513 Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 DESEMPENHO DE ESCOLARES COM DISTÚRBIO DE APRENDIZAGEM E DISLEXIA EM TESTES DE PROCESSAMENTO AUDITIVO Performance of students with learning disabilities and dyslexia on auditory processing tests Adriana Marques de Oliveira (1), Ana Cláudia Vieira Cardoso (2), Simone Aparecida Capellini (3) RESUMO Objetivo: caracterizar e comparar, por meio de testes comportamentais, o processamento auditivo de escolares com diagnóstico interdisciplinar de (I) distúrbio da aprendizagem, (II) dislexia e (III) escola- res com bom desempenho acadêmico. Método: participaram deste estudo 30 escolares na faixa etá- ria de 8 a 16 anos de idade, de ambos os gêneros, de 2ª a 4ª séries do ensino fundamental, divididos em três grupos: GI composto por 10 escolares com diagnóstico interdisciplinar de distúrbio de apren- dizagem, GII: composto por 10 escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia e GIII composto por 10 escolares sem dificuldades de aprendizagem, pareados segundo gênero e faixa etária com os grupos GI e GII. Foram realizadas avaliação audiológica e de processamento auditivo. Resultados: os escolares de GIII apresentaram desempenho superior nos testes de processamento auditivo em relação aos escolares de GI e GII. GI apresentou desempenho inferior nas habilidades auditivas ava- liadas para testes dicóticos de dígitos e dissílabos alternados, logoaudiometria pediátrica, localização sonora, memória verbal e não-verbal, ao passo que GII apresentou as mesmas alterações de GI, com exceção do teste de logoaudiometria pediátrica. Conclusão: os escolares com transtornos de aprendizagem apresentaram desempenho inferior nos testes de processamento auditivo, sendo que os escolares com distúrbio de aprendizagem apresentaram maior número de habilidades auditivas alteradas, em comparação com os escolares com dislexia, por terem apresentado atenção susten- tada reduzida. O grupo de escolares com dislexia apresentou alterações decorrentes da dificuldade relacionada à codificação e decodificação de estímulos sonoros. DESCRITORES: Percepção Auditiva; Transtornos da Audição; Transtornos de Aprendizagem; Dislexia (1) Fonoaudióloga; Mestranda do Programa de Pós-Gradua- ção em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – FFC/UNESP, Marília, SP; Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienti- fico e Tecnológico – CNPq . (2) Fonoaudióloga; Docente do Departamento de Fonoaudio- logia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista FFC/ UNESP – Marília – SP; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana Universidade Federal de São Paulo UNIFESP, São Paulo, SP. (3) Fonoaudióloga; Docente do Departamento de Fonoau- diologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Esta- dual Paulista – FFC/UNESP, Marília, SP; Doutora e Pós- Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, FCM/ UNICAMP, Campinas, SP. Conflito de interesses: inexistente � INTRODUÇÃO Processamento auditivo é a habilidade de ouvir, compreender e responder às informações que ouvimos por meio dos canais auditivos. Isso inclui a detecção do som pela orelha externa e a trans- missão do som por meio das vias auditivas até o cérebro1,2, ou seja, o processamento auditivo refere- se à eficiência e à eficácia com a qual o sistema nervoso central utiliza as informações auditivas3. Deste modo, o processamento auditivo está diretamente relacionado com as funções de discri- minação, memória e percepção auditiva, que são importantes na expressão e compreensão da palavra falada, na leitura e na escrita4-6. 