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unespciência
dezembro de 2015 ∞ ano 7 ∞ número 70
APOLÔNIO E AZULÃO
PROGRAMA INTERATIVO INFANTIL
DA TV UNESP
ENCICLOPÉDIA ILUMINISTA
VERSÃO BRASILEIRA É A MAIS ABRANGENTE
EDITADA FORA DA FRANÇA
Síndrome
de Williams
UM MUNDO A DESVENDAR
Produzir conteúdo,
Compartilhar conhecimento.
Editora Unesp, desde 1987
www.editoraunesp.com.br
Emília Viotti da Costa investiga o
passado para imaginar o futuro
NOSSA HISTÓRIA
Reunião de textos de uma das mais importantes
historiadoras brasileiras provoca o leitor e permite
pensar o Brasil de maneira profunda. Partindo do
processo de independência do Brasil, os ensaios
sobrevoam quase dois séculos de história, chegando
à crise mundial do século XXI. Dos dilemas do
neoliberalismo aos sucessos e fracassos do mercado
centro-americano, da reforma universitária às
re�exões sobre a crise mundial da última década,
Viotti concentra sua atenção em setores sociais
ausentes nas grandes narrativas históricas.
Brasil - História, textos e contextos
352 páginas | R$ 58
Da Senzala
à Colônia
570 páginas | R$ 69
Conheça também
Da Monarquia
à República
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A abolição
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A dialética invertida
e outros ensaios
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O Supremo
Tribunal Federal
192 páginas | R$ 55
C
M
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CM
MY
CY
CMY
K
UNESPCIÊNCIA 3
Editorial
Aprendizado
profissional
e humano
A reportagem de capa da revista unespciência é
resultado de quatro dias de acompanhamento dos
eventos 1º International Workshop on Williams Syndro-
me e 7º Encontro Brasileiro de Síndrome de Williams, em
São Paulo, SP. A promoção foi da Associação Brasileira de
Síndrome de Williams (ABSW), cujo diretor científico é
Danilo Moretti-Ferreira, professor do Instituto de Bioci-
ências da Unesp de Botucatu.
Esta síndrome partilha algumas características com o
autismo, apesar de as crianças que a apresentam possuírem
uma facilidade de relacionamento interpessoal acima da
média, sendo excepcionalmente simpáticas. A convivência
com elas foi um aprendizado profissional e humano que
procuramos relatar.
Esta edição traz ainda reflexões sobre a profissão de
professor, o periódico Rolling Stone, a guerra cambial en-
tre EUA e China, a controvérsia na recomposição da mata
ciliar, a polêmica sobre defensivos agrícolas, o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, a
visão das sucuris na mídia e o projeto Apolônio e Azulão
da TV Unesp.
Há ainda um Dossiê sobre Afrodescentes e outro en-
focando dois Prêmios Nobel. Outros assuntos são a pu-
blicação pela Editora Unesp da Enciclopédia Iluminista
de Diderot e d’Alembert, a arte e o design em Leonardo
da Vinci, a exposição de aluno do Instituto de Artes da
Unesp em Jacareí, SP, e a homenagem à professora e can-
tora Martha Herr, falecida em outubro.
Que esta edição, como as anteriores e as próximas le-
vem você, companheiro de viagem, a ter o espírito alerta
contra qualquer tipo de preconceito, como os que sofrem
os portadores de Síndrome de Williams, e a ter o mesmo
espírito elevado e competência da professora Martha.
Governador
Geraldo Alckmin
Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia
e Inovação
Márcio França
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Reitor
Julio Cezar Durigan
Vice-reitora
Marilza Vieira Cunha Rudge
Pró-reitor de Administração
Carlos Antonio Gamero
Pró-reitor de Pós-Graduação
Eduardo Kokubun
Pró-reitor de Graduação
Laurence Duarte Colvara
Pró-reitora de Extensão Universitária
Mariângela Spotti Lopes Fujita
Pró-reitora de Pesquisa
Maria José Soares Mendes Giannini
Secretária-geral
Maria Dalva Silva Pagotto
Chefe de Gabinete
Roberval Daiton Vieira
Assessor-chefe da Assessoria de
Comunicação e Imprensa
Oscar D’Ambrosio
Presidente do Conselho Curador
Mário Sérgio Vasconcelos
Diretor-presidente
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
Editor-executivo
Túlio Kawata
Superintendente administrativo e financeiro
William de Souza Agostinho
Diretor de redação Oscar D’Ambrosio
Arte Hankô Design (Ricardo Miura)
Assistente de arte Andréa Cardoso
Colaboradores Cidinha da Silva, Ciro A. Rosolem, Edmar José
Scaloppi, Gentil de Faria, Luna Borges Berrezo, Maria das
Graças de Souza, Nara Silva M. Martins, Neide Marcondes de
Faria, Oscar D’Ambrosio, Pedro Paulo Pimenta, Renato Xavier,
Rumy Goto, Vanderlan da S. Bolzani, Vidal Haddad Júnior
(texto); Daniel Patire, José Mateus Vieira (foto)
Revisão Maria Luiza Simões
Projeto gráfico Hankô Design (Ricardo Miura)
Produção Mara Regina Marcato
Apoio de internet Marcelo Carneiro da Silva
Apoio administrativo Thiago Henrique Lúcio
Endereço Rua Quirino de Andrade, 215, 4o andar, CEP
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Impressão Coan Gráfica
Tiragem 6 mil exemplares
É autorizada a reprodução total ou parcial de textos e
imagens desde que citada a fonte. Os artigos assinados não
refletem necessariamente a opinião da Universidade.
EDUCAÇÃO
Professores, alicerces para uma
“pátria educadora”
VANDERLAN DA S. BOLZANI
LEITURA
Enciclopédia Iluminista de Diderot e d’Alembert
Organizada por PEDRO PAULO PIMENTA e
MARIA DAS GRAÇAS DE SOUZA
PESQUISA
Pesquisa
enfoca
imprensa e
música no
Brasil
ECONOMIA
Guerra cambial? Dos
Estados Unidos à China
RENATO XAVIER
SAÚDE
Família Williams
DANIEL PATIRE, MARISTELA GARMES e
OSCAR D’AMBROSIO
AGRONOMIA
A controvérsia na
recomposição da mata ciliar
EDMAR JOSÉ SCALOPPI
TELEVISÃO
Programa infantil
da TV Unesp
inova com
interatividade
Sumário
UNESPCIÊNCIA4
6
8
10 12
22
2626
34
DOSSIÊ AFRODESCENDENTES
Musicalidades da Cultura Negra:
perpetuação de identidade coletiva
LUNA BORGES BERRUEZO
Políticas públicas para o setor do
livro, leitura, literatura e bibliotecas
CIDINHA DA SILVA
LEITURA
Enciclopédia Iluminista de Diderot e d’Alembert
Organizada por PEDRO PAULO PIMENTA e
MARIA DAS GRAÇAS DE SOUZA
DESIGN
Mundo possível
contemporâneo
NARA SILVIA M.
MARTINS e NEIDE
MARCONDES DE
FARIA
ARTE E CULTURA
Exposição Na Boca do Sol
OSCAR D’AMBROSIO
FOTO DO MÊS
Homenagem – Martha Herr
DANIEL PATIRE
OPINIÃO
Sobre sucuris
na mídia
VIDAL HADDAD
JUNIOR
AGRICULTURA
Paracelsus e os
venenos
RUMY GOTO e
CIRO A. ROSOLEM
GEOGRAFIA
Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar
UNESPCIÊNCIA 5
36
44
47
48 50
24
30
DOSSIÊ NOBEL
Um Nobel surpresa?
GENTIL DE FARIA
Nobel de Medicina de 2015
VANDERLAN DA S. BOLZANI
40
Educação
e para a população em geral, que acredita se-
rem os professores responsáveis pela educação
extralar de seus filhos. A sociedade reconhe-
ce os professores como os atores centrais do
processo de aprendizado, condição essencial
a qualquer indivíduo consciente de seu papel
de cidadão.
Assim, celebrar o dia do professor é uma
forma de homenagear esses profissionais, de
importância vital para o Brasil que almeja sobe-
rania econômica e social, hoje cunhado Pátria
Educadora. No entanto, as várias mudanças
nos Ministérios da Educação e de Ciência,
Tecnologia e Inovação, ocorridas nos últimos
meses, agravadas pela retração econômica e
subsequentes cortes de verbas na Capes e no
CNPq, não nos dão muitos motivos para ce-
N ão temos dúvida sobre a importância da
educação como legado maior de uma
nação livre e soberana. Logicamente, a exce-
lência do sistema educacional é função de um
esforço coletivo envolvendo todos os setores
que compõem uma sociedade organizada: go-
verno, setores públicos e privados, sociedade
em geral. Obviamente que os atores principais
deste processo são os professores, em todos
os níveis de atuação – ensino fundamental,
médio, técnico e universitário, altamente qua-
lificados, valorizados e respeitados.
A valorização e o reconhecimento daqueles
que atuam no ensino fundamental e médio,
especialmente, parecem óbvios para nós aca-
dêmicos, para setores essenciais da sociedade
que necessitam de profissionais qualificados
EducadorEs
lutam por
um país mais
humaNo E
igualitário
Professores, alicerces para
uma “pátria educadora”
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UnesPCiênCia6
VaNdErlaN da silVa BolzaNi
Educação
lebrar neste dia tão significativo – o Dia do
Professor.
Nos países desenvolvidos, mesmo sendo
afetados pelas crises globais atuais de toda a
magnitude, o sistema educacional se mantém
robusto, pela certeza de que só um sistema de
educação sólido em todos os níveis é o caminho
mais curto e eficaz para formar jovens bem
qualificados, aptos a enfrentarem os desafios
profissionais que o mundo global exige. Edu-
cação fundamental de excelência é o primeiro
ciclo de um processo longo e fascinante – o
conhecimento humano.
Não obstante os avanços alcançados nos
últimos anos, ainda, não temos consolidado
o sistema de educação nacional, essencial
para o porvir social e econômico, especial-
mente para alicerçar uma ciência, tecnologia
e inovação de excelência. Neste dia, todos os
professores devem, como celebração pelo seu
dia, fazer uma vigília nacional pela Educação,
Ciência, Tecnologia e Inovação. Avançamos,
mas não temos ainda este sistema educacional
almejado, portanto, qualquer retrocesso pode
significar um colapso no que um país tem de
mais edificante, a sua excelência educacional.
Presenciamos melhorias substanciais na edu-
cação com a criação da Capes, e, na pesquisa,
com a criação do CNPq e das Fundações Es-
taduais de Apoio à Pesquisa, tendo a Fapesp
como iniciativa inspiradora nesta modalida-
de. No entanto, em que pesem os expressivos
avanços conquistados nos últimos anos, o país
ainda enfrenta grandes obstáculos resultantes
de nossas matrizes históricas e sociais. Entre
eles, sem dúvida, o mais difícil de ultrapassar
é o da educação no ensino fundamental e mé-
dio, uma das nossas limitações e que restringe
o avanço econômico e social, devido à falta de
uma base educacional sólida em grande escala.
Em momentos de crise econômica é im-
perativo ousadia e sensibilidade política e
institucional. O sistema de ensino brasileiro
atual é um sério entrave ao desenvolvimento
econômico que o Brasil demanda a curto e
médio prazo. A falta de acesso à educação de
qualidade para todos nos coloca em grande
desvantagem em comparação aos países que,
como nós, constituem o bloco dos chamados
em desenvolvimento.
Acredito que o dia de hoje pode ser um dia
de reflexão sobre as dificuldades econômicas,
políticas e institucionais vigentes, tangíveis aos
nossos olhos, mas nada que não possa ser ad-
ministrado a contento, se houver sensibilidade
política dos Poderes Executivo e Legislativo.
Como professores, a comemoração de hoje
passa por sonhar que um dia ainda teremos a
excelência do sistema de educação nacional
em todos os Estados da federação.
No dia 15 de outubro de 2014 escrevi o texto
“Professores para o bem do Brasil”, publicado
no Jornal da Ciência on-line, para homenagear
os professores. O texto tratava da importân-
cia de uma população educada para escolher
seus representantes num processo eleitoral
democrático.
Hoje, após um ano, continuo acreditando
que a melhor forma de comemorar o Dia do
Professor é ampliando a discussão sobre a
valorização profissional e o reconhecimento
do trabalho de educadores mal remunerados,
desestimulados e sem grandes perspectivas de
melhoria da carreira em curto e médio prazo.
Essa tarefa não é, seguramente, algo abstrato e
impreciso. Ela passa concretamente por ações
conjunturais mais ousadas, como revisão de
grades curriculares, evasão escolar, condições
de trabalho profissional, infraestrutura das es-
colas e pela identificação da devida importân-
cia que o professor tem nas ditas “sociedades
do conhecimento”.
Por fim, neste dia, meus cumprimentos a
todos os mestres pelo seu dia. Que esta men-
sagem seja portadora de esperança a todos os
professores do Brasil que lutam por um país
mais humano e igualitário.
