UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONAL Rafael Matos do Carmo FATORES DE DESEMPENHO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS DE AGRICULTORES FAMILIARES NA REGIÃO DE BARRETOS JABOTICABAL 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONAL Rafael Matos do Carmo FATORES DE DESEMPENHO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS DE AGRICULTORES FAMILIARES NA REGIÃO DE BARRETOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Administração da Universidade Estadual Paulista, como exigência para a obtenção do título de Mestre Profissional em Administração. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Azevedo Fonseca JABOTICABAL 2020 FICHA CATALOGRÁFICA CERTIFICADO DE APROVAÇÃO AGRADECIMENTOS Primeiramente à Deus pela oportunidade da vida. Ao Prof. Dr. Sérgio Azevedo Fonseca, pela orientação durante este percurso. À Prof.ª Dr. Regina Aparecida Leite de Camargo, ao Prof. Dr. Fábio Grigoletto e ao Prof. Ricardo Bonotto pela grande ajuda e contribuição nas bancas de qualificação e defesa. Ao Prof. Dr. David Ferreira Lopes Santos, Coordenador do Mestrado, pelo apoio permanente. Aos meus pais Wanderley do Carmo e Sandra Matos do Carmo, pelo incentivo e força para chegar até aqui. Aos meus irmãos Rodrigo Matos do Carmo e Raquel Matos do Carmo, pela inspiração e aprendizados. À minha esposa Talita Lozano Vanzelli Carmo e minha filha Maria Beatriz Vanzelli do Carmo pela paciência e apoio durante esta trajetória. Aos colegas da turma do Mestrado e a todos os docentes envolvidos no Programa. RESUMO Objetivo: A presente pesquisa investigou quatro organizações de pequenos produtores rurais, da região de Barretos-SP, em busca de suas práticas e modelos de atuação, cujo objetivo foi identificar as condições favoráveis e desfavoráveis para o desempenho das organizações coletivas de pequenos produtores rurais, as associações e cooperativas. As organizações foram escolhidas de acordo com o referencial teórico adotado, que salientou a agricultura familiar, o cooperativismo, o associativismo, as políticas públicas e a governança rural. Metodologia / Procedimentos de Pesquisa: Um conjunto de práticas de gestão foi identificado e comparado entre as organizações estudadas, através de quinze indicadores analisados, para avaliar quais das variáveis praticadas impactam diretamente no desempenho e na competitividade dessas organizações no mercado ao qual estão inseridas. Resultados e Discussões: Os resultados apontam diversas intersecções entre as práticas encontradas nas organizações convergindo para um modelo de práticas gerenciais que podem favorecer o desempenho de outras organizações de pequenos produtores rurais, além de contribuir com subsídios para futuras pesquisas. Implicações Gerenciais: O método utilizado pode ser aplicado para qualquer organização coletiva de produtores rurais voltada ao cooperativismo e associativismo. Além disso, o resultado da pesquisa será apresentado a Unidade de Políticas Públicas do Sebrae-SP para que o modelo seja adotado como um produto técnico do portifólio para ser utilizado por toda a rede em diferentes regiões do estado. Conclusões e Limitações da Pesquisa: Essa comparação apresentou práticas em comum, bem sucedidas e com forte aderência a um padrão de desempenho de excelência, ao mesmo tempo em que foram identificadas condutas em comum que mostram probabilidades de insucesso e desempenho inferior das organizações. Originalidade: A originalidade do trabalho está centralizada nos indicadores mapeados possibilitando diagnosticar organizações coletivas desse perfil de forma escalonada com foco na competitividade e inovação. Palavras-chaves: agricultura familiar, cooperativismo, associativismo, políticas públicas, governança rural. ABSTRACT Purpose: This research investigated four organizations of small rural producers, in the region of Barretos-SP, in search of their practices and models of performance, whose objective was to identify the favorable and unfavorable conditions for the performance of the collective organizations of a small rural producers, associations and cooperatives. The organizations were chosen according to the theoretical framework adopted, which emphasized family farming, cooperatives, associations, public policies and rural governance. Design/methodology: A set of management practices was identified and compared among the organizations studied, through fifteen analyzed indicators to assess which of the variables practiced directly impact the performance and competitiveness of these organizations in the market to which they are inserted. Findings and Discussions: The results point to several intersections between the practices found in organizations converging to a model of managerial practices that can favor the performance of other organizations of small rural producers, in addition to contributing with subsidies for future researches. Management Implication: The method used can be applied to any collective organization of rural producers focused on cooperatives and associations. In addition, the result of the research will be presented to the Publics Policies Area of Sebrae-SP so that the model is adopted as a technical product of the portfolio to be used by the entire network in different regions of the state. Conclusion and Research limitations: This comparison showed common practices, successful and with strong adherence to a standard of performance of excellence, at the same time that common behaviors were identified that show probabilities of failure and inferior performance of organizations. Originality: The originality of the work is centered on the mapped indicators making it possible to diagnose collective organizations of this profile in a staggered way with a focus on competitiveness and innovation. Keywords: family farming, cooperatives, associations, public policies, rural governance. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 6 1.1 Objetivos 8 1.2 Justificativas 9 2. REFERENCIAL TEÓRICO 10 2.1 Agricultura Familiar 10 2.2 Gestão de Políticas Públicas e Governança 14 2.2.1 Microbacias 18 2.2.2 PNAE, PPA e PPAIS 20 2.2.3 Desafios e dificuldades 23 2.3 Organizações Associativas 24 2.4 Organizações Cooperativas 31 2.5 Comparativo entre Associações e Cooperativas 37 2.5.1 Definição legal 37 2.5.2 Constituição 37 2.5.3 Escrituração contábil e prestação de contas 38 2.5.4 Destino do resultado financeiro 38 2.5.5 Obrigações fiscais e tributárias 38 2.5.6 Fiscalização 39 3. METODOLOGIA 39 3.1 Principais indicadores identificados nas organizações 42 3.2 Seleção dos casos 42 3.3 Protocolo de pesquisa 44 3.3.1 Procedimentos de campo 44 3.4 Dimensões analíticas 44 3.4.1 Coperfam 44 3.4.2 Coopbar 47 3.4.3 Frutos da Terra 49 3.4.4 Flor de Mel 51 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 54 4.1 Análise comparativo dos casos 54 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 60 6. REFERÊNCIAS 63 6 1. INTRODUÇÃO As organizações coletivas, notadamente no meio rural brasileiro, têm sido consideradas por agentes de políticas públicas (lideranças, gestores públicos e empreendedores ligados ao desenvolvimento local) como estratégias virtuosas para o alcance de espaços e a obtenção de resultados que, individualmente, seriam mais limitados e dificultosos. Um cenário que contribui para a melhoria das condições econômicas dos envolvidos. De acordo com o Sebrae (2019), a organização social de produtores rurais é considerada um instrumento de empoderamento e emancipação social. Contudo, as dificuldades práticas, tanto de gestão quanto de aspectos sociais, como participação, envolvimento, ajuda mútua e relacionamento entre cooperados, levaram a uma série de insucessos econômicos e sociais em organizações de produtores rurais. Diversas explicações podem ser listadas para os casos, tais como: a grande heterogeneidade social, política, educacional e financeira; e a estrutura de estratificação de classes, seja a histórica ou a mantenedora do status quo do domínio oligárquico. A reação da comunidade rural para os estímulos de desenvolvimento tem ocorrido mais em direção às organizações associativas com modelos burocráticos mais simples, ou seja, as que não exigem obrigatoriedade de um número mínimo de associados, com roteiros mais simplificados para a constituição para a prestação de contas, e, em princípio, mais ajustadas às expectativas e aos entusiasmos locais (SEBRAE, 2019). Uma estrutura jurídica complexa pode, em alguns casos, assustar ou inibir a iniciação dos produtores em uma organização gerencial, bem como na delegação de responsabilidades. Silveira et al. (1999) observam que a organização coletiva expressa por meio das associações de produtores deve ser entendida como resposta a uma situação em que a ação individual não consegue atender às demandas e às reivindicações dos produtores ligados à agricultura familiar. Os autores afirmam ainda que, de maneira geral, as associações de produtores têm sido constituídas para se atingir objetivos bem definidos, como reduzir a intermediação comercial, efetuar a aquisição conjunta de insumos e propiciar a utilização de máquinas e equipamentos agrícolas. Para Jales et al. (2009) a cooperação e o engajamento de indivíduos no processo de desenvolvimento local tornam-se forças motoras da capacidade endógena de transformação. Já de acordo com Sangalli et al. (2015), é através do 7 associativismo que pequenos produtores tendem à melhorar a atuação no mercado, e esse desempenho econômico torna favorável a permanência no campo. Conforme Fagotti (2017), são diversos os motivos que desencadearam a multiplicação de associações de produtores rurais em diversos processos organizativos. O autor aponta ainda que “as associações surgem como um meio facilitador para obtenção de créditos agrícolas, canais de comercialização e de organização das demandas diante das instâncias governamentais”. (FAGOTTI, 2017, p. 34) Conforme afirma Marschall (2009), a cooperação é vista como uma forma de sobrevivência da agricultura familiar em um contexto de predomínio das formas capitalistas de produção rural. O autor ainda: [...] complementa afirmando que a ineficiência do Estado e a ausência de políticas públicas voltadas à agricultura familiar induzem os pequenos produtores à buscarem no modelo de cooperação uma forma de resistência às imposições do interesse do capital monopolista. (ROCHA et al., 2018, p. 10) Conforme evidenciado por Grisa (2012), a construção das políticas públicas para a agricultura resultava basicamente das representações de mundo e do setor (referencial global e setorial) oriundas de gestores públicos, acadêmicos e representantes de grupos de interesse, conformando um referencial setorial direcionado para a modernização da agricultura. (GRISA, 2014, p.129) “Essa confluência de esforços e evidências criou as condições para que, também no Brasil, a agricultura familiar passasse a ser vista de forma positiva e relevante para a produção de alimentos e geração de empregos [...]” (GRISA, SCHNEIDER, 2015, p.133), já que a ideia de pequena propriedade foi reconhecida somente na década de 1970, com a criação de cooperativas e associações. Conceber a possibilidade de constituir associações tornou-se uma alternativa para a possível solução das vulnerabilidades e problemas comuns dos agricultores. A associação é uma organização dotada de arcabouço estrutural simples e enxuta que contribui para facilitar a gestão. [...] o crescimento da colaboração envolve compartilhamento de riscos, agrupamento de habilidades, desenvolvimento de mercados, criação de produtos, dentre outros. (ROCHA et al., 2018, p. 11) As associações se apresentam como uma opção facilitada de constituição, independentemente do número de membros, necessitando apenas se atentar ao Código Civil, que impõe que as mesmas devem funcionar com uma diretoria formada 8 por quatro ou mais associados (BRASIL, 2002). As associações, enquanto organizações coletivas com fins produtivos ou de inserção no mercado, poderiam ser consideradas como um estágio embrionário de uma cooperativa ou até um estágio de formação e de “constituição celular” mais saudável e sólido e que possivelmente gerará uma organização fortalecida. Tal fato é percebido em inúmeras situações, já que a criação de uma associação é mais simples, tanto no aspecto técnico quanto burocrático, sendo então a alternativa prioritária dos produtores rurais. À medida em que uma associação cresce e atinge a maturidade, enquanto grupo, pode se transformar em uma cooperativa. Segundo estudos do Sebrae (2019), em regiões onde há predominância de agricultores familiares vêm ocorrendo um aumento significativo do número de associações. Isso se deve ao fato de que a maior parte dos produtores têm dificuldades na comercialização de seus produtos e enxergam nas organizações coletivas uma possibilidade de acesso a novos mercados para escoamento da produção. Com base nos indicativos citados, sobre a elevação do número de organizações coletivas formalizadas, percebe-se, em paralelo, um aumento da taxa de mortalidade dessas associações por diversos motivos, seja em relação ao ambiente externo ou a fatores internos. Assim, o presente estudo destina-se à responder o seguinte problema de pesquisa, formulado em caráter abrangente: quais são os principais fatores que contribuem, favorável ou desfavoravelmente, para o desempenho de organizações coletivas (notadamente associações e cooperativas) de pequenos produtores rurais? 