514 Oliveira AM, Cardoso ACV, Capellini SA Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 A desordem do processamento auditivo é um déficit no processamento neural do estímulo audi- tivo, que abrange desde a detecção da presença de som até a análise da informação linguística, envol- vendo funções perceptuais, cognitivas e linguís- ticas. A manifestação mais comum da desordem do processamento auditivo é a dificuldade de compreensão da fala em situação de ruído. Esco- lares com a desordem do processamento auditivo podem ter dificuldades na ortografia e leitura, o que se torna mais evidente em situações desafiadoras de escuta, podendo apresentar um impacto nega- tivo sobre a aquisição da linguagem e desempenho acadêmico, ou seja, a desordem do processamento auditivo geralmente está associada aos transtornos de aprendizagem1,5,7-10. Os escolares que apresentam problemas de aprendizagem geralmente apresentam desem- penho inferior em testes de processamento audi- tivo em função do atraso na maturação das habi- lidades auditivas11,12, o que foi demonstrado por estudo norteamericano13, em que a prevalência de desordem do processamento auditivo em escolares com transtornos de aprendizagem foi estimada em 30 a 50% dessa população. A dislexia é um transtorno específico no aprendi- zado da leitura, de origem neurológica, cuja carac- terística principal é rendimento escolar inferior ao esperado, tendo em conta a idade cronológica, o potencial do indivíduo e sua escolaridade14. O distúrbio de aprendizagem é um diagnóstico diferen- cial tanto em relação à dislexia como à dificuldade de aprendizagem, sendo uma expressão genérica que se refere a um grupo de alterações que mani- festam dificuldades significativas na aquisição e no uso de: audição, fala, leitura, escrita, raciocínio ou habilidades matemáticas15,16. Os escolares com dislexia apresentam alteração na discriminação dos sons e, por isso, a fusão rápida de estímulos encontra-se comprometida, resul- tando na dificuldade para organizar a sequência dos sons na formação das palavras17. A dificuldade central da dislexia está relacionada ao processa- mento de sons, conhecidos como processamento fonológico, ou seja, dificuldade de processar pistas auditivas breves e rápidas, implicando a falta de habilidade em perceber elementos críticos da fala de forma acurada, não permitindo, assim, o acesso à formação da codificação fonológica18,19. Os esco- lares com o diagnóstico de distúrbio de aprendi- zagem apresentam características alteradas em habilidades como a identificação ou decodificação da palavra, compreensão de leitura, cálculo, racio- cínio matemático, soletração e expressão escrita, e ainda podem ter acometidas áreas acadêmicas que envolvem, de maneira mais ampla, a expressão oral e a compreensão auditiva20,21. Com base no exposto, este estudo teve por objetivo caracterizar e comparar, por meio de testes comportamentais, o processamento auditivo de escolares com diagnóstico interdisciplinar de distúrbio de aprendizagem e dislexia e escolares com bom desempenho acadêmico. � MÉTODO Participaram deste estudo clínico, com corte transversal, 30 escolares na faixa etária de 8 a 16 anos de idade, de ambos os gêneros, de 2ª a 4ª série do ensino fundamental da cidade de Marília – SP, divididos em três grupos: • Grupo I (GI): formado por 10 escolares, sendo 7 (70%) do gênero masculino e 3 (30%) do gênero feminino, com faixa etária de 8 a 12 anos, com diagnóstico interdisciplinar de distúrbio de aprendizagem, em início de processo terapêu- tico do Centro de Estudos da Educação e Saúde da Faculdade de Filosofia e Ciências da Univer- sidade Estadual Paulista – FFC/UNESP. • Grupo II (GII): formado por 10 escolares, sendo 8 (80%) do gênero masculino e 2 (20%) do gênero feminino, com faixa etária de 8 a 16 anos, com diagnóstico interdisciplinar de dislexia, em início de processo terapêutico do Centro de Estudos da Educação e Saúde da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – FFC/UNESP. • Grupo III (GIII): formado por 10 escolares, sendo 6 (60%) do gênero masculino e 4 (40%) do gênero feminino, com faixa etária de 8 a 10 anos, com bom desempenho acadêmico, de escola pública municipal da cidade de Marília, sendo pareados