Vanderlan da Silva
Bolzani é professora
titular do Instituto de
Química da Unesp e
diretora da Agência
Unesp de Inovação
da Unesp.
Este artigo
foi publicado
originalmente no
Estadão Noite de 15
de outubro de 2015.
Não oBstaNtE os aVaNços alcaNçados Nos últimos
aNos, aiNda, Não tEmos coNsolidado o sistEma dE
Educação NacioNal
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UnesPCiênCia 7
Pesquisa
Esse período registra uma marcante movi-
mentação jovem transnacional influenciada pela
contracultura, cujo ideário difundido circulava
via música, livros e publicações. Também po-
demos identificar neste momento histórico, o
desenvolvimento do mercado de bens simbólicos
no Brasil, impulsionando tanto a indústria fono-
gráfica, que atravessava um período de expansão
e afirmação, como o mercado editorial de pu-
blicações periódicas, também em crescimento.
É nesse contexto que Rolling Stone chega às
bancas, destinada ao público jovem e com per-
fil de revista especializada, que tratava em seu
conteúdo de informações e notícias da movimen-
tação em torno de rock, MPB e contracultura.
C leber Sberni Junior defendeu, na Facul-
dade de Ciências Humanas e Sociais
(FCHS) da Unesp, em Franca, a pesquisa de
doutorado em História Imprensa e música no
Brasil: Rock, MPB e contracultura no periódico
Rolling Stone – 1972.
O presente texto teve por intuito estudar a
revista Rolling Stone, editada no Brasil entre
dezembro de 1971 e janeiro de 1973. Especi-
ficamente, procurou-se, ao longo do trabalho,
analisar a forma como a revista integrou a cena
do rock carioca do início da década de setenta,
ao promover e registrar a atividade de artistas,
colaborando para a difusão do rock produzido
por aqui.
Estudo é
sobrE MPb E
ContraCultura
no PEriódiCo
rolling stonE
Pesquisa enfoca imprensa
e música no Brasil
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UnesPCiênCia8
Pesquisa
De fato, os gêneros predominantes em suas
páginas são o rock internacional, o rock pro-
duzido no Brasil e a MPB de influência tro-
picalista. Em sua breve existência, 36 edições
foram comercializadas em bancas de jornal, e
como veículo a revista possuiu um alcance de
circulação nacional, prestando-se a fornecer
informações sobre o panorama geral da cena
musical, através de artigos, entrevistas e re-
senhas de discos.
Os textos publicados na revista apontam
para aproximações entre o rock e a MPB. Fi-
ca evidente como a publicação, ao longo de
suas edições, procurou dar visibilidade a uma
movimentação de grupos de rock iniciantes e
artistas que compartilhavam da valorização da
contracultura e do diálogo com o rock.
Pode-se também afirmar que a revista faz
parte da cena musical que ela mesma ajudava
a fomentar, evocando momentos, valorizando
experiências e eventos musicais, reclamando
espaço para o rock e as bandas integrantes
da cena. Ou seja, Rolling Stone se prestou a
consolidar um circuito musical para o rock,
atuando na construção de um público para
esse gênero no país.
Comissão Examinadora
Tânia da Costa Garcia –
Orientadora
José Adriano Fenerick –
FCHS/Unesp/Franca
Fabiana Lopes da Cunha
– Unesp/Ourinhos
Márcia Regina Tosta
Dias – UNIFESP
Frederico Oliveira
Coelho – PUC/Rio
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1 Clube da Esquina
surgiu da grande amizade
entre Milton Nascimento,
e os irmãos Borges
(Marilton, Márcio e Lô)
2 Secos & Molhados se
tornaram um dos maiores
fenômenos da música
popular brasileira
3 Tropicália foi um
movimento musical que
reunia compositores
como Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Tom Zé,
Torquato Neto, Capinam,
Rogério Duprat e a
revolucionária banda
de rock “Os Mutantes”
4 Raul Seixas foi um
dos pioneiros do rock
brasileiro2
3
4
rolling stonE ChEgou às banCas dEstinada
ao PúbliCo jovEM E CoM PErfil dE rEvista
EsPECializada
UnesPCiênCia 9
Economia
A “guerra cambial” foi alertada, em 2010,
pelo ex-ministro da Fazenda do Brasil,
Guido Mantega, para descrever as oscilações
bruscas das moedas norte-americana e chinesa.
Àquela altura, estávamos vivendo um momento
em que desvalorizar moedas vinha tornando-se
estratégia global para enfrentar a crise financei-
ra. A expressão “guerra cambial”, rejeitada pelo
FMI, agora volta à tona com o temor sobre a de-
saceleração da economia chinesa. Se voltarmos
alguns anos, especificamente ao ápice da crise
financeira internacional (2008-9), é possível
notar que a tática de desvalorizar o câmbio foi
usada por diversos países – inclusive os Esta-
dos Unidos e o Japão – para se livrar da crise.
Em 2008-9, os Estados Unidos foram os
primeiros a adotarem o afrouxamento quanti-
tativo. O abrandamento da política monetária
O pApEl dAs
pOlíticAs
cAmbiAis Está
intimAmEntE
ligAdO às
pOlíticAs quE
EstimulAm O
crEscimEntO
dA dEmAndA
intErnA E dAs
ExpOrtAçõEs
Guerra cambial?
Dos Estados Unidos à China
norte-americana causou uma forte expansão
monetária, somada à taxa de juros baixa e ao
enfraquecimento do dólar. Como consequên-
cia, sentimos a valorização da moeda brasileira
e a redução das nossas exportações, uma vez
que o dólar mais barato é sinônimo de produto
nacional mais caro no exterior. Como resposta,
diversos governos intervieram no mercado de
câmbio, caracterizando o momento de estratégia
global como uma “guerra cambial”.
O governo japonês, por exemplo, interferiu no
mercado de câmbio como não fazia desde 2004,
em um esforço para reduzir o valor do iene em
relação ao dólar. No Brasil, o governo impôs
controles de capital e ameaçou uma intervenção
direta, a fim de suprimir a nova apreciação do
real (que àquela altura estava próximo a 1,70 real
em relação ao dólar). Outros países como, por
UnEspCiênCia10
rEnAtO xAviEr
Economia
exemplo, a Coreia do Sul, Taiwan e a Tailândia
adotaram medidas semelhantes em resposta aos
grandes influxos de capital. Na Europa, críticas
foram feitas à estratégia de flexibilização quanti-
tativa norte-americana, como medida projetada
para orientar a taxa de câmbio do dólar artifi-
cialmente para baixo com a ajuda de altíssimas
quantidades de moeda impressa pelo Federal
Reserve (o BC dos EUA). Em 2010, o governo
alemão afirmava a falta de coerência “quando
os norte-americanos acusam a China de mani-
pulação cambial e, em seguida, orientam a taxa
de câmbio do dólar artificialmente baixa com a
ajuda do seu Banco Central”.
Em 2015, o temor do mercado em relação
às ações do governo chinês é exatamente o
mesmo que ocorria em 2008-9 em relação aos
Estados Unidos. Em ambos os casos, a falta
de harmonia macroeconômica é considerada
uma das principais causas a gerar distorções.
Além disso, a excessiva proteção do mercado
doméstico, recorrente em períodos de crise,
pode, em última instância, afetar o comércio
internacional.
Embora os Estados Unidos acusem os chi-
neses de “manipuladores de moeda”, a liqui-
dez internacional causada pelo Banco Central
norte-americano, lá atrás na crise financeira
dos sub primes, também causou distorções e
protegeu as empresas nacionais. Portanto, tanto
nos Estados Unidos quanto na China, o papel
das políticas cambiais está intimamente ligado
às políticas que estimulam o crescimento da
demanda interna e das exportações. No Brasil
o sinal de alerta está ligado, apesar da latente
vulnerabilidade da nossa economia.
Renato Xavier é
pesquisador do
Programa de Pós-
-Graduação San Tiago
Dantas (Unesp, Unicamp
e PUC – SP) em
Relações Internacionais
(RI) e integra o NEAI –
Núcleo de Estudos e
Análises Internacionais.
Este artigo foi publicado
originalmente no
Estadão Noite de
27 de agosto de 2015.
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Saúde
EvEnto quE diScutE SíndromE rara rEúnE maiS dE 500 participantES
Família Williams
UnespCiênCia12
daniEl patirE, mariStEla GarmES E oScar d’ambroSio
Saúde
a Síndrome de Williams é uma desordem
genética do cromossomo 7 que atinge
crianças de ambos os sexos e que pode levar
a diversos problemas de desenvolvimento. De
30 de outubro a 2 de novembro, a ABSW – As-
sociação Brasileira de Síndrome de Williams
realizou o 7º Encontro Nacional da Síndrome
de Williams e o 1º Workshop Internacional de
Síndrome de Williams.
Danilo Moretti Ferreira, professor do Ins-
tituto de Biociências da Unesp de Botucatu,
é presidente dos eventos, que tiveram mais
de 500 inscritos do Brasil, da Espanha e do
Paraguai. “Pais, associações, profissionais de
saúde e pesquisadores, entre outros interes-
sados no tema, puderam compartilhar expe-
riências”, disse.
A doença, que também é conhecida como
Síndrome de Williams-Beuren, ganhou esse
nome graças aos médicos que primeiro a des-
creveram: o neozelandês J.C.P. Williams (1961)
e o alemão A. J. Beuren (1962). Sua taxa de
incidência é de aproximadamente uma a cada
20 mil pessoas em todo o mundo.
UnespCiênCia 13
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Saúde
palEStraS
Na conferência de abertura, dia 30 de outubro,
Children with Williams Syndrome: Patterns
and Developmental Trajectories, Carollyn B.
Mervis, do Dept. of Psychological & Brain
Sciences University of Louisville, Louisville,
KY – USA, ressaltou a independência entre
linguagem e cognição. Apontou que entre as
dificuldades dos portadores estão o desen-
volvimento da habilidade de desenhar, usar
preposições, conjunções complexas e manter
conversas. “Por outro lado, apresentam grande
sociabilidade e habilidade musical”, contou.
Cérebro e Cognição na Síndrome de Willia-
ms: dos determinantes neuroanatómicos e cog-
nitivos à prática clínica foi o tema de Adriana
da Conceição Soares Sampaio, da Escola de
Psicologia, Universidade do Minho, Braga,
Portugal. “A desordem genética que origina a
síndrome leva geralmente a problemas cardio-
vasculares e renais, podendo causar também o
desenvolvimento irregular do cérebro”, explicou.
Em The importance of cross-syndrome
comparisons of development for a deeper un-
derstanding of Williams syndrome, Dagmara
Dimitriou, Director do LILAS Lab: Lifespan
Learning & Sleep Lab Department of Psycho-
logy and Human Development, Institute of
Education – University College London, Uni-
ted Kingdom, destacou que a infância é um
período de grandes mudanças para todas as
crianças. “Para aquelas que têm a Síndrome,
há o desenvolvimento de certas característi-
cas como a obsessão por objetos, mas há va-
riações de pessoa para pessoa. Como nada é
estático em biologia e psicologia, comparar
os SW com portadores de outras síndromes
é cientificamente muito importante, na bus-
ca de semelhanças e diferenças”, esclareceu.
How Music Can Benefit Verbal Memory in
Williams Syndrome foi o tema de Melissa K.
Jungers e Marilee A. Martens, do Department
of Psychology, Nisonger Center The Ohio State
University Columbus, OH – USA. Além de
relatar como ocorre a relação de adultos, mú-
sicos, não músicos e crianças com a música,
mostrou como o ambiente é fundamental para
desenvolver a habilidade de portadores de SW
Mesa de abertura no
evento, presidido pelo
professor Danilo Moretti
Ferreira, do Instituto de
Biociências da Unesp de
Botucatu
UnespCiênCia14
daniEl patirE, mariStEla GarmES E oScar d’ambroSio
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Saúde
com a música. “É preciso estudar como a mú-
sica é absorvida pela nossa mente”, afirmou
Melissa. “É ótimo compartilhar esses estudos
das mais variadas formas”, completou Marilee.
Cardiovascular Disease in Williams Syndro-
me: What Everyone Needs to Know foi o tema
da apresentação de R. Thomas Collins, II, do
Arkansas Children’s Hospital The Division of
Cardiology Little Rock, AR – USA. O pesqui-
sador lembrou que 80% dos SW apresentam
anormalidades cardiológicas. “É uma ques-
tão crucial para os pais desde o nascimento.
Por isso, é necessário realizar mais pesquisas
e divulgar e discutir o que vem sendo feito”,
declarou.
