UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL CARACTERIZAÇÃO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE BOVINOS DE CORTE E EFEITOS NO BEM-ESTAR ANIMAL E NA QUALIDADE DAS CARCAÇAS Mariana Rezende Franco Zootecnista 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL CARACTERIZAÇÃO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE BOVINOS DE CORTE E EFEITOS NO BEM-ESTAR ANIMAL E NA QUALIDADE DAS CARCAÇAS Mariana Rezende Franco Orientador: Prof. Dr. Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa 2013 Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Campus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Zootecnia (Produção Animal). Apoios Financeiros: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO). DADOS CURRICULARES DA AUTORA Mariana Rezende Franco nasceu na cidade de Poços de Caldas, estado de Minas Gerais, aos dezenove de março de mil novecentos e oitenta e seis. Graduou- se em Zootecnia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), localizada na cidade Montes Claros (MG), no mês de janeiro do ano de 2010. Em novembro do mesmo ano, tornou-se integrante do grupo ETCO (Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp - Campus de Jaboticabal (SP). Iniciou sua participação no projeto intitulado “Bem-Estar de Bovinos de Corte e Definição de Protocolos de Boas Práticas de Manejo”, sob orientação do Prof. Dr. Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Não sei...se a vida é curta ou longa para nós. Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. [...]”. Cora Coralina Aos meus pais Marcos Antônio e Luce-Helena, pelo amor, atenção e filosofia de vida com que me ajudaram a trilhar todo o meu caminho. Às minhas irmãs Marcela e Milena, pela amizade e apoio em todos os momentos. Aos meus avós, pela garra e solidariedade de sempre. A eles dedico meu eterno carinho, amor, gratificação e, acima de tudo, admiração. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida. Aos meus pais e minhas irmãs, meu incansável agradecimento, pois nada disso seria possível sem vocês. O amor infinito está aqui. Ao meu orientador, Professor Doutor Mateus Paranhos, pela oportunidade, conhecimento e forte presença dentro do cenário da Zootecnia. Você me fez acreditar que é possível produzir bem e com ética. À Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – FCAV, campus Jaboticabal – SP, por ter me acolhido e por proporcionar um excelente ambiente de pesquisa. Em especial aos docentes do Curso de Pós-Graduação em Zootecnia. Aos frigoríficos, que me cederam espaço para a coleta de dados, e a todos aqueles funcionários gentis que cruzaram o meu caminho. Em especial ao Ney, pela forma precisa como conduzia os animais. Ao professor Fernando Baldi, pela paciência em me auxiliar nas estatísticas a serem utilizadas. Aos professores Emanuel Almeida e Roberto Roça, pelas valiosas considerações no meu trabalho. Ao meu namorado Victor, pelo incentivo, paciência e felicidade proporcionada. À equipe do Grupo ETCO, pelo conhecimento, coleguismo e oportunidade de realizar o trabalho com uma equipe de peso. Em especial, ao Daniel (pela amizade), à Emília (pelo convívio), à Maria Fernanda e à Nathasha (pelas perdizes), à Fran (pela troca de conhecimento), à Desirée e à Aline (pelos auxílios estatísticos) e ao Adriano (pela oportunidade). Aos meus amigos de coleta do Grupo ETCO, Arquimedes, Janaína, Joana e Tâmara, pela garra do grupo, convívio, paciência e risadas. Vocês contribuíram direta e indiretamente, de forma marcante, para a realização deste trabalho. Às amigas de casa Camila, Nayara e Marcela, pelo companheirismo, me acolhendo tão bem e calorosamente. Aos meus velhos amigos de Poços de Caldas, Diamantina e Montes Claros, que me acompanharam nesta etapa da minha vida e que me apoiaram de alguma maneira. Aos novos amigos dos outros setores de Melhoramento, Avicultura, Tratamento de Resíduos, Ovinocultura, dentre outros. À cidade Jaboticabal e àquelas pessoas que de, alguma forma, surgiram em minha vida, seja por uma conversa simples até a uma caixinha no almoço. Ao ETCO, pelo conhecimento e auxílio financeiro, proporcionando este trabalho. À FAPESP, por ter concedido a bolsa e ter possibilitado novas experiências. Ao CNPq, por ter concedido as bolsas do grupo de coleta de dados. A todos aqueles que, direta ou indiretamente, me ajudaram neste trabalho. Fiquem com o meu “muito obrigada”!!! i SUMÁRIO RESUMO.....................................................................................................................iv ABSTRACT...................................................................................................................v CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES GERAIS...............................................................1 1 Introdução...............................................................................................................1 2 Revisão de Literatura.............................................................................................3 2.1 Bem-estar Animal...........................................................................................3 2.2 Manejo Pré-Abate de Bovinos........................................................................5 2.3 Distância Percorrida.......................................................................................6 2.4 Densidade de Carga.......................................................................................8 2.5 O Condutor.....................................................................................................9 2.6 Tipos de Veículos e Condições de Manutenção..........................................10 2.7 Animais.........................................................................................................12 2.8 Hematomas..................................................................................................13 3 Referências..........................................................................................................17 RESUMO....................................................................................................................22 ABSTRACT................................................................................................................23 CAPÍTULO II – CARACTERIZAÇÃO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE BOVINOS DE CORTE E EFEITOS NO BEM-ESTAR ANIMAL E NA QUALIDADE DAS CARCAÇAS.......................................................................................................24 1 Introdução.............................................................................................................24 2 Objetivos...............................................................................................................27 3 Hipóteses..............................................................................................................28 4 Material e Métodos...............................................................................................29 4.1 Coleta de Dados...........................................................................................29 4.2 Animais Avaliados........................................................................................35 4.3 Análises Estatísticas.....................................................................................35 4.3.1 Análises de Regressão Logística..............................................................36 5 Resultados e Discussão.......................................................................................37 5.1 Caracterização do Transporte de Bovinos de Corte....................................37 ii 5.2 Efeitos das Condições de Transporte nas Frequências de Hematomas nas Carcaças....................................................................................................................45 5.2.1 Distância Percorrida na Viagem................................................................48 5.2.2 Espaço disponível no compartimento de carga ........................................49 5.2.3 Experiência dos Condutores.....................................................................50 6 Conclusões...........................................................................................................59 7 Referências..........................................................................................................60 CAPÍTULO III – IMPLICAÇÕES.................................................................................63 APÊNDICES...............................................................................................................65 iii APÊNDICES APÊNDICE 1 - PLANILHA USADA PARA O REGISTRO DE DADOS SOBRE AS VIAGENS E OS ANIMAIS..........................................................................................66 APÊNDICE 2 - PLANILHA USADA PARA O REGISTRO DE DADOS SOBRE OS MOTORISTAS............................................................................................................67 APÊNDICE 3 - PLANILHA USADA PARA A O REGISTRO DE DADOS DE HEMATOMAS NAS CARCAÇAS...............................................................................68 APÊNDICE 4 - RESUMO DAS ANÁLISES DE VARIÂNCIA DAS FREQUÊNCIAS DOS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA O VEÍCULO “TRUCK”.....................................................................................................................69 APÊNDICE 5 - RESUMO DAS ANÁLISES DE VARIÂNCIA DAS FREQUÊNCIAS DOS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA O VEÍCULO CARRETA..................................................................................................................70 APÊNDICE 6 - RESUMO DAS ANÁLISES DE VARIÂNCIA DAS FREQUÊNCIAS DOS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA O VEÍCULO CARRETA “COM DOIS PISOS”.......................................................................................................................71 APÊNDICE 7 - RESUMO DAS ANÁLISES DE VARIÂNCIA DAS FREQUÊNCIAS DOS INDICADORES DE BEM-ESTAR PARA O VEÍCULO “ROMEU E JULIETA”....................................................................................................................72 iv O EFEITO DO TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE BOVINOS DE CORTE NO BEM- ESTAR ANIMAL E NA QUALIDADE DA CARCAÇA RESUMO – O transporte de animais para o abate é considerada a etapa mais crítica dentro do manejo de pré-abate. Vários são os motivos que influenciam nos efeitos do transporte rodoviário de bovinos de corte e no bem-estar animal e na qualidade de carcaça. O objetivo deste estudo foi descrever os efeitos do transporte