1. 1. Objetivos O objetivo central da pesquisa foi identificar as condições favoráveis e desfavoráveis para o desempenho de organizações coletivas de pequenos produtores rurais (associações e cooperativas) no território compreendido pela Região de Barretos, estado de São Paulo. Como objetivos específicos pretendeu-se: • Investigar diferentes variáveis que envolvam toda a cadeia produtiva de associações e cooperativas; • Apurar motivações e contexto histórico; 9 • Identificar números de integrantes e tipologia de produtos; • Identificar mercados e formas de comercialização; • Classificar os fatores que tenham contribuído, favorável ou desfavoravelmente, para o desempenho dessas organizações. 1. 2. Justificativas Tratando-se de projeto de pesquisa realizado no âmbito de um programa de mestrado profissional, é fortemente recomendável que os resultados da pesquisa possam ser utilizados por instituições que busquem aprimorar o seu desempenho. No caso particular desta pesquisa, o Escritório Regional do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo – Sebrae SP, sediado no Município de Barretos, vem atuando fortemente na formatação de projetos ligados à agricultura familiar, tendo como público-alvo os pequenos produtores rurais de seu território de abrangência. Outro foco estratégico da instituição é fomentar e desenvolver organizações de produtores rurais como uma forma de diminuir a mortalidade desses negócios e fortalecer o setor. Entretanto, a visão sistêmica do contexto onde essas organizações estão inseridas é insuficiente, em virtude da inexistência de dados particulares dessas associações na região, como localização, tipo, tamanho, produção, perfil, estrutura, número de associados, etc. Desse modo, o objetivo da pesquisa converge com essa necessidade que se constitui em uma das principais carências detectadas pelo escritório. Um outro ponto importante a ser destacado é o impacto dessas organizações no desenvolvimento regional e no fortalecimento de políticas públicas voltadas à pequena agricultura familiar, uma vez que existem atualmente inúmeros programas relacionados à valorização do pequeno produtor local e ao incentivo à agricultura familiar. São exemplos dessas ações: o Programa de Aquisição de Alimentos do Ministério do Desenvolvimento Social (PAA), criado pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003; o Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social do Governo do Estado de São Paulo (PPAIS); e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ligado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do Ministério da Educação (FNDE). Segundo informações levantadas junto à gestores públicos durante a formatação de programas de desenvolvimento local implantados pelo Sebrae-SP na 10 região de Barretos-SP, ainda são muitos os municípios que encontram dificuldades em cumprir a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, à qual dispõe que 30%, no mínimo, do valor repassado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar local. De acordo com os consultores envolvidos no projeto, a falta de organização dos pequenos produtores obriga o Executivo a comprar de associações e/ou cooperativas de outras localidades para atender os editais de compras públicas. Além disso, casos de corrupção envolvendo agentes públicos municipais e cooperativas fantasmas também foram fatores identificados pelo Sebrae SP na região relacionados ao PNAE. É notório, no entanto, que, apesar das oportunidades, muitos produtores ainda desconhecem os programas governamentais e, quando conhecem, elencam uma série de dificuldades para comercializarem seus produtos. Nesse contexto, é preciso ressaltar que o processo de comercialização é hoje um dos principais desafios do pequeno produtor. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2. 1. Agricultura Familiar [...] com a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 inicia-se um processo de colonização que tinha como um dos pilares o incremento da atividade mercantil europeia. Portugal instala um modelo de agricultura baseado nas “Grandes Fazendas” e em produtos específicos à exportação, como: tabaco, açúcar e café. Neste contexto, a agricultura familiar nasce no entorno das grandes fazendas e das zonas de mineração para prover alimentos à população local. Era permitida e até estimulada pelo “senhor proprietário”, para que seus agregados usassem terras em pequena escala e que produzissem alimentos para sua família, gerando excedente para venda ou troca nas imediações de suas moradias. (ALVES et al, 2011, p. 69) Pulando quatro séculos de história, na década de 1950 surgem no Brasil as Ligas Camponesas, como um movimento de luta pela reforma agrária que organizou milhares de trabalhadores rurais que viviam como parceiros ou arrendatários, principalmente no Nordeste brasileiro, com o lema “Reforma Agrária na lei ou na marra”, contra a secular estrutura latifundiária no Brasil. Tal contexto teve como consequência a industrialização, incentivada durante o governo JK na década de 1950, já que a intensificação da mecanização da produção agrícola produziu 11 desemprego e redução de salários, o que aumentou a insatisfação social das populações pobres da zona rural nordestina. A primeira liga foi formada em 1954, em Vitória de Santo Antão, no estado de Pernambuco, reunindo 1.200 trabalhadores rurais. O caráter dessas organizações abandonava as antigas medidas assistencialistas, passando a assumir uma atuação política mais ativa na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e pela distribuição de terras. As ligas sofreram forte repressão da polícia e dos grandes proprietários de terras, o que não impediu seu fortalecimento ao longo dos anos, expandindo-se também para os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em 1961, realizou-se em Belo Horizonte o Primeiro Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, reivindicando a reforma agrária e a extensão dos direitos trabalhistas a todos os trabalhadores do campo. (PINTO, 2020) Desde seu surgimento até os dias atuais, no entanto, a agricultura familiar não ganhou prioridade pelas políticas públicas de desenvolvimento rural, estando sempre à margem da agricultura patronal ou do chamado agronegócio. [...] o reconhecimento por parte do Estado de que os agricultores familiares fazem parte do desenvolvimento enquanto atores sociais é a condição para que a estrutura social não se sobreponha de forma a anular o projeto de vida camponês. (ALVES et al., 2011, p. 68) Wanderley (2003, p. 43) aponta que: [...] existe uma certa dificuldade, do ponto de vista teórico, em atribuir um valor conceitual à categoria agricultura familiar que se difundiu no Brasil, sobretudo a partir da implantação do Pronaf. As posições a esse respeito variam bastante. Para uns, o conceito agricultura familiar se confunde com a definição operacional adotada pelo Pronaf que propõe uma tipologia de beneficiários em função de sua capacidade de atendimento. Para outros, agricultura familiar corresponde a uma certa camada de agricultores, capazes de se adaptar às modernas exigências do mercado em oposição aos demais “pequenos produtores” incapazes de assimilar tais modificações. São os chamados agricultores “consolidados” ou os que têm condições, em curto prazo, de se consolidar. Supõe-se que as políticas públicas devam construir as bases para a formação desse segmento. Tal posição é defendida com uma maior elaboração teórica. A ideia central é a de que o agricultor familiar é um ator social da agricultura moderna e, de uma certa forma, ele resulta da própria atuação do Estado. Na Europa, esta posição é reforçada pelo fato de que não só as políticas agrícolas nacionais, como a própria PAC, definiram como modelo de estabelecimento agrícola o estabelecimento familiar composto por duas unidades de trabalho, em geral, o casal familiar. 12 Entretanto, um ponto a se destacar é o reconhecimento jurídico da agricultura familiar como categoria socioprofissional através da Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, que “estabelece as diretrizes para a elaboração da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais” (BRASIL, 2006, s/p). A definição de agricultura familiar constante da Lei é bastante ampla, envolvendo diversos segmentos de produtores, desde agricultores pobres até pequenos empresários integrados ao mercado e ao agronegócio. O PRONAF (2002, p. 31) afirma que pensar a agricultura familiar é, em primeiro lugar, pensar condições de produção para o agricultor. Contudo, as necessidades de um agricultor não param naquilo que ele necessita para produzir. Ele e sua família são também consumidores demandando outros itens como alimentos, material de construção, uniformes e livros escolares para os filhos, roupas, louças, móveis, aparelhos eletrônicos e tratamento médico e odontológico. Como cidadão ele precisa ter uma renda mensal que lhe permita fazer frente a estas necessidades. Tendo em vista que a produção agrícola costuma ter uma fase de maiores gastos no início e apenas no final do ciclo é que os produtos agrícolas darão retorno, é necessário pensar alternativas de geração contínua de renda para os estabelecimentos familiares. (ALVES et al., 2011, p. 70) A categoria dos agricultores familiares tem como aspectos principais: a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos realizados por indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento; b) a maior parte do trabalho ser de membros da família; c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertencerem à família, sendo no seu interior a transmissão dos bens em caso de falecimento ou de aposentadoria dos responsáveis (ZIMMERMANN, 2008, p. 4 apud ALVEZ et al., 2011, p. 70). Entre os agricultores familiares brasileiros, representados por cerca de 4,5 milhões de famílias, 85% vivem e trabalham em condições extremamente adversas – nem sempre têm terra, sem capital, com baixo nível de escolaridade e sem tecnologia. Representam, portanto, uma categoria, no conjunto da sociedade civil, que expressa, com extrema evidência, o grave e lamentável fenômeno de dispersão e de exclusão social jamais visto no Brasil. Apesar disso, são responsáveis por mais de 60% da produção de alimentos no País e têm capacidade de gerar sete vezes mais postos de trabalho do que a atividade agrícola patronal. A atividade produtiva agrícola familiar, ao manejar 9 hectares de terra gera um emprego, contra 60 hectares necessários para gerar