UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL FORMAS ORGÂNICAS E INORGÂNICAS DE FÓSFORO EM SOLOS TRATADOS COM RESÍDUOS ORGÂNICOS E RELAÇÕES COM DISPONIBILIDADE Lucas Boscov Braos Engenheiro Agrônomo 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL FORMAS ORGÂNICAS E INORGÂNICAS DE FÓSFORO EM SOLOS TRATADOS COM RESÍDUOS ORGÂNICOS E RELAÇÕES COM DISPONIBILIDADE Lucas Boscov Braos Orientadora: Profa. Dra. Mara Cristina Pessôa da Cruz Tese apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Agronomia (Ciência do Solo) 2017 Braos, Lucas Boscov B821f Formas orgânicas e inorgânicas de fósforo em solos tratados com resíduos orgânicos e relações com disponibilidade / Lucas Boscov Braos. – – Jaboticabal, 2017 xiii, 58 p. : il. ; 29 cm Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2017 Orientadora: Mara Cristina Pessôa da Cruz Banca examinadora: José Ricardo Mantovani, Manoel Evaristo Ferreira, Felipe Batistella Filho, Fernando Cesar Bachiega Zambrosi Bibliografia 1. Adubação orgânica. 2. Torta de filtro. 3. Esterco bovino. 4. Fracionamento. 5. Espectroscopia RMN I. Título. II. Jaboticabal- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 631.862 DADOS CURRICULARES DO AUTOR Lucas Boscov Braos – Nascido em 28 de maio de 1988 na cidade de Cuiabá – MT, graduou-se em Engenharia Agronômica em 2010 pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), campus de Jaboticabal. Em agosto de 2011 iniciou o curso de mestrado e em fevereiro de 2014 o curso de doutorado, ambos no programa de pós-graduação em Agronomia (Ciência do Solo), da FCAV-Unesp, campus de Jaboticabal. Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) durante a iniciação científica, o mestrado e o doutorado. AGRADECIMENTOS À minha família, pelo afeto e incentivo. Aos meus amigos, pela ajuda e companheirismo. Aos meus colegas do Laboratório de Fertilidade do Solo, pela companhia e convivência. Aos Professores Mara Cristina Pessôa da Cruz e Manoel Evaristo Ferreira, pela amizade e aprendizado. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 2014/11466-3, pela bolsa de estudos concedida para a realização do curso de doutorado. SUMÁRIO RESUMO............................................................................................................. ii ABSTRACT.......................................................................................................... iii 1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 1 2. REVISÃO DE LITERATURA............................................................................ 3 3. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................ 11 3.1 Coleta e caracterização dos solos .............................................................. 11 3.2 Coleta e caracterização dos adubos .......................................................... 12 3.3 Delineamento experimental ........................................................................ 15 3.4 Experimento em casa de vegetação........................................................... 15 3.5 Análises de solo ............. ............................................................................ 17 3.5.1 Fracionamento do fósforo inorgânico....................................................... 17 3.5.2 Fracionamento do fósforo orgânico ......................................................... 18 3.5.3 Especiação das formas de fósforo por Ressonância Magnética Nuclear 21 3.6 Análises das plantas ................................................................................... 21 3.7 Análises estatísticas ................................................................................... 22 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................... 22 4.1 Atributos químicos dos solos ...................................................................... 22 4.2 Formas de fósforo inorgânico ..................................................................... 28 4.3 Formas de fósforo orgânico ........................................................................ 36 4.4 Relações entre formas de fósforo, fósforo disponível e atributos químicos do solo ................................................................................................................. 44 4.5 Formas de fósforo determinadas por Ressonância Magnética Nuclear ..... 47 5. CONCLUSÕES ................................................................................................ 49 6. REFERÊNCIAS ............................................................................................... 50 ii FORMAS ORGÂNICAS E INORGÂNICAS DE FÓSFORO EM SOLOS TRATADOS COM RESÍDUOS ORGÂNICOS E RELAÇÕES COM DISPONIBILIDADE RESUMO –Conhecer as formas e as transformações do fósforo (P) aplicado via fertilizantes orgânicos e minerais é importante para melhorar o manejo e otimizar o uso do P. Os objetivos com o presente trabalho foram avaliar formas orgânicas e inorgânicas de P em solos adubados com esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo em função do tempo de contato solo-adubo, e estabelecer relações entre as formas de P e a disponibilidade. As formas de P orgânico (Po) e inorgânico (Pi) foram determinadas em amostras de Latossolo Vermelho argiloso (LV) e de Argissolo Vermelho Amarelo arenoso (PVA), adubadas ou não com 100 mg dm-3 de P nas formas de esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo, e mantidas em incubação por 15, 45, 90 e 180 dias. O Pi foi fracionado em P solúvel e fracamente retido, P ligado ao Al ou Fe, P ocluso e P ligado ao Ca. O P orgânico foi fracionado em Po lábil, Po da biomassa microbiana, Po moderadamente lábil, Po dos ácidos fúlvicos, Po dos ácidos húmicos e Po residual. Com as amostras de solo também foi conduzido experimento com plantas de milho para determinar a produção de matéria seca e a absorção de P. No latossolo foi observado maior teor de Pi ocluso e Po residual e a adubação também aumentou os teores dessas frações, indicando que o P dos adubos é incorporado às frações menos disponíveis, o que torna os teores de P disponível menores neste solo. No argissolo predominaram Pi ligado ao Fe e Po associado aos ácidos húmicos, e o P adicionado foi incorporado às formas ligadas ao Al e ao Fe, que contribuíram para maior disponibilidade de P neste solo. As frações mais estáveis tanto do Pi quanto do Po não se correlacionaram com o P disponível, e as frações menos estáveis se correlacionaram com a matéria seca acumulada e o P absorvido pelas plantas, indicando que mesmo estando em maior teor, as frações mais estáveis contribuem de forma mais limitada para a absorção de P pelas plantas. No solo latossolo, o acúmulo de P nas formas ligadas ao Al e ao Fe, no tratamento com superfosfato triplo, foi determinante para maior disponibilidade. No solo argissolo, o aumento das formas de P ligado ao Al e ao Fe, junto ao menor acúmulo de P ocluído no tratamento com esterco bovino, resultou na maior disponibilidade. A interação entre tipo de solo e adubo definiu o destino do P aplicado, bem como a disponibilidade. Palavras-chave: adubação orgânica, torta de filtro, esterco bovino, fracionamento, espectroscopia RMN iii ORGANIC AND INORGANIC PHOSPHORUS FORMS OF SOILS AMMENDED WITH ORGANIC WASTES AND RELATIONSHIPS WITH AVAILABILITY ABSTRACT– Evaluating the forms and transformations of phosphorus (P) applied via organic and mineral fertilizers is important to improve the management and optimize the use of P. The objectives of the present study were to evaluate organic and inorganic forms of P in two soil types, fertilized with dairy manure, filter cake and triple superphosphate, as a function of the incubation time, and to establish relationships between soil P forms and P available, plant uptake P and growth. The organic (Po) and inorganic (P) forms of P were determined on samples of typic Hapludox clayey and arenic Hapludult sand, fertilized or not with 100 mg dm-3 of P as dairy manure, filter cake and triple superphosphate, and incubated for 15, 45, 90 and 180 days. Pi was fractionated into soluble and weakly bound P, Al or Fe bound P, occluded P and Ca bound P. The organic Po was fractionated into labile Po, microbial Po, moderately labile Po, fulvic acids associate Po, humic acids associate Po and residual Po. In the soil samples, an experiment with maize plants was also carried out to determine the plant dry matter production and the absorption of P. It was observed higher levels of occluded Pi and residual Po in the Hapludox. The fertilization also increased the contents of these fractions indicating that P is incorporated to the less available fractions. Therefore, the available P contents were smaller in this soil. In the Hapludult, Fe bound Pi and humic acids associated Po were the predominant P forms. The added P was incorporated into the Al and Fe bound P forms, which contributed to higher P availability in this soil. The more stable fractions of both Pi and Po did not correlate with available P, and the less stable fractions correlated with accumulated dry matter and P uptook by plants, indicating that even having a higher P content, the more stable fractions contribute in a more limited way to the P uptake by plants. In the Hapludox, the increase of Al, Fe bound P in the triple superphosphate treatment was crucial for greater availability. In the Hapludult, the increase of Al, Fe bound P, with lower occlusion of P in cattle manure treatment, resulted in higher availability. The interaction between the soil and fertilizer type defined the fate of the applied P, as well as the availability. Keywords: organic ammendment, filter cake, dairy manure, fractionation, NMR spectroscopy 1 1. INTRODUÇÃO Quando se faz adubação fosfatada, o fósforo proveniente do adubo se redistribui entre várias formas no solo, o que resulta, em um primeiro momento, no aumento do P disponível para as plantas. Entretanto, apenas uma parte pequena do P adicionado é aproveitada pelas plantas, porque a maior parte é retida na fase sólida do solo, podendo ser adsorvida aos coloides, precipitada em compostos insolúveis, ou imobilizada por microrganismos e posteriormente incorporada às frações estáveis da matéria orgânica do solo. De modo geral, a disponibilidade de P diminui com o tempo, pois o P aplicado passa a formas mais estáveis, independentemente do adubo, orgânico ou mineral. As transformações do P no solo são influenciadas diretamente pelas características mineralógicas, físicas, químicas e microbiológicas do solo, mas as características do adubo orgânico também interferem e, entre as mais importantes, estão a proporção das formas orgânica e mineral de P no adubo e a relação carbono/fósforo (C/P). Os efeitos das características do solo na disponibilidade de P e o comportamento dos adubos fosfatados solúveis são bem conhecidos nas condições de solos tropicais com predomínio de cargas variáveis. O comportamento do P orgânico ou do P mineral presente em adubos orgânicos, por outro lado, é pouco conhecido, mas se espera que, a partir de uma matriz orgânica, o P permaneça disponível por mais tempo. Esta expectativa está ligada a alguns efeitos conhecidos da adubação orgânica na disponibilidade de P: liberação de P por mineralização, diminuição dos processos de adsorção/precipitação de P por diminuição da acidez, revestimento de superfícies minerais adsorventes por compostos orgânicos não adsorventes de P, liberação de ânions orgânicos competidores nos processos de adsorção de fosfato, e aumento de concentração de compostos orgânicos complexantes de cátions metálicos que, quando livres, limitam a disponibilidade de P por formação de compostos de baixa solubilidade. O Brasil é um dos principais produtores mundiais de açúcar e de carne bovina, leite e seus derivados. Ambas as atividades geram grande quantidade de resíduos, particularmente vinhaça, torta de filtro e esterco bovino, que são utilizados 2 como adubos orgânicos na agricultura. O emprego da torta de filtro e do esterco bovino retorna grandes quantidades de P aos sistemas agrícolas, o que deve diminuir significativamente a necessidade de fertilizantes fosfatados minerais. Como as rochas fosfatadas são a matéria-prima dos fertilizantes fosfatados e são um recurso mineral não renovável, o emprego de adubos orgânicos deve ser incentivado. Apesar de muito utilizados e de serem considerados como fontes importantes de P para uso agrícola, pouco se conhece sobre as transformações do P em solos adubados com esterco bovino e torta de filtro, particularmente com a torta. Do conhecimento destas transformações e dos seus reflexos na disponibilidade de P podem ser recomendadas estratégias de manejo que melhorem o aproveitamento do P dos adubos, o que está associado ao aumento da sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Visando ao conhecimento das formas e transformações do P em solos adubados com esterco bovino e torta de filtro, partiu-se, no presente estudo, das hipóteses: 1. A distribuição do P aplicado entre as formas de P existentes no solo é diferente em função da aplicação de esterco bovino e torta de filtro, e dependente do tipo de solo. 2. Da adição de quantidades iguais de P via adubos minerais e orgânicos resultam quantidades diferentes de P disponível, com vantagem para os adubos orgânicos. 