A palestra Sleep, the Achilles’ Heel of brain
development, de Ilona Kovács, do Department
of General Psychology Peter Pazmany Catholic
University (PPCU), Budapest, Hungria, encer-
rou o primeiro dia de atividades. Ela fez uma
analogia com a cerâmica, mostrando como é
necessário formar os portadores da melhor
maneira possível desde cedo para que não
“quebrem” e destacou a importância do sono
1 Carollyn B. Mervis, da
University of Louisville,
EUA: trajetórias de
desenvolvimento de
portadores da Síndrome
2 Abraham Urbon Pinto,
da Asociación Síndrome
de Williams de Cantabria,
Espanha: atividades
realizadas em parceria
3 Chong Kim, do
Instituto da Criança da
Faculdade de Medicina
da USP: da descoberta
às pesquisas atuais
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a
Saúde
na forma de consolidar a aprendizagem. “Os
SW têm sono irregular e isso prejudica a sua
formação sensorial e motora. Ter consciência
disso, buscar melhorar os hábitos de sono e
utilizar técnicas alternativas, como ioga, são
caminhos que devem ser buscados”, finalizou.
Dia 2 de novembro, na sua Conferência de
Encerramento, intitulada Qual o Futuro e Pers-
pectivas para a Síndrome de Williams?, Chong
Kim, do Instituto da Criança da FM – USP,
especialista em Genética Humana e Médica
e Genética Clínica, fez uma síntese da Sídro-
me desde a sua descoberta até as pesquisas
atuais. Além de ressaltar o comportamento
amigável e a aptidão musical, como fatores
positivos, e cardiopatia, como grande risco à
vida dos SW, aconselhou medidas periódicas de
pressão como forma de prevenir a hipertensão
precoce. Também destacou a importância da
formação de equipes multidisciplinares para
lidar com a doença, formadas por psicólogos,
fisioterapeutas e fonoaudiólogos. “Meus dois
sonhos são a criação de um centro de doenças
genéticas e a formação de uma Banda Musical
com pessoas com SW”, declarou.
No dia do encerramento, houve ainda depoi-
mentos dentro da temática Eu Tenho a Síndrome
de Williams. Num deles, Victoria Schneider, do
Espírito Santo, 17 anos, declarou que já sofreu,
como muitos que têm a Síndrome, preconceito
e bullying. “Quem faz isso não tem coração. Ser
diferente é ser totalmente normal. Diferença
não é defeito”, alertou.
Encontro dE aSSociaÇÕES
Encontro Internacional das Associações de
Síndrome de Williams e núcleos brasileiros
Dia 31 de outubro, nas Faculdades Oswal-
do Cruz, ocorreu o Encontro Internacional
das Associações de Síndrome de Williams e
núcleos brasileiros. Sob coordenação geral de
Silvia Franco e Luis Valamede, houve breves
apresentações de grupos da Espanha, Pará, Es-
pírito Santo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande
do Sul, Brasília, Goiás, Bahia e Rio de Janeiro.
Tesoureiro da Asociación Síndrome de
4 5
4 Durante o evento
houve atendimento e
exames a portadores da
Síndrome
5 Oficinas foram
muito importantes
para pais, cuidadores e
pesquisadores
6 Victoria Schneider
fez depoimento contra
bullying e preconceito
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daniEl patirE, mariStEla GarmES E oScar d’ambroSio
Saúde
Williams de Cantabria, Espanha, Abraham Ur-
bon Pinto relatou que as atividades começaram
em 2010 com cinco famílias. Hoje são 10. O
principal objetivo, além de apoiar as pessoas
com a Síndrome, é divulgar a sua existência.
Contou ainda as atividades realizadas em par-
ceria com diversas universidades do seu país
e de Portugal, destacando aulas filmadas em
que os pais podem conhecer melhor os pon-
to fortes e fracos de seus filhos. “Batalhamos
muito para conseguir recursos, por meio de
doações espontâneas e eventos”, disse.
Ligia Lopes, da Associação Paraense de
Síndrome de Williams, de Castanhal, PA,
fez um histórico de suas dificuldades e das
associadas para conseguir diagnóstico e aten-
dimento. Em 2014, um encontro regional reu-
niu 200 pessoas de 15 cidades. “Mas temos
ainda muito a fazer para tornar a Síndrome
mais divulgada, o que ajudaria na obtenção
de recursos”, comentou.
Do Espírito Santo, Ana Maria Schneider
Feitoza e Antonia Alzira de Almeida narraram
suas experiências como mães de pessoas com
a Síndrome. Reforçaram a necessidade de
os familiares se encontrarem para conhecer
melhor as forças e fraquezas dos seus filhos.
“A inclusão precisa ser construída; e as Asso-
ciações regularizadas e consolidadas são um
caminho para isso”, afirmou Alzira.
Luciane Brito, do Paraná, relatou que hoje
os encontros locais reúnem 43 famílias. Ela
argumentou que a entrada de jovens com SW
no mercado de trabalho ainda é uma barreira
devido ao preconceito e à falta de informação
dos empregadores. “A deficiência não é dos
nossos filhos, mas da sociedade. Precisamos
nos organizar mais, pois uma pessoa tem voz,
mas não o direito a voto em questões públicas
comportamEnto amiGávEl E aptidão muSical
convivEm com riSco dE cardiopatiaS E
hipErtEnSão prEcocE
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Saúde
Durante o Encontro,
houve oficinas
para crianças e
apresentações musicais
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daniEl patirE, mariStEla GarmES E oScar d’ambroSio
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a
Saúde
que uma Associação ganha ao ser reconheci-
da”, alertou.
Do Estado de Minas Gerais, Márcia Nóbre-
ga Resende contou as parcerias estabelecidas
com a Universidade Federal de Minas Gerais,
inclusive com os pais de pessoas com SW
dando cursos na instituição para que alunos e
professores se sintam motivados a estudar mais
a Síndrome. “Como a doença é rara, somente
divulgando a sua existência será possível es-
timular pesquisadores a conhecê-la cada vez
mais cientificamente”, acredita. “Essa união
é essencial”, enfatizou Ana Rosa de Carvalho
Silva, de Itaberaba, BA.
cErimÔnia dE abErtura
Representando o governador Geraldo Alckmin
e a secretária dos Direitos da Pessoa com De-
ficiência, Linamara Battistella, Cid Torquato,
secretário adjunto da pasta, ressaltou, na aber-
tura do evento, dia 30 de outubro, em São Pau-
lo, SP, a importância desse tipo de evento para
discutir e dar visibilidade a questões envolvendo
as mais variadas deficiências. “Este tipo de ini-
ciativa merece todo tipo de apoio”, comentou.
Carolina Lourenço Reis Quedas, mestre em
Distúrbios do Desenvolvimento e Técnica do
Núcleo de Apoio Pedagógico da Secretaria de
Educação, representou o secretário Herman Ja-
cobus Cornelis Voorwald, e enfatizou a impor-
tância das atividades a serem desenvolvidas por
quatro dias. “Trata-se de um evento de grande
importância para discutir a deficiência”, disse.
Maria Cristina Trigueiro Veloz Teixeira re-
presentou o reitor da Universidade Presbite-
riana Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar
Neto. Ela é uma das coordenadoras gerais das
Oficinas para Pais e Familiares. “Discutir com
os pais e mães, tirar dúvidas e trazer conheci-
mentos científicos foram os pontos altos destes
quatro dias”, afirmou.
Washington Rocha, presidente da ABSW,
mencionou os esforços da comissão organiza-
dora do evento e manifestou a certeza de que
as palestras e oficinas são muito importantes
para os pais e mães de pessoas com a Síndro-
me. “Trata-se de um esforço muito grande,
mas que vale a pena”, disse.
Uma das fundadoras da ABSW, Jô Nunes
mencionou o trabalho incessante das mães
de portadores da Síndrome. “O importante
é nunca desistir, falando com universidades
e autoridades para conseguir melhores con-
dições de diagnóstico, atendimento e de vida
para nossos filhos”, lembrou.
Vice-presidente do evento e coordenado-
ra geral das Oficinas para Pais e Familiares,
Adriana Buher reiterou seu contentamento
em participar da cerimônia. “É um momento
muito importante que reúne pesquisadores
internacionais, palestrantes nacionais e ati-
vidades dedicadas às associações de pais de
Williams”, relatou.
Silvana Nascimento, tesoureira da ABSW,
falou como fundadora da Associação e in-
tegrante do Conselho Municipal da Pessoa
com Deficiência do Município de São Paulo.
“Nestes dias é possível divulgar pesquisas e
conhecer melhor diversos aspectos da Síndro-
me. Isso é fundamental para todos os pais e
mães”, declarou.
O evento teve apoio de Fapesp, Capes, Olym-
pus, Lexel, Unesp, Universidade Presbiteriana
Mackenzie e Sociedade Brasileira de Genética.
oFicinaS
Dia 1º de novembro, sob coordenação da Dra.
Adriana Buher e de Maria Cristina Trigueiro
Veloz Teixeira, ocorreram Oficinas para Pais e
Familiares. Foram realizadas nove atividades.
Sexualidade foi o tema do Dr. Renê Schu-
bert, psicólogo clínico e psicanalista de São
Paulo/SP. Ele ressaltou a importância da edu-
cação sexual como forma de coibir tentativas
de abuso sexual e lembrou que pessoas com
necessidades especiais têm sexualidade, que
as dúvidas devem ser discutidas com os pais,
durantE quatro diaS, houvE diScuSSão com
paiS E mãES, oportunidadES dE tirar dúvidaS E
divulGaÇão dE conhEcimEntoS ciEntíFicoS
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a
Saúde
entre as crianças e com a sociedade. “Muitas
vezes é o pai que acha que uma pergunta não
deve ser respondida ou simplesmente se omite.
Essa atitude pode ter consequências negati-
vas”, afirmou. No mesmo horário, houve ainda
oficinas da enfermeira Zenilda Martins, que
atua na Associação dos Familiares, Amigos e
Portadores de Doenças Graves, e de Genética
e Aconselhamento Genético, da Dra. Rachel
Honjo, do Instituto da Criança – FM/USP,
especialista em genética médica e pediatria.
O assunto Odontologia foi desenvolvido pela
Profa. Dra. Marina Helena Cury Gallottini,
da Faculdade de Odontologia da USP, que
atende pacientes e desenvolve pesquisas no
Centro de Atendimento a Pacientes Especiais
da instituição. “Em pessoas com SW, altera-
ções da forma, número e posição dos dentes
são frequentes, sendo comum, por questões
genéticas, um quadro de dentes espaçados e
menores”, comentou. Educação, pela professora
SOBRE A SÍNDROME DE WILLIAMS
A Síndrome de Williams é uma rara desordem genética frequente-
mente não diagnosticada. Não é transmitida geneticamente. Não tem
causas ambientais, médicas ou influência de fatores psicossociais.
Tem impacto sobre diversas áreas do desenvolvimento, incluindo
a cognitiva, a comportamental e a motora. Estima-se que uma em
cada 20.000 crianças nasça com SW.
Foi descrita pela primeira vez em 1960 por um médico neoze-
landês, Dr. J. C. P. Williams, quando verificou que um grupo de
pacientes pediátricos possuía sintomas parecidos, problemas cardio-
vasculares, rostos com características semelhantes, atraso mental
moderado, dificuldade para ler, escrever e efetuar operações mate-
máticas. Alguns possuíam extraordinário talento musical com alta
noção de ritmo. Afeta tanto homens como mulheres. Pode ocorrer
em qualquer lugar do mundo e em qualquer grupo étnico.
A maioria das crianças têm grandes dificuldades de alimentação
no primeiro ano de vida, incluindo vômitos e recusa de alimen-
tação, podem mostrar grande irritação e chorar excessivamente.
Geralmente apresentam uma face característica (descrita como a
de um duende): nariz pequeno e empinado, cabelo encaracolado,
lábios cheios, dentes pequenos, sorriso frequente.
A incidência de pessoas com Síndrome de Williams no Brasil é
de uma a cada 7.500 nascimentos. O Censo 2010 apontou que dos
145.623.910 habitantes no Brasil, há 19.417 pessoas com Síndro-
me de Williams. Por se tratar de uma doença rara e pela falta de
conhecimento dos profissionais, o diagnóstico acaba sendo tardio
e muitas vezes acaba nem sendo feito. Esses números evidenciam
a dimensão quantitativa do fenômeno da falta de divulgação e ca-
pacitação de profissionais no Brasil.
Os aspectos e consequências sociais, psicológicas e econômicas
extrapolam esses números. A percepção de que as questões das pes-
soas com Síndrome de Williams no país precisam ser consideradas
em todas as políticas sociais e econômicas é assumida por gran-
de parte dos governantes em nosso país. A sociedade e o governo
brasileiros têm consciência de que a construção de uma sociedade
democrática e inclusiva depende de que o segmento deste público
seja considerado como parte integrante da cidadania brasileira.
UNESpCIêNCIA20
Saúde
Dalva Alves Santana, da Prefeitura Municipal
de São Paulo; e Emoção e Comportamento, pela
Dra. Iara Léda Brandão de Almeida Pereira,
neurologista, e Dra. Patrícia Gouveia Ferraz,
psiquiatra, foram outros tópicos debatidos.
