UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO KAREN ANDRESSA FERNANDES REVISITANDO OS ESTUDOS SOBRE A GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE EUTERPE EDULIS MARTIUS (ARECACEAE) Rio Claro 2018 ECOLOGIA KAREN ANDRESSA FERNANDES REVISITANDO OS ESTUDOS SOBRE A GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE EUTERPE EDULIS MARTIUS (ARECACEAE) Orientadora: Marina Corrêa Côrtes Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Ecóloga. Rio Claro 2018 F363r Fernandes, Karen Andressa Revisitando os estudos sobre a germinação de sementes de Euterpe edulis Martius (Arecaceae) / Karen Andressa Fernandes. -- Rio Claro, 2018 87 p. Trabalho de conclusão de curso ( - ) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Marina Corrêa Côrtes 1. Palmito juçara. 2. Mata Atlântica. 3. Fatores bióticos. 4. Fatores abióticos. 5. Atributos da semente. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico, com o coração transbordante, à minha amada família. AGRADECIMENTOS À professora Marina Corrêa Côrtes pela imensa contribuição ao me orientar neste estudo, sempre disposta a tirar as dúvidas mais ingênuas e sugerir melhorias. Sem dúvida, uma exímia orientadora! Ao professor Tadeu Siqueira pelas sugestões de leitura sobre meta-análise, que acabaram por me guiar sobre os tipos de revisão na Ecologia. À professora Alessandra Fidélis, parecerista do projeto, que me ajudou com críticas e sugestões, orientando a leitura de trabalhos essenciais sobre germinação. Ao professor Massanori Takaki pelas sugestões de leitura sobre germinação, bem como por sanar algumas dúvidas conceituais sobre plântulas. Ao pessoal da biblioteca, especialmente à bibliotecária Angela, que cuidou da solicitação de diversos estudos importantes via o Programa de Comutação Bibliográfica. Sem a ajuda de vocês, eu não teria conseguido tanto material! Às professoras Bernadete e Zezé, bem como ao professor Miltinho, por terem me acolhido de braços abertos assim que entrei na graduação. Às professoras Bernadete, Marin, Rosa Maria, Rose, Sulene e Vania, e aos professores André, Diogo, Marco, Massanori, Neto, Pizo e Thiago: aulas memoráveis! Especialmente, ao corpo docente do Departamento de Ecologia, pessoas sempre solícitas, dispostas a tirar dúvidas, sugerir leituras e levantar assuntos controversos durante suas aulas de uma Ciência fascinante: Antonio, Galetti, Inez, Marina, Miltinho, Tadeu e Zezé. Aos amigos e às amigas da casa 12 pelo apoio diário: Alexandre, Jamile, Nathalia, Rodolfo (Fla), Rodolfo (Vet), Tamara e Thaís. Ao grupo Scorpions e Satanáries, um caso hilário de amor e desespero: Augusto, Camila, Júlia, Laura, Vinícius e Rayane. Ao Luiz e ao Michael, amigos de longa data: o companheirismo de vocês foi essencial e confortante nos momentos mais difíceis durante a escrita deste trabalho. Às amigas e aos amigos de sala, que me ajudaram a estudar quando me ausentei: Anita, Jessika, Júlia, Michele, Tamara e Vinícius. Agradeço, my friends, por terem tornado essa fase menos árdua – e por dividirem tantas histórias boas comigo, muitas das quais já sinto saudades. À minha amada família pelo apoio do começo ao fim e pela compreensão quando não pude participar de vários momentos familiares: amo vocês! . ‘ Mundo lúdico o verde da grama sem o antigo brio a vida numa teia só um fio olha essa trama brinca, brinca livremente criança (Karen Andressa Fernandes) RESUMO A germinação de sementes é um processo crucial para garantir a regeneração das populações vegetais, especialmente das espécies que não rebrotam. É um processo bastante variável entre as espécies e, até mesmo, dentro da própria espécie devido às características intrínsecas à semente (atributos da semente) e aos fatores externos (bióticos e abióticos). Assim, objetivamos revisar narrativamente os efeitos desses fatores sobre a germinação das sementes de uma espécie da Mata Atlântica ameaçada de extinção, Euterpe edulis Martius (Arecaceae), cuja importância econômica e ecológica está bem documentada na literatura. Para isso, consultamos 13 bancos de dados disponíveis on-line, nacionais e internacionais, a partir de palavras-chave relacionadas ao nome científico e popular da espécie e ao processo de germinação. Encontramos um total de 106 estudos que testaram o efeito de um ou mais fatores sobre a germinação das sementes da espécie, dos quais 60 estão publicados em periódicos, e o restante compreende monografias, capítulos de livros e resumos apresentados em eventos. O número de estudos vem aumentando ao longo do tempo e, embora a espécie também ocorra nos países Paraguai e Argentina, o Brasil desponta com o maior número de trabalhos. Identificamos algumas condições mais favoráveis à germinação das sementes da espécie, dentre as quais destacamos: 1) aplicação de pré-tratamentos; 2) seleção de matrizes para coleta de frutos bem maduros (pretos), 3) uso de sementes maiores para cultivo; 4) temperatura constante a 25°C, ou alternada 20-30°C em laboratório; 5) uso de vermiculita como substrato; 6) profundidade de semeadura de 2 centímetros; 7) para o manejo da espécie é sugerido o plantio de plântulas em vez de sementes. Esse conhecimento leva a um melhor entendimento acerca dos fatores interferentes na dinâmica de regeneração, bem como permite otimizar projetos ligados à restauração, reintrodução, enriquecimento e cultivo comercial. Finalmente, apontamos algumas lacunas existentes em relação à germinação, as quais pedem a atenção dos estudos futuros sobre a germinação da espécie. Palavras-chave: Palmito juçara. Mata Atlântica. Fatores bióticos. Fatores abióticos. Atributos da semente. ABSTRACT Seed germination is a crucial process to ensure the regeneration of plant populations, especially non-sprouting species. It is a variable process between species and even within the species itself due to intrinsic characteristics of the seed (seed traits) and external factors (biotic and abiotic). Thus, we aim to review the effects of these factors on the germination of the seeds of an endangered Atlantic Forest species, Euterpe edulis Martius (Arecaceae), whose economic and ecological importance is well documented in the literature. To do this, we consulted 13 databases available online, nationally and internationally, from keywords related to the scientific and popular name of the species and to the germination process. We found a total of 106 studies that tested the effect of one or more factors on the germination of the seeds of the species, of which 60 are published in journals, and the rest comprise monographs, book chapters and abstracts of studies presented at events. The number of studies has increased over time, and although the species also occurs in Paraguay and Argentina, Brazil has the highest number of studies. We identified some conditions more favorable to the germination of the seeds of the species, among which we highlight: 1) application of pre-treatments; 2) selection of matrices for collection of very mature fruits (black), 3) use of larger seeds for cultivation; 4) constant temperature at 25°C, or alternated 20- 30°C in the laboratory; 5) use of vermiculite as a substrate; 6) seeding depth of 2 centimeters; 7) for the management of the species is suggested the planting of seedlings instead of seeds. This knowledge leads to a better understanding of the interfering factors in the dynamics of regeneration, as well as to optimize projects related to restoration, reintroduction, enrichment and commercial cultivation. Finally, we point out some shortcomings in relation to germination, which require the attention of future studies on the germination of the species. Keywords: Jussara. Atlantic Forest. Seed traits. Biotic factors. Abiotic factors. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 DA POLINIZAÇÃO AOS FATORES INTERFERENTES NA GERMINAÇÃO ......... 11 2.1 Fatores e processos ecológicos envolvidos na formação de sementes .......... 11 2.2 Fatores interferentes na germinação ............................................................... 14 2.2.1 Influência dos atributos da semente sobre a germinação ......................... 16 2.2.2 Influência dos fatores bióticos sobre a germinação................................... 17 2.2.3 Influência dos fatores abióticos sobre a germinação................................. 22 3 BIOLOGIA E ECOLOGIA DA PALMEIRA EUTERPE EDULIS .............................. 25 3.1 Aspectos gerais da palmeira Euterpe edulis .................................................... 25 3.2 Importância econômica e ecológica de Euterpe edulis .................................... 28 4 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 31 4.1 Objetivos específicos ....................................................................................... 31 5 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ...................................................................... 32 5.1 Método.. ........................................................................................................... 32 5.2 Coleta e análise dos dados .............................................................................. 32 6 RESULTADOS ....................................................................................................... 34 6.1 Panorama geral dos estudos sobre a germinação de Euterpe edulis .............. 34 6.2 Influência dos atributos da semente sobre a germinação de Euterpe edulis ... 35 6.3 Influência dos fatores bióticos sobre a germinação de Euterpe edulis ............ 37 6.4 Influência dos fatores abióticos sobre a germinação de Euterpe edulis .......... 41 6.5 Otimizando a germinação das sementes de Euterpe edulis e perspectivas .... 44 7 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 45 7.1 Panorama geral dos estudos sobre a germinação de Euterpe edulis .............. 45 7.2 Aspectos metodológicos dos estudos sobre a germinação das sementes de Euterpe edulis ........................................................................................................ 46 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 49 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50 APÊNDICE A – Compilação dos estudos sobre a germinação das sementes da palmeira Euterpe edulis ............................................................................................. 76 APÊNDICE B – Estudos não encontrados via COMUT ............................................ 87 9 1 INTRODUÇÃO A germinação de sementes é um processo crucial para a regeneração das populações de plantas (RAJJOU et al., 2012). No caso das angiospermas, formadoras de frutos, a dispersão de sementes1 tem potencial para atenuar limitações no recrutamento e dar continuidade ao ciclo de vida das plantas, em uma rede de interações complexas (WANG; SMITH, 2002). Tanto a germinação como o estabelecimento de plântulas depende da produção de frutos, dispersão de sementes e padrão espacial de plântulas e adultos, de maneira que as características e comportamento dos polinizadores e dispersores, bem como as condições ambientais, são alguns dos fatores que interferem nesses processos (NATHAN; MULLER-LANDAU, 2000). Até que a semente complete o ciclo de vida da planta, passando pelo estágio de plântula e se tornando um indivíduo adulto reprodutivo, predadores de semente, parasitas e doenças limitam substancialmente o recrutamento (FENNER; THOMPSON, 2005; WANG; SMITH, 2002). Os processos de frugivoria e dispersão têm um importante papel na regeneração natural ao diminuírem a mortalidade de sementes e plântulas (FENNER; THOMPSON, 2005). Ademais, a dispersão garante a movimentação das sementes, em menor ou maior escala espacial, cuja distância de dispersão varia de acordo com o grupo dispersor (CARVALHO et al., 2018; JORDANO, 2000; JORDANO et al., 2007). Além desses processos, a germinação das sementes também depende das condições de temperatura (LABOURIAU; PACHECO, 1978), nutrientes (CHEEMA et al., 2001; FAWCETT; SLIFE, 1978), massa e origem materna da semente (GALLOWAY, 2001), entre outros fatores. As plantas ainda exibem outras estratégias para regeneração das populações, dentre as quais se destacam o banco de sementes (seed bank) e o banco de plântulas (seedling bank), ambos relacionados com a germinação (KITAJIMA; FENNER, 2000). O banco de sementes é caracterizado pela persistência de sementes viáveis enterradas no solo ou superficialmente, por um curto ou longo período de tempo, até que as condições ambientais se tornem favoráveis à germinação (THOMPSON, 1 De maneira geral, a dispersão de sementes diz respeito ao transporte da semente para longe da planta-mãe por diferentes agentes de dispersão; ocorre dispersão secundária se insetos (formigas e besouros) ou outros mamíferos transportarem a semente que já havia sido dispersada anteriormente para outro local (WANG; SMITH, 2002). 10 2000). Já a formação do banco de plântulas, cuja ocorrência é bastante comum em florestas maduras, é uma estratégia importante para uma gama de espécies, onde as plântulas já estabelecidas no local se desenvolvem quando há formação de clareiras devido a maior incidência de luz (KITAJIMA; FENNER, 2000). Logo, em uma matriz demográfica, que mostra o número de indivíduos pertencentes aos diferentes estágios ontogenéticos (frutos/sementes, plântulas, imaturos, jovens e adultos), o número de sementes e plântulas produzidas é maior que o número de indivíduos que chegam ao estágio adulto com longo tempo de vida (SILVERTOWN; FRANCO; MENGES, 1996), fato comumente demonstrado em figuras piramidais. Considerando o exposto acima, entender o que afeta a germinação de sementes é importante porque permite: compreender a história de vida e estratégia reprodutiva das plantas, propagar espécies nativas com valor econômico atribuído, recuperar ecossistemas degradados, além de possibilitar um planejamento mais acurado para o manejo de espécies daninhas (BASKIN; BASKIN, 2014). Seja com finalidade técnica-científica ou comercial, o estudo de como os atributos da semente, fatores bióticos e abióticos afetam a germinação de sementes se revela bastante promissor para ambos interesses. Dada a importância da germinação para as plantas, de maneira geral, o presente estudo está dividido em duas partes, a fim de levantar uma discussão sobre a germinação e, com base nisso, avaliar os fatores interferentes na germinação das sementes de uma espécie de palmeira que ocorre no Brasil. Na primeira parte, são apresentados os principais atributos da semente, fatores bióticos e abióticos que afetam a germinação das sementes e como diferentes espécies respondem a esses fatores, além dos termos usualmente adotados na literatura para se referir aos fatores interferentes na germinação. Devido à importância econômica, ecológica e ao apelo científico, dado que tem muitos estudos científicos com a espécie sobre assuntos diversificados, a segunda parte do estudo se concentra em descrever a Biologia e Ecologia de Euterpe edulis Martius (Arecaceae), uma das árvores mais abundantes em Florestas Atlânticas conservadas, embora extinta em alguns locais, e fazer uma revisão narrativa sobre os atributos da semente, fatores bióticos e abióticos que afetam a germinação das sementes da palmeira Euterpe edulis, cuja finalidade é subsidiar projetos de restauração, reintrodução, enriquecimento e cultivo comercial. 