3. A aplicação de adubos orgânicos mantém maior quantidade de P disponível, por mais tempo, em relação aos fertilizantes fosfatados solúveis. Os objetivos com o presente trabalho foram: comparar os efeitos da adubação com esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo nas formas orgânicas e inorgânicas de P em função do tempo de contato solo-adubo, e estabelecer relações entre as formas de P e o P disponível. 3 2. REVISÃO DE LITERATURA O P é um macronutriente cuja aplicação é essencial para que haja produção satisfatória das espécies cultivadas em solos de regiões tropicais. Esse nutriente tem sido muito estudado, pois apresenta problemas de baixa disponibilidade para as plantas e, por outro lado, de excesso no ambiente, dependendo do solo e do agroecossistema. A baixa disponibilidade acarreta deficiência e diminuição do rendimento das culturas e o excesso pode causar eutrofização das águas. Estes aspectos justificam que se façam pesquisas para encontrar equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e a produção agrícola. Outro fato crucial sobre o P é que os fertilizantes fosfatados minerais derivam das rochas fosfatadas (apatitas, fluorapatitas, etc.), que são um recurso não renovável e finito (CADE-MENUN; LIU, 2015). Portanto, são necessários o uso racional e a adoção de práticas que maximizem a eficiência e diminuam a necessidade de aplicação dos fertilizantes fosfatados. Nos solos de regiões tropicais, o comportamento do P é complexo, pois a maior parte desses solos possui, naturalmente, baixa disponibilidade e conteúdo de P, devido ao fato de serem solos altamente intemperizados, ricos em óxidos de Fe e Al na fração argila e que perderam boa parte do P derivado do material de origem. Walker e Syers (1976) estabeleceram um modelo de transformações das formas e quantidades de P dos solos em função do tempo, ao longo da pedogênese (Figura 1). No início do processo de formação do solo, todo o P advém do material de origem, já que a deposição atmosférica é mínima. Dessa maneira, no início da formação do solo ocorre a maior disponibilidade de P, pois as reservas de P do material de origem estão intactas e o solo não passou por processos de perda significativos. Com o passar do tempo, há formação da matéria orgânica no solo e, consequentemente, o surgimento das formas orgânicas de P, ou P orgânico (Po). Simultaneamente, a fração argila vai sendo formada, e parte do P pode ser adsorvida aos óxidos de Fe e Al, CaCO3 e minerais de argila (FONTES; WEED, 1996), formando a fração P não ocluído e ocluído. O P não ocluído pode sofrer dessorção e voltar para a solução do solo, já o P ocluído dificilmente volta à solução, 4 é considerado indisponível. Neste momento, a disponibilidade ainda é alta, apesar da atuação dos processos de perda, pois ainda há reserva de P nos minerais primários e o P não ocluído pode voltar à solução do solo. No estágio final, chamado de fase estacionária terminal, as reservas de P dos minerais primários se esgotaram, e todas as outras formas que compõem o P total (Po, P ocluído e não ocluído) diminuíram. Nesse estágio, o P ocluído e as formas recalcitrantes do Po compõem praticamente todo o P do solo, pois o P das frações mais lábeis foi perdido, mineralizado, absorvido ou estabilizado em formas menos disponíveis. Nesse instante a disponibilidade de P para as plantas é muito baixa, assim como a perda de P, visto que todo o P encontra-se fortemente retido a fase sólida solo e não há mais a reserva dos minerais primários (Figura 1). Figura 1. Modelo de transformação das formas de P durante a pedogênese. Adaptado de Walker e Syers (1976). Os latossolos e argissolos são os tipos de solo de maior ocorrência no Estado de São Paulo (OLIVEIRA et al., 1999). Pode-se supor que na maior parte dos latossolos e argissolos das regiões tropicais do Brasil, o P do solo se encontre na fase estacionária terminal definida por Walker e Syers (1976) (Figura 1), pois são solos bem desenvolvidos, cujas reservas de P dos minerais primários se esgotaram e a maior parte do P está presente em formas pouco disponíveis. Estes solos apresentam predomínio de óxidos de Fe e Al (óxidos, hidróxidos e oxi-hidróxidos de Fe e Al) e caulinita na fração argila. Esses minerais conferem ao solo alta 5 capacidade de retenção do P. Dessa forma, a maior parte do P desses solos encontra-se fortemente retida a fase sólida mineral e em formas orgânicas. A capacidade de adsorção de P decorrente da presença de óxidos de Fe e Al na fração argila do solo é alta, pois na superfície desses minerais formam-se sítios de adsorção específica. A adsorção do fosfato ocorre nos grupos OH da superfície dos óxidos, por troca de ligantes (Figura 2), deixando a maior parte do P fortemente retido a fase sólida, com concentrações baixas na solução do solo (TORRENT, 1997). Do ponto de vista da qualidade da água, trata-se de uma característica desejável, pois a lixiviação de P é muito limitada. Porém, quanto a fertilidade do solo, o processo torna o P um nutriente limitante à produção das culturas, pois apenas uma pequena parte do P encontra-se disponível para as plantas. Figura 2. Formação de complexos mononuclear (esquerda) e binuclear (direita) entre o fosfato e óxido de Fe (TORRENT, 1997). Além da adsorção, o P pode sofrer precipitação, formando fosfatos de Fe, Al e Mn, sendo, em seguida, retido à superfície dos (hidr)óxidos de Fe e Al, podendo sofrer oclusão nesses minerais. O P ocluso compreende o P retido dentro da matriz do mineral após penetração por difusão, ou incorporado durante a formação de revestimentos e concreções dos (hidr)óxidos de Fe e Al durante o processo contínuo de formação dos minerais (EVAN; SYERS, 1971). Operacionalmente, o P ocluso é 6 aquele liberado, no fracionamento do Pi do solo, após a dissolução dos óxidos, e inclui, não apenas o P ocluído, mas também o P fortemente adsorvido que não foi solubilizado pelos extratores anteriores (CHANG; JACKSON, 1957). Existem diferentes formas de P ligadas aos óxidos de Fe e Al, que diferem também na disponibilidade para as plantas. A força de ligação depende da estrutura e cristalinidade desses minerais, do tipo de grupos OH na superfície dos cristais e da superfície específica (TORRENT, 1997). Devido às diferenças na solubilidade, as plantas aproveitam de maneira diferente o P ligado a esses minerais. Aparentemente, o P ligado aos minerais de Al apresenta maior disponibilidade e maior correlação com os índices de P disponível (SHEN et al., 2004). Porém, algumas plantas podem diferir quanto à eficiência em absorver formas de P ligadas a Fe ou a Al (OTANI; AE; TANAKA, 1996). Vários fatores podem atuar na dinâmica e no equilíbrio entre as formas de P do solo, como adição de P via fertilizantes de origem mineral, adubações orgânicas, sistema de cultivo, cultivo de adubos verdes e plantas de cobertura, bem como qualquer prática que apresente impacto no teor de carbono orgânico do solo. O equilíbrio entre as formas de P do solo ocorre de forma complexa, podendo atuar como drenos ou fontes de P para as plantas, dependendo das condições edáficas e particularidades das plantas (KASHEN; AKINREMI; RACZ, 2004; ABDI et al., 2014; SCHNEIDER et al., 2016). Entre os processos que governam a disponibilidade de P para as plantas estão a dessorção e a dissolução do P inorgânico, e a mineralização do P orgânico. Ou seja, processos que devolvem o P a solução do solo (FEKRI; GORGIN; SADEGH, 2011). O P que retorna a solução pode ser utilizado pelas plantas, precipitado com íons Fe e Al, adsorvido aos coloides do solo, ou imobilizado pelos microrganismos. O P adsorvido, à medida que sua ligação com os coloides envelhece e a energia de ligação aumenta, pode passar a formas menos lábeis. Da mesma forma, o P absorvido pelos microrganismos do solo pode ser mineralizado e voltar à solução do solo, ou pode passar a constituinte da matéria orgânica em diferentes graus de estabilidade (NEGASSA; LEINWEBER, 2009). As transformações entre as formas ocorrem através de processos dinâmicos influenciados por vários fatores e podem ser avaliadas por meio de fracionamentos 7 químicos (BLAKE et al., 2003), e técnicas espectroscópicas avançadas como ressonância magnética nuclear (RMN) e absorção de raio-X (XANES) (KRUSE et al., 2015). Os fracionamentos químicos consistem na extração sequencial, empregando diversas soluções extratoras com forças de extração diferentes. Cada extrator recupera uma fração de P que está relacionada com sua força de extração e sua posição na sequência dos extratores. Um esquema de fracionamento comum é o proposto por Hedley, Stewart e Chauhan (1982). Com o esquema destes autores as frações de Pi e de Po são separadas por extração sequencial com os seguintes extratores: resina trocadora de ânions, soluções de NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 com dispersão por ultrassom, HCl 1,0 mol L-1, e digestão com H2SO4 concentrado e H2O2. Outra forma mais detalhada de estudar as frações do P orgânico e inorgânico foi proposta por Zhang e Kovar (2009), empregando dois esquemas de fracionamento, um para o Pi e outro para o Po. Nesses esquemas, a determinação de formas de Pi e Po é realizada separadamente, o que não é feito no método proposto por Hedley, Stewart e Chauhan (1982). Usando os fracionamentos de Pi e Po em separado é possível avaliar as frações residual orgânica e inorgânica isoladamente, assim como o Pi ligado ao Fe, o Pi ligado ao Al e o Pi ocluso e, no conjunto das formas orgânicas, o Po em ácidos fúlvicos e em ácidos húmicos, resultando em informação mais detalhada das formas orgânicas e inorgânicas do P. O detalhamento do Po é particularmente importante porque o Po associado aos ácidos fúlvicos é considerado moderadamente lábil e o Po-ácidos húmicos é considerado não lábil. No esquema proposto por Zhang e Kovar (2009) é utilizado, basicamente, o método de fracionamento do Pi proposto por Chang e Jackson (1957), que separa o Pi nas formas solúvel, ligada a Al e a Fe, oclusa e ligada a Ca. O Po é fracionado pelo método descrito por Ivanoff, Robinson e Reddy (1998), que detalha as formas de Po de acordo com a solubilidade e as frações da matéria orgânica às quais estão associadas. Esse esquema fornece informações mais detalhadas das frações oclusas e residuais do Pi e Po, que são particularmente importantes em solos altamente intemperizados (WALKER; SYERS, 1976). Deste modo, é possível ter melhor caracterização das formas e da solubilidade do P destes solos. 