A Cardiologia foi tratada pelo Dr. Bruno Vo-
gas Lomba Tavares, de Petrópolis/RJ. “É muito
importante que os pais busquem orientação
adequada e pesquisem muito para poder levar
informações para os médicos de seus filhos,
pois a maioria dos profissionais não conhece
as doenças raras. No caso de pessoas com
SW, devido à questão genética, a ausência de
elastina pode levar a ter vasos menos flexíveis,
gerando quadros de estenose (estreitamento)
da região da aorta e de pressão alta que, se não
houver o devido acompanhamento, podem le-
var a óbito”, registrou. Adriana Buher e Maria
Cristina Trigueiro Veloz Teixeira realizaram
ainda ampla discussão com pais e familiares
sobre a Síndrome; e o assunto Qualidade de
Vida foi enfocado sob coordenação do Prof.
Dr. Luiz Renato Rodrigues Carreiro, da Uni-
versidade Presbiteriana Mackenzie.
Houve ainda a oficina de Fonoaudiologia,
com Natalia Freitas Rossi, da Unesp de Ma-
rília, que focou a problemática da hiperacusia,
que consiste na tolerância reduzida a sons,
como buzinas, fogos de artifício ou liquidi-
ficador, e explicou o papel do fonoaudiólogo
na avaliação, diagnóstico e intervenção. “A
dificuldade de sucção, mastigação e controle
de saliva também são questões importantes
que podem ser tratadas em nossa área, assim
como a capacidade de narrar histórias, com es-
tímulos como ler histórias e, ao mesmo tempo,
mostrar as imagens”, exemplificou. Família e
o Indivíduo com SW foi o debate coordenado
por Jô Nunes, Presidente de Honra da ABSW;
e Estimulação Funcional e Autonomia foi o
assunto desenvolvido por Priscila Jardim Ci-
nalle, fisioterapeuta.
Informações:
.
Comissão
organizadora
do evento foi
homenageada
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Agronomia
dade existente no solo, e da porosidade que
favorece o caminhamento descendente da
água no perfil. Quanto maior essa porosidade,
maior a quantidade de água infiltrada. A forma
como a vegetação afeta o processo de infiltra-
ção é decisiva sobre sua eficácia na reposição
de água que deverá abastecer os mananciais.
Do ponto de vista exclusivo da infiltração,
parece não haver dúvidas de que a vegetação
rasteira, tipicamente constituída por gramíneas,
com o sistema radicular fasciculado, ativo ou
decomposto, deve proporcionar caminhos muito
mais numerosos e eficazes para a infiltração
do que uma vegetação arbórea, com suas es-
cassas e volumosas raízes axiais ou pivotan-
tes. O crescimento dessas raízes exerce uma
força de compressão, que deverá resultar em
diferentes graus de compactação, reduzindo
a porosidade natural existente no solo.
Outro aspecto, diretamente associado à quan-
U ma prática, em geral, recomendada para
proteger e, assim, assegurar a perenização
dos mananciais hídricos consiste na reposição
da vegetação arbórea nas áreas de entorno dos
mananciais, uma prática conhecida como “re-
composição da mata ciliar”. A denominação
“mata” implica na presença predominante de
uma vegetação arbórea, constituída, preferen-
cialmente, por espécies adaptadas ao habitat
considerado. Assim, a recomposição incorpora
todas as providências necessárias para repovoar
aquele espaço reconhecidamente degradado.
Para assegurar a perenização dos mananciais,
é indispensável promover a recarga hídrica no
solo, através do processo de infiltração. Portanto,
torna-se oportuno promover uma análise compa-
rativa entre o potencial de infiltração associado à
vegetação que recobre o espaço a ser recomposto.
O processo de infiltração da água no solo
manifesta-se em função da condição de umi-
Para assegurar
a Perenização
dos mananciais,
é indisPensável
Promover
a recarga
hídrica no
solo, através
do Processo de
infiltração
a controvérsia na
recomposição da mata ciliar
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EdmAr José scAloppi
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Agronomia
tidade de água infiltrada, refere-se ao tempo
de oportunidade para infiltração. Novamente,
a presença da vegetação rasteira dificulta o
escoamento superficial, aumentando a opor-
tunidade para a água infiltrar-se. Certamente,
este processo será menos significativo em po-
voamentos arbóreos, uma vez que as árvores
encontram-se razoavelmente espaçadas, além
de limitar o crescimento da vegetação rasteira.
Um sistema radicular axial ou pivotante po-
de aprofundar-se a consideráveis distâncias no
perfil do solo, enquanto as raízes fasciculadas
de uma vegetação rasteira raramente ultra-
passam 30 ou 40 cm de profundidade. Assim,
as árvores conseguem extrair água a maiores
profundidades, mantendo ativo o processo de
transpiração, o que deve reduzir a água no sub-
solo. Por outro lado, quando ocorre uma redu-
ção sazonal no teor de umidade nas camadas
superficiais do solo, a vegetação rasteira entra
em repouso vegetativo até a próxima estação
chuvosa, preservando, portanto, a água exis-
tente nas camadas mais profundas do perfil.
Por essas razões, talvez fosse mais sensato,
em um processo de recomposição da “vegetação
ciliar”, apenas isolar as áreas de entorno dos ma-
nanciais, para permitir a recomposição natural e
espontânea das espécies vegetais, rasteiras, ar-
bustivas e arbóreas, já adaptadas àquele habitat,
sem interferência humana. Em locais extrema-
mente degradados, onde a recuperação natural
pode ser dificultada, poderá haver a necessidade
de intervenção, para proporcionar as condições
necessárias à sua desejável recomposição.
A formA como A vEgEtAção AfEtA
o procEsso dE infiltrAção é dEcisivA sobrE
sUA EficáciA nA rEposição dE ágUA qUE dEvErá
AbAstEcEr os mAnAnciAis
unesPciência 23
Edmar José Scaloppi
é professor da
Faculdade de Ciências
Agronômicas da
Unesp, Câmpus de
Botucatu, SP.
Este artigo
foi publicado
originalmente no
Estadão Noite de
19 de agosto de 2015.
Agricultura
em altas doses, podem ser estimulantes em
doses muito baixas. Isto se chama Hormese,
mas este é um outro assunto.
Tem-se constatado níveis acima do desejado
de alguns ingredientes ativos nos seres humanos.
Será que alguém já pensou que esse aumento
poderia estar relacionado com a dengue? As
pessoas passam os inseticidas em quartos fe-
chados, e até no corpo, diretamente, porque
não querem ser atacadas pelos mosquitos. O
pesticida, no caso, como é protetor, não é tido
como veneno. É usado diretamente no corpo,
nas crianças, nos adultos, e quem sabe até no
cachorrinho, de uma forma exagerada.
Se o índice de câncer está aumentando em
função do consumo de hortaliças e frutas su-
postamente fora dos padrões, isto quer dizer
que o nosso índice de consumo destes produtos
está aumentando? A OMS recomenda consu-
mirmos ao menos 400 g/dia de frutas e horta-
É incrível como muitas pessoas, e a mídia
em geral, tratam como venenos... os de-
fensivos agrícolas. Será que os antibióticos, os
medicamentos que tomamos quando necessá-
rio, seriam também venenos? Afinal, o que é
um veneno? Paracelsus (ou Aureolus Philippus
Theophrastus Bombastus Von Hohenheim –
que viveu entre 1493 e 1541), tido por muitos
como o pai da toxicologia, lançou o conceito
de que o veneno depende da dose. Ou seja,
tudo é veneno e não é veneno, dependendo
da dose. Assim, qualquer elemento tóxico é
seguro em baixas doses.
O fato é que este é o caso dos produtos
farmacêuticos, e também dos pesticidas. Por
exemplo, atualmente se discute a questão do
sal na mesa dos restaurantes. O sal também,
em dose elevada, é veneno, bem como o açúcar
em doses elevadas, porque pode matar. Mais
ainda, algumas substâncias, embora tóxicas
Quando
usados na
dose correta,
os defensivos
agrícolas são
inócuos ao ser
humano
Paracelsus
e os venenos
unesPciência24
Rumy Goto e CiRo A. Rosolem
Agricultura
nado de defensivos agrícolas é crime. É bom
lembrar, ainda, que quando usados na dose
correta os defensivos agrícolas são inócuos ao
ser humano. Lembra do Paracelsus?
A grande verdade, que encontra resistên-
cia em sua divulgação, pois o pecado é mais
interessante que a virtude, é que a produção
de hortaliças no Brasil tem utilizado cada vez
mais as boas práticas agrícolas, para produzir
mais e melhor, com qualidade para atender
a nossa população. Afinal, ainda precisamos
consumir muito mais hortaliças do que con-
sumimos atualmente.
tudo É veneno e não É veneno,
dependendo dA dose. Assim, quAlqueR elemento
tóxiCo É seGuRo em bAixAs doses
liças, ou mais ou menos 150 kg/ano/per capita.
No entanto, consumimos somente 40 a 42 kg
por ano, isso na Região Sul/Sudeste, que dirá
na Norte/Nordeste, onde o consumo é muito
baixo, 16 kg. Na Itália se consomem cerca de
160 kg, nos EUA 99 kg e em Israel 73 kg. Um
pesquisador do INCA (Instituto Nacional do
Câncer) relatou que o consumo de hortaliças e
frutas de boa procedência é um excelente mé-
todo preventivo de combate ao câncer.
É lamentável a total desinformação que
existe e persiste. Desde o pequeno produtor
até, e principalmente, o consumidor. Infeliz-
mente os órgãos responsáveis pela divulgação,
esclarecimento da população não têm tido a
responsabilidade de construir bons artigos,
reportagens com qualidade jornalística séria.
Normalmente as reportagens exploram os
pontos negativos da produção de hortaliças e
frutas. É bom lembrar que o uso indiscrimi-
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unesPciência 25
Rumy Goto e Ciro
A. Rosolem são
professores da
Faculdade de Ciências
Agronômicas (FCA) da
Unesp de Botucatu.
Televisão
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UnespCiênCia26
Televisão
A zulão é uma criatura azul carismática
e agitada, de grandes sobrancelhas e
olhar curioso. Um dia ele visita o laboratório
de um antigo professor de seu pai, o cientis-
ta Apolônio. A partir daí, tem início uma sé-
rie de episódios divertidos e educativos onde
aprender se torna pura diversão. E a proposta
de Apolônio e Azulão – novo programa infantil
da TV Unesp – é justamente essa: fazer com
que as crianças aprendam brincando.
A estreia foi dia 12 de outubro. O público-
-alvo são as crianças entre 7 e 9 anos de ida-
de. A primeira temporada terá 12 episódios,
com duração de 15 minutos.
Apolônio e Azulão mistura manipulação de
bonecos e animação. No laboratório do Apo-
lônio, os personagens vivem situações que vão
aguçar a curiosidade do Azulão. São dúvidas
muito frequentes entre as crianças: como fun-
cionam as câmeras fotográficas? Como nasce
uma planta? O que são as fases da Lua? Como
viviam os dinossauros? E o Apolônio responde
a todas elas, de maneira bem didática e rica-
mente ilustrada.
Além de se divertirem assistindo às aven-
turas de Apolônio e Azulão, as crianças tam-
bém vão poder interagir com o programa por
meio do controle remoto da televisão. Cada
episódio tem um momento “game”, em que
é possível ajudar os personagens a resolver
um problema. Utilizando botões do controle
remoto, é possível encaixar peças, capturar
objetos, selecionar respostas, ligar coisas. Pa-
ra interagir é necessário que o televisor seja
digital do tipo DTVi – com o padrão Ginga
de interatividade – ou possua um conversor
para esse tipo de conteúdo. Mas, e se a TV
não possuir o sistema? Não tem problema,
os roteiros foram construídos de modo que
o fluxo da narrativa não seja interrompido na
hora dos jogos e as crianças se divirtam mes-
mo sem utilizar a interatividade.
É a primeira vez que um programa infantil
seriado para televisão aberta é inteiramente
planejado e produzido em Bauru. Todo o con-
teúdo foi feito por funcionários e colaboradores
da TV Unesp, desde a concepção, passando
por roteiros, confecção e manipulação dos
CRIANÇAS
APRENDEM E SE
DIVERTEM COM
APOLÔNIO E
AZULÃO
programa infantil da TV Unesp
inova com interatividade
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UnespCiênCia 27
Televisão
bonecos, dublagem dos personagens, cená-
rio, animações, música e programação para
interatividade.
Os bonecos dos personagens Apolônio e
Azulão foram criados pelo estudante de De-
sign da Unesp Mateus Russolo. Azulão é um
misto de gente com boneco de pelúcia. Suas
sobrancelhas largas e peludas enfatizam o olhar
curioso, característico de crianças na faixa dos
7 aos 9 anos. Já Apolônio é um velhinho sábio
e simpático, de fala doce e paciente. A inspi-
ração veio de programas que utilizam com su-
cesso a manipulação de bonecos na televisão,
como os Muppets e Vila Sésamo. “Acho que,
como designer, o desafio era fazer com que
os bonecos despertassem nas crianças esse
desejo de querer saber mais sobre as coisas.