rodoviário no bem-estar e na qualidade da carcaça de bovinos de corte destinados ao abate. Foram realizadas avaliações em duas plantas frigoríficas, com 1.038 desembarques, 185 motoristas avaliados e com um total de 19.635 carcaças. Analisando-se os principais efeitos relacionados à caracterização do transporte rodoviário de bovinos em alguns indicadores de bem-estar animal estão relacionados as características das viagens (condição de conservação do veículo, condições das estradas, distância, espaçamento), do condutor (curso na área de bem-estar animal, idade, tempo de experiência em condução de bovinos) e dos animais (raça e sexo). Considerou como variáveis dependentes as frequências de animais deitados, de quedas no desembarque e de hematomas nas carcaças. Os resultados indicaram que todas as variáveis dependentes apresentaram algum efeito sobre o número de hematomas nas carcaças, a porcentagem de animais deitados durante a viagem e a porcentagem de quedas sofridas no desembarque. Destaca-se os efeitos da distância percorrida pelo veículo de transporte, o espaço linear do compartimento de carga por animal e o tempo de experiência e capacitação dos condutores como importantes fontes de variação. Além dessas, o modelo do veículo utilizado para o transporte dos animais, também se mostrou uma forte variável, embora não tenha sido como variável independente nos modelos, devido ao fato da definição do modelo a ser usado no transporte não ser aleatória, dificultando comparações. Conclui-se que para alcançar boas condições de bem-estar dos bovinos durante o transporte e carcaças com melhor qualidade é necessário planejar melhor o transporte, fazendo opção por tipos de veículos que oferecem menos riscos para os animais, capacitando os motoristas boiadeiros e, sempre que possível, optando por transportes de curta distância. “Palavra-chave:” hematomas, manejo de pré-abate, motoristas, tipos de veículos v THE EFFECT ROAD TRANSPORT ON CATTLE WELFARE AND CARCASS QUALITY ABSTRACT – Animal transportation is considered the most critical step in pre- slaughter beef cattle management. The aim of this study was to characterize the road transport of beef cattle and to analyses its impact on cattle welfare and carcass quality. The study was carried out in two slaughterhouses, by assessing the circumstances of 1,038 unloading procedures, interviewing 185 truck drivers and analyzing 19,635 carcasses. The following independent variables were recorded: 1.) vehicle (type and load compartment conditions), 2) road (distance traveled and road conditions), 3.) driver (age, years of experience in cattle transport and attendance to training courses), 4.) animal (breed and gender) and 5.) space available per animal in the load compartment. The dependent variables analyzed were 1.) frequency of animals lying down in the load compartment, 2.) number of falls at unloading and 3.) number of bruises on the carcasses. The results indicated that all dependent variables had some effect on the number of bruises on carcasses and percentages of animals lying down during the trip and of falls at unloading. The distance traveled, the space per animal in the load compartment and the drivers’ experience and attendance to capacitation courses were determined to be the most important sources of variation. In addition, the vehicle model, also showed a strong effect on the dependent variables, although the type of vehicle was not included as independent variable, due to the fact of the model definition used for cattle transport was not by random. We conclude that to assure good animal welfare standards during transport and to achieve better carcass quality it is necessary to improve the transport conditions and this can be achieved by using vehicles that offer less risk to the animals, training the truck drivers, and opting for short-distances. "Keyword:" bruising, drivers , pre-slaughter management, types of vehicles 1 CAPÍTULO I – Considerações Gerais 1 Introdução Segundo Swatland (1999), a tecnologia do abate de animais destinados ao consumo somente assumiu importância científica quando se observou que os eventos que se sucedem desde a propriedade rural até o abate tinham grande influência na qualidade da carne. No entanto, além disso, pode-se dizer que há um novo aspecto que tem chamado a atenção em todo o processo de produção: as exigências em relação ao bem-estar dos animais, mesmo daqueles que estão na eminência de serem abatidos. O impacto do bem-estar animal na cadeia alimentar assume posição de destaque no cenário mundial. Em primeiro lugar, muitos se preocupam com o nível de bem-estar do animal, assim como o seu estado de saúde e de estresse de pré- abate, uma vez que estes fatores têm um impacto direto sobre a qualidade do produto. O segundo destaque é em relação à população, pois esta vem assumindo um forte compromisso com a temática em questão, haja vista que este assunto está vinculado à política da União Europeia de bem-estar animal. Por fim, o terceiro destaque é para os consumidores exigentes que, atualmente, desenvolveram uma preocupação com a qualidade dos produtos que compram e consomem. Embora ligado à segurança alimentar, esta preocupação incorpora toda a área, incluindo os diferentes critérios essenciais do conceito de bem-estar animal (BLOKHUIS et al., 2008). Esta preocupação com o impacto do bem-estar animal consiste em uma importante etapa para garantir efeitos significativos na obtenção da qualidade da carne. Em condições muito adversas, o transporte pode até levar os animais à morte, além dos riscos de causar estresse (que influenciam no pH da carne) e contusões nas carcaças (ROÇA, 2001). As condições dos transportes, com destaque para o tipo de veículo, desenho do compartimento de carga, clima, duração da viagem, distância, treinamento dos 2 funcionários, condições de estrada, comportamento animal, sexo e raça, dentre outros, também podem interferir no bem-estar de bovinos (STRAPPINI et al., 2009). Segundo Broom (2005), a responsabilidade da qualidade do bem-estar dos animais, durante o transporte, advém de um conjunto de atividades de todos os envolvidos no manejo pré-abate. Essas pessoas incluem proprietários e gerentes de animais, agentes de negócios ou de compra/venda de animais e manipuladores da carga viva; e as atividades abrangem o cuidado com a manipulação dos animais. Durante o manejo pré-abate, existem outros eventos que são potencialmente estressantes aos animais, podendo ter efeitos negativos tanto no bem-estar quanto no rendimento da carcaça e na qualidade da carne (LJUNGBERG et al., 2007). Dentre eles, pode-se citar a alta densidade e a presença de animais doentes e debilitados dentro do veículo como grandes causadores de danos na carcaça e, consequentemente, a sua desvalorização (GRANDIN, 2007). Nesse contexto, no presente estudo, objetivou-se avaliar os efeitos das condições do transporte rodoviário no bem-estar de bovinos de corte. 3 2 Revisão de Literatura 2.1 Bem-estar Animal Atualmente, o bem-estar animal é um tema de preocupação crescente na maioria dos países do mundo. Como consequência, tem resultado em mudanças na forma como os produtores mantêm e tratam os animais, sendo definido de forma que incorpora ideias sobre as necessidades, sentimentos, estresse e seus índices produtivos. Estudos conduzidos na área têm investigado as práticas de pré-abate de animais, a fim de mostrar que é possível, rentável e digno adotar técnicas que minimizem o sofrimento dos mesmos nesta etapa do ciclo produtivo e que estejam de acordo com as normas e legislações exigidas pelos países importadores. O conceito e os princípios da ciência do bem-estar animal podem ser aplicados para todos os animais, inclusive para o homem. Porém, devemos tomar cuidado com os conceitos próprios e requerer uma definição estrita caso a intenção seja aplicar de modo eficaz e consistente (BROOM; MOLENTO, 2004). Uma das definições clássicas e muito utilizada é aquela que coloca que o bem-estar animal é um estado de um dado organismo durante as suas tentativas de se ajustar ao ambiente (BROOM, 1986). Há algumas implicações importantes desta definição. Dentre elas, destaca-se a de que o bem-estar não é algo que se possa fornecer ao animal, porém é possível oferecer a ele condições que aumentem a probabilidade e qualidade do bem-estar. O bem-estar, por sua vez, pode variar de muito ruim a muito bom, e ser medido cientificamente (BROOM; JOHNSON, 1993). Quando o animal apresenta dificuldade em lidar com o meio, o bem-estar é considerado ruim. Isso ocorre, por exemplo, quando os animais sentem dor, medo ou têm dificuldade em controlar as suas interações com o meio ambiente em que estão inseridos (WIEPKEMA, 1987). Hotzel e Machado Filho (2004) argumentam que os desafios da agricultura moderna estão relacionados ao bem-estar animal e à segurança alimentar, uma vez que a produção deve ser sustentável e dar conta de abastecer as necessidades nutricionais da população, a partir de um alimento de qualidade. Para que isso ocorra, o alimento deve ser oriundo de animais que foram tratados e abatidos em 4 condições de bem-estar que é pré-requisito para que um sistema seja eticamente defensável e socialmente justo, para que a produtividade não seja o único parâmetro de avaliação de um sistema criatório. Do mesmo modo, Andrade et al. (2009) destacaram que, ultimamente, houve um aumento na preocupação com a saúde e bem-estar dos animais para abate. A demanda por alimentos produzidos de forma humanitária vem ganhando espaço significativo dentro do mercado de alimentos e tem constituído um dos pré-requisitos da produção sustentável (Andrade et al., 2009). Dessa maneira, o bem-estar animal deve estar presente em todas as etapas do processo de abate de bovinos de corte, desde o manejo, embarque, transporte, desembarque e condução na planta frigorífica. Qualquer manejo deficiente em alguma dessas etapas causará uma redução na qualidade da produção, não atingindo, com isso, as expectativas da nova geração consumidora de produtos de origem animal. Devido ao fato de o homem necessitar da proteína fornecida pelos animais, muitas pessoas acabam por enxergá-los como máquinas e não como seres sencientes. Por isso, devemos proporcionar manejo pré-abate com qualidade e conscientizar a todos os envolvidos na cadeia da produção da carne, a fim de realizar um manejo pré-abate mais humano. Conforme colocam Blokhuis et al. (2008), a ciência do bem-estar animal vem se desenvolvendo ao longo das últimas três décadas e continua a expandir para novos desafios e possibilidades. Geralmente, seu conceito está associado ao animal em si. Além disso, a crescente integração de fundamentos de outras ciências também vem contribuindo para uma maior compreensão da relação entre a biologia do animal e seu estado de bem-estar. Paralela à pesquisa básica, há uma área de crescimento rápido voltada para a melhoria contínua de formas de medir o bem- estar de animais de produção: na fazenda, durante o transporte, e no abate. Cockram e Mitchell (1999) aplicaram os princípios das cinco liberdades do bem-estar animal (FAWC, 1992) às condições de transporte e identificaram, por meio de exemplos, os possíveis fatores envolvidos para o não cumprimento de cada uma das “liberdades”: 1- liberdade de sede, fome e desnutrição (como a privação e a restrição de água e alimentos); 2- livre de desconforto (por exemplos: desconforto térmico e físico devido à ventilação inadequada, ao espaço e ao veículo movimento); 5 3- liberdade de dor, ferimentos e doenças (exemplos: dor e ferimentos devido ao manejo agressivo, à condução inadequada do veículo e às interações agressivas entre os animais; e infecção devido à mistura de animais, ao confinamento e à limpeza inadequada dos veículos); 4- liberdade para expressar comportamento normal (por exemplo: restrição comportamental devido ao confinamento do movimento do veículo e as perturbações sociais); e 5- liberdade de medo e angústia (medo e angústia devido ao confinamento, manuseio e exposição a novos estímulos como ruído e movimento do veículo). 