segundo a escolaridade com GI e GII. Os professores indicaram os escolares que apresentaram conceito suficiente em pelo menos 2 bimestres consecutivos em provas de Língua Portuguesa e Matemática e que não apresentavam alterações auditiva, visual, motora e cognitiva descritas em prontuário escolar. O diagnóstico de distúrbio de aprendizagem e dislexia foi realizado por equipe interdisciplinar do Centro de Estudos da Educação e Saúde – CEES/ UNESP – de Marília e do Ambulatório de Neuro- logia Infantil – Desvios da Aprendizagem da Facul- dade de Medicina – FM/UNESP – de Botucatu, incluindo avaliação fonoaudiológica, neurológica e neuropsicológica. Neste estudo foram realizados os seguintes procedimentos: a) Termo de consentimento pós-informado: Conforme resolução do Conselho Nacional Audição e transtornos de aprendizagem 515 Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 de Saúde CNS 196/96, anterior ao início das avaliações, os pais ou responsáveis dos pacientes selecionados assinaram o termo de consentimento pós- informado para a autori- zação da realização do estudo. b) Avaliação audiológica: A avaliação audio- lógica básica e a avaliação comportamental do processamento auditivo foram realizadas em cabina acústica. Para a audiometria tonal limiar e logoaudiometrica, foi utilizado o audiô- metro GSI 61 (padrão ANSI 3.6-1989 e S3.43- 1992) com fone TDH – 50. Para a normalidade audiológica periférica, foi considerado o critério proposto para crianças, considerando até 15dB para normalidade22. Para a imitanciometria, foi utilizado o imitanciômetro GSI-38, sendo que, para realizarem a avaliação do processamento auditivo, os escolares precisavam apresentar curva timpanométrica do tipo A23. c) Avaliação do Processamento Auditivo: Foi realizada a triagem do processamento audi- tivo constituída pelos seguintes testes dióticos: Localização Sonora em cinco direções (acima, direita, esquerda, frente e atrás da cabeça), e Memória Sequencial para Sons verbais e não-verbais24. O Teste de Localização Sonora em cinco dire- ções foi realizado utilizando como estímulo o instru- mento musical guizo. Foi considerada resposta positiva quando houve a localização de pelo menos quatro das cinco posições testadas. O Teste de Memória Sequencial para sons não-verbais foi aplicado utilizando-se quatro instru- mentos musicais: campânula vertical com cinco guizos, sino, coco e agogô. Foi apresentada a sequência de quatro sons variando a ordem. Foi considerado um bom desempenho a identificação correta de pelo menos duas sequências de estí- mulos entre as três apresentadas. O Teste de Memória Sequencial verbal foi feito com as sílabas “pa”, “ta”, “ca” e “fa”, dispostas em ordens diferentes. Foi considerado bom desem- penho a repetição correta de pelo menos duas das três ordens sequenciais pelos escolares. A avaliação do processamento auditivo foi reali- zada por meio de um audiômetro de dois canais GSI-61, ao qual foi acoplado um tocador de CD (CD- Player) da marca Sony. Foi utilizado um CD com os seguintes testes: Logoaudiometria Pediá- trica, Dicótico de Dígitos e Dicótico de Dissílabos alternados (SSW). O Teste Dicótico de Dígitos foi realizado numa intensidade com 50 dBNS. Foi apresentada uma lista com 20 pares de dígitos. Este teste, na tarefa de integração binaural, tem como objetivo avaliar a habilidade para agrupar componentes do sinal acústico em figura-fundo e identificá-los. A tarefa de separação binaural possibilita avaliar a escuta dire- cionada para cada orelha separadamente. O Teste Dicótico de Dissílabos Alternado (SSW) em português foi realizado numa intensidade de 50dBNS e contém 40 itens. Ao escolar foi pedido para repetir o que ouviu obedecendo à ordem de apresentação das palavras. O teste de Logoaudiometria Pediátrica – PSI (Pediatric Speech Intelligibility Test) foi realizado numa intensidade de 40 dBNS. Foi aplicado o teste de reconhecimento