o mesmo emprego pela grande propriedade patronal. Ao considerar esses fatos e também que, ao lado de cada agricultor familiar existe uma família, pode-se 13 representar um contingente de mais de 30 milhões de pessoas, ou seja, quase 20% da população brasileira (SCHAUN, 2009, p. 4). [...] uma importante característica da agricultura familiar é a fusão que no seu interior se manifesta entre as unidades de produção e as famílias. Nesse sentido é fundamental pensar a viabilidade e o desenvolvimento da agricultura familiar não apenas do ponto de vista econômico-produtivo, mas principalmente, sociocultural e ambiental, colocando na arena de debate e nas ações coletivas o conjunto de necessidades e potencialidades que as famílias percebem nesses espaços e a apreensão da importância da construção de um sistema de organização que garanta a mudança necessária para a qualidade de vida dessas populações. (MORAES; CURADO, 2004 apud ALVES et al., 2011, p. 71) Estruturar e implementar políticas públicas que não apenas levem o nome da agricultura familiar, mas que sejam organizadas a partir da compreensão e da lógica do modo de vida camponês, é pressuposto para que o Estado assuma os pequenos agricultores como atores do desenvolvimento e do crescimento econômico. [...] em diversas localidades no país as experiências desenvolvidas pelas organizações dos agricultores familiares ainda não têm alcançado, em sua maioria, resultados positivos e sustentáveis para a viabilização da agricultura familiar. Isso ocorre devido à inexistência de uma maior reflexão sobre as realidades locais e as especificidades econômicas, sociais e culturais da agricultura familiar em diferentes contextos. (MORAES; CURADO, 2004 apud ALVES et al., 2011, p. 71) [...] a organização do segmento agropecuário tem como característica típica um grande número de produtores rurais, predominantemente pequenos, distribuídos e distanciados em grandes espaços com pouca organização representativa, de modo que não possuem capacidade suficiente para formar o preço de seus produtos. Essa realidade revela a fragilidade da agricultura familiar, consequência da desorganização, da falta de informação dos produtores, da fragilidade da organização e da coordenação das cadeias produtivas mais curtas. Nessa condição, o segmento “dentro da porteira” é tomador de preços dos demais segmentos (a montante e a jusante da produção) e, por isso, perde participação no conjunto dos negócios ligados às atividades da agricultura familiar. (ARAÚJO, 2003 apud KUNZLER; BULGACOV, 2011, p. 1368) É importante ressaltar que o simples fato de participar de uma cooperativa ou associação não indica necessariamente que o agricultor teve todas as suas necessidades atendidas e consolidadas. Pode indicar, no entanto, que se encontra em um processo de organização, já que por meio do grupo teoricamente, terá mais força para reivindicar seus direitos [...] uma alternativa para o fortalecimento 14 da territorialidade e uma maior dinamização das associações rurais encontra-se na identificação da realidade social, analisando coletivamente os problemas e as potencialidades locais. A construção de redes de solidariedade pode ser uma saída alternativa, promovendo-se a interação entre grupos sociais com interesses numa mudança significativa nos padrões de decisão, elevando as possibilidades de autonomia cultural das comunidades rurais. (ALVES et al., 2011, p. 76) 2. 2. Gestão de Políticas Públicas e Governança Ao mostrar os problemas enfrentados pelo associativismo brasileiro, Aguiar (2007) aponta fragilidades relacionadas à forma participativa de gestão e aos objetivos dos grupos que, embora na maioria dos casos, revelam-se economicamente viáveis, pois ampliam as oportunidades de trabalho, de produção agrícola e de renda, diante da limitação de políticas públicas que as estimulem. “Nos últimos anos são inúmeras as discussões, projetos e ações desencadeadas por profissionais de diversos segmentos buscando consolidar planos estratégicos para o desenvolvimento regional com base nas potencialidades de cada estado brasileiro”. (AGUIAR, 2007, p. 91 apud ALVES et al., 2011, p. 77) Essa tradição do Estado brasileiro de direcionamento/incentivo ao cooperativismo e ao associativismo – organizações que em tese acontecem espontaneamente a partir da associação entre indivíduos em torno de um mesmo objetivo ou uma ideia – incitou um “ethos” cooperativo/associativo específico brasileiro. Algumas análises sobre a imbricação entre processos de cooperação/associação e incentivo/direcionamento do Estado sugerem uma participação instrumental dos agentes, ao mesmo passo em que reforça o sentimento de identidade e de pertencimento, mas sem a participação real na organização coletiva, tendo como hipótese que o cooperativismo institucionalizado permeia a reprodução dos interesses hegemônicos que pairam sobre o espaço de relações dos agentes do campo. (MELO; SCOPINHO, 2015 apud FAGOTTI, 2017 p. 3) A preocupação relacionada às estruturas sociais e econômicas mais sólidas, mesmo que simples, tem uma relação muito forte com a proposta de desenvolvimento local, definido por Buarque (1998) como: um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade explorando suas capacidades e potencialidades específicas. (BUARQUE, 1998, p. 9) 15 Tal perspectiva se contrapõe a um desenvolvimento macro dissociado das peculiaridades que existem nos subsistemas ou nas organizações sociais mais simples, tais como as associações de produtores. O desenvolvimento local envolve fatores sociais, culturais e políticos que não se regulam exclusivamente pelo sistema de mercado, uma vez que é marcado pela cultura do contexto em que se situa. É considerado como o conjunto de atividades culturais, econômicas, políticas e sociais que participam de um projeto de transformação consciente da realidade local. Para ser um processo consistente e sustentável, o desenvolvimento deve elevar as oportunidades sociais e a viabilidade e competitividade da economia local, aumentando a renda e as formas de riqueza, ao mesmo tempo em que assegura a conservação dos recursos naturais. (SILVA; BARROS, 2008, p. 9) As estratégias e as iniciativas de desenvolvimento local propõem-se a estimular a diversificação da base econômica local, favorecendo o surgimento e a expansão de organizações coletivas. As economias locais e regionais se fortalecem quando se difundem as inovações e o conhecimento entre as organizações situadas em um mesmo território geográfico. O desenvolvimento local é um processo de crescimento econômico e de mudanças de paradigmas, liderado pela comunidade local ao utilizar seus ativos e suas potencialidades, buscando a melhoria da qualidade de vida da população. (ZAPATA, 2001; CAMPOS, 2003 apud LEONELLO; COSAC, 2008, p. 7) [...] a estratégia de apoio ao desenvolvimento local/ territorial tem como eixos a construção de capital social, o fomento adequado aos micro e pequenos empreendimentos e o fortalecimento da governança local, por meio da cooperação, da construção de parcerias e da constituição de pactos de atores por um projeto coletivo de desenvolvimento com mais equidade. (MANÇANO, 2008, p. 6) Nesse caso, vale enfatizar a importância do estímulo às organizações coletivas de produtores rurais com foco na agricultura familiar em regiões vocacionadas ao setor agrícola, como parte de um plano de desenvolvimento local. Conforme Fagotti (2017), os estudos clássicos sobre o tema do capital social também são fundamentais nesse campo. Putnam (1996), Abramovay (2000), Granovetter (2009), Bagnasco (1999), Becattini (1994), Gurisatti (2002), Cocco, Urani, Silva e Galvão (2002) direcionam a compreensão das condições de cooperação entre grupos como fator central para a configuração de um ambiente institucional que favorece e facilita a fluidez das diferentes formas de capitais. 16 Outrossim, estudos como os de Carneiro (2012), Wanderley (2000), Veiga (2006), Sabourin (2002), Ferreira (2002), Silva (1999), dentre outros, situam o debate acerca das mudanças do “universo rural brasileiro”. Esses autores vinculam às discussões sobre as novas organizações dos espaços rurais as atividades agrícolas e não- agrícolas, entendidas, no recorte teórico que utilizaremos, como parte das “novas ruralidades” ou do “novo rural”. Autores como José Graziano da Silva (1999) atentam para esse “novo rural”. caracterizado pela constante diluição da antiga divisão institucional entre urbano e rural. Dessa forma, os espaços antes vistos como irreconciliáveis passam a ser definidos como territórios que, em sua substância, possibilitam fluxos econômicos e sociais formatando relações que se complementam. (CAMPANHOLA; SILVA, 2000 apud FAGOTTI, 2017, p.27) Quando se trata de novas concepções de desenvolvimento, é importante ter claro que o território, embora deva desenvolver-se de forma economicamente sustentável, deve ser compreendido e analisado não somente a partir de suas variáveis econômicas ou geográficas. Segundo Furtado (2005, p. 227): o verdadeiro desenvolvimento é, principalmente, um processo de ativação e canalização de forças sociais, de melhoria da capacidade associativa, de exercício da iniciativa e da criatividade. Desse ponto de vista, trata-se de um processo social e cultural, e apenas secundariamente econômico. O desenvolvimento local está associado, normalmente, às iniciativas inovadoras e mobilizadoras da coletividade, articulando as potencialidades locais às condições dadas pelo contexto. Haveri (apud BUARQUE, 2004, p. 30), argumenta que “as comunidades procuram utilizar suas características específicas e suas qualidades superiores e se especializar nos campos em que têm uma vantagem comparativa com relação às outras regiões”. Em determinadas localidades com forte vocação às atividades envolvendo a agricultura familiar, cabe ao Estado priorizar ações de políticas públicas para o fortalecimento dessas comunidades, com vistas à formalização de organizações coletivas de produtores rurais, como forma de elevar a competitividade coletiva em detrimento da atuação individual, e estimular a comercialização para novos mercados com foco na geração de trabalho e renda. Torna-se importante sublinhar que a sociedade encontra-se em uma etapa de transição tecnológica e de reestruturação econômica e social, na qual as variáveis chave são a incorporação de inovações estratégicas no tecido produtivo, assim como a qualificação do capital humano, junto à adaptação institucional, que requerem novas 17 formas de gestão no conjunto das organizações. Todos esses componentes decisivos devem ser contemplados numa política ajustada aos diferentes contextos territoriais. As fórmulas agregadas e centralizadas não são as mais apropriadas por serem pouco efetivas no contexto do novo paradigma da gestão flexível (ZAPATA, 2001). Nesse sentido, Haesbaert (2006) colabora, ao indicar que os espaços se tornam mais fluidos, sugerindo a necessidade constante de reconstrução social dos laços econômicos e culturais, devido à tendência de uniformização cultural, paradoxalmente atrelada a um reforço das identidades locais: A exclusão social que tende a dissolver os laços territoriais acaba em vários momentos tendo o efeito contrário: as dificuldades cotidianas pela sobrevivência material levam muitos grupos a se aglutinarem em torno de ideologias e mesmo espaços mais fechados visando assegurar a manutenção de sua identidade cultural, último refúgio na luta por preservar um mínimo de dignidade. (HAESBAERT, 2006, p. 92) Silveira (2006) afirma que uma nova visão política está surgindo, no que se refere ao conceito de desenvolvimento local. Os atores e as instituições governamentais são relevantes no processo de promoção do desenvolvimento local, provendo metodologias e programas de apoio. O fulcro dessas dinâmicas, contudo, e do que hoje emerge como um movimento social associado à perspectiva do desenvolvimento local, não é o protagonismo do Estado ou das grandes instituições. Seguramente, o