacional tendem a não levar em conta as reais necessidades das populações para as quais foram idealizadas. Por esse motivo, a descentralização das políticas educacionais na esfera da municipalidade, através da criação de Sistemas Municipais de Ensino, representa maior participação da comunidade na tomada de decisões quanto às iniciativas de programas e projetos de ampliação de jornada. Dessa forma, figura como objeto de grande relevância social no campo das pesquisas o estudo da criação tanto desses Sistemas Municipais de Ensino quanto, mais especificamente, de escolas de tempo integral financiadas pelo município. Com a necessidade de analisar a temática da descentralização das políticas públicas educacionais, fizemos a abordagem do tema na terceira seção desta dissertação. Com a prerrogativa constitucional de ente federado garantido aos municípios pela Constituição Federal de 1988, estes tiveram sua autonomia administrativa em relação as esferas estaduais e federal. No município de São José do Rio Preto, o Sistema Municipal de Ensino foi criado pela lei Complementar 8053/2000. A autonomia alcançada por força Constitucional trouxe aos municípios a possibilidade de organizar o ensino com prioridade para a Educação Infantil e Ensino Fundamental nos anos iniciais, não obstante, programas e projetos voltados a atender as necessidades educativas locais. Nesse contexto, a partir de 2012, teve início o atendimento das quatro escolas de tempo integral dos Núcleos da Esperança. Uma dessas instituições de Ensino Fundamental, localizada no Núcleo da Vila Azul, é o objeto desta pesquisa, abordado na quarta e última seção deste trabalho. A fim de realizar a pesquisa no âmbito escolar, foi necessária a análise de documentos como: Plano Escolar dos anos compreendidos nesta pesquisa, avaliação dos Planos Escolares, 13 atas de reunião de planejamento, Atas de Horário Pedagógico Coletivo, Planos de Ensino, Diários de Classe, entre outros, os quais pudessem revelar de que maneira a equipe planejou e desenvolveu ações voltadas para atender as necessidades educacionais de seus alunos, e para estabelecer parceria com a comunidade de modo a obter êxito nas metas estabelecidas a cada ano, inclusive nas avaliações de larga escala. Os caminhos desta pesquisa pretendem levar a novos apontamentos sobre propostas de implantação de escolas de tempo integral em Sistemas Municipais de Ensino. Para tanto, na análise do nosso objeto de estudo, fizemos considerações que buscam trazer apontamentos sobre os desafios de implantação e desenvolvimento de escolas de tempo integral. 1.1 Educação em tempo Integral: considerações preliminares Neste breve espaço vale referenciar à questão da ampliação de jornada escolar a partir da publicação da LDB 9394/96, abarcando os conceitos de educação em tempo integral e escola de tempo integral. A educação em tempo integral é um tema que, no Brasil, vem sendo discutido desde 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, quando Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e outros educadores introduziram a ideia e a perspectiva da educação para a formação integral do indivíduo, que receberia não apenas a educação formal, mas também a educação que promovesse sua formação como cidadão (AZEVEDO, 2010, p. 46). No Brasil, no início do século XX, quando se pensava em Educação em tempo integral, tinha-se em mente melhores oportunidades educacionais e de aprendizado com a ampliação do tempo de permanência do aluno no ambiente escolar. Tal pensamento visava oferecer, para as crianças de classes sociais menos favorecidas, uma formação educacional mais abrangente, a fim de que, no futuro, elas pudessem ter uma profissão ou mesmo melhores oportunidades no mercado de trabalho. Na atualidade, a educação em tempo integral oportuniza que as crianças permaneçam mais tempo na escola, com jornada ampliada, principalmente em áreas com alto índicede vulnerabilidade social (COSTA, 2012, p.9). Mantê-las no ambiente escolar por mais tempo significa melhores oportunidades educacionais, de convivência, socialização e prática de esportes. 14 Neste trabalho, adotamos o conceito de “vulnerabilidade social”utilizadono Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros, o qual estabelece o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). De acordo com IPEA (2015, p. 12), o IVS aqui apresentado tem a pretensão de sinalizar o acesso, a ausência ou a insuficiência de alguns “ativos” em áreas do território brasileiro, os quais deveriam, a princípio, estar à disposição de todo cidadão, por força da ação do Estado. Os três subíndices que o compõem – i) infraestrutura urbana; ii) capital humano; e iii) renda e trabalho – representam três grandes conjuntos de ativos, cuja posse ou privação determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades contemporâneas. A escola de tempo integral (ETI), principalmente em áreas de vulnerabilidade social, oferece à criança um ambiente de aprendizado, de oportunidades educacionais com exposição ao mundo letrado, com atividades especialmente planejadas.Com um currículo escolar direcionado a proporcionar uma aproximação de vivências educativas e atividades de caráter humanizador (FREIRE, 1987), a ampliação da jornada escolar cumpre ainda um papel social para as famílias que necessitam do trabalho de todos os adultos para a composição da renda familiar, isto é, lares nos quais existe a necessidade de ambos os pais trabalhem fora o dia todo. Nesses casos, a criança não tem ninguém que possa cuidá-la após o horário das aulas regulares; portanto a ETI auxilia no cuidado e na educação do menor. A educação em tempo integral teve uma alavancagem no Brasil a partir da aprovação da Lei 11494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), o qual, dentre outros órgãos governamentais, instituiu recursos específicos para educação em tempo integral. O Art.10 dessa lei prevê que “a distribuição proporcional de recursos dos Fundos levará em conta as (...) diferenças entre etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica”, estando incluídas nessa lista as instituições de ensino fundamental em tempo integral”. Entretanto, a disponibilização de recursos isoladamente não garante a qualidade do atendimento, pois a implantação de programas dessa natureza demanda muito mais do que o direcionamento de recursos para o setor. Seriam necessárias, a partir do incentivo inicial, ações voltadas para o desenvolvimento da estrutura organizacional visando a implantação de programas de escolas de tempo integral. Tais ações estão normatizadas na Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional (LDB9394/96), principalmente no parágrafo primeiro do artigo oitavo, segundo o qual“ caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os 15 diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”. Da mesma forma, no parágrafo terceiro do artigo nono, foi estabelecido que se deve “prestar assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva”. Mesmo com garantia de recursos à educação, ações normativas e de assistência técnica por parte da União, os índices de proficiência escolar apontam que muito ainda precisa ser realizado no Brasil com relação à escrita, leitura e matemática. De acordo com os dados obtidos em 2015 no Programme for International Student Assessment (PISA), entre as 72 nações participantes, o relatório mostrou o Brasil na 59ª posição em leitura e na 66ª colocação em matemática1. De acordo com Vieira (2009, p. 113), “o país vem participando do PISA desde a primeira edição e os resultados obtidos confirmam que a qualidade da Educação Básica oferecida encontra-se muito aquém dos indicadores obtidos pelo conjunto de países desenvolvidos ou em desenvolvimento”. Se por um lado temos grandes desafios a serem superados no que se refere à conjuntura da educação básica no Brasil, existem também possibilidades para a melhoria da qualidade dos serviços educacionais por meio da ampliação da jornada escolar. Estudos recentes realizados pela Fundação Itaú social2 apontam para a educação em tempo integral como uma dessas possibilidades. Nesse sentido a educação em tempo integral mostra-se como um modelo possível para a melhoria da qualidade da educação básica no Brasil, não apenas pelo aumento de horas de permanência do aluno no ambiente escolar, mas com a sistematização de métodos, práticas e pressupostos teóricos, que unidos, possam produzir esforços e representar um novo momento para a educação. Na educação em período integral, além das experiências educativas, o educando poderá ter, no convívio com os pares, a assimilação dos conceitos humanizadores preconizados por Paulo Freire, segundo os quais as relações de convivência da vida cotidiana estão alicerçados nos conceitos de cidadania e participação social. As relações sociais proporcionadas pelas vivências educativas, das atividades desenvolvidas ao longo do dia, da mediação dos professores e de todos os envolvidos no processo educativo 1 http://www.oecd.org/pisa/PISA-2015-Brazil-PRT.pdf 2 http://ww2.itau.com.br/itausocial2/pdf/ed_integral.pdf 16 Na educação humanizadora, a escola, além das experiências proporcionadas pela sala de aula, contribui para responder a questões tão necessárias para o exercício pleno dos direitos e deveres da vida futura e do mundo do trabalho, pois é na convivência que a criança pode criar estruturas mentais estáveis para a vida cidadã. A escola oferece uma espécie de micromundo experimental e real para as situações que serão vivenciadas na vida adulta. Num sentido amplo, Dewey define experiência como um conjunto de relações que estão presentes na natureza, muito além da concepção puramente humana. Nas