11 2 DA POLINIZAÇÃO AOS FATORES INTERFERENTES NA GERMINAÇÃO Esta seção objetiva discutir os principais processos e fatores envolvidos na formação e germinação das sementes. Norteamos a discussão através de artigos científicos e obras consagradas na Botânica, a fim de discutir os seguintes assuntos: 1) fatores e processos ecológicos envolvidos na formação das sementes; 2) conceito de germinação; 3) nomenclatura usualmente adotada em estudos sobre germinação; 4) fatores bióticos, abióticos e atributos da semente que interferem na germinação. 2.1 Fatores e processos ecológicos envolvidos na formação de sementes A semente é um óvulo fertilizado, resultado da união dos gametas, pólen e oosfera, localizados nas flores (KERBAUY, 2012)2. Essa união é feita através da polinização, que origina um tubo polínico com a função de levar o pólen à oosfera para formar a semente (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2001). A polinização, deposição do pólen proveniente das anteras sobre o estigma da flor, pode ser pelo vento, pouco comum em climas quentes e úmidos, pela água, envolvendo o transporte de pólen na superfície abaixo ou acima da superfície, ou por animais, a qual é considerada responsável pelo sucesso evolutivo e diversificação das angiospermas (JUDD et al., 2009). É dividida em duas classes: 1) autopolinização, quando o indivíduo tem a capacidade de se autopolinizar; 2) polinização cruzada, quando o pólen de um indivíduo é transportado para outro indivíduo (JUDD et al., 2009). A taxa de fecundação cruzada determina, geneticamente, o sistema reprodutivo da população de planta, o qual é dividido em: autógamo (autopolinização ou autofertilização), alógamo (polinização cruzada ou fertilização cruzada), ou misto para espécies que apresentam autopolinização e polinização cruzada (CANUTO; ALVES- PEREIRA; CÔRTES, 2014). No entanto, as plantas evitam a autopolinização via autoincompatibilidade, separação espacial dos gametas (plantas monoicas possuem 2 O androceu das flores corresponde ao órgão reprodutor masculino e contém estames formados por filetes com anteras na extremidade apical – é nas anteras que os grãos de pólen estão localizados. O gineceu é o órgão reprodutor feminino das flores, basicamente, formado por carpelos (folhas modificadas), estigma (estrutura que recebe os grãos de pólen, ligada ao ovário pelo estilete) e ovário que pode conter um ou mais óvulos: a formação de frutos é exclusiva das angiospermas e ocorre a partir do ovário e estruturas associadas, sendo que o óvulo dá origem à semente (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2001). 12 flores masculinas e femininas no mesmo indivíduo separadas espacialmente, enquanto cada planta dioica possui apenas um tipo de flor, ou masculina ou feminina) e separação temporal dos gametas, a qual é garantida pela protoginia (as anteras liberam o pólen após os estigmas deixarem de estar receptivos em flores bissexuais ou em um indivíduo monoico) ou pela protandria (as anteras liberam o pólen antes dos estigmas ficarem receptivos) (JUDD et al., 2009). Dito isso, a formação da semente tem notória dependência da polinização. Segundo Benitez-Vieyra, Moré e Amorim (2014), os polinizadores são capazes de selecionar fenótipos das flores que visitam, sendo que 78% das espécies de plantas dependem dos polinizadores para reprodução, e apenas 32% apresentam sistema generalista de polinização (acima de dois grupos polinizadores) diante 68% especialistas (um grupo polinizador). O movimento da polinização e das sementes é o que mantém o fluxo gênico das populações de plantas (CANUTO; ALVES- PEREIRA; CÔRTES, 2014). Plantas que apresentam reprodução cruzada têm menor diferenciação entre populações, sendo que o “modo de polinização” (agente polinizador) e alcance geográfico são fatores associados à riqueza alélica (BALLESTEROS-MEJIA et al., 2016, grifo nosso). Além disso, as sementes introduzem novos genes na população devido à recombinação do material genético e dispersão, variam de tamanho e mecanismos de dispersão, e conferem proteção ao embrião (BRADBEER, 1994). E nesse contexto, espécies sexuadas podem ter maior variabilidade genética e respostas à seleção natural em relação a espécies assexuadas, um aspecto positivo diante a mudanças ambientais (GRIME, 2001). Se a polinização sofrer alterações devido à fragmentação florestal, por exemplo, as populações podem perder diversidade genética (VRANCKX et al., 2012). Existe um elo entre a polinização e a demografia das plantas, dado que a produção de sementes (fecundidade) afeta a quantidade de plântulas no local, podendo alterar a taxa de crescimento populacional (BUZATO, 2014). A extinção funcional de aves polinizadoras decorrente da fragmentação, por sua vez, tem impacto negativo sobre a produção de frutos, número de sementes por flor e capacidade de regeneração da população de Rhabdothamnus solandri, dado que a limitação de pólen diminui a quantidade de sementes disponível e o estabelecimento de plântulas (ANDERSON et al., 2011). Disso surge a importância do estabelecimento de corredores ecológicos, pois aumentam as taxas de movimentação de borboletas polinizadoras entre os 13 fragmentos, facilitam a polinização das flores e dispersão das sementes, além de aumentar a produção de frutos (TEWKSBURY et al., 2002). Outro aspecto importante para a formação e produção de sementes diz respeito à disponibilidade de recursos maternos, que pode afetar a polinização e a produção de frutos. As espécies Tabebuia aurea e Tabebuia ochracea produzem poucos frutos que chegam a maturar, provavelmente, devido à falta de recursos maternos que leva as flores a desabrocharem (BARROS, 2001). Já a espécie de bromélia Vriesea friburgensis MEZ var. paludosa pode abortar mais da metade dos frutos sob condições de limitação na quantidade de recursos maternos e polinização (SOUZA, 2004). As sementes formadas, então, podem ser: quiescentes, capazes de germinar sob condições ideais, ou dormentes, quando mesmo sob condições ideais precisam quebrar a dormência física/morfológica/fisiológica para induzir a germinação; recalcitrantes, se pouco tolerantes à dessecação, ou ortodoxas, se apresentam maior tolerância ao estresse hídrico (BASKIN; BASKIN, 2014). O desenvolvimento da semente tem por finalidade a germinação, retomada do