2.2 Manejo Pré-Abate de Bovinos Almejando a melhoria do bem-estar dos bovinos e acatando a adequação às novas exigências, vêm surgindo algumas alternativas para os produtores. Dentre elas, destaca-se o desenvolvimento de capacitações técnicas que auxiliem na implantação de boas práticas de manejo para melhorar o bem-estar animal. Esta opção se apresenta como uma das estratégias para otimizar as interações entre homens e bovinos e minimizar o estresse dos animais, além de agressões e sofrimentos desnecessários às duas espécies (BARBALHO, 2007). Embora de curta ou longa duração, o manejo pré-abate pode originar perdas quantitativas e qualitativas na produção de carne, sendo o transporte dos animais da propriedade ao frigorífico considerado a etapa mais estressante. São vários os fatores que atuam durante o transporte, dentre eles destacam-se o embarque, a viagem em si (que implica no deslocamento dos animais de um local para outro, geralmente desconhecido para os animais), o desembarque, a ocorrência de manejos agressivos (inclusive com uso indevido do choque elétrico), a alta densidade de carga e o transporte de longa distância. A junção de todos esses fatores resulta, portanto, em perdas econômicas decorrentes de lesões nas carcaças e prejuízo na qualidade de carne (PARANHOS DA COSTA et al., 2012). O animal, por sua vez, sofre, além do desgaste físico, uma perturbação psicológica e fisiológica (TRUNKFIELD; BROOM, 1990). Como consequência, estes riscos ocorridos na cadeia produtiva da carne bovina tornaram-se objetos de campanhas em defesa dos direitos dos animais e do vegetarianismo. Essas campanhas, por sua vez, podem influenciar o consumidor a 6 tomar decisões sobre comprar ou não esses produtos, pois, em geral, estas pessoas estão cada vez mais preocupadas com o bem-estar dos animais de produção, (BROOM, 2005). Como citado anteriormente, uma variável importante que afeta diretamente o bem-estar dos animais durante o transporte é a forma como o motorista conduz o veículo e maneja esses animais durante o embarque e o desembarque. Há evidências que mostram que o treinamento dos funcionários envolvidos no manejo pré-abate resultaram em ganhos quantitativos e qualitativos na carne (CIOCCA et al., 2006; GRANDIN, 2007). Assim, o manejo pré-abate é fator decisivo na produção de bovinos de corte, por interferir na relação homem-animal. Quando esta relação é positiva, o resultado é satisfatório para o trabalho do funcionário e consequentemente, interferirá na qualidade do produto final. Com isso, a adoção de medidas de manejo conscientes e eficientes favorecem a qualidade e a quantidade de produtos necessários para atender à população e aos consumidores mais exigentes. 2.3 Distância Percorrida O percurso que envolve a operação completa do transporte dos animais desde o local de partida onde os animais entram no veículo até o local de destino (geralmente o abatedouro), incluindo qualquer desembarque, acomodação e reembarque que ocorra em pontos intermédios da viagem, define a distância percorrida para o abate (COCKRAM, 2007). A distância percorrida é uma fonte importante de estresse, tanto físico quanto psicológico, que agrava o estresse já produzido pelo manejo, ocasionando cansaço, restrição alimentar e aumentado o risco de ferimentos (GRANDIN, 1997). Em um estudo desenvolvido por Gallo et al. (2000 e 2001), os autores comprovaram que viagens muito longas causam estresse físico aos animais, pois eles apresentam gasto de energia para se manterem equilibrados no interior do compartimento de carga com o veículo em movimento. Em casos extremos, por exemplo, os animais podem cair e serem pisoteados, levando à morte de três em cada vinte animais transportados em uma viagem com, aproximadamente, trinta e seis horas (GALLO et al., 2000 e 2001). 7 Além dos longos percursos, as condições das estradas interferem no transporte dos animais. A qualidade das estradas depende muito de sua localização geográfica. No Brasil, as melhores rodovias estão localizadas nas regiões sul e sudeste, já as piores encontram-se nas regiões norte, centro-oeste e nordeste (CNT, 2011). Por exemplo, o estado do Mato Grosso, local onde são abatidos mais de 3,8 milhões de bovinos por ano (ANUALPEC, 2012), tem a malha viária constituída principalmente por rodovias não pavimentadas, em estado de avançada deterioração, embora seja definida como uma importante via de escoamento da produção agrícola e pecuária. O desgaste nas estradas gera, por sua vez, dificuldades de locomoção em períodos de chuva e aumento expressivo nos custos das movimentações de cargas (CNT, 2011). Dessa forma, as condições precárias de transporte, combinadas com situações climáticas desfavoráveis, aumentam muito o custo operacional das cargas, bem como o risco de gerar estresse excessivo aos animais durante esta etapa, podendo inclusive levá-los à morte (MAPA, 2010). Ficou evidente, em levantamento realizado por Paranhos da Costa et al. (2007), que há uma grande variação nas condições do transporte de animais de produção no Brasil. Em alguns casos, os animais estão enfrentando condições muito ruins, com alto risco de deterioração de seu bem-estar. Em outros, o risco é menor e o bem-estar dos animais transportados não é tão comprometido. Dentre os problemas estruturais, foram detectados que as estradas, principalmente as que dão acesso às fazendas, são normalmente precárias. A maioria das rodovias também está em condições precárias; por vezes não há nenhuma rota alternativa para o transporte de animais, não há infraestrutura para desembarcá-los em casos de emergência, dentre outros problemas. A justificativa para restringir o tempo de viagem, conforme Cockram (2007), foi realizada na base nas seguintes razões: o transporte é uma experiência contínua aversiva para os animais, assim restringindo essa jornada em menor tempo seria minimizar a duração desta experiência; existem muitos fatores de risco associados com o transporte, que têm o potencial de afetar negativamente os aspectos de bem- estar nas maiores jornadas, com maiores riscos; e quando os animais enfrentam problemas de saúde, principalmente com quadros subclínicos, o aumento no tempo 8 de viagem pode agravar a doença além de aumentar o risco de disseminação de doenças infectocontagiosas podendo interferir na qualidade do produto final. Assim, transportes de longas distâncias, na maioria das vezes, prejudicam o bem-estar animal. Portanto, compete ao frigorífico e ao proprietário dos animais adotar cuidados prévios com as seguintes características das viagens: distância, condição das estradas, presença de percurso alternativo, previsão do tempo a ser gasto e se há ponto de apoio para qualquer eventualidade. Assim, ao fortalecer a relação entre o produtor e o fornecedor, visamos também o bem-estar dos animais, sem ocorrer prejuízo para nenhuma das partes. 2.4 Densidade de Carga A definição da densidade de carga correta é fundamental para garantir melhores condições de bem-estar para os animais durante o transporte. Para tanto, deve-se levar em conta o peso dos indivíduos, e não somente o número de animais transportados. Infelizmente, ainda é comum definir a densidade de carga de bovinos sem considerar a raça, peso e sexo dos animais transportados (TSEIMAZIDES, 2006). Isso se dá, provavelmente, devido às pressões comerciais existentes que, consequentemente, geram um aumento nas densidades de carga, de forma a minimizar os custos com o transporte. Contudo, há evidências de que altas densidades de carga dificultam o equilíbrio dos animais durante o transporte (TARRANT; GRANDIN, 1993), além de reduzir as possibilidades de termo regulação quando a temperatura ambiente é elevada (GALLO et al., 2005). Além disso, a liberdade de movimento fica severamente limitada em condições de alta densidade de carga. Aqueles autores consideram como altas densidades de carga quando a disponibilidade de área é inferior a 1,11m² por animal com quinhentos quilos de peso vivo (TARRANT; GRANDIN, 1993). Nessas condições, o gado ocasionalmente pode sofrer uma queda, devido à dificuldade de se acomodar na orientação preferida1. Assim, densidades de carga elevadas trazem somente desvantagens para os animais transportados, como o aumento do estresse e maior número de contusões nas carcaças, em função do aumento no número de quedas e do risco dos animais 1 Segundo Gallo et al. (2000), orientação preferida é um termo que se refere ao movimento do animal para se posicionar perpendicular ou paralelamente ao eixo do compartimento de carga. 9 serem pisoteados. Densidades muito baixas, do mesmo modo, também aumentam os riscos de ocorrência desses mesmos problemas, gerando grande influência na falta de apoio e equilíbrio dentro do veículo (TARRANT et al., 1992). Assim, há grande interesse na busca por números que indiquem a densidade de carga adequada para o transporte de bovinos, considerando os elementos de bem-estar animal e também a pressão econômica para a redução do custo do frete. 