1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA RAFAEL AUGUSTO FORTI PERRONI Para além da crise: mapeamento do impacto da pandemia de covid- 19 na saúde indígena do Brasil, uma revisão de escopo Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Doenças Tropicais (Epidemiologia). Orientador: Prof. Dr. Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza Coorientadora: Dra. Juliana Machado Rugolo Botucatu 2024 2 RAFAEL AUGUSTO FORTI PERRONI Para além da crise: mapeamento do impacto da pandemia de covid-19 na saúde indígena brasileira, uma revisão de escopo Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Doutor em Doenças Tropicais (Epidemiologia). Orientador: Prof. Dr. Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza Coorientadora: Dra. Juliana Machado Rugolo Botucatu 2024 3 4 5 Agradecimentos Primeiramente, dedico este trabalho* aos povos originários brasileiros, que tanto sofreram, historicamente e contemporaneamente, nas mãos do homem branco, em nome do “progresso” e da “civilização”. Agradeço e dedico este trabalho à minha família. Sem o apoio de vocês eu não teria chegado até aqui. À minha irmã, que acreditou em mim mais do que eu mesmo e me encoraja e fortalece só pela sua maravilhosa existência; à minha mãe que me ama e defende (inclusive de mim mesmo) incondicionalmente; ao meu padrasto que me ama, ensina e apoia incessantemente, quando ninguém mais queria fazê-lo; ao meu pai, que sem seu amor e apoio eu não teria chegado até aqui; à minha tia Maria do Carmo (Cuca), que pega em minha mão e me levanta do chão sempre que as pernas fraquejam; à minha tia Rosane (Tia Ô), que transborda carinho e me ensina o que é bondade e amor verdadeiro; à minha tia Margarete (Maga), que me acolhe desde o início do meu caminhar e me ensina o que é bravura e tenacidade; à minha prima Mariah, que me diverte e ensina tudo, sempre; ao meu primo Pedro, que me desafia a pensar diferente das minhas impressões. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza o meu muito obrigado pela oportunidade de trilhar os caminhos da academia dentro da multidisciplinaridade. É porque você acredita na ciência de verdade que pude caminhar por aqui. Agradecimento especial à minha co-orientadora Dra. Juliana Machado Rugolo que me acolheu, respeitou e me ensinou pacientemente como chegar até o fim. Sinceramente, não haveria este trabalho sem você, sua honra, sua compaixão, seu profissionalismo e sua excelência. Agradeço ao amigo Prof. Dr. Gabriel Berg, que me apoiou e ensinou em tantas esquinas deste caminho. Você é muito especial. Aos meus amigos e minhas amigas, que tanto me apoiaram, suportaram, me toleraram, me acolheram, me ajudaram, me orientaram e me amaram, meu muito obrigado, especialmente à Helena Sardenberg, que me amarrou o bode na perna; Luciana Palmieri Orefice e Zélia Lyra Palmieri, que viveram todo o processo comigo, me apoiando e me tolerando; Leandro, Malu e Corinha, que me apoiaram e me inspiraram; Adicionalmente, a todos meus queridíssimos amigos e amigas que estiveram presentes na minha defesa, seja em pensamento, online ou presencialmente, especialmente Ariel Molina, Baga Defente, Bruna Roncari, Daniel Rossini, Debora Najara, Gabriel Xavier, Tais Brendaglia including the ones that spoke zero portuguese and got nothing of what was said, but supported me anyways by being present. Este negócio de “self-made man” é a maior balela da história moderna. Sem o suporte de vocês todos, sem exceção, este trabalho não teria sido concluído. Muito obrigado. *O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 88887.508430/2020-00. 6 Entre Noel e os Índios (Carlos Drummond de Andrade) Em Vila Rosali Noel Nutels repousa do desamor alheio aos índios e de seu próprio amor maior aos índios. Como se os bastos bigodes perguntassem: Valeu a pena? Valeu a pena gritar em várias línguas e conferências e entrevistas e países que a civilização às vezes é assassina? Valeu, valeu a pena criar unidades sanitárias aéreas para salvar os remanescentes das vítimas de posseiros, madeireiros, traficantes burocratas et reliqua, que tiram a felicidade aos simples e em troca lhes atiram de presente o samburá de espelhos, canivetes, tuberculose e sífilis? Noel baixa de helicóptero e vê a fome à beira d’agua trêmula de peixes. Homens esquecidos do arco-e-flecha deixam-se consumir em nome da integração que desintegra a raiz do ser e do viver. “Vocês têm obrigação de usar calça camisa paletó sapato e lenço, enquanto no Leblon nos despedimos de toda convenção, e viva a natureza...” Noel, tu o disseste: A civilização que sacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa amoral. O Parque maravilha do Xingu rasgado e oferecido 7 ao galope das máquinas, não o quiseste assim e protestante como se fosse coisa tua, e era pois onde um único índio cisma e acende fogo e dança a dança milenar extra-Conservatório e desenha seu momento de existir longe da Bolsa, da favela e do napalm, aí estavas tu, teu riso companheiro, teus medicamentos, tua branca alegria de viver a vida universal. Valeu? Valeu a pena teu cerne ucraniano fundir-se em meiga argila brasileira para melhor sentires o primitivo apelo da terra moldura natural de homens xavantes e kreen-akarores lar aberto de bororos carajás e kaingangs hoje tão infelizes pela compulsão da felicidade programada. Valeu, Noel, a pena seguir a traça de Rondon e de Nimuendaju, mãos dadas com Orlando e Claudio Vilas-Boas sob o olhar de Darcy Ribeiro, e voar e baixar e assistir e prover e alertar e verberar para que fique ao menos no espaço este signo de amor compreensivo e ardente que foi a tua vida sertaneja, a tua vida iluminada, e tua generosa decepção. 8 Sumário Agradecimentos .............................................................................................. 5 Sumário .......................................................................................................... 8 Abreviaturas, abreviações, acrônimos e siglas ............................................... 9 Lista de tabelas ............................................................................................ 11 Lista de figuras ............................................................................................. 12 RESUMO ...................................................................................................... 14 ABSTRACT .................................................................................................. 16 Introdução geral ............................................................................................ 17 Marco teórico ............................................................................................... 21 Justificativa ................................................................................................... 48 Objetivos ....................................................................................................... 49 Métodos ........................................................................................................ 50 Resultados .................................................................................................... 57 Discussão ................................................................................................... 115 Conclusão ................................................................................................... 134 Referências bibliográficas ........................................................................... 135 9 Abreviaturas, abreviações, acrônimos e siglas ADPF - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental. AIS - Agente Indígena de Saúde. AISAN - Agentes Indígenas de Saneamento. APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. BDTD - Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. BIPOC - Negras, Indígenas e de Pessoas de Cor/Black, Indigenous, People of Color. BVS - Biblioteca Virtual em Saúde. CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. DENERU - Departamento Nacional de Endemias Rurais. DSEI - Distrito Especial de Saúde Indígena. EISPI - Evento de Interesse em Saúde Pública Internacional. EUA - Estados Unidos da América. EVS - Equipes Volantes de Saúde. FUNAI - Fundação Nacional do Índio. FUNASA - Fundação Nacional de Saúde. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. JBI - Instituto Joanna Briggs. MS - Ministério da Saúde. OIT - Organização Internacional do Trabalho. 10 OMS - Organização Mundial da Saúde. ONU - Organização das Nações Unidas. PIE - Políticas Informadas por Evidências. PNI - Programa Nacional de Imunizações. PRISMA-ScR - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - extensão para revisões de escopo. SAS - Secretaria de Assistência à Saúde. SasiSUS - Subsistema de Saúde Indígena. SESAI - Secretaria Especial de Saúde Indígena. SESP - Serviço Especial de Saúde Pública. SIASI - Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena. SIVEP - Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica. SPI - Serviço de Proteção ao Índio. SPILTN - Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. SPVEA - Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia. SRAG - Síndrome Respiratória Aguda Grave. SUS – Sistema Único de Saúde. SUSA - Unidades Sanitárias Aéreas. 11 Lista de tabelas Tabela 1: termos de busca. ....................................................................................... 52 Tabela 2: estratégias de busca. ................................................................................ 53 Tabela 3: lista dos estudos excluídos. ....................................................................... 58 Tabela 4: referências excluídas agrupadas por razão de exclusão. .......................... 64 Tabela 5: estudos incluídos. ...................................................................................... 67 Tabela 6: quantitativo dos tipos de estudo ................................................................ 97 Tabela 7: estudos que contemplaram dados de mortalidade .................................... 99 Tabela 8: estudos que contemplaram dados de letalidade. .................................... 103 Tabela 9: estudos que contemplaram dados de incidência. .................................... 104 Tabela 10: estudos que contemplaram dados de prevalência. ............................... 105 Tabela 11: estudos que utilizaram métricas únicas, ou não agrupáveis, para aferir ocorrência ou impacto. ............................................................................................ 106 Tabela 12: estados contemplados por estudos. ...................................................... 110 Tabela 13: regiões contempladas por estudos. ....................................................... 111 Tabela 14: distribuição regional das filiações dos primeiros autores e autoras ....... 111 Tabela 15: regiões de filiação do primeiro autor e localidades objeto dos trabalhos. ................................................................................................................................ 112 12 Lista de figuras Figura 1: o então coronel Cândido Rondon entre pessoas indígenas parecis no salto Utiariti, no Mato Grosso (1907) ................................................................................. 22 Figura 2: Linha do tempo – Histórico das ações e políticas de saúde indígena no Brasil. .................................................................................................................................. 25 Figura 3: organograma SESAI. ................................................................................. 26 Figura 4: Distribuição dos DSEIs no território nacional. Fonte: Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). ............................................................................................... 