Foi um projeto que chegou pequeno à TV e
com a ajuda de todos ele cresceu para chegar
nesse resultado”, afirma Mateus.
Já os roteiros foram elaborados pela produtora
de conteúdo Tathiana Saqueto. Os programas
seguem basicamente três etapas: uma intro-
dução ao tema, a partir da dúvida de Azulão;
a resposta do professor Apolônio; e, por fim,
a recapitulação. Cada episódio continua tam-
bém na internet, onde há um aprofundamento
do tema com jogos. “Todos os roteiros foram
analisados por uma equipe de pedagogos e pro-
dutores para garantir que a criança, ao assistir
ou interagir, tenha o raciocínio estimulado e
um aprendizado divertido”, explica Tathiana.
A partir dos roteiros, foram desenvolvidas as
animações e aplicações interativas. O processo
envolveu os departamentos de Videografismo
e Tecnologia da Informação.
A possibilidade de criar e testar as aplica-
ções interativas no projeto “Apolônio e Azu-
lão” foi resultado do projeto Ginga BR.Labs,
do Ministério das Comunicações, dentro do
Programa de Estímulo ao Desenvolvimento
do Padrão Nacional de Interatividade da Te-
levisão Digital Brasileira – Programa Ginga
Brasil. A TV Unesp está entre as 10 emisso-
ras públicas brasileiras contempladas no edi-
tal que previa a implantação de conteúdos e
aplicações interativas. “A criança de hoje é
PROGRAMA AJUDA A SUPRIR A CARÊNCIA DE
AÇÕES VOLTADAS PARA O PÚBLICO INFANTIL NA
TELEVISÃO ABERTA
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UnespCiênCia28
Televisão
muito mais ativa, já quer jogar, usa os tablets
e smartphones. Então tivemos a preocupação
de fazer um produto que seja mais condizente
com essa realidade”, afirma o programador de
interatividade Fábio Cardoso.
Dar vida aos roteiros e aplicações interativas
foi o trabalho do departamento de Videogra-
fismo. Renato Quirino assina o desenho dos
personagens, Vinicius Tavares, a animação e
Lucas Azevedo, a cenografia. “O maior desa-
fio foi conciliar a produção desse conteúdo,
que normalmente fica a cargo de grandes es-
túdios, com os programas que já produzimos
normalmente para a grade da TV Unesp. Exigiu
muita organização e dedicação dos profissio-
nais”, afirma Lucas, que também é supervisor
do departamento.
Apolônio e Azulão conta também com trilha
musical original. “A música foi concebida de
modo que as letras variem conforme a curio-
sidade do dia, mantendo-se o mesmo refrão,
fácil e divertido. A ideia é que a criança se fa-
miliarize com o tema a cada vez que assistir ao
programa”, diz Ricardo Polettini, compositor,
arranjador e intérprete, ao lado da vocalista
Letícia Fernandes.
Para a diretora da TV Unesp, Ana Silvia
SERVIÇO
Toda segunda
às 12h30.
Reapresentações às
quartas, 11h30 e às
sextas, 14h45.
A TV Unesp pode
ser assistida
pela internet
(www.tv.unesp.
br). Em Bauru, a
programação pode
ser vista em sinal
aberto pelo canal 45
UHF e 46.1 digital, e
na NET no canal 18.
Médola, a produção de um programa como
Apolônio e Azulão ajuda a suprir a carência de
programas voltados para o público infantil na
televisão aberta. “É um programa interativo,
que tem um formato próprio e uma estrutu-
ra narrativa. Normalmente essas produções
estão nos grandes centros, e isso é inovador
para uma cidade do interior. É uma produção
necessária em função da carência que se tem
hoje de programação para o público infantil
na TV aberta, além de ser um projeto muito
original.”
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Dossiê Afrodescendentes
Representação
de Iemanjá no
candomblé do Ile
Ase Ijino Ilu Orossi:
a de azul, Assabá. ©
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Dossiê Afrodescendentes
MusiCAliDADes DA CulturA
NegrA: perpetuAção De
iDeNtiDADe ColetivA
Luna Borges Berruezo
o s aspectos culturais afro-brasileiros
consolidaram as práticas religiosas ao
longo da presença negra nas américas. a mu-
sicalidade, seja ela presente nas manifestações
populares, aparentemente com fundamentação
religiosa, ou não, formou a base da identidade
musical reconhecida como brasileira. Há de
se reconhecer que o candomblé formado no
contexto histórico brasileiro não é sustentado
pelas mesmas estruturas sociais das etnias
africanas, até porque a diversidade cultural e
linguística que aqui chegou não possibilitaria
encontrar um padrão ou modelo único para
esta disseminação, seja nos cultos religiosos
ou expressões culturais de matriz africana,
banto ou iorubanos.
a perpetuação da transmissão oral tem seu
lugar na contemporaneidade e a ancestralidade
está presente na memória dos iniciados nas
casas religiosas de matriz africana. a dimen-
são do indivíduo e da coletividade está imersa
no processo de transmissão pautado na ora-
lidade, na miscigenação e no trânsito, tanto
físico como simbólico e cultural, que possui
permanências, transformações e contempo-
Campos simbólicos e políticas
públicas em discussão
raneidades, como é o caso da população de
matriz cultural negra no Brasil.
a presença dos cultos de matriz da nação
banto no Brasil não teve sua importância histo-
ricamente reconhecida – considerando a mas-
siva presença em terras brasileiras dos povos
de origem banto durante todo o processo dias-
pório de migração forçada que data do século
XV (1) ao XIX. segundo as documentações e
relatos orais dos terreiros fundados na Bahia,
que datam do final do século XX, o Terreiro
Tumbensi (início do século XX), o Terreiro do
Bate Folha ou Mansu Banduquenqué (1916) e
unzo Tumba Junsara (1919) são as casas banto
mais antigas fundadas no Brasil.
o conhecimento dos cultos aos ancestrais
africanos, assim como o reconhecimento da
língua banto e dos dialetos quimbundo e qui-
congo fazem-se necessários, à medida que o
estudo das sonoridades de matriz africana
implica também o contato e o conhecimen-
to dos pontos cantados de tradição banto no
que se refere às suas narrativas e simbologias
culturais. estas configuram as mitologias, os
elos de ancestralidade, o culto e a cosmologia
à natureza, como também remetem a con-
textos geográficos e territoriais do continente
africano, que constituem a história da cultura
negra brasileira.
o instrumento e a música passam a ter uma
Luna Borges Berruezo
é formada em Ciências
Sociais (Bacharelado
e Licenciatura) pela
Universidade Federal
de São Paulo – Unifesp
e atualmente cursa
a Pós-graduação
Especialização em
Políticas de Promoção
da Igualdade Racial na
Escola, pela Unifesp e
a Uniafro.©
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s
UnespCiênCia 31
Dossiê Afrodescendentes
importância fundamental que é reconhecida
pela comunidade. a centralidade que ocupa
a música ritual interliga sua ligação a dança
constante, que antecede o transe que levará ao
contato com os antepassados e divindades. Por
isto, o ngoma é a comunicação e é no contexto
ritual que é manifestada. a sonoridade ganha
parâmetros além dos métodos musicais, exerce
uma função, tem um determinado uso e um
contexto adquirido através de um processo
de aprendizagem, baseado na observação e
convivência. É por meio da sonoridade ritu-
alística (ritmo, canto das cantigas sagradas e
toque do ngoma) que se propicia o transe aos
iniciados para o contato com as divindades e
forças da natureza (Inkisses, Voduns, orixás,
entre outras cosmogonias).
gostaria de destacar, portanto, três elemen-
tos que considero relevantes sobre o processo
de transmissão nas culturas afro-brasileiras: I)
Memória simbólica, relação entre o acervo de
práticas rituais e o uso de seus significantes;
II) organização de Hierarquias e funções,
lugar da experiência prática de transmissão
dos saberes; III) Perpetuação dos saberes pe-
la oralidade, que estabelece a ligação entre o
indivíduo e a formação da coletividade.
a diáspora negra no Brasil é o trânsito e
deslocamento musical. a música está pre-
sente e com ela os demais elementos cultu-
rais que se fundem integralmente, a religião
está contida e o indivíduo encontra seu lugar
na religiosidade ao estabelecer o elo entre a
ancestralidade que lhe pertence. e daí, faz
parte de uma coletividade, uma comunidade
em comum existência, que prevê linhagens
rituais, redes de descendência, campos sim-
bólicos, enfim, que transbordam à existência
como um todo. o indivíduo está integrado,
seu pertencimento cultural o transforma em
comunidade, a comunidade cultural negra.
polítiCAs públiCAs pArA
o setor Do livro, leiturA,
literAturA e biblioteCAs
CIdInHa da sILVa
N o ano de 2014 organizamos a obra Afri-
canidades e relações raciais: insumos pa-
ra políticas públicas na área do livro, leitura,
literatura e bibliotecas no Brasil, um alentado
diagnóstico da realidade sociocultural do setor
LLLB, pelas dimensões de raça e africanida-
des, a partir do pensamento de 48 mulheres e
homens, predominantemente negros e jovens,
considerando os desafios da encruzilhada do
combate ao racismo e da formação do leitor-
-literário (1).
a obra está estruturada em oito capítulos
temáticos introduzidos pelos conceitos básicos
que costuram todo o livro, de maneira direta
ou não, e que posicionam a linguagem como
campo tensionado pela disputa de poder en-
tre diferentes correntes de pensamento e de
compreensão do mundo. são eles: africanida-
des, bibliodiversidade, cultura negra, favela,
letramento, literatura afro-brasileira, literatura
periférica, oralitura, periferia, quilombos ur-
banos, racismo institucional, relações raciais.
a seguir, 37 narrativas são organizadas em
oito capítulos. Intentamos, como vem sendo
feito nos Planos setoriais de Cultura, de um
lado, detectar fragilidades, obstáculos e desa-
fios por superar, e de outro, salientar oportu-
nidades, vocações e potencialidades a serem
trabalhadas no campo LLLB.
o livro apresenta um conjunto de ideias,
experiências, reflexões, análises críticas e,
também, conceitos sobre materiais concretos
e simbólicos (livro e bibliotecas, literatura e
leitura), ainda insuficientemente explorados,
pesquisados e compreendidos.
a questão se torna mais aguda ao conside-
rarmos que faltam o olhar e a presença explora-
tória e analítica de mulheres e homens negros
sobre o tema LLLB. a questão se aprofundará
ainda mais caso o olhar de mulheres e homens
negros seja convocado a se debruçar sobre as
possibilidades de políticas públicas para o campo
(1) “A irmandade
do rosário dos
pretos das portas
do Carmo (...)
foi formalmente
instituída no
ano de 1685.(...)
Como vimos, esta
irmandade, assim
como a maioria de
suas congêneres,
surgiu no século
Xvii.” ver o
formidável trabalho
de pesquisa de
regiNAlDo,
lucilene.
os rosários
dos angolas:
irmandades negras,
experiências
escravas e
identidades
africanas na bahia
setecentista. tese
de Doutorado,
unicamp
(Departamento de
História). Campinas,
2005.
A DiásporA NegrA No brAsil é o trâNsito
e DesloCAMeNto MusiCAl
©
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ão
UnespCiênCia32
Dossiê Afrodescendentes
LLLB, orientadas pelas dimensões de africani-
dades e relações raciais em sua gênese. Políticas
que considerem a necessidade de combater o
racismo, a discriminação racial, o racismo ins-
titucional e seus efeitos, sem perder de vista,
nem por um minuto, a formação de um leitor
literário que tenha acesso ao direito humano
de ler literaturas africanas e afro-brasileiras.
Construir este livro foi um mergulho em rio
de potencialidades inexploradas. Para manter o
fôlego nesse empreendimento ambicioso, con-
tamos com a capacidade respiratória plena e o
coração pulsante de 48 autores – 23 mulheres
e 25 homens – que fizeram conosco a travessia.
destes, 42% são jovens pensadores; contamos
nesta obra com 20 autoras e autores entre 25
e 40 anos. É bom ter o frescor da juventude
ombreado ao conhecimento e experiência dos
mais velhos, alternando o bastão, como se faz
no nado de revezamento.
a partir desta publicação, propomos um
diálogo do mais alto nível com o Plano nacio-
nal do Livro e Leitura, em vigor desde 2006;
com os planos municipais do livro e leitura já
concretizados e com aqueles (a maioria) ainda
em processo de elaboração; com a dLLLB e
demais secretarias vinculadas ao Ministério
da Cultura bem como aos outros ministérios;
com o Colegiado setorial do Livro, Leitura e
Literaturas; com o Programa Mais Cultura;
com os projetos de lei afeitos ao campo LLLB;
com o Programa Leitura Para Todos; com a
rede Brasil de Bibliotecas Comunitárias, ou-
tras redes autônomas de bibliotecas públicas,
escolares e/ou temáticas brasileiras; com a
Frente Parlamentar em defesa do Livro no
Congresso nacional; com as Frentes simila-
res existentes em assembleias Legislativas e
Câmaras Municipais dispersas pelo território
nacional; com a Lei orgânica dos municípios;
com os órgãos executivos específicos ligados às
questões da comunidade negra; com a socie-
dade civil como um todo, mas, especialmente,
com as organizações negras, as instâncias de
arte, cultura e educação, assim como com os
Pontos de Cultura dedicados ao LLLB. Final-
mente, estamos preparados para dialogar com
os sujeitos fundantes de todo esse processo, ou
seja, escritoras e escritores, leitoras e leitores
negros e periféricos.