de sentenças na presença de mensagem competitiva ipsilateral nas seguintes relações: 0 dBNA, –10 dBNA e – 15 dBNA. Foi posicionado o escolar de frente para a prancha contendo todas as figuras representantes das frases que foram ouvidas. O procedimento foi realizado no Centro de Estudos da Educação e da Saúde – CEES/Unesp – Marília. Foram realizadas duas sessões para a avaliação, com duração de 50 minutos cada. Este estudo foi realizado depois da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – CEP/FFC/UNESP/ Marília-SP sob o protocolo nº 660/2009. Para a realização da análise estatística, foi utili- zado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) em sua versão 13.0, com nível de significância de 5% (0,050). Foram aplicados o Teste de Qui-quadrado, ajustado pela Estatís- tica de Fisher, e o Teste de Kruskal-Wallis com o intuito de verificar possíveis diferenças entre os três grupos, quando comparados concomitantemente, e o Teste de Mann-Whitney, para identificar quai s grupos diferenciam-se entre si, quando compa- rados. A significância estatística foi marcada por asterisco (*). � RESULTADOS Nas Tabelas de 1 a 6 encontram-se os resul- tados da comparação concomitante entre os três grupos. A análise estatística foi realizada por meio do Teste de Qui-quadrado, ajustado pela estatística de Fisher. A tabela 1 apresenta a classificação dos grupos GI, GII e GIII para o Teste Dicótico de Dígitos, separado por orelha. Observa-se que houve dife- rença estatisticamente significante entre os três grupos, sendo que o grupo GIII apresentou melhor habilidade tanto para agrupar o sinal acústico em figura-fundo, como para identificá-lo verbalmente. O grupo GII apresentou desempenho superior que GI nessas habilidades. 516 Oliveira AM, Cardoso ACV, Capellini SA Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 GRUPO DIC DIG Classif OD Total GRUPO DIC DIG Classif OE Total Normal Alterado Normal Alterado I 0 10 10 I 0 10 10 0,00 100,00 100,00 0,00 100,00 100,00 II 5 5 10 II 2 8 10 50,00 50,00 100,00 20,00 80,00 100,00 III 10 0 10 III 10 0 10 100,00 0,00 100,00 100,00 0,00 100,00 Total 15 15 30 Total 12 18 30 50,00 50,00 100,00 40,00 60,00 100,00 Tabela 1 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para o teste dicótico de dígitos, separado por orelha p < 0,001* p < 0,001* Legenda: DIC DIG classif: Classificação dicótico de dígitos; OE: orelha esquerda; OD: orelha direita GRUPO SSW_Classif Total Normal Leve Moderado Severo I 0 0 2 8 10 0,00 0,00 20,00 80,00 100,00 II 1 2 5 2 10 10,00 20,00 50,00 20,00 100,00 III 10 0 0 0 10 100,00 0,00 0,00 0,00 100,00 Total 11 2 7 10 30 36,67 6,67 23,33 33,33 100,00 Tabela 2 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para o teste dicótico de dissílabos alternados (SSW) p < 0,001* Legenda: SSW_Classif: Classificação dicótico de dígitos alternados (SSW) A Tabela 2 mostra a classificação dos grupos GI, GII e GIII para o Teste Dicótico de Dissílabos Alternados. Pode-se observar que 100% dos esco- lares de GI apresentaram alteração, a qual variou do grau severo ao moderado. 70% dos escolares de GII apresentaram alteração variando de grau leve a severo. Já nenhum escolar de GIII apresentou qual- quer alteração. A análise estatística demonstrou diferença estatisticamente significante entre os três grupos, refletindo as dificuldades em figura-fundo, atenção auditiva e organização apresentadas pelos escolares de GI e GII. A Tabela 3 apresenta classificação dos grupos GI, GII e GIII para o Teste de Memória Sequencial Não-Verbal (MSNV) e Verbal (MSV). A Tabela 4 apresenta a classificação do Teste de Localização Sonora. Verifica-se que não houve diferença esta- tisticamente significante entre os três grupos. A Tabela 5 apresenta a classificação dos grupos para o Teste de Logoaudiometria Pediátrica (PSI) separado por orelhas. Verifica-se que houve dife- rença estatisticamente significante em ambas as