2.5 O Condutor Há a expectativa de que nós, humanos, somos menos propensos a tratar de forma cruel os animais quando os consideramos como seres vivos que têm capacidade de sentir, em vez de os julgarmos apenas como objetos de valor. Assim, durante o trabalho de manejo, as ações dos indivíduos responsáveis pelo processo de transporte dos animais podem resultar em altos níveis de estresse ou em pouco ou nenhum estresse, a depender de sua forma de analisar e lidar com o animal. Dessa forma, é esperado que um condutor inexperiente, ao dirigir um veículo carregado com dezenas de animais, muito provavelmente irá ocasionar sofrimento aos mesmos (BROOM, 2005). Acredita-se que a formação e a informação sobre as práticas corretas para oferecer bem-estar bom ao animal, por parte dos profissionais responsáveis pelo transporte de bovinos, podem alterar substancialmente as atitudes das pessoas em relação aos animais, minimizando a ocorrência de ações agressivas e de falta de cuidado no manejo com os mesmos. Muitas vezes presenciamos a forma como o condutor do veículo lida com os animais. Essas situações podem ser caracterizadas pelo respeito às boas práticas de bem-estar animal, por exemplo, com paradas em locais sombreados, no caso de viagens longas ou por estradas em más condições de manutenção, para verificar as condições dos animais, além do correto manejo de desembarque na planta frigorífica. Por outro lado, muitos deles, por desconhecimento, cansaço ou falta de cuidado, estão despreparados para realizar este tipo de serviço e fazem uso abusivo do bastão elétrico ou mau manejo das porteiras, atitudes estas que fazem com que os animais se choquem com as estruturas do compartimento de carga e resultam em 10 hematomas. É muito comum encontrar situações em que o manejo de bovinos é feito geralmente com por meio do uso exagerado de atitudes agressivas, como a utilização da força física para a condução dos animais, desconsiderando completamente as necessidades dos mesmos e a capacidade que eles têm de sentir dor e outros tipos de sofrimento (BARBALHO, 2007). Dessa forma, os condutores dos veículos devem estar sensibilizados sobre a capacidade dos bovinos de sentir e devem também estar familiarizados às necessidades dos mesmos, principalmente durante as viagens, em função do acúmulo de fatores estressante inerentes à situação. Portanto, mesmo que a experiência anterior possa ser comprovada na mesma área profissional e para o tipo de transporte previsto, eles devem receber treinamento formal e passar por uma reciclagem (BROOM, 2008). Considerado como fundamental, o correto treinamento do condutor do veículo poderá garantir que a qualidade do manejo pré-abate seja boa. Essa formação básica deve oferecer ao profissional a possibilidade de desenvolver senso crítico sobre a importância de seguir as recomendações da correta densidade da carga, da velocidade da viagem e do número de paradas que devem ser realizadas durante a viagem. 2.6 Tipos de Veículos e Condições de Manutenção Sabe-se que o tipo de veículo e o desenho do compartimento de carga (da mesma forma que a densidade, o tempo de transporte, a distância percorrida, as condições de estrada, o treinamento dos funcionários, o comportamento animal, o sexo, a raça e as condições climáticas) podem interferir no nível de bem-estar de bovinos durante o transporte. Dessa forma, a seleção do veículo torna-se muito importante para os animais (STRAPPINI et al., 2009). Nos veículos de transporte deve haver espaços para a entrada de ar entre as linhas de grades dos compartimentos que permita ventilação e, em alguns casos, para os modelos mais simples de veículos devem são colocadas barras abertas nas laterais. Este último modelo de veículo, por sua vez, pode fornecer melhor ventilação ou uma melhor aeração. No entanto, apresenta um inconveniente em relação à pouca proteção proporcionada aos ferimentos quando os animais são expostos a situações de acidente ou de clima desfavorável. Alguns veículos são adaptados para 11 fornecerem sombra e abrigo durante período de chuva ou mau tempo, porém estes não são comumente utilizados no Brasil (BROOM, 2008). Existem também alguns veículos para transportar um maior número de animais. Neste caso, o sistema é de suspensão com dois pisos, sendo que alguns são adaptados para o uso com rampas, enquanto outros possuem rampas com elevadores hidráulicos nos pisos. Contudo, a maioria desses veículos com dois pisos apresentam rampas de carga muito íngremes que causam desconforto em todos os animais carregados (BROOM, 2008). Os veículos para o transporte de bovinos devem ser projetados de acordo com as normas referentes ao transporte de cargas vivas. Deve-se levar em conta, por exemplo, os materiais a serem utilizados, um compartimento com tamanho adequado e com boa ventilação, fatores estes que contribuem para o conforto e bem-estar dos animais durante o transporte (TRUNKFIELD; BROOM, 1990). Os requisitos para a escolha dos veículos irão depender da duração da viagem (quando previsível), da distância, das condições climáticas, dentre outros fatores que interferem no conforto do animal. Durante o transporte, os animais buscam uma maneira mais confortável para a sua acomodação no novo ambiente, facilitando assim, a recuperação do estresse ocorrido no embarque. Vale ressaltar que o conforto do animal durante o transporte é altamente dependente do design do veículo, da condução técnica e das estradas a serem percorridas (BROOM, 2008). O tipo de veículo a ser transportado deve ser escolhido com antecedência, conforme as condições previstas antes do embarque. O mapeamento da estrada, assim como as suas condições, ajudará na escolha do melhor veículo a ser utilizado. Em estradas com condições menos favoráveis, associadas ao clima ruim, deve-se preferir um maior número de veículos leves do que os veículos pesados, já que estradas em má conservação, principalmente as estradas de terras, poderão influenciar no bem-estar dos animais. 12 2.7 Animais Os animais assumem um papel de grande importância quando se quer ter conhecimento dos reais motivos e das causas que levam ao surgimento de hematomas, principalmente quando se considera o grande número e a profundidade desses na carcaça. Dentre esses efeitos, têm-se algumas características que contribuem para tais danos: a categoria dos bovinos de corte, o sexo e a raça desses bovinos destinados ao abate. Foi demonstrado que a idade também influencia no bem-estar dos animais que vão para o abate, mostrando que os mais velhos possuem mais hematomas do que os mais jovens. Isso ocorre devido a aqueles serem mais susceptíveis e terem passado por um mercado de gado anteriormente à chegada ao matadouro (STRAPPINI et al., 2008). Logo, o fato de que os animais mais velhos têm um maior número de lesões não está relacionado somente à idade, mas também ao seu histórico e por terem sido mais manuseados durante a vida (STRAPPINI et al., 2009). Há tempos, era sustentada a ideia de que a presença de animais com chifres no veículo de transporte seria a principal causa dos hematomas encontrados em bovinos de corte. Alguns anos mais tarde, levantou-se a hipótese de que animais sem as pontas dos chifres poderiam causar menos danos nas carcaças, mas esta hipótese foi derrubada. Estudos de comparação foram realizados em animais com chifres e sem a ponta dos chifres. Como resultados, essas pesquisas concluíram que não há influência desses aspectos físicos nas condições dos animais e, muito menos, em suas carcaças (WYTHES et al., 1981 apud por STRAPPINI et al., 2009). Em relação ao sexo dos animais, vários estudos têm mostrado que há influência no número de hematomas presentes nas carcaças (YEH et al., 1978; WEEKS et al., 2002; STRAPPINI et al., 2009). Essas pesquisas apontaram que, durante o transporte e manuseio, ao se isolar completamente as novilhas dos novilhos, houve, entre as classes sexuais, uma diminuição do número médio de hematomas por animal. Os autores em questão constataram, ainda, que as novilhas tinham significativamente (P <0,001) mais hematomas do que novilhos. E, coincidentemente, foram encontrados dados que relatam que as contusões em vacas foram significativamente maiores do que em bois e touros, quando estes foram mantidos separados (STRAPPINI, 2009). 13 É importante levar em consideração a genética dos animais a serem transportados no momento do planejamento do manejo pré-abate, pois há animais que suportam maiores pressões ambientais do que outros, como aquelas decorrentes da movimentação dos veículos, dentre outras pressões que ocorrem durante o transporte (BROOM, 2005). A mistura de animais desconhecidos, por vezes, se torna inevitável devido à capacidade de alguns veículos transportarem um grande número de animais. Ela geralmente ocorre na mesma propriedade, porém com animais criados em espaços diferentes ou de diferentes raças. Por isso, é recomendado que se improvise a mistura dos animais alguns dias antes do embarque, a fim de que, nessa junção em novo espaço imposto, eles estabelecem a sua hierarquia. Conforme aponta a literatura, essa mistura de animais desconhecidos traz a confirmação do fato de que a junção na mesma baia, cujo objetivo é estabelecer uma nova hierarquia social, induz a altos níveis de agressão. A briga leva a um maior escore de dano na carcaça, especialmente em machos, podendo provocar grandes danos e perda da qualidade da carne (WARRISS; BROWN, 1985 apud FAUCITANO, 2000). A instalação de porteiras e divisórias móveis na plataforma do caminhão é uma solução prática para eliminar a mistura dos animais, pois, além de manter os grupos separados, auxilia em um ajuste de tamanho adequado do espaço dos compartimentos de grupo, evitando, com isso, o comportamento agressivo durante o transporte (FAUCITANO, 2000). 