crescimento do embrião, entendida como completa quando a radícula ou outro tecido trespassa os tecidos que envolvem o embrião (endosperma e tegumento ou testa) (KERBAUY, 2012). Para Bradbeer (1994), culmina no esgotamento dos tecidos de reserva da semente, dando origem a uma plântula independente, que já é capaz de captar nutrientes e sintetizar seus próprios compostos. A semente madura encontra-se com pouca água, substância essencial para realização das atividades metabólicas, de maneira que a embebição (entrada de moléculas de água que causam modificações na estrutura do tegumento) é essencial para a ocorrência da germinação, pois ativa o metabolismo da semente e permite que as substâncias de reserva sejam degradadas (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2001). Finalmente, a semente deve responder a diversos fatores para que ocorra a germinação, etapa crucial do ciclo de vida das plantas ao garantir a permanência das populações (KERBAUY, 2012). Esse tempo, entre o começo do processo germinativo e consequente estabelecimento da plântula, marca um período de grande vulnerabilidade devido à predação, competição, incidência de patógenos, entre outros fatores (KITAJIMA; FENNER, 2000). Mas sob condições ideais de temperatura, luminosidade, umidade, frugivoria e dispersão de sementes, a germinação pode ser afetada positivamente (KERBAUY, 2012). 14 2.2 Fatores interferentes na germinação Há divergência na nomenclatura para se referir aos fatores interferentes na germinação das sementes. Raven, Evert e Eichhorn (2001) falam em fatores internos e externos (ou ambientais), destacando apenas a importância da dispersão de sementes, sem considerar outras interações ecológicas. Os fatores internos de Raven, Evert e Eichhorn (2001) devem ser aqueles que Kerbauy (2012) chama de fatores endógenos, como morfologia e viabilidade, considerando os fatores bióticos, fatores químicos, gases, luz e temperatura, por exemplo, dentro dos fatores ambientais, sendo que a alelopatia entra como fator químico. Allison (2002) também considera micorrizas e disponibilidade de nutrientes como fatores ambientais. Já Hadas (2004) menciona o papel das condições ambientais ou ecológicas, destacando requerimentos por água, temperatura, aeração, profundidade que o dispersor deposita as sementes, além de Fenner e Thompson (2005) e Corbineau e Côme (1994) que se referem a fatores ambientais para avaliar como o ambiente gasoso afeta a germinação e a dormência das sementes. Mesmo sob a perspectiva dos fatores que afetam a massa da semente e a germinabilidade, considerando os efeitos maternos, a nomenclatura adotada ainda é fatores ambientais (WULFF, 1994). Egley (1994) considera as condições ou fatores biológicos e ambientais, citando, por exemplo, temperatura e posição da semente na planta-mãe. Jiménez-Alfaro et al. (2016) acrescentam outra nomenclatura aos fatores interferentes na germinação: atributos da semente, que têm distintos significados funcionais e também são importantes para a compreensão da germinação e dinâmica da regeneração. Então, as sementes possuem atributos: 1) morfológicos (estrutura superficial da semente, tipo de embrião, razão embrião:semente, espessura do envoltório, massa, tamanho e forma da semente); 2) biofísicos (flutuabilidade, conteúdo químico do envoltório da semente, permeabilidade à agua, tolerância à dessecação, conteúdo de óleo, tipo de reserva, velocidade terminal, conteúdo de água); 3) de germinação (germinabilidade, taxa, sincronia e temperatura de germinação, requerimentos de choque-térmico, fumaça, luz e oxigênio, flutuações na temperatura, nitrato, Red:Far Red Ratio, tolerância à dessecação, longevidade da semente e estratificação) (JIMÉNEZ-ALFARO et al., 2016). Em contrapartida, Souza et al. (2015) consideram explicitamente a ação dos fatores biótico (dispersão) e abiótico (fogo) sobre a germinação de Copaifera 15 langsdorffii, os quais poderiam ser considerados como fatores ambientais ou atributo da semente, variando de acordo com a nomenclatura adotada. Rother et al. (2013) também discutem a influência dos fatores bióticos e abióticos sobre o recrutamento inicial de três espécies de plantas. No geral, fatores ou condições ambientais parece ser a nomenclatura mais adotada, mas usaremos os termos “atributos da semente”, “fatores bióticos” e “fatores abióticos”, dado que a germinação de sementes não depende apenas de fatores ambientais (usualmente abióticos na literatura) e dispersão de sementes: relações ecológicas também afetam a germinação, bem como os atributos inerentes à semente. Entretanto, em relação aos atributos da semente, entendemos que requerimento por luz e temperatura, por exemplo, devem ser considerados nos fatores abióticos. Em outras palavras, entendemos que a germinação das sementes de uma espécie é afetada por atributos da semente (JIMÉNEZ-ÁLFARO et al., 2016), fatores bióticos e abióticos (SOUZA et al., 2015), sendo que a adoção da nomenclatura proposta pode nortear trabalhos de revisão futuros tornando possível o entendimento de quais são os fatores mais estudados para determinada espécie ou grupo de espécies. Assim, consideramos, no presente estudo, os atributos da semente como aquelas características intrínsecas à semente, enquanto os fatores bióticos e abióticos são aqueles de natureza extrínseca à semente, conforme descrito no Quadro 1 a seguir. Quadro 1 – Classificação proposta no presente estudo sobre os fatores interferentes na germinação das sementes. Atributos da semente Fatores bióticos Fatores abióticos Tamanho Dispersão Temperatura Massa Micorrizas Luminosidade Origem materna Predação Potencial hidrogeniônico Tolerância à dessecação Parasitismo Salinidade - Patógenos Compostos químicos (não alelopáticos) - Competição Substrato - Alelopatia - Fonte: Autoria própria. 16 2.2.1 Influência dos atributos da semente sobre a germinação A origem materna da semente pode influenciar o tamanho dos propágulos e o desenvolvimento da progênie (MOUSSEAU; FOX, 1998), podendo até controlar a estrutura da raiz de plantas (SINGH et al., 2017). Segundo Roach e Wulff (1987), há 3 classes do efeito materno sobre os atributos da semente: genética citoplasmática, que envolve a possibilidade da planta maternal transferir algumas organelas (plastos e mitocôndrias) para a progênie; endosperma nuclear, dado que na fertilização múltipla ocorre a formação de um endosperma triplóide, em que geralmente dois conjuntos cromossômicos são de origem materna; fenótipo materno, relacionado ao ambiente e traços genéticos (genoma nuclear) da planta maternal. Mas os tipos de efeitos maternos não são aceitos com unanimidade pela comunidade científica, sendo que Wolf e Wade (2009) apontam que vários estudos fazem confusão ao conceituar o efeito materno, bem como conduzir o experimento sob essa premissa. Uma forma de amenizar as arbitrariedades do efeito materno é considerar também o efeito paterno (WOLF; WADE, 2009). Dessa maneira, as plantas materna e paterna (via polinização manual), em determinadas condições de luminosidade e disponibilidade de nutrientes, podem influenciar a massa das sementes produzidas e a germinação, onde a planta paterna influencia com a qualidade e quantidade de pólen também (GALLOWAY, 2001). O tamanho da planta-mãe pode ainda afetar o peso seco das sementes: árvores maiores produzem sementes maiores e com maior quantidade de carbono, cujo estudo aponta também para os efeitos do tipo do habitat no qual a planta-mãe se desenvolve sobre a germinação (ZAMBRANO; HOWE; GONZALEZ-MELER, 2017). Como as plantas não têm gasto energético com cuidado parental (CAIN; BOWMAN; HACKER, 2001), um dos mecanismos para regeneração também é a quantidade de propágulos (fruto ou semente ou semente envolta por outro tecido) produzida: o baixo número de propágulos formados é compensado (trade-off) por propágulos grandes e vice-versa (STEVENS, 1932). Assim, plantas que produzem sementes pequenas o fazem em alta quantidade, já que a quantidade de nutrientes para o embrião é limitada; plantas que produzem sementes grandes têm uma maior quantidade de nutrientes disponível e menor número de sementes (WESTOBY; LEISHMAN, 1992). 