orelhas, evidenciando que GI difere dos outros dois grupos por apresentar maior média de escolares com alteração em ambas as orelhas. Este resultado sugere que os escolares desse grupo apresentam alteração nas habilidades auditivas de figura-fundo e atenção seletiva. Com isso, pode-se afirmar que os escolares de GI apresentam alteração para a compreensão da mensagem com competição de ruído. A Tabela 6 apresenta a distribuição gráfica da média, desvio padrão, mediana e valor de p para os testes Dicótico de Dígitos e Dissílabos Alternados (SSW). Foi realizada a aplicação do Teste de Kruskal- Wallis, com o intuito de verificar possíveis dife- renças entre os três grupos, quando comparados concomitantemente. Foi encontrada diferença esta- tisticamente significante, evidenciando que GI apre- sentou média de desempenho inferior em relação às médias do GII e GIII nos testes de Dicótico de Dígitos e Dicótico de Dissílabos Alternados (SSW), em ambas as orelhas. Audição e transtornos de aprendizagem 517 Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 GRUPO LS Total Normal Alterado I 9 1 10 90,00 10,00 100,00 II 8 2 10 80,00 20,00 100,00 III 10 0 10 100,00 0,00 100,00 Total 27 3 30 90,00 10,00 100,00 Tabela 4 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para o teste de localização sonora p = 0,329 Legenda: LS: localização sonora; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda GRUPO PSI_OD Total GRUPO PSI_OE Total Normal Alterado Normal Alterado I 6 4 10 I 6 4 10 60,00 40,00 100,00 60,00 40,00 100,00 II 10 0 10 II 10 0 10 90,00 10,00 100,00 100,00 0,00 100,00 III 10 0 10 III 10 0 10 100,00 0,00 100,00 100,00 0,00 100,00 Total 26 4 30 Total 26 4 30 86,67 13,33 100,00 86,67 13,33 100,00 Tabela 5 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para o teste de logoaudiometria pediátrica (PSI) ispilateral, separado por orelha p = 0,011* p = 0,011* Legenda: PSI: logoaudiometria pediátrica; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda GRUPO MSNV Total GRUPO MSV Total Normal Alterado Normal Alterado I 8 2 10 I 6 4 10 80,00 20,00 100,00 60,00 40,00 100,00 II 9 1 10 II 8 2 10 90,00 10,00 100,00 80,00 20,00 100,00 III 10 0 10 III 10 0 10 100,00 0,00 100,00 100,00 0,00 100,00 Total 27 3 30 Total 24 6 30 90,00 10,00 100,00 80,00 20,00 100,00 Tabela 3 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para o teste de memória sequencial não verbal (MSNV) e memória sequencial verbal (MSV) p = 0,329 p = 0,082 Legenda: MSNV: memória sequencial não verbal; MSV: memória sequencial verbal; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda 518 Oliveira AM, Cardoso ACV, Capellini SA Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 A Tabela 7 apresenta a classificação dos grupos GI,GII e GIII para os testes Dicótico de Dígitos e Dicótico de Dissílabos Alternados (SSW), em ambas as orelhas. Como na tabela 6, para essas variáveis, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes. Foi aplicado o Teste de Mann-Whitney para identificar quais grupos diferenciam-se entre si quando comparados par a par. Observou-se que houve diferença estatisticamente significante para o teste Dicótico de Dissílabos Alternados e Dicótico de Dígitos. A exceção foi encontrada na compa- ração entre os grupos GI e GII e GII e GIII, para o Teste Dicótico de Dígitos, na orelha esquerda e direita respectivamente. Variável Par de Grupos I x II I x III II x III DIC_DIG_IB_OD 0,023* 0,000* 0,063 DIC_DIG_IB_OE 0,120 0,000* 0,004* SSW_OD_C 0,000* 0,000* 0,000* SSW_OE_C 0,012* 0,000* 0,002* Tabela 7 – Classificação dos grupos GI, GII e GIII para os testes de dicótico de digitos e dicótico de díssilabos alternados (SSW) Legenda: DIC_DIG: Dicótico de dígitos; IB: integração binaural; SSW: Dicótico de dissílabos alternados; C: competitiva; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda Variável Grupo n Média Desvio padrão Mediana Significância (p) DIC_DIG_IB_OD I 10 