2.8 Hematomas Hematomas são infligidos ante mortem em animais, porém a maioria desses danos é imperceptível em animais vivos, devido à espessura da pele dos bovinos. Assim, a maioria das lesões é detectada na carcaça (STRAPPINI et al., 2009). Existem hematomas que são detectados somente no momento dos cortes das peças para a comercialização, sendo impossível de serem detectados apenas com a retirada do couro. Há ainda muitos outros fatores a serem considerados na determinação das causas que levam os bovinos de corte apresentar um grande número de hematomas. Em alguns casos, carcaças inteiras são condenadas ao consumo 14 humano. Esses danos podem estar associados às características do transporte, condutores, categoria animal, raça e histórico dos animais. Desse modo, a responsabilidade da ocorrência de danos na carcaça pode ser atribuída a todos os envolvidos no manejo pré-abate, desde a preparação dos animais para os embarques, nas fazendas, até o responsável pelo manejo dos animais no frigorífico. Em alguns casos, essa responsabilidade também pode ser atribuída aos motoristas responsáveis pelo transporte, como é foi o caso do transporte de suínos no Canadá, em que os condutores dos veículos também responderam pelos problemas de lesões nas carcaças (FAUCITANO, 2000). O transporte dos animais em condições desfavoráveis, somado aos efeitos indiretos decorrentes do jejum, à desidratação, ao cansaço e ao espaço reduzido no interior do compartimento do veículo podem causar estresse animal, perda de peso, contusões de vários tipos e gravidades ou, em casos extremos, levar à morte (KNOWLES, 1999). Um aspecto importante relacionado às lesões é a presença de hematomas nos tecidos. Como decorrência, há uma influência negativa sobre a qualidade da carne, que, por sua vez, geralmente causa grandes perdas econômicas aos frigoríficos e, portanto, insatisfação aos consumidores (BERTOLONI et al., 2012). Segundo Andrade (2009), em um levantamento sobre as consequências do transporte de bovinos realizado no Pantanal Sul Mato-Grossense, das cento e oitenta e cinco carcaças avaliadas, 88,5% tiveram uma ou mais lesões, totalizando quinhentas e vinte e três. Essas lesões resultaram na remoção de 96,158 kg de carne, com perda média geral de quatrocentos e sessenta gramas de carne por hematoma no animal, ou de quinhentos e dezenove gramas, quando foram considerados apenas os animais que tiveram lesões. Esses dados evidenciam perdas significativas e corroboram os relatos de Paranhos da Costa et al. (1998) que, por sua vez, reportaram que as perdas de carne por conta da ocorrência de hematomas podem ser grandes e variarem de quatrocentos a seiscentos gramas por hematoma. Assim, o transporte de bovinos deve ser bem planejado e conduzido de forma adequada para minimizar o estresse, os danos nas carcaças e os prejuízos na qualidade da carne. Em estudos realizados por Andrade et al. (2004), observou-se que 60,39% das lesões observadas nas carcaças em frigoríficos tinham ocorrido a menos de 15 vinte e quatro horas, o que sugere que a maioria das lesões pode ter sido ocasionada durante os procedimentos de pré-abate, incluindo o transporte e o manejo nos frigoríficos. Estes autores sugerem ainda que 39,61% dos hematomas podem ser atribuídos a manejos prévios realizados nas fazendas. No ano de 2003, no Uruguai, uma auditoria realizada pelo INAC, INIA e pela Universidade do Estado do Colorado (HUERTAS et al., 2005) revelaram uma perda econômica por animal de trinta e dois dólares e cinquenta e dois cents, concluindo que o país perde perto de cinquenta e oito milhões de dólares por ano por conta de problemas relacionados com carcaças e carne. A ocorrência de hematomas foi considerada um dos maiores problemas envolvidos nessas perdas, uma vez que aproximadamente 70% das carcaças apresentaram algum tipo de lesão, independente do tamanho e da severidade da mesma. Cabe lembrar, neste momento, que a perda de qualidade por carcaça está ligada diretamente à distância das viagens. Conforme o estudo de Gallo et al. (2000), a frequência de contusões aumenta com o tempo e distância da viagem até o frigorífico. Entretanto, esses efeitos podem ser minimizados, desde que o transporte seja feito em veículos e estradas com boas condições, por condutores conscientes e devidamente treinados, com animais saudáveis. A partir desses cuidados, a distância da viagem ao frigorífico pouco irá interferir no número de hematomas na carcaça (COCKRAM et al., 1997). Os hematomas encontrados nos bovinos transportados para o abate não são apenas uma indicação de deficiências no bem-estar, eles também causarão perdas econômicas substanciais (GRANDIN, 2000). Com hematomas, a carne não atenderá ao padrão de qualidade almejado pelos frigoríficos e consumidores. E, consequentemente, irá sofrer depreciação no seu valor, podendo até mesmo ser descartada. O transporte de bovinos de corte é estressante, independentemente dos eventos que possam ocorrer, por isso situações indesejadas nesta etapa devem ser minimizadas. É importante compreender que a ausência de prejuízo econômico não é garantia de um bom bem-estar aos animais. Por isso, estudos e pesquisas futuras devem se concentrar na identificação das manifestações fisiológicas e 16 comportamentais dos animais que, quando estressados, comprometem a qualidade da carne. (ALENDE, 2010). Nesse contexto, as boas práticas devem estar presentes em todas as fases da produção de bovinos de corte, de forma a evitar o sofrimento dos animais, as perdas desnecessárias e contribuir com o oferecimento de produtos de melhor qualidade e maior rentabilidade. Por outro lado, o manejo praticado de maneira imprópria irá causar estresse e sofrimento dos animais de produção, afetando diretamente a qualidade da carne, sua cor, textura e alterando do pH. 17 3 Referências ANDRADE, E. N.; SILVA, R. A. M. 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As avaliações foram realizadas na plataforma de desembarque, em duas plantas frigoríficas, analisando-se as questões: características dos veículos, dos motoristas, das viagens e dos animais. Foram consideradas como variáveis dependentes as frequências de animais deitados no interior dos compartimentos de carga e de quedas no desembarque e o número de hematomas nas carcaças. Os dados foram analisados por meio da aplicação de estatísticas descritivas, análise de variância, com aplicação de regressão logística, considerando-se um modelo não linear com distribuição de Poisson e uma função de ligação logarítmica (L’Beta). Para tanto, foi utilizado o procedimento GENMOD do pacote estatístico SAS. Em todas as análises foi considerado o nível de significância P<0,05. Como resultados, observou-se que o modelo de veículo mais utilizado no Brasil, é o “truck” e que a escolha dos veículos para o transporte de bovinos não foi aleatória. Todas as variáveis independentes consideradas nos modelos utilizados nas análises apresentaram algum efeito sobre o número de hematomas nas carcaças, a porcentagem de animais deitados durante a viagem e a porcentagem de quedas sofridas no desembarque, com destaque para distância percorrida pelo veículo de transporte e as respectivas condições das estradas, o espaço linear e as características referentes aos compartimentos de carga o tempo de experiência e capacitação dos condutores. Além disso, vale ressaltar que o modelo do veículo de transporte de bovinos de corte para o abate é considerado uma variável determinante na qualidade do produto final, sendo os principais dois tipos de veículos, carreta “com dois pisos” e “Romeu e Julieta” apresentaram maior ocorrência de problemas de bem-estar dos bovinos de corte. Há grande complexidade nas condições inerentes ao transporte de bovinos e nas interações entre fatores que podem afetar o bem-estar dos animais e a qualidade das carcaças, tornando os resultados de difícil interpretação. “Palavras-chave:” manejo pré-abate, carcaça, hematomas, indicadores de bem- estar, modelo de caminhão 23 CHARACTERIZATION OF ROAD TRANSPORTION OF BEEF CATTLE AND ITS EFFECT ON CATTLE WELFARE AND CARCASS QUALITY ABSTRACT – The majority of beef cattle in Brazil are transported to slaughterhouses by roads. Brazilian roads, especially those providing access to farms and ranches, tend to be in poor condition. The objective of this study is to describe the road transportation conditions of beef cattle in route to slaughterhouses, and evaluate their effects on welfare and on carcass quality. The study was carried out in two slaughterhouses, recording data about the vehicle characteristics, the drivers’ age, experience and attendance to training courses, the travel conditions and breed and sex of the animals. The following dependent variables were considered: the percentages of animals lying down inside the trailers and off animals that falls at unloading and number of bruises on carcasses. The data were analyzed by applying descriptive statistics and analysis of variance, applying logistic regression, considering a nonlinear model with Poisson distribution and a logarithmic link function (L'Beta). GENMOD procedure of SAS statistical package was used, adopting the significance level at P <0.05. The results showed that the type of vehicle most used in Brazil is the "truck" and that the definition of the vehicles used for cattle transport was not by random. All independent variables had some effect on the number of bruises on carcasses and on the percentages of animals lying on the trip and of falls at unloading. Furthermore, it is noteworthy that the model or type of the trailer is a variable in determining the quality of the carcass, and two types of vehicles, "double-deck semi-trailer" and “semi-trailer truck", showed a higher occurrence of welfare problems. The conditions inherent in the transportation of cattle are complex. Interactions between factors can affect the welfare of animals and the quality of carcasses, making the results difficult to interpret. “Key-words:” bruises, indicators of welfare, pre-slaughter management, truck, welfare 24 CAPÍTULO II – Caracterização do Transporte Rodoviário de Bovinos de Corte e Efeitos no Bem-Estar Animal e na Qualidade das Carcaças 1 Introdução O agronegócio brasileiro tem contribuído para que o país tenha melhor inserção na economia mundial e excelentes resultados econômicos, dado o ambiente competitivo caracterizado pela globalização dos mercados. A atividade agropecuária tem tido destaque de participação nesta economia. Mesmo em períodos de baixo crescimento econômico, esta atividade tem mantido taxas de crescimento acima da média mundial (SPOLADOR; FONTANA, 2005), contribuindo nos últimos anos com mais de 28,8% do produto interno bruto brasileiro (CEPEA, 2013). Dentro do agronegócio, a produção de carne bovina tem sido uma das atividades agropecuárias de maior importância para a economia brasileira, representando em torno de 18% desse setor (MARTINS-COSTA, 2006). Estima-se que o rebanho bovino brasileiro alcance 185,8 milhões de cabeças e que, para atender a demanda de ambos os mercados (interno e externo), são abatidos em nosso país mais de 41,2 milhões de bovinos por ano (ANUALPEC, 2012). Esta produção serve, principalmente, para atender ao mercado interno, que absorve aproximadamente 78% da carne bovina produzida. E apesar de a porcentagem de exportação ser relativamente baixa, o Brasil mantém a liderança na exportação deste produto (ABIEC, 2009). As maiores populações de bovinos se concentram em áreas com menor disponibilidade de abatedouros frigoríficos, e distantes dos maiores centros de consumo. Esta condição faz com que ocorra um intenso movimento de cargas vivas pelas estradas brasileiras (OJIMA; BEZERRA, 2005). A distribuição da população de bovinos de corte se concentra, principalmente, nos estados do Mato Grosso e no norte de Minas Gerais. Os