8 Como cada extrator recupera formas de P com labilidades diferentes, é possível obter a quantidade de P fixada e disponível, de modo que seja possível indicar o manejo que proporcione menor fixação de P e maior disponibilidade às plantas. A avaliação da dinâmica das formas de P também pode indicar quais os principais processos e formas de P em cada solo (Figura 3), sendo que são esses processos que definem a disponibilidade de P do solo. Figura 3. Modelo das transformações e balanço das formas de P do solo que são avaliadas pelo fracionamento químico do P orgânico e inorgânico. Outra maneira de avaliar as formas de P orgânico do solo, que tem sido amplamente empregada em estudos com P nas últimas duas décadas, é a espectroscopia por ressonância magnética nuclear (RMN) do 31P em solução. Cada átomo de P em qualquer estrutura (ligação) química resulta em um sinal específico na RMN 31P. A posição de cada sinal (em relação a um padrão externo) no espectro da RMN é chamada desvio químico, e é medida através da densidade eletrônica em torno do átomo de P. Os desvios químicos de vários compostos de Po e Pi de importância ambiental e agronômica já foram definidos em trabalhos anteriores (TURNER et al., 2004; CADE-MENUN, 2015), tornando possível a identificação de 9 formas específicas de Po e Pi. A integral de cada sinal do espectro é proporcional à quantidade da forma de P específica da amostra, o que permite, com esta técnica, identificar e quantificar várias espécies e compostos de P em amostras de solo (KRUSE et al., 2015). Dessa forma, a RMN pode quantificar as formas de Po extraídas em solução alcalina em grupos de espécies como ortofosfato, monoésteres, diésteres, fosfonatos e polifosfatos. Essas formas incluem as moléculas de DNA, RNA, pirofosfato, fosfolipídios, fitatos, fosfatos de inositol, açúcares fosfatados, polifosfatos orgânicos e inorgânicos. Cada espécie apresenta importância relativa para a ciclagem de P pelos microrganismos do solo e para a absorção de P pelas plantas (TURNER; ENGELBRECHT, 2011). Entre os fatores que interferem nas formas e dinâmica do P do solo tem-se a adubação fosfatada. Ao adicionar P ao solo, cria-se um desequilíbrio entre as formas à medida que o P aplicado passa a reagir com os diversos constituintes orgânicos e minerais do solo. A magnitude das alterações nas várias formas de P do solo decorrente da adubação depende do tipo de adubo (KASHEN; AKINREMI; RACZ, 2004) e do tipo de solo, de modo que adubações com fertilizantes orgânicos apresentam impacto nas formas de P diferente de adubações com fertilizantes minerais. As adubações, de modo geral, aumentam a quantidade de fosfato na solução do solo que, por sua vez, pode ser adsorvido aos coloides do solo, precipitado junto a íons Fe, Al, Mn e Ca, ou absorvido pelas plantas ou microrganismos. O P adsorvido aos coloides minerais do solo pode, à medida que a ligação entre o P e os sítios de adsorção torna-se mais estável, ter sua disponibilidade restringida. Da mesma forma, o P absorvido pelas plantas e microrganismos pode voltar à solução do solo através da mineralização dos restos culturais e quebra das células microbianas ou ser incorporado nas frações mais estáveis da matéria orgânica, tornando-se indisponível às plantas. A disponibilidade do P após a aplicação de resíduos orgânicos pode ser influenciada pelas características químicas e microbiológicas do solo, pela composição do resíduo, pelas formas de P existentes no resíduo e pelos processos fisiológicos que ocorrem na rizosfera (WALDRIP; HE; ERICH, 2011). Isso torna a 10 transformação do P um processo complexo e, ainda, dependente do tempo decorrido após a aplicação do adubo. Se há predomínio de Pi no resíduo, pode-se admitir comportamento semelhante ao da adição de adubos fosfatados solúveis, ou seja, parte do P pode ser rapidamente solubilizado e adsorvido, passando a P-lábil e, com o tempo, pode haver conversão lenta de P-lábil em P-não lábil (NOVAIS et al., 2007). Por outro lado, se há predomínio de Po no resíduo orgânico, as formas orgânicas presentes e a relação C/P definirão o balanço imobilização/mineralização. Nos adubos com relação C/P menor que 200:1 há predomínio de mineralização de P, de 200:1 a 300:1 há equilíbrio entre mineralização e imobilização, e relações maiores que 300:1 implicam em imobilização. Como, de modo geral, nos resíduos orgânicos há a presença simultânea de Pi e Po, as transformações do P em relação ao tempo e os reflexos no P disponível são mais difíceis de prever. Entre os vários resíduos orgânicos que podem ser usados como fonte de P tem-se a torta de filtro, que é obtida do processo de fabricação de açúcar. Este resíduo orgânico é totalmente reutilizado pelas indústrias nas áreas de plantio de cana e a quantidade gerada no processo industrial é alta: para cada tonelada de cana moída são produzidos de 25 a 35 kg de torta, com umidade aproximada de 70% (VITTI; OLIVEIRA; QUINTINO, 2006). O teor de P da torta varia de 4 a 12 g kg-1 em base seca, de acordo com a matéria-prima e com o processo industrial do qual ela é originada (SANTOS et al., 2011). A maior parte do P da torta está na forma orgânica e precisa passar por mineralização para ser disponibilizada para as plantas (SANTOS et al., 2011). O alto teor de P em formas orgânicas, somado ao alto teor de C-orgânico, pode resultar em alteração na dinâmica do P em áreas tratadas com esse resíduo, levando ao aumento de disponibilidade. Outro adubo orgânico, disponível em grande parte dos locais de produção agrícola, e com bom potencial de fornecimento de P, é o esterco bovino. A adubação com esterco aumenta o teor de Po em formas moderadamente lábeis, que podem representar reservas importantes de P em longo prazo (BECK; SANCHEZ, 1994; HAO; GODLINSKI; CHANG, 2008). Esse aumento ocorre junto ao do P disponível, do C orgânico e do aproveitamento de P pelas culturas após a mineralização destas 11 formas devido ao aumento da atividade microbiana (ZHAO et al., 2009). No esterco bovino, ao contrário do que se acredita em relação à torta de filtro, mais de 70% do P total está em formas inorgânicas (DARCH et al., 2014). A adubação mineral não causa alterações significativas no Po, aumentando principalmente as frações lábeis de Pi em curto prazo e as frações moderadamente lábeis e não lábeis de Pi em longo prazo (KASHEN; AKINREMI; RACZ, 2004; TAKASHI; ANWAR, 2007). No entanto, em solos com baixa disponibilidade de P, o conteúdo pequeno de Pi lábil parece alterar as frações de Po lábil, principalmente o Po associado a biomassa microbiana (KUNITO et al., 2012). Nesses casos, a adubação mineral pode causar efeitos significativos nas frações do Po lábil, pois o teor baixo de P disponível também limita o desenvolvimento dos microrganismos do solo (OEHL et al., 2001). No Brasil, resíduos como a torta de filtro e o esterco bovino já foram bastante estudados quanto à resposta das culturas a adubação (SILVA et al., 2010; SANTOS et al., 2011). Porém, estudos aprofundados sobre as alterações nas formas e na dinâmica do P em solos adubados com estes resíduos são escassos. 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Coleta e caracterização dos solos Foram coletadas amostras de dois solos, na camada de 0 a 20 cm, um Latossolo Vermelho (argiloso), em área de cultivo de seringueira, em Jaboticabal- SP, na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, e um Argissolo Vermelho- Amarelo (arenoso), em área de cultivo de mangueira, em Monte Alto-SP. Em ambas as situações o solo foi coletado nas entrelinhas das culturas. As amostras foram secas ao ar, destorroadas e peneiradas (4 mm). Do volume total coletado foi obtida amostra que foi passada em peneira de 2 mm para determinação dos atributos químicos (Tabela 1), segundo métodos descritos em Raij et al. (2001). Na mesma amostra foi determinada a granulometria e os teores de óxidos (Tabela 2), conforme método descrito em Camargo et al. (2009). 12 Tabela 1. Atributos químicos dos solos utilizados no experimento. Solo1 P MO pH K+ Ca2+ Mg2+ H + Al SB CTC V B Cu Fe Mn Zn mg dm-3 g dm-3 CaCl2 --------------mmolc dm-3 -------------- % -------- mg dm-3 -------- LV 6 25 5,1 1,8 22 14 26 38 64 59 0,22 3,1 11 89 0,4 PVA 13 26 4,2 4,2 11 6 34 21 55 38 0,24 3,8 177 40 0,9 1 LV: Latossolo Vermelho; PVA: Argissolo Vermelho Amarelo. Tabela 2. Granulometria e teores de óxidos dos solos utilizados no experimento. Solo1 Al-ox2 Fe-ox Al-DCB Fe-DCB Areia Silte Argila Classe textural ------------------------- g kg-1 ----------------------- LV 3,9 2,3 7,0 44,6 450 110 440 argiloso PVA 1,7 7,6 3,7 8,1 840 40 120 arenoso 1 LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho Amarelo arenoso. 2Al-ox: alumínio extraído com solução de oxalato ácido de amônio; Fe-ox: ferro extraído com solução de oxalato ácido de amônio; Al-DCB: alumínio extraído com solução de ditionito, citrato e bicarbonato; Fe-DCB: ferro extraído com solução de ditionito, citrato e bicarbonato. 3.2 Coleta e caracterização dos adubos O esterco utilizado no experimento foi coletado no Setor de Bovinocultura de Leite da FCAV (Jaboticabal-SP). O material coletado passou por processo de estabilização de aproximadamente 6 meses. A torta de filtro foi coletada em usina de açúcar da região, na forma in natura. Os dois adubos orgânicos foram secos, peneirados (4 mm) e amostrados para determinação dos atributos químicos. O pH foi determinado em água (BRASIL, 2013); C e N por combustão seca em equipamento LECO® C/N628; P total em extrato de digestão nítrico-perclórica (CARMO et al., 2000); hemicelulose, celulose e lignina pelo método descrito por Van Soest et al. (1991). Os resultados estão apresentados na Tabela 3. Tabela 3. Atributos e composição química dos adubos orgânicos. Adubo pH² C N P hemicelulose celulose lignina C/N C/P Lig/N ----------------------- g kg-1 ----------------------- Esterco bovino 7,4 366 33 9,5 110 280 172 11 38 5 Torta de filtro 6,3 337 22 8,7 230 247 89 15 39 4 13 A caracterização das formas de P nos adubos foi realizada por meio do fracionamento químico e da espectroscopia por ressonância magnética nuclear (RMN) do 31P em solução. O fracionamento químico foi feito seguindo o procedimento descrito em Dou et al. (2000), empregando extração sequencial com os extratores: água deionizada e soluções de NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 e HCl 1,0 mol L-1. O tempo de extração de cada fração foi de 1 hora e a relação adubo:solução extratora foi 1:100 (m:v). O sedimento resultante da última extração foi submetido à digestão nítrico- perclórica para determinação do P residual, mesmo procedimento que foi usado na determinação do P total. Nos extratos água deionizada, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1 e HCl 1,0 mol L-1, foram determinados o Pi e o P total, e o Po foi calculado pela diferença entre ambos. O P total foi determinado após digestão do extrato com persulfato de potássio (K2S2O8). A quantificação de Pi e Pt nos extratos foi feita segundo Murphy e Riley (1962). Os resultados estão na Tabela 4. Tabela 4. Formas de P inorgânico e orgânico determinadas por fracionamento químico em amostras de esterco bovino e torta de filtro. Adubo H2O1 NaHCO3 NaOH HCl HClO4 Pi Po Pi Po Pi Po Pi Po P res ---------------------------------------------- mg kg-1 ------------------------------------------ Esterco bovino 1.784 128 2.971 337 995 489 2.144 408 1.058 Torta de filtro 1.587 165 3.108 421 1.222 286 1.681 83 835 --------------------------------------------------- %2 ----------------------------------------------- Esterco bovino 17 1 29 3 10 5 21 4 10 Torta de filtro 17 2 33 4 13 3 18 1 9 1Quantidades de P inorgânico (Pi) e orgânico (Po) solúveis em água, NaHCO3 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1, HCl 1,0 mol L-1, e HClO4+HNO3. 