77,13 7,02 77,50 < 0,001* II 10 88,25 9,78 91,25 III 10 96,63 2,21 96,88 Total 30 87,33 10,61 91,25 DIC_DIG_IB_OE I 10 73,88 16,30 76,25 < 0,001* II 10 83,50 12,87 88,75 III 10 95,88 1,32 96,25 Total 30 84,42 14,77 90,00 SSW_OD_C I 10 51,00 10,62 50,00 < 0,001* II 10 79,75 10,89 80,00 III 10 96,75 2,37 97,50 Total 30 75,83 21,03 80,00 SSW_OE_C I 10 48,75 19,41 45,00 < 0,001* II 10 72,00 20,58 76,25 III 10 94,50 2,84 95,00 Total 30 71,75 24,73 78,75 Tabela 6 – Distribuição gráfica da média, desvio padrão, mediana e valor de p nos testes de dicótico de digitos, dicótico de dígitos alternados (SSW). Legenda: DIC_DIG: Dicótico de dígitos; IB: integração binaural; SSW: Dicótico de dígitos alternados; C: competitiva; OD: orelha direita; OE: orelha esquerda � DISCUSSÃO Os resultados deste estudo revelaram que, nos escolares de GI e GII, as habilidades auditivas encontram-se alteradas, quando comparados aos escolares do GIII, o que vai de encontro à literatura da área, a qual afirma que escolares com prejuízo em linguagem, ortografia, leitura e compreensão de leitura apresentam problemas de processamento auditivo, ou, em outras palavras, que as habilidades Audição e transtornos de aprendizagem 519 Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 de processamento auditivo estão mais prejudicadas nos escolares com transtornos de aprendizagem tais como distúrbio de aprendizagem (GI) e dislexia (GII), quando comparadas aos escolares sem estes transtornos1,7,9,10,17,20,21,25-28. A percepção da origem da fonte sonora tem grande importância devido à estreita relação entre audição, fala, leitura e escrita. No caso de as habili- dades de identificação e localização não se desen- volverem adequadamente, o desenvolvimento das demais habilidades pode ser prejudicado29. Neste estudo, pôde-se observar que, nos escolares com distúrbio de aprendizagem e dislexia, a habilidade de localização sonora encontra-se alterada. A ineficácia da integração de informações em escolares com distúrbio de aprendizagem e dislexia pôde ser verificada nos testes Dicótico de Dígitos e Dissílabos Alternados. A média alcançada pelos escolares com distúrbio de aprendizagem e dislexia do desenvolvimento foi menor que a dos escolares com bom desempenho acadêmico, assemelhando- se a outros estudos descritos na literatura 7,17,26,27,30. Todavia, apesar de os grupos I e II apresentarem desempenhos inferiores nos testes do processa- mento auditivo, o desempenho de GI foi inferior em comparação a GII, demonstrando que os escolares com distúrbio de aprendizagem apresentam difi- culdades na execução de tarefas que envolvem a atenção seletiva. O processamento auditivo abrange desde a detecção de som até a análise da informação linguística, envolvendo funções perceptuais, cogni- tivas e linguísticas9,10. Nos escolares com distúrbio de aprendizagem, os processamentos cognitivo, linguístico, auditivo e visual estão comprometidos e, em decorrência dessas falhas, o acionamento de mecanismos cognitivos para analisar, sinte- tizar, manipular, estocar e evocar informações linguísticas encontra-se alterado15. Tais habilidades são importantes para a leitura e a escrita, pois o conteúdo lido pelo escolar deve ser mantido na memória de curto prazo para que o sentido12 seja alcançado. Os resultados alterados encontrados em GI e GII ocorrem devido a déficits na percepção dos fonemas da fala, integração auditiva e memória de curto prazo25,31. É provável, nestes casos, que ao sistema fonológico não funcione de forma eficiente em decorrência da baixa qualidade das represen- tações de longa duração32. Uma das causas pode ser a dificuldade na percepção da fala no nível dos fonemas, que pode interferir no processo de mani- pulação das informações33-35. O desempenho inferior dos escolares de GI e GII nos testes de Memória Verbal e Não-Verbal pode ter ocorrido devido a características dos próprios quadros de distúrbio