protagonismo local é a percepção dos atores envolvidos em dinâmicas locais como sujeitos de seu próprio projeto de mudança e como sujeitos de seu desenvolvimento, através da valorização dos ativos locais, especialmente das potencialidades de cooperação ocultas em cada território. [...] o desenvolvimento local somente se torna possível na medida em que os agentes locais sejam o centro do desenvolvimento, ou seja, todas as forças indutoras do desenvolvimento deverão ser focadas no intuito de valorizar as potencialidades locais, dinamizando e estimulando as iniciativas econômicas já existentes, através da coerência dos atores envolvidos e da capacidade desses em associar de modo harmônico um conjunto variado de processos e elementos, que sejam comuns a todos. É importante ressaltar que o desenvolvimento tem raízes locais, uma vez que o conhecimento se transforma num atributo cada vez mais essencial para o processo de produção, competição e crescimento econômico. Nesse sentido, a tomada de decisão de uma empresa no que tange à sua localização vem a ser uma questão imperativa e central para a sua capacidade competitiva, que depende em última instância, da reunião de dois 18 elementos-chave: competência individual e os ativos locais. (MANÇANO, 2008, p. 8) Na realidade, a atual concepção de desenvolvimento econômico acaba por endossar a importância do ambiente local. Entretanto, o desenvolvimento somente será viabilizado naquelas localidades que forem capazes de mobilizar as suas vantagens comparativas num intenso processo que requer efetivamente diálogo, sendo que esse diálogo tem de ser, por necessidade, gerador de novos conhecimentos e indutor de aprendizado, que assume importância capital. De fato, o aprendizado depende não só do conhecimento, de condições de suporte e infraestrutura, mas principalmente da cooperação, que vem a ser um elemento crucial no potencial local de competição, na medida em que está assentada na capacidade dos diversos atores em gerar consenso. (SERRA; PAULA, 2007 apud MANÇANO, 2008, p. 8) O conceito de desenvolvimento regional está diretamente ligado às organizações coletivas, já que essas, quando bem formatadas e estruturadas, funcionam como eixos alavancadores do empreendedorismo em determinada localidade. Organizações fortes geram emprego, renda e estimulam novos negócios em torno de onde estão inseridas. Em regiões bem desenvolvidas, percebe-se muitas organizações coletivas instaladas como parte integrante de uma engrenagem propulsora de fomento a novos negócios e mercados, atraindo empreendedores e investidores. 2. 2. 1. Microbacias O Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas foi estabelecido no Estado de São Paulo nos anos 1980, mas passou a contar com financiamento do Banco Mundial somente a partir do ano 2000. No período compreendido entre os anos 2000 e 2008 o referido programa contou com o financiamento de US$ 124.740.200,00, sendo que o Banco Mundial realizou empréstimo de US$ 55.348.200,00. Para o acesso ao financiamento externo, o Programa de Microbacias teve que contemplar algumas exigências do Banco Mundial, como a valorização da dimensão ambiental e dos aspectos socioeconômicos dos beneficiários, incentivar a participação dos produtores na elaboração do Plano da Microbacia, (NETO; HESPANHOL, 2014, p. 92) De acordo com Neves Neto e Veloso (2014), o Programa de Microbacias teve como principal objetivo o aumento e a sustentabilidade da produção e da produtividade e a aprimoração da assistência técnica aos produtores, sobretudo aos pequenos, almejando-se fomentar o manejo adequado dos recursos naturais, por 19 meio do(a): (i) incentivo às práticas modernas de manejo e conservação do solo, água e floresta planejados e implementados na microbacia, envolvendo a comunidade dos produtores; (ii) desenvolvimento da consciência ambiental nas comunidades; (iii) ampliação da extensão e do período de cobertura vegetal do solo, protegendo-o dos raios solares e das chuvas intensas de verão; (iv) melhoria da estrutura física do solo, elevando a infiltração da água e diminuindo o escoamento superficial; (v) elevação da capacidade do Estado em executar, com maior eficiência, um amplo programa de manejo e conservação dos recursos naturais. [...] Dentre as propostas do Programa de Microbacias constavam: - Conscientizar os agricultores sobre a importância de conservar os recursos naturais; - Transformar os agricultores e suas famílias em agente do desenvolvimento; - Criar e/ou fortalecer as associações de produtores; - Reduzir o uso de agrotóxicos; - Controlar as erosões; - Recuperar as áreas degradadas; - Recompor as Matas Ciliares; - Proteger os Mananciais e nascentes; - Readequar as Estradas Rurais [...] o foco principal do Programa de Microbacias foi o meio ambiente, que respondeu por seis do total de nove conjuntos de ações. A meta inicial foi atender 1.500 microbacias, abrangendo 90 mil produtores (30% do total do Estado) e 4,5 milhões de hectares. Devido ao atraso no início da operacionalização do PEMH e a diminuição no valor do empréstimo com o Banco Mundial, a meta foi reduzida para 950 microbacias, num total de 2,85 milhões de hectares. Os municípios que fizessem parte dos EDRs, onde o grau de degradação ambiental fosse maior e tivessem graves problemas socioeconômicos, receberam grande parte dos recursos. Portanto, foram os municípios localizados a oeste e a noroeste do Estado de São Paulo que tiveram maior possibilidade de acesso ao programa, incluindo a região de Barretos, foco deste estudo. [...] o Programa de Microbacias teve como principal objetivo atender aos pequenos e médios produtores. Já os grandes produtores rurais, por possuírem maior escala de produção, maior facilidade ao crédito e, consequentemente, maior renda, foram menos beneficiados por essa política pública estadual. Não obstante os resultados positivos, como o incentivo ao plantio direto, a adequação de estradas rurais e o plantio de mata ciliar, o Programa de Microbacias teve muitos problemas na sua execução. O principal foi o não cumprimento da maioria das metas inicialmente traçadas. Outra dificuldade do PEMH foi a abrangência dessa política pública, que beneficiou somente algumas áreas do Estado de São Paulo, sendo que poucos municípios conseguiram envolver um grande número de produtores. (NEVES NETO; VELOSO, 2014, p. 44) Em continuidade às ações desenvolvidas pelo Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas (2000-2008), foi implementado no Estado de São Paulo o 20 Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável – Microbacias II – Acesso ao Mercado, que foi resultado de um acordo entre o Governo do Estado e o Banco Mundial. Como destacado por Neto e Hespanhol (2014) essa política pública estadual foi gerida por duas secretarias, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral (CATI), sendo na época responsável por 81,2% de todo o recurso disponível para o projeto, e a Secretaria do Meio Ambiente, através da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN). O período de duração do projeto inicialmente acordado era entre 30 de setembro de 2010 a 30 de setembro de 2015, tendo sido posteriormente prorrogado para 30 de setembro de 2017. O objetivo principal do Microbacias II era fomentar o desenvolvimento rural sustentável, gerando oportunidades de trabalho e renda, a inclusão social, a manutenção/recuperação dos recursos naturais e a satisfação da comunidade. Para isso, o projeto teve como foco elevar a competitividade da agricultura familiar no Estado de São Paulo. As tribos indígenas e as comunidades quilombolas também foram atendidas por essa política pública. Para acessar os recursos do Projeto de Microbacias II, os agricultores familiares e os grupos tradicionais (quilombolas e indígenas) tiveram que se organizar coletivamente, por meio de associações e/ou cooperativas, buscando uma cadeia produtiva comum. (NETO; HESPANHOL, 2014, p. 94) O Microbacias II – Acesso ao Mercado foi dividido em três componentes: 1) Apoio às Iniciativas de Negócios dos Agricultores Familiares; 2) Fortalecimento das Instituições Públicas; e 3) Infraestruturas e Gestão de Projetos. Além dos três componentes, havia cinco subcomponentes: 1) Investimento nas Iniciativas de Negócios dos Agricultores Familiares; 2) Fortalecimento das Organizações de Produtores Rurais; 3) Políticas Públicas, Monitoramento de Mercado e Extensão Rural; 4) Fortalecimento da Infraestrutura Municipal; e 5) Sustentabilidade Ambiental. (NETO; HESPANHOL, 2014, p. 94) 2. 2. 2. PNAE, PPA e PPAIS Em meados de 2012-2013, foram disponibilizados R$ 115,25 bilhões ao Plano Agrícola e Pecuário para o MAPA financiar a agricultura empresarial, e somente17,95 bilhões para o MDA fomentar a agricultura familiar (MAPA, 2019). Ou seja, o Estado brasileiro continua destinando a maior parte dos seus recursos aos grandes e médios 21 produtores integrados às indústrias e que destinam a sua produção para o mercado externo, em detrimento da agricultura familiar, responsável pela produção de alimentos essenciais à dieta da população. De acordo com Ghizelini (2006), diante do cenário em que se encontrava a agricultura familiar, o Governo Federal – pelo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Nutricional/MESA – em conjunto com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e o Congresso Nacional, aprovou a Lei n.º 10.696, de julho de 2003, permitindo que os governos, nas esferas federal, estadual e municipal, passassem a adquirir alimentos produzidos por agricultores familiares sem a obrigatoriedade de realizar licitações, pelo Programa de Aquisição de Alimentos – PAA. O PAA busca atender aos agricultores familiares que produzem em pequena quantidade e enfrentam dificuldades para a comercialização. Esse programa se enquadrou na política agrária e de segurança alimentar do governo Lula. [...] o principal objetivo do PAA é combater “a fome e à miséria e formar estoques estratégicos, pela compra de alimentos produzidos pelos agricultores familiares sem a necessidade de licitação e, posteriormente, a sua doação para entidades sociais”. Podem participar do PAA os produtores familiares que estejam organizados em organizações coletivas (associações, cooperativas ou grupos com no mínimo cinco pessoas). Para participar dessa política federal é necessário que o produtor tenha a Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP, que é emitida por sindicatos, Casa da Agricultura e CATI (HESPANHOL, 2009). Uma das modalidades do PAA é a Doação Simultânea, que é operada pela CONAB e tem como objetivo garantir alimentos para as pessoas que estão em condição de miséria e vulnerabilidade alimentar e, simultaneamente, fortalecer a agricultura familiar com a compra de seus produtos. (NETO; HESPANHOL, 2014, p. 91) A estratégia burocrática (ausência de licitação) adotada pelo PAA apresentou- se como a solução para resolver a problemática da pouca capacidade de diversificação da produção e de comercialização dos agricultores familiares. Essa isenção permitiu que, em vez da competição entre grandes empresas, os agricultores familiares fossem priorizados na compra de alimentos que seriam simultaneamente doados pelo governo para as entidades sociais do próprio município da compra. Em síntese, podemos afirmar que entre as vantagens do PAA para o agricultor familiar destacam-se: o incentivo à diversificação produtiva; a garantia de renda; e a facilidade de escoamento da produção, além de ser o programa uma boa alternativa aos agricultores descapitalizados e um estímulo ao fortalecimento das organizações 22 coletivas. Veloso (2011) reforça essa ideia, afirmando que o PAA garante a segurança alimentar, ao fornecer produtos de qualidade às instituições, permite uma renda assegurada ao produtor familiar e fortalece o associativismo no meio rural, já que a comercialização deve ser feita por uma organização coletiva. Ganança (2006) ressalta que o associativismo rural produtivo geralmente tem tido