2 Porcentagem em relação ao P total (soma de todas as formas apresentadas na tabela) A caracterização do Po das amostras de esterco e torta de filtro por espectroscopia por RMN de 31P em solução foi realizada no Instituto de Química/Unes, Araraquara-SP, após extração empregando o método descrito em Turner e Leytem (2009). As formas de P foram extraídas com solução de NaHCO3 0,5 mol L-1 (relação adubo:solução extratora de 1:10), o extrato foi filtrado e uma alíquota de 15 mL foi retirada. A alíquota foi acidificada até pH 4,0 para evitar desprendimento excessivo de gás na etapa de liofilização. No resíduo resultante da extração com NaHCO3 foi realizada uma segunda extração com soluções de NaOH 14 e EDTA 0,25 e 0,05 mol L-1, respectivamente. O extrato obtido foi filtrado como na etapa anterior, mas não foi acidificado. Por fim, ambos os extratos foram liofilizados e o material seco resultante foi quebrado suavemente até tornar-se um pó fino. Aproximadamente 60 mg do pó foram pesados e transferidos para tubo de 2,5 mL e, em seguida, foi adicionado 0,6 mL de mistura contendo solução de NaOH-EDTA (1,0 e 0,1 mol L-1, respectivamente) e D2O (óxido de deutério) em razão 9:1. A mistura foi transferida para tubo de RMN e analisada no espectrômetro de RMN. Os espectros foram analisados por meio do programa MestReNova, e com base nos dados da Tabela 5, calcularam-se as formas de Po nos extratos por integralização. Os resultados obtidos estão na Tabela 6. Tabela 5. Designação dos sinais do espectro obtido através de RMN do 31P em solução, para extratos alcalinos de solos e de adubos orgânicos (extraído de TURNER et al., 2003). Grupo funcional ou composto Sinal(is) Compostos incluídos Fosfonatos 18 a 22 ppm Ácido 2-aminoetilfosfônico Ortofosfato 6,1 ppm Ortofosfato inorgânico Fosfato monoésteres Mio-inositolhexaquifosfato (4,6; 4,8; 5,0; 5,9 ppm), cilo-inositolhexaquifosfato (4,2 ppm), outros inositol fosfatos, açúcares fosfatados, mononucleotídeos Fosfato diésteres -1,0 a 2,5 ppm DNA (-0,5 ppm), fosfolipídios (0,5 a 2,0 ppm) Pirofosfatos -4,4ppm Polifosfatos -4,0ppm (grupos finais) -18 a -23 ppm (grupos intermediários) Polifosfatos de cadeia longa Polifosfatos orgânicos -4,3ppm (γ-fosfato) -9,7ppm (α-fosfato) -19,7ppm (β-fosfato) Adenosina difosfato, adenosina trifosfato Tabela 6. Formas de P orgânico determinadas por ressonância magnética nuclear do 31P em solução. Adubo NaHCO3 NaOH Orto-P1 Monoes-P Diester-P Orto-P Monoes-P Diester-P Piro-P ------------------------------------------- mg kg-1 ------------------------------------------- Esterco bovino 2.844 66 29 7.247 679 77 99 Torta de filtro 2.580 196 22 5.963 804 62 104 ----------------------------------------------- % ----------------------------------------------- Esterco bovino 25,8 0,6 0,3 65,6 6,1 0,7 0,9 Torta de filtro 26,5 2,0 0,2 61,3 8,3 0,6 1,1 1Orto-P, Monoes-P, diester-P, piro-P, correspondem à de P na forma de ortofosfato, monoéster, diéster e pirofosfato nos extratos de NaHCO3 e NaOH. 15 3.3 Delineamento experimental O experimento foi conduzido seguindo esquema fatorial combinando os fatores solo (LV e PVA) x adubo (controle e 100 mg dm-3 de P aplicados nas formas de esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo) x tempo de contato entre solo e adubo (15, 45, 90 e 180 dias). Foi utilizado delineamento inteiramente ao acaso com quatro repetições, totalizando 128 parcelas. 3.4 Experimento em casa de vegetação Amostras de cada solo com massa equivalente a 3,2 dm3 (4,090 kg do LV e 4,510 kg do PVA) foram pesadas e transferidas para sacos de plástico. Em seguida foi adicionada a cada amostra carbonato de cálcio e hidroxicarbonato de magnésio puros em quantidade para elevar a saturação por bases das amostras para 70%. No cálculo foram levados em consideração o resultado da análise de solo, o volume de solo do vaso e a proporção Ca:Mg de 3:1. Após a adição da mistura corretiva, os solos foram transferidos para vasos com capacidade para 3,3 dm3, umedecidos a 60% da capacidade de retenção de água e colocados para incubar em casa de vegetação. As datas de início da incubação foram 22 e 23 de março de 2015 e o término 30 dias após o início, suficiente para a reação do corretivo com o solo. Após o término da incubação com os corretivos de acidez, o solo foi retirado dos vasos, seco, passado por peneira de 4 mm e colocado em sacos de plástico, nos quais foi feita a mistura com os fertilizantes (esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo), por agitação do conteúdo. A dose de P aplicada em todos os tratamentos com P foi de 100 mg dm-3. Para conversão desta dose de P em esterco bovino ou torta foi usado o teor de P total dos adubos e, no caso do superfosfato triplo, o cálculo foi baseado no P solúvel em citrato neutro de amônio + água (CNA) (Tabela 7). Tabela 7. Concentrações de P nos fertilizantes e doses avaliadas de cada produto no experimento em vasos. Adubo P no fertilizante P aplicado mg g-1 de P mg dm-3 g/vaso Esterco bovino 9,55 100 33,52 Torta de filtro 8,73 100 36,66 Superfosfato triplo 196,401 100 1,63 1 45% P2O5 solúvel em citrato neutro de amônio + água (CNA). 16 Após a mistura dos adubos com o solo, o solo tratado foi novamente transferido para os vasos, reumedecido a 60% da capacidade de retenção de água, e colocado para incubar pela segunda vez em casa de vegetação. No dia 28 de abril de 2015 foi iniciada a incubação do solo das parcelas correspondentes ao tempo de incubação de 180 dias. As parcelas correspondentes aos tempos 90, 45 e 15 dias foram incubadas a partir de 23 de julho, 02 de setembro e 28 de setembro, respectivamente. Deste modo, o término da incubação das parcelas correspondentes aos tempos 15, 45, 90 e 180 dias ocorreu em datas próximas, com intervalo de 4 dias entre o término de incubação de cada conjunto de amostras, que foi o mínimo necessário para que fossem feitos o preparo e a coleta das amostras de solo. Durante o tempo de incubação dos solos, os vasos foram mantidos cobertos com papel e o solo foi irrigado três vezes por semana, de modo a manter a capacidade de retenção de água próxima aos 60%. Após a conclusão do tempo de incubação, o solo foi retirado dos vasos, homogeneizado e espalhado sobre plástico para secar. Depois de seco, o solo foi passado por peneira de 4 mm, homogeneizado e amostrado (cerca de 0,4 dm3) para posterior análise dos atributos químicos e fracionamento do P. Foram transferidos, novamente, 2,8 dm3 de solo tratado para os vasos, para condução do experimento com plantas de milho. No dia 16 de dezembro de 2015 o solo dos vasos (repetição 1) foi reumedecido a 60% capacidade de retenção de água (LV, 860 mL de água por vaso e PVA, 710 mL de água por vaso), e foram adubados com 100, 20, 1,5 e 0,025 mg dm-3 de N, S, Zn e Mo, respectivamente. Os vasos com as amostras do LV foram também adubados com KCl em quantidade suficiente para igualar o teor de K+ ao do PVA, ou seja, foram adicionados 2,4 mmolc dm-3 (93,8 mg dm-3 de K). O Ca e o Mg foram fornecidos via corretivos de acidez, e os outros micronutrientes (B e Mn) não foram aplicados porque encontravam-se em teores adequados nos dois solos. Logo após o umedecimento dos solos foram semeadas 6 sementes de milho (cv. MG580W) por vaso. Nos vasos das repetições 2, 3 e 4 o umedecimento, a adubação e a semeadura foram feitos nos dias 17, 18 e 19 de dezembro de 2015, respectivamente. 17 A emergência das plantas ocorreu aproximadamente 5 dias após a semeadura. O desbaste foi realizado 7 dias após a emergência das plantas, e foram deixadas 4 plantas por vaso. Depois de 22 dias da emergência das plantas, foi feita adubação em todos os vasos com 100 mg dm-3 de N na forma de ureia, em solução. A colheita das plantas foi feita aos 38 dias após a emergência, cortando-se a parte aérea rente ao solo. Da parte aérea das plantas colhidas foram obtidas a produção de matéria seca e a concentração de P no tecido vegetal. 3.5 Análises de solo Nas amostras de solo coletadas após o período de incubação com os adubos foram determinados: o valor de pH em solução de CaCl2 0,01 mol L-1, o carbono orgânico total (CO), o P resina (RAIJ et al., 2001) e P total do solo (KUO, 1996). Nas mesmas amostras foram aplicados os fracionamentos químicos de P inorgânico e P orgânico seguindo os métodos descritos por Zhang e Kovar (2009). Neste esquema de fracionamento o P inorgânico é separado em cinco frações: P solúvel e fracamente retido (Pi-NH4Cl), P ligado ao Al em minerais de baixa cristalinidade ou fracamente adsorvido (Pi-NH4F), P ligado ao Fe em minerais de baixa cristalinidade ou fracamente adsorvido (Pi-NaOH), P ocluso ou adsorvido com elevada energia de ligação em minerais de Fe e Al cristalinos (Pi-DCB) e P ligado ao Ca (Pi-H2SO4). O P orgânico, por sua vez, é fracionado em seis frações: Po lábil (Po-NaHCO3), Po da biomassa microbiana (Po-bio), Po-HCl, Po dos ácidos fúlvicos (Po-AF), Po dos ácidos húmicos (Po-AH) e Po residual (Po-res). 3.5.1 Fracionamento do P inorgânico No fracionamento do Pi foram adotados os seguintes procedimentos: a) Pi solúvel e fracamente adsorvido: 0,5 g de solo seco e peneirado (2 mm) foi transferido para tubo de centrífuga, ao qual foram adicionados 25 mL de solução de NH4Cl 1,0 mol L-1; a suspensão foi submetida a agitação por 30 min seguida de centrifugação, e o sobrenadante foi destinado a análise da concentração de P (extrato A). b) Pi-Al: o sedimento da extração anterior foi ressuspendido em 25 mL de solução de NH4F 0,5 mol L-1 (pH 8,2), a suspensão foi submetida a agitação por 60 min e, em seguida, centrifugada. O sobrenadante foi destinado a determinação da 18 concentração de P (extrato B). O sedimento foi submetido a lavagem com 15 mL de solução saturada de NaCl, por meio de agitação, centrifugação e descarte do sobrenadante. c) Pi-Fe: o sedimento da extração anterior foi ressuspendido com 25 mL de solução de NaOH 0,1 mol L-1. A suspensão permaneceu sob agitação por 17 horas, e então foi centrifugada. O sobrenadante foi destinado a determinação da concentração de P (extrato C), seguindo-se lavagem do resíduo, conforme descrito na etapa anterior. d) Pi-ocluso: o sedimento da extração anterior foi ressuspendido em 20 mL de solução de Na3C6H5O.2H2O (citrato de sódio dihidratado) 0,3 mol L-1 + 2,5 mL de solução de NaHCO3 1,0 mol L-1 e mantido por 15 min em banho-maria a 85°C. Em seguida foi adicionado 0,5 g de Na2S2O4 (ditionito de sódio) e a suspensão foi agitada vigorosamente. As amostras foram mantidas no banho por mais 15 min, e então centrifugadas. O sobrenadante foi transferido para balão volumétrico de 100 mL (extrato D) e o sedimento foi lavado duas vezes conforme descrito anteriormente, mas a solução de lavagem foi, neste caso, somada ao extrato D no balão volumétrico. e) Pi-Ca: o sedimento da extração anterior foi ressuspendido em 25 mL de solução de H2SO4 0,25 mol L-1, a suspensão foi submetida a 60 min de agitação e então centrifugada. O sobrenadante foi destinado a determinação da concentração de P (extrato E). Na determinação da concentração de P foi transferida alíquota contendo de 2 a 40 µg de P (5 mL, independentemente do extrato A, B, C, D ou E) para balões volumétricos de 25 mL. Em cada balão foram adicionados 5 mL de água deionizada. Ao extrato B foram adicionados 7,5 mL de solução de H3BO3 0,8 mol L-1. Nos extratos C e E foram adicionadas cinco gotas de ρ-nitrofenol e o pH foi ajustado adicionando, respectivamente, solução de HCl ou de NaOH 2,0 mol L-1, até a mudança de cor do indicador. As concentrações de P foram determinadas utilizando o método do azul de molibdênio (MURPHY; RILEY,1962). 