de aprendizagem ou dislexia, em que a memória de trabalho comprometida pode impedir o bom desempenho em leitura em nível de decodificação, compreensão da leitura e o desen- volvimento do vocabulário36-38. A partir dos resultados deste estudo, pôde-se verificar que os escolares com transtornos de aprendizagem tiveram um desempenho inferior nos testes de processamento auditivo, em comparação aos escolares com bom desempenho escolar. Os escolares com distúrbio de aprendizagem apresen- taram maior número de habilidades auditivas alte- radas, o que pode ser explicado pelo fato de terem atenção sustentada reduzida, enquanto os esco- lares com dislexia apresentaram somente altera- ções decorrentes da dificuldade relacionada com a codificação e decodificação de estímulos sonoros. � CONCLUSÃO Os achados deste estudo permitem concluir que: – Os escolares de GIII, com bom desempenho acadêmico, apresentaram desempenho supe- rior nos testes de processamento auditivo em relação aos escolares de GI e GII. – Os escolares de GI, com distúrbio de aprendi- zagem, apresentaram desempenho inferior nas habilidades auditivas avaliadas nos testes Dicó- tico de Dígitos, Dissílabos Alternados, Loogo- audiometria Pediátrica, Localização sonora, Memória Verbal e Não-Verbal. Os escolares de GII, com dislexia, também apresentaram alte- rações nestes testes, com exceção do teste de logoaudiometria pediátrica, porém em menor grau que os escolares de GI, evidenciando a necessidade da continuidade de estudos com maior número de casos para melhor diferen- ciação do perfil auditivo destes escolares. Desta forma, este estudo evidenciou que o fator atencional alterado nos escolares com distúrbio de aprendizagem é evidente nos testes logoaudiome- tria pediátrica e dicótico de dissílabos alternados, onde o desempenho desse grupo variou de mode- rado a severo, enquanto os escolares com dislexia variaram de leve a severo o que parece ser uma evidência do diferencial entre o distúrbio de apren- dizagem e a dislexia. 520 Oliveira AM, Cardoso ACV, Capellini SA Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 � REFERÊNCIAS 1. Yalçinkaya F, Muluk NB, Sahin S. 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Group II (GII): composed of 10 students with dyslexia diagnosis. Group III (GIII): composed of 10 students, attending grades two to four, with good academic performance, paired up according to gender and age with groups I and II. A basic auditory evaluation and an evaluation of central auditory processing were conducted. Results: the students of GIII showed statistically superior performance in auditory processing tests compared to the students of GI and GII. GI showed lower performance in auditory abilities assessed in the tests of dichotic digits, alternating dissyllable, pediatric speech intelligibility, sound localization, memory for verbal and non-verbal sounds, and GII also showed the same changes as GI, except in the pediatric speech intelligibility test. Conclusion: the students with learning disabilities showed lower performance in auditory processing tests, and the students with learning disorders had the highest number of altered abilities when compared with the students with dyslexia, which can be explained by the fact that this group shows reduced sustained attention. The dyslexia group showed alterations derived from the difficulty related to the auditory stimulus encoding and decoding. KEYWORDS: Auditory Perception; Hearing Disorders; Learning Disorders; Dyslexia Audição e transtornos de aprendizagem 521 Rev. CEFAC. 2011 Mai-Jun; 13(3):513-521 15. Silva C. Eficácia de um programa de remediação fonológica e leitura em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009. 16. Capellini SA. Distúrbios de aprendizagem versus dislexia. In: Ferreira LP, Lopes DMB, Limongi SCO, editores. Tratado de fonoaudiologia. 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