forte apoio do Estado, onde o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e outros, de empréstimos e incentivos para agricultores geridos por bancos públicos e de fomento, optam por canalizar seus recursos para associações de produtores e agricultores. A partir do ano de 2009 foi criado o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), sendo exigido que pelo menos 30% do valor repassado às prefeituras municipais para a aquisição de alimentos seja aplicado na compra de alimentos produzidos por agricultores familiares, por intermédio de chamada pública, sem a necessidade de realizar procedimentos licitatórios. Referendado pelos resultados positivos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o governo do Estado de São Paulo lançou, ao final de 2011, um programa bastante semelhante aos dois programas do governo federal. Criado por meio da Lei n. 14.591, de 14 de outubro de 2011, e regulamentado pelo Decreto Estadual n. 57.755, de 24 de janeiro de 2012, o Programa Paulista da Agricultura de Interesse Social (PPAIS) é uma ação do governo do Estado de São Paulo criado a partir de iniciativa da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP). O programa tem como objetivo estimular a produção da agricultura familiar e garantir a comercialização dos seus produtos, favorecendo a sua aquisição nas compras públicas do governo paulista. Nesse programa estabeleceu-se que 30% dos recursos públicos do Estado de São Paulo destinados à compra de alimentos deveriam ser destinados diretamente à agricultura familiar. Também fazendo uso de chamadas públicas para a compra de alimentos, passou-se a dispensar os processos de licitação. (RAMOS; OLIVEIRA JÚNIOR, 2020, s/p) Naquele período o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por meio da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo (SDC), conduziu uma série de programas que estimulavam a organização de associações rurais e cooperativas, com o objetivo de contribuir para a melhoria das condições de vida no meio rural. O Departamento de Cooperativismo e Associativismo (Denacoop, SDC, MAPA) desenvolveu também projetos em parceria com entidades 23 representativas de associações, instituições de ensino, pesquisa e extensão e organismos internacionais, visando levar ao produtor rural organizado a capacitação tecnológica, a cooperação entre associações e o estímulo à competitividade, o que permitiu investir no estabelecimento de economias regionais seguras, independentes, autossuficientes e de pequena escala (BRASIL, 2019). 2. 2. 3. Desafios e dificuldades [...] as primeiras sistematizações dos desafios que enfrenta o associativismo em contextos populares nascem no âmbito das discussões durante o Encontro Mundial de Desenvolvimento Local Sustentável, realizado no Canadá em 1998. Entre os desafios mais recorrentes identificados no encontro aparecem, entre outros, o de mobilizar os habitantes em uma dinâmica associativa, o de harmonizar os enfoques e ações dos associados que têm culturas diferentes; o de adaptar associados aos instrumentos escritos, nos contextos de tradição oral, o de envolver a população em atividades econômicas mais complexas e que os projetos fiquem sob o controle da população e não dos técnicos e, finalmente, o desafio de viver um projeto de forma coletiva, considerando as diferenças e as dificuldades de integração de valores e princípios. [...] algumas situações muito frequentes contribuem constantemente para o enfraquecimento do espírito associativista. Certas políticas públicas exigem a obrigatoriedade de o beneficiário pertencer a uma entidade associativa (programas da CONAB, PCPR, Compra Direta da Agricultura Familiar e outros). Outras preconizam a necessidade de formação de grupo de produtores para conseguir algum financiamento. As formações desses agrupamentos são feitas às pressas, para não deixar passar as oportunidades. Como resultado, após atingir seus objetivos, as configurações grupais são desfeitas e os compromissos firmados nos projetos ou propostas de participação não são cumpridos. (ALVES et al, 2011, p. 77) [...] em diversas localidades no país, as experiências desenvolvidas pelas organizações dos agricultores familiares ainda não têm alcançado, em sua maioria, resultados positivos e sustentáveis para a viabilização da agricultura familiar. Isto ocorre devido à inexistência de uma maior reflexão sobre as realidades locais e as especificidades econômicas, sociais e culturais da agricultura familiar em diferentes contextos. (ALVES et al, 2011, p. 71) Outros estudos compreendem que a relação entre trabalho associado e Estado é tensionada e contraditória. Ao mesmo passo que acontece o reconhecimento institucional e jurídico das organizações coletivas, essa relação institucionalizada pode diminuir o “potencial” político das organizações. Assim, as políticas públicas, que pretendem estimular a criação de laços de solidariedade e reciprocidade, podem 24 paradoxalmente sugerir um enfraquecimento da coesão entre os produtores e as organizações, além de fomentar a competitividade na disputa por editais e recursos. (BENINI; BENINI, 2015) Abramovay (1999) aponta para uma nova dinâmica territorial configurada por uma nova organização do espaço e das atividades do campo, e por uma tendência dos agentes sociais em mobilizar características específicas às regiões que habitam para a construção de novos mercados e novas possibilidades culturais e políticas. É certo que esse processo acontece combinado com políticas públicas e privadas voltadas para o desenvolvimento territorial e local, cenário esse que denota a capacidade dos agentes do campo frente aos avanços da monocultura como atividade dominante. (WANDERLEY, 2000 apud FAGOTTI, 2017, p. 19) As organizações assumem os princípios de uma doutrina denominada associativismo e que expressa a crença de que juntos, podem encontrar soluções melhores para os conflitos que a vida em sociedade se apresenta. Os princípios do associativismo são a adesão livre, tal como é livre a saída do movimento associativo, o funcionamento pautado na equidade entre os seus membros, traduzida na expressão “um associado, um voto”, além do fato de que as associações resultam sempre de uma congregação de esforços, em primeiro lugar dos fundadores e depois de todos os associados (PINHO, 2010). Esses princípios são reconhecidos no mundo todo e embasam as várias formas que as associações podem assumir: OCIPs (organização da sociedade civil de interesse público), cooperativas, sindicatos, fundações, organizações sociais, clubes. O que irá diferenciar a forma jurídica de cada tipo de associação são, basicamente, os objetivos que se pretende alcançar (SEBRAE, 2011). O objeto foco deste estudo está concentrado nas realidades das organizações associativas e cooperativas. 2. 3. Organizações Associativas O associativismo rural é realizado desde os primórdios da sociedade, mesmo de forma indireta, quando as tribos se organizavam para construir, produzir e se proteger de outras tribos rivais. A primeira forma manifesta de associativismo aconteceu em Rochdale, Manchester, na Inglaterra no final do século XVI, no início da Revolução Industrial, formado por um grupo de 28 trabalhadores que decidiram aplicar os dois pences, que recebiam por semana, na fundação de uma loja. (SINGER, 25 1998) Segundo a história, a associação de pessoas visando interesses econômicos não é uma característica contemporânea. Por volta dos anos de 1980, as organizações coletivas de produtores rurais começaram a se fortalecer, a partir de uma crise econômica que se instaurou no país, onde os agricultores rurais se organizaram através das associações rurais em busca de desenvolvimento, como única saída de sobreviver aos problemas ocasionados, tanto pela crise econômica quanto pela modernização da agricultura sobre efeito do sistema capitalista impulsionado pela globalização. Nesse sentido, Jales et al. (2009) afirmam que as associações possibilitam gerar estratégias criativas e democráticas de desenvolvimento local, com a participação política e social, usufruindo de recursos disponíveis na localidade. A vida associativa está presente em muitas áreas das atividades humanas, mormente traduzidas em condições que visam a contribuir para o equilíbrio e estabilidade social, através da união. A esse respeito Frantz (2002, p.1) destaca que: [...] associativismo, é um fenômeno que pode ser detectado nos mais diferentes lugares sociais: no trabalho, na família, na escola etc. No entanto, predominantemente, a organização associativa, é entendida com sentido econômico e envolve a produção e a distribuição dos bens necessários à vida. Desse modo, o associativismo, enquanto organização coletiva, pode ser entendido como estratégia para melhoria das condições de vida da população, sendo o desenvolvimento um processo também fundado em relações sociais associativas. Ao conceito de organização associativa está ligada a ideia de vivência coletiva, de novas experiências e enriquecimento de conhecimentos. Com base nessa elucidação, e atendo-se ao fato de que a sociedade parece estar cada vez mais competitiva e individualista, as associações apresentam-se como um espaço de ajuda mútua a seus associados. Assim, pode-se entender o associativismo como o ato de se associar, agregar, juntar, unir forças para um fim comum. Em uma definição ampla, o associativismo é qualquer iniciativa formal ou informal que reúne um grupo de empresas ou pessoas, com o objetivo principal de superar dificuldades e gerar benefícios econômicos, sociais ou políticos. De acordo com Alencar (1997, p.7 apud LAZZAROTTO, 2000, p. 2), o associativismo “refere-se à atividade humana desenvolvida em um grupo social, que é constituído por uma coletividade de indivíduos ligados entre si por uma rede ou 26 sistema de relações sociais”. Dentre os objetivos das associações o autor destaca o de representação dos interesses dos associados, considerado central pelo menos nos estatutos, uma vez que muitas associações não conseguem cumprir de forma integral o que preconizam seus estatutos e regimentos internos quanto ao envolvimento e representação de todos os seus associados. O associativismo representa uma importante opção estratégica, capaz de transformar ou modificar a realidade, ou um instrumento que proporciona aos diferentes atores sociais meios para se adaptarem a essa realidade. O espaço participativo de uma associação é formado por diferentes visões de mundo e concepções de realidade, sendo ainda um dos acessos da comunidade aos acontecimentos políticos e econômicos, desempenhando um papel relevante, à medida que capacita os participantes na tomada de decisão a partir das próprias experiências (ARAUJO; TOLENTINO; THEOPHILO, 2009). De acordo com Lazarotto (2000, p. 1) “o trabalho coletivo e o uso de práticas solidárias podem facilitar o processo produtivo, além de propiciarem melhores relacionamentos com o mercado, instituições públicas, extensionistas e com a sociedade de maneira geral”. Leonello e Cosac (2008, p. 12) reforçam ainda que: O associativismo, assim como outras formas de movimentos sociais, possui suas especificidades e características, pois existem diferenças regionais, no grau de seu desenvolvimento, de sua compreensão, organização e planejamento, o que denota falta de educação formal para que se alce, no Brasil, o desenvolvimento deste tipo de ação. Por outro lado, verifica-se que a formação e a participação em associações dinâmicas tem auxiliado empresas e produtores, especialmente de micro, pequeno e médio porte, a ultrapassar as conhecidas barreiras ao crescimento, a produzir eficientemente e a comercializar seus produtos em mercados nacionais e internacionais (DROUVOT; FENSTERSEIFER, 2002; ROWLEY, 1997). Uma atenção especial tem sido dispensada às associações em virtude de sua capacidade de captar e veicular demandas sociais de diferentes segmentos, em diversas situações, admitindo-se que, de acordo com o engajamento desses mediadores sociais, os “associados” podem encaminhar suas reivindicações e fortalecer sua ação política. (COSTA; RIBEIRO, 1999 apud ROSONI, 2013, p. 8). Um aspecto importante de ser mencionado é o do associativismo rural. 