3.5.2 Fracionamento do P orgânico O fracionamento do Po foi feito conforme os procedimentos descritos a seguir: 19 a) Po NaHCO3: amostras em duplicata de 0,5 g de solo seco e peneirado (abertura de malha 2 mm) foram transferidas para tubos de centrífuga. Em um tubo foram adicionados 25 mL de solução de NaHCO3 0,5 mol L-1, a suspensão foi agitada por 6 horas e, em seguida, centrifugada. O sobrenadante foi destinado a determinação da concentração de P, e o sedimento foi reservado para as extrações subsequentes. Nesse extrato foram determinados o Pi e o P total. Para determinação do Pi foi transferida alíquota de 5 mL do sobrenadante para balão volumétrico de 25 mL, ao qual foram adicionadas 2 gotas de ρ-nitrofenol. O pH da solução foi ajustado com solução de HCl 2,0 mol L-1 ou de NaOH 2,0 mol L-1 até mudança de cor do indicador. A concentração de P foi determinada seguindo o método de Murphy e Riley (1962). A determinação do P lábil total foi realizada no mesmo extrato do Pi lábil, após digestão com K2S2O8 (persulfato de potássio). Foi transferida alíquota de 10 mL do extrato para tubo de digestão, em seguida, 3 mL de solução de H2SO4 2,5 mol L-1 e 0,5 g de K2S2O8 com medida calibrada. A digestão foi feita em bloco aquecedor a 150°C por 20 a 30min, com aumento gradual da temperatura. Após o término da digestão, a amostra foi resfriada e transferida para balão volumétrico de 50 mL. O ajuste do pH da solução e a determinação da concentração do P lábil total foram realizados seguindo os mesmos procedimentos descritos para o Pi lábil. A concentração do Po lábil foi obtida pela diferença entre o P lábil total e o Pi lábil. No outro tubo de centrífuga contendo 0,5 g de solo foi determinado o P associado a biomassa microbiana do solo, após fumigação. As amostras de solo foram tratadas com 1 mL de CHCl3 livre de etanol. Os tubos foram destampados, cobertos com papel absorvente e deixados em capela por 24 h. Ao término desse período foram adicionados 25 mL de solução de NaHCO3 0,5 mol L-1 e o P foi extraído e determinado da mesma forma que o P lábil total. A diferença entre o P lábil fumigado e o P lábil total forneceu a medida do P da biomassa microbiana. b) Po HCl: para o tubo com o sedimento reservado da etapa anterior foram transferidos 25 mL de solução de HCl 1 mol L-1 e, em seguida, o sedimento foi ressuspendido e a suspensão foi agitada por 3 horas. Após a agitação, as amostras foram centrifugadas e o sobrenadante foi destinado a determinação da concentração de P. O sedimento foi lavado com 10 mL de água deionizada, 20 empregando agitação por 5 min, centrifugação e descarte da solução sobrenadante. O sedimento foi reservado. Na determinação do Pi e do P total neste extrato foram utilizados os mesmos procedimentos descritos na determinação do Po lábil. A concentração do Po HCl foi obtida por diferença entre o P total e o Pi. c) Po ácidos fúlvicos e húmicos: o sedimento resultante da etapa anterior foi ressuspendido com 25 mL de solução de NaOH 0,5 mol L-1 e a supensão foi agitada por 3 h. No final do tempo de extração, a amostra foi centrifugada e o sobrenadante foi destinado a determinação da concentração de P. O sedimento foi lavado com 10 mL de água deionizada, centrifugado, o sobrenadante foi descartado e o sedimento foi transferido para uma cápsula de porcelana, seco e então reservado para a próxima extração. O extrato contém parte do Po moderadamente lábil (Po-ácido fúlvico) e do Po não lábil (Po-ácidos húmicos e nele foi determinada a concentração do P total conforme descrito nas etapas anteriores (Po ácidos fúlvicos e húmicos). Para separar o Po ácido fúlvico do húmico, do mesmo extrato foi retirada uma alíquota, a qual foi acidificada para pH 1,0 a 1,5 com HCl concentrado. Neste pH, os ácidos húmicos precipitam, e os ácidos fúlvicos permanecem em solução. A amostra acidificada foi centrifugada e o P total do extrato acidificado foi determinado (Po ácidos fúlvicos). O cálculo do Po ácidos húmicos foi realizado por meio da diferença entre o Po ácidos fúlvicos e húmicos e o Po ácidos fúlvicos. d) Po residual: O sedimento da extração anterior que foi transferido para cápsula de porcelana foi mantido em estufa a 65-70oC até secar. O resíduo seco foi incinerado em mufla a 550°C por 60 min, as cinzas foram dissolvidas por meio de agitação com 25 mL de solução de H2SO4 1 mol L-1 por 24 h, e o P em solução foi determinado como descrito anteriormente (P-residual). O Po lábil foi obtido pela soma do Po NaHCO3 e do Po da biomassa microbiana. O Po moderadamente lábil é o resultado da soma do Po HCl e do Po ácidos fúlvicos. Por fim, o Po não lábil é a soma do Po ácidos húmicos e do Po residual. 21 3.5.3 Especiação das formas de P por RMN Na especiação das formas de P por RMN do 31P em solução foram empregadas apenas as amostras incubadas por 180 dias. O método utilizado foi descrito por Turner e Leytem (2009) com algumas modificações. Foram pesados 3 g de solo em tubo de centrífuga, aos quais foram adicionados 30 mL de solução de NaOH-EDTA (0,25 mol L-1 e 0,05 mol L-1, respectivamente) para extração do Po do solo. A suspensão foi agitada por 4 h, centrifugada e filtrada. Uma alíquota do filtrado de 0,5 mL foi transferida para tubo de digestão para determinação do P total, que foi determinada pelo método de Murphy e Riley (1962) após digestão com K2S2O8. Outros 15 mL do filtrado foram transferidos para frasco de 100 mL e congelados em freezer (-20°C) por aproximadamente 24h. Os extratos foram liofilizados por 48h e o extrato seco resultante foi quebrado suavemente até tornar- se um pó fino. Cerca de 60 mg do pó foram pesados em eppendorf de 1 mL e solubilizados com 0,6 mL de solvente formado por mistura (1:9) de óxido de deutério e de solução de NaOH-EDTA (1,0 mol L-1 e 0,1 mol L-1, respectivamente). O extrato foi transferido para tubo de RMN de 5 mm e levado a análise em espectrômetro Varian Inova 300. Para obtenção dos espectros foram utilizados os seguintes parâmetros: frequência do espectrômetro 121,42 MHz, pulso 45º, 2,0 segundos de tempo de atraso (delay time), 0,8 segundos de tempo de aquisição, temperatura da amostra 26°C, e 20.000 varreduras. Os espectros obtidos foram analisados pelo programa MestReNova 8.0. As formas de P foram definidas de acordo com a Tabela 5, e as quantidades de P em cada forma foram obtidas pela integralização dos picos e comparação ao padrão interno (ácido metileno difosfônico). 3.6 Análise das plantas A parte aérea das plantas colhidas no experimento em casa de vegetação foi lavada, seca em estufa a 65-70ºC até peso constante e pesada para obtenção da produção de matéria seca (MS). Após a pesagem as amostras foram moídas, digeridas (via seca) e analisadas para determinação da concentração P no tecido 22 vegetal (CARMO et al., 2000). Com esses resultados, matéria seca e concentração de P, foi feito o cálculo do P total acumulado na parte aérea das plantas (P-ac). 3.7 Análises estatísticas Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e, para avaliar o efeito dos tempos de incubação, à análise de regressão. As diferenças devidas aos solos e às doses de P foram comparadas pelo teste de Tukey (5%). Os resultados da avaliação das formas de Po por RMN foram obtidos para as amostras que foram incubadas por 180 dias, resultando em um esquema fatorial duplo combinando 2 tipos de solo (LV e PVA), adubados com torta de filtro, esterco bovino e superfosfato triplo (100 mg dm-3 de P) mais uma testemunha sem aplicação de P. Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e, para avaliar as diferenças causadas pelos tratamentos, as médias foram comparadas pelo teste de Tukey (5%). As análises foram realizadas usando o programa Agroestat (BARBOSA; MALDONADO Jr., 2015). 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Atributos químicos dos solos Os valores de pHCaCl2 dos dois solos após a incubação com esterco bovino (EB), torta de filtro (TF) e superfosfato triplo (STF) estão na Tabela 8. Foram observados maiores valores de pH nas amostras do LV (argiloso). Em ambos os solos o efeito no valor de pH foi EB=TF>SFT=testemunha. O maior valor de pH nas amostras adubadas com esterco bovino e torta de filtro em relação ao tratamento testemunha ocorreu pelo efeito de neutralização da acidez pelo bicarbonato (no caso do esterco), e pela descarboxilação dos ácidos orgânicos formados durante a decomposição dos resíduos orgânicos (YAN et al., 1996; WHALEN et al., 2000). O tratamento testemunha e o superfosfato triplo não diferiram entre si, pois o SFT é constituído basicamente de Ca(H2PO4)2, que na condição de pH dos solos não é um gerador de H+, e a dose aplicada foi baixa, de modo que não há expectativa de que tenha efeito na acidez do solo. 23 Tabela 8. Atributos químicos do solo em função do tipo de solo, tipo de adubação com fósforo e tempos de incubação. Tratamentos1 pH2 CO P resina P total MS P-abs Solo Adubo Tempo CaCl2 g kg-1 mg dm-3 mg kg-1 g/vaso mg/vaso LV Test T15 5,3 15,0 5 589 2,1 1,7 T45 5,3 14,9 5 571 2,0 1,6 T90 5,3 14,4 5 596 2,1 1,7 T180 5,2 13,8 5 599 2,3 2,2 Média LV Test 5,3 B 14,5 C 5 C 589 C 2,1 B 1,8 B LV EB T15 5,6 16,8 28 649 16,9 19,5 T45 5,7 17,1 31 662 16,8 17,9 T90 5,7 17,1 30 683 13,9 15,5 T180 5,4 16,0 30 649 15,4 19,5 Média LV EB 5,6 A 16,8 A 30 B 660 B 15,8 A 18,1 A LV TF T15 5,7 15,6 27 711 16,7 16,3 T45 5,7 15,8 31 687 14,9 17,0 T90 5,6 15,2 31 695 14,2 15,6 T180 5,4 14,3 27 686 10,2 12,9 Média LV TF 5,6 A 15,2 B 29 B 695 A 14,0 A 15,5 A LV SFT T15 5,3 14,8 33 672 15,7 20,4 T45 5,4 14,6 32 678 16,4 17,0 T90 5,3 14,0 32 681 14,2 16,1 T180 5,2 14,6 32 679 15,0 21,3 Média LV SFT 5,3 B 14,5 C 32 A 677 A 15,3 A 18,7 A PVA Test T15 4,7 12,4 14 207 6,1 8,2 T45 4,6 12,4 14 217 4,5 5,8 T90 4,7 12,5 14 219 6,2 9,0 T180 4,5 12,5 15 213 6,1 8,3 Média PVA Test 4,6 B 12,4 B 14 C 214 B 5,8 B 7,8 B PVA EB T15 5,1 14,4 36 260 25,3 30,7 T45 5,0 14,4 36 280 23,0 27,2 T90 5,1 14,3 33 270 16,9 30,0 T180 5,0 14,0 38 270 23,0 31,0 Média PVA EB 5,0 A 14,3 A 36A 270 A 22,0 A 27,6 A PVA TF T15 5,1 13,8 35 268 26,0 29,6 T45 5,0 12,3 35 267 21,2 24,3 T90 5,1 12,0 32 268 20,2 25,6 T180 4,8 12,3 31 274 23,1 33,1 Média PVA TF 5,0 A 12,6 B 33 B 269 A 22,6 A 28,2 A PVA SFT T15 4,8 12,6 37 276 19,3 23,8 T45 4,8 12,8 35 280 20,8 27,2 T90 4,7 12,7 32 277 20,5 28,8 T180 4,6 12,1 32 298 18,7 27,6 Média PVA SFT 4,7 B 12,6 B 34 AB 283 A 19,8 A 26,9 A Média LV 5,4 A 15,3 A 24 B 655 A 11,8 B 13,5 B Média PVA 4,9 B 13,0 B 29 A 259 B 17,6 A 22,6 A 1 LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho-Amarelo arenoso; Test: testemunha sem aplicação de adubo fosfatado; EB: Esterco bovino (100 mg dm-3 de P), TF: Torta de filtro (100 mg dm-3 de P), SFT: superfosfato triplo (100 mg dm-3 de P); T15, 45, 90, 180: tempo de incubação do solo com os adubos, em dias. 2 pH: pH em solução de CaCl2 0,01 mol L-1; CO: carbono orgânico; P resina: P extraído com resina trocadora de ânions; P total: P total do solo obtido por digestão com HF, H2SO4 e H2O2 concentrados; MS: matéria seca da parte aérea de plantas de milho; P-abs: P absorvido e acumulado pela parte aérea de plantas de milho. 3 Médias seguidas de letras diferentes nas colunas diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05) 24 O efeito do tempo no valor de pH do solo diferiu de acordo com a fonte de P (Tabela 9). Nos tratamentos testemunha e com aplicação de SFT houve decréscimo linear, decorrente da própria atividade microbiana, mineralização do C e do N orgânicos (BOLAN; ADRIANO; CURTIN, 2003). Nos casos do esterco bovino e da torta de filtro, os valores de pH se ajustaram ao modelo quadrático, com ponto de máximo aos 62 e 24 dias, respectivamente (Tabela 9). O comportamento distinto dos adubos orgânicos em relação aos outros tratamentos ocorreu, pois a adubação orgânica aumentou o pH do solo, conforme já discutido. Tabela 9. Análises de regressão de atributos químicos (Y) em função do tempo de incubação (X) em dias, de dois solos não adubados ou adubados com esterco bovino, torta de filtro ou superfosfato triplo. Variável Desdob1 Equação2 R2 F p pH Test Y = 5,0 - 0,00083 X 0,83 17,8 <0,01 EB Y = 5,3 + 0,0020 X - 0,000016 X² 0,94 13,6 <0,01 TF Y = 5,4 + 0,00058 X - 0,000012 X² 0,99 7,7 <0,01 SFT Y = 5,0 - 0,00083 X 0,90 26,7 <0,01 CO Test Y = 13,8 - 0,003 X 0,99 8,0 <0,01 EB Y = 15,9 - 0,004 X 0,67 9,6 <0,01 TF Y = 14,5 - 0,008 X 0,81 33,2 <0,01 P resina TF Y = 32,9 - 0,02 X 0,70 10,2 <0,01 SFT Y = 34,9 - 0,02 X 0,78 6,4 <0,05 MS Y = 16,9 - 0,058 X + 0,00024 X² 0,98 4,9 < 0,05 P-abs Y = 19,6 - 0,065 X + 0,00036 X² 0,99 7,4 <0,01 1Desdobramento estatístico das interações entre o fator tempo com o fator adubação com P (Test: sem adubação; EB, TF e SFT: aplicação de esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo de modo a fornecer 100 mg dm-3 de P). Quando a célula for vazia não houve interação significativa. 