palavras do autor, “esse agir sobre outro corpo e sofrer de outro corpo uma reação é, em seus próprios termos, o que chamamos de experiência”(DEWEY, 1959b, p. 1).Nesta visão, todos os elementos se relacionam mutuamente e, por consequência, modificam-se de modo recíproco. No que se refere à condição humana, Dewey compreende que a experiência consiste primariamente em relações ativas entre um ser humano e seu ambiente natural e social. Em alguns casos, a iniciativa parte do lado do ambiente; os esforços do ser humano sofrem certas frustrações e desvios. Em outros casos, o procedimento das coisas e pessoas do ambiente leva a desfecho favorável as tendências ativas do indivíduo, de modo que, tentou produzir (DEWEY,1959a, p. 301). A constituição do indivíduo ocorre por meio das relações sociais que estabelece com outros seres humanos. Tais relações, construídas social e historicamente pelas gerações passadas, são incorporadas na formação da individualidade; assim, por meio da experiência, “o indivíduo da espécie humana não nasce homem; ele se torna homem, se forma homem”(SAVIANI, 2015, p.39).Nesse sentido, o ser humano se desenvolve com a apropriação dos saberes historicamente construídos, pela utilização dos objetos como atividade humana, com objetivo suprir suas necessidades e pelas relações entre sujeito e objeto, nas quais se origina o conhecimento objetivo e o desenvolvimento do pensamento. Na escola de tempo integral, as relações e interações sociais proporcionadas pelas atividades ao longo do turno escolar tendem a ser mais próximas da realidade social do que as da escola de tempo parcial, pois, nesta, as atividades são prioritariamente escolarizadas, com normas estabelecidas dentro da sala de aula. A construção da cidadania faz-se na participação e no convívio com os pares no cotidiano escolar. Veiga et al (2014) priorizam o cotidiano escolar na construção da cidadania. Nesse sentido, escrevem: Nossa proposta tem priorizado a esfera da vida cotidiana, uma vez que tivermos eleito, como foco de investigação, os processos de socialização 17 vivenciados no microespaço da comunidade escolar e, também, por verificarmos que é principalmente com base nas integrações na cotidianidade que os indivíduos se constroem(VEIGA et al., 2014, p.136). Uma escola que pretende educar com atividades planejadas e preparadas que privilegiem a interação e a participação coletiva dos alunos e da sociedade se assume como uma escola indutora da democracia. As atividades elaboradas para e com os alunos no ambiente escolar compõem os princípios do exercício democrático ao recriar seus elementos constitutivos e valorativos. A esse respeito, concordamos com a afirmação de Teixeira (1956) de que a construção de uma sociedade democrática se inicia na escola, pois: Nessa comunidade escolar, indivíduo e grupo trabalharão, distribuindo suas funções, constituindo as suas associações, desde a da classe até a da sociedade de toda a escola, podendo a criança fazer as experiências de membro social em todos os níveis e graus, sendo aqui o companheiro social, acolá o companheiro de jogo e de gostos, ou ainda o companheiro de política, no governo da escola, participando assim de todos os tipos de atividades e aprendendo o jogo da vida democrática nesta comunidade em miniatura que é a escola (TEIXEIRA, 1956, p. 5). A democracia no contexto escolar supera a esfera da educação política e assume o caráter da vivência democrática, calcado nos princípios de participação social, no protagonismo construído no coletivo e no cotidiano da escola. Nessa visão, a escola passa a exercer o papel de construção social, na preparação para a vida em sociedade alicerçada em valores democráticos, isto é, a instituição de ensino “se assume como um centro de direitos e um centro de deveres, onde a formação que se dá dentro do espaço e do tempo que caracterizam uma formação para a cidadania” (BRASIL, 1997, p.1) A educação em jornada ampliada na escola pública deve ultrapassar o mero espaço onde se replica o saber, e se tornar um lugar onde as relações sociais servirão como bases para o aprendizado de uma vida cidadã, muito além daqueles contidos nas matrizes curriculares da legislação educacional brasileira. Tais saberes deverão ser construídos com a experiência que extrapolam os limites da escola, e constituem os espaços públicos como lugares de aprender. Para o Ministério da Educação e Cultura (MEC), a intersetorialidade revela-se como proposta de democratização das políticas sociais, já que ela impõe-se como necessidade e tarefa, que se devem ao reconhecimento da desarticulação institucional e da pulverização na oferta das políticas sociais, mas também ao passo seguinte desse reconhecimento, para articular os componentes materiais e ideais que qualifiquem essas políticas. Por isso, é 18 preciso ressaltar a intersetorialidade como característica de uma nova geração de políticas públicas que orientam a formulação de uma proposta de Educação Integral (MOLL, 2009, p.43). A intersetorialidade constitui-se na educação como uma ferramenta necessária para o pleno desenvolvimento do educando, trazendo novos significados aos saberes tradicionalmente instituídos na educação atual. Para Silva (2014, p. 77), “a gestão intersetorial diz respeito à participação da sociedade civil na educação”. Nessa visão, a escola de tempo integral poderá contar com programas de cooperação entre as diversas esferas da administração pública, transpor os limites dos muros da escola, permitir vivências e experiências diversas em outros espaços como parques, centros de exposições, teatros, entre outros, além de incluir profissionais de outras áreas, como saúde, esporte, inclusão digital e cultura, no processo educativo. Essa articulação de projetos educacionais que visem a incorporação de outros territórios e espaços públicos no currículo do aluno de forma intencional e planejada poderá proporcionar diversas experiências educativas. O enriquecimento curricular através destas ações possibilitará não apenas que a escola aprenda com outros setores da administração pública, mas também que essas esferas possam compreender melhor a escola, suas características e necessidades. Para garantir a qualidade da participação da comunidade na tomada de decisão relativa a assuntos escolares, este planejamento deve ser iniciado pelo Projeto Político-Pedagógico, o qual “exige dos educadores, funcionários, alunos e pais a definição clara do tipo de escola que intentam, requer a definição de fins. Assim, todos deverão definir o tipo de sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar”(VEIGA,2013, p.17). Para a construção de uma escola democrática, toda equipe escolar deve oportunizar as condições para que a gestão e a participação democrática ocorra no cotidiano escolar por meio da descentralização da tomada de decisões, fortalecendo o caráter participativo de todos os segmentos escolares. 1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa A considerar o reconhecimento do município como ente federado, a partir da Constituição Federal 1988, vale analisar a relevância político-social de criação de sistemas municipais de ensino e do exercício da autonomia municipal no contexto de políticas públicas, especificamente, da implantação de Escolas de Tempo Integral. 19 Objetivo geral: Analisar o processo de implantação da escola de tempo integral de ensino fundamental no Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto, no período de 2012 a 2016, no contexto das políticas públicas, a considerar o conceito de descentralização político- administrativo Objetivos específicos: • Identificar e analisar as especificidades dessa implantação e seus entraves por meio da análise histórico-organizacional da escola de tempo integral de Ensino Fundamental no Complexo Educacional “José Luiz Spotti”, também intitulado Núcleo da Esperança Vila Azul, situada na zona rural do município de São José do Rio Preto; • Identificar e analisar os programas de Educação Integral no contexto da legislação federal a partir da publicação da LDB 9394/96 e atos administrativos/normativos e publicações do MEC/SECAD; • Mapear, identificar e analisar a trajetória legal/normativa concernente ao processo de implantação do Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto, no período de 1974 a 2014, com destaque para a análise da estrutura pedagógico-organizacional da Escola de Tempo Integral de ensino fundamental; • Analisar no processo de implantação do Núcleo da Esperança Vila Azul, no período de 2012 a 2016, enfatizando o planejamento escolar e os correlatos documentos institucionais (Planos Escolares e os resultados das avaliações de larga escala e IDEB); bem ainda da política curricular das ETIs, especificamente, quanto à Atividades Educativas Complementares. Nesse contexto priorizou-se o estudo das seguintes categorias de análise: ‘definição conceitual’ da educação em tempo integral no contexto da legislação federal; criação do sistema municipal de ensino; autonomia municipal e descentralização político-administrativa; processo de implantação da ETI em São José do Rio Preto; planejamento escolar e estrutura pedagógico-organizacional da ETI. Assim, em São José do Rio Preto foram implantados, em 2012, quatro “Núcleos da Esperança” em bairros de periferia, para atender as necessidades educacionais em tempo integral do primeiro ao quinto anodo Ensino Fundamental. Esses Núcleos são pioneiros no oferecimento de educação em tempo integral na educação básica mantida pelo Sistema Municipal de Ensino. 