27 Nesse caso, as associações de produtores podem surgir de várias maneiras. Algumas podem ser criadas espontaneamente pelos próprios agricultores, enquanto outras [...] surgem pela indução de agentes externos, como o Estado, agências de desenvolvimento e organizações não-governamentais. Por meio dos agentes externos podem ser disponibilizados recursos para o grupo de agricultores, desencadeando o processo de formação associativista, uma vez que se pode mobilizar o início da ação coletiva [...]. Para a viabilização do associativismo [...] afirma que deve-se observar três princípios fundamentais: 1) a definição apurada e sistemática de interesses comuns; 2) o respeito às limitações e possibilidades de cada um; e 3) o aprofundamento e avaliação. Ao referir aos fatores fundamentais para viabilidade das associações rurais, Muenchen (1996) ressalta que para a obtenção de sucesso ao longo do tempo há necessidade de observar e sanar dois importantes problemas que comumente ocorrem: 1) a passagem do individual para o coletivo, pois o agricultor, individualmente, apresenta certos hábitos, determinado nível de cultura e de conhecimento, que na associação se transforma no coletivo; 2) cuidado especial com a gestão dos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais, pois este conjunto determinará o sucesso do empreendimento associativo. (MANÇANO, 2008, p.1) Para Moraes e Curado (2004, p. 2 apud ARAÚJO; TOLENTINO; THEOPILO, 2009, p. 2) “s associações comunitárias rurais são sociedades formais criadas com objetivo de integrar esforços e ações dos agricultores e seus familiares em benefício da melhoria do processo produtivo e da própria comunidade à qual pertencem”. O princípio da participação social é determinante no processo de conquistas materiais. Nesse aspecto, interessa que a comunidade tenha condições de usufruir os bens e serviços materiais conquistados pela organização. “As associações de pequenos agricultores são entidades que agrupam certo número de produtores com interesses comuns, tendo como finalidade resolver os problemas de forma coletiva e com o uso de práticas solidárias”. (MUENCHEN, 1996 apud LAZZAROTTO, 2000. p. 2) Nesse contexto, acredita-se que o associativismo rural pode se tornar uma alternativa viável para a agricultura familiar, com vistas a fomentar as capacidades individuais em ganhos coletivos. A organização associativa rural abriga um complexo sistema de relações sociais que se estruturam a partir das necessidades e interesses dos produtores. Da dinâmica dessas relações nascem ações no espaço da economia, que constituem-se em processos de aprendizagem, interação e compartilhamento dos interesses e problemas comuns (AVRITZER, 2004). 28 [...] o fomento ao associativismo constitui a pedra angular do desenvolvimento no sentido que a organização associativa fornece os instrumentais aos atores individuais e passa a ser a força indutora para incorporar novos conhecimentos, que culmina em uma sinergia nos processos de inovação e aperfeiçoamento. Além disso [...] os atores sociais mais importantes não são os cidadãos individualmente, mas as corporações em que se envolvem e cuja atuação passa a depender em grande medida dos interesses pessoais envolvidos. Dessa forma, uma associação de produtores rurais expressa uma relação social dinâmica, e em movimento, como uma força estratégica para a melhoria das condições locais, seus associados, familiares, sob todas as suas dimensões, culminando com a ideia de desenvolvimento. (MANÇANO, 2008, p. 1) Na concepção de Frantz (2002, p. 25): [...] o associativismo contém o desenvolvimento local [...]. A associação expressa uma relação dinâmica, uma relação em movimento, em direção a um lugar melhor. O desenvolvimento é um processo também fundado em relações sociais associativas, das quais podem nascer formas cooperativas. Ainda para o mesmo autor, no processo do desenvolvimento local é imprescindível o reconhecimento da multiplicidade e diversidade das potencialidades humanas, traduzidas em conhecimento da realidade, e da capacidade de atuação coletiva, sobre essa realidade. Já para Arruda (apud FRANTZ, 2002, p. 29), A via do associativismo fomenta um debate permeado de pontos e contrapontos onde o diálogo abre caminho para a reconstrução, para o desenvolvimento. [...] a diversidade do conjunto de talentos, capacidades, competências que constituem a singularidade e a criatividade de cada um. O método é colocá-las em comum, buscando construir laços solidários de colaboração no interior da comunidade, de modo a desenvolver quanto possível os talentos, capacidades e competências coletivas [...]. Trata-se, como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no sentido de tornar-se sujeito consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento. A estratégia de desenvolvimento local representa uma alternativa diante do modelo tradicional de desenvolvimento rural, direcionado pelo paradigma produtivista. “Neste sentido, surgem como alternativas programas de desenvolvimento local centrados na exploração diversificada dos recursos locais, objetivando não mais a produtividade crescente, mas a sustentabilidade da população local”. (CARNEIRO, 1999 apud KUNZLER; BULGACOV, 2011, p. 1970). 29 Independente dos objetivos das associações rurais, busca-se nesta forma de organização algum tipo de benefício para seus associados. Neste sentido, associações são instrumentos legais para reivindicar junto ao Estado projetos de desenvolvimento comunitário. (AZEVEDO, 2006 apud ROSONI, 2013, p. 9). A criação associativa é impulsionada pelo sentimento de que a defesa de um bem comum supõe a ação coletiva. Sociologicamente a associação pode ser abordada como um espaço que opera a passagem, graças a um encontro entre pessoas, entre redes de associação primária e secundária, e entre esferas privada e pública. Essas relações ultrapassam o contrato entre pessoas, buscando fins comuns (CHANIAL; LAVILLE, 2009). O modelo associativo apoiado pelas entidades públicas resulta em organizações com duplo objetivo: prestação de serviços de promoção humana e social aos moradores da localidade e repasse de recursos oficiais. Desse modo, as ações se orientam para os serviços de educação, saúde e modernização da base produtiva (COSTA e RIBEIRO, 1999). Conforme Rodrigues (apud CANTERLE, 2004), as organizações associativas abrigam um complexo sistema de relações sociais que se estruturam a partir das necessidades, das intenções e interesses das pessoas que cooperam no sentido de fazer frente a naturais debilidades. Da dinâmica dessas relações nascem ações no espaço da economia, da política, constituindo-se em processos de aprendizagem e estruturas de poder. Portanto, como sublinha Canterle (2004, p. 8): [...] fica claro que o fomento do associativismo constitui a pedra angular do desenvolvimento e cuja problemática está em captar as contradições e organizar as pessoas, uni-las e engajá-las harmoniosamente em torno de interesses comuns, dando atendimento às suas necessidades coletivas e individuais. O associativismo é uma questão primária para o potencial de emancipação e o desenvolvimento de qualquer comunidade, ao articular o pontual com o abrangente. No tocante às comunidades rurais, essa questão torna-se ainda mais prioritária, uma vez que as organizações coletivas podem melhorar a qualidade de vida dos produtores e seus familiares. Alencar (1997) afirma que o associativismo representa uma importante opção estratégica capaz de transformar ou modificar a realidade, ou como um instrumento que proporciona aos diferentes atores sociais meios para se adaptarem a essa realidade. Através dessa forma de representatividade abre-se a 30 possibilidade de combinar o desenvolvimento coletivo e individual, alterando o comportamento do produtor para uma visão mais sistêmica. Incentivar a formação de associações rurais torna-se relevante à medida que a lógica da ação coletiva acaba prevalecendo sobre a ação individual, sem, contudo, excluí-la. A união dos pequenos produtores em associações torna possível a aquisição de insumos, máquinas e equipamentos com menores preços e melhores prazos de pagamento, bem como reúne esforços em torno de benefícios comuns como o compartilhamento do custo da assistência técnica, tecnologias e capacitação profissional. Desta forma, a atuação por meio das associações permite aos produtores participantes minimizar dificuldades no meio rural, que são iguais ou semelhantes a todos, e propiciar melhor desempenho para competir no mercado (BRASIL, 2008). Segundo Abrantes (2004), a união de pequenos empreendedores, especialmente na área agrícola, apresenta uma série de vantagens como aumento da produtividade, redução dos custos, obtenção de descontos, produção em escala, facilidades na comercialização, melhores preços na compra e venda conjunta, troca de informações e técnicas pelos associados, eliminação do intermediário, redução do risco, aumento do convívio social, fortalecimento da cidadania, resolução de problemas comuns e fortalecimento diante de dificuldades técnicas, econômicas e sociais. Entretanto, não se identifica nas associações uma forma precisa de planejamento. Nota-se que há uma orientação, pelos costumes e concepções de seus dirigentes e associados, de realizarem as atividades a partir das necessidades identificadas no momento. A principal fonte de recursos é oriunda dos próprios associados, persistindo as dificuldades em angariar recursos para suas atividades. As associações comunitárias pouco utilizam a contabilidade como ferramenta de prestação de contas, bem como não praticam de forma adequada a gestão empresarial dessas organizações. Assim, percebe-se que são vários os pontos a serem observados e avaliados para o sucesso de uma associação, pois a não-observação e cuidados com determinados aspectos pode inviabilizar o associativismo. Além disso, é importante salientar que é bastante comum os termos associativismo e cooperativismo serem utilizados como sinônimos. Entretanto, ambos os termos apresentam características jurídicas distintas e próprias, que são relativas às suas classificações como organizações previstas no Direito Brasileiro. 31 A diferença entre uma organização associativa e uma cooperada basicamente se situa no amparo legal que possuem as organizações cooperativas em realizar transações econômicas (atos de comércio, acesso a credito e financiamentos). De uma maneira simplista, pode-se afirmar que a principal função de uma associação é a organização e representação coletiva dos interesses de seus afiliados, ao passo que uma cooperativa já possui uma concepção diretamente relacionada à defesa dos interesses econômicos de seus membros. 2. 