26 Figura 5: Modelo da estrutura organizacional básica da SESAI, com adaptações para refletir as mudanças na estrutura da SESAI feitas por meio do Decreto 9.795, de 17/5/2019. ................................................................................................................. 27 Figura 6: número e participação de povos indígenas na população total, dividido por sexo. Barras verdes são o número de povos indígenas (em milhões), e os círculos verdes são porcentagens da participação dos povos indígenas frente a população mundial (percentual). ................................................................................................. 31 Figura 7: número e participação de povos indígenas na população total, dividido por sexo e por região, 2019. Barras verdes são o número de povos indígenas (em milhões), e os círculos verdes são porcentagens da participação dos povos indígenas frente a população mundial (percentual). .................................................................. 32 Figura 8: Povos indígenas em todo o mundo (apenas minorias). ............................. 33 Figura 9: população indígena no Brasil, separada por grandes regiões e unidades da federação segundo o Censo Demográfico de 2022. ................................................. 35 Figura 10: pessoas indígenas no Brasil segundo o Censo Demográfico de 2022. ... 36 Figura 11: Distribuição percentual das pessoas indígenas, de 5 anos ou mais de idade, por tipo de língua falada no domicílio, segundo a localização do domicílio no Brasil (Censo Demográfico 2010). ...................................................................................... 37 Figura 12: pirâmide etária e composição por sexo da população indígena, por localização do domicílio, Brasil 2010 (CENSO Demográfico 2010). ......................... 38 Figura 13: O garimpo e o desmatamento contribuem para o aumento dos casos de malária e covid-19 em terras indígenas, criando condições favoráveis para a proliferação de mosquitos transmissores e facilitando o movimento populacional que pode introduzir essas doenças. ................................................................................. 39 Figura 14: médico sanitarista Noel Nutels (1913-1973) em 1949, quando ele foi nomeado médico da Expedição Roncador-Xingu (da Serra do Roncador, Mato 13 Grosso, ao rio Xingu, que se estende do Mato Grosso ao Pará). Organizada no governo de Getúlio Vargas em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, ela tinha como principal objetivo desbravar o interior e preencher os vazios do país, ligando-o de norte a sul. ............................................................................................................ 41 Figura 15: Dr. Roberto Geraldo Baruzzi nas comunidades do então recém-criado Parque Indígena do Xingu (1965). Em 1965, o sertanista Orlando Villas-Boas, então diretor do Parque Indígena do Xingu, convidou Roberto Geraldo Baruzzi, professor da Escola Paulista de Medicina (EPM), para desenvolver um programa de saúde nas comunidades do recém-criado Parque Indígena do Xingu. ....................................... 42 Figura 16: A imagem mostra Tawy Zó'é, de 24 anos, se esforçando para carregar Wahu Zó'é, de 67. O jovem fez um percurso pela floresta durante horas, em um trajeto com morros, igarapés e outros obstáculos até chegar à base da equipe de saúde da região. ....................................................................................................................... 44 Figura 17: Fluxograma do processo de seleção dos estudos PRISMA para revisão de escopo. ...................................................................................................................... 66 Figura 18: variação de pessoas indígenas do Censo 2010 em comparação com o Censo 2022. ............................................................................................................ 117 Figura 19: Pessoas indígenas por Unidades Federativas. Censo de 2010/2022. Fonte: Censo de 2022. ....................................................................................................... 118 14 Lista de gráficos Gráfico 1: agrupamento da razão para exclusão dos artigos. ................................... 64 Gráfico 2: Distribuição dos estudos quanto ao delineamento metodológico primário (descritivo ou analítico) ou secundário (%)................................................................ 96 Gráfico 3: Distribuição dos estudos primários ........................................................... 96 Gráfico 4: distribuição das fontes de financiamento declarados................................ 97 Gráfico 5: métricas utilizadas para afetir ocorrência e impacto da pandemica de covid- 19 em povos indígenas brasileiros. ........................................................................... 98 Gráfico 6: gráfico retirado de Soares et al., (2022), onde o número acumulado de mortes em excesso por 100.000 habitantes para pessoas indígenas é comparado às pessoas não indígenas no Brasil em 2020. ............................................................ 122 15 RESUMO Introdução e objetivo: A pandemia de covid-19 exacerbou desigualdades e vulnerabilidades, especialmente entre populações marginalizadas como os povos indígenas. Durante a pandemia de covid-19, essas comunidades enfrentaram um impacto desproporcional, devido a fatores como vulnerabilidade demográfica, acesso precário à saúde e saneamento, e condições socioeconômicas. Este estudo busca mapear as referências de estudos originais que abordaram os impactos da covid-19 na saúde indígena, de modo a apoiar a formulação e implementação e políticas que gerem intervenções positivas e eficazes direcionadas à saúde indígena. Método: Este estudo consistiu em uma revisão de escopo sobre o impacto da pandemia de covid- 19 na saúde da população indígena brasileira. A pergunta central foi formulada com base no acrônimo PCC - População, Conceito e Contexto, e os critérios de elegibilidade incluíram diversos desenhos de estudo. Uma busca ampla na literatura foi realizada em várias bases de dados, com processo de seleção em duas fases. Os dados foram extraídos por dois revisores independentes e incluíram informações como autor, tipo de estudo e população indígena estudada. A análise dos dados envolveu uma síntese narrativa e estatística descritiva, quando apropriado. Resultado: Foram identificadas 1199 referências, das quais 84 foram analisadas em texto completo, resultando em 26 estudos incluídos. Os tipos de estudo que utilizaram dados secundários e fizeram análises quantitativas predominaram. Os resultados dos estudos destacaram uma série de preocupações, dentre elas a lacuna de coleta de dados, onde foi apontada a disparidade de incidência de covid-19 136% maior em populações indígenas do que não indígenas e mortalidade 110% maior quando comparadas com a média nacional, destacando a possível quantidade de informações irrecuperavelmente perdidas sobre as vidas indígenas perdidas. Discussão e conclusão: Dos 83 trabalhos analisados integralmente, apenas 31% eram estudos originais, evidenciando uma lacuna na literatura acadêmica sobre o impacto da covid- 19 na saúde das populações indígenas brasileiras. A maioria dos estudos incluídos abordou a população indígena da Amazônia, com pouca representação de outras regiões. Mulheres e crianças indígenas foram pouco investigadas, apesar de enfrentarem desafios significativos durante a pandemia. A diminuição da publicação de artigos originais ao longo do tempo sugere uma lacuna crescente no conhecimento sobre essa temática. A revisão destaca a importância da falta de financiamento para pesquisas nessa área e a necessidade de políticas públicas sensíveis à cultura e baseadas em evidências para proteger as comunidades indígenas no Brasil. Palavras-chave: povos originários, povos nativos, disparidade em saúde, saúde pública, SARS-CoV-2, minorias étnicas, grupos vulneráveis. 16 ABSTRACT Introduction and Objective: The covid-19 pandemic has exacerbated inequalities and vulnerabilities, especially among marginalized populations such as indigenous peoples. During the covid-19 pandemic, these communities have faced a disproportionate impact, with a mortality rate three times higher than the non- indigenous population in some regions, highlighting the need for targeted emergency plans considering factors such as demographic vulnerability, precarious access to health and sanitation, and socio-economic conditions. This study seeks to map peer- reviewed references addressing the impacts of covid-19 on indigenous health, in order to support the formulation and implementation of policies that generate positive and effective interventions targeted at indigenous health. Method: Through a scoping review on the impact of the covid-19 pandemic on the health of the Brazilian indigenous population this study sought to answer questions that were formulated based on the acronym PCC - Population, Concept, and Context. The eligibility criteria included various study designs, indigenous population, peer reviewed articles. A broad literature search was conducted in multiple databases, with a two-phase selection process. Data were extracted by two independent reviewers and included information such as author, type of study, and indigenous population studied. Data analysis involved narrative synthesis and descriptive statistics, when appropriate. Results: A total of 1,199 references were identified, of which 84 were assessed in full text, resulting in 26 included studies. The types of studies varied, predominantly utilizing secondary data and conducting quantitative analyses. The findings of the studies highlighted several concerns, including the data collection gap, where a disparity in covid-19 incidence was noted, with Indigenous populations experiencing a 136% higher incidence compared to non-Indigenous populations, and a 110% higher mortality rate when compared to the national average, highlighting the potential amount of irretrievably lost information about Indigenous lives lost. Discussion and Conclusion: Of the 83 studies fully analyzed, only 31% were peer-reviewed, indicating a gap in the academic literature on the impact of covid-19 on the health of Brazilian indigenous populations. Most included studies addressed the indigenous population of the Amazon, with little representation from other regions. Indigenous women and children were under- researched, despite facing significant challenges during the pandemic. The decrease in the publication of peer-reviewed articles over time suggests a growing gap in knowledge on this topic. The review highlights the importance of lack of funding for research in this area and the need for culturally sensitive and evidence-based public policies to protect indigenous communities in Brazil. Keywords: indigenous peoples, native peoples, disparity in heath, public health, SARS-CoV-2, ethnic minorities, vulnerable groups. 