Cidinha da Silva
é prosadora e
dramaturga. Tem
vários títulos
publicados, entre eles,
Racismo no Brasil
e afetos correlatos
(Conversê Edições,
2013, crônicas).
Possui centenas de
crônicas, ensaios e
artigos de opinião
publicados na WEB,
em portais, blogues
profissionais diversos
e principalmente no
blog pessoal e
na Fanpage .
Atuou como gestora
de cultura na
Fundação Cultural
Palmares (FCP), onde
concebeu e realizou
este Africanidades
e relações raciais.
É doutoranda do
Programa de Difusão
do Conhecimento/
UFBA.
(1) resenha recente
sobre a obra pode
ser lida no portal
literAFro da
uFMg:
.
Imagem da capa
de Africanidades
e relações raciais:
insumos para
políticas públicas
na área do livro,
leitura, literatura e
bibliotecas no Brasil.
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ão
UnespCiênCia 33
Leitura
já propunham construir uma grande rede de
informações que abarcasse e ligasse todos os
campos do conhecimento humano a partir de
uma estrutura racional.
Foram traduzidos 298 verbetes, abarcando
textos de 37 autores, como Diderot, d’Alembert,
Jaucourt, Voltaire, Turgot e Rousseau, em um
trabalho de seleção que privilegiou não só a
qualidade de argumentação, mas também a
literária. E das cerca de 600 imagens primoro-
samente desenhadas da edição original, nesta
estão reproduzidas 173.
Como resultado, os volumes ficam livres
de inevitáveis anacronismos, mas oferecem
material mais do que suficiente para tornar
acessível ao leitor brasileiro a obra que colocou
o homem no centro do processo de obtenção
do conhecimento, impulsionando a ciência,
a filosofia e a razão para os patamares que co-
nhecemos hoje. Se com isso eles forneceram
as bases para a reinvenção do Ocidente desde
o Iluminismo, podem muito bem fornecer a
inspiração para novamente enfrentarmos a
tarefa de repensar o mundo.
P ode-se pensar na Enciclopédia, ou Dicio-
nário razoado das ciências, das artes e dos
ofícios, lançamento da Editora Unesp, como
um objeto de desejo intelectual que enriquece
qualquer biblioteca. E o tem sido desde junho
de 1751, um best-seller longevo e símbolo do
saber. Sendo a base do Iluminismo, também
se constitui em fonte de consulta valiosa pa-
ra compreender como o primado da razão e
do progresso associado ao trabalho sucedeu
ao domínio religioso e monárquico. Mas este
monumento da civilização ocidental é igual-
mente um documento moderno, que pode
servir de inspiração para discutir as formas
de organização do conhecimento na Era da
informação digital.
Neste sentido, esta edição em cinco volu-
mes, a mais abrangente versão fora da Fran-
ça, surge justamente quando o pensamento
racional é ameaçado por perspectivas dogmá-
ticas que se propagam em um mundo cada
vez mais fragmentado. Pois se hoje a comu-
nicação trafega por sistemas digitais interco-
nectados, os enciclopedistas do século XVIII
Enciclopédia Iluminista
de Diderot e d’Alembert
VErsão
brAsIlEIrA
é A mAIs
AbrAngEntE já
EDItADA forA
DA frAnçA
Filósofos Iluministas
reunidos no salão de
madame Geoffrin. Óleo
sobre tela de Anicet-
-Charles Lemonnier,
1812. Museu Nacional do
Castelo de Malmaison,
Rueil-Malmaison/França
UnEspCIênCIA34
Leitura
SOBRE OS
ORGANIZADORES
Pedro Paulo Pimenta é
graduado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo
(1994), mestre (1997) e
doutor (2002) pela mesma
instituição, onde leciona
desde 2005. Dedica-
-se a estudos na área de
Filosofia Moderna, com
especial ênfase em autores
do século XVIII.
Maria das Graças de Souza
possui graduação em
Filosofia pela Universidade
de São Paulo (1971),
mestrado em Filosofia pela
Universidade de São Paulo
(1983) e doutorado em
Filosofia pela Universidade
de São Paulo (1990).
Livre-docente em 1999,
é atualmente professora
titular da Universidade de
São Paulo. Tem experiência
na área de Filosofia, com
ênfase em História da
Filosofia e Política, atuando
principalmente nos
seguintes temas: filosofia
moderna, iluminismo,
renascença, história,
política.
Enciclopédia –
5 volumes,
Autores: Jean le Rond
d’Alembert e Denis
Diderot
Organizadores: Pedro
Paulo Pimenta e Maria
das Graças de Souza
Tradução: Fúlvia
Moretto, Editora Unesp
Preço de cada volume:
R$ 78,00
Volume 1
Discurso preliminar e
outros textos, 350 p.
Volume 2
O sistema dos
conhecimentos, 413 p.
Volume 3
Ciências da natureza,
348 p.
Volume 4
Política, 374 p.
Volume 5
Sociedade e artes,
399 p.
UnEspCIênCIA 35
Enciclopédia
Discurso preliminar e
sobrE A obrA
Em junho de 1751, Diderot e d’Alembert
apresentavam ao mundo o primeiro volu-
me da Enciclopédia, ou Dicionário razoa-
do das ciências, das artes e dos ofícios. Os
últimos de seus 28 volumes saíram em
1772. Nesse ínterim, ocorreram diversas
polêmicas, conflitos com nobres e reli-
giosos e censura, já que a obra era uma
declaração clara de um espírito indepen-
dente, que tirava a primazia da teologia
para colocar a razão e a ciência em seu
lugar e afirmava os valores da burguesia
(trabalho, liberdade e progresso) frente
à autoridade da monarquia. Enfim, uma
grande ameaça à religião e à ordem polí-
tica do Antigo Regime.
Buscando resumir todo o conhecimento
humano disponível até então, o projeto
reuniu os principais pensadores franceses
da época. A dificuldade enfrentada por
Diderot, além de organizar esse material,
foi colocar lado a lado personalidades de
temperamentos fortes e muitas vezes que
se combatiam entre si, como era o caso
de Rousseau e Voltaire.
Na obra original, os verbetes estão
arranjados em uma simples ordem alfa-
bética, que foi mantida na edição em por-
tuguês, mas acrescentando uma divisão
temática, que se reproduz nos volumes:
1. Discurso preliminar e outros textos, onde
se contextualiza e se apresenta o projeto
intelectual da Enciclopédia;
2. O sistema dos conhecimentos, em cujos
verbetes filosóficos se manifesta a nova
concepção de mundo e uma postura que
se opõe a todo fanatismo;
3. Ciências da natureza, um registro acurado
do conhecimento de Física, Matemática,
Química e História Natural da época;
4. Política, que, mais do que um manifes-
to da emergente burguesia, questiona as
forças históricas e reafirma o movimento
pela liberdade;
5. Sociedade e artes, que permite obser-
var os modos como uma dada sociedade
se manifesta.
Design
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e
UnespCiênCia36
Nara Silvia M. MartiNS e NeiDe MarcoNDeS De Faria
Design
DeSeNhoS e ProjetoS elaboraDoS Por leoNarDo Da viNci
Mundo possível contemporâneo
c umpre aqui uma reflexão: Leonardo
da Vinci, nos séculos XV e XVI, ajui-
zou e estudou, estipulando, em seu produto
gráfico, projetos, desenhos, planejamentos e
invenção de novas formas, reservando espa-
ços para as gerações futuras. Seriam mundos
possíveis futuros? elos com a multiplicidade
contemporânea?
A concretização hermenêutica desta propos-
ta deu origem a esta interpretação. Leonardo
da Vinci, considerado o gênio da Renascen-
ça, além de pinturas deixou um repertório de
cerca de 13 mil páginas de notas e desenhos,
que combinam arte e tecnologia.
Seu complexo tratado sobre pintura, Trattato
della Pittura, compreende reflexões e teorias
sobre proporções, métodos de desenho e uso
das cores, estudos sobre geometria, sombra
e luz, chiaroscuro, escritos ainda no final do
século XV.
O artista não conseguiu documentar e or-
ganizar suas descobertas de modo sistemáti-
co. Séculos depois de sua morte, os eruditos
estudaram seus famosos cadernos, que foram
organizados em coletâneas, conhecidos por
Códice Atlântico, Coletânea de Windsor, Có-
dice Arundel, Códice Foster, Códice de Madrid
e Manuscrito B, entre outros. Estas coletâneas©
D
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e
ProFeSSoreS Da UNeSP coMeNtaM
legaDo De leoNarDo
entre novembro de 2014 e maio de 2015,
parte do acervo do Museo Nazionale
della Scienza e della tecnologia leonardo
da vinci (MUSt), em Milão, na itália,
desembarcou no brasil, na galeria de arte
do Sesi-SP, no centro cultural Fiesp – ruth
cardoso. a exposição interativa “leonardo
Da vinci: a natureza da invenção”, uma
parceria do Serviço Social da indústria de
São Paulo (Sesi-SP) e da Universcience
(organização francesa criada em 2010
a partir da fusão da cidade da ciência e
da indústria e do Palácio da Descoberta
de Paris), reuniu mais de 40 peças e dez
instalações interativas que marcaram
e representam a trajetória de um dos
maiores gênios que a humanidade
conheceu. Para homenagear leonardo, a
assessoria de comunicação e imprensa
da Unesp convidou diversos docentes,
de várias áreas do conhecimento,
para prestarem seus depoimentos na
exposição. o material está disponível em:
.
UnespCiênCia 37
Desenhos e obras
de maquinarias,
engrenagens e projetos
constituem uma
memória do futuro
Design
desenhos originais e montagem dos objetos.
Na mostra estavam presentes quarenta mo-
delos artesanais inspirados em fragmentos de
estudos, que revelavam o lado mais inventivo
de Leonardo da Vinci, os projetos possuem
princípios artísticos unidos a interesses cien-
tíficos. A exposição também teve por subtítulo
A sua obra é um presente para a Humanidade.
Alguns exemplos dentre os desenhos e ob-
jetos montados:
– Canhão Naval (Coletânea de Windsor) > em
que Leonardo propõe guarnecer batéis com
plataformas giratórias munidas de fileiras de
canhões destinados a afundar os navios inimigos;
– Carro Ceifador (Códice de Madrid) > o de-
senho de Leonardo mostra um carro puxado
por cavalos e dotado de foices rotatórias, mo-
vidas por um engenhoso mecanismo de trans-
missão diretamente ligado ao movimento das
rodas do carro;
– Estudo de asa unida (Códice Atlântico) >
apresentam grande variedade de assuntos,
como óptica, astronomia, geometria, cosmo-
logia, hidráulica. Referidos Códices contêm
inúmeros desenhos de máquinas para voar,
máquinas de guerra, projetos para canaliza-
ção de pântanos, projetos para a construção
de palácios e de estradas, estudo para armas
de guerra, estudos para escadas de assalto a
fortalezas, estudos para roda dentada, pro-
jetos de interligação de canais hidráulicos,
entre outros. Estudar parte dos desenhos e
inventos de Leonardo é percebê-los e colocá-
-los na perspectiva dos mais recentes avanços
da ciência moderna.
A exposição que teve por título Leonardo
da Vinci no D&D – Decoração & Designer
Center e por subtítulo Dentro da Mente de
Leonardo da Vinci, que aconteceu como even-
to nos meses de outubro e novembro de 2015,
em São Paulo, contou com a apresentação
de Códices, descrição dos objetos, cópias dos
UnespCiênCia38
Nara Silvia M. MartiNS e NeiDe MarcoNDeS De Faria
Design
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D
an
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ir
e
após observações sobre a anatomia das aves,
Leonardo projeta uma asa inteiriça similar à
dos morcegos, recoberta por um pano esticado
sobre armação de madeira e juncos;
– Máquina de caminhar sobre a água (Códice
Atlântico) > em meio ao desenho de Leonar-
do está um instrumento, que se parece com
enormes esquis, que deveria possibilitar ao
homem flutuar na água, valendo-se da ajuda
de bastões;
– Ponte arqueada (Códice Atlântico) > trata-se
de uma ponte leve e forte, construída de mo-
do rápido com material de pequenos troncos e
amarras robustas. Ponte de fácil transporte para
objetivos militares, ela possibilitava a travessia
de rios, com deslocamentos rápidos de tropas.