17 Essa variação no tamanho e quantidade de sementes produzida pode ser interespecífica ou intraespecífica, inclusive em uma mesma planta-mãe, resultado de limitações filogenéticas, gradiente altitudinal, nutrição materna e base genética, por exemplo (CADOTTE et al., 2009; MOUSSEAU; FOX, 1998; PLUESS; SCHÜTZ; STÖCKLIN, 2005; STEVENS, 1932). Assim, o número de sementes produzidas pela planta-mãe e o tamanho delas são fatores associados ao sucesso reprodutivo da espécie (STEVENS, 1932). O tamanho das sementes tem relação com a quantidade de endosperma, tecido nutritivo que garante a nutrição inicial da semente em etapas pós-dispersão, e tem implicações para a frugivoria, dispersão de sementes e predação (CAIN; BOWMAN; HACKER, 2011). A maior quantidade de endosperma é apontada como importante para a semente responder a condições inóspitas à germinação (CAIN; BOWMAN; HACKER, 2011). No entanto, até mesmo a presença ou ausência de endosperma não prediz o percentual e o tempo de germinação para espécies com tamanho de sementes e famílias diferentes, não sendo possível sequer generalizar que sementes com mais endosperma apresentarão maior percentual e velocidade de germinação (VALENCIA-DÍAZ et al., 2015). No que tange à variação intraespecífica, Andrade, Venturi e Paulilo (1996) encontraram que o tamanho da semente está relacionado à produção de plântulas mais vigorosas, embora não influencie a germinação e a taxa de embebição. Para Myrciaria dúbia, o tamanho da semente está relacionado à velocidade de emergência e à emergência de plântulas (SOUZA et al., 2017). Já para a espécie Syzygum mallacense, sementes pequenas têm menor germinação e plântulas menos vigorosas (COSTA et al., 2006). A magnitude da variação no percentual de germinação em resposta à massa da semente é grande, chegando a ser encontrado que para 109 espécies de plantas, sementes maiores apresentam menor germinação (WANG et al., 2016). Em linhas gerais, a massa da semente não necessariamente explica a variação na taxa e velocidade de germinação dentro e entre espécies de plantas. 2.2.2 Influência dos fatores bióticos sobre a germinação No ambiente natural, a semente está exposta à ação de outros seres vivos (plantas, animais e micro-organismos), que interagem de forma direta com a semente ou modificam as condições físico-químicas do ambiente (KERBAUY, 2012). Esses 18 fatores bióticos podem afetar a germinação de maneira positiva (i.e. fungos micorrízicos – GUTOWSKI, 2016) ou negativa (i.e. alelopatia – GATTI et al., 2010). As sementes e os frutos são recursos nutritivos para a nutrição inicial das plântulas e atração de frugívoros dispersores, respectivamente, porém atraem também predadores e parasitas (SALLABANKS; COURTNEY, 1992). O parasitismo e a predação de frutos e sementes quando ainda presentes na planta-mãe, fase pré- dispersão, estão relacionados ao número de frutos e sementes produzido, o qual apresenta variação anual e espacial, sendo que o parasitismo e a predação estão correlacionados com o número de larvas parasitas, sementes e frutos predados (SPERENS, 1997). Kolb, Ehrlén e Eriksson (2007), ao revisarem os efeitos da predação pré-dispersão, constataram que a taxa de predação de sementes varia entre espécies, tempo e espaço, de maneira que essa perda de sementes devido à predação traz implicações para o recrutamento e a dinâmica populacional das plantas, um assunto até então pouco avaliado. A proximidade entre vizinhos co-específicos pode aumentar tanto a produção de frutos como as taxas de predação (JONES; COMITA, 2010), ou ainda árvores com maiores distâncias dos seus co-específicos podem apresentar maiores quantidades de frutos parasitados, o que pode ser uma ameaça a árvores espacialmente isoladas (METCALFE; KUNIN, 2006). Entretanto, em um experimento que simulou a predação a partir da remoção de 10% da massa da semente, Vallejo-Marín, Domínguez e Dirzo (2006) constataram que as espécies podem perder o potencial germinativo ou sequer sofrer alteração no padrão de germinação – ou seja, nem sempre o dano causado pela predação é letal à semente. Um outro estudo simulou a deposição das sementes e após 12 meses 99,2% das sementes estavam predadas, e os roedores foram responsáveis pela remoção de até 50% das sementes, sendo que a exclusão de mamíferos com gaiolas proporcionou a germinação de 70 a 90% das sementes de Ocotea endresiana (WENNY, 2000). Novamente, foi apontado que o aumento da distância entre a planta- mãe e a semente dispersada diminui as taxas de predação (WENNY, 2000). Nesse contexto, emerge a importância da dinâmica da frugivoria e dispersão de sementes, processo importante para a manutenção do ciclo de vida das plantas e estruturação das comunidades, onde a dispersão de sementes é parte do que Wang e Smith (2002) convencionaram chamar de ciclo da dispersão de semente (seed dispersal cycle): 1) plantas adultas contribuem para formação de frutos, cujo processo depende da polinização, fenologia floral e frutificação; 2) a remoção dos frutos varia 19 de acordo com padrões de frugivoria, que envolvem a escolha da dieta, comportamento do frugívoro, competição, taxas de visitação e remoção de frutos; 3) a dispersão de sementes varia com o tempo de passagem pelo trato gastrointestinal, movimentação e comportamento do dispersor, armazenamento e distribuição das sementes; 4) as sementes dispersadas farão parte da chuva de sementes, podendo sofrer manipulação por outros animais e até mesmo predação, ou ainda pode ocorrer a dispersão secundária, que há de influenciar o armazenamento e soterramento das sementes; 5) se a semente passa pelos processos mencionados, germina e gera uma nova planta, ela completou o ciclo de dispersão da semente. Sendo assim, a dispersão de sementes é influenciada por componentes quantitativos e qualitativos, de maneira que o número de visitas e frutos consumidos, tipo de tratamento que o frugívoro dá à semente (regurgita ou defeca), taxa ou percentual de germinação, são alguns dos fatores importantes para prever a efetividade da dispersão (SCHUPP, 1993). A passagem pelo trato digestório de dispersores que defecam a semente pode aumentar o percentual da germinação, de acordo com o tipo do fruto, tamanho da semente, tempo de retenção no trato