17 Introdução geral As populações indígenas globalmente foram desproporcionalmente afetadas pela pandemia de covid-19, enfrentando taxas de mortalidade mais altas e maior vulnerabilidade ao vírus (1–4). Estudos demonstram que povos indígenas em países como Brasil, Peru, México e Canadá apresentaram taxas mais elevadas de hospitalização e morte devido à covid-19 em comparação com populações não indígenas (5–8). Fatores como desigualdades socioeconômicas, racismo histórico e acesso limitado à saúde são elementos determinantes para a maior suscetibilidade das comunidades indígenas ao vírus (6,9). O impacto da covid-19 nas populações indígenas vai além das métricas de saúde, afetando vários aspectos de suas vidas. Galloway e colegas (2020), analisando o caso dos indígenas australianos, denunciam que a pandemia de covid- 19 ampliou as já existentes desigualdades de saúde e socioeconômicas, tornando-os mais suscetíveis ao vírus (9). Outra preocupação dos autores foi sobre a qualidade da coleta de dados do impacto da covid-19 nos povos indígenas, dado que muitos indivíduos foram excluídos de censos e coletas de dados de saúde (10). Houve esforços para enfrentar os desafios da pandemia de diversas naturezas, no contexto das comunidades indígenas. Estudos enfatizam a importância de incorporar conhecimentos e metodologias indígenas nas respostas de saúde pública, principalmente pela aceitação e pelo respeito aos modos de viver dessas comunidades (11). Estratégias como o isolamento coletivo foram propostas como medidas especiais para proteger as populações indígenas do vírus (12). Além disso, houve apelos por uma abordagem mais holística para a resposta à pandemia nas comunidades indígenas, considerando fatores físicos, espirituais, emocionais, culturais e mentais (13). No Brasil, até 19 de fevereiro de 2024, notificou-se 75.834 casos e 965 mortes covid-19 nas populações indígenas (14). Os primeiros casos positivos nas comunidades indígenas do Brasil ocorreram nos estados do Amazonas, sendo notório o caso de uma jovem indígena da etnia Kokama, no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas, em 01/04/2020. A jovem é trabalhadora do Sistema 18 Único de Saúde (SUS) e atua como Agente Indígena de Saúde (AIS) no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões. Em seguida, o número de casos indígenas subiu para 9 em 10 dias, incluindo cinco prováveis contatos com a agente indígena Kokama. Na data de 16/04/2020, somavam-se 3 vítimas fatais por covid-19 que viviam em terras indígenas, incluindo uma jovem Yanomami de 15 anos de idade. Entretanto, estes dados não contabilizam os casos e óbitos que não entraram nas estatísticas da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS) por serem indígenas não aldeados, vivendo em áreas urbanas (15). A pandemia de covid-19 exacerbou também os desafios de saúde mental das populações indígenas. Estudos têm destacado os amplos impactos psicológicos da pandemia em diferentes populações, incluindo crianças, adolescentes, cuidadores, estudantes universitários, famílias de crianças com câncer e a população em geral. Esses impactos englobam uma variedade de questões de saúde mental, como ansiedade, depressão, irritabilidade, oscilações de humor, falta de atenção, distúrbios do sono e ideação suicida, indicando o amplo e complexo impacto psicológico da pandemia. Além disso, observou-se como a falta de serviços e profissionais especializados, a falta de acesso a informação de qualidade e a falta de acesso a recursos em geral causam sentimentos negativos que ampliam agravos de saúde mentais pré-existentes, como depressão, ansiedade, ideação suicida, tabagismo e abuso de álcool e drogas (16–22). No Brasil, os autores Júnior e Cândido (2022) destacam que a saúde mental das populações indígenas brasileiras foi afetada desproporcionalmente comparada com a população não-indígena brasileira, levantando cinco fatores com impacto direto, (i) a ausência de políticas públicas para saúde mental indígena, (ii) a limitada produção acadêmica sobre saúde mental indígena, (iii) falta de atendimento psiquiátrico em áreas remotas, (iv) notícias falsas e desinformação, que expôs principalmente os mais velhos a comportamento de risco na pandemia, como aglomeração e hesitação vacinal, e (v) a violência de grupos interessados na extração de recursos naturais das terras indígenas (23–25). É notório, portanto, que o impacto da covid-19 nas populações indígenas vai além de métricas de saúde, abrangendo dimensões psicológicas, sociais e econômicas. Deste modo, para atender a esta lacuna, o foco da cobertura vacinal 19 deve se valer na equidade ao invés de na igualdade enquanto estratégia, de modo que os diferentes limitantes e desafios sejam considerados no planejamento das ações de imunização com base em suas particularidades (10,26). Portanto, o presente estudo, visa mapear esses impactos da pandemia de covid-19 nas populações indígenas brasileiras, devido ao significativo impacto e multifacetado efeito na saúde dessas populações nas diferentes regiões do Brasil. Para isso, é necessário mapear as disparidades em mortalidade, saúde mental e fatores de risco dessas comunidades. Além disso, esta pesquisa procura destacar os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no acesso a serviços de saúde, incluindo cobertura vacinal, em meio à pandemia (26). Ao lançar luz sobre as disparidades na cobertura e aceitação da vacina contra a covid-19 dentro das populações indígenas, objetiva-se apoiar a formulação de políticas que busquem a distribuição equitativa de imunizantes e da superação de barreiras à adesão à vacina (27). As vulnerabilidades sociais únicas e discriminações históricas vivenciadas pelas populações indígenas contribuíram para o aumento do risco de infecção e mortalidade por covid-19 (10). Tal fato ressalta a necessidade de formular políticas de saúde baseadas em evidências para atender às necessidades específicas das comunidades indígenas. Adicionalmente, este trabalho também busca contribuir para o desenvolvimento das intervenções direcionadas à saúde indígena, reconhecendo o ônus desproporcional vivenciado por essas comunidades durante a pandemia (22,28). Ao entender o impacto multifacetado da covid-19 nas populações indígenas, esta pesquisa pode potencialmente subsidiar a formulação e implementação de políticas de saúde culturalmente sensíveis e intervenções direcionadas para mitigar os efeitos adversos da pandemia nessas comunidades (12,13). Em síntese, o estudo do impacto da covid-19 nas populações indígenas no Brasil é fundamental para compreender e abordar os desafios e vulnerabilidades únicas enfrentados por essas comunidades. A visualização dos impactos na saúde, social e econômica da pandemia na saúde indígena brasileira pode fornecer dados e mapeamentos de modo a apoiar a formulação de políticas baseadas em evidências e 20 o desenvolvimento de intervenções direcionadas para proteger a saúde e o bem-estar das populações indígenas em meio à crise contínua da covid-19. 21 Marco teórico O indígena e o direito à saúde O Brasil, como um país colonizado e uma nação multicultural e pluriétnica, está continuamente em processo de desenvolvimento social, marcado por desigualdades e sistemas estruturalmente opressivos (29). A multiculturalidade abriga diversas comunidades tradicionais, incluindo povos indígenas, ciganos e quilombolas, cada uma com sua própria cultura e relação com o território. Essas comunidades enfrentaram, e têm enfrentado, exclusão social, invisibilidade e falta de acesso a direitos básicos como saúde e moradia, que em períodos de crise como a pandemia de covid-19 se agravam expressivamente (30). Apesar disto, a legislação brasileira e os marcos legais internacionais já estabelecem proteção jurídica aos direitos dessas comunidades, reconhecendo seus territórios como bens culturais e estabelecendo obrigações do Estado para garantir seu bem-estar e dignidade (29). Desde o início da colonização portuguesa, os povos indígenas tiveram a assistência de missionários de forma integrada às políticas dos governos. No início do século XX, expedições de expansão para o interior ocorriam em todo país e a construção de linhas telegráficas e ferrovias provocaram numerosos massacres de indígenas (31). No ano de 1907, disputas no interior chegaram ao conhecimento da população nas capitais e fora do Brasil, trazendo polêmica para com a imagem do governo brasileiro. O diretor do Museu Paulista à época, von Ihering, defendia o extermínio dos indígenas que resistissem ao avanço da civilização (32). Em 1908, o Brasil foi publicamente acusado de massacre aos indígenas no XVI Congresso dos Americanistas ocorrido em Viena (33). Ao mesmo tempo, o então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, à frente da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Matogrosso ao Amazonas (1907- 1915), teve contato pacífico com vários povos originários, e levou propostas para que o governo federal assumisse a tarefa de evitar o extermínio dos povos indígenas e instituir uma ação de assistência e proteção a essa população. 22 Figura 1: o então coronel Cândido Rondon entre pessoas indígenas parecis no salto Utiariti, no Mato Grosso (1907) Neste contexto, em 1908, criou-se o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que tinha como objetivo a pacificação e proteção dos grupos indígenas e o estabelecimento de núcleos de colonização com base na mão de obra sertaneja. O então tenente-coronel Cândido Rondon foi convidado a dirigir o novo órgão criado, onde ele imprimiu ideias positivistas, e estabeleceu o que se chamou de “política de integração”, em que a pessoa indígena era considerada como sujeito transitório, ou seja, estava sendo preparado para ingressar na civilização Neste sentido, não havia lugar para o acolhimento ou reconhecimento da diversidade étnica e cultural, visto que isto era reconhecido apenas como um estágio transitório até que se incorporasse a pessoa indígena à sociedade brasileira (34). Segundo autores (35), na prática, o SPILTN foi apenas uma tentativa de controle das fronteiras e sertões, que acabou negligenciando as necessidades de saúde dos povos indígenas. Em 1910, o SPILTN foi reestruturado como Serviço de Proteção aos Índios (SPI) (36). A atuação do SPI se concentrou na pacificação de grupos indígenas em áreas de colonização recente, onde após a pacificação negociações eram feitas com governos estaduais para a criação de reservas de terras para a sobrevivência física dos indígenas. A SPI buscava garantir a posse de terras Fonte: https://istoe.com.br/rondon-o-pioneiro-esclarecido/ 23 aos indígenas através de concessão de terras devolutas, mas as inúmeras propostas feitas pelo SPI eram negadas pelos governos federais. A SPI enfrentou durante toda sua existência problemas com falta de recursos e com pessoas desqualificadas para fazer o trabalho. Sua gestão foi marcada por denúncias de maus tratos e até introdução deliberada de doenças entre os indígenas (35). Por fim, em 1967 foi criada a Fundação Nacional de Índio (FUNAI), cujo objetivo era desenvolver e aplicar uma nova política para povos originários, em resposta às críticas de genocídio por conta da SPI. Em 1969 todos os cargos importantes da FUNAI foram ocupados por militares, que operaram a fundação com o propósito de avançar a agenda desenvolvimentista de integração nacional, entendendo que os povos originários eram uma barreira frente ao desenvolvimento do país, sendo objeto de conquista e ocupação violenta (35). Na década de 80, momento de notória ebulição social no Brasil, vários movimentos políticos e culturais lutavam por direitos, incluindo o Movimento Sanitarista que lutou por direitos à saúde para todos e com igualdade de acesso. Desse momento histórico fez parte o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira, que incluía o Movimento Sanitário Indigenista. Assim a Constituição de 1988 em seu artigo 231, pela primeira vez o Brasil reconheceu: “aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (35,37). Fruto de extensas discussões que tiveram início na década de 1970 e culminaram nas Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas, bem como na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da lei nº 8.080, promulgada em 1990, foi promulgada a Lei Arouca (nº 9.839/99). Esta lei estabeleceu o Subsistema de Saúde Indígena como parte integrante do SUS (38). A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), junto com a FUNAI e com a SPI eram parte do Subsistema de Atenção Indígena do Estado Brasileiro. Contudo, Langdon (apud 40), aponta que sistematicamente o Estado brasileiro não reconhecia o protagonismo e a autodeterminação dos povos originários em seu proceder, chamando a atenção para a participação ativa dos indígenas na gestão de sua própria saúde (39). 