20 Cada Núcleo da Esperança conta com uma escola de Ensino Fundamental, uma escola de Educação Infantil e um Complexo Educacional. O Complexo Educacional é formado por áreas de convivência, salas de arte, língua estrangeira, letramento, dança, Atendimento Educacional Especializado (AEE), laboratório de informática, quadra coberta, quadra de areia, piscina e um centro administrativo cuja estrutura e funcionamento analisamos mais à frente. O projeto de implantação da escola de tempo integral não seguiu qualquer modelo pré- existente no Município de São José do Rio Preto, nem seguiu parâmetros de outros municípios que implantaram e ofereceram a integralidade em suas escolas. O oferecimento da escola de tempo integral partiu de uma política de governo, com a criação dos “Núcleos da Esperança”, os quais tiveram como principal característica a criação de espaços para o desenvolvimento de Atividades Educativas Complementares (AECs), sem, no entanto, ter um esboço de como essas atividades seriam desenvolvidas a partir de sua inauguração, ou seja, sem um projeto pedagógico que pudesse nortear as ações que haveriam de ser desenvolvidas. No cerne desse processo de implantação evidenciam-se os desafios inerentes aos diferentes níveis de planejamento educacional, especialmente no tocante ao planejamento escolar da ETI articulado às políticas ‘pedagógico-curriculares’. Seguindo o conceito de currículo, de acordo com Veiga (2014, p.26), este “é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistematização dos meios para que esta construção se efetive”. A escola de ensino fundamental no Núcleo da Esperança em que realizamos a pesquisa foi inaugurada no ano de 2012, inicialmente atendendo alunos do primeiro ao quinto ano. A proposta era oferecer a educação em tempo integral, inicialmente funcionando no período da manhã com aulas do currículo regular, com carga horária de cinco horas diárias, e no período da tarde com as Atividades Educacionais Complementares (AECs), com carga horária de quatro horas diárias, totalizando nove horas diárias de atendimento ao aluno. O recorte temporal desta pesquisa compreende os anos de 2012 a 2016, período considerado como de implantação da escola de ensino fundamental em tempo integral na Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto. Ao final da pesquisa, procuramos responder às seguintes questões: a) Quais fatores foram determinantes para que a equipe escolar pudesse conseguir êxito nos indicadores de eficácia escolar e nas avaliações em larga escala, no período de implantação da escola de tempo integral mesmo sem ter uma proposta pedagógica ou planejamento inicial por parte do Sistema Municipal de Ensino? 21 b) A escola analisada configura-se como uma escola de educação integral ou de tempo integral? Na seção a seguir, apresentamos a metodologia utilizada nesta investigação. 1.3 Abordagem e procedimentos metodológicos Para Minayo (2002, p. 17), a metodologia é entendida como o caminho do pensamento, “um conjunto de técnicas que que possibilitem a construção da realidade e o sopro divino do potencial do criativo do investigador”. Em sua análise, a supremacia da técnica produz um formalismo árido e o abando das mesmas induz a conclusões superficiais e especulativas. O tipo de pesquisa pelo qual optamos tem caráter qualitativo. Uma das razões por tal afirmação reside no fato de participarmos indiretamente do processo educacional em questão, portanto, não podemos nos afastar do rigor da metodologia da pesquisa no sentido de que, ao colocarmos sob este foco a condição de educador associada à condição de pesquisador num campo de pesquisas que toma a educação como referência conceitual e empírica, não se deve esquecer que o educador pertence ao contexto das investigações. Ainda que as referências de lugares, tempos, pessoas e eventos sejam outras, ele (o educador/pesquisador) já participa dos enredos verbais e simbólicos que dão rumo e sentido às construções das normas, práticas e significações sociais dos grupos que estuda (MACEDO et al, 2009, p. 133) A razão desta citação nos remete a dois fatos: o primeiro é que temos a percepção de ações ascendentes com vistas no qualitativo, ou seja, desde o início dos trabalhos em 2012, existe a ideia de implementação de ações na esfera administrativa e pedagógica, que nos levam a inferir tal pensamento. O segundo reside na necessidade de subsídios metodológicos de pesquisa que nos levem a confirmar ou refutar tal percepção. A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo (BOGDAN e BIKLEN, 1994). Nessa vertente, a apropriação desse método permitirá uma maior compreensão da realidade e sua análise, possibilitando a interpretação dos resultados sob a óptica da propositura deste trabalho. 22 Para o estudo da ETI e das atividades desenvolvidas no seu currículo, foi necessário utilizar ferramentas de análise e metodologias que melhor se adequassem para explicar o fenômeno a ser estudado. De acordo com Chizzotti (2001, p. 11), “a pesquisa investiga o mundo em que o homem vive[...] a fim de munir-se dos instrumentos mais adequados à sua ação e intervir no seu mundo para construí-lo adequado à sua tarefa”. Nesta investigação de cunho qualitativo, utilizamos como meio de análise o estudo de caso histórico-organizacional, em virtude de termos como objetivo estudar a implantação de uma escola de tempo integral num Sistema Municipal de Ensino. Assim, este recurso pode ser utilizado quando o interesse do pesquisador recai sobre a vida de uma instituição. A unidade pode ser uma escola, uma universidade, um clube etc. O pesquisador deve partir do conhecimento que existe sobre a organização que deseja examinar. Que material pode ser manejado, que está disponível, ainda que represente dificuldades para seu estudo. Isto significa que existem arquivos que registram documentos referentes à vida da instituição, publicações, estudos pessoais com os quais é possível realizar entrevistas, etc. (TRIVINÕS, 1987, p. 134) Esta pesquisa se desenvolveu na Escola Municipal (EM) Professor Rodrigues Ferreira, localizada no Núcleo da Esperança Navarrete/Vila Azul, também denominado como Complexo Educacional Núcleo da Esperança “José Luiz Spotti”, no Município de São José do Rio Preto/SP, e teve como objeto de estudo amplo a estrutura pedagógica-organizacional e curricular, as especificidades e particularidades do processo de implantação da escola de tempo integral. Como objeto específico, temos as Atividades Educativas Complementares (AECs) como parte integrante da Matriz Curricular da escola. Foi realizada uma análise qualitativa dessas atividades a partir da perspectiva da ETI como política pública. A instituição-contexto desta investigação foi escolhida dentre as outras três do município que compõem os Núcleos da Esperança, a saber – EM Profa. Regina Malouk; EM Dr. Carlos Roberto Seixas; e EM Carmen Nelita Anselmo Vetorazzo – por ser a unidade escolar com destaque nas avaliações de larga escala e no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Nesse sentido, buscamos compreender os aspectos da implementação dessa ETI e suas especificidades quanto ao planejamento escolar e estrutura pedagógico-organizacional e curricular que destacam seu êxito no contexto das políticas municipais. Para André (1995, p. 28), “a observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, 23 afetando-a e sendo por ela afetado”. Dessa forma, o pesquisador e o objeto pesquisado se influenciam mutuamente, pois, ao estar inserido no contexto da investigação, o pesquisador se constitui como um elemento da pesquisa. Nessa perspectiva, André explica que subjacente ao uso dessas técnicas etnográficas existe o princípio da interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado, princípio esse que determina fortemente a segunda característica da pesquisa do tipo etnográfico, ou seja, que o pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise dos dados (ANDRÉ, 1995, p. 28). Ao mesmo tempo, a pesquisa e a respectiva análise documental mostraram-se necessárias para esta investigação, a fim de fornecer subsídios necessários para atingir os objetivos propostos neste estudo. Assim, para analisar o processo de implantação do Núcleo da Esperança Vila Azul, utilizamos os documentos escolares como: planos escolares, relatórios das avaliações de planos escolares, planos de ensino, diários de classe, atas de reuniões pedagógicas e administrativas, livro de atas de atribuição de aulas; matriz curricular, resultados de avaliações de larga escala, entre outros. A esse respeito, “a análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos”, do mesmo modo “são considerados documentos quaisquer materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano”(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38). Com o entendimento de que documentos podem ser constituídos por escritos não oficiais, ou seja, que não necessariamente passaram por publicação, podemos realizar pesquisa escolar com escritos produzidos no âmbito escolar. Dessa forma, todo registro utilizado na organização do trabalho escolar consiste numa fonte de pesquisa ao revelar como os representantes de diferentes segmentos da instituição planejam as metas e como as atividades são desenvolvidas. Compreendemos, então, com base nas palavras de Lüdke e André (1986, p. 38), que documentos “incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorando, diários pessoais, autobiografias, jornais, revistas, discursos, roteiros de programas de rádio e televisão até livros, estatísticas e documentos escolares”. Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p.160), ao adotar o “princípio de que não há metodologias ‘boas’ ou ‘más’ em si, e sim metodologias adequadas ou inadequadas para tratar um determinado problema”, o pesquisador necessitará realizar uma adequação paradigmática ao tema proposto. No caso deste estudo, a abordagem qualitativa poderá conferir um grau maior de visibilidade aos aspectos sociais que se propõe. No entanto, utilizamos também, nesta pesquisa, elementos da dimensão quantitativa, como tabelas. A investigação qualitativa, ao incluir elementos da pesquisa quantitativa, tem 24 como objetivo proporcionar visibilidade e precisão na análise dos dados coletados. Neste trabalho, a utilização de tabelas contribuiu, com o uso de dados coletados em sites de pesquisas educacionais e de avaliações em larga escala, para representar com exatidão as informações relevantes à pesquisa. Entretanto, a forma como os números foram analisados conferem e ratificam a escolha da abordagem qualitativa. De acordo com André (1995, p. 23), “posso fazer uma pesquisa que utiliza basicamente dados quantitativos, mas na análise que faço desses dados estão sempre presentes o meu quadro de referência, os meus valores e, portanto, a dimensão qualitativa”. Na mesma linha de pensamento, Gatti (2012) esclarece que a análise do problema estudado pode requerer diferentes tipos de aproximação para que a situação seja mais bem compreendida, em outras palavras, pode ser necessário utilizar “vários procedimentos de busca”. Para tanto, pretende-se buscar a “superação da dicotomização irreconciliável entre abordagens qualitativas x quantitativas, por um olhar mais amplo, que implica a conjugação de fontes variadas de informação sob uma determinada perspectiva epistêmica” (GATTI, 2012, p. 29). A utilização de dados de natureza qualitativa e quantitativa elevam a precisão das mensurações e das afirmações, atribuindo-se à pesquisa maior sustentação na análise das informações coletadas. Com relação às adequações paradigmáticas, deve-se seguir na perspectiva de que nas ciências humanas devem-se evitar as fragmentações e se adotar uma concepção holística dos fenômenos sociais e históricos. Nesse contexto, as vivências e as práticas sociais se sobrepõem aos métodos de análise que compartimentalizam o objeto estudado. Há de se buscar uma articulação à pesquisa e a inter-relação aos aspectos que “expuseram a complexidade da vida humana e evidenciaram significados ignorados da vida social” (CHIZZOTTI, 2001, p. 78). 1.4 Coleta de Dados Nesta pesquisa qualitativa, optou-se pela “análise documental” como um dos instrumentos de coleta de dados, pois ela se constitui, de acordo com Lüdkee André(1986, p. 38) “numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Conforme já explicitado, as autoras consideram como documentos quaisquer materiais escritos que podem ser utilizados como fonte de informação. Ainda, para Laville e 25 Dionne (1999, p.113), “a documentação do pesquisador consiste principalmente em livros e artigos; mas também pode ser de relatórios de pesquisa não publicados, teses”. Na análise dos documentos escolares, pudemos levantar questões que não foram suscitadas em outros tipos de fonte de informações. A legislação municipal mostrou questões específicas para a implantação das escolas de tempo integral como a regulamentação dos horários de funcionamento e a carga horária diária dessas escolas, inclusive da Unidade Escolar que constitui o foco desta pesquisa. Nesta pesquisa utilizamos como fonte de consulta os documentos oficiais e institucionais do MEC bem como a legislação federal e municipal. No tocante à legislação federal foram analisados os seguintes documentos: Constituição Federal de 1988 (CF/88);Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9394/96; Lei 11494/ 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB); Lei N° 10172 que aprova o Plano Nacional de Educação (2001-2010); Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE); Resolução CNE/CEB 04/2010, que define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica; Resolução CNE/CEB 07/2010, que fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino fundamental de nove anos; Parecer CNE/CEB 07/2010; Texto Referência Para o Debate Nacional da Educação em Tempo Integral elaborado/publicado pelo MEC -SECAD no ano de 2009. No âmbito municipal foram analisados a legislação municipal e os documentos institucionais da ETI, a saber: Lei Complementar nº 89, de 10 de julho de 1998, que cria a Rede de Ensino Fundamental Municipal; Lei nº 8053, de 04 de setembro de 2000, que institui o Sistema Municipal de Ensino; Resolução SME Nº 01, de 14/02/2014; Planos Escolares, relatórios das avalições de planos escolares, planos de ensino, diários de classe, livro de atas da APM; livro de atas do Conselho de Escola; atas de reuniões pedagógicas e administrativas, livro de atas de atribuição de aulas; matriz curricular, resultados de avalições de larga escala, entre outros. A consulta a fontes bibliográficas complementa este trabalho, uma vez que a seleção criteriosa das obras de referência contribui para o aprofundar o conhecimento das questões analisadas. De acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p.65), “é importante familiarizar-se com as pesquisas mais recentes de determinada área do conhecimento através de pesquisa bibliográfica”. A consulta ao referencial teórico na área do conhecimento na qual se desenvolve este trabalho constitui importante suporte ao desenvolvimento das questões que ainda foram pouco exploradas nas pesquisas educacionais. 26 Em outros termos, a pesquisa bibliográfica permite a reelaboração do saber constituído, inferindo a ele um novo enfoque ou abordagem sob uma perspectiva ainda não delimitada em pesquisas anteriores. Assim, “essa forma de investigar, além de ser indispensável para a pesquisa básica, nos permite articular conceitos e sistematizar a produção de uma determinada área de conhecimento” (MINAYO et al., 2002, p. 52). Nesse sentido, esta pesquisa consiste em aprofundar conhecimentos em questões relacionadas à área da educação, mais especificamente na implantação de uma escola de tempo integral no Ensino fundamental nas séries iniciais no Sistema Municipal de Ensino de São José do Rio Preto -S.P. abordando os primeiros cinco anos de sua implantação. A escolha deste município teve como fatores preponderantes: a construção da escola com espaços adequados a receber alunos em tempo integral, o financiamento deste empreendimento com recursos próprios e a elaboração de um currículo de atividades complementares desvinculado de programas federais de atendimento em jornada ampliada. 27 2. EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL A PARTIR DA LDB 9394/96. Nesta seção, aborda-se a ampliação da jornada na LDB 9394/96 e sua correlação com a educação integral, a educação em tempo integral e a escola de tempo integral e nos documentos institucionais de implantação da ETI. A ampliação da jornada escolar no Brasil, a partir da aprovação da LDB 9394/96, “tem se constituído como um enfrentamento das desigualdades sociais”(BRASIL, 1996) e na possibilidade de mudanças da estrutura da sociedade brasileira em médio e longo prazo. Entretanto, diversas terminologias são utilizadas nos documentos oficiais para se referir à ampliação da jornada escolar. Destas terminologias, as mais utilizadas são: “educação integral”, “educação em tempo integral” e “escola de tempo integral”. Esses termos serão analisados no arcabouço da Legislação Federal e Complementar. Os valores e a formação social são constituídos e adquiridos pelos seres humanos através da interação com outros seres humanos, ou seja, é necessário aprender a ser humano, as pessoas são, nesta visão, um resultado do processo de humanização. Conforme Demerval Saviani (2015, p. 34), “a origem da educação coincide, então, com a própria origem do homem”. O termo “educação integral”, na CF/88 e na atual LDB, refere-se à educação oferecida ao cidadão, uma educação não fragmentada ou com lacunas, àquela suficiente para formar um cidadão capaz de exercer seu papel na sociedade. De acordo com o Art. 1º da LDB 9394/96, A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL,1996). Nesta condição, a educação integral envolve processos que superam o tempo e os conteúdos escolares e abarcam todos os aspectos da vida em sociedade, do exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Assim, a educação deverá estar vinculada aos valores socialmente construídos. Rita de Cássia Ventura Pattaro (2013, p.22) compreende que o conceito de integralidade “traz uma carga semântica que remete ao entendimento de que é o todo, o completo que deve ser observado. [...], pois todas as partes juntas são responsáveis pela composição do inteiro, do integral”. 