4. Organizações Cooperativas O termo "cooperativismo" advém da palavra "cooperação", originada do latim "cooperari", que significa "operar conjuntamente". Desse modo, cooperativismo pode ser entendido como um movimento que busca constituir uma sociedade justa, livre e fraterna, em bases democráticas, através de empreendimentos que atendam às necessidades reais dos cooperados e remunerem cada um deles. O cooperativismo é definido como uma doutrina econômica que atribui às cooperativas um papel primordial. Já uma cooperativa, segundo o Dicionário Aurélio (1997), é uma sociedade ou empresa constituída por membros de determinado grupo econômico ou social que objetiva desempenhar, em benefício comum, determinada atividade econômica. (ABREU et al, 2008, p. 73) De acordo com Sandroni (1996), há a seguinte relação entre cooperativismo e cooperativa: Cooperativismo: Doutrina que tem por objetivo a solução de problemas sociais por meio da criação de comunidades de cooperação. Tais comunidades seriam formadas por indivíduos livres, que se encarregariam da gestão da produção e participariam igualitariamente dos bens produzidos em comum. O cooperativismo pretendeu representar uma alternativa entre o capitalismo e o socialismo. No Brasil, o cooperativismo iniciou-se no final do século XIX, principalmente no meio rural. Atualmente, é regulamentado por leis especiais e subordinado ao Conselho Nacional de Cooperativismo, órgão do Ministério da Agricultura. Conta, ainda, com uma instituição financeira especial, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo. Cooperativa: Empresa formada e dirigida por uma associação de usuários, que se reúnem em igualdade de direitos, com o objetivo de desenvolver uma atividade econômica ou prestar serviços comuns, eliminando os intermediários. O movimento cooperativista contrapõe- se às grandes corporações capitalistas de caráter monopolístico. No Brasil, a formação de cooperativas é regulamentada por Lei desde 1907. Internacionalmente, a atividade é incentivada pela Aliança Cooperativa Internacional. (ABREU et al, 2008, p. 73) Segundo o Sebrae (2019), o sistema cooperativista parte dos seguintes 32 princípios: • Adesão voluntária e livre – abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem qualquer tipo de discriminação; • Gestão democrática pelos membros – organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação de suas políticas e na tomada de decisões; • Participação econômica dos membros – os sócios contribuem equitativamente para o capital das cooperativas e controlam esse capital democraticamente, destinando os excedentes à algumas finalidades, tais como: desenvolvimento da cooperativa, benefício aos associados na proporção de suas operações com a cooperativa, apoio a outras atividades aprovadas em Assembleia; • Autonomia e independência – as cooperativas são organizações autônomas que asseguram controle democrático por parte de seus membros, mantendo a autonomia da cooperativa; • Educação, formação e informação – as cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, de forma que estes possam contribuir eficazmente para o desenvolvimento de suas cooperativas; • Intercooperação – trabalham em conjunto através de estruturas locais, regionais e internacionais, fortalecendo o movimento cooperativo; • Interesse pela comunidade – as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades, através de políticas aprovadas pelos seus membros. A cooperativa é uma das formas avançadas de organização da sociedade civil, pois proporciona o desenvolvimento socioeconômico aos seus integrantes e à comunidade. Resgatando, assim, a cidadania dos mesmos, mediante o exercício da democracia, da liberdade e autonomia, no processo de organização da economia e do trabalho, tendo como principais beneficiários produtores/trabalhadores, organizações associativistas de produtores rurais e suas entidades representativas e cooperativas em geral. As primeiras experiências do cooperativismo brasileiro remontam ao final do século XIX, com a criação da Associação Cooperativa dos Empregados, em 1891, na cidade de Limeira-SP, e da Cooperativa de Consumo de Camaragibe – Estado de 33 Pernambuco, em 1894. A partir de 1902, surgem as primeiras experiências das caixas rurais do modelo Raiffeisen, no Rio Grande do Sul e, em 1907, são criadas as primeiras cooperativas agropecuárias no Estado de Minas Gerais (OCB, 1996). A literatura acusa um florescimento da prática cooperativa brasileira a partir de 1932, motivada por dois pontos: a) o estímulo do Poder Público ao cooperativismo identificando-o como um instrumento de reestruturação das atividades agrícolas; b) promulgação da lei básica do cooperativismo brasileiro, de 1932, passando a definir melhor as especificidades daquele movimento diante de outras formas de associação (Pinho,1996). No Brasil, as cooperativas agrícolas, ao longo da primeira metade do século XX, não apenas se mostraram como as mais importantes em termos de volume de negócios, como também foram as principais responsáveis pela difusão do ideário cooperativista no país. Ademais, a literatura acusa que o referido ideário cooperativista ou conjunto teórico doutrinário do movimento foi utilizado como instrumento ideológico do Estado, a serviço de um Estado conservador e autoritário. Atualmente, o cooperativismo brasileiro é amparado pela Lei nº. 5.764 de 16 de dezembro de 1971, que exige um número mínimo de vinte sócios para a sua constituição e é representado, formalmente, pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) em nível nacional e pela Organização Estadual de Cooperativas (OCE), em nível de cada Unidade da Federação. No ramo agropecuário, a OCB agrupava 1.613 cooperativas, 1.021.019 cooperados e 209.778 empregados em 2018. As dezesseis maiores cooperativas agropecuárias brasileiras estão entre as 100 maiores empresas de relevância do agronegócio. A maior parte dessas grandes empresas cooperativas está concentrada na região centro-sul: Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Da mesma forma, há uma concentração dessas cooperativas em alguns ramos da agropecuária. Das 16 maiores cooperativas, 12 atuam em quatro segmentos: aves e suínos, algodão e grãos, óleo, farinhas e conservas ou atacado e comércio exterior; e 4 têm por foco três outros segmentos: açúcar e álcool, café, e leite e derivados. Assim, além da OCB, outras entidades representam diferentes formas organizativas de pessoas atuando de acordo com os princípios do cooperativismo como a Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil). Na década de 1990, motivado pela falência crescente de empresas do setor metalúrgico na região do ABC/SP, resultado da política econômica da época, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – SMABC, São Bernardo do Campo/SP, constituiu 34 missão internacional para conhecer a experiência italiana do pós-guerra na recuperação de empresas em processo de falência pelos trabalhadores. Dessa missão, no ano de 2000, nasce a UNISOL SÃO PAULO com o objetivo de identificar as empresas em regime falimentar e desenvolver processo de recuperação pelos trabalhadores. Diante das experiências bem-sucedidas, em 2004 a UNISOL SÃO PAULO transforma-se em UNISOL BRASIL, agora com abrangência nacional e atuando em diversos setores econômicos, tendo como missão principal desenvolver a economia solidária no Brasil, defender os interesses da classe trabalhadora e estimular o engajamento dela no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Hoje a UNISOL BRASIL, associação representativa sem fins econômicos, conta com 1.284 empreendimentos filiados em todo o Brasil, atuando em 11 setoriais: agricultura familiar; confecção e têxtil; artesanato; construção civil; reciclagem; metalurgia e polímeros; fruticultura; apicultura; alimentação; turismo; e cooperativas sociais. Em 15 anos de atividade, a UNISOL Brasil, em parceria com entidades públicas e privadas, nacionais e internacionais, vem realizando diversas ações em benefício da economia solidária, tais como: a captação de recursos públicos e privados para fomento, estruturação e fortalecimento do cooperativismo; a obtenção de investimentos em equipamentos e novas tecnologias; a elaboração de propostas para uma nova lei para cooperativas de trabalho e de mudanças na legislação atual; a diferenciação na tributação em favor dos empreendimentos sociais e solidários; o intercâmbio de experiências com instituições nacionais e internacionais, e entre as próprias filiadas; o desenvolvimento da área comercial e busca de alternativas de crédito voltadas aos interesses e realidade das filiadas. Dentre as ações e projetos desenvolvidos pela UNISOL, destacam-se atividades nas áreas de: formação em cooperativismo/autogestão/lideranças e capacitação técnica; consultorias e assessorias técnicas; estudos de viabilidade, planos de negócios, logística e planejamento estratégico; realização de simpósios, seminários, intercâmbios e atividades de mobilização social junto aos trabalhadores. As filiadas à UNISOL Brasil possuem o compromisso de adotar os princípios da autogestão democrática, assegurando eficiência e viabilidade econômica, garantindo-se a plena participação de todos os membros das filiadas, pluralidade de ideias e transparência financeira e administrativa. São considerados empreendimentos solidários os que reúnem os seguintes elementos: 35 I.Reunião de trabalhadores ou populações carentes em busca da geração de trabalho e renda, com dignidade; II.Organização por meio de iniciativas coletivas, cuja estrutura jurídica se dá, prioritariamente, por meio de cooperativas ou associações, sendo admitidas, extraordinariamente, outras modalidades de pessoas jurídicas, desde que atendam aos princípios da autogestão e estejam inseridas em um processo de desenvolvimento sustentável e solidário, bem como observem, rigorosamente, os termos do Estatuto Social e justifiquem a escolha; III.Realização de reuniões ou assembleias, periódicas e frequentes, ao menos uma a cada 60 dias, nas quais deverão ser apresentados, dentre outros assuntos, a prestação de contas da entidade, contando- se com a participação obrigatória dos seus associados a fim de assegurar, efetivamente, a real participação de todos nos destinos do empreendimento; IV.Distribuição equitativa dos ganhos do empreendimento, impondo- se limites razoáveis e justificáveis às diferenças entre os menores e maiores rendimentos de cada qual dos seus integrantes; V.Visão de longo prazo para o empreendimento, de tal maneira a gerar iniciativas viáveis, econômica e socialmente, não apenas para as atuais, mas também para as futuras gerações; VI.Preocupação permanente com o meio ambiente em geral e com a melhoria contínua das condições de trabalho; VII.Investimento permanente em educação e formação de seus integrantes e, quando possível, dos familiares destes; VIII.Envolvimento dos familiares e da comunidade próxima com o empreendimento, de forma a gerar também a transformação cultural, econômica e social da realidade regional; IX.Apoio vigoroso a outras iniciativas que venham a necessitar de auxílio, de maneira a consolidar, na prática, uma rede de solidariedade entre os empreendimentos. (UNISONL, 2020, p. 1) No ramo agropecuário de agricultores familiares, soma-se a ação da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB) e da União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES). A UNICAFES tem por foco o agricultor familiar e atua em todo território nacional, agregando cerca de 1.000 cooperativas e 20 mil cooperados, com ações nas áreas de produção, comercialização, crédito, assistência técnica e infraestrutura. [...] há uma forte tendência de crescimento de empreendimentos cooperativos sob a perspectiva da economia solidária em vários países da América Latina. Eles surgem como alternativa de geração de trabalho e renda, principalmente à parcelas da população mais diretamente afetadas por crises econômicas, próprias do modo de produção atual. O viés da economia solidária colabora para renovar e fortalecer o movimento cooperativista mundial, e corresponde a um enorme potencial para que se estabeleçam novas lógicas de relações nos mercados, diante da crise estrutural do capitalismo. 