24 Em 2010 foi criada a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) no âmbito do Ministério da Saúde, através da Lei nº12,314/2010, com a função de implementar um novo modelo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. A SESAI é responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela promove ações de atenção primária à saúde e saneamento, adaptando as diretrizes dos programas nacionais às características da população, incluindo o uso de AIS (35). As ações de prevenção, controle e eliminação da covid-19 nas Terras Indígenas são realizadas pela SESAI, por meio de seus Distritos Especiais de Saúde Indígena (DISEI) e suas bases locais, onde a figura 3 mostra um mapa dos DISEIs pelo Brasil. O Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI) é utilizado pela SESAI para monitorar e direcionar ações de saúde, mas todos os casos de agravos de saúde também devem ser obrigatoriamente relatados no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP) (39,40), onde na Figura 5 pode-se observar um esquema da organização dos polos base, onde se opera a vigilância epidemiológica por agentes sanitaristas. A Figura 2 contém uma breve linha do tempo das instituições de saúde indígena, e a Figura 3 contém o organograma da SESAI. 25 Fonte: Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). Figura 2: Linha do tempo – Histórico das ações e políticas de saúde indígena no Brasil. 26 Fonte: Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). Figura 3: organograma SESAI. Fonte: Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). Figura 4: Distribuição dos DSEIs no território nacional. Fonte: Programa de Qualificação de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN). 27 Fonte: Ministério da Saúde, 2024. Figura 5: Modelo da estrutura organizacional básica da SESAI, com adaptações para refletir as mudanças na estrutura da SESAI feitas por meio do Decreto 9.795, de 17/5/2019. Ademais, o Brasil é signatário de diversos instrumentos internacionais que estabelecem e protegem os direitos dos povos indígenas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 estabelece os princípios fundamentais dos direitos humanos, incluindo os direitos dos povos indígenas, enquanto a Convenção Americana de Direitos Humanos da OEA, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificada pelo Brasil em 1992, oferece disposições específicas para a proteção desses direitos. Além disso, a Convenção nº 169 da OIT, ratificada em 2002, reconhece os direitos dos povos indígenas à terra e recursos naturais, enquanto a Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU de 1992 fortalece esses direitos ao reconhecer sua contribuição para a conservação ambiental. A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO de 2002 e a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO de 2006 também reforçam a importância da proteção das culturas indígenas (35,41–43). 28 O termo “índio” e o que é indígena A história indígena é uma história de equívocos, exploração, subjugamento e dominação. De acordo com o IBGE (2007) e Gersem dos Santos et al. (2007) termo "índio" foi erroneamente empregado pelo navegador genovês Cristóvão Colombo, que ao alcançar o continente americano em 12 de outubro de 1492, equivocadamente usou esta palavra para referir-se aos povos originários das terras a que havia recentemente chegado, no caso, as atuais Américas. “(além de) História de despovoamento, a história indígena é também de enganos e incompreensões, a começar pelo próprio vocabulário construído no Ocidente para identificar esses povos. A palavra “índio”, hoje consagrada, deriva do equívoco de Colombo, o “descobridor da América” que julgara ter encontrado as Índias, o “outro mundo”, como dizia, na sua viagem de 1492. A palavra vulgarizou-se, pois, desde o começo da colonização ibérica, para designar genericamente uma infinidade de grupos étnicos, diversos troncos linguísticos, centenas de famílias linguísticas independentes.” Entretanto, uma análise etimológica revela uma discrepância em relação à origem da palavra “índio” em comparação com termo "indígena". Enquanto "índio" deriva do sânscrito "sindhu", posteriormente adotado em persa como "hindush" e em grego como “indo” fazendo referência ao rio que flui desde o planalto tibetano até a Índia e Paquistão, o termo "indígena" possui raízes latinas, onde "indi-" indica "de lá" e "gen-" significa "nascido". Essa análise etimológica sugere que "indígena" se refere a alguém nascido em determinado lugar, enquanto "índio" está ligado a uma percepção equivocada de identidade (44). A mudança de terminologia de "índio" para "indígena" não é meramente uma questão de preferência, mas reflete uma tentativa de reafirmação da identidade e história dos povos originários. A noção de que os povos indígenas foram denominados erroneamente como "índios" devido a um equívoco de rota dos colonizadores é desmistificada pela pesquisa histórica, que revela a construção deliberada dessa narrativa pelo Estado brasileiro no século XIX. Esta narrativa, que buscava legitimar a colonização e a "descoberta" do Brasil, contrasta com a realidade colonial, na qual 29 Portugal estava mais interessado em consolidar sua posse territorial, independentemente das circunstâncias de como o território foi conquistado (44). Embora o termo "indígena" não seja nativo das línguas dos povos originários do Brasil, ele se tornou o termo preferencial para descrever a população nativa que habitava o território antes da chegada dos colonizadores. No entanto, é importante reconhecer que a diversidade de identidades e preferências linguísticas existe dentro das comunidades indígenas, com alguns indivíduos ainda adotando o termo "índio" e outros preferindo ser identificados pelo nome de suas etnias específicas, como "tupinambá" e "guarani" (45). Desta forma, o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas estabeleceu que o termo “indígena” é baseado em autodeterminação, e este termo traduz alguns aspectos desta população, a saber: respeito pelos princípios de continuidade histórica pré-colonial, forte ligação com o território e seus recursos naturais, sistemas sociais, econômicos e políticos próprios, sociedades baseadas em grupos não dominantes; e mantém e reproduzem seus meios e sistemas ancestrais como comunidades e povos distintos (46). O escritor e ambientalista Kaká Werá, elucida que a discussão sobre os termos corretos para se referir aos povos indígenas no Brasil abrange tanto a influência linguística dessas culturas, presente na toponímia urbana, quanto a carga pejorativa de expressões como "programa de índio". Segundo o autor, a preferência recai sobre "povos originários" ou "povos indígenas", reconhecendo a diversidade de aproximadamente 387 etnias. O debate dos termos mais adequados ainda existir nos dias de hoje reflete a persistência de um modelo exploratório do século 16, baseado no latifúndio e na exploração indiscriminada dos recursos naturais, que ainda permeia a relação com as populações indígenas, evidenciando a necessidade de uma abordagem respeitosa e esclarecedora (47). Pickering (2023) frisa que não existe uma definição universal de povos indígenas. O conceito de povos indígenas surgiu em resposta ao processo de colonização pelas forças europeias, que resultou na subjugação de alguns, mas não de todos os povos aborígenes (46–48). O Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas fornece então os seguintes critérios, que utilizamos para determinar quem é 'indígena': 30 • Identificam-se e são reconhecidos e aceitos por suas comunidades como indígenas; • Demonstram continuidade histórica com sociedades pré-coloniais e/ou pré-colonizadoras; • Têm fortes vínculos com territórios e recursos naturais circundantes; • Têm sistemas sociais, econômicos ou políticos distintos; • Mantêm línguas, culturas e crenças distintas; • São grupos não dominantes da sociedade, que resolvem manter e reproduzir seus ambientes e sistemas ancestrais como povos e comunidades distintas. 31 Características demográficas das populações indígenas Estima-se que há 476.600.000 de indígenas no mundo, que representa 6.2% da população mundial, sendo estes 19% de toda a população que vive abaixo da linha da extrema pobreza (Figura 6) (49). Figura 6: número e participação de povos indígenas na população total, dividido por sexo. Barras verdes são o número de povos indígenas (em milhões), e os círculos verdes são porcentagens da participação dos povos indígenas frente a população mundial (percentual). Os povos indígenas estão distribuídos principalmente na região da Ásia e do Pacífico, que por conta da Índia e China, contém a maior do mundo (70,5%), seguida pela África (16,3%), América Latina e Caribe (11,5%), América do Norte (1,6%) e Europa e Ásia Central (0,1%). Estima-se que existam mais de 5.000 comunidades indígenas distintas, que falam mais de 4.000 línguas das 7.000 línguas existentes no mundo, vivendo em aproximadamente 90 países (50). Cerca de 15% dos indígenas do mundo residem nos 23 países que ratificaram a convenção sobre povos indígenas e tribais. Historicamente, os povos indígenas têm habitado áreas rurais, frequentemente dependendo dos recursos naturais para subsistir e exercer suas ocupações tradicionais. Estimativas indicam que a maior proporção de pessoas indígenas que vivem em áreas rurais está concentrada na África, Ásia e Pacífico (Figura 7, Figura 8) (50). 32 Figura 7: número e participação de povos indígenas na população total, dividido por sexo e por região, 2019. Barras verdes são o número de povos indígenas (em milhões), e os círculos verdes são porcentagens da participação dos povos indígenas frente a população mundial (percentual). 33 Figura 8: Povos indígenas em todo o mundo (apenas minorias). 34 Populações indígenas brasileiras e covid-19 A população indígena brasileira é incrivelmente diversa, compreendendo mais de 300 grupos étnicos ou nações indígenas (56). Esses grupos estão distribuídos por todo o país, com 1.693.535 milhão de pessoas indígenas residindo em 573 terras indígenas (51). A população indígena brasileira está presente em todas as macrorregiões do Brasil, sendo que 44,48% estão no Norte do Brasil (753.357), 31,22% no Nordeste (528.800). Juntas essas regiões contabilizam 75,71% do total da população indígena do Brasil. Em seguida, completam o quadro o Centro-Oeste, com 11,80% (199.912), 7,28% no Sudeste (123.369) e 5,20% no Sul (88.097). O estado do Amazonas e o estado da Bahia têm o maior quantitativo de indivíduos, com 490,9 mil e 229,1 mil, respectivamente; em conjunto estes estados contabilizam 42,51% da população indígena do país. A Figura 9 e a Figura 10 ilustram estes quantitativos (51). 35 Figura 9: população indígena no Brasil, separada por grandes regiões e unidades da federação segundo o Censo Demográfico de 2022. 36 Figura 10: pessoas indígenas no Brasil segundo o Censo Demográfico de 2022. Os dados do Censo 2010 revelam a existência de 274 línguas indígenas dentre os 305 grupos étnicos mapeados, refletindo a rica herança cultural e linguística da população indígena do Brasil (52). O Censo de 2010 ilustra como as Terras Indígenas são fundamentais na preservação dos aspectos socioculturais e dos modos de vida das comunidades indígenas. O Censo Demográfico de 2010 revelou que 37,4% da população indígena com cinco anos ou mais falava uma língua indígena, e 17,5% não falava português. Esses números aumentam para 57,3% e 28,8%, respectivamente, entre aqueles que vivem em terras indígenas. Além disso, a taxa de alfabetização dos indígenas com 15 anos ou mais é menor que a média nacional, ficando em 90,4%, e nas terras indígenas, 32,3% ainda são analfabetos (Figura 11). 