28 Nos termos do Parecer Conselho Nacional de Educação (CNE)/Câmara de Educação Básica (CEB) 07/2010, com referência a “educação integral”, É essa concepção de educação integral que deve orientar a organização da escola, o conjunto de atividades nela realizadas, bem como as políticas sociais que se relacionam com as práticas educacionais. Em cada criança, adolescente, jovem ou adulto (BRASIL,2010c, p. 22) Em resumo, o conjunto da Educação Básica deve se constituir em um processo orgânico, sequencial e articulado, que assegure à criança, ao adolescente, ao jovem e ao adulto de qualquer condição e região do País a formação comum para o pleno exercício da cidadania, oferecendo as condições necessárias para o seu desenvolvimento integral(BRASIL,2010c, p. 25). A educação integral refere-se a princípios norteadores para a escola, com sentido de totalidade da ação humana, para um currículo que forneça uma visão global e permita a reflexão entre as partes e o todo, isto é, um currículo sistematicamente organizado a fim de que se possa observar as relações entre os fatos e acontecimentos sociais em momentos diversos no tempo e no espaço, além de ampliar ao educando a visão de mundo, dos fenômenos sociais e da natureza, do trabalho e da ação humana em suas diferentes dimensões. Ainda neste Parecer, a organicidade dos componentes curriculares e a educação integral são termos que se complementam, pois Tais componentes curriculares são organizados pelos sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento, disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especificidade dos diferentes campos do conhecimento, por meio dos quais se desenvolvem as habilidades indispensáveis ao exercício da cidadania, em ritmo compatível com as etapas do desenvolvimento integral do cidadão. (BRASIL,2010c, p.32) Estas Diretrizes inspiram-se nos princípios constitucionais e na LDB e se operacionalizam[...], entre os quais o cuidado e o compromisso com a educação integral de todos, atendendo-se às dimensões orgânica, sequencial e articulada da Educação Básica (BRASIL,2010c, p.47). Para o desenvolvimento integral do indivíduo, os sistemas de ensino devem promover um currículo coerentemente estruturado para atender as necessidades educativas para o exercício da cidadania. Entretanto, o termo “educação integral” expresso nos documentos oficiais, mais precisamente na LDB e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, não está diretamente vinculado aos termos “educação em tempo integral” ou “educação de tempo integral”. Desse modo, 29 a ampliação da jornada escolar não pode ser confundida com educação integral. Ao contrário, são práticas entre o tempo integral e a concepção de educação integral que se configuram como proposta de formação completa do ser humano(PATTARO, 2013, p.41). Observa-se que, nesses documentos, a educação integral teria possibilidades de ser oferecida numa escola de tempo parcial. Assim, o tempo de atendimento ao aluno (parcial ou integral) não está diretamente ligado a integralidade da educação. Dessa forma, a ampliação de jornada não estaria diretamente ligada a integralidade da educação, mas também poderia ser um fator preponderante para se atingi-la. Ana Lúcia Ferreira Silva (2014, p.86) destaca que,“ embora se considera fundamental a ampliação de jornada escolar, é preciso situar a distância entre esta e a concepção de educação integral proposta como norte para essa política ainda é abissal” Especificamente, vale registrar que não há referência ao termo “educação integral”, nas seguintes leis e decretos: Lei nº 11.494/2007 que institui o FUNDEB; Plano Nacional de Educação (2001 a 2011);Lei nº 13.005/2014 que instituiu o Plano Nacional de Educação (2014 a 2024); e Decreto nº 7.083/2010, que institui o Programa Mais Educação. 2.1A Educação em Tempo Integral O termo “educação em tempo integral” nos documentos oficiais tais como LDB 9394/96; Resolução nº 7, de 14/12/2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos, é utilizado para fazer referência à modalidade educacional cuja jornada ultrapassa sete horas diárias, ou seja, à ampliação da jornada escolar. De acordo com a previsão de ampliação, a jornada escolar será de no mínimo de sete horas diárias no atendimento à criança. A totalidade de horas diárias estabelecidas na Lei compreende o tempo em que a criança permanece na escola em sala de aula e em locais destinados a atividades educacionais complementares. As sete horas diárias na jornada escolar devem ser distribuídas entre atividades em sala de aula (turno) e atividades escolares desenvolvidas após o período de aulas (contraturno). Nos termos da LDB, a educação em tempo integral no Brasil abre a perspectiva do aumento nas horas de permanência do aluno na escola, ou seja, turno e contraturno. 30 Art. 34º. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola. § 2º. O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. A educação em tempo integral visa prioritariamente a formação do indivíduo, que preferencialmente deverá começar aos seis anos de idade, de forma integral. Conforme explica Valadares (2011, p. 74), essa modalidade “[...] procura dar-lhes [aos alunos] oportunidades para enfrentar a vida, integrando-os socialmente através do conhecimento considerado mais completo e relacionado com a realidade concreta em que estão inseridos” e abarcando sua formação intelectual, histórico-social, exercício da cidadania com os conhecimentos históricos. De acordo com o Artigo 36 da Resolução CNE/CEB 7/2010, “considera-se como período integral a jornada escolar que se organiza em 7 (sete) horas diárias, no mínimo, perfazendo uma carga horária anual de, pelo menos, 1.400 (mil e quatrocentas) horas”. Com o objetivo de atingir o desenvolvimento nacional com uma educação de qualidade, o Parecer CNE/CEB 07/2010 preconiza o trabalho educativo em tempo integral para o profissional da educação: [...] professores qualificados com remuneração adequada e compatível com a de outros profissionais com igual nível de formação, em regime de trabalho de 40 horas em tempo integral em uma mesma escola; definição de uma relação adequada entre o número de estudantes por turma e por professor, que assegure aprendizagens [...] (BRASIL, 2010b, p. 23). Para a educação em tempo integral, nos termos deste Parecer, as instituições de ensino contariam com professores vinculados a uma unidade escolar com jornada de 40 horas semanais, ou seja, com dedicação exclusiva. Essa exclusividade representaria um avanço significativo na qualidade do trabalho docente, visto que, na realidade brasileira, os professores, em sua maioria, lecionam em mais de uma escola. A condição do trabalho docente a uma única unidade escolar constitui uma estabilidade profissional para que ele possa desenvolver projetos mais adequados à realidade de seu contexto. À medida que esse professor se apropria, através da vivência do cotidiano escolar, das suas reais demandas, ele pode diagnosticar mais rapidamente os problemas que precisam ser trabalhados através de projetos e atividades adequadas para esse ambiente. Ademais, a interação com os alunos e a criação de vínculos afetivos e profissionais constitui um importante fator para a condução dos trabalhos educativos na perspectiva da 31 aproximação do professor com a escola, pais e responsáveis. Nesse sentido, quando a coletividade escolar conhece todo o trabalho desenvolvido pela escola, assim como pelo coletivo do corpo docente, cria-se uma confiança mútua entre escola e os pais de alunos. De acordo com o Parecer CNE/CEB 07/2010, essa proximidade pode trazer ainda um estreitamento das relações entre a escola e a comunidade, contribuindo para a identificação de problemas de ambos, assim, a adequação curricular voltada aos problemas regionais, podem se transformar numa aprendizagem mais significativa: Assim, a qualidade da permanência em tempo integral do estudante nesses espaços implica a necessidade da incorporação efetiva e orgânica no currículo de atividades e estudos pedagogicamente planejados e acompanhados ao longo de toda a jornada (BRASIL, 2010c, p. 26). Quanto às atividades realizadas na educação em tempo integral, é imprescindível que haja um estreitamento de finalidades entre as aulas das disciplinas da base nacional comum e as aulas realizadas no período que constitui a integralidade da jornada escolar, sendo necessária, portanto, uma interação entre os docentes. Tais atividades podem ser oferecidas de forma lúdica, com oficinas temáticas, construção de maquetes, teatros, entre outros recursos didáticos. Assim como deve existir uma interação entre os professores que lecionam nas duas modalidades de ensino, há que se preocupar também com a seleção criteriosa dos conteúdos escolares, os quais devem se apresentar como uma expectativa de reflexão sobre os desafios enfrentados na sociedade local. Através de atividades cuidadosamente planejadas, deve-se propor reflexões que poderão apontar para a resolução desses problemas. Por exemplo, se a comunidade sofre, por exemplo, com a poluição de um córrego próximo ou com o aumento de casos de dengue, a escola pode se mobilizar para que este problema seja abordado e se busquem soluções. No caso de professores que lecionam apenas em uma escola, os problemas das comunidades interna e externa são percebidos mais rapidamente e podem ser trabalhados com os alunos, de maneira a motivá-los a buscar meios de sanar essas dificuldades. Com a percepção das necessidades do entorno, toda a equipe escolar poderá, a partir do planejamento de ações que visem abordar os problemas, procurar trabalhar de forma interdisciplinar na conscientização e ou na resolução destes. Dessa forma, a incorporação do currículo à realidade regional torna-se concreta, no sentido de que os conteúdos possam interagir com a realidade do aluno, ou partir da realidade do aluno para que os conteúdos sejam mais significativos. 