2Equação: equação da regressão obtida em cada variável avaliada e desdobramento estatístico dos tratamentos, em que Y é o valor da variável e X é o tempo de incubação; R²: coeficiente de determinação; F: valor da significância pelo teste F; p: probabilidade de significância. O esterco bovino resultou em aumento no valor de pH até os 62 dias de incubação, período mais longo do que os 24 dias obtidos com a aplicação da torta de filtro. O coeficiente quadrático muito pequeno (Tabela 9) sugere variação pequena do pH em função do tempo nos tratamentos com esterco bovino e torta. Como esses adubos não apresentam limitações a decomposição (PRESCOTT, 2010) e foram aplicados em taxa semelhante, a explicação para essa diferença é dada pela composição de cada um (Tabela 3). O esterco apresentou predomínio de celulose e lignina em relação à hemicelulose, e a torta apresentou mais hemicelulose e celulose em relação à lignina. Hemicelulose e celulose são polissacarídeos de decomposição rápida no solo, atuando como fonte de energia 25 para os microrganismos. Hemicelulose e celulose podem, inclusive, mitigar a limitação da degradação da lignina causada pela falta de energia, ou seja, um efeito “priming” da celulose na degradação da lignina (TALBOT; TRESEDER, 2012). Entretanto, lignina apresenta menor velocidade de decomposição e maior potencial de acúmulo de CO (PRESCOTT, 2010). Assim, a menor velocidade de decomposição do esterco bovino explica o maior intervalo de tempo necessário para atingir o maior valor de pH. A resposta do CO à aplicação dos tratamentos foi diferente em cada solo: no LV argiloso o resultado obtido foi EB>TF>SFT=testemunha e no PVA arenoso, apenas a adubação com esterco causou aumento no teor de CO (Tabela 8). A diferença entre os dois solos se deve à maior atividade microbiana no solo arenoso e menor potencial de acúmulo de CO nesses solos. Braos et al. (2016), analisando amostras da mesma região dos solos utilizados neste experimento, observaram correlação positiva entre o teor de argila e o teor de matéria orgânica dos solos. As adubações orgânicas têm como finalidade, além de fornecer nutrientes às plantas, aumentar o teor de CO do solo (WHALEN et al., 2000; YAGI et al., 2003), como foi observado nos tratamentos com esterco bovino e torta de filtro (Tabela 8). No PVA arenoso não houve diferença no teor de CO entre os tratamentos testemunha, superfosfato triplo e torta de filtro, pois solos arenosos apresentam maior aeração, menor proteção física das substâncias orgânicas em microagregados e maior atividade microbiana (ROS et al., 2009). A diferença na mineralização do esterco bovino e da torta de filtro quando incorporados ao solo também pode ser verificada na variação do teor de CO em função do tempo (Tabela 9). Os resultados do teor de CO desses dois tratamentos se ajustaram ao modelo linear, porém o coeficiente angular do tratamento torta de filtro é de 0,008 g kg-1 dia-1, e o do esterco é de 0,004 g kg-1 dia-1. Ou seja, a taxa de decomposição do CO foi maior nas amostras adubadas com torta de filtro, efeito que se deve a composição dos resíduos (Tabela 3). A torta apresentou menor teor de lignina em relação ao esterco, e Zhang et al. (2008) observaram correlação negativa entre a velocidade de decomposição dos resíduos e o teor de lignina. Houve efeito significativo do tipo de solo nos teores de P resina e P total do solo (Tabela 8). No solo arenoso foram observados os maiores teores de P resina e 26 os menores teores de P total (Tabela 8). Essa diferença ocorre, pois em solos de regiões tropicais, os constituintes minerais da fração argila atuam como dreno de P (FONTES; WEED, 1996). Deste modo, apesar de apresentar menor quantidade de P total, o PVA arenoso apresenta menor teor de argila, possibilitando que maior parte do P se encontre mais fracamente retido a fase sólida do solo. O teor de P total é uma característica intrínseca de cada solo. Como solos de regiões tropicais não sofrem perda de P por lixiviação (ABDALA et al., 2015), a variação no teor depende apenas da quantidade de P inicial de cada solo e da adubação. Houve interação entre tipo de solo e adubação nos teores de P resina do solo. No LV argiloso, a adubação com superfosfato triplo proporcionou o maior aumento no P resina, seguido do esterco bovino e da torta de filtro, que apresentaram resposta semelhante (Tabela 8). No PVA o esterco bovino foi o responsável pelo maior aumento no P resina, seguido do superfosfato triplo e da torta de filtro (Tabela 8). O resultado obtido no LV é contrário ao esperado, pois do ponto de vista teórico é possível manter o P em formas mais lábeis (ou disponíveis) usando adubos orgânicos (HUNT et al., 2007; AUDETTE; O’HALLORAN; VORONEY, 2016). No caso, havia esta expectativa porque a adubação orgânica aumentou o pH e o teor de CO do solo, que contribuem para o aumento do P disponível. O menor teor de P resina no solo argiloso pode ser então associado à imobilização de Pi em formas orgânicas, as quais não são recuperadas pela resina trocadora de ânions, que extrai apenas Pi. No solo arenoso, a maior velocidade de decomposição pode ter sido responsável pela mineralização do Po, permitindo que mais P fosse recuperado pela resina. Nos tratamentos com torta de filtro e superfosfato triplo houve diminuição linear dos teores de P resina em função do tempo (Tabela 9). O superfosfato triplo é um adubo que solubiliza rapidamente e libera todo o H2PO4 - para solução do solo. Deste modo tem-se, inicialmente, maior disponibilidade de P, que diminui ao longo do tempo, pois o P passa à formas mais estáveis (KASHEN; AKINREMI; RACZ, 2004). Apesar de ser um adubo orgânico, a torta de filtro apresentou comportamento semelhante ao do superfosfato triplo por causa do predomínio de Pi (Tabela 4) e à mineralização muito rápida desse resíduo. Por exemplo, no solo arenoso, aos 45 27 dias de incubação, a quantidade de C orgânico das parcelas adubadas com torta de filtro já era semelhante à da testemunha (Tabela 8). O tempo não apresentou influência no teor de P resina no tratamento testemunha e no adubado com esterco bovino (Tabela 9). Na testemunha, a ausência de efeito do tempo ocorreu porque não foi feita adição de P e, nas áreas onde os solos foram coletados, não houve adubações fosfatadas ou orgânicas nos últimos cinco anos, de modo que o P resina estava estabilizado. No caso do esterco bovino era esperada diminuição da disponibilidade com o tempo, à medida que o P fosse retido à fase sólida do solo (AUDETTE; O’HALLORAN; VORONEY, 2016), como ocorreu com a aplicação de superfosfato triplo e torta de filtro, uma vez que no esterco também há predomínio de Pi (Tabela 4). A diferença entre esterco e torta pode ser explicada pela taxa de mineralização menor do esterco. Para os resíduos de menor taxa de decomposição os efeitos de liberação de ânions orgânicos que competem com o P pelos sítios de adsorção, e de complexação de Fe e Al da solução, que favorecem a disponibilidade de P (HUNT et al., 2007), devem ser de maior duração. Por isso, no tratamento com esterco o P disponível foi mantido estável durante o tempo de avaliação. Os resultados de matéria seca e P absorvido pelas plantas de milho encontram-se na Tabela 8. As plantas que cresceram no PVA acumularam mais MS e P, devido à maior disponibilidade de P neste solo (Tabela 1). Como o P era o nutriente mais limitante e os outros nutrientes foram fornecidos via adubação, o P disponível foi o fator determinante do crescimento e absorção de P. Houve diferença na MS e no P-abs apenas entre o tratamento testemunha e os tratamentos adubados, que não diferiram entre si (Tabela 8). A semelhança entre os valores de MS e P-abs entre as fontes de P pode estar ligada ao fato de as plantas absorverem P de frações inorgânicas e também de formas orgânicas (NURUZZAMAN et al., 2006), que não são recuperadas pela resina trocadora de ânions. Houve efeito do tempo de incubação nos valores de MS e P-abs e, nos dois casos, os dados ajustaram ao modelo quadrático (Tabela 9). O ponto de mínimo da produção de MS foi obtido com incubação por 121 dias e o ponto de mínimo de P- abs ocorreu com 90 dias de incubação. Pode-se admitir que o efeito na MS e no P 28 abs está relacionado ao P resina, que diminuiu com o tempo de incubação nos tratamentos com SFT e torta de filtro e não variou com a aplicação de esterco. Como o estudo do efeito do tempo na MS e no P-abs foi feito na média dos adubos, o modelo foi quadrático, mas a tendência foi de diminuição e estabilização, acompanhando o efeito médio no P resina. 4.2 Formas de Pi No fracionamento do Pi não foram obtidos resultados mensuráveis na fração Pi-NH4Cl, porque a quantidade de P recuperada pelo extrator NH4Cl estava abaixo do limite de detecção do método, que é de 0,1 mg kg-1. Desta forma, os resultados não foram apresentados. O Pi-NH4Cl compreende o Pi dissolvido na solução e fracamente retido a fase sólida do solo (KOVAR; PIERZYNSKI, 2009), fração que não é expressiva nos solos ácidos e intemperizados. Os resultados do fracionamento do P inorgânico do solo encontram-se na Tabela 10. No PVA foram observados maiores teores de Pi-NH4F e Pi-NaOH em relação ao LV (Tabela 10). As duas frações, apesar de não serem prontamente disponíveis, constituem um reservatório importante de P às plantas e apresentam correlação com o P disponível obtido por extratores químicos e o absorvido pelas plantas (BECK; SANCHEZ, 1994; OTANI; AE; TANAKA, 1996; NURUZZAMAN et al., 2006). O maior acúmulo de P nessas frações pode estar relacionado ao menor pH do PVA, que leva a maior atividade de íons Fe e Al na solução e desenvolvimento de cargas positivas na superfície dos óxidos. Kunito et al. (2012) obtiveram correlação negativa entre o P-Al/Fe e o pH do solo, em solos ricos em Al e Fe. O menor teor de CO no PVA também pode ter favorecido o acúmulo de Pi- NH4F e Pi-NaOH. Essas frações compreendem o P precipitado com íons Al3+ e Fe3+ presentes na solução do solo, adsorvidos em minerais amorfos ou de baixa cristalinidade, ou adsorvidos em ligações de baixa energia aos óxidos de Fe e Al cristalinos. Assim, maiores teores de matéria orgânica desfavorecem a precipitação/adsorção de P junto a esses minerais devido a maior quantidade de carbono orgânico dissolvido (COD), que compete com P nessas reações (ZHANG et al., 2010). 29 Tabela 10. Formas de P inorgânicas do solo, em função do tipo de solo, fonte de fósforo e tempo de incubação. Tratamentos1 Pi NH4F2 Pi NaOH Pi DCB Pi-H2SO4 Pi-soma Solo Adubo Tempo ----------------------------------- mg kg-1 ----------------------------------- LV Test T15 5,2 33,4 89,1 27,3 155,1 T45 5,3 33,2 87,5 25,8 152,0 T90 5,6 33,4 92,1 25,7 156,7 T180 5,4 33,4 87,0 25,9 151,6 Média LV Test3 5,4 D 33,4 C 88,9 B 26,2 C 153,8 D LV EB T15 29,9 53,2 76,6 35,0 194,7 T45 28,8 52,8 75,6 33,6 190,8 T90 31,6 56,8 78,6 31,5 198,6 T180 31,6 54,9 83,5 32,1 202,2 Média LV EB 30,5 B 54,4 AB 78,6 B 33,1 A 196,5 C LV TF T15 25,8 51,3 126,2 24,7 228,1 T45 27,0 52,9 133,8 24,4 238,1 T90 29,4 55,8 138,0 26,2 249,3 T180 29,7 53,5 141,4 25,3 250,0 Média LV TF 28,0 C 53,4 B 134,9 A 25,2 C 241,4 B LV SFT T15 39,1 51,4 143,9 29,8 264,2 T45 40,4 54,6 142,5 29,8 267,3 T90 41,6 56,8 142,5 30,4 271,2 T180 41,7 57,8 150,0 31,4 280,9 Média LV SFT 40,7 A 55,1 A 144,7 A 30,4 B 270,9 A PVA Test T15 14,9 46,9 25,8 4,8 82,5 T45 15,8 49,2 24,6 5,3 91,3 T90 16,4 49,8 26,2 5,9 100,1 T180 16,4 50,0 26,9 5,5 94,6 Média PVA Test 15,9 D 49,0 D 25,9 C 5,4 92,1 C PVA EB T15 32,1 68,4 19,6 5,0 125,1 T45 33,7 76,2 28,3 5,4 143,6 T90 31,2 84,0 32,1 5,4 152,7 T180 34,9 82,1 43,8 6,3 167,1 Média PVA EB 33,0 B 77,7 B 31,0 BC 5,5 147,1 B PVA TF T15 30,2 70,0 38,0 6,8 145,0 T45 30,0 75,4 48,3 7,4 161,0 T90 31,6 78,4 51,4 7,2 168,6 T180 32,9 74,3 47,6 6,0 160,8 Média PVA TF 31,2 C 74,5 C 46,3 A 6,9 158,8 B PVA SFT T15 52,5 76,5 44,2 4,6 177,7 T45 49,7 82,6 30,4 5,3 168,0 T90 48,1 89,4 40,4 5,5 183,3 T180 50,3 84,3 42,8 5,4 182,8 Média PVA SFT 50,1 A 83,2 A 39,4 AB 5,2 178,0 A Média LV 26,1 B 49,1 B 111,8 A 28,7 A 215,7 A Média PVA 32,5 A 71,1 A 36,6 B 5,8 B 144,0 B 1 LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho-Amarelo arenoso; Test: testemunha sem aplicação de adubo fosfatado; EB: Esterco bovino (100 mg dm-3 de P), TF: Torta de filtro (100 mg dm-3 de P), SFT: superfosfato triplo (100 mg dm-3 de P); T15, 45, 90, 180: tempo de incubação do solo com os adubos, em dias. 2 Frações do P inorgânico do solo extraídas sequencialmente com solução NH4F 0,5 mol L-1, NaOH 0,1 mol L-1, Ditionito-Citrato- Bicarbonato, e H2SO4 0,25 mol L-1; Pi-soma: Pi total obtido pela soma das frações. 