frigoríficos, por outro lado, concentram-se principalmente nas regiões Sudeste e Sul do país (MAPA, 2010). Essas plantas frigoríficas são distribuídas segundo o desenvolvimento econômico e características geográficas favoráveis, conforme a presença de 25 estradas ou algum meio que facilite o escoamento interno e exporto dos produtos de origem animal. A rede de estradas brasileiras é bastante ampla. Conta com cerca de 1,7 milhões de quilômetros, sendo 1,2 milhões de estradas municipais, 243 mil estradas estaduais e 76 mil federais. Dessas, 13% são pavimentadas e 9,9% são asfaltadas e classificadas como ótima e 5,1% são classificadas como boa, de acordo com a Confederação Nacional de Transportes (CNT, 2012). É possível observar que a distribuição espacial das estradas entre os estados e o Distrito Federal não é uniforme. Isso se dá em decorrência, principalmente, das características geográficas particulares das diversas regiões que formam o Território Nacional (CNT, 2012). As condições das estradas também dependem de sua localização geográfica, com melhores rodovias localizadas nas regiões Sul e Sudeste e, as piores nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Por exemplo, o estado do Mato Grosso, local onde são abatidos mais de 3,7 milhões de bovinos por ano (ANUALPEC, 2012), tem a malha viária constituída principalmente por rodovias não pavimentadas, gerando dificuldades no período de chuvas e aumento expressivo nos custos das movimentações de cargas (CNT, 2012). Além disso, embora sejam definidas como importantes vias de escoamento da produção agrícola e pecuária do nosso país, as malhas rodoviárias federais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste estão em estado de avançada deterioração (CNT, 2012). Essas condições precárias de transporte, combinadas com situações climáticas desfavoráveis, aumentam muito o custo operacional do transporte das cargas, bem como o risco de gerar estresse excessivo aos animais durante o transporte, podendo, inclusive, levá-los à morte (MAPA, 2010). Além do transporte, há outros eventos durante o manejo pré-abate que são potencialmente estressantes aos animais, os quais causam efeitos negativos tanto em seu bem-estar quanto no rendimento da carcaça e na qualidade da carne (LJUNGBERG et al., 2007). Dentre esses fatores que resultam em danos nas carcaça e na sua cosenquente desvalorização, pode-se citar a alta densidade de carga e o transporte de animais doentes ou debilitados (GRANDIN, 2007). 26 Em levantamentos preliminares foram identificados os seguintes problemas no manejo pré-abate, que resultaram em aumento nos riscos de contusões nas carcaças: agressões diretas; altas densidades, principalmente na preparação dos lotes para o embarque nos currais das fazendas e nos compartimentos de cargas dos veículos usados para o transporte; instalações inadequadas; transporte inadequado, com caminhões e estradas em mau estado de conservação; e gado muito agitado, em decorrência do manejo agressivo e de alta reatividade (PARANHOS DA COSTA et al., 1998 e 2007). Mesmo em boas condições de transporte e em jornadas curtas, o gado pode apresentar sinais de estresse, com intensidade variável, caracterizando uma situação típica de medo. Em levantamento realizado por Paranhos da Costa et al. (2007), ficou evidente que há uma grande variação nas condições do transporte de animais de produção no Brasil. Em alguns casos os animais estão enfrentando condições muito ruins, com alto risco de deterioração de seu bem-estar. Em outros, o risco é menor e o bem-estar dos animais transportados não está sob forte pressão. Além disso, problemas estruturais foram constantemente detectados, dentre eles: as estradas em situação precária, principalmente as que dão acesso às fazendas; a maioria das rodovias também está em condições arriscadas, por vezes não há nenhuma rota alternativa para o transporte de animais; não há infraestrutura para o desembarque dos animais em casos de emergência; há uma alta ocorrência de viagens de longas distâncias; e problemas de manejo foram constantemente identificados, principalmente durante os procedimentos de embarque e desembarque dos animais (PARANHOS DA COSTA et al., 2007). É esperado que o motorista responsável pelo transporte de bovinos colabore com o manejo desses animais durante o embarque e o desembarque, uma vez que esses dois procedimentos têm papel fundamental no bem-estar dos animais. Como caracterizado nos estudos de Ciocca et al. (2006) e Grandin (2007), melhorias consideráveis foram encontradas após o treinamento dos funcionários envolvidos no manejo pré-abate, incluindo o transporte. Com base nesses achados, fica evidente então que há altos riscos do transporte causar estresse nos animais. Portanto, esta etapa deve ser considerada como uma das mais críticas na produção de bovinos de corte. 27 2 Objetivos O presente estudo teve como objetivos descrever as condições de transporte rodoviário de bovinos de corte destinados ao abate, e avaliar os seus efeitos sobre o bem-estar animal e sobre a qualidade das carcaças. 28 3 Hipóteses Neste estudo, foram testadas as seguintes hipóteses: a) As distâncias percorridas e a lotação dos compartimentos de carga têm efeitos diretos sobre o bem-estar animal e a qualidade das carcaças. b) Os diferentes modelos de veículos, bem como seus estados de conservação, afetam o bem-estar dos animais durante a viagem. c) A experiência e a capacitação dos condutores para o transporte de cargas vivas têm influências no bem-estar animal e na qualidade das carcaças. 29 4 Material e Métodos 4.1 Coleta de Dados Para a avaliação do bem-estar dos bovinos de corte durante o transporte foram realizadas coletas em duas plantas frigoríficas, um delas localizada no noroeste do estado de São Paulo e a outra no norte do “Triângulo Mineiro”, estado de Minas Gerais. As coletas ocorreram no período entre setembro de 2010 a dezembro de 2011. As avaliações do transporte rodoviário foram realizadas tendo como base os protocolos de auditoria definidos por Grandin (1998) e Welfare Quality (2007), após adaptações à realidade brasileira. As avaliações foram desenvolvidas por cinco pesquisadores previamente treinados e fundamentadas nas características dos veículos, das viagens, condutores e dos animais, usando-se indicadores de bem-estar animal e da qualidade das carcaças. As coletas de dados foram realizadas em três áreas das plantas frigoríficas: 1) no pátio de chegada do frigorífico (local onde o veículo fica esperando até a realização dos serviços burocráticos de recepção dos animais. Nesta etapa eram avaliadas as características dos condutores, por meio da aplicação de um questionário qualitativo e quantitativo, e as características dos animais transportados, registrando-se a raça e o sexo dos mesmos presentes na carga; 2) na plataforma de desembarque (local no qual o veículo é estacionado para a realização do desembarque dos animais para dar acesso ao curral de espera). Neste momento, foram averiguados o número de animais que chegaram deitados e o número de quedas ocorridas por desembarque; e 3) na sala de abate (onde era registrado o número, a posição e a severidade dos hematomas presentes nas carcaças, logo após a retirada do couro do animal). Os materiais utilizados na coleta de dados foram: planilhas estruturadas para o registro das informações (Apêndices 1 a 3), pranchetas e trena a laser. Os condutores foram entrevistados para se obter informações acerca dos quilômetros percorridos durante a viagem e, logo depois, foi feita uma pesquisa do 30 tipo da estrada enfrentada pelos condutores, por meio de relatos desses e por pesquisa na internet (http://www.viajarpara.com/mapa-e-guia-rodoviario-do-banco- real-santander/). Cada uma das avaliações foi realizada por um avaliador posicionado em um local estratégico que permitia a observação das pessoas e dos animais, sem atrapalhar as rotinas de manejo. Como citado anteriormente, os dados foram coletados por cinco avaliadores, e buscou-se sempre uma alta confiabilidade intra e interobservadores. No total, foram avaliados 1038 desembarques, a partir da aplicação de questionários aplicados a 185 condutores e a avaliação de 19.635 carcaças. Nas entrevistas feitas com os caminhoneiros boiadeiros, adequou-se o questionário qualitativo e quantitativo, previamente testado em uma linguagem informal (com perguntas sobre as condições das viagens e de suas experiências profissionais), e avaliaram-se as características e condições dos veículos, bem como as condições dos animais no momento do desembarque e das carcaças na linha de abate. Os veículos foram classificados em cinco categorias, quanto ao modelo: 1) veículo não articulado com dois eixos (denominado “toco”); 2) veículo não articulado com três eixos (conhecido como “truck”); 3) veículo articulado com um piso com três ou quatro eixos (“carreta”); 4) veículo articulado com dois pisos (“carreta de dois andares”); e 5) veículo articulado com dois compartimentos de carga (chamado como “Romeu e Julieta”), conforme ilustrado na Figura 1. Ainda no que diz respeito aos veículos, em relação aos seus compartimentos de cargas, eles foram caracterizados quanto ao material (madeira ou metal); tipo de piso (sem nenhum revestimento ou com cobertura de borrachão e grade) (ver Figura 2); dimensões (media-se cada uma das divisórias do compartimento de carga); e estado de conservação (ruim, quando apresentavam falhas estruturais que coloquem os animais em risco ou dificultem a realização do trabalho; e bom, quando estavam em estado de conservação adequado, sem partes quebradas, com o borrachão em boas condições e as porteiras internas e de saída em perfeito funcionamento) (vide Figura 3). 31 A B C D E Figura 1. Tipos de veículos usados para o transporte de bovinos, sendo: A= veículo não articulado com dois eixos (“toco”), B= veículo não articulado com três eixos (“truck”), C= veículo articulado com três ou quatro eixos e um piso (carreta), D= veículo articulado com cinco eixos e dois pisos (carreta com dois pisos), E= veiculo articulado com dois compartimentos de carga (Romeu e Julieta). 32 Figura 2. Assoalho de um compartimento de carga com borrachão e grade. A B Figura 3. Representação de estado de conservação em veículos de transporte de bovinos, em que: A = veículo com estado de conservação ruim, B = veículo com o estado de conservação bom. Em relação às características dos condutores, foi aplicado um questionário de forma a obter as seguintes informações: idade do condutor, tempo de experiência no transporte de bovinos e capacitação profissional (considerando os cursos realizados pelo condutor sobre transporte de bovinos e suas relações com o bem-estar animal). Os dados referentes às viagens também foram informados pelo condutor, obtendo-se os seguintes dados: duração da viagem em horas (considerada desde a saída da fazenda até a chegada ao frigorífico); distância percorrida (desde a fazenda até o frigorífico); e observações gerais sobre a viagem (se algum animal deitou, conforme o Quadro 1). 