32 Nesse viés, a educação em tempo integral constitui-se numa alternativa viável para o desenvolvimento da escola e de seu entorno, na identificação e na busca de problemas comuns, ou seja, de ambos. Ao abordar os problemas do entorno em forma de conteúdo escolar, seja na forma teórica, seja em atividades práticas, os docentes poderão proporcionar experiências educativas mais significativas para os alunos. Tais práticas estarão, então, em conformidade com o conceito de educar na perspectiva da educação em tempo integral, conceito esse que revela a necessidade da adequação do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar a fim de oferecer conteúdos de ensino socialmente significativos aos alunos. Tais conteúdos se expressam na Resolução nº4 de 13 de junho de 2010 em seu Art. 12, § 1º: Deve-se ampliar a jornada escolar, em único ou diferentes espaços educativos, nos quais a permanência do estudante vincula-se tanto à quantidade e qualidade do tempo diário de escolarização quanto à diversidade de atividades de aprendizagens” (BRASIL,2010a, p 66). Quanto ao cuidar, observa-se, na legislação, a determinação do oferecimento prioritário da jornada em tempo integral às crianças das camadas sociais mais necessitadas. Neste sentido, o oferecimento de “alimentação adequada, no mínimo em duas refeições, é um avanço significativo para diminuir as desigualdades sociais e ampliar democraticamente as oportunidades de aprendizagem” (BRASIL, 2001-2010, p.57). A educação em tempo integral, expressa Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação 2014-2024, amplia a abrangência do atendimento dessa modalidade de educação em relação ao Plano anterior com destaque para: Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, cinquenta por cento das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos(as) alunos(as) da educação básica. Estratégias:6.1. promover, com o apoio da União, a oferta de educação básica pública em tempo integral, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos(as) alunos(as) na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a sete horas diárias durante todo o ano letivo, com a ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola (BRASIL, 2014, p. 60) Embora esta legislação estabeleça uma porcentagem mínima de escolas que devam atender em tempo integral, ou seja, cinquenta por cento de unidades escolares, esta não define a porcentagem destinada para cada nível de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental 33 ou Médio). Assim, caberá aos Sistemas de Ensino definir a quantidade de escolas que atenderão em jornada ampliada. Por conseguinte, possibilita a esses Sistemas optar em oferecer ampliação de jornada para a Educação Infantil em detrimento do Ensino Fundamental. Da mesma forma, o Plano atual define o atendimento de vinte e cinco por cento dos alunos da educação básica, sem estabelecer uma porcentagem mínima de alunos com atendimento em tempo integral para cada nível de ensino. 6.2. instituir, em regime de colaboração, programa de construção de escolas com padrão arquitetônico e de mobiliário adequado para atendimento em tempo integral, prioritariamente em comunidades pobres ou com crianças em situação de vulnerabilidade social; 6.3. institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a educação em tempo integral (BRASIL, 2014, p. 60). A ampliação da abrangência das metas está descrita no planejamento de construção de escolas com a arquitetura própria para atender as necessidades deste segmento de ensino. A localização para a construção destas unidades escolares, de acordo com o atual PNE, deverá ser prioritariamente em comunidades pobres ou com crianças em situação de vulnerabilidade social. Desta forma, a legislação prevê melhores e mais adequadas instalações escolares para dar melhores condições educacionais às crianças moradoras em áreas que o poder público deveria ser mais presente: 6.4. fomentar a articulação da escola com os diferentes espaços educativos, culturais e esportivos e com equipamentos públicos, como centros comunitários, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros, cinemas e planetários; 6.5. estimular a oferta de atividades voltadas à ampliação da jornada escolar de alunos(as) matriculados nas escolas da rede pública de educação básica por parte das entidades privadas de serviço social vinculadas ao sistema sindical, de forma concomitante e em articulação com a rede pública de ensino (BRASIL, 2014, p. 60). Observa-se a orientação quanto à intersetorialidade no oferecimento da educação em tempo integral. Nesta perspectiva, a intersetorialidade está presente na articulação entre diferentes aparelhos público e particulares de ensino para o oferecimento da jornada ampliada. O conceito de intersetorialidade, analisado na parte introdutória deste trabalho, visa oferecer 34 atividades educacionais em diferentes localidades, afim de promover vivências e experiências educativas significativas, alinhadas ao Projeto Político Pedagógico da unidade escolar, 6.6. orientar a aplicação da gratuidade de que trata o art. 13 da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, em atividades de ampliação da jornada escolar de alunos(as) das escolas da rede pública de educação básica, de forma concomitante e em articulação com a rede pública de ensino; 6.7. atender às escolas do campo e de comunidades indígenas e quilombolas na oferta de educação em tempo integral, com base em consulta prévia e informada, considerando-se as peculiaridades locais; 6.8. garantir a educação em tempo integral para pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na faixa etária de quatro a dezessete anos, assegurando atendimento educacional especializado complementar e suplementar ofertado em salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em instituições especializadas; 6.9. adotar medidas para otimizar o tempo de permanência dos alunos na escola, direcionando a expansão da jornada para o efetivo trabalho escolar, combinado com atividades recreativas, esportivas e culturais (BRASIL, 2014, p. 61). Essas dimensões almejadas pela educação em tempo integral estão consonantes com o projeto de desenvolvimento nacional, de maneira que a educação possa repertoriar o indivíduo em todos os aspectos de uma vida, seja no âmbito do trabalho, seja na harmonia familiar, com a educação voltada para os valores socialmente desejados. 2.2 Escolas de tempo integral O termo “Escola de tempo integral” é utilizado nos documentos oficiais e normativos, como veremos a seguir, para adjetivar a escola de tempo integral ou escola de tempo parcial. O tempo, neste caso refere-se ao número de horas que a escola atende aos alunos; como citado anteriormente, as escolas que atendem os alunos por no mínimo sete horas diárias são consideradas, de acordo com a legislação, escolas de tempo integral. De acordo com o Artigo 87, § 5ºda LDB, “serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral”. A ampliação progressiva na implantação de escolas de tempo integral, como determina a LDB, está explicitada no PNE 2014-2024 Lei nº 13.005/2014, meta 6: “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, cinquenta por cento das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos (as) alunos (as) da educação básica”(BRASIL, 2014, p. 60). A referência é clara ao trazer o termo 35 “educação básica”, que compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. De acordo com a CF/88, em seu artigo 211, no§ 2º, “os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”; no § 3º, “os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio”. Dessa forma, os municípios deverão atender prioritariamente a educação infantil e fundamental nas séries iniciais e, atingida a totalidade, poderá avançar para o ensino médio e superior. Isso significa que os municípios poderão, a critério, atender, pelo menos, vinte e cinco por cento dos (as) alunos (a) da educação básica; entretanto, a lei não define um percentual para cada nível de ensino. Os sistemas municipais de ensino poderão, para cumprimento da Lei, atender um maior número de alunos da educação infantil e um número reduzido no ensino fundamental. No entanto, nota-se um avanço com relação à implantação de escolas de tempo integral visto que, no PNE 2001-2010, Lei 10172, não havia qualquer referência a essa demanda. O Plano somente trazia, na meta 18, “adotar progressivamente o atendimento em tempo integral para as crianças de 0 a 6 anos”, porém não estabelecia uma porcentagem mínima para a implantação de escolas de tempo integral. Além disso, essa referência era dirigida à educação infantil, e não se previam planos para escolas do ensino fundamental. Quanto ao entendimento e ao currículo das escolas de tempo integral, a Resolução CNE/CEB 7/2010, que fixa as Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental de nove anos determina, no Artigo 37, que a escola de tempo integral conjugue esforços no sentido de que a proposta educacional da escola de tempo integral promoverá a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar e cuidar entre os profissionais da escola e de outras áreas, as famílias e outros atores sociais, sob a coordenação da escola e de seus professores, visando alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais, em especial entre as populações socialmente mais vulneráveis (BRASIL, 2010c, p. 139). No atendimento ao aluno da escola de tempo integral, o termo “cuidar” aparece como uma proposta para o segmento do ensino fundamental, não se restringindo apenas à educação infantil. Na atual LDB, não se faz referência ao cuidar; quanto ao termo educar, este aparece apenas uma vez no título III, “Do Direito à Educação e do Dever de Educar”. Observa-se que, 36 as Diretrizes Curriculares Nacionais referem-se à indivisibilidade das ações de cuidar e educar. Nesse contexto, as ações de educar e cuidar perpassam todas as etapas da educação básica, iniciando-se na educação infantil a partir do primeiro ano de vida. A vertente do cuidar se desvela como um dos princípios da formação da pessoa; nesse sentido, a escola de tempo integral, na sua forma mais ampla, cumpre a sua função para a humanização do indivíduo. Na inseparabilidade do educar e cuidar, cabe à escola desenvolver a capacidade de aprofundar a dinâmica das relações sociais, do respeito mútuo e da aquisição dos bens culturalmente construídos, nas formas mais evoluídas de respeito da pessoa e da natureza. Na visão de Barros (2008, p.72), a ETI possibilita aos estudantes “perceberem que os diferentes saberes advindos de diferentes experiências [...] as diferenças são respeitadas e convivem juntas em um mesmo espaço”. Com estes princípios, a criança pode ter contato com os valores necessários para a convivência na vida adulta, na formação plena do indivíduo e nas suas mais diversas dimensões. 