digestório, fisiologia do dispersor e grupo taxonômico (TRAVESET; VERDÚ, 2002). O caso da espécie de planta Solanum granuloso-leprosum elucida a variação do sucesso de germinação para grupos taxonômicos distintos: apesar de morcegos removerem mais frutos por visita, a proporção de sementes germinadas e o índice de velocidade de germinação são menores do que as sementes dispersadas por aves (JACOMASSA; PIZO, 2010). Godínez-Alvarez, Valient-Banuet e Rojas-Martínez (2002) verificaram que espécies de morcego promovem a germinação de 80 a 86% das sementes defecadas do cacto Neobuxbaumia tetetzo, ao passo que algumas espécies de aves promovem a germinação acima de 95% das sementes, não diferindo do grupo-controle (99%). Entretanto, uma das espécies de morcego apresentou maior valor para a efetividade de dispersão, dado que faz muitas visitas à planta frutificando (alta frequência de visitação) e deposita as sementes em locais seguros (safe sites) e favoráveis à germinação (GODÍNEZ-ALVAREZ; VALIENTE-BANUET; ROJAS- MARTÍNEZ, 2002). A variação no padrão espacial de movimentação do dispersor e deposição das sementes também afeta a germinação: aves que dispersam as sementes de Eugenia umbelliflora na Mata Atlântica, frequentemente, voam para a baixa restinga, local que promove a germinação de até 66% das sementes, enquanto menos de 15% das sementes germinam em vegetação arbustiva, pois são sensíveis 20 à dessecação (CÔRTES et al., 2009). Lagartos que defecam as sementes, por sua vez, não afetam a germinação de Daphne rodriguezii, mas são capazes de diminuir o efeito do tamanho da semente sobre a emergência de plântulas, já que provavelmente aumentam a permeabilidade das sementes menores (RODRÍGUEZ-PÉREZ; TRAVESET, 2010). Ademais, alguns frugívoros podem quebrar ou destruir as sementes e/ou predá-las, o que impossibilita a germinação, afetando negativamente a efetividade da dispersão (DEW; WRIGHT, 1998; GODÍNEZ-ALVAREZ; VALIENTE- BANUET; ROJAS-MARTÍNEZ, 2002). Os estudos de Jacomassa e Pizo (2010) e Rodríguez-Pérez e Traveset (2010) dialogam com o trabalho de meta-análise de Traveset e Verdú (2002), segundo o qual morcegos e aves afetam significativamente a germinação, enquanto répteis e mamíferos não voadores têm pouco ou nenhum efeito sobre a germinação. Ou seja, é importante que os estudos sobre frugivoria e dispersão de sementes trabalhem com os diferentes componentes da efetividade da dispersão, pois só assim é possível entender de forma mais completa o papel dos dispersores sobre a dinâmica das populações vegetais (CÔRTES et al., 2009). Cabe ressaltar que Howe e Smallwood (1982) sugerem que as plantas exibem adaptações dependendo da classe do agente dispersor e classificam os agentes de dispersão em: animais, vento, água e self dispersal. Finalmente, para Wang et al. (2016), a zoocoria é a síndrome de dispersão que apresenta maior percentual de germinação, indicando que animais dispersores favorecem a germinação, seguida pela anemocoria, hidrocoria, barocoria e autocoria. Acrescentamos ainda que escaravelhos, dispersores secundários, ao enterrarem sementes a profundidades entre um e três centímetros, podem favorecer a germinação de algumas espécies de plantas (SHEPHERD; CHAPMAN, 1998). Tudo isso exerce influência sobre a dinâmica e distribuição espacial de plantas, dado que se as sementes permanecerem próximas à planta-mãe podem sofrer com a maior incidência de predação, parasitas e patógenos devido a maior densidade de co- específicos (WILLSON; TRAVESET, 2000). Os patógenos podem ser definidos como agentes infecciosos causadores de doenças nas sementes, ou até mesmo nas plantas, provocando a redução da germinação (CRAM; FRAEDRICH, 2010). Em coníferas, fungos fitopatogênicos podem infectar a semente internamente, consumir o endosperma e até mesmo o embrião (CRAM; FRAEDRICH, 2010). Fungos patogênicos da classe Oomycota têm efeito negativo sobre a sobrevivência de “plântulas recém-germinadas” de Sebastiana longicuspis, cuja mortalidade se mostrou 21 densidade-dependente em um experimento conduzido em ambiente natural: a aplicação de fungicida garante maior sobrevivência das plântulas, seja em alta ou baixa densidade de co-específicos; sem aplicação de fungicida, a sobrevivência diminui mesmo quando há baixa densidade de co-específicos, sendo que a proporção de sobrevivência das plântulas diminui ainda mais se aumenta a densidade de co- específicos (BELL; FRECKLETON; LEWIS, 2006, grifo nosso). O estudo observacional, por sua vez, demonstrou que a maior densidade de plântulas promove maior proporção de plântulas infectadas pelos fungos patogênicos, mas esse efeito tende a diminuir até deixar de existir com o tempo (BELL; FRECKLETON; LEWIS, 2006). A predação de sementes reduz a quantidade de sementes disponíveis no banco de sementes (BARNES, 2001). Pode ocorrer interna ou externamente à semente (HARPER; LOVELL; MOORE, 1970); ser pré-dispersão, quando envolve o consumo de flores ou frutos maduros e não-maduros, ou pós-dispersão, sendo que a intensidade de predação pode variar com a distância da planta-mãe ou com a densidade de sementes disponíveis (JANZEN, 1971). Eventos de dispersão podem amenizar a predação, já que o dispersor move os propágulos para longe da planta- mãe e para sítios com menor densidade de coespecíficos e, portanto, com menor incidência de predadores e patógenos (hipótese do escape – Howe e Smallwood 1982) (JANZEN, 1969). Entretanto, Howe e Smallwood (1982), considerando a dispersão de sementes, questionam a hipótese de que a mortalidade de sementes e plântulas é dependente da densidade de plantas parentais, visto que a hipótese não se aplica a vários casos (i.e. METCALFE; KUNIN, 2006). Outro tipo de interação agonística é a alelopatia, liberação de compostos químicos orgânicos por plantas, que pode diminuir o percentual, índice de velocidade e tempo médio de germinação, onde tanto a espécie que deu origem ao aleloquímico como a concentração do composto são importantes (BERTONCELLI et al., 2016; KADIOGLU; YANAR; ASAV, 2005; OLIVEIRA et al., 2016). Por exemplo, compostos aleloquímicos presentes na raiz de Aristolochia esperanzae podem reduzir o percentual de germinação do gergelim a cerca de 10% (GATTI et al., 2010). Para Oliveira et al. (2016), o fato de extratos de Urochloa brizantha e Urochloa decumbems (espécies de braquiária) diminuírem o percentual de germinação da espécie Guazuma ulmifolia pode indicar competição por interferência, com implicações para reintrodução desta espécie. Entretanto, aleloquímicos não necessariamente afetam a germinação 22 de forma negativa, pois aumentam a germinação de algumas espécies em taxas de até 95%, agindo como estimulantes (KADIOGLU; YANAR; ASAV, 2005). No mais, alguns fungos também podem favorecer a germinação: a inoculação de fungos micorrízicos pode acelerar a germinação de sementes da erva Brassica rapa até o 41º dia (GUTOWSKI, 2016). As orquídeas têm notória dependência do estabelecimento de relações com fungos micorrízicos, que podem aumentar a germinação das sementes de orquídeas terrestres (dependentes do carbono liberado pelos fungos), ao passo que a germinação de orquídeas epifíticas (dependentes da luz para fotossintetizar seus próprios compostos) só é maior com a presença de fungos em ambientes sem luz (ALGHAMDI, 2017). A inoculação de diferentes grupos de fungos micorrízicos é capaz de alterar a germinação das sementes de 8 espécies de orquídeas terrestres de forma bastante variável (HERRERA et al., 2016). 