37 Figura 11: Distribuição percentual das pessoas indígenas, de 5 anos ou mais de idade, por tipo de língua falada no domicílio, segundo a localização do domicílio no Brasil (Censo Demográfico 2010). Quanto à localidade de residência, no Censo de 2022, observou-se que 36,73% dos indígenas residiam em Terras Indígenas, enquanto 63,27% viviam fora delas, indicando uma distribuição mais equilibrada em comparação com o censo de 2010. Em contraste, o censo de 2010 revelou que 63,8% da população indígena vivia na área rural, enquanto 57,7% residiam em Terras Indígenas oficialmente reconhecidas (51,53). Essas diferenças apontam para uma possível mudança no padrão de distribuição geográfica dos indígenas ao longo dos anos, com tendência de migração para áreas urbanas ou não indígenas. Além disso, os censos de 2010 e 2022 destacaram variações na identificação étnica indígena, sendo que o de 2022 apresentou um aumento do auto reconhecimento como indígena nas cidades, indicando a maior aceitação e conforto para expressar a identidade indígena mesmo vivendo em contextos urbanos. Essas mudanças têm implicações importantes para políticas públicas, planejamento territorial e preservação da cultura e dos direitos dos povos indígenas no Brasil. 38 A pirâmide demográfica na Figura 12 compara as pirâmides demográficas das populações que vivem dentro das terras indígenas (verde) com aquelas que vivem fora delas (laranja). No caso das populações que vivem fora das terras indígenas, a base da pirâmide é estreita, o que indica um menor número de pessoas nas idades mais jovens. Esse padrão é tipicamente urbano, onde as taxas de natalidade tendem a ser menores. Por outro lado, a pirâmide da população em terras indígenas tem uma base larga, o que sugere uma alta taxa de natalidade e que há mais pessoas jovens nessas comunidades. Essa diferença na estrutura demográfica reflete as características específicas das populações indígenas, suas práticas culturais e padrões de reprodução, de modo que o êxodo rural coloca em risco a manutenção dessas populações no Brasil. Figura 12: pirâmide etária e composição por sexo da população indígena, por localização do domicílio, Brasil 2010 (CENSO Demográfico 2010). É bem documentado que o Brasil enfrentou um desastre de saúde ao lidar com a saúde indígena durante a pandemia de covid-19, especialmente quanto aos Yanomamis em janeiro de 2023 (54,55). A tragédia na Terra Indígena Yanomami não é consequência da covid-19 apenas, mas da necropolítica, termo cunhado por Achille Mbembe para descrever o poder de determinar quem vive e quem morre, da negligência do governo Bolsonaro quando deliberadamente rejeitou os pedidos de socorro do povo Yanomami, vetando medidas de proteção contra o coronavírus e incentivando a invasão 39 de Terras Indígenas pelos garimpeiros e madeireiros, que degradam o meio ambiente por suas atividades contaminando o solo, eliminam ecótonos ao desmatarem e aumentam os casos de malária e de covid-19 por consequência de sua presença (55,56). Figura 13: O garimpo e o desmatamento contribuem para o aumento dos casos de malária e covid-19 em terras indígenas, criando condições favoráveis para a proliferação de mosquitos transmissores e facilitando o movimento populacional que pode introduzir essas doenças. A população indígena brasileira sofreu 34,8% de mortes em excesso devido à covid-19, enquanto a população não indígena sofreu 18,1% de mortes em excesso devido à covid-19. Esta diferença destaca o impacto desproporcional da pandemia na população indígena brasileira e enfatiza quão fundamental é priorizar o estabelecimento de planos de emergência direcionados aos povos indígenas (57,58). Cobertura vacinal em populações indígenas brasileiras A vacinação no Brasil teve início em torno de 1904 liderada pelo sanitarista Osvaldo Cruz, com o objetivo de controlar a varíola. Foi a primeira tentativa de vacinação em massa, e sua implementação ocorreu de modo fixo no palácio do governo no Rio de Janeiro. A imposição da vacinação obrigatória contra a varíola em 1904 foi marcada por https://istoe.com.br/garimpeiros-comecam-a-sair-de-terra-indigena-yanomami-apos-anuncio-de-operacao/ 40 resistência e revolta devido às suas cláusulas rígidas e à abordagem autoritária e violenta na aplicação, culminando na Revolta da Vacina (59–63). No século XX, a partir de uma reestruturação das políticas de saúde no Brasil, criou-se o Programa Nacional de Imunizações (PNI), implantado em 1975, que em 2023 completou 50 anos de atividades ininterruptas. O programa foi concebido em resposta ao sucesso das campanhas de vacinação em massa nas décadas anteriores e tinha como objetivo coordenar as ações de imunização em todo o país, visando superar as baixas coberturas vacinais. Desde então, o PNI tem sido orientado por normas técnicas do Ministério da Saúde, que tem como objetivo a conservação, transporte, administração e avaliação dos imunobiológicos. A descentralização dos serviços de saúde e a ampliação das responsabilidades municipais foram fundamentais na implementação das atividades do PNI (64–67). Os registros oficiais do SPI revelam que a prática de vacinação em terras indígenas remonta às décadas de 1940 e 1950. Essas iniciativas eram viabilizadas por meio de diversos convênios estabelecidos entre o SPI e órgãos do Governo Federal, como o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERU), vinculado ao Ministério da Saúde (MS), a Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Destaca-se, nesse período, o papel do Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), ligado ao Serviço Nacional de Tuberculose do Ministério da Saúde e coordenado pelo médico sanitarista Noel Nutels Figura 14 (68–70). 41 Figura 14: médico sanitarista Noel Nutels (1913-1973) em 1949, quando ele foi nomeado médico da Expedição Roncador-Xingu (da Serra do Roncador, Mato Grosso, ao rio Xingu, que se estende do Mato Grosso ao Pará). Organizada no governo de Getúlio Vargas em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, ela tinha como principal objetivo desbravar o interior e preencher os vazios do país, ligando-o de norte a sul. Durante as décadas de 1960 e 1970, as ações sanitárias e campanhas de vacinação foram notáveis na região do Parque Indígena do Xingu, especialmente através do Projeto Xingu, liderado pelo médico Roberto Baruzzi (Figura 15) e associado à Universidade Paulista de Medicina, hoje Unifesp. Essas iniciativas representaram um marco na atenção à saúde das comunidades indígenas, introduzindo uma nova abordagem preventiva por meio da imunização (71). Fonte: https://www.cafehistoria.com.br/noel-nutels-indigenas-genocidio/ 42 Figura 15: Dr. Roberto Geraldo Baruzzi nas comunidades do então recém-criado Parque Indígena do Xingu (1965). Em 1965, o sertanista Orlando Villas-Boas, então diretor do Parque Indígena do Xingu, convidou Roberto Geraldo Baruzzi, professor da Escola Paulista de Medicina (EPM), para desenvolver um programa de saúde nas comunidades do recém-criado Parque Indígena do Xingu. Após a instituição do PNI em 1973, a responsabilidade pela vacinação em terras indígenas permaneceu sob a coordenação da FUNAI, que assumiu a organização das Equipes Volantes de Saúde (EVS) para realizar a vacinação e prestar assistência sanitária. No entanto, ao longo das décadas de 1980 e 1990, a Funai enfrentou desafios políticos e estruturais, resultando em uma prestação de serviços de saúde ainda mais desorganizada e intermitente (61,72). Os debates sobre saúde indígena durante esse período culminaram na criação de um Subsistema de Saúde Indígena vinculado ao SUS (SasiSUS). A promulgação da Lei Arouca em 1999 estabeleceu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, sinalizando uma mudança significativa na coordenação e implementação das políticas de saúde para as populações indígenas, com foco também na vacinação e prevenção de doenças (72). Após a instituição do subsistema e dos DISEI’s, o Ministério da Saúde, em colaboração com a FUNASA e a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), estabeleceu Fonte: https://spdm.org.br/noticias/mais-noticias/povos-indigenas-do-xingu- fazem-homenagem-postuma-ao-professor-roberto-baruzzi / 43 uma parceria eficaz com o PNI para implementar rotinas de vacinação em áreas indígenas no Brasil. Em 2010, como já foi dito, houve a criação da SESAI, que assume a responsabilidade pela execução da política de assistência médico-sanitária às comunidades indígenas em todo o país (72,73). No mesmo ano de 2010, a Portaria nº 1.946 estabeleceu o calendário nacional de vacinação para os povos indígenas pela primeira vez, dentro do escopo do PNI. Essa portaria foi revogada e substituída posteriormente pela Portaria nº 1.498 em 2013 e pela Portaria nº 1.533 em 2016, ambas ainda em vigor, redefinindo o calendário de vacinação para toda a população, incluindo os povos indígenas, sob a gestão da SESAI (74). Durante o século XX, particularmente durante o período de vigência do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), a assistência sanitária às populações indígenas foi descrita como ineficaz e irregular (18). Desde então, a vacinação tem sido uma ferramenta crucial para a saúde dessas comunidades, com o PNI desempenhando um papel cada vez mais significativo, especialmente após as normativas de 1999, 2010 e 2013, junto a Política Nacional de Saúde Indígena (BRASIL, 2002). No entanto, questões logísticas e socioculturais ainda precisam ser abordadas para garantir a eficácia e a legitimidade das práticas de vacinação em áreas indígenas, como evidenciado pelas demandas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em relação à vacinação contra a covid- 19 (75). Apesar do reconhecimento da maior vulnerabilidade das populações indígenas, é notório que estas populações apresentam desafios multifacetados e com alta complexidade no tratamento e prevenção de doenças infecciosas. Few (2020) ilustra que durante surtos de varíola no século XVIII em Guatemala, o Governo estendeu programas de inoculação às diversas comunidades Maias. Há evidências de campanhas para controlar as epidemias, com debates semelhantes à crise da pandemia de covid-19: altas taxas de mortalidade em grupos marginalizados, discussões sobre a responsabilidade do Estado pela saúde e o uso de coerção em campanhas de saúde pública. Segundo Few (2020), as inoculações ajudaram as comunidades maias, mas também ampliaram o poder colonial, interferindo em suas vidas em nome do bem comum (76). Neste sentido, Skinner et al. (2023) analisou as barreiras postas à aceitação vacinal contra a covid-19 em populações indígenas na Guatemala, revelando três barreiras substanciais (i) a carência de informações acessíveis, linguisticamente 44 apropriadas e culturalmente sensíveis sobre a vacina contra a covid-19; (ii) questões relacionadas ao acesso e à disponibilidade de vacinas que dificultaram a imunização eficiente e ágil; e (iii) disseminação generalizada de informações incorretas e desinformação que exploram apreensões em relação ao desconhecido e desconfiança nas instituições médicas e governamentais (27). Mesmo assim, há circunstâncias onde a aceitação e a confiança nos agentes de saúde indígena prevaleceram, como é o caso do povo indígena Zó’é, composta por 325 pessoas indígenas que vivem dispersos em mais de 50 aldeias no território altamente preservado e com enorme biodiversidade no Norte do Pará, nas proximidades do Rio Amazonas (Figura 16). Figura 16: A imagem mostra Tawy Zó'é, de 24 anos, se esforçando para carregar Wahu Zó'é, de 67. O jovem fez um percurso pela floresta durante horas, em um trajeto com morros, igarapés e outros obstáculos até chegar à base da equipe de saúde da região. No Canadá, após a chegada de 1200 doses da vacina Moderna na comunidade dos Mistissini, o Chefe Matthew Coon Come expressou preocupações em suas redes sociais, dizendo “Os Mistissini são agora ratos de laboratório para esta vacina em fase experimental?”. A hesitação vacinal no contexto dos povos originários canadenses conta com outro exemplo perturbador. Em 2009, durante o surto de H1N1, o governo federal enviou sacos mortuários para quatro comunidades das Primeiras Nações de Manitoba, em vez de envios de antivirais, desinfetantes para as mãos e kits de gripe (61). Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59903433 45 No Brasil, a hesitação vacinal em populações não-indígenas é influenciada por diversos fatores como preocupações quanto à segurança e eficácia das vacinas, falta de confiança no governo e influências contextuais. A prevalência da hesitação vacinal foi observada principalmente entre adultos com idades entre 30 e 44 anos (77–81). A confiabilidade das fontes de informação sobre vacinas para prevenção da covid-19 entre os brasileiros foi apontada por Reis et al. (2023) como o fator crucial que influencia a hesitação vacinal (66). A hesitação vacinal especificamente da população indígena contra a covid-19 no Brasil é uma questão pouco explorada academicamente. Contudo, uma reportagem da G1 sobre um documento do Ministério da Saúde com o título “Notícias falsas sobre vacina deixaram indígenas com medo de virar jacaré, mudar de sexo e até de morrer, mostra documento do Ministério da Saúde” sinaliza que ela é igualmente influenciada por desinformação (66) A hesitação não é uniforme em todas as comunidades indígenas. Experiências históricas e vividas com sistemas de saúde ou governamentais, bem como uma herança de escravidão e discriminação, contribuem para a hesitação em relação às vacinas entre alguns indígenas. O impacto desproporcional da pandemia de covid-19 nas comunidades Negras, Indígenas e de Pessoas de Cor (BIPOC) levou a níveis mais altos de hesitação dentro desses grupos (67–69). Nesse contexto, destacam-se as Políticas Informadas por Evidências (PIE), nas quais as sínteses de evidências fornecem informações com base científica sobre condições de saúde, intervenções e procedimentos, políticas e programas com a finalidade de atender às necessidades de profissionais de saúde, pacientes e gestores de saúde pública ou privada. Contudo, as evidências obtidas de estudos científicos, principalmente de revisões sistemáticas, são complexas e muitas vezes de difícil entendimento para o público geral (70). A comunicação da complexidade dessas evidências, muitas vezes provenientes de estudos científicos robustos, pode representar um desafio significativo para a compreensão geral, especialmente para os tomadores de decisão e o público. Nesse sentido, a comunicação efetiva das evidências em saúde emerge como uma necessidade imperativa, visando tornar essas informações acessíveis e compreensíveis, 46 contribuindo assim para a tomada de decisões informadas por evidências, e a promoção de melhores resultados de saúde para indivíduos e comunidades (71). Para superar tais obstáculos, é crucial investir na melhoria das competências em comunicação e na elaboração de estratégias que sejam adaptadas às necessidades específicas dos gestores de saúde e da população em geral. Uma comunicação clara e acessível das evidências em saúde não só aumenta a conscientização sobre a importância do uso de abordagens baseadas em evidências, mas também apoia decisões individuais e coletivas relacionadas à saúde, contribuindo assim para melhores desfechos clínicos e de saúde pública (82). Como parte integrante das PIE, as pesquisas de revisão de escopo desempenham papel crucial na prática baseada em evidência ao mapear as informações sobre determinadas áreas do conhecimento a fim de identificar e avaliar as abordagens mais apropriadas para cada público e contexto, e as lacunas na literatura (83). As revisões de escopo são muito eficazes em delinear o alcance da literatura em um tema específico, oferecendo uma visão clara da quantidade de estudos disponíveis e uma visão ampla da literatura atual. No contexto das PIE, elas são valiosas para explorar evidências emergentes, quando ainda não está claro quais questões específicas podem ser abordadas por uma revisão sistemática mais detalhada. Além disso, essas revisões podem identificar os tipos de evidências disponíveis, esclarecer conceitos- chave na literatura e analisar como a pesquisa é conduzida em um campo específico (84). Assim, os resultados identificados na presente revisão de escopo poderão subsidiar a tomada de decisão de setores envolvidos na promoção do uso do conhecimento científico nos processos decisórios no que se refere à comunicação de evidências no contexto de PIE (83). Desta forma, reitera-se que este estudo, por conta das questões ressaltadas até então, visa mapear os impactos enfrentados pelas comunidades indígenas do Brasil diante da pandemia de covid-19, a fim de identificar as necessidades indígenas, além de subsidiar a tomada de decisão no âmbito da saúde desta população. 47 A disparidade do impacto de epidemias na saúde indígena mundial As populações indígenas foram desproporcionalmente afetadas, não só por esta, mas também por pandemias anteriores, devido a uma interação complexa de fatores históricos, sociais, econômicos, políticos e ambientais. Esta interação resulta no impacto desproporcional de agravos à saúde a esta população (48,85,86). Comunidades indígenas frequentemente enfrentam falhas históricas e contemporâneas dos respectivos governos em lidar com desigualdades persistentes e os efeitos nefastos da colonização, resultando na limitada participação dos indígenas na formulação de políticas e no planejamento para atender às necessidades de saúde da comunidade (87,88). As desigualdades predominantes contribuem para a contínua opressão dos povos indígenas, evidenciada pelo acesso, tratamento e resultados desiguais no sistema de saúde (50,89). A pandemia de covid-19 evidenciou desigualdades de saúde que têm impactado de maneira profunda e persistente as comunidades BIPOC especialmente a população negra (90). Além disso, a pandemia resultou em aumentos nas taxas de pobreza e insegurança alimentar, especialmente entre crianças pertencentes a famílias afetadas por questões estruturais, gerando um impacto desproporcional na saúde das crianças indígenas (50,91). O impacto desproporcional de pandemias nas populações indígenas é uma questão multifacetada que abrange determinantes históricos, sociais, econômicos, ambientais e relacionados à saúde. Abordar essas disparidades requer uma abordagem polímata que considere os contextos culturais, sociais e ambientais únicos das comunidades indígenas. Esses desafios de saúde são exacerbados por problemas sistêmicos, incluindo baixa renda, acesso à educação e os efeitos deletérios duradouros da colonização e escravização (48,92–95). 48 Justificativa A pandemia de covid-19 trouxe à tona diversas questões sobre desigualdade e vulnerabilidade, particularmente entre populações historicamente marginalizadas, como os povos indígenas (96–98). Diante dessa realidade, o estudo proposto se baseia em uma revisão de escopo que trata sobre o impacto da covid-19 na saúde da população indígenas do Brasil. O mapeamento desses dados busca revelar os dados de saúde dessas populações, fornecendo uma visão holística dos impactos da pandemia. Além disso, a pesquisa pretende identificar os principais desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no acesso a serviços de saúde, incluindo cobertura vacinal, e destacar as barreiras específicas que contribuem para a hesitação vacinal entre esses grupos. Ao lançar luz sobre essas questões, o objetivo é subsidiar a formulação de políticas de saúde mais eficazes e culturalmente sensíveis, capazes de mitigar os efeitos adversos da pandemia nessas comunidades. Em última análise, esta tese visa contribuir para o desenvolvimento de intervenções direcionadas à saúde indígena, reconhecendo e abordando o ônus desproporcional vivenciado por essas comunidades durante a crise da covid-19. Ao fornecer dados sólidos e mapeamentos detalhados, espera-se que o estudo ajude a informar a formulação e implementação de políticas baseadas em evidências, promovendo a proteção da saúde e do bem-estar das populações indígenas em meio à contínua luta contra a pandemia. 49 Objetivos Objetivos gerais Mapear o impacto da pandemia de covid-19 na saúde das populações indígenas brasileiras de modo a suprir evidências à formulação e implementação de políticas públicas. Objetivos específicos 1. Avaliar como a pandemia de covid-19 afetou a saúde das populações indígenas e tradicionais em diferentes regiões da Brasil; 2. Identificar variações na mortalidade, saúde mental, fatores de risco nesta população; 3. Destacar os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no contexto da pandemia de covid-19, com foco em termos de acesso a serviços de saúde, incluindo cobertura vacinal. 50 Métodos Desenho do estudo e pergunta de interesse Este estudo, realizado no âmbito do Programa de Doutorado em Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina de Botucatu, consistiu em uma revisão de escopo estruturada conforme as diretrizes do Manual do Instituto Joanna Briggs para revisões de escopo (99). Uma revisão de escopo é um mapeamento da literatura publicada que busca (i) sintetizar informações que encaminhem a pergunta central de uma revisão sistemática, (ii) destacar os tipos de evidências disponíveis em uma área específica, (iii) identificar lacunas no conhecimento existente, (iv) investigar conceitos ou definições-chave presentes na literatura, (v) analisar a abordagem geral das pesquisas sobre um determinado tópico, e (vi) apontar os elementos e fatores associados a determinado conceito (84). A apresentação dos resultados dessa revisão seguiu as orientações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - extensão para revisões de escopo (PRISMA-ScR) (100). A pergunta central desta revisão foi formulada com base no acrônimo PCC, delineado da seguinte forma: ● P (população): População indígena brasileira. ● C (conceito): Impacto da pandemia de covid-19 na saúde de indivíduos pertencentes a populações indígenas brasileiras. Nesta revisão, foi considerado como impacto os principais problemas relacionados à saúde da população indígena como mortalidade, saúde mental, fatores de risco, além de acesso a serviços de saúde e programa de vacinação a essa população. ● C (contexto): Pandemia de covid-19 no Brasil. 