3Medias seguidas de letras diferentes diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05) 30 Nos dois solos avaliados, a fração Pi-NaOH foi maior do que o Pi-NH4F. O aumento médio no teor de Pi-NH4F nos tratamentos adubados, em relação ao tratamento testemunha, foi de 27,7 mg kg-1 no LV e de 22,3 mg kg-1 no PVA. No caso do Pi-NaOH o aumento médio foi de 20,9 e 29,5 mg kg-1, para os solos LV e PVA, respectivamente (Tabela 10). Ou seja, o P aplicado migrou preferencialmente para as formas ligadas ao Al no solo argiloso, e para as formas ligadas ao Fe no solo arenoso. Deste modo, no solo LV o P aplicado passou a formas mais disponíveis (OTANI; AE, 1997) do que no PVA, o que explica o maior incremento no P resina deste solo. Porém, o solo arenoso possuía teores iniciais de Pi-NH4F e Pi- NaOH maiores, que refletiu no maior P resina inicial (Tabela 8). Os aumentos nas frações Pi-NH4F e Pi-NaOH em ambos os solos podem ser explicados pelos teores de Fe e Al extraídos com soluções DCB e oxalato de amônio (Tabela 2). O maior teor de Al recuperado por esses extratores no LV explica a maior reatividade da fração Pi-NH4F. No PVA, o predomínio de Fe-ox (Tabela 2) favoreceu o acúmulo de P na fração Pi-NaOH (OTANI; AE, 1997; LUO et al., 2017). O efeito do tempo nos teores de Pi-NH4F foi diferente conforme o desdobramento dentro do fator solo e do fator adubação (Tabela 11). Comparando os tipos de solo, o comportamento foi distinto, visto que no solo argiloso os dados ajustaram-se ao modelo quadrático com ponto de máximo aos 146 dias e no solo arenoso, o ajuste foi quadrático com ponto de mínimo aos 78 dias de incubação. Observando os dados do LV é possível observar que os teores de Pi-NH4F nas amostras dos tempos 90 e 180 dias são semelhantes, assim como o Pi-NH4F calculado no vértice e aos 180 dias de incubação (27,2 e 27,1 mg kg-1), o que sugere estabilização dos valores. No PVA, os teores de Pi-NH4F calculados no tempo 0, no vértice e no tempo 180 dias, são de 32,9, 31,9 e 33,6 mg kg-1, variação pequena, que pode ter sido causada pelo efeito simultâneo da competição com as frações mais estáveis do Pi e a mineralização e solubilização de Po. Não foi observado efeito significativo do tempo de incubação no tratamento testemunha nos teores de Pi-NH4F e Pi-NaOH (Tabela 11). Isso ocorreu devido às formas de P estarem em estado de equilíbrio, decorrente do manejo da área onde os solos foram coletados, nas quais não era realizado nenhum tipo de adubação, preparo de solo ou cultivo de adubos verdes. Na condição de equilíbrio existe alta 31 estabilidade das formas de P, que não foi alterada pela correção da acidez e perturbação da amostra (destorroamento e reumedecimento), resultado que ajuda a explicar a ausência de efeito do tempo nos teores de P resina (Tabela 8). Tabela 11. Análises de regressão das frações do P inorgânico do solo (Y) em função do tempo de incubação (X) em dias, de dois solos não adubados ou adubados com esterco bovino, torta de filtro ou superfosfato triplo. Variável Desdob1 Equação2 R2 F p Pi-NH4F LV Y = 24,2 + 0,041 X - 0,00014 X² 0,92 6,6 < 0,05 PVA Y = 32,9 - 0,025 + 0,00016 X² 0,96 8,9 < 0,01 EB Y = 30,6+ 0,014 X 0,92 15,6 <0,01 TF Y = 27,8 + 0,021 X 0,89 36,0 <0,01 SFT Y = 46,2 - 0,03 X + 0,00016 X² 0,98 4,5 <0,05 Pi-NaOH LV Y = 46,1 + 0,075 - 0,0003 X² 0,95 18,1 < 0,01 PVA Y = 62,2 + 0,24 X - 0,001 X² 0,99 203,7 < 0,01 EB Y = 57,3 + 0,22 X - 0,00085 X² 0,98 75,6 < 0,01 TF Y = 58,4 + 0,16 - 0,00073 X² 0,99 54,9 < 0,01 SFT Y = 60,9 + 0,21 - 0,00087 X² 0,99 77,8 < 0,01 Pi-DCB Y = 69,8 + 0,047 X 0,95 6,7 < 0,05 1Desdobramento estatístico das interações entre o fator tempo com o fator Solo (LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho-Amarelo aenoso) e o fator adubação com P (Test: sem adubação; EB, TF e SFT: aplicação de esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo de modo a fornecer 100 mg dm-3 de P). Quando a célula for vazia não houve interação significativa. 2Equação: equação da regressão obtida em cada variável avaliada e desdobramento estatístico dos tratamentos, em que Y é o valor da variável e X é o tempo de incubação; R²: coeficiente de determinação; F: valor da significância pelo teste F; P: probabilidade de significância. O efeito do tempo nos teores de Pi-NH4F nos tratamentos esterco bovino e torta de filtro foram semelhantes, e em ambos os casos os dados ajustaram ao modelo linear crescente. No tratamento superfosfato triplo os teores de Pi-NH4F ajustaram ao modelo quadrático, com ponto de mínimo aos 93 dias (Tabela 11). Apesar do efeito observado, a variação foi pequena, com diminuição de 0,2 mg kg-1 ao comparar o teor estimado nos tempos 0 e 180 dias de incubação, indicando que na primeira avaliação, aos 15 dias de incubação, os teores já estavam estáveis. A diferença entre os adubos ocorreu porque a liberação do P do superfosfato triplo é muito rápida, o que permite transferência de grande quantidade de P solúvel para P ligado ao Al em pequeno intervalo de tempo. Posteriormente, esta forma de P migra para formas mais estáveis, o que explica a diminuição e estabilização nos teores de Pi-NH4F em relação ao tempo. Com a aplicação dos adubos orgânicos há complexação de Fe e Al solúveis, o que diminui os processos de precipitação de P com estes íons (WADA; HIGASHI, 1976), e liberação de carbono orgânico dissolvido 32 na forma de ânions, o que aumenta a competição com fosfato e diminui a adsorção (WADA; HIGASHI, 1976). Ainda, no presente experimento os adubos orgânicos aumentaram o valor de pH e o teor de CO do solo (Tabela 9), o que interfere na dinâmica das formas de Pi, levando a transformações mais graduais (DEVAU et al., 2009). Apesar de apresentarem comportamento semelhante, as frações Pi-NH4F e Pi-NaOH contribuem de forma diferente com o P disponível. Apesar do P ligado ao Al ser considerado mais solúvel (ZHANG et al., 2010) e apresentar maior correlação com o P disponível (SHEN et al., 2004), o acúmulo e a contribuição do P de ambas as frações também dependem da quantidade de P na fração e de características do solo (OTANI; AE, 1997; KUNITO et al., 2012). Nesse sentido, Luo et al. (2017) observaram maior teor de P na fração ligada ao Fe que na fração ligado ao Al, mesmo em solos com teores de Fe e Al (extraídos com oxalato de amônio) semelhantes. Os solos diferiram quanto aos teores de Pi-DCB, assim como no efeito da adubação, que foi diferente dependendo do tipo de solo (Tabela 10). Teores maiores foram encontrados no LV argiloso. Essa diferença se deve a textura do solo, visto que em solos de regiões tropicais há predomínio de caulinita e (hidr)óxidos de Fe e Al, que possuem alta capacidade de adsorção, formando ligações de alta energia com o P (FONTES; WEED, 1996). Deste modo, quanto maior o teor de argila do solo, maior a quantidade de (hidr)óxidos de Fe e Al, e portanto, maior a capacidade de adsorção de P. Apesar da capacidade de adsorção e da força de retenção do P pelo solo dependerem dos tipos de minerais na fração argila (TORRENT, 1997), o teor de argila apresenta correlação com a adsorção de P (AGBENIN; TIESSEN, 1994), e o grau de associação entre teor de argila e adsorção tende a ser tanto mais estreito quanto mais intemperizado for o solo. O P ocluso ou adsorvido fortemente aos óxidos de Fe e Al, formas recuperadas na fração Pi-DCB, volta a fase líquida a uma velocidade limitada e, portanto, é considerado não lábil. É possível observar no tratamento testemunha que o Pi-DCB é a forma dominante de P no solo argiloso (LV), diferente do solo arenoso (PVA), no qual essa fração foi menor que a fração Pi-NaOH (Tabela 10). Isso indica que no solo argiloso o Pi-DCB atua como o dreno mais forte de P. 33 Não houve diferenças entre os tratamentos testemunha e esterco bovino nos teores de Pi-DCB do solo argiloso (Tabela 10). Hunt et al. (2007) também observaram menor adsorção de P a goetita e gibsita na presença de esterco. Essa diferença se deve, entre outros fatores, ao teor de Po no esterco utilizado, cerca de 23% do P total (Tabela 4), uma vez que o P orgânico está protegido da adsorção/oclusão, e a competição com o fosfato pelos sítios de adsorção dos grupos carboxil das substâncias húmicas (SIBANDA; YOUNG, 1986; BORGGAARD et al., 2006) e ânions orgânicos liberados da decomposição da matéria orgânica (HUNT et al., 2007). O tratamento torta de filtro, juntamente com o superfosfato triplo, resultaram nos maiores teores de Pi-DCB no solo argiloso (Tabela 10). A razão da torta de filtro não ter se comportado de forma semelhante ao esterco pode estar relacionada a composição diferente dos dois adubos (Tabela 3). Essa diferença leva a produtos de decomposição diferentes quando os adubos são adicionados ao solo. Nessa lógica, Hunt et al. (2007) observaram que produtos de decomposição de diferentes espécies de plantas apresentavam efeitos diferentes na adsorção de P a (hidr)óxidos de Fe e Al. Assim, a torta de filtro teve comportamento semelhante ao superfosfato triplo, o que pode também estar relacionado ao baixo teor de Po e ao predomínio de formas solúveis na torta de filtro. Também é possível observar que aos 15 dias de incubação o teor de Pi-DCB no tratamento torta de filtro foi menor comparado ao superfosfato triplo (Tabela 10), indicando que a torta, inicialmente, minimizou o acúmulo na fração Pi-DCB, porém esse efeito ficou restrito ao início da incubação. No solo arenoso (PVA) os tratamentos torta de filtro e superfosfato triplo também resultaram nos maiores teores de Pi-DCB (Tabela 10). Neste solo, o tratamento esterco bovino causou aumento no teor de Pi-DCB em relação a testemunha (Tabela 10). É possível que, pelo fato de solos arenosos apresentarem maior velocidade de decomposição da matéria orgânica (ROS et al., 2011), a produção e persistência dos produtos da mineralização do esterco, responsáveis pela competição pelos sítios de adsorção de P (HUNT et al., 2007), foi limitada ao início da incubação, e diminuiu com o passar do tempo. Esse efeito pode ser 34 observado no aumento das médias do Pi-DCB com o aumento do tempo de incubação, nos dois tratamentos com adubação orgânica (Tabela 10). A aplicação de P na forma de torta de filtro e de superfosfato triplo não diferiu quanto ao teor de Pi-DCB. Esse efeito provavelmente está associado às mesmas razões descritas para o solo arenoso. Isto é, como o LV argiloso apresentou menor velocidade de mineralização de substâncias orgânicas (ROS et al., 2011), a interferência causada pelos produtos de mineralização da torta de filtro levou a menor acúmulo de P na fração Pi-DCB neste tratamento em relação ao superfosfato triplo (Tabela 10). O maior aumento no Pi-DCB, em ambos os solos, nas parcelas adubadas com torta de filtro em relação ao esterco bovino, também está relacionado ao menor teor de P nas frações Pi-NH4F e Pi-NaOH (Tabela 10). Como houve maior retenção de P em formas mais estáveis (Pi-DCB) nas parcelas adubadas com torta de filtro, uma quantidade menor de P estava retida nas frações menos estáveis (Pi-NH4F e Pi-NaOH). O contrário aconteceu com o esterco bovino, com o qual foi observado maior acúmulo nas frações Pi-NH4F e Pi-NaOH e menor acúmulo na fração Pi-DCB, efeito que refletiu em maiores teores de P disponível (P resina) nas