2.2.3 Influência dos fatores abióticos sobre a germinação Água, temperatura e disponibilidade de oxigênio são três fatores bastante importantes para a ocorrência da germinação (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2001), sendo que muitos estudos avaliaram o efeito do estresse hídrico, pois a água é crucial para a germinação (HEGARTY, 1978). O embrião só cresce se houver entrada de água nos tecidos da semente, e a carência ou excesso pode afetar tanto positiva como negativamente a germinação, variando de acordo com a tolerância à dessecação de cada espécie (KERBAUY, 2012). As espécies diferem em resposta à dessecação: algumas podem perder a viabilidade das sementes por serem sensíveis à dessecação (sementes recalcitrantes), enquanto outras não têm diminuição significativa do percentual ou taxa de germinação (sementes ortodoxas) (FARRANT; PAMMENTER; BERJAK, 1989). A partir do banco de dados Kew’s Seed Information Database, Wyse e Dickie (2017) concluem que cerca de 18,5% das plantas tropicais e subtropicais têm alta sensibilidade à dessecação. O oxigênio, por sua vez, é importante para promover a respiração das sementes, gerando energia a partir das reações de oxidação-redução (redox) para degradação dos compostos de armazenamento, onde a diminuição na concentração de oxigênio pode diminuir o percentual de germinação ou induzir a dormência da semente (MAYER; SHAIN, 1974). Maiores concentrações de oxigênio afetam positivamente o desenvolvimento de plântulas e o percentual de germinação de 23 Elianthus annuus, sendo que a supressão do oxigênio inibe a germinação das sementes e afeta negativamente o crescimento das plântulas (GAY; CORBINEAU; CÔME, 1991). Como o ciclo de vida das plantas é moldado pela estação, além dos estudos fenológicos contribuírem para compreensão da floração, frutificação e dispersão de sementes, o entendimento da fenologia também permite compreender a germinação das sementes, já que a fenologia está ligada à temperatura e à ocorrência de outras pressões seletivas abióticas e bióticas (RATHCKE; LACEY, 1985). A temperatura, por sua vez, pode estar relacionada à produção de sementes, emergência de folhas e taxa de emergência das folhas (WENT, 1953). Labouriau e Pacheco (1978) demonstraram que a germinação de sementes de Dolichus biflorus L. ocorre a partir de uma faixa mínima até uma faixa máxima de temperatura. Isso vem sendo demonstrado para outras espécies, que apresentam uma temperatura ótima para a germinação entre as temperaturas mínima e máxima (SILVA et al., 2006; SILVA et al., 2008). A temperatura ótima de germinação para a palmeira Syagrus romanzoffiana, nativa do Brasil, é de 30 ou 35°C e promove a germinação de mais de 70% das sementes, enquanto a temperatura constante a 20°C ou alternada 20-30°C não promove a germinação de nenhuma semente (PIVETTA et al., 2005). O arbusto Haloxylon ammodendron, encontrado no noroeste da China, tem baixa germinação a 30°C, sendo que a temperatura ótima é 10°C (HUANG et al., 2003). Logo, a temperatura determina o estabelecimento de plantas de acordo com a estação, ou seja, plantas anuais de verão germinam a altas temperaturas, enquanto as plantas anuais de inverno precisam de temperaturas mais amenas, ambos tipos encontrados no deserto (WENT, 1953). As flutuações diárias na temperatura combinadas à luz podem favorecer o percentual de germinação de espécies encontradas em diferentes ambientes (THOMPSON; GRIME; MASON, 1977). Barbacenia flava não germina a 10ºC e 40ºC, mas é capaz de manter alto percentual de germinação, com presença ou ausência de luz, nas temperaturas de 30ºC e 35ºC, sendo que as sementes de Barbacenia purpurea são incapazes de germinar no escuro (BICALHO; SOARES-DA-MOTA; GARCIA, 2018). As sementes de orquídeas epifíticas são mais dependentes da luz do que de micorrizas para germinarem, onde a presença de fungos ou solução de sacarose só aumenta a germinação se as sementes estiverem no escuro (ALGHAMDI, 2017). 24 É válido destacar que no começo da germinação, as sementes mobilizam substâncias de reserva para ativar o metabolismo, como é o caso da quantidade de fitato (fósforo orgânico) que diminui ao longo do processo (REDDY; BALAKRISHNAN; SALUNKHE, 1978). Dessa forma, a aplicação de fertilizante composto por fósforo e nitrogênio, para fins agronômicos, é capaz de aumentar a matéria seca total e a produção de sementes (CHEEMA et al., 2001). Já a adição de nitrato pode aumentar a concentração de nitrogênio nas sementes, bem como o percentual de germinação (FAWCETT; SLIFE, 1978), enquanto a fumaça ou vapor contendo óxidos de nitrogênio é capaz de induzir e aumentar a germinação de espécies adaptadas ao fogo (KEELEY; FOTHERINGHAM, 1997). Aplicações de ácido húmico e cálcio aumentam o percentual de germinação e o crescimento de tomates (TÜRKMEN et al., 2004). Além do mais, as plantas também respondem à salinidade, cujas populações podem se adaptar a manter a germinação em ambientes mais salinos e arenosos (HUANG et al., 2003), e ao potencial hidrogeniônico (ROEM; KLEES; BERENDSE, 2000). 25 3 BIOLOGIA E ECOLOGIA DA PALMEIRA EUTERPE EDULIS Visto o importante papel da germinação para o ciclo de vida das plantas e a ampla variação das respostas de germinação a atributos da semente, fatores bióticos e abióticos, objetivamos avaliar a influência dos fatores interferentes na germinação das sementes de uma das árvores mais abundantes da Mata Atlântica, Euterpe edulis Martius (Arecaceae). Iniciamos a presente seção, então, levantando algumas considerações acerca das características da espécie, bem como sua importância econômica e ecológica. 3.1 Aspectos gerais da palmeira Euterpe edulis Essa palmeira ocorre principalmente na Mata Atlântica e foi descrita por Martius em 1824 (HENDERSON, 2000). É conhecida popularmente como “palmito-juçara”, “palmiteiro”, “palmito-doce”, entre outros termos de acordo com a região e o país (CARVALHO, 1994). A distribuição geográfica se estende desde a costa leste do sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, ocorrendo também em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul (LORENZI et al., 2004). Além do Brasil, ocorre no nordeste da Argentina e no Paraguai ao leste, conhecida como “palmito” (CARVALHO, 1994). Um indivíduo adulto de Euterpe edulis atinge por volta de 12 metros de altura, diâmetro à altura do peito (DAP) variável entre 10 a 15 centímetros, cujas folhas pinadas, geralmente entre 8 e 15 contemporâneas, têm comprimento de até 2,5 metros (LORENZI et al., 2004). A planta é monoica, apresenta protandria (MANTOVANI; MORELLATO, 2000) e leva de seis a oito anos para atingir a maturidade reprodutiva (CARVALHO, 1994). A fecundação é predominantemente cruzada, no geral, por uma variada fauna de insetos polinizadores (entomofilia) ou pelo vento (anemofilia), ou ainda via autofecundação quando há mais de uma inflorescência na planta e as fases masculina e feminina se sobrepõe (MANTOVANI; MORELLATO, 2000; SEOANE; SEBBENN; KAGEYAMA, 2005). O vento tem um papel menor na polinização, de maneira que os insetos polinizadores exercem o papel preponderante, onde os principais polinizadores são: abelhas e vespas (Hymnoptera), besouros (Coleoptera), moscas (Diptera) e borboletas (Lepidoptera) (MANTOVANI; MORELLATO, 2000; REIS et al, 1993; SEOANE; SEBBENN; KAGEYAMA, 2005). 