Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 A importância ecológica dos morcegos (Ordem Chiroptera), sua alta diversidade e sua abundância nas regiões tropicais (COLE & WILSON 1996, NOWAC 1991) tornam este grupo um interes- sante objeto de estudos. Trabalhos em sistemática, fisiologia, distribuição geográfica, levantamento de espécies e ecologia vêm sendo desenvolvidos em diversas localidades, contribuin- do assim para o melhor conhecimento desses mamíferos (BERNARD 2002, CHARLES-DOMINIQUE 1986, EMMONS & FEER 1997, HEITHAUS et al. 1975, LIM et al. 2003). A ecologia alimentar de morcegos provê informações extremamente úteis para o en- tendimento dos mecanismos de partilha de recursos que regu- lam as relações tróficas, e que são responsáveis pela alta diver- sidade deste grupo nas regiões tropicais (HEITHAUS et al. 1975, MARINHO-FILHO 1991, MULLER & REIS 1992, PEDRO & TADDEI 1997, TERBORGH 1986, WILLIG et al. 1993). Morcegos frugívoros formam uma parcela considerável das comunidades de morcegos em ambientes neotropicais (EMMONS & FEER 1997), havendo para o Brasil informações espe- cíficas sobre a dieta frugívora de algumas espécies (e.g. GALETTI & MORELLATO 1994, MARINHO-FILHO 1991, MULLER & REIS 1992; PEDRO & PASSOS 1995, PEDRO & TADDEI 1997, REIS & GUILLAUMET 1983, UIEDA & VASCONCELLOS-NETO 1985, WILLIG et al. 1993, ZORTÉA & CHIARELLO 1994). Apesar destes trabalhos, ainda existem pou- cas informações sobre a ecologia alimentar das espécies de morcegos frugívoros no Brasil, especialmente no domínio da Mata Atlântica do sudeste, uma das regiões florestais mais FFFFFrrrrrugivugivugivugivugivorororororia em moria em moria em moria em moria em morcececececegggggos (Mammalia,os (Mammalia,os (Mammalia,os (Mammalia,os (Mammalia, Chir Chir Chir Chir Chiropteropteropteropteroptera)a)a)a)a) no Parno Parno Parno Parno Parque Estadual Intervque Estadual Intervque Estadual Intervque Estadual Intervque Estadual Intervales,ales,ales,ales,ales, sudeste do Br sudeste do Br sudeste do Br sudeste do Br sudeste do Brasil asil asil asil asil 11111 Fernando C. Passos 2, Wesley R. Silva 3, Wagner A. Pedro 4 & Marcela R. Bonin 2, 5 1 Contribuição número 1401 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. 2 Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: fpassos@ufpr.br 3 Departamento de Zoologia, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 6109, 13083-970 Campinas, São Paulo, Brasil. 4 Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, Universidade Estadual Paulista. Caixa Postal 341, 16050-680 Araçatuba, São Paulo, Brasil. 5 Bolsista PIBIC/CNPq. ABSTRACT. FFFFFrrrrrugivugivugivugivugivorororororyyyyy ininininin batsbatsbatsbatsbats (Mammalia(Mammalia(Mammalia(Mammalia(Mammalia, ChirChirChirChirChiropteropteropteropteroptera)a)a)a)a) atatatatat thethethethethe IntervIntervIntervIntervIntervalesalesalesalesales StateStateStateStateState ParParParParParkkkkk, SoutheasterSoutheasterSoutheasterSoutheasterSoutheasternnnnn BrBrBrBrBrazil.azil.azil.azil.azil. This study was carried out at the Intervales State Park, an Atlantic Rain Forest area in Southeastern Brazil. Bats were monthly mist netted over a full year, and fecal samples were collected for dietary analysis. The seeds found in each sample were identified in the laboratory under a stereoscopic microscope by comparison with seeds taken from ripe fruits collected in the study area. Three hundred and seventy one bats were collected, of which 316 (85.2%) were frugivorous. The total number of fecal samples with seeds and/or pulp was 121. Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) was the most abundant species in the study area (n = 157 captures) and Solanaceae fruits accounted for 78.5% of the fecal samples with seeds (n = 56). Artibeus fimbriatus Gray, 1838 (n = 21 samples) fed mostly on Cecropiaceae (38%) and Moraceae fruits (24%), and Artibeus lituratus (Olfers, 1818) (n = 7 samples) on Cecropiaceae (57%) and Moraceae (29%). Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) (n = 16 samples) fed mostly on Piperaceae fruits (56,3%), but Solanaceae (31,3%) and Rosaceae seeds (12,5%) were also found in feces. Overall, seeds found in bat feces belong to eight plant families: Solanaceae (n = 67 samples); Cecropiaceae (n = 14); Piperaceae (n = 14); Moraceae (n = 8); Rosaceae (n = 3); Cucurbitaceae (n = 3); Cluseaceae (n = 1), and Araceae (n = 1). The close association of different bat species with fruits of certain plant families and genus may be related to a possible mechanism of resource partitioning that shapes the structure of the community. KEY WORDS. Artibeus, Carollia, diet, Sturnira. 512 F. C. Passos et al. Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 ameaçadas do globo (FONSECA 1985, FONSECA et al. 1994, TERBORGH 1992). A dispersão de sementes por morcegos frugívoros con- tribui para o estabelecimento de muitas espécies de plantas pioneiras, auxiliando os mecanismos de regeneração e suces- são secundária em áreas tropicais (CHARLES-DOMINIQUE 1986, GORCHOV et al. 1993). São apresentadas informações sobre a dieta frugívora e a abundância de espécies de morcegos frugívoros de uma área de Mata Atlântica, discutindo as possíveis preferências alimenta- res e partilha de recursos entre as espécies estudadas. MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi realizado no Parque Estadual de Intervales, município de Ribeirão Grande/SP (24º16’S, 48º24’W), numa área próxima à sede administrativa do parque. A região apre- senta vegetação de Mata Atlântica e não existe uma estação seca bem definida, embora a precipitação seja mais baixa entre maio e setembro (TRAJANO 1996). As chuvas anuais variam de 1000 a 2000 mm e a média de temperatura anual é cerca de 20ºC (FENTON et al. 1999). Entre os anos de 1994 a 1996 a preci- pitação anual variou de 1579 a 1934 mm, com variações men- sais de 20 a 470 mm, e as temperaturas de 10 a 24ºC (Dados fornecidos pelo DAEE de São Paulo). Coletas mensais foram realizadas ao longo de treze me- ses, de janeiro de 1999 a janeiro de 2000, através de capturas com redes de neblina. Durante esse período as capturas de morcegos ocorreram de dois até 10 dias por mês. Ao longo dos meses, entre seis e 12 redes foram dispostas diariamente por aproximadamente seis horas, desde o início do anoitecer. Os morcegos capturados foram identificados, medidos, pesados, colocados em sacos de algodão para defecar e posteriormente liberados. Alguns exemplares foram sacrificados para servir como material testemunho ou mesmo para a identificação pre- cisa da espécie (Tab. I). As fezes coletadas foram então acondi- cionadas e etiquetadas. No laboratório essas amostras foram observadas sob lupa para a identificação do material fecal. As sementes encontradas foram lavadas e identificadas em nível de família, gênero ou espécie através da comparação com sementes de uma coleção Tabela I. Espécies tombadas em coleções como material testemunho. Espécie Coleção Número Peropteryx macrotis (Wagner, 1843) L. Chiroptera 1 FP114, FP115, FP116 e FP117 Furipterus horrens (F. Cuvieer, 1828) MHNCI 2 ? 3 L. Chiroptera FP254 Anoura caudifera (E. Geoffroy, 1818) L. Chiroptera FP277 Anoura geoffroyi Gray, 1838 UFPR FP124 Artibeus fimbriatus Gray, 1838 L. Chiroptera FP151, FP158, FP159, FP317, FP320, FP321, FP325, FP333 Artibeus jamaicensis Leach, 1821 L. Chiroptera FP104, FP329 Artibeus lituratus (Olfers, 1818) L. Chiroptera FP109, FP118, FP161, FP319, FP342, FP363 Artibeus obscurus Schinz, 1821 L. Chiroptera FP123 Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) L. Chiroptera FP23, FP187 Chiroderma doriae Thomas, 1891 L. Chiroptera FP343 Chrotopterus auritus (Peters, 1856) UFPR FP99 Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 1810) UFPR4 FP150 Lonchorhina aurita Thomes, 1863 L. Chiroptera FP31 Pygoderma bilabiatum (Wagner, 1843) L. Chiroptera FP176 Platyrrhinus recifinus (Thomas, 