2.3 Educação integral, instruções normativas MEC/SECAD. A Educação Integral no Brasil contemporâneo se constitui numa política pública com vistas a melhorar de atendimento educacional, principalmente em áreas de vulnerabilidade social, visto que o Brasil é um dos países que oferece “um menor número de horas diárias de efetivo trabalho escolar”. Não obstante, a ampliação da jornada escolar se apresenta como uma possibilidade de melhores oportunidades educativas às populações com menor poder aquisitivo, “em áreas situadas em capitais e regiões metropolitanas densamente povoadas” nas quais a presença do Estado se faz presente de maneira adequada (Parecer CNE/CEB Nº 11/2010 p. 124-125). Antes da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais, estudos foram realizados para fomentar a discussão sobre o panorama educacional no Brasil com relação a iniciativas de implantação e implementação de escolas de tempo integral. Um desses estudos foi realizado sob convocação do Ministério da Educação (MEC) e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). O resultado desse trabalho conjunto foi a publicação, em 2009, do documento “Educação integral: texto referência para o debate nacional”, o qual traz discussões e pressupostos para a construção de bases teóricas para a implantação de escolas em tempo integral. 37 Essa publicação tem como objetivo incentivar uma discussão entre todos os atores escolares, a fim de contribuir para a construção de novos arranjos educativos capazes de superar barreiras históricas da educação pública, como a exclusão e a evasão escolar. Dessa forma, o documento visa construir um novo paradigma para a Educação Integral de qualidade e com sustentabilidade. O texto está dividido em três partes: a primeira situa a Educação Integral no contexto contemporâneo brasileiro; a segunda traça um contexto histórico da Educação no Brasil e a terceira concentra-se nas propostas de construção da Educação Integral. Analisaremos somente esta última parte, que trata mais especificamente de questões e apontamentos relacionados à construção de propostas para a Educação Integral nas escolas públicas brasileiras. Nessa terceira parte do documento, nos deteremos aos itens 3.1, intitulado “A instituição Escolar: saberes, Currículo e Aprendizagem, e 3.2, cujo título é “Relação Escola e comunidade”. O objetivo da análise desse texto está no fato de que este constituiu diversos estudos em horários de trabalho pedagógico coletivo pela equipe escolar. Seu estudo compôs parte dos subsídios utilizados para a formação do cabedal teórico para implantação e implementação da escola analisada em nosso estudo. O entendimento sobre educação integral trazido pelo texto possibilita um novo paradigma sobre a instituição escolar, pois apresenta a concepção de uma escola orgânica como parte do grupo social do qual faz parte, isto é, como um espaço de diálogo que se constrói em parceria com os pais, alunos e a comunidade escolar como um todo. Nesse sentido, a trajetória educativa se vincula aos anseios da coletividade “por meio das relações entre saberes, currículo e aprendizagem” (MEC/SECAD, 2009, p. 29). O documento referência em questão propõe O debate acerca da Educação Integral requer o alargamento da visão sobre a instituição escolar de tal modo que a abertura para o diálogo possa ser também expressão do reconhecimento de que “a escola compõe uma rede de espaços sociais (institucionais e não-institucionais) que constrói comportamentos, juízos de valor, saberes e formas de ser e estar no mundo” (MOLL, 2007, p.139). A escola, nessa visão, supera o conceito de uma instituição desvinculada da comunidade, transmissora de conhecimentos e assume seu caráter democrático e participativo. Consciente de que a instituição escolar não se basta em si mesma, mas faz parte da 38 coletividade, ocupando espaço físico, cultural e imaterial do lugar em que está instalada, a escola deve estar preparada para o exercício do diálogo, da cidadania e dos anseios sociais. As demandas sociais requeridas no exercício da democracia induzem a escola a rever seu posicionamento em relação à escola, como enfatiza o documento: Face às características e aos desafios da contemporaneidade, as funções, historicamente definidas para cada uma das instituições socializadoras – entre elas a escola –, também se modificaram e exigem novas configurações, o que implica agregar novos conceitos e assumir novas posturas, mais dialógicas e articuladas, determinando novos acordos entre essas instituições. Não se deve ter receio de assumir que a escola, neste momento, tem ocupado esse lugar central no “cuidado” às crianças e aos jovens, ainda que enfrentando inúmeros desafios e fazendo-o de modo solitário. Além disso, é preciso salientar o fato de que a instituição escolar, por vezes, não tem sabido estabelecer um diálogo com a sociedade, o que pode estar associado a convicções e crenças que impedem a leitura do momento histórico que exige novas formas de funcionamento das instituições, a partir do redirecionamento de sua função. Pode-se afirmar que o compartilhamento das decisões e a ação coletiva tornaram-se imperativos na relação entre escola e sociedade (MEC/SECAD, 2009 p. 29). Ao tomar consciência de que a escola contemporânea deve assumir uma configuração voltada para a interação com a sociedade na qual está inserida, a equipe escolar deverá se colocar na posição de parceira da coletividade escolar. Tradicionalmente, a escola pública tem se colocado como opositora do grupo social a quem serve e vice-versa. Paro (2012), ao analisar as relações da gestão com uma comunidade, postula que a escola pública parece imputar um caráter de exterioridade à comunidade escolar, ou seja, para o autor, a escola refere-se à comunidade como se fosse um apêndice ou algo a mais a se administrar. Os problemas históricos de uma escola democrática podem ser amenizados com uma mudança de postura dessa instituição ao estabelecer um diálogo com a sociedade, assumindo, dessa maneira, um caráter acolhedor, com uma nova autocompreensão do seu papel social, isto é, o papel de democratizar a comunidade em que está inserida. De acordo com Vitor Henrique Paro (2012, p. 29), “a gestão democrática deve implicar necessariamente a participação da comunidade, parece faltar uma maior precisão do conceito de participação”. Os desafios do mundo moderno redefinem as funções historicamente construídas para a escola, o que exige de seus profissionais a compreensão de novos conceitos de prestação de serviço educacional que estão articulados na participação do grupo social escolar. Essa nova configuração do papel da escola cria possibilidades de exercício democrático e participativo dos envolvidos no processo educacional. 39 Na mesma ordem, a participação democrática no âmbito escolar foi possibilitada pelas perspectivas criadas pelo processo democrático da esfera pública, pois “o processo de institucionalização da esfera pública foi estabelecido por meio das relações da política constitucional [...] até ao ponto em que a esfera pública tornou-se um princípio organizacional do ordenamento político democrático” (PARO,2012, p. 29). Para se construir um projeto de escola de educação integral nesses moldes, ou seja, a partir da participação democrática, deve-se repensar a gestão pública escolar. Dessa forma, as tomadas de decisões, definições de metas, projetos e atividades escolares devem surgir a partir das demandas e diálogos com o coletivo, inclusive garantindo a representatividade de todos os segmentos escolares como pais, alunos, professores, gestores, representantes da sociedade, entre outros. Nas palavras de Katia Oliveira Barros (2008, p. 78), “educar para a democracia exige que seja posta em prática uma de suas características mais essenciais: a distribuição do máximo de poder entre todos os indivíduos”. Nesse processo, a equipe escolar e, principalmente, a equipe gestora poderão ter melhores percepções da escola e de suas necessidades, a partir das diferentes esferas sociais que atuam no âmbito escolar. Espera-se um posicionamento dialógico da escola que pretende construir uma relação de parceria com a coletividade. Para que isso ocorra, torna-se necessária a abertura de canais de comunicação nos quais todos possam expressar suas ideias e expor anseios para a melhoria do atendimento educacional dos alunos. Na perspectiva da melhoria da proposta pedagógica voltada para o exercício da democracia e participação de todos os atores sociais, temos: A relação escola e comunidade pode ser marcada pela experiência de diálogo de trocas, de construção de saberes e pela possibilidade de, juntas, constituírem-se em uma comunidade de aprendizagem, de modo que a interação entre as pessoas que atuam na escola e as que vivem na comunidade pode auxiliar a superação de preconceitos, muitos deles calcados em estereótipos de classe, raça/etnia, gênero, orientação sexual, geração, dentre outros (MEC/SECAD,2009,p. 33). A estruturação de um projeto pedagógico que supere a condição de conteúdos e estratégias escolares deve ter como meta a aproximação da escola com os pais, para que se rompam as barreiras do distanciamento institucional dos saberes escolarizados e também para que a escola assuma uma postura participativa dos saberes, práticas e costumes comunitários. Na assunção deste posicionamento, por parte de escola, inicia-se um processo de desconstrução dos preconceitos implicitamente instalados no âmbito escolar. 