26 A produção de flores e frutos é sazonal e variável de acordo com a latitude e altitude, virtualmente iniciada nas terras baixas, tipos florestais e anos distintos (CASTRO; GALETTI; MORELLATO, 2007; MANTOVANI; MORELLATO, 2000; TONETTI, 1997; REIS et al., 1996). Após a formação das infrutescências, a maturação dos frutos ocorre em cerca de 7 meses, atingindo o pico de julho a outubro em Floresta Ombrófila Densa com formação secundária (MANTOVANI; MORELLATO, 2000), e em abril e maio na planície costeira, área de restinga e floresta ombrófila densa de encosta (CASTRO; GALETTI; MORELLATO, 2007). Cada infrutescência pesa em média 3,5 quilogramas, de maneira que 1 quilograma de frutos frescos tem 950 frutos despolpados (REIS et al., 1996). O fruto globoso (drupa) tem epicarpo fino, roxo-escuro ou preto, portador de apenas uma semente (CARVALHO, 1994) recalcitrante (MARTINS; NAKAGAWA; BOVI, 2000), envolta pelo endocarpo fibroso (LORENZI et al., 2004). Os frutos de Euterpe edulis são ricos em antocianina, têm atividade antioxidante (LIMA et al., 2012) e efeito anti-inflamatório, capazes de reduzir riscos cardiovasculares e aumentar a quantidade de glicose no sangue, entre outras propriedades bioativas dos componentes químicos dos frutos (CARDOSO et al., 2018). O teor de vitamina C, flavonoides e compostos fenólicos totais é maior em indivíduos que crescem em ambiente sombreado, quando comparado àqueles que crescem a pleno sol (CRAVO; NAVAS; GONÇALVES, 2017). Os frutos podem ser predados por pequenos mamíferos, parasitados por larvas de besouros (PIZO; VON ALLMEN; MORELLATTO, 2006), infectados pelo fungo Colletotrichum gloeosporioides (POLTRONIERI et al., 2014), ou ainda podem ser consumidos por 58 espécies de aves e 21 de mamíferos frugívoros, sendo que apenas 38 espécies atuam como dispersoras ao regurgitar ou defecar a semente consumida (GALETTI et al., 2013). A polpa do fruto pode ser removida pela ação de formigas (dispersores secundários), embora não tenha sido evidenciada remoção dos propágulos (SANTANA; CAZETTA; DELABIE, 2013). Com relação à área de ocorrência, Euterpe edulis é encontrada em maior densidade no interior da floresta em comparação à borda, sob condições de sub- dossel e sub-bosque (IVANAUSKAS; RODRIGUES; NAVE, 1997) e associada à água (KOJIMA, 2004; RODERJAN et al., 2002). A abundância de indivíduos de Euterpe edulis com DAP igual ou superior a 5 centímetros aumenta em resposta à acidez do solo e à concentração de cátions de alumínio (forma trivalente – Al3+), sendo afetada 27 negativamente em solos pouco drenados (GUILHERME et al., 2012). Ocorre em todas as fitofisionomias: Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (0 a 50 m de altitude), Submontana (50 a 500 m de altitude) e Montana (acima de 500 m de altitude), correlacionada com a altitude (OLIVEIRA, K. et al., 2014), entre zero (ao nível do mar) e 1000 metros de altitude (HENDERSON, 2000). Na Floresta Ombrófila Densa é uma das espécies mais abundantes, dado que chega a representar 16,5% do total (CORTINES et al., 2011), sendo reportada maior abundância em altitudes intermediárias (PEREIRA et al., 2015). A densidade de indivíduos adultos é mais alta em Planície (2,97 indivíduos/hectare) se comparada à Encosta (1,82 indivíduos/hectare) (KOJIMA, 2004). Em estudo conduzido no Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar, Euterpe edulis representou 14,8% em abundância, com 191 indivíduos (PRATA; ASSIS; JOLY, 2011). Já na comunidade paludosa da fazenda São José em Rio Claro, interior paulista, Euterpe edulis apresentou maiores número de indivíduos (680), densidade relativa (41%), frequência relativa (10,73%) e índice de valor de importância (24,62%), sendo a segunda espécie dominante na área (TEIXEIRA; ASSIS, 2005). O padrão espacial dos indivíduos é agregado ou aleatório, de acordo com o estágio de desenvolvimento (OLIVEIRA; MANTOVANI; MELO, 2001) e outros processos atuantes no local, como o padrão de frugivoria e dispersão de sementes (CARVALHO et al., 2018), e a introdução de uma espécie herbívora e pisoteadora invasora (MORI, 2015). Enquanto plântulas e jovens têm padrão espacial agregado, indivíduos imaturos e reprodutivos estão distribuídos aleatoriamente em matas sem extração de palmito (REIS et al., 1996; RODRIGUES et al., 2016). Já Carvalho et al. (2018) verificaram aleatoriedade na distribuição espacial de plântulas e adultos em uma área defaunada, mas registraram que as plântulas ficam agregadas ao redor dos adultos. Isso sugere que os sabiás (Turdus spp.), os únicos dispersores de sementes observados na área, limitam a distância de dispersão, modificando a estrutura espacial da população de Euterpe edulis (CARVALHO et al., 2018). Para Reis et al. (1996), a curva de “J invertido” denota que as plântulas de Euterpe edulis se concentram agregadas próximas à planta-mãe, de maneira que mais de 150 plântulas podem ficar a 1 metro de distância da potencial matriz em matas sem perturbação. Assim, plântulas e jovens apresentam maior abundância que imaturos e indivíduos reprodutivos, sucessivamente (CAPELATTI; SCHIMITT, 2015). E complementando a discussão com o estudo de Mori (2015): a distribuição de frequência dos estágios de 28 tamanho de Euterpe edulis tem o formato da curva de J invertido, com alteração sutil no recrutamento de jovens de 10-30 centímetros de altura após a invasão pelo javaporco. Ou seja, Euterpe edulis forma um banco de plântulas como estratégia de regeneração, de maneira que elas representam 92% da população e os adultos reprodutivos apenas 0,3% (REIS et al., 1996), com variação entre os anos (CONTE et al., 2000). À medida que avança o estágio ontogenético, diminui o número de indivíduos recrutados (CONTE et al., 2000). Embora abundantes, as plântulas de Euterpe edulis apresentam alta mortalidade devido à queda de folhas e galhos que provocam danos físicos às plântulas (TONETTI; NEGRELLE, 2001), pisoteamento e herbivoria (FLEURY, 2009; HORTENCI, 2012). Isso sugere que baixas quantidades de indivíduos nas classes de tamanho ou demográfica menores indicam que a população está alterada, cuja necessidade de intervenção e manejo é imediata (CARVALHO; NASCIMENTO, 2009). Euterpe edulis não tem propagação vegetativa ou rebrotamento (CARVALHO, 1994) como outras espécies do gênero Euterpe, por exemplo, Euterpe oleracea (açaí) que emite perfilhos na área basal da planta (MEDEIROS et al., 2007). Portanto o crescimento e manutenção populacional depende da produção, dispersão e germinação de sementes. Enfim, a espécie produz muitos frutos, estabelece banco de plântulas (REIS et al., 1996), possui muitos dispersores (GALETTI et al., 2013) e suas sementes podem apresentar 100% de viabilidade e germinação acima de 60% (REIS et al., 1999), as quais são fundamentais ao garantir o recrutamento para manutenção das