Levantadas as preocupações para as in-
terpretações dos objetos de arte, do design,
das formas da arquitetura, a lógica modal foi
neste presente trabalho considerada, refletida
e estudada como instrumento para a interpre-
Para Saber MaiS
caPra, Fritjok. a ciência de leonardo
da vinci. São Paulo: cultrix, 2007.
clarK, Kennethy. leonardo da vinci.
rio de janeiro: ediouro, 2001.
este texto é uma síntese da pesquisa
arte e Design em Mundo Possível
contemporâneo: instigante ousadia.
Desenhos e projetos elaborados
por leonardo da vinci; realizada
anteriormente.
tação de obras gráficas de Leonardo da Vinci
(séculos XV e XVI); permitiu constatar que
o artista elaborou repertório de desenhos e
obras de maquinarias, engrenagens, projetos
naquele seu mundo real, que se constituiu em
memória do futuro.
Nara Silvia M. Martins é
doutora em Arquitetura
pela USP. .
Neide Marcondes de
Faria é professora
titular em História e
Teoria da Arte pela
Unesp. .
UnespCiênCia 39
Dossiê Nobel
o resultado da escolha do prêmio Nobel
de Literatura deste ano pode represen-
tar uma grande surpresa para a maioria dos
leitores brasileiros. Mas para o público ledor
americano e europeu a ganhadora é bastante
conhecida, pois teve obras traduzidas para
diversos idiomas, como russo, inglês, francês,
alemão, espanhol, vietnamita, búlgaro, chinês,
finlandês, romeno, checo, húngaro, japonês,
sueco e até português de Portugal.
Svetlana Alexievich é ucraniana nascida
em 1948 e criada num vilarejo do interior da
Bielorrússia. Na juventude vai para a capi-
tal – Minsk – onde se forma em jornalismo.
Sua obra literária nutre-se bastante da sua
atividade de jornalista e repórter. É autora
de poemas, ensaios, contos e novelas e até de
peças de teatro.
Sua obra principal, com a qual terá seu
nome permanente na história da literatura
universal, é o impressionante relato Oração
de Chernobyl. Crônica do futuro, em tradução
literal, publicada em Moscou em 1997. Pouco
tempo depois já estava traduzida em dezenas
de idiomas. A tradução para o francês com o
título La supplication: Tchernobyl, chroniques
du monde après l’Apocalypse, de autoria de
Gala Ackerman e Pierre Lorrain, alcançou
enorme sucesso e despertou o interesse para
as demais traduções.
A tradução para o inglês, com o título Voices
from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear
Disaster, da autoria de Keith Gessen, foi publi-
cada simultaneamente nos Estados Unidos e no
Reino Unido, serviu de mediadora para a versão
em outros idiomas. Em espanhol, foi traduzida
por Ricardo San Vicente, lançada no início de
2015 em brochura e na versão kindle, com o
nome Voces de Chernóbil – crónica del futuro.
Em abril deste ano saiu a tradução para
o português de Portugal, feita por António
Pescada, publicada pela Porto Editora, com o
para o pÚblico
americaNo
e europeu a
gaNHaDora
É basTaNTe
coNHeciDa,
pois TeVe
obras
TraDuziDas
para DiVersos
iDiomas
Um Nobel surpresa?
UNespCiêNCia40
geNTil De Faria
Dossiê Nobel
curioso título O fim do homem soviético – um
tempo de desencanto. Com esse título, os edi-
tores portugueses ampliaram a interpretação
do romance como se ele incluísse também o
colapso da União Soviética, ocorrido em 1991.
A explosão nuclear ocorrida numa fábrica
de Chernobyl em 26 de abril de 1986, preci-
samente à 1h23:58, sobretudo suas terríveis
consequências para milhões de pessoas, é o as-
sunto central da narrativa. Svetlana entrevistou
mais de uma centena de pessoas durante três
anos para compor um pungente documento
humano em que usa a primeira pessoa. Ela
dá voz ao entrevistado, o que estabelece um
vínculo profundo com o leitor, que fica preso
ao livro até a última página.
A primeira entrevista é com uma mulher
que havia perdido o bebê e o marido, bombei-
ro que primeiro tentou salvar as vítimas. Ela
estava grávida, quando ouviu a notícia. Seu
relato em tom emocional cativa o leitor, desde
o início: “Eu não sei sobre o que deveria falar...
Da morte ou do amor? Tanto faz... Sobre o que
devo falar? Éramos jovens recém-casados. Na
rua, dávamos as mãos, mesmo se fôssemos a
uma loja...” Eu dizia a ele: “eu te amo”.
O Prólogo, significativamente intitulado
“Uma voz solitária”, traz a epígrafe: “Somos
ar, não terra”, do escritor e filósofo Merab
Mamardashivili (1930-1990), considerado o
Socrátes russo, que contrasta a fragilidade da
condição humana e a indiferença e insensibi-
lidade das autoridades soviéticas. Até hoje os
efeitos da catástrofe ainda são sentidos pela
população abandonada.
Svetlana, nas inúmeras entrevistas que con-
cedeu, enfatiza, talvez com algum exagero,
que o que aconteceu em Chernobyl é muito
pior do que os Gulags e o Holocausto. Para
ela, a história de Chernobyl ainda está sendo
escrita. “Este é um enigma para o século 21”,
conclui.
Gentil de Faria é
professor titular de
literatura comparada na
Unesp de São José do
Rio Preto.
Este artigo foi publicado
originalmente na Folha
de S. Paulo de 8 de
outubro de 2015.
Acesse:
.
Nobel de Literatura:
ucraniana Svetlana
Alexievich é autora
de poemas, ensaios,
contos, novelas e
peças de teatro
UNespCiêNCia 41
Dossiê Nobel
vados; William C. Campbell, parasitologista,
pesquisador emérito na Universidade de Drew,
Madison – EUA; e Satoshi Omura, químico
bio-orgânico, professor na Universidade de
Kitasato, Japão, pelas pesquisas sobre aver-
mectina, produto natural da classe das lactonas
macrocíclicas e derivados sintéticos, produzidas
pela fermentação de Streptomyces avermitilis,
bactéria da classe dos actinomycetos, é uma
excelente demonstração do reconhecimento
da Academia Sueca para a pesquisa destes
cientistas, diferente daquelas a que, em ge-
ral, é concedido um Nobel.
O fato interessa muito à ciência feita no
Brasil, e em especial aos pesquisadores que
fazem investigação em química de produtos
naturais, farmacologia e medicina, cuja ten-
Q uando li as primeiras notícias sobre os
laureados com o Nobel de Medicina
2015, não pude conter a emoção e a alegria
pela informação extraordinária – Os produtos
naturais e os medicamentos planejados para o
tratamento de doenças negligenciadas foram as
pesquisas premiadas com a maior premiação
mundial já outorgada a um cientista.
O Nobel de Medicina 2015, concedido aos
cientistas: Youyou Tu, química farmacêutica e
médica, professora da Universidade do Cen-
tro de Ciências Médicas da Universidade de
Pequim, em Beijing, pelas suas investigações
sobre a Artemisia annua (Asteraceae), planta
medicinal milenar chinesa, e as propriedades
antimaláricas da artemisinina (qinghaosu),
uma lactona sesquiterpênica e de seus deri-
TribuTo à
Química De
proDuTos
NaTurais e
às pesQuisas
sobre DoeNças
NegligeNciaDas
Nobel de Medicina de 2015
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UNespCiêNCia42
VaNDerlaN Da s. bolzaNi
Dossiê Nobel
dência natural é acompanhar as tendências
do mundo central.
Semana passada publiquei um texto sobre
o ranking de classificação de 192 universi-
dades brasileiras (RUF Folha), enfatizando
a questão do papel da pesquisa fundamental
de excelência e da inovação, em geral medida
pelos produtos que poderão ser originados do
conhecimento de pesquisa.
A premiação deste ano nos leva a refletir,
por exemplo, sobre o estado-da-arte das pes-
quisas de bioprospecção de produtos naturais
e sobre a diversidade químico-biológica da
megabiodiversidade brasileira, considerada
um laboratório altamente sofisticado de pro-
dutos naturais, fonte valiosa de fármacos e de
outros bioprodutos para o bem-estar humano.
Um olhar sobre as trajetórias acadêmicas
dos três agraciados demonstra que, mesmo
sem os holofotes habituais aos cientistas des-
tacados para serem prêmios Nobel (os atuais
ganhadores têm índice h em torno de 30), su-
as pesquisas revelam importância científica e
social e, ao mesmo tempo, unem o encanto
e a beleza da química de produtos naturais
ao sonho da descoberta de medicamentos
para a saúde humana, sem muito interesse
das grandes indústrias farmacêuticas, por se
tratar de fármacos para doenças negligencia-
das, em geral pouco rentáveis.
As investigações mostram uma vida de de-
dicação destes cientistas ao desenvolvimento
de novos medicamentos para combater malá-
ria e outras verminoses que acometem mais
de um bilhão de pessoas em todo o mundo,
especialmente as populações carentes dos
países pobres, com altas taxas de mortalidade
de crianças. Doenças causadas por parasitas
acompanham a espécie humana por milênios,
constituem um grave problema de saúde glo-
bal e representam, hoje, um enorme desafio
para a melhoraria da saúde das populações
que vivem nas regiões com alta concentração
de pobreza, que, com a globalização e ciclos
migratórios intensos, torna-se, portanto, um
problema sério para o mundo central.
Mais extraordinário ainda do Nobel de Me-
dicina 2015 é colocar no cenário mais ambi-
cionado da academia mundial a química de
produtos naturais. A artemisinina e a aver-
mectina são as estrelas do momento, mas são
apenas dois exemplos da imensa diversidade
da química da natureza, uma fonte inesgotável
de inspiração acadêmica e tecnológica para
a criação humana. Os metabólitos secundá-
rios, ou produtos naturais, se destacam pela
incomensurável contribuição que têm dado
aos avanços da síntese orgânica moderna e da
química medicinal, cujas aplicações infinitas
marcaram definitivamente a história da huma-
nidade, com destaque para os medicamentos,
materiais de higiene, cosméticos, defensivos
agrícolas, fragrâncias.
Sem contabilizar os tradicionais exemplos de
substâncias que marcaram a história humana,
como morfina, reserpina, codeína, quinina,
vincristina, vimblastina e os nossos curares,
há evidência de que 77% dos fármacos anti-
bacterianos são produtos naturais ou deriva-
dos semissintéticos. Similarmente, 53% dos
medicamentos anticancerígenos, 80% dos
antivirais e 100% dos imunossupressores têm
alguma origem ou inspiração nos produtos
naturais de plantas, organismos marinhos,
microrganismos e insetos.
Que os produtos naturais avermectina e
artemisinina sejam moléculas carreadoras
de estímulos e incentivos às pesquisas com
produtos naturais no país, em especial para
as novas gerações de cientistas, tendo em
conta nossa imensa biodiversidade e a vo-
cação histórica de eminentes cientistas que
criaram a química de produtos naturais mo-
derna do Brasil.
O que falta então para que novos fármacos
antimaláricos e antiparasitários mais eficazes
e menos tóxicos sejam descobertos da nossa
biodiversidade? Eis a questão!
Vanderlan da S. Bolzani
é professora titular do
Instituto de Química da
Unesp de Araraquara
e diretora da Agência
Unesp de Inovação.
Este artigo
foi publicado
originalmente no
Jornal da Ciência de 6
de outubro de 2015.
prêmio coloca No ceNário mais ambicioNaDo Da
acaDemia muNDial a Química De proDuTos NaTurais
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Arte e cultura
ferências do artista, o músico, maestro e ar-
ranjador Arthur Verocai, que em 1972 lançou
um álbum memorável, que continha a música
de mesmo nome.
O elemento essencial da proposta está no
mastro. Trata-se de um elemento que remete
à infância do artista, nascido em Jacareí, e
introduzido pela família em festas religiosas
e populares. Em ambas, a verticalidade se
faz presente. Comum nas devoções rurais,
muitas vezes com um santo no topo, como
nas festas juninas, o mastro também aparece
em procissões e inclusive no pau de sebo, que
não deixa de ser uma metáfora do processo
de ascensão. No alto das esculturas, porém,
o artista instala dois espelhos, que passam
a sacralizar a própria paisagem do entorno,
refletida num jogo arbitrário regido pela luz
e pelo movimento da Terra em torno do Sol.
Dentro do Museu, há sete mastros dispostos
B runo Brito, aluno do curso de Artes Vi-
suais do Instituto de Artes da Unesp, em
São Paulo, SP, realizou a exposição Na boca
do sol de 26 de setembro a 31 de outubro no
Museu de Antropologia do Vale do Paraíba,
em Jacareí, SP.
Na Boca do Sol traz discussões sobre a apro-
priação do espaço em várias dimensões, três
internas ao Museu de Antropologia do Vale
do Paraíba, em Jacareí, e mais quatro exter-
nas, que envolvem o município como um todo.
Estabelece-se assim uma série de elos entre
aquilo que de fato se vê e aquilo que é possí-
vel, pela nossa imaginação, ver.