51 O protocolo desta revisão foi planejado e registrado na plataforma Open Science Framework sob o título: Impact of the covid-19 pandemic on the health of the indigenous population in Brazil: a scoping review protocol (https://doi.org/10.17605/OSF.IO/MJZ3Q). Critérios de elegibilidade As publicações foram incluídas de acordo com os seguintes critérios: (i) Estudos primários ou secundários que: (ii) incluíram a população específica de interesse e (iii) coletaram dados e realizaram análises quantitativas ou qualitativas relevantes para esta revisão. Quanto aos critérios de elegibilidade, foi considerado qualquer delineamento de estudo primário (descritivo ou analítico) ou secundário que foi publicado a partir de março de 2020. Considerou-se estudos primários ou secundários aqueles que abordaram os principais problemas relacionados à saúde nas populações indígenas como mortalidade, saúde mental, fatores de risco, incluindo acesso a serviços de saúde para atender esta população no período da pandemia do covid-19 no Brasil. Dentre os estudos primários, incluiu-se estudos analíticos observacionais, estudos de coorte prospectivos e retrospectivos, estudos de caso-controle e estudos transversais. Também foram considerados desenhos de estudo observacionais descritivos, como séries de casos, relatos de casos individuais e estudos transversais descritivos. Estudos primários qualitativos que se concentram em dados qualitativos também foram considerados. Além disso, estudos secundários como revisões sistemáticas que atendessem aos critérios de inclusão também foram considerados, dependendo da pergunta de pesquisa. Não houve restrição quanto à etnia, sexo ou idade dos indígenas. Estudos foram excluídos se: (i) pesquisas empíricas, relatos de casos ou revisões sistemáticas sem a inclusão da população ou categorias de resultados de interesse; (ii) revisões sistemáticas que não especificaram a metodologia de seleção; (iii) comentários, cartas aos editores, artigos de opinião, revisões narrativas, relatórios governamentais, ensaios teóricos, teses e dissertações ou qualquer outra publicação que não cumprisse as categorias de pesquisa primária ou secundária e que não seja estudo original; (iv) protocolos de estudo; (v) publicações anteriores a março de 2020; https://doi.org/10.17605/OSF.IO/MJZ3Q 52 (vi) estudos nos quais a população não foi brasileira; (vii) estudos publicados apenas como resumo ou sem disponibilidade de texto completo; (viii) pre-prints. Estratégia de busca Foi realizada, em 15/09/2023, uma busca ampla e sensível na literatura por meio de estratégia de busca estruturada com descritores, sinônimos e termos livres relevantes adaptadas de Pickering et al 2023. Estudos publicados em inglês, português ou espanhol foram incluídos. A busca foi restrita ao período após março de 2020, conforme a declaração da OMS que considerou a covid-19 uma pandemia a partir desta data (101). As bases de dados utilizadas foram: ● MEDLINE (PubMed); ● Embase; ● Scopus; ● Web of Science; ● BVS (Biblioteca Virtual em saúde); Buscas adicionais não estruturadas foram realizadas nas seguintes fontes, em 10/01/2024: ● Google Scholar; Além das buscas estruturadas e não estruturadas, buscas manuais também foram realizadas em listas de estudos relevantes. Abaixo estão os termos de busca (Tabela 1) e as estratégias de busca adaptadas para cada base de dados (Tabela 2). A estratégia de busca foi elaborada e aplicada em 15 de setembro de 2023 e adaptada a partir de Pickering et al 2023. Tabela 1: termos de busca. Componente Termos de busca Indigenous People (aborigin* OR indigen* OR trib* OR native* OR First nation* OR First People*) Covid-19 (“Coronavirus disease 2019” OR covid-19 OR “Novel Coronavirus” OR SARS-CoV-2 OR COVID) Region (Brazil OR Brazilian OR Brasil) 53 Estratégias adaptadas para cada base de dados: Tabela 2: estratégias de busca. Fonte Estratégia de busca Resultad o em 15/09/23 Pubmed ("aborigin*"[All Fields] OR "indigen*"[All Fields] OR "trib*"[All Fields] OR "native*"[All Fields] OR (("first"[All Fields] OR "firsts"[All Fields]) AND "nation*"[All Fields]) OR (("first"[All Fields] OR "firsts"[All Fields]) AND "people*"[All Fields])) AND ("Coronavirus disease 2019"[All Fields] OR ("covid 19"[All Fields] OR "covid 19"[MeSH Terms] OR "covid 19 vaccines"[All Fields] OR "covid 19 vaccines"[MeSH Terms] OR "covid 19 serotherapy"[All Fields] OR "covid 19 nucleic acid testing"[All Fields] OR "covid 19 nucleic acid testing"[MeSH Terms] OR "covid 19 serological testing"[All Fields] OR "covid 19 serological testing"[MeSH Terms] OR "covid 19 testing"[All Fields] OR "covid 19 testing"[MeSH Terms] OR "sars cov 2"[All Fields] OR "sars cov 2"[MeSH Terms] OR "severe acute respiratory syndrome coronavirus 2"[All Fields] OR "ncov"[All Fields] OR "2019 ncov"[All Fields] OR (("coronavirus"[MeSH Terms] OR "coronavirus"[All Fields] OR "cov"[All Fields]) AND 2019/11/01:3000/12/31[Date - Publication])) OR "Novel Coronavirus"[All Fields] OR ("sars cov 2"[MeSH Terms] OR "sars cov 2"[All Fields] OR "sars cov 2"[All Fields]) OR ("sars cov 2"[MeSH Terms] OR "sars cov 2"[All Fields] OR "covid"[All Fields] OR "covid 19"[MeSH Terms] OR "covid 19"[All Fields])) AND ("brazil"[MeSH Terms] OR "brazil"[All Fields] OR "brazil s"[All Fields] OR "brazils"[All Fields] OR ("brazilian people"[Supplementary Concept] OR "brazilian people"[All Fields] OR "brazilians"[All Fields] OR "brazilian"[All Fields]) OR "Brasil"[All Fields]) 827 54 Fonte Estratégia de busca Resultad o em 15/09/23 Scopus TITLE-ABS-KEY ((aborigin* OR indigen* OR trib* OR native* OR first AND nation* OR first AND people*) AND ("Coronavirus disease 2019" OR covid-19 OR "Novel Coronavirus" OR sars-cov-2 OR covid) AND (brazil OR brazilian OR brasil)) AND (LIMIT-TO (LANGUAGE, "English") OR LIMIT-TO (LANGUAGE, "Portuguese") OR LIMIT-TO (LANGUAGE, "Spanish")) 264 Web of Science TI=((aborigin* OR indigen* OR trib* OR native* OR First nation* OR First People*) AND (“Coronavirus disease 2019” OR covid-19 OR “Novel Coronavirus” OR SARS-CoV- 2 OR COVID) AND (Brazil OR Brazilian OR Brasil)) 51 Embase #6 AND [embase]/lim NOT ([embase]/lim AND [medline]/lim) #1 AND #2 AND #5 #3 OR #4 'brazilian'/exp OR 'brazilian' 'brazil'/exp OR 'brazil' 'coronavirus disease 2019'/exp OR 'coronavirus disease 2019' 25 BVS ((“povos indígenas” OR “comunidades indígenas” OR “povos nativos” OR organizaciones indígenas” OR “pueblos nativos” OR tribu OR tribus OR “tribus nativas”)) AND ((“pandemia covid-19” OR “covid-19” OR “covid-19” OR covid19)) AND ((brasil)) 32 55 Processo de seleção dos estudos Após a busca nas bases de dados, todas as citações identificadas foram carregadas no software EndNote X9 (Clarivate Analytics, PA, EUA) e as duplicatas removidas. Em seguida, todas as citações identificadas foram importadas para a plataforma Rayyan (102). O processo de seleção dos estudos foi realizado em duas fases. A primeira fase consistiu na leitura dos títulos e resumos de todas as referências recuperadas pelas estratégias de busca e a categorização dos estudos em “potencialmente elegíveis” ou “eliminados”. A segunda fase consistiu na leitura na íntegra dos estudos “potencialmente elegíveis” para confirmar sua elegibilidade, seguindo os critérios previamente estabelecidos no protocolo. As duas fases foram conduzidas por dois revisores de forma independente e as divergências nas decisões de incluir ou excluir estudos foram resolvidas por um terceiro revisor. Os resultados da busca e da seleção dos estudos foram apresentados por meio do fluxograma PRISMA-ScR. Processo de extração dos dados Os dados extraídos dos estudos e incluídos na revisão foram feitos por dois revisores independentes usando uma ferramenta de extração de dados desenvolvida pelos revisores (Material Suplementar 3). Para atender ao objetivo do trabalho, os seguintes dados foram extraídos: primeiro autor; ano de publicação, tipo de publicação, delineamento do estudo, método; objetivo do estudo, povo indígena estudado, região do Brasil, instituição proponente e fonte de financiamento. Avaliação do risco de viés dos estudos O objetivo desta revisão de escopo foi mapear como a pandemia de covid-19 afetou a saúde dos povos indígenas brasileiros, não foram aplicados checklists ou ferramentas de avaliação da qualidade metodológica dos estudos, conforme recomendado pelo JBI para as revisões de escopo (99,100). 56 Análise dos dados As estratégias foram classificadas utilizando as categorias com base nos dados descritos acima. Uma síntese narrativa foi apresentada utilizando gráficos e/ou quadros. Na dependência da disponibilidade de informações foi realizada estatística descritiva utilizando-se o software Microsoft Excel®. 57 Resultados Os resultados foram apresentados por um resumo narrativo das descobertas, apontando como os resultados se correlacionaram com o objetivo e a pergunta de pesquisa desta revisão. Os estudos foram separados por categorias de análise. Resultado das buscas Ao buscar nas bases eletrônicas, obtivemos 1157 referências. Após eliminar 82 duplicatas, examinamos 1075 referências via títulos e resumos, excluindo 956 por não atenderem aos critérios de elegibilidade e 36 duplicatas, as quais foram identificadas de forma manual. Assim, na segunda fase do processo de seleção, foram analisadas em texto completo 83 referências. Destas, 54 foram excluídas, onde na Tabela 3 pode-se aferir as razões para exclusão. Das 54 referências excluídas, 30 eram revisão narrativa, 6 eram comentários, 4 dossiês, 3 cujo objeto de estudo não eram o impacto da pandemia de covid-19 na saúde indígena, 2 artigos de opinião, 2 não disponibilizaram o artigo completo, 1 era protocolo de estudo, 1 era ensaio teórico, 1 era reportagem, 1 não estudou população indígena, 1 era uma entrevista e 1 era uma dissertação. A revisão de escopo propicia uma visão ampla do estado da arte. Foram 83 estudos que chegaram até a fase final de triagem e, portanto, foram lidos na íntegra, onde 54 foram excluídos. Deste modo, 49% das publicações não foram incluídas no estudo por não serem estudos originais. Nota-se que o número de revisões narrativas supera o número de artigos incluídos, mostrando a dificuldade de publicar estudos originais. 58 Tabela 3: lista dos estudos excluídos. # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 1 10.1126/science.368.6489.352 Amigo, I 2020 Comentário (iii) 2 10.6092/issn.2036-0967/13088 Andrade et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 3 https://pesquisa.bvsalud.org/global-literature- on-novel-coronavirus-2019- ncov/resource/pt/covidwho-2097987 Anschau et al. 2022 Protocolo de estudo (iv) 4 10.1590/0037-8682-0272-2021 Barbosa et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 5 10.1590/S0103-73312022320203 Barbosa, V. F. B.; De Caponi, S. N. C. 2022 Ensaio teórico (iii) 6 10.1007/s41603-020-00126-y Barreto, R. C. 2020 Revisão narrativa (iii) 7 10.1038/d41586-021-00690-z Benites et al. 2021 Reportagem (iii) 8 10.5334/aogh.3182 Boschiero et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 9 10.18623/rvd.v18i40.1865 Bragato et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 59 # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 10 10.1163/15718115-BJA10064 Carstens, M. 2022 Revisão narrativa (iii) 11 10.1016/S0140-6736(20)32068-7 Charlier et al. 2020 Artigo de opinião (iii) 12 10.5209/GEOP.69349 Conde, M. 2020 Revisão narrativa (iii) 13 10.15628/holos.2022.11583 Conte, D., Paula, T. V. 2022 Revisão narrativa (iii) 14 10.4269/ajtmh.20-0563 Cupertino et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 15 10.3389/fsoc.2021.611336 Da Silva et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 16 10.1590/1806-9282.20210343 Dias et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 17 10.1016/j.pedn.2022.01.005 de Oliveira et al. 2022 Artigo de opinião (iii) 18 10.11606/issn.2316-9044.rdisan.2022.189517 Deursen et al. 2022 Não é objeto do estudo (i) 60 # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 19 Não encontrado Disproportionate burden of COVID-19 on the indigenous population in brazil 2022 Não há acesso ao artigo completo (vii) 20 10.1038/d41586-021-01409-w Dos Santos Costa et al. 2021 Comentário (iii) 21 10.1038/d41586-020-02431-0 Dos Santos, et al. 2020 Comentário (iii) 22 10.1007/s40615-023-01626-1 Ferrante, L.; Fearnside, P. M. 2023 Revisão narrativa (iii) 23 10.1057/s41271-021-00302-0 Ferrante et al. 2022 Revisão narrativa (iii) 24 10.1007/s40615-023-01626-1 Ferrante, L.; Fearnside, P. M. 2023 Revisão narrativa (iii) 25 10.1126/science.abc0073 Ferrante et al. 2020 Comentário (iii) 26 10.16921/chasqui.v1i145.4346 Franco et al. 2021 Não é objeto do estudo (i) 27 10.1590/Interface.220086 Freitas et al. 2023 Não estuda população indígena (i) 61 # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 28 10.5498/wjp.v12.i5.766 Gonçalves Júnior et al. 2022 Revisão narrativa (iii) 29 10.1590/1413-812320222711.22212021 Guajajara et al. 2022 Entrevista (iii) 30 10.15446/ma.v11n2.88715 Guimaraes, L. M. D.; Ferreira, A. 2020 Revisão narrativa (iii) 31 10.3389/fsoc.2021.623656 Herbetta et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 32 10.1590/1806-9282.66.7.861 Jardim et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 33 10.1016/j.psychres.2020.113094 Júnior et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 34 10.1590/1678-9865202033e200171 Leite et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 35 10.1590/S0104-12902022220834pt Marques et al. 2022 Dossiê (iii) 36 10.15446/ma.v12n1.88677 Matos et al. 2021 Dossiê (iii) 62 # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 37 10.21902/revistajur.2316-753X.v2i64.5156 Melo, M. P.; Burckhart, T. 2021 Não é objeto do estudo (i) 38 10.18055/Finis20364 Mondardo, M. 2020 Revisão narrativa (iii) 39 10.1080/17441692.2021.1959941 Olivar et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 40 10.1590/S0104-12902022220452en Olivar et al. 2022 Revisão narrativa (iii) 41 https://pesquisa.bvsalud.org/global-literature- on-novel-coronavirus-2019- ncov/resource/pt/covidwho-1335715 Oliveira, L. S. 2021 Não há acesso ao artigo completo (vii) 42 10.1007/s40615-020-00885-6 Palamim et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 43 10.1590/S0104-12902022220437en Pimentel et al. 2022 Dossiê (iii) 44 10.1590/0034-7167-2020-0312 Ribeiro, A. A.; Rossi, L. A. 2020 Revisão narrativa (iii) 45 10.1136/bmj.o3005 Ro, C. 2023 Revisão narrativa (iii) 63 # DOI Autor/Autora Ano Razão para exclusão 46 10.1186/s12939-021-01392-8 Rodrigues et al. 2021 Comentário (iii) 47 10.1590/0102-311X00268220 Santos et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 48 10.29397/reciis.v17i2.3613 Santos et al. 2023 Revisão narrativa (iii) 49 10.1016/j.puhe.2020.07.021 Teixeira, S. C. 2020 Revisão narrativa (iii) 50 10.1590/1809-43412022v19a802 Urquiza et al. 2022 Dossiê (iii) 51 10.1016/j.worlddev.2021.105533 Vittor et al. 2021 Revisão narrativa (iii) 52 10.1038/d41586-020-01032-1 Zavaleta, C. 2020 Comentário (iii) 53 https://repositorio.unesp.br/handle/11449/2153 60 Oliveira, J. 2021 Dissertação ou tese (iii) 54 10.1590/0037-8682-0476-2020 Simionatto et al. 2020 Revisão narrativa (iii) 64 Tabela 4: referências excluídas agrupadas por razão de exclusão. Categoria Frequência Revisão narrativa (iii) 29 Comentário (iii) 6 Dossiê (iii) 4 Não é objeto do estudo (i) 3 Artigo de opinião (iii) 2 Não há acesso ao artigo completo (vii) 2 Não há acesso ao artigo completo (vii) 2 Protocolo de estudo (iv) 1 Ensaio teórico (iii) 1 Reportagem (iii) 1 Não estuda população indígena (i) 1 Entrevista (iii) 1 Dissertação ou tese (iii) 1 Total 54 Gráfico 1: agrupamento da razão para exclusão dos artigos. 65 A tabela a seguir contém os principais resultados dos estudos incluídos (Tabela 5). Os resultados dos estudos destacam a vulnerabilidade das populações indígenas ao covid-19, exacerbada por fatores como migração, desigualdades socioeconômicas e acesso limitado aos serviços de saúde. A subnotificação de casos e mortes, juntamente com a falta de reconhecimento das necessidades específicas das comunidades indígenas, destaca a necessidade urgente de abordagens culturalmente sensíveis e baseadas em evidências para prevenir e controlar a propagação do vírus nessas áreas. Esses achados têm implicações significativas para a saúde pública e destacam a importância de uma resposta abrangente e inclusiva à pandemia que proteja as comunidades indígenas e reduza as disparidades de saúde existentes. Ao final, a presente revisão incluiu 29 estudos. O processo de busca e seleção dos estudos pode ser observado na Figura 17. 66 Figura 17: Fluxograma do processo de seleção dos estudos PRISMA para revisão de escopo. Referências identificadas pela estratégia de busca (n = 1189) ➢ MEDLINE (n = 817). ➢ Embase (n = 25). ➢ Scopus (n = 264). ➢ Web Of Science (n = 51). ➢ BVS (n = 32). Id e n ti fi c a ç ã o Referências avaliadas por título e resumo (n = 1075) Estudos incluídos na revisão (n = 29) Estudos avaliados pelos critérios de elegibilidade (n = 83) Referências excluídas por título/resumo (n = 956) Duplicatas removidas manualmente (n = 36) T ri a g e m In c lu íd o s Artigos excluídos por razões discriminadas (n = 54) Revisão narrativa = 30 Comentário = 6 Dossiê = 4 Impacto na saúde indígena não é objeto do estudo = 3 Artigo de opinião = 2 Não há acesso ao artigo completo = 2 Protocolo de estudo = 1 Ensaio teórico = 1 Reportagem = 1 Não estuda população indígena = 1 Entrevista = 1 Dissertação ou tese = 1 Duplicatas removidas por software (n = 114) 67 Tabela 5: estudos incluídos. # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 1 Alves et al., 2021 Estudo ecológico usando técnicas de análise espacial. Analisar a distribuição geográfica de covid-19 na população indígena do Brasil para: (1) identificar espacialmente as áreas espaciais de alto risco para a ocorrência de casos e mortes por covid- 19 na população indígena brasileira, (2) contribuir para melhor direcionar as ações de controle do covid-19 nesta população. ● Foram registrados 32.041 casos confirmados de covid- 19 e 471 mortes. A não aleatoriedade dos casos (z score = 5,40; P < 0,001) e das mortes (z score = 3,83; P < 0,001) foi confirmada. ● Foram identificados hotspots para casos e mortes nas regiões norte e centro-oeste do Brasil. Dezesseis clusters espaço-temporais de alto risco foram identificados para a ocorrência de casos, com um RR mais alto = 21,23 (P < 0,001), e quatro clusters de risco para mortes, com um RR mais alto = 80,33 (P < 0,001). DISEI's trabalhados: Médio Rio Purus, Yanomami, Cuiabá e Vilhena, Litoral Sul, Rio Tapajós, Kaiapó do Mato Grosso, Altamira, Kaiapó do Pará, Potiguara, Médio Rio Solimões e Afluentes, Manaus, Amapá/Norte do Pará, Guamá-Tocantins, Alagoas e Sergipe, Parintins, Alto Rio Negro, Vale do Javarí e Alto Rio Juruá, Minas Gerais e Espirito Santo, Alto Rio Purus, Xavante e Xingu. 68 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 2 Baines et al., 2020 Estudo etnográfico. (1) Explorar como a pandemia de covid- 19 afetou as populações indígenas e tradicionais em diferentes regiões da bacia Amazônica quanto às práticas de mobilidade, interações com o ambiente e nas vidas dessas populações devido à pandemia. ● As populações da Amazônia são altamente suscetíveis ao covid-19 devido à sua demografia migratória, que foi exacerbada pela pandemia. ● Populações rurais indígenas e negras na Amazônia brasileira enfrentaram desafios críticos, com a covid-19, sendo que algumas etnias poderiam perder até 35% de seus habitantes devido à suscetibilidade de seus idosos. ● Dados epidemiológicos indicam um número significativo de casos de covid-19 e mortes entre grupos indígenas no Brasil, com 23.453 casos de infecção e 756 mortes relatadas por SESAI/SUS e 629 mortes registradas pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) em 31 de agosto de 2020. Mura e Quilombolas 69 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 3 Baqui et al., 2020 Estudo transversal. (1) Caracterizar a pandemia covid-19 no Brasil, avaliar variações na mortalidade de acordo com a região, etnia, comorbidades e sintomas e (2) Estimar os efeitos da etnia e da comorbidade em um nível individual no contexto da variação regional. ● Em comparação com os brasileiros brancos, os brasileiros pardos e negros com covid-19 admitidos no hospital tiveram um risco significativamente maior de mortalidade (razão de risco [HR] 1,45, IC 95% 1,33–1,58 para brasileiros pardos; 1,32, 1,15–1,52 para brasileiros negros). ● A categoria “parda” foi o segundo fator de risco mais importante (após a categoria “idade”) para a morte. As comorbidades eram mais comuns nos brasileiros admitidos no hospital na região norte do que na região centro-sul, com proporções semelhantes entre os diversos grupos étnicos. ● Os estados do norte apresentaram HRs mais altas em comparação com os da região centro-sul, exceto o Rio de Janeiro, que teve uma HR muito maior do que os outros estados da região centro-sul. N/A (não discriminou por povo indígena). 70 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 4 Croda et al., 2022 Estudo transversal retrospectivo. (1) Demonstrar as diferenças entre populações indígenas e não indígenas nos dados epidemiológicos do primeiro ano da pandemia de covid-19 em Mato Grosso do Estado Sul, para caracterizar casos confirmados de covid-19 de acordo com fatores de risco relacionados à etnia e comorbidades, e (2) verificar os desafios para enfrentar a doença no Brasil. ● A mortalidade nos povos indígenas foi mais de três vezes maior do que em povos não indígenas (11% vs 2.9%). ● Os povos indígenas tiveram uma proporção mais baixa de diagnósticos por RT-PCR, e as mortes eram mais frequentes em pacientes mais jovens com menos probabilidade de serem admitidos no hospital. ● A vacinação em massa pode ter controlado a incidência e a mortalidade associadas ao covid-19 na população indígena durante o período de aumento da circulação viral. N/A (não discriminou por povo indígena). 71 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 5 Cunha et al., 2022 Estudo caso - controle. (1) Analisar fatores associados à morte de povos indígenas de covid-19 no estado de Amapá, Brasil. ● Pessoas indígenas com comorbidade cardiovascular tiveram uma chance significativamente maior de morte por covid-19 (4.01 vezes maior, 95% IC = 1.05-15.36). ● Os povos indígenas residentes na região metropolitana de Macapá tiveram um maior risco de morte por covid-19 (2,90 vezes maior, 95% IC = 1.10-7.67) em comparação com aqueles que vivem no campo. ● A maioria das mortes estava entre as mulheres (51,7%), os moradores da região metropolitana de Macapá (65,5%), vivendo em áreas urbanas e sem comorbidades (62,1%). Karipuna, Palikur, Galibi Marworno, Galibi Kalinã, Apalay, Waiana, Tiriyó, Kaxuyana, and Waiãpi. 72 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 6 Cunha et al., 2021 Estudo ecológico (1) Analisar a disparidade na incidência da covid-19 entre a população indígena e não indígena no estado do Amapá, Brasil. ● No Amapá, a quantidade de casos registrados de COVID-19 e incidência cumulativa de COVID-19 por 10.000 habitantes é expressivamente maior em populações indígenas do que não indígenas, sendo os casos observados para indígenas 4.511, e esperados 809, enquanto para não indígenas, o observado foi 68.402 e o esperado é 72.104. ● A indecência cumulativa é 5.6 vezes maior na população indígena do que na não indígena. N/A (não discriminou por povo indígena) 73 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 7 Da Silva et al. (a), 2022 Análise epidemiológica, descritiva e quantitativa. (1) Analisar o impacto da pandemia covid- 19 na população indígena brasileira por meio de hospitalizações devido à síndrome respiratória aguda grave (SARS) e (2) conduzir um estudo epidemiológico, descritivo e quantitativo de casos de SARS em pacientes indígenas autodeclarados autodidatas relatados ao sistema de informação de vigilância epidemiológica para influenza (Sivep-Gripe) da Secretaria de Vigilância da Saúde do Ministério da Saúde do Brasil de 1 de janeiro a 16 de junho de 2020. ● O número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e mortes foi maior nos homens (61%). ● Havia picos nos casos de SRAG e mortes entre crianças menores de 1 ano e adultos com mais de 50 anos. ● Para covid-19 especificamente, os homens também tiveram um número maior de casos e mortes. ● Para SRAG e covid-19 nos estados do Amazonas, São Paulo e Pará houve predomínio de casos, enquanto para óbitos os estados do Amazonas, Pará e Roraima predominaram. N/A (não discriminou por povo indígena). 74 # Estudo (autor, ano) Delineamento do estudo Objetivo de estudo Principais achados Povo indígena estudado 8 Da Silva et al. (b), 2021 Estudo observacional descritivo. (1) Descrever a situação epidemiológica de SARS-CoV-2 nas comunidades indígenas localizadas na região de Alto Solimões (2) e caracterizar os casos confirmados em relação a seus fatores constituintes, comorbidades, sinais e sintomas associados e sua evolução ● O estudo confirmou o covid-19 em 89 dos 109 casos suspeitos entre a população indígena atendida pelo Alto Rio Solimões DSEI, com uma taxa de 3,08 casos por 100.000 habitantes. ● A maioria (56.2%) dos pacientes com covid-19 era do sexo feminino com idade média de 32,4 anos, e os sintomas mais comuns foram febre, tosse seca e dor de cabeça. ● O uso de antibióticos foi associado com a ocorrência de complicações, da