40 Nesse ponto de vista, podemos inferir que as metas escolares devem ir além de conseguir atingir resultados satisfatórios nas avaliações externas, e incluir, em seus indicadores de desempenho e processos avaliativos, quesitos que possibilitem aferir qualitativamente seu relacionamento com o grupo social escolar. Para tanto, observa-se a necessidade de projetos e atividades que incluam a participação das famílias e para as famílias. Da mesma forma, a ampliação dos espaços escolares faz-se necessária, ao superar o conceito da sala de aula como único espaço educativo possível para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. O projeto pedagógico escolar, principalmente para as escolas de educação integral, vislumbra o rompimento do conceito da sala de aula como única possibilidade educativa ao se ampliar a percepção e a apropriação de diferentes espaços escolares como possibilidades de promoção do saber. Assim, a apropriação e vivência de distintos espaços escolares abrem possibilidades de percepção aos alunos, pois, ao se utilizar outros ambientes da instituição de ensino como oportunidades educativas, amplia-se a visão do alunado para diferentes elementos constitutivos do âmbito escolar. Para tanto, há a necessidade de organizar tempo e espaços, num exercício de cooperação e visão do todo escolar. O modelo de Escola de Educação Integral, de acordo com Jaqueline Moll (2008,p.13), “coloca-se na perspectiva de um projeto educativo que possa recriar seu sentido com outros interlocutores, outros espaços, outras políticas e equipamentos públicos”. Nessa visão da pesquisadora, a escola ultrapassaria os limites de seus muros, criando um conceito de escola que dialoga com a coletividade criando vínculos, abrindo possibilidades múltiplas com diversos atores engajados na tarefa de ensinar. Ao se ampliar a visão dos espaços escolares e abranger o bairro e a cidade como possibilidade do processo formativo dos alunos, amplia-se também o conceito de educação, na perspectiva de transmissão dos conceitos e do conhecimento historicamente construído. Ana Lúcia Ferreira Silva (2014, p.89), analisa o conceito de “Cidade Educadora” ao apresentar a ideia de que essa concepção “leva ao entendimento de que o meio urbano dispõe de incontáveis iniciativas educativas e espaços que englobam instituições formais e informais[...] as instituições culturais e outras instâncias”. A apropriação dos saberes, sob a óptica da ampliação dos espaços escolares, abre o processo educativo a outros elementos constitutivos da cognição humana, como a percepção ambiental e a experimentação que poderão aliar-se aos saberes sistematizados na construção dos conceitos escolares e não escolares. 41 Essa visão perpassa o coletivo, a formação de equipe escolar com gestores, professores e toda a equipe escolar envolvida como partícipe num processo educacional dinâmico. Esse movimento organizativo requer um amplo diálogo entre todos, tanto para se delimitar a atuação de cada membro da equipe em relação aos demais, como ampliar a visão de todos em relação ao conjunto do trabalho desenvolvido. Tal processo possibilita o exercício da autonomia do trabalho, bem como a descentralização das decisões da equipe gestora em relação ao grupo. 2.4 Revisão de Literatura: Educação em Tempo Integral, pressupostos A produção bibliográfica acerca da educação em tempo integral no Brasil, principalmente após a promulgação da CF/88 e da LDB, tem se mostrado um campo de pesquisas abrangendo uma grande variedade de experiências nos Sistemas de Ensino, especialmente nos Municipais e na implantação de programas e projetos na área. Por sua vez, os órgãos governamentais como o MEC, têm incentivado a publicação de documentos que buscam servir de referencial teórico para os Sistemas de Ensino implantarem suas próprias iniciativas na ampliação da jornada escolar. Entre esses, está o texto considerado na seção anterior. Entretanto, o número de publicações, seja por parte do MEC, seja por pesquisadores da área, como dissemos, tem se mostrado extenso. Da mesma maneira, para que possamos demonstrar o pensamento relacionado à Educação Integral e à de Tempo Integral do ponto de vista da construção de um projeto de escola democrática e participativa, buscamos dentre a produção bibliográfica as que mais se aproximam e expressam tal pensamento. Para a construção de um projeto pedagógico da escola de Tempo Integral que possa cumprir seu papel na sociedade, ou seja, de diminuir as disparidades sociais e promover o desenvolvimento social e humano, há a necessidade de reunir um conjunto de pressupostos capazes de embasar a discussão sobre o assunto. Dessa maneira, ao reunir os trabalhos relacionados a essa área de estudo, foi precedida uma pesquisa bibliográfica cujo recorte deu- se com base nos autores que fomentassem a reflexão sobre o prisma democrático de projeto escolar. Toda proposta de implantação de escola de tempo integral pressupõe a ampliação da jornada escolar; entretanto, a questão do tempo representa apenas um dos aspectos a serem considerados ao se implantar este modelo de escola. Dentre os principais fatores a serem considerados, está a própria concepção de ser humano que queremos formar. 42 Para Lúcia Velloso Maurício (2009), o projeto de escola de tempo integral deve levar em conta os princípios de integralidade do ser humano, neste sentido: A concepção de educação integral com a qual partilhamos, que embasa a proposta de extensão do tempo escolar diário, reconhece a pessoa como um todo e não como um ser fragmentado, por exemplo, entre corpo e intelecto. Entende que esta integralidade se constrói através de linguagens diversas, em variadas atividades e circunstâncias. A criança desenvolve seus aspectos afetivo, cognitivo, físico, social e outros conjuntamente. Não há hierarquia do aspecto cognitivo, por exemplo, sobre o afetivo ou social (MAURÍCIO, 2009, p. 26). A integralidade do ser humano deve ser entendida sob a perspectiva da união das ciências naturais e sociais pois o ser humano deve ser o foco principal dessa área de conhecimento. Dito de outra forma, “os males desta parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário” acabam por segmentar o conhecimento e suas práticas (SANTOS, 1988, p. 64). Na educação integral em tempo integral, as atividades devem ser integradas ao projeto pedagógico para que se tenha, ao final de um tempo, um conjunto de atividades que proporcionem uma visão plena daquilo que se pretende desenvolver. O projeto pedagógico, por sua vez, deve levar em conta a totalidade do ser humano, ou seja, uma visão de educação para a formação da pessoa para o exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Tomamos como pressupostos de projeto político-pedagógico o conceito de Ilma Passos Veiga. De acordo com a pesquisadora, O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade (VEIGA,1998, p. 11- 12). O projeto político-pedagógico precisa ser construído coletivamente de forma representativa por todos os segmentos na comunidade escolar. A construção desse documento com a participação de todos terá como garantia o exercício da democracia representativa no âmbito escolar. Dessa maneira, conforme Ilma Passos Veiga (2007, p. 117), “o projeto político-pedagógico tem uma função social importante, ao redefinir as relações sociais no interior da escola, possibilitando a abertura do espaço para as práticas democráticas”. 43 Podemos inferir uma dupla conceitualização do exercício democrático na construção do projeto político-pedagógico. Na primeira, a escola demonstra à sociedade como exercer a democracia ao torná-la partícipe dessa ação escolar. A segunda forma é a sociedade se apropriar do exercício da democracia ao participar da construção dos delineamentos escolares. Para garantir a representatividade, faz-se necessário instituir os órgãos colegiados com o objetivo de assegurar a continuidade da execução das diretrizes planejadas pela coletividade escolar. A escola pública brasileira que atende a educação infantil e ensino fundamental, “especialmente aquela voltada para as classes populares, sempre foi uma escola minimalista, isto é, de poucas horas diárias, pouco espaço e poucos profissionais” (CAVALIERE, 2009, p. 51). A ampliação da jornada escolar, além de constituir-se numa política afirmativa, pode se tornar uma importante ferramenta de socialização e emancipação para os alunos e para a sociedade que está inserida se aliada a um projeto pedagógico com concepções democráticas participativa. Para Ana Maria Cavaliere (2009), as ações para a implantação de escola de tempo integral no Brasil têm seguido duas vertentes: a primeira visa melhorias das condições das escolas e abrange adequações para atender os alunos em jornada ampliada. Tais ajustes atendem desde a infraestrutura das unidades escolares, perpassando pela adequação de recursos humanos, como professores em regime de tempo integral e abarcando até o projeto pedagógico escolar. A esse modelo, a autora atribuiu a nomenclatura de “escola de tempo integral” (CAVALIERE, 2009, p. 53). Na segunda vertente, denominada pela autora como “aluno em tempo integral”, a implantação conta com aparelhamentos externos à escola. Dessa forma, os sistemas de ensino contam com a intersetorialidade e de outros aparelhamentos públicos disponíveis no bairro ou na cidade. Neste segundo modelo, as atividades seriam menos escolarizadas, “pretendendo propiciar experiências múltiplas e não padronizadas” (CAVALIERE, 2009, p. 52). Isa Guará (2006), por sua vez, ao se referir às possibilidades de desenvolvimento social da educação integral, argumenta: Na perspectiva de compreensão do homem como ser multidimensional, a educa