36 Na economia de mercado a lógica dos negócios está baseada na busca essencial do lucro. Na economia solidária, os objetivos dos empreendimentos voltam-se à realização integral do potencial humano, contribuindo para uma sociedade com equidade econômica e social. Experiências bem sucedidas de empreendimentos cooperativos da produção familiar vêm ocorrendo em diversos setores e regiões do Brasil. (RAMOS; OLIVEIRA JÚNIOR, 2012, p. 1) O esforço de revitalização das práticas cooperativas no Brasil se inscreve dentro de um movimento mais amplo de modernização das atividades e de ampliação da democracia, e ganha ressonância com as discussões sobre economia solidária / terceiro setor. Entretanto, conforme Schneider (1998), a distribuição desigual da presença e do peso econômico do cooperativismo expressa a dinâmica do modelo de acumulação de capital vigente no país, cuja característica fundamental é o desenvolvimento desigual da sociedade brasileira. (ABREU et al, 2008, p. 75) Organizações cooperativas nascem como resultados de interações sociais, da articulação e da associação de indivíduos que se identificam por interesses ou necessidades, buscando o seu fortalecimento pela organização e instrumentalização, com vistas a objetivos e resultados, principalmente, de ordem econômica. Constituir uma organização cooperativa significa a princípio, para o mercado, um acordo racional de pessoas sobre algo, isto é, a economia e os seus interesses e necessidades frente à produção e distribuição de bens e riquezas. Por esse acordo, se desenvolve política e operacionalmente, nos espaços da empresa cooperativa, mediada pela comunicação processos coletivos, perpassado pelos objetivos comuns. A economia de mercado, em que estão inseridas as cooperativas, envolve aspectos de ordem técnica e política. Como aspectos técnicos do conhecimento, está permanentemente em construção, sem garantias de sucesso e sujeita a interesses não legítimos ao grupo. Como aspecto político, torna-se, em muitos casos, palco de disputa de poderes. É um ambiente que entrecruza o poder técnico e o poder político, no qual atuam os seus partícipes e que é produzido a partir do conhecimento dessa dupla dimensão e relação. Assim, no espaço da organização cooperativa, se fazem presentes diversas questões sociais, políticas e culturais que estão também na essência da natureza associativa e seu no caráter instrumental. Notadamente, organizações cooperativas abrigam diferentes relações de poder e também diferentes práticas e ações de educação. Essas práticas ou ações educativas produzem relações de poder, manifestas nas formas de comunicação entre os cooperados que discutem sobre a cooperação, ou do tipo estratégico, nos espaços operacionais da organização. A educação e o poder são questões relevantes, inerentes às organizações cooperativas, importantes para as suas condições de estabilidade. Tanto as relações do ato cooperativo, quanto as relações dos negócios cooperativos, se consolidam pela gestão adequada dessas duas questões vinculadas à associação e à empresa, com finalidade cooperativa, onde o poder age sobre a produção, a sua posse e distribuição. As diferentes relações de poder ocorrem nos espaços da empresa. No entanto, entendemos que esse 37 poder deva ser controlado, a partir da forma estrutural constitutiva da cooperativa, de modo a não permitir excessos de governo, nem emperrar a gestão dinâmica e eficiente. Na sua forma constitutiva, o sistema cooperativo está bem alicerçado, como toda forma organizada de gestão. Uma cooperativa tem por trás uma estrutura sólida e bem dividida. Cada pessoa interessada em participar de um empreendimento como este, antes de se associar deve conhecer as formas adequadas de funcionamento, as determinações legais e todas as características que garantam a condução de ações, da maneira mais harmoniosa possível. (REISDORFER, 2014, p. 18) 2. 5. Comparativo entre Associações e Cooperativas 2. 5. 1. Definição Legal Associações – Nesse modelo de organização, as pessoas se reúnem com o intuito de se organizarem em defesa dos interesses de classe em comum, cumprindo uma finalidade que sirva à coletividade. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. (art. 53, Lei nº 10.406/2002). Cooperativas – Esse modelo de organização também defende a sociedade de pessoas, com objetivo de unir forças para atingir desenvolvimento financeiro, econômico e social, permitindo que seus cooperados gerem renda e possam reinvestir parte desses benefícios para o bem comum do grupo. Assim, todos os membros das cooperativas são também donos. (art. 4º, Lei nº 5.764/71). (SILVA, 2017, p. 1) 2. 5. 2. Constituição Associações – A lei não define o número mínimo de pessoas (físicas e/ ou jurídicas) para se constituir uma associação, geralmente utilizando-se mínimo de 02 (duas) pessoas físicas. O roteiro simplificado para sua constituição é seguido pelos seguintes pontos: • Definição do grupo de interessados; • Definição dos objetivos concretos do grupo; • Elaboração conjunta do Estatuto Social; • Realização da Assembleia de Constituição, com eleição dos Dirigentes; • Registro do estatuto e da ata de constituição no cartório de registro de pessoas jurídicas da comarca; • CGC na Receita Federal; • Registros na Prefeitura, INSS e Ministério do Trabalho. • CNPJ na Receita Federal. (Lei 9.042/95 Nova redação do Artigo 121 da Lei 6015/73) Cooperativas – 20 (vinte pessoas) físicas, como mínimo. O roteiro simplificado para sua constituição é seguido pelos seguintes pontos: • Aprovação do estatuto em assembleia geral; • Constituição, com eleição dos Dirigentes; • Subscrição e integralização das cotas de capital pelos associados; 38 • Encaminhamento dos documentos para análise e registro na Junta Comercial; • CGC na Receita Federal; • Inscrição na Receita Estadual; • Inscrição no INSS; • Alvará de Licença e Funcionamento na Prefeitura Municipal; • Registro na OCEMG (para o caso de MG); • Outros registros para cada atividade econômica; • Abertura de conta bancária. • A sociedade cooperativa constitui-se por deliberação da assembleia geral dos fundadores, constantes da respectiva ata ou por instrumento público. (art. 14, Lei nº 5.764/1971). No caso das associações, não existe uma lei que determine qualificação técnica ou profissional dos diretores ou gestores. Tais pontos ficam totalmente a cargo da assembleia geral, que pode ou não determinar exigências neste sentido. Já no caso das cooperativas, existe uma exigência maior de qualificação, tanto dos diretores quanto dos gestores, cada um em atendimento às suas atribuições. (SILVA, 2017, p.1) 2. 5. 3. Escrituração contábil e prestação de contas Associações – Simplificada e objetiva. Cooperativas – É específica e completa. Deve existir controle de cada conta capital dos cooperados, e registrar em separado as operações com não cooperados. A escrituração contábil se torna ainda mais complexa em função do volume de negócios e em função da necessidade de ter contabilidades separadas para as operações com os cooperados. A prestação de contas também se mostra mais complicada e detalhada no caso das cooperativas, visto que nas associações são feitas através de demonstrativos simples para aprovação da assembleia geral e conselho fiscal, e no caso das cooperativas envolve até mesmo auditorias externas e análises por parte dos órgãos de classe, em função do volume de negócios realizados com terceiros e o recolhimento de impostos diversos. (SILVA, 2017, p.1) 2. 5. 4. Destino do resultado financeiro Associações – Não há rateio de sobras das operações financeiras entre os sócios, qualquer superávit financeiro deve ser aplicado em suas finalidades. As possíveis sobras obtidas de operações entre associados serão aplicadas na própria associação, na busca de seus objetivos sociais. Cooperativas – Há rateio das sobras obtidas no exercício financeiro, devendo antes a assembleia destinar partes ao Fundo de Reserva (mínimo de 10%) e FATES Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (mínimo de 5%). Após rateio em assembleia geral, as sobras são divididas de acordo com o volume de negócios de cada cooperado. (SILVA, 2017, p.1) 39 2. 5. 5. Obrigações fiscais e tributárias Associações – Não paga imposto de renda, porém deve declarar a isenção todo ano. Não está imune, podendo ser isentada dos demais impostos e taxas. Cooperativas – Não paga imposto de renda nas operações com os cooperados. No entanto, deve recolher sempre que couber Imposto de Renda na fonte e o Imposto de renda nas operações com terceiros. Paga todas as demais taxas e impostos decorrentes das ações comerciais. (SILVA, 2017, p. 1) 2. 5. 6. Fiscalização Associações – Poderá ser fiscalizada pela Prefeitura Municipal (Alvará, ISS, IPTU), Fazenda Estadual (nas operações de comércio, INSS, Ministério do Trabalho e IR. Cooperativas – Pode ser fiscalizada pela prefeitura, pela Fazenda Estadual (nas operações de comércio), pelo INSS, pelo Ministério do Trabalho e pela Receita Federal e, dependendo de seus serviços e produtos, sofrer fiscalização de órgãos como Corpo de Bombeiros, Conselhos, Ibama, Ministério da Saúde, etc. Apesar de não haver uma estrutura específica de representação das associações em caráter nacional, existem órgãos de representação e defesa que o fazem para atividades específicas e em nível nacional (como a própria AAAPV), as associações podem ser representadas pelos associados em ações coletivas de seu interesse e também representadas por federações e confederações. Já as cooperativas são representadas pelo Sistema OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras, sediada em Brasília e pelas suas representações estaduais. Alguns tipos de cooperativa possuem também representação de interesses econômicos e estratégicos através de centrais ou Federações (Cooperativas de 2º grau) e Confederações (cooperativas de 3º grau). São muitas as diferenças entre as entidades acima apresentadas, suas características pontualmente analisadas demonstram que o modelo de associativismo é mais simples e viável para alguns tipos de atividade do terceiro setor. Em contrapartida, as cooperativas por partilharem de um modelo mais robusto e complexo, geram mais gastos e demandas operacionais, fiscalizações regulares e participação de seus membros mais ativamente na administração, assim como a divisão de eventuais sobras para todos os cooperados. (SILVA, 2017, p. 1) 3. METODOLOGIA A pesquisa teve, essencialmente, um caráter qualitativo em virtude de dois fatores principais: o envolvimento direto e pessoal do pesquisador com a considerada 40 como “base de dados” da pesquisa (as organizações dos produtores), em virtude do vínculo profissional do pesquisador com o Escritório Regional do Sebrae; e o propósito de realizar a pesquisa profundamente com cada unidade. A pesquisa foi delineada como estudo de casos múltiplos, conforme propugnado por Yin (2001). Em relação aos estudos de casos múltiplos, o autor afirma que estes costumam ser mais convincentes, “e o estudo global é visto, por conseguinte, como sendo mais robusto”. (YIN, 2001, p. 68) A coleta de dados foi feita por meio de pesquisa documental nas organizações que fizerem parte da “base de dados”, conforme documentos considerados pertinentes. Outro instrumento utilizado foi a observação direta, resultante das visitas in loco, realizadas pelo pesquisador nos locais de atuação das organizações. O terceiro instrumento compreendeu um roteiro semiestruturado de entrevistas, que foram realizadas com dirigentes e integrantes das organizações. Os dados foram analisados em conformidade com as técnicas sugeridas por Yin (2001). “Uma questão essencial para se construir um estudo de caso múltiplo bem- sucedido é que esta atenda a uma lógica de replicação na qual o investigador replica os procedimentos para cada caso.” (YIN, 2001, p. 68) Nesse tipo de investigação os pesquisadores estudam objetos em seus cenários naturais, tentando criar um sentido ou interpretar os fenômenos em torno dos significados que as pessoas atribuem a eles (DENZIN; LINCOLN, 1994; GODOY, 1995), havendo preocupação com o processo e não simplesmente com os resultados e o produto (TRIVIÑOS, 1987). Em se tratando da entrevista semiestruturada, atenção foi dada à formulação de perguntas que seriam básicas para o tema investigado. Porém, uma questão que antecede ao assunto perguntas básicas se refere à definição de entrevista semiestruturada. Autores como Triviños (1987) e Manzini (1990/1991) têm tentado definir e caracterizar o que vem a ser uma entrevista semiestruturada. Para Triviños (1987, p. 146) a entrevista semiestruturada tem como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco principal seria colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” além de manter a presença consciente e atuante do p