33 Quadro 1. Características avaliadas na coleta de dados nas duas plantas frigoríficas. Características analisadas Efeitos Local da coleta Espaço linear Plataforma de desembarque Viagem Distância Pátio do frigorífico Tempo de viagem Pátio do frigorífico Veículo Tipo de assoalho Plataforma de desembarque Condições do assoalho Plataforma de desembarque Idade Pátio do frigorífico Motorista Tempo de experiência Pátio do frigorífico Curso em bem-estar animal Pátio do frigorífico Lotes de raças Plataforma de desembarque Animais Lotes de sexos Plataforma de desembarque Deitados Pátio do frigorífico Com base em observações diretas dos animais, realizadas na plataforma de desembarque, foram registradas as seguintes informações: lotes de raças (onde 1= lotes de zebuínos, 2= lotes de cruzados e 3= lotes mistos, com zebuínos e cruzados) e de sexos (onde, 1= lotes de fêmeas, 2= lotes de machos, 3= lotes mistos com machos e fêmeas) em cada veículo boiadeiro e a lotação dos compartimentos de carga, calculada em metros lineares, por animal, para cada divisória do compartimento de carga. As variáveis dependentes utilizadas como indicadores de bem-estar animal foram: 1) frequência de animais deitados na chegada ao frigorífico; 2) número de quedas durante o desembarque (considerando como queda qualquer situação em que um animal tocou no piso qualquer outra parte de seu corpo que não os cascos) e observações feitas durante o momento da abertura da primeira porteira do veículo até o momento em que todos os membros do corpo do último animal tocassem a plataforma do frigorífico; e 3) número de hematomas nas carcaças de acordo com sua localização (dianteiro, lombo, costela e traseiro). Considerou-se como hematoma toda e qualquer lesão ou acúmulo de sangue no tecido muscular dos animais estudados. 34 Figura 4: Modelo do registro dos hematomas nas carcaças, em que: A= Dianteiro; B= Lombo; C= Costela; e D= Traseiro. Para cada viagem, foram registradas as seguintes variáveis: distância percorrida; comprimento do compartimento de carga; idade e tempo de experiência do condutor; características do assoalho e estado de conservação do compartimento de carga; raça e sexo dos animais. O espaço linear disponível por animal foi utilizado conforme Tseimazides (2006), em lugar da área disponível e o peso dos animais vivos. Este cálculo foi o que melhor se ajustou à realidade brasileira, devido à grande diversidade de bovinos transportados em nosso país e à posição perpendicular ou paralela ao eixo do compartimento de carga adotada pelos animais para se acomodarem dentro da gaiola (Gallo et al., 2000). 35 4.2. Animais Avaliados Para a avaliação de animais deitados, quedas no desembarque e hematomas, foram consideradas 19.635 carcaças, nas quais 4.091 são de zebuínos, 1.925 de cruzados e 11.750 são lotes de embarque mistos (zebuínos e cruzados juntos). Em relação aos lotes dos animais, foram avaliados os desembarques de 3.591 lotes de fêmeas, 14.314 lotes de machos e 1.730 lotes mistos, com machos e fêmeas transportados no mesmo veículo. Entende-se por zebuínos todos os animais cujo fenótipo indicasse predominância das características de raças zebuínas e por cruzados todos os animais que são produtos de qualquer cruzamento, independente das raças envolvidas. Após o desembarque, os animais permaneciam nos currais do frigorífico durante 12 a 15 horas, com livre acesso à água. Após esse período, eram abatidos seguindo-se o protocolo de abate humanitário definido pela Instrução Normativa número 3/2000 do Ministério de Agricultura, Abastecimento e Pecuária (BRASIL, 2000). 4.3 Análises Estatísticas Os dados foram organizados em planilhas do programa Microsoft Excel, sendo realizadas análises descritivas exploratórias para avaliar o balanceamento e distribuições dos dados. Devido ao grande desbalanceamento dos dados em função dos modelos de veículos usados para o transporte dos bovinos, optou-se por realizar as análises de forma separada para cada um dos modelos avaliados, com exceção do veículo tipo “toco”, que foi excluído das análises devido ao baixo número de registros. Assim, foram estruturadas quatro planilhas de dados, correspondentes aos veículos do tipo “truck”, “carreta”, “carreta com dois pisos” e “Romeu e Julieta”. O “truck” foi o veículo encontrado com mais frequência para os serviços terceirizados em estradas com piores condições para rodagem, uma vez que os condutores terceirizados seriam os responsáveis por quaisquer danos que viessem a acontecer com os veículos e os animais presentes. Por meio desses relatos de motoristas dos veículos “truck”, pode-se confirmar a hipótese de que os veículos para rodagem nas estradas não eram escolhidos de forma aleatória. 36 Depois de compiladas e organizadas as planilhas, foi utilizada uma tabela dinâmica do programa Microsoft Excel para gerar as planilhas específicas que foram usadas nas análises dos dados. As análises descritivas confirmatórias foram realizadas com a aplicação dos procedimentos PROC MEANS e PROC UNIVARIATE, do pacote estatístico Statistical Analisys System (SAS, 2003), avaliando-se os seguintes parâmetros: valores mínimos e máximos, médias, desvios padrão (DP), modas e medianas de todas as variáveis (dependentes e independentes) estudadas. 4.3.1 Análises de Regressão Logística Os dados foram analisados com a aplicação de uma regressão logística, considerando-se um modelo não linear com distribuição de Poisson e uma função de ligação logarítmica (L’Beta). Para tanto, foi utilizado o procedimento GENMOD do pacote estatístico SAS (SAS, 2003). No modelo, foram considerados como efeitos fixos os lotes de sexo e de raças dos animais e como efeitos aleatórios a distância percorrida, o espaço linear do compartimento de carga disponível por animal, a idade e o tempo de experiência do condutor, as características do assoalho e o estado de conservação do compartimento de carga. Foram consideradas, ainda, as seguintes variáveis dependentes: hematoma total (HT), hematoma na costela (HC), hematoma no dianteiro (HD), hematoma lombar (HL), hematoma no traseiro (HS), número de quedas durante o desembarque (QD) e número de animais deitados na chegada ao frigorífico (DT). 37 5 Resultados e Discussão 5.1 Caracterização do Transporte de Bovinos de Corte A caracterização do transporte rodoviário vem sendo muito discutida nos últimos tempos, devido a seus efeitos no bem-estar dos bovinos transportados e na qualidade das carcaças e da carne. Muitos são os motivos que levam o homem a estudar o bem-estar animal dos bovinos de corte para o abate. Dentre eles, pode-se citar a preocupação crescente e constante entre os consumidores de todo o mundo que, atualmente, exigem uma conduta mais humanitária em relação às formas de manejo adotadas (assumindo que os animais vertebrados têm capacidade de sentir dor e outros tipos de sofrimento). Do total de 19.451 animais acompanhados em duas plantas frigoríficas, 12.844 foram transportados no veículo tipo “truck” (66,0%), 2.193 no “Romeu e Julieta” (11,3%), 2.038 na carreta (10,5%), 2.336 na carreta “com dois pisos” (12,0%) e apenas 40 no “toco” (0,2%). O veículo do tipo “truck” é ainda o mais presente no transporte para as plantas frigoríficas brasileiras. Em uma das plantas frigoríficas avaliadas, com serviço de transporte terceirizado, este tipo de veículo correspondeu a grande parte 83,89% (N=620) dos veículos utilizados para realizar o transporte dos bovinos; enquanto que em outro frigorífico, que possui frota própria (principalmente composta por carretas e carretas “com dois pisos”), também foram encontrados veículos do tipo “truck”, 21,07% (N=63), sendo utilizados no transporte de bovinos, compondo a frota de serviço terceirizado. Esta informação confirma os relatos de Bertoloni et al. (2012) que reportaram que o transporte rodoviário de bovinos no Brasil é feito, principalmente, em veículos do tipo “truck”, que tem capacidade média de transportar até 18 animais adultos (entre 450 e 500kg de peso vivo). Os autores referiram ainda que outros tipos de veículos também são utilizados, como, por exemplo, as carretas, que transportam em média 27 animais, e carretas “com dois pisos”, com capacidade para 41 animais, que favorecem a redução do frete dos animais, devido ao aumento de sua capacidade de carga. 38 Também foi avaliado no presente estudo que o veículo tipo “Romeu e Julieta” é muito presente no transporte de bovinos, apresentando uma capacidade de transporte muito aproximada ao do veículo carreta “com dois pisos”, já mencionado anteriormente por Bertoloni et al., 2012. No entanto, esses veículos do tipo “Romeu e Julieta” foram utilizados em apenas uma das plantas frigoríficas, representando 16% de sua frota. Este modelo é capaz de transportar um número maior de animais, assim como as carretas e carretas “com dois pisos”. A fim de se reduzir os custos do transporte, tem-se utilizado a carreta “com dois pisos”, mas há a expectativa de que este tipo de veículo apresente maior impacto na qualidade da carne bovina; entretanto, os resultados ainda não são conclusivos (BERTOLONI et al., 2012). Na Tabela 1 estão apresentadas informações sobre os condutores avaliados, em função do tipo de veículo utilizado. Na Tabela 2, por sua vez, são encontradas as características da viagem, o espaço disponível por animal e a proporção de animais deitados e de quedas no desembarque. E na Tabela 3, encontram-se as características dos compartimentos de carga em função dos tipos de veículo avaliados. Tabela 1. Número de condutores e valores mínimos e máximos da idade e tempo de experiência no transporte de bovinos em função dos tipos de veículo avaliados. Tipo do veículo Número de condutores Idade dos condutores (anos) Média da idade dos condutores (anos) Tempo de experiência (anos) Média do tempo de experiência dos condutores (anos) “Truck” 93 24 – 72 46 2 - 40 18 Carreta 44 26 – 62 41 0,5 - 27 9 Carreta “com dois pisos” 26 27 – 57 42 0,25 - 31 13 “Romeu e Julieta” 18 27 – 52 41 2 - 34 6 “Toco” 5 33 – 69 49 12 - 53 28 Em relação às características analisadas dos condutores, estes foram questionados sobre terem realizado algum tipo de “treinamento” na área de bem- estar animal e de transporte de bovinos de corte, a fim de se observar alguma 39 relação com os indicadores de bem-estar animal. Conforme o modelo do veículo “truck” (66,08%), carreta (93,76%), carreta “com dois pisos” (94,09%), “Romeu e Julieta” (54,07%) e “toco” (60,00%), encontramos valores maiores de treinamento. Esse treinamento era feito para os modelos de veículos que possuíam algum tipo de articulação, ou seja, veículos com uma maior dificuldade de condução. Esses veículos com articulações, exceto o “Romeu e Julieta”, estão presentes na frota de uma das plantas frigoríficas que possui um programa e um acompanhamento na área de bem-estar animal. Para Bertoloni et al. (2012) o despreparo dos operadores responsáveis pela condução dos animais consiste em um grande entrave para o transporte de bovinos, especialmente no momento do embarque e desembarque, em razão dos funcionários e condutores utilizarem pedaços de madeira, galhos de árvores, cintos, equipamentos elétricos, dentre outros, com o intuito de apressar o deslocamento dos animais. Os autores em questão sugeriram que uma melhor preparação dos condutores envolvidos no transporte de bovinos pode evitar a agitação desnecessária e a movimentação desordenada do lote, fatores estes que podem ser uma das causas das quedas e/ou escorregões por parte dos animais. Em um estudo realizado no Uruguai (HUERTAS et al., 2005), foi evidenciada a importância de se realizar o treinamento dos condutores, incluindo elementos éticos sobre o bem-estar animal e elementos econômicos (decorrente de perdas por manejo inadequado do gado). Esses autores notaram uma modificação da postura dos participantes que, por sua vez, se mostraram entusiasmados para modificarem as práticas tradicionalmente utilizadas. Além disso, foi notada uma importante alteração na mentalidade das pessoas, o que permitiu ao país em questão ingressar em mercados mais exigentes, com uma carne de alta qualidade e que respeitasse o bem-estar animal. 40 Tabela 2. Características das viagens, espaço disponível por animal, proporção de animais deitados e de quedas no desembarque em função dos tipos de veículo avaliados. Tipo do veículo Distâncias percorridas (km) Duração das viagens (horas) Espaço por animal (m linear) % de viagens com animais deitados % de quedas no desembarque “Truck” 12,4 - 1008,0 0,33 - 23 0,49 - 0,83 26,82 (de 1 - 12)* 23,56 (de 1 - 4)* Carreta 27,1 - 658,0 0,25 - 22 0,51 - 0,73 40,09 (de 1 - 8)* 21,49 (de 1 - 2)* Carreta “com dois pisos” 41,2 - 388,0 2 – 11 0,53 - 0,61 34,67 (de 1 - 19)* 54,03 (de 1 - 5)* “Romeu e Julieta” 38,1 - 1008,0 0,66 - 22 0,44 - 0,62 52,35 (de 1 - 8)* 54,13 (de 1 - 4)* “Toco” 12,4 - 28,8 0,25 - 2 0,58 - 1,10 0,00* 0,00* *onde: número de animais que chegam deitados ou sofrem quedas no momento do desembarque. As características das viagens confirmam os relatos fornecidos pelos condutores, que diziam que o tipo de veículo “truck” era selecionado pelo frigorífico para percorrer estradas de difícil acesso e clima desfavorável, devido à “maior” estabilidade desses veículos. É importante destacar, neste momento, que este modelo de veículo é terceirizado nas duas plantas frigoríficas. Os valores para distância, tempo de viagem e número de animais deitados no tipo “truck” foram maiores em relação aos outros caminhões. Esses resultados foram obtidos em apenas uma das avaliações, não representando, com isso, o cenário real. Ao considerar as médias gerais para essas características, os outros modelos de veículos demonstraram números maiores para quilometragem média de viagens, ao transportar animais para a planta frigorífica, como apresentado na Figura 5. Os veículos carreta e carreta “com dois pisos”, geralmente, são utilizados em estradas que se encontram em melhores condições para transporte. Esses tipos são mais usados nos meses de seca (a partir de Agosto), quando a origem do confinamento dos animais passa a ser mais próxima do frigorífico. Durante o desembarque, foi registrado um maior número de quedas em veículos do tipo “Romeu e Julieta”, seguido pelas carretas “com dois pisos”. Esse resultado foi esperado devido às configurações destes veículos, que têm maior 41 número de porteiras a serem atravessadas pelos animais, quando comparados aos outros tipos de veículos avaliados. Todavia, a carreta “com dois pisos” teve um número de quedas aproximada a do modelo “Romeu e Julieta”, o que provavelmente está relacionado também ao desenho do compartimento de carga. O formato do veículo carreta “com dois pisos” possui uma rampa muito íngreme que faz uma ligação entre os dois pisos existentes na carroceria. Em alguns momentos, devido à dificuldade de visão imposta pelas condições dos compartimentos, os animais, para se deslocarem, têm que saltar de um piso para o outro, fato este que acaba por gerar um grande número de escorregões e consequentemente ao aumento do número de quedas. Esse resultado evidencia que, no modelo de “carreta com dois pisos”, pode haver dificuldades no desembarque e, portanto, no comportamento dos animais. Essas dificuldades geram uma maior frequência no uso de bastão elétrico, forçando os animais a desembarcarem por meio de estímulos aversivos. Tabela 3. Características dos compartimentos de carga em função dos tipos de veículo avaliados. Tipo do veículo Materiais dos compartimentos de carga % de compartimentos de carga em boas condições Borrachão (%) Grade (%) Borrachão + grade (%) “Truck” 91,58% madeira e 8,42% metal 77,15 0,00 10,65 89,35 Carreta 98,92% metal e 1,08% metal e madeira 90,38 82,23 13,69 4,07 Carreta “com dois pisos” 100% metal 90,05 0,00 95,85 4,15 “Romeu e Julieta” 100% metal 62,74 0,00 100,0 0 0,00 “Toco” 100% madeira 60,00 0,00 27,50 72,50 Esses resultados mostraram que é fundamental que os compartimentos de carga possuam algum tipo de revestimento, pois o assoalho do veículo desenvolve uma importante função na qualidade do transporte. Esse é um dos principais fatores 42 responsáveis por proporcionar estabilidade aos bovinos, dentro do veículo, diminuindo o número de animais deitados durante o período da viagem, bem como para amenizar o impacto das quedas sofridas. Cada tipo de veículo apresentou um modelo específico de assoalho, cuja intenção é a proteção do animal. Estudos para cada tipo de assoalho devem ser realizados a fim de se averiguar se essas diferenças influenciam no resultado final, isto é, no transporte dos animais. Grande parte dos transportes foi de bovinos machos (72,97%; 58,54%; 76,54%; 84,54%; e 67,5% nos veículos dos tipos “truck”, carretas, carretas “com dois pisos”, “Romeu e Julieta” e “toco”, respectivamente), seguido pelo transporte de fêmeas (16,25%; 30,76%; 18,57%; 15,46%; e 20,0%, respectivamente para cada tipo de veículo acima descrito). Foram poucas as ocorrências de cargas mistas (10,78%; 10,70%; e 12.50% nos veículos dos tipos “truck”, carretas e “toco”, respectivamente), sendo que nas carretas “com dois pisos” e no “Romeu e Julieta” não houve nenhum transporte com carga mista. As viagens foram realizadas, principalmente, em estradas asfaltadas, com a predominância do uso de veículos de maior capacidade de carga em viagens mais longas (carreta, carreta “com dois pisos” e “Romeu e Julieta”) e de carretas e carreta “com dois pisos” em estradas com pista dupla, como apresentado na figura abaixo. Figura 5. Médias e respectivos desvios padrão das distâncias percorridas (km) durante o transporte de bovinos em função do tipo de estrada e do tipo de veículo avaliado. 43 As viagens por estrada de terra foram mínimas. Portanto, sua proporção não foi descrita no gráfico apresentado. Essas estradas de terra geralmente fazem a ligação do embarque da fazenda até a estrada asfaltada. E apesar da distância média percorrida por estradas de terra ter sido baixa e, por conta disto, não apresentada no gráfico, deve-se ter em conta que são nessas estradas que geralmente ocorrem as maiores dificuldades de tráfego, devido aos trechos mal conservados, fato esse que pode resultar em grandes atrasos ou mesmo em problemas com os veículos. A maior preocupação com viagens longas manifesta-se na dificuldade de se resolver os eventuais problemas que ocorram durante as mesmas, exigindo, nesses casos, a elaboração de planos de ações preventivas e corretivas, de forma a minimizar os riscos e estar preparado para o atendimento e resoluções de situações de emergência. Os resultados deste estudo demonstraram que os veículos com maior capacidade de carga apresentaram maior média de quilometros rodados por viagem e que as estradas percorridas pelos mesmos eram as de melhor condição para o tráfego. Essas viagens, geralmente realizadas em rodovias com pista dupla, como apresentado na Figura 5, foram realizadas principlamente para a planta frigorífica do estado de São Paulo. Mesmo que em menor número, são os transportes de longa distância, como apresentados na Tabela 2 e na Figura 5, que exigem melhor planejamento e maior cuidado, de forma a minimizar os riscos de a viagem prejudicar o bem-estar dos animais e, como consequência, a qualidade da carne. As médias e respectivos desvios padrão das porcentagens de animais deitados na chegada ao frigorífico e de desembarque com quedas em função do tipo de veículo avaliado estão apresentadas na abaixo (Figura 6). 44 Figura 6. Médias e respectivos desvios padrão das porcentagens de veículos que checaram ao frigorífico com animais deitados e de quedas. Na Figura 7 são apresentadas as médias de números de hematomas (no dianteiro, costela, lombar, traseiro e total) por carcaça e respectivos desvios padrão em função dos tipos de veículos avaliados. Figura 7. Médias e respectivos desvios padrão do número de hematomas (no dianteiro, costela, lombar, traseiro e total) em função do tipo de veículo utilizado. Quando analisados os resultados apresentados na Figura 7 e Tabela 2, o veículo do tipo “toco” apresentou maior quantidade de hematomas na carcaça, 45 embora seja utilizado no transporte para pequenas distância (Tabela 2). Por isso, não seria esperado que os animais ficassem cansados com a viagem e nem que sofressem em decorrência da indisponibilidade de alimento e água, além de chegarem todos em pé no frigorífico e não sofrerem quedas no desembarque (Tabela 2). Nesse tipo de veículo, o fator que possivelmente mais influenciou a ocorrência de hematomas nas carcaças foi a categoria do animal transportado, composta por animais de descarte, geralmente vacas leiteiras. Ainda nessa temática, a categoria do animal que esses veículos transportam tem uma grande influência no número de hematomas, como relatado por Strappini et al. (2011). As vacas apresentam maior quantidade de hematomas por animal, quando comparados aos machos. Os machos inteiros, por sua vez, apresentaram a menor quantidade de hematomas por animal, visto que a castração do bovino faz