parcelas adubadas com esterco bovino (Tabela 8). Houve efeito do tempo nos teores de Pi-DCB e os dados ajustaram ao modelo linear crescente (Tabela 11). É possível observar que boa parte do acúmulo desta fração já havia ocorrido aos 15 dias de incubação, o que sugere que a reação é rápida (Tabela 10). Halajnia et al. (2009) observaram que todo aumento do Pi-DCB ocorreu nos primeiros 30 dias, mantendo-se estável até os 150 dias de incubação, e que essa fração apresenta correlação negativa com o P disponível, devido ao alto grau de estabilidade. Não houve interação significativa, ou seja, independentemente dos outros fatores, o Pi-DCB tendeu a aumentar linearmente com o tempo (Tabela 11). Porém, o aumento estimado a taxa de 0,047 mg kg-1 dia-1 não explica o acentuado incremento de P nessa fração quando foi feita adubação, indicando que os dados ajustaram a esse modelo porque na primeira avaliação, aos 15 dias, já havia ocorrido a maior parte do acúmulo de P nessa fração, exceção feita aos solos adubados com esterco (Tabela 10). Dessa forma, trata-se de um efeito residual, pois 35 o Pi-DCB constitui um dos principais drenos de P desses solos, uma vez que o Pi- DCB é constituído das formas mais estáveis de P, adsorvidas e oclusas dentro dos minerais da fração argila de solos tropicais (CHANG; JACKSON, 1958). Este resultado explica o aumento constante ao longo da incubação, visto que o P aplicado passa de formas mais lábeis para formas menos lábeis com o tempo (BUEHLER et al., 2002). É provável que essa fração estabilize com o tempo (HALAJNIA et al., 2009), à medida que as formas de P entrem em equilíbrio. Houve diferença entre os solos nos teores de Pi-H2SO4 (Tabela 10), com maiores teores no LV argiloso. Essa fração inclui o P residual contido nos minerais primários fosfatados, advindos do material de origem, e o P precipitado ou ocluso em fosfatos de Ca (SATO et al., 2005; ZHANG et al., 2010). Como as condições de pH dos solos avaliados desfavorecem a precipitação de P em minerais com Ca, essa fração é constituída basicamente de P residual contido nos minerais primários, sendo natural a variação de um solo para outro. No solo argiloso houve efeito da adubação nos teores de Pi-H2SO4, sendo observada variação nos teores segundo a sequência EB>SFT>TF=testemunha. O maior teor observado no tratamento esterco bovino sugere que uma parte do P aplicado foi precipitado junto ao Ca em formas insolúveis, que pode ter ocorrido pela presença de Ca, Mg e HCO3 - no esterco. O esterco utilizado também possuía fosfatos de Ca e Mg insolúveis, como pode ser observado pela alta recuperação de Pi pela solução extratora HCl 1,0 mol L-1 (Tabela 4) no fracionamento do P do esterco. No caso do superfosfato triplo a adição de grande quantidade de Ca pode ter favorecido a precipitação. No PVA arenoso não houve mudanças no Pi-H2SO4 em razão da adubação (Tabela 10). Esse resultado se deve ao menor valor de pH do solo arenoso, em média 4,9, valor que desfavorece a precipitação de P junto ao Ca (ZHANG et al., 2010). Estes minerais são considerados estáveis em solos alcalinos e com alto teor de CaCO3 (HALAJNIA et al., 2009; AUDETTE; O’HALLORAN; VORONEY, 2016), mas em solos ácidos e intemperizados sua formação e persistência são desfavorecidas (ABDALA et al., 2015). 36 4.3 Formas de Po O Po-NaHCO3 representa as formas da Po de fácil mineralização, ou seja, moléculas de peso molecular relativamente baixo. O Po-bio está contido nas células dos microrganismos do solo. A soma do Po-NaHCO3 e o Po-bio consiste no Po-lábil e representa o Po de rápida transformação no solo. Não houve diferença entre os solos nos teores de Po-NaHCO3, e o Po-bio apresentou maior teor no LV argiloso (Tabela 12). Essas frações apresentam comportamento imprevisível, devido a sua alta instabilidade, de modo que o P pode ser mineralizado, passando a formas inorgânicas, ou incorporado às moléculas mais complexas da matéria orgânica do solo (BRAOS et al., 2013). Entretanto, era esperado maior teor de P na fração Po-NaHCO3 no solo argiloso, devido a menor velocidade de decomposição (ROS et al., 2011) e maior teor de CO. Uma razão que pode ter impedido o acúmulo de Po-NaHCO3 no LV é a menor disponibilidade de P (Tabela 8). Sabe-se que a disponibilidade de P interfere nessa fração, sendo que, em situações de baixa disponibilidade, os microrganismos não conseguem suprir as necessidades de P absorvendo o Pi da solução do solo, tendo que recorrer a mineralização do Po-NaHCO3 como fonte de P, diminuindo o teor de P dessa fração (BÜNEMANN et al., 2012). Esse efeito foi observado em solos de baixa disponibilidade de P, nos quais a atividade das fosfatases do solo aumentou conforme a disponibilidade de P diminuiu. (KUNITO et al., 2012). A maior disponibilidade de P deveria levar ao aumento no teor de Po-NaHCO3 no solo arenoso (PVA), porém solos com menor teor de argila apresentam maior atividade microbiana e de fosfatases (REEVE et al., 2010), que contribuem com menor teor de Po-NaHCO3. Sendo assim, os efeitos da textura somados a disponibilidade de P impediram que houvesse diferença entre os dois solos no teor de Po-NaHCO3. O teor de Po-bio foi maior no LV (Tabela 12), provavelmente devido a maior quantidade de biomassa microbiana, apesar da menor atividade microbiana, nestes solos (FTERICH; MANDHI; MARS, 2014). Outro fator que implica em maior teor de Po-bio é a disponibilidade de P, visto que a baixa disponibilidade de P no solo argiloso resultou em maior competição por P pelos microrganismos, que levou a maior imobilização do nutriente dentro das células microbianas (OEHL et al., 2001). 37 Tabela 12. Valores de P total e formas de P orgânicas do solo, em função do tipo de solo, fonte de fósforo e tempo de incubação. Tratamentos1 Po-NaHCO3 2 Po-bio Po-lábil Po-HCl Po-AF Po-AH Po-residual Solo Adubo Tempo ---------------------------------------- mg kg-1 ---------------------------------------- LV Test T15 12,3 6,0 17,6 1,6 110,0 41,7 300,4 T45 12,3 6,4 18,0 2,3 105,0 38,3 292,7 T90 12,1 6,4 17,6 2,6 112,6 37,0 289,6 T180 12,4 6,1 17,4 2,5 110,9 37,3 296,3 Média LV Test3 12,3 C 6,2 A 17,6 B 2,3 AB 109,6 D 38,6 B 294,8,4 B LV EB T15 13,9 8,3 22,2 2,3 138,3 42,3 316,9 T45 15,4 6,2 21,6 2,2 141,2 42,1 318,0 T90 15,3 3,0 18,2 2,8 144,0 50,6 319,9 T180 15,3 4,5 19,8 3,2 145,6 44,4 314,7 Média LV EB 15,0 B 5,5 AB 20,4 A 2,6 A 142,3 B 44,8 A 317,4 A LV TF T15 15,4 6,4 19,0 2,2 149,4 35,9 295,4 T45 16,3 2,6 17,6 2,1 160,8 31,6 286,5 T90 16,0 2,8 17,0 2,0 159,6 32,2 297,6 T180 15,8 5,0 20,8 2,1 151,8 31,9 292,6 Média LV TF 15,9 AB 4,2 BC 18,6 AB 2,1 BC 155,4 A 32,9 C 293,0 B LV SFT T15 17,7 5,2 22,8 1,6 137,3 45,7 319,3 T45 14,8 3,0 17,8 1,8 138,4 42,4 318,2 T90 16,0 4,0 20,1 1,5 140,8 40,7 313,6 T180 16,1 1,4 17,6 1,9 139,4 40,9 317,1 Média LV SFT 16,2 A 3,4 C 19,6 A 1,7 C 138,9 C 42,4 A 317,1 A PVA Test T15 14,0 3,2 17,2 2,8 62,8 25,1 57,3 T45 14,0 2,9 16,9 2,1 67,9 22,4 61,4 T90 13,6 2,4 16,0 2,2 67,7 24,0 63,3 T180 14,4 1,7 16,3 1,9 67,8 24,4 64,4 Média PVA Test 14,1 B 2,5 16,6B 2,3 B 66,5 C 24,0 A 61,6 B PVA EB T15 15,6 3,6 19,2 8,6 74,5 21,6 67,0 T45 14,7 4,2 18,9 6,7 75,7 25,0 69,5 T90 13,9 3,7 17,6 5,4 76,8 24,4 68,4 T180 13,6 3,1 16,8 4,0 77,0 29,2 68,0 Média PVA EB 14,5 B 3,6 18,1 B 6,2 A 76,0 A 25,0 A 68,2 A PVA TF T15 14,9 2,8 17,7 2,4 69,8 18,8 56,5 T45 15,0 1,8 16,8 2,6 73,0 18,3 58,3 T90 12,4 5,7 18,2 1,3 74,7 20,9 61,7 T180 14,5 3,3 17,8 1,6 71,0 20,4 60,0 Média PVA TF 14,2 B 3,4 17,6 B 2,0 BC 72,1 B 19,6 B 59,1 B PVA SFT T15 16,6 4,8 21,4 1,6 63,6 24,6 56,3 T45 16,8 2,4 19,2 1,8 64,3 24,6 59,4 T90 15,9 3,8 19,8 1,4 66,2 24,6 57,0 T180 17,2 3,0 20,1 1,8 65,2 27,8 59,3 Média PVA SFT 16,6 A 3,5 20,1 A 1,6 C 64,8 C 25,4 A 58,0 B Média LV 14,8 4,8 A 19,1 A 2,2 B 136,6 A 39,7 A 335,3 A Média PVA 14,8 3,3 B 18,1 B 3,0 A 69,9 B 23,5 B 61,7 B 1 LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho-Amarelo arenoso; Test: testemunha sem aplicação de adubo fosfatado; EB: Esterco bovino (100 mg dm-3 de P), TF: Torta de filtro (100 mg dm-3 de P), SFT: superfosfato triplo (100 mg dm-3 de P); T15, 45, 90, 180: tempo de incubação do solo com os adubos, em dias. 2Frações do P orgânico do solo extraídas sequencialmente com solução de NaHCO3 0,5 mol L-1, HCl 1,0 mol L-1, NaOH 0,5 mol L-1, e H2SO4 1,0 mol L-1, Po lábil obtido pela soma do Po-NaHCO3 e Po-bio. 3Medias seguidas de letras diferentes diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p < 0,05) 38 Houve diferenças nos efeitos da adubação nos teores Po-NaHCO3 dependendo do tipo de solo (Tabela 12). No solo arenoso, apenas a adubação com superfosfato aumentou os teores de Po-NaHCO3 do solo (Tabela 12), provavelmente porque a adubação orgânica aumenta a atividade microbiana e das fosfatases (ZHAO et al., 2009). Este efeito, somado a maior velocidade de decomposição do C orgânico em solos arenosos (ROS et al., 2011) fizeram com que a degradação de Po-NaHCO3 fosse maior nesses tratamentos. No solo argiloso (LV), o tratamento testemunha resultou nos menores teores de Po-NaHCO3, seguido dos tratamentos esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo. O baixo teor de Po-NaHCO3 no tratamento testemunha se deve à sua alta degradação, consequência da menor disponibilidade de P conforme citado por Bünemann et al. (2012) e Kunito et al. (2012). Este resultado também foi observado por Blake et al. (2003), ou seja, o teor de Po-NaHCO3 foi menor em solos com baixa disponibilidade de P e não adubados. Todos os tratamentos com adubação resultaram em maior teor de Po- NaHCO3 que a testemunha, sendo que, quando o adubo foi superfosfato triplo e torta de filtro houve maior acúmulo na fração Po-NaHCO3 do que quando o adubo foi esterco. Esse maior acúmulo de Po-NaHCO3 no tratamento superfosfato triplo se deve ao maior teor de P resina no tratamento superfosfato triplo do LV argiloso (Tabela 8), e à menor atividade das fosfatases quando é feita adubação mineral (ZHAO et al., 2009). Um dos motivos do menor teor de Po-NaHCO3 nas parcelas adubadas com fertilizantes orgânicos é a maior atividade microbiológica e de fosfatases em solos fertilizados com adubos orgânicos (ZHAO et al., 2009). O maior teor de Po-NaHCO3 no tratamento torta de filtro em relação ao esterco bovino pode ser resultado do maior teor de Po-H2O, Po-NaHCO3 e P-diésteres em sua composição (Tabelas 4 e 6), somados a menor taxa de decomposição dessas moléculas em solos argilosos, que colabora com a persistência dessa fração de P no solo. Houve efeito significativo do tempo nos teores de Po-NaHCO3, e os dados ajustaram ao modelo quadrático com ponto de mínimo aos 106 dias de incubação (Tabela 13). Porém, a variação nos valores de Po-NaHCO3 ao longo da incubação foi pequena e, juntamente com o valor do coeficiente quadrático muito baixo, pode- 39 se afirmar que, apesar de significativo, o efeito do tempo não apresentou tendência bem definida. Tabela 13. Análises de regressão das frações do P orgânico do solo (Y) em função do tempo de incubação (X) em dias, de dois solos não adubados ou adubados com esterco bovino, torta de filtro ou superfosfato triplo. Variável Desdob1 Equação2 R2 F p Po-NaHCO3 Y = 15,9 - 0,033 X + 0,000156 X² 0,79 12,3 < 0,01 Po-bio Y = 4,6 - 0,0068 X 0,52 10,0 < 0,01 Po-lábil EB Y = 20,6 - 0,016 X 0,64 7,2 < 0,01 SFT Y = 20,9 - 0,013 X 0,32 4,7 < 0,05 Po-HCl LV Y = 1,9 + 0,003 X 0,97 6,2 < 0,01 PVA Y = 3,7 - 0,009 X 0,83 61,4 < 0,01 EB Y = 5,2 - 0,01 X 0,81 38,4 < 0,01 Po-AF Test Y = 86,4 + 0,02 X 0,55 4,6 < 0,05 EB Y = 106,9 + 0,028 X 0,84 8,6 < 0,01 TF Y = 107,5 + 0,22 X - 0,0011 X² 0,88 28,0 < 0,01 Po-AH EB Y = 29,8 + 0,12 X - 0,00045 X² 0,95 4,8 < 0,05 1Desdobramento estatístico das interações entre o fator tempo com o fator Solo (LV: Latossolo Vermelho argiloso; PVA: Argissolo Vermelho Amarelo arenoso) e o fator adubação com P (Test: sem adubação; EB, TF e SFT: aplicação de esterco bovino, torta de filtro e superfosfato triplo de modo a fornecer 100 mg dm-3 de P). Quando a célula for vazia não houve interação sig