O título aponta justamente para um local
abstrato, não existente, um lugar ermo, uma
coordenada geográfica qualquer, imaginária,
que tanto pode ser o próprio Museu como os
locais de instalação dos quatro mastros no
município. O nome provém de uma das re-
Aluno do
InstItuto de
Artes reAlIzA
mostrA em
JAcAreí, sP
Exposição Na Boca do Sol
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oscAr d’AmBrosIo
Arte e cultura
em linha reta, sugerindo um caminho a ser
percorrido, sendo que cada um deles, em sua
dimensão vertical, como elemento simbólico,
e horizontal, pela condução do olhar que pro-
picia, indica uma direção que se articula com
o todo do projeto.Dialoga, assim, com seus
trabalhos anteriores, onde hastes, tanto em
ambientes de praia como em colinas, apontam
para procedimentos e métodos da engenharia
civil, da arquitetura, topografia e agrimensura.
No entanto, a proposta de Brito não gera
dados exatos, mas propõe formas próprias e
poéticas de ler a paisagem, revelando seus as-
pectos topográficos, atmosféricos e biológicos.
Gera, assim, uma reflexão sobre a lógica e a
dinâmica do local. Nesse aspecto, esclarecendo
esse processo de criação e essa poética que se
aproxima da ciência, um vídeo, na sala anexa,
mostra a jornada e toda a mobilização huma-
na necessária para se materializar a obra. A
música Caboclo, de Verocai, interage com esse
universo do trabalho dos homens no campo,
mergulhados na imensidão do espaço, “des-
cendo do horizonte”, “deitados na paisagem”,
“passeando pela luz”.
Há, ainda, uma sala escura e silenciosa, com
a taipa de pilão exposta, onde dois eucaliptos
formam uma espécie de cruz. A disposição
pode sugerir direções aleatórias, mas também
indiciar as localidades dos mastros instalados
no território da cidade. A música Velho Parente,
de Verocai, traz outras leituras com o verso “os
filhos não dormiram ao lado da velha cruz”,
atribuindo um caráter fúnebre à instalação,
potencializado pelo livro que escora uma das
hastes: Como Era Verde Meu Vale.
Fora da exposição, os quatro mastros estão
instalados nas direções: norte, sul, leste e oes-
te, formando um estratégico quadrilátero que
tem o Museu como centro. Espelhos no topo
de cada mastro e o livre movimento ao ritmo
de ventos e brisas reforçam o dinamismo da
arte e seu infinito refletir. Essa relação dos
mastros com as intempéries já foi explorada
pelo artista em outras oportunidades, num
exercício permanente de lidar com mutações,
seja no ciclo de vida de uma obra, nas surpre-
sas que o viver proporciona ou na visualização
dos espaços como uma atmosfera do pensar.
A música O Mapa, de Verocai, desperta
essa concepção de que a própria cidade se
torna o trabalho, sua paisagem, seu terreno
e seus logradouros: “A praça, o povo, a fé. O
campo, a bola, o café. E nada vai bem ou vai
mal. Que mapa estão os meus pés?”. O artista
fala de sua cidade usando-a de fato.
Dessa maneira, é instaurado um diálogo
de memórias entre a natureza, o ser humano
e a interação entre ambos, seja pelo fazer ou
pelo pensar. Evidencia-se ainda mais aqui a
relação do artista com os ambientes em que
transita, não apenas como observador, já que
seu trabalho é justamente o de interferir neles
de maneira criativa, aprendendo com seus ní-
veis, desníveis e eternas metamorfoses.
O conjunto de 11 mastros, o vídeo e a cruz
constitui um amplo mecanismo capaz de des-
locar o público para fora do museu, e vice-
-versa, direcionando o observador dos mastros
externos para o centro do quadrante, a própria
exposição. Pode-se pensar, assim, tanto nas
infinitas possibilidades de diálogo da arte com
seu entorno, como nas do artista com a cidade
e nas de cada indivíduo com as percepções
que a exposição propicia.
Sete mastros dispostos
em linha reta sugerem
um caminho a ser
percorrido
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NA BOCA DO SOL
na minha cidade do interior
tudo que chegou, chegou de trem
minha mãe olhava pra estação
e vendo viagens dentro de mim
desenhou no ventre mais um irmão
na minha cidade do interior
Pra quem mora lá, o céu é lá
lembro da manhã na boca do sol
Vou da avenida à estação
com medo dos pais ou por solidão
toda a minha vida eu vi passar
no brilho dos trilhos de um trem
Que me vem e parte toda manhã
engolindo túneis que a gente tem
e a preguiça não deixou fechar
na minha cidade do interior
Perto da manhã, na boca do sol
Pra quem mora lá, o céu é lá
CABOCLO
caboclo quando sai
Acorda o sol pela manhã
Planta algodão
Planta nuvens pelo chão
À noite, quando volta
traz estrelas num bornal
cofres do sertão
Que semeia no quintal
descendo do horizonte
ele tira seu chapéu
olhando um olho d’água
Que cuspia para o céu
deitado na paisagem
na folhagem enrolou
Pés de uma manhã
Passeando pela luz
o vento no seu rosto
sopra leve, tira o sol
como tira o pó
de um velho paletó
e pondo os pés na lama
seu sapato feito só
de barro pra ser gasto
Quando então pisar na grama
VELHO PARENTE
o velho parente dormindo em paz
tomou uma barca
mudou-se de cais
Guardado na arca com velhos jornais
Fechado à chave dormido demais
os filhos não dormiram
Ao lado da velha cruz
Fecharam o cofre guardando a luz
Guardaram-se o sono brincaram em paz
os ratos roeram os canaviais
roeram o verde em partes iguais
os filhos não dormiram
esperando pelos demais
os filhos não dormiram
Ao lado da velha cruz
O MAPA
depois de sonhar no sofá
Pescar minhas contas sem fim
se nada vai bem ou vai mal
Que mapa estão os meus pés?
A praça, o povo, a fé
o campo, a bola, o café
e nada vai bem ou vai mal
Que mapa estão os meus pés?
A gente, o porto, o cais
o medo, a vida, o revés
e nada vai bem ou vai mal
Que mapa estão os meus pés?
A gente, o porto, o cais
o medo, a vida, o revés
e nada vai bem ou vai mal
Que mapa estão os meus pés?
letras de Arthur Verocai,do álbum Arthur Verocai, 1972 ©
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Geografia
Mesmo assim, constatou-se o baixo volu-
me de recursos direcionado aos produtores
assentados. Esses trabalhadores apresentam
dificuldades para acessarem os recursos do
Pronaf, devido aos baixos rendimentos obti-
dos nos lotes, à reduzida inserção na economia
formal e à baixa organização social.
Para os produtores assentados nos municí-
pios de Caiuá e Teodoro Sampaio, o crédito
agrícola garante o financiamento da produção
e a realização dos primeiros investimentos,
que possibilitam a estruturação das unidades
produtivas e, consequentemente, a ampliação
da renda obtida a partir da exploração dos
lotes. Essa renda é revertida na compra de
produtos dos mais variados tipos no mercado
local, sobretudo aqueles ligados à agricultu-
ra. Entretanto, parte dos assentados não tem
saldado as parcelas do Pronaf devido à baixa
produção e às dificuldades de comercialização
dos produtos agrícolas.
J ânio Gomes do Carmo apresentou, em
abril, a dissertação de mestrado O PRO-
NAF nos municípios de Caiuá e Teodoro Sam-
paio – SP na Unesp de Presidente Prudente.
O objetivo principal da pesquisa foi analisar
o papel exercido pelo Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pro-
naf) nos assentamentos rurais dos municípios
de Teodoro Sampaio e Caiuá. O reconheci-
mento oficial dos agricultores familiares pelos
órgãos oficiais ocorreu nos anos 1990, sendo
direcionados recursos federais a essa categoria.
A participação dos movimentos sociais foi
de extrema importância para o reconhecimen-
to de tais agricultores e para a efetivação do
Pronaf. O referido programa tem possibilita-
do o acesso a recursos destinados ao custeio
das safras e a realização de investimentos a
juros acessíveis, propiciando melhorias na
produção agrícola e na condição de vida das
famílias assentadas.
Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar
Pesquisa
enfoca PRonaf
em cidades
Paulistas
Orientador:
Antonio Nivaldo
Hespanhol
Membros da banca:
Elpídio Serra e Celso
Donizete Locatel
Contato do pesquisador
Jânio Gomes do Carmo:
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Daniel patire
Foto do mês
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Foto do mês
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HOMENAGEM
a professora Martha Herr, do instituto de artes (ia) da
Unesp, faleceu dia 31 de outubro, em decorrência de
complicações de um câncer. Houve uma celebração
da vida dela dia 2 de novembro, em sua residência.
Quem quisesse homenageá-la foi convidado a
levar memórias, boas vibrações, sorrisos, histórias
engraçadas, músicas ou algo que trouxesse uma
lembrança dela.
Dia 22 de setembro, durante a abertura da
terceira edição do encontro internacional sobre
expressão Vocal na performance Musical – VOX
2015, no auditório do instituto, Martha havia recebido
homenagens por sua carreira de intérprete musical
e pela de pesquisadora e professora de Canto. a
professora do instituto de artes (ia), Câmpus de
São paulo, ganhou flores, uma placa com honrarias,
e muitos depoimentos de agradecimento como
profissional e pessoa de colegas, amigos e alunos,
da Unesp, da USp e da Unicamp.
norte-americana de nascença, ela interpretou
peças de música clássica e popular pelo mundo
afora. no Brasil, lecionou canto na USp, e, desde 1987,
foi professora do ia. em 2001, por sua iniciativa, se
estabelece o curso de pós-Graduação em Canto no
instituto. e criou, em 2006, o grupo de pesquisa eVpn
(expressão Vocal na performance Musical). É também
idealizadora do VOX, junto com pesquisadores
e professores das outras universidades estaduais
públicas paulistas.
Como intérprete, participou de concertos e óperas e
realizou gravações no Brasil, nos estados Unidos e na
europa, como solista e integrante de vários conjuntos
de música brasileira e de música contemporânea,
como rio Cello ensemble, Mestres Cantores de São
paulo e Grupo novo Horizonte. recebeu, em 1998,
o prêmio Carlos Gomes, da Secretaria de Cultura do
estado de São paulo, e foi nomeada pela associação
paulista de Críticos de arte (apCa) Cantora do ano
em 1990. em 2005, participou da primeira produção
brasileira de O anel dos nibelungos de richard
Wagner, durante o iX Festival amazonas de Ópera. em
2006, participou na estreia mundial da ópera Olga, de
Jorge antunes, no teatro Municipal de São paulo, no
papel título – Olga Benário.
Opinião
S ucuris são grandes serpentes da família
Boidea, que necessitam de animais de
pequeno e médio porte para se alimentarem.
Elas não predam presas de grande envergadu-
ra, sendo documentados ataques com ingestão
a bezerros, cervos, porcos e cães e raríssimos
ataques a seres humanos, com NENHUMA
prova de ingestão (o que provavelmente não
ocorre), embora em teoria estas cobras possam
devorar uma criança.
No ano passado, tivemos uma polêmica
devido ao apresentador de um canal de pro-
gramas sobre a Natureza que anunciou que
seria engolido por uma sucuri. Obviamente,
não conseguiu que a cobra fizesse o que ele
prometeu. Rechaçado pelas críticas recebidas
inclusive nos EUA, desapareceu da mídia (pelo
menos com este tema).
Porém, no programa Fantástico da rede Glo-
bo do dia 27/9, as sucuris foram abordadas
novamente por uma matéria extraída justa-
mente de um desses canais. Nesse dia, foram
exibidas imagens do ataque de uma sucuri,
que na verdade corresponde a uma mordida
em um policial no cumprimento de seu de-
ver de captura da serpente (e que aconteceu
vários anos atrás), ao mesmo tempo em que
perguntava qual seria a melhor forma de se
livrar desta mordida para que a vítima não se
tornasse “ração de sucuri”. Frases assim po-
dem “satanizar” o bicho sem razão para tal...
Existem campanhas e esforços no sentido
de que a população não mate estas cobras,
praticamente inofensivas se não provocadas e
que são prejudicadas por estas visões. Embora
seja possível entender o fascínio que despertam
na população e a necessidade de audiência
de um programa de variedades, reportagens
deste teor são questionáveis e necessitam de
melhor assessoria científica de profissionais
que estudam os hábitos da serpente. Sucuris
não devoram humanos, atacam muito rara-
mente e a imensa maioria dos ataques está
ligada a situações de provocação. A sua pre-
servação já é um problema sem que se passe
a falsa imagem de devoradora de homens...
Sobre sucuris na mídia
Vidal Haddad Junior é
professor da Faculdade
de Medicina da Unesp
em Botucatu.
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ARTIGO COMENTA REPORTAGEM DO PROGRAMA FANTÁSTICO DA TV GLOBO
VIDAL HADDAD JUNIOR
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VIDAL HADDAD JUNIOR
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