1901) L. Chiroptera FP10 Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) UFPR FP128, FP129, FP130 Sturnira tildae De la Torre, 1959 L. Chiroptera FP 237, FP238, FP299 Histiotus velatus (I. Geoffroy, 1824) UFPR FP146 Myotis nigricans (Schunz, 1821) L. Chiroptera FP108, FP201 Myotis ruber (E. Geoffroy, 1806) L. Chiroptera FP30 Myotis indeterminados L. Chiroptera FP196, FP197, FP228 (1) Laboratório de Chiroptera, Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal, UNESP, Araçatuba; (2) Museu de História Natural do Capão da Imbuia, Curitiba; (3) Indeterminado; (4) Coleção de Mastozoologia do Departamento de Zoologia da UFPR, Curitiba. 513Frugivoria em morcegos no Parque Estadual Intervales... Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 de referência montada a partir de frutos coletados na área. As plantas cujos frutos foram coletados foram marcadas e as exsica- tas foram enviadas a especialistas para a identificação. Os mor- cegos frugívoros foram considerados aqueles que apresentaram um dieta constituída basicamente de frutos. As amostras das fe- zes que continham uma única espécie de semente foram consi- deradas como uma única amostra, enquanto aquelas que apre- sentaram duas ou mais sementes de espécies diferentes foram consideradas como duas ou mais amostras. Assim, o número de amostras para o cálculo da dieta foi considerado o total das amostras produzidas por cada espécie de morcego. É importan- te ressaltar que esta técnica de análise de fezes, embora de uso comum em estudos sobre alimentação de morcegos frugívoros (BERNARD 2002, PEDRO & TADDEI 1997, SIPINSKI & REIS 1995, entre outros), é limitada para caracterizar a totalidade da dieta desses animais, uma vez que muitos frutos com sementes grandes que não atravessam o tubo digestivo podem também ser consumi- dos (GALETTI & MORELLATO 1994, ZORTÉA & CHIARELLO 1994). RESULTADOS Durante o período de estudo foram capturados 371 mor- cegos, sendo que 316 (85,2%) pertenciam a espécies frugívoras (Tab. II). Os frugívoros mais abundantes na área de estudo fo- ram: Sturnira lilium (157 capturas), Artibeus fimbriatus (74), Artibeus lituratus (29) e Carollia perspicillata (24). Para estas es- pécies, o percentual de amostras fecais com sementes revelou que Cecropiaceae, Moraceae, Piperaceae e Solanaceae são al- gumas das famílias de plantas mais consumidas pelos morce- gos frugívoros na área de estudo (Fig. 1). A dieta frugívora de Sturnira lilium foi a mais diversificada com oito famílias vegetais sendo consumidas, porém concen- trando-se em frutos de Solanaceae (78,5%), principalmente do gênero Solanum (Fig. 1). Artibeus fimbriatus apresentou princi- palmente sementes de Cecropiaceae (38%) e Moraceae (24%) em suas fezes, e em menor quantidade sementes de Solanaceae, Piperaceae e Cucurbitaceae. Nas poucas amostras fecais de Artibeus lituratus predominaram sementes de Cecropiaceae (57%), além de Moraceae (29%) e Solanaceae (14%). Carollia perspicillata também concentrou sua dieta em poucas famílias, sendo encontradas somente sementes de Piperaceae (56%), Solanaceae (31%) e Rosaceae (12,5%). As espécies Artibeus jamaicensis, Pygoderma bilabiatum e Sturnira tildae apresentaram poucas fezes com sementes ou com a presença somente de polpa não identificável. Platyrrhinus recifinus, Artibeus obscurus e Chiroderma dorie não defecaram. Ao todo foram obtidas 121 amostras fecais das sete espé- cies de morcegos frugívoros em Intervales, das quais 106 con- tinham sementes e 15 somente restos de polpa não identificável (Tab. III). As plantas consumidas pelos morcegos representam oito famílias e 22 espécies identificadas pelo menos em gêne- ro, sendo que as sementes de Solanaceae, Cecropiaceae e Pipe- raceae ocorreram em 78,5% das amostras (Tab. III). DISCUSSÃO Estudos realizados com morcegos no Parque Estadual Intervales abordaram composição da fauna, comparação entre diferentes técnicas de amostragem da comunidade, além de informações sobre a dieta e o comportamento de forrageio de morcegos insetívoros (FENTON et al. 1999, PORTFORS et al. 2000). Entretanto, esta é a primeira análise mais abrangente sobre a dieta de morcegos frugívoros para aquela Unidade de Conser- vação. A abundância de morcegos frugívoros encontrados nes- te estudo (Tab. II) reflete a importância desta guilda nas comu- nidades de morcegos de Mata Atlântica, onde muitas espécies de plantas quiropterocóricas são capazes de manter uma co- munidade diversificada de morcegos ao longo de todo o ano. PEDRO et al. (2001) ressaltam a importância das principais espé- cies de morcegos frugívoros (A. lituratus, C. perspicillata e S. lilium) na dinâmica da comunidade. Além disso, essa abun- dância de frugívoros pode refletir também a seletividade do método de coleta por rede de neblina, uma vez espécies insetívoras como os exemplares das famílias Vespertilionidae e Molossidae podem evitar essas redes (ARITA 1993, PEDRO & TADDEI 1997). A dominância de Sturnira lilium já foi relatada em outros estudos de comunidades de morcegos no Brasil (MARINHO-FILHO 1991, PEDRO & TADDEI 1997). Em algumas localidades Artibeus Leach, 1821 pode ser dominante (MULLER & REIS 1992, REIS et al. 2000, PEDRO et al. 2001, RUI & FABIÁN 1997, SIPINSKI & REIS 1995) Tabela II. Espécies de morcegos capturadas no Parque Estadual Intervales e suas respectivas guildas alimentares e freqüência de captura. Familía Espécie Guilda Capturas Emballonuridae Peropteryx macrotis Insetívoro 6 Phyllostomidae Chrotopterus auritus Carnívoro 3 Lonchorhina aurita Insetívoro 15 Micronycteris microtis Insetívoro 1 Anoura caudifer Nectarívoro 3 Anoura geoffroyi Nectarívoro 2 Carollia perspicillata Frugívoro 24 Artibeus fimbriatus Frugívoro 74 Artibeus jamaicensis Frugívoro 5 Artibeus lituratus Frugívoro 29 Artibeus obscurus Frugívoro 1 Chiroderma doriae Frugívoro 1 Platyrrhinus recifinus Frugívoro 1 Pygoderma bilabiatum Frugívoro 10 Sturnira lilium Frugívoro 157 Sturnira tildae Frugívoro 14 Desmodus rotundus Hematófago 9 Furipteridae Furipterus horrens Insetívoro 6 Vespertilionidae Histiotus velatus Insetívoro 1 Myotis nigricans Insetívoro 1 Myotis ruber Insetívoro 1 Myotis indeterminado Insetívoro 4 Total (4 famílias) 24 espécies 5 guildas 371 514 F. C. Passos et al. Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 mesmo co-ocorrendo com Sturnira lilium. Em outras localida- des Carollia perspicillata se apresenta como a espécie dominan- te (BERNARD 2002, PEDRO & PASSOS 1995, PEDRO & TADDEI 2002, STONER 2001). No Parque Estadual Intervales, Sturnira lilium foi mais abundante que as quatro espécies de Artibeus juntas. En- tretanto, tal fato pode ser explicado pela ausência de capturas de morcegos do gênero Artibeus durante os meses mais frios, período que coincide com a ausência de sua principal fonte de alimento na região (frutos de Cecropiaceae), indicando que estas espécies poderiam abandonar a área em busca de locais com maior disponibilidade de alimento. Tal fato, de possibili- dade de migração relacionada a disponibilidade de alimento, Tabela III. Freqüência de ocorrência de sementes nas amostras fecais de sete espécies de morcegos frugívoros do Parque Estadual Intervales, Ribeirão Grande, São Paulo. (AF) Artibeus fimbriatus, (AL) A. lituratus, (AJ) A. jamaicensis, (CP) Carollia perspicillata, (PB) Pygoderma bilabiatum, (SL) Sturnira lilium, (ST) Sturnira tildae. Plantas (Famílias/Espécies) Espécies de morcegos AF AL AJ CP PB SL ST Total Araceae Philodendron apendiculatum Nadruz & Mayo 1 1 Cecropiaceae Cecropia glaziovi Snethlage 5 3 1 1 10 Cecropia pachystachia Trec. 3 1 4 Cucurbitaceae 1 2 3 Cluseaceae Vismia sp. Vand. 1 1 Moraceae Fícus luschnatiana (Miq.) Miq. 2 1 3 Ficus sp. L. 3 1 1 5 Piperaceae Piper aduncum Linnaeus 2 2 Piper dilatatum L.C. Rich. 5 5 Piper sp. L. 1 2 4 7 Rosaceae Rubus brasiliensis Mart. 2 1 3 Solanaceae Aureliana sp. Sendt. 1 1 Solanum cinnamomeum Sendt. 1 1 Solanum megalochiton Mart. 1 1 Solanum cf. paranaense Dunal 2 2 1 5 Solanum rufescens Sendt. 1 1 Solanum santaecatharinae Dunal 3 3 Solanum scuticum M. Nee 1 1 1 3 Solanum subsylvestris L.B. Smith & Dawns 3 3 Solanum swartzianum Roem. & Schult 3 3 Solanum variabile Mart. 1 3 4 Solanum sp. L. 1 1 15 3 20 Vassobia breviflora (Sendt.) Hunz 1 11 12 Famílias Indeterminadas Indeterminadas 4 1 5 Polpa sem sementes 4 2 1 8 15 Total 25 7 1 18 1 64 5 121 515Frugivoria em morcegos no Parque Estadual Intervales... Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 foi também comentada por PEDRO & TADDEI (2002) para Platyrrhinus lineatus (E. Geoffroy, 1810), e deve ser cuidadosa- mente averiguado. Além disso, a comunidade de morcegos frugívoros pare- ce estar adaptada à partilha de recursos alimentares (FLEMING 1986, MULLER & REIS 1992, MARINHO-FILHO 1991), pois, pelo me- nos em relação às quatro espécies mais abundantes, é possível detectar uma tendência a dietas especializadas em determina- das famílias de plantas, como acontece entre Sturnira spp. e Solanaceae, Artibeus spp. e Cecropiacae/Moraceae, Carollia perspicillata e Piperaceae (Fig. 1). Plantas destas famílias são abundantes no mosaico de ambientes que constituem a Mata Atlântica, mas principalmente em habitats mais abertos como as bordas de mata, clareiras e ao longo de caminhos e trilhas, ambientes geralmente freqüentados por morcegos frugívoros. De maneira geral, a distribuição dos recursos e sua abundância são importantes fatores determinando os padrões de forrageio das espécies de morcegos (HEITHAUS et al. 1975). A preferência de Sturnira lilium por frutos de Solanum e de Carollia perspicillata por Piper já tem sido observada em ou- tros estudos e parece estar relacionada a mecanismos de parti- ção de recursos permitindo a coexistência dessas espécies (FLEMING 1986, HEITHAUS et al. 1975, MARINHO-FILHO 1991, MIKICH 2002, MULLER & REIS 1992, PEDRO & PASSOS 1995, PEDRO & TADDEI 1997, SIPINSKI & REIS 1995). As espécies de Artibeus são conheci- das na literatura pelo grande consumo de Ficus e Cecropia (FLEMING 1986, GARDNER 1977, ZORTÉA & CHIARELLO 1994). Na área de estudo, porém, uma espécie muito abundante de figueira é Ficus luschnatiana, que apresenta frutos aparentemente de bai- xa qualidade, pouco suculentos e de maior rigidez, quando comparados às outras espécies de figueiras. Isto poderia expli- car não somente a falta de dominância de Artibeus spp. naque- la região como também a raridade de outras espécies conheci- das pelo alto consumo de Ficus, como Plathyrrhinus recifinus (MULLER & REIS 1992) e Vampyressa pusilla (Wagner, 1843) (PEDRO et al. 1997) (Tab. II). A ausência de sementes nas fezes de Pygoderma bilabiatum (Tab. III) pode indicar que indivíduos desta espécie podem pre- ferir o consumo de polpa e evitar engolir as sementes. Talvez eles pudessem ter sido capturados antes de se alimentar, mas como os exemplares desta espécie foram capturados em média às 23:30 h, é de se esperar que os indivíduos nesse horário já tenham se alimentado. São necessárias maiores informações sobre a dieta frugívora desta espécie, assim como para as ou- tras espécies cujas amostras de fezes não permitiram uma aná- lise mais aprofundada sobre sua dieta (A. jamaicensis, A. obscurus, S. tildae, P. recifinus e C. dorie). A identificação das espécies de Solanaceae por meio de sementes freqüentemente apresenta problemas. Embora exis- tam numerosos registros de consumo de Solanum para morce- gos frugívoros (ASCORRA & WILSON 1992, FLEMING 1991, GALETTI & MORELLATO 1994, KUNZ & DIAS 1995, MIKICH 2002, PEDRO & PASSOS 1995, SIPINSKI & REIS 1995, UIEDA & VASCONCELLOS-NETO 1985, WILLIG et al. 1993), outros gêneros desta família podem ser in- ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� Artibeus fimbriatus (n=21 amostras) 0 38,1 4,8 23,8 4,8 9,5 19,0 0 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Arac ea e Cec rop iac ea e Cuc urb ita ce ae Clus ea ce ae Mora ce ae Pipe rac ea e Ros ac ea e Sola na ce ae Ind ete rm ina da s Plantas Fr eq üê nc ia d e O co rrê nc ia (% ) ������ ������ ������ ������ ������ ����� ����� ������ ������ ������ Carollia perspicillata (n=16 amostras) 56,3 12,5 31,3 000000 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Arac ea e Cec rop iac ea e Cuc urb ita ce ae Clus ea ce ae Mora ce ae Pipe rac ea e Ros ac ea e Sola na ce ae Ind ete rm ina da s Plantas Fr eq uü ên ci a de o co rrê nc ia (% ) ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� ����� Artibeus lituratus (n=7 amostras) 0 57,1 0 0 28,6 0 0 14,3 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Arac ea e Cec rop iac ea e Cuc urb ita ce ae Clus ea ce ae Mora ce ae Pipe rac ea e Ros ac ea e Sola na ce ae Ind ete rm ina da s Plantas Fr eq üê nc ia d e O co rrê nc ia (% ) ����� ����� ����� ����� ����� ������ ������ ����� ������ ������ ������ ������ ������ ������ ������ ����� Sturnira lilium (n=56 amostras) 1,8 1,8 3,6 1,8 1,8 7,1 1,8 78,5 1,8 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Arac ea e Cec rop iac ea e Cuc urb ita ce ae Clus ea ce ae Mora ce ae Pipe rac ea e Ros ac ea e Sola na ce ae Ind ete rm ina da s Plantas Fr eq üê nc ia d e oc or rê nc ia (% ) Figura 1. Freqüência de ocorrência (%) de diferentes famílias vegetais nas amostras fecais com sementes encontradas em Artibeus fimbriatus, A. lituratus, Carollia perspicillata e Sturnira lilium no Parque Estadual de Intervales. 516 F. C. Passos et al. Revista Brasileira de Zoologia 20 (3): 511–517, setembro 2003 cluídos na dieta destes animais, como, por exemplo, Aureliana e Vassobia (Tab. III), que possuem sementes muito semelhantes às de Solanum, mesmo quando observadas sob lupa. Faz-se ne- cessária, portanto, uma abordagem cautelosa na análise da di- eta de morcegos frugívoros, sendo indispensável a montagem de uma boa coleção de referência de sementes para a identifi- cação em termos de espécies vegetais presentes em sua dieta. A comunidade de morcegos frugívoros desta área de Mata Atlântica parece explorar eficientemente os recursos disponí- veis ao longo do ano, respondendo possivelmente com mu- danças na dieta ou deslocamentos para outras áreas de acordo com as variações na oferta de frutos das suas plantas preferen- ciais ou nas mudanças climáticas. Um maior conhecimento da dinâmica espacial e temporal da interação entre plantas e mor- cegos frugívoros é fundamental para traçar estratégias de con- servação na Mata Atlântica do sudeste brasileiro. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi realizado com o apoio do Programa BIOTA/FAPESP – O Instituto Virtual da Biodiversidade (www.biota.org.br), FAPESP (Processos nº. 98/05090-6 e nº. 98/ 08940-0) e do CNPq, através da bolsa concedida ao primeiro e terceiro autores (F.C. Passos; W.A. Pedro) e ao último (M.R. Bonin – PIBIC/CNPq). Somos gratos a Burton Lim pela identi- ficação de espécies de morcegos, a Ramoci Leuchtenberger e James J. Roper pelo auxílio em algumas coletas, a Sandro Menezes da Silva, Marilia Borgo e Rodolfo Antônio de Figueiredo pela identificação das exsicatas botânicas, e a um revisor anônimo e Nélio Roberto dos Reis pelas sugestões ao manuscrito. A Fundação Florestal do Estado de São Paulo for- neceu o apoio logístico no Parque Estadual Intervales. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARITA, H.T. 1993. Rarity in neotropical bats: correlations with phylogeny, diet, and body mass. Ecological Applications, Ann Arbor, 3 (3): 506-517. ASCORRA, C. F. & D.E. WILSON. 1992. Bat frugivory and seed dispersal in the amazon, Loreto, Peru. Publicaciones del Museo de Historia Natural Universidad Nacional Mayor de San Marcos (A), Lima, 43: 1-6. BERNARD, E. 2002. Diet, activity and reproduction of bat species (Mammalia, Chiroptera) in Central Amazonia, Brasil. Re- vista Brasileira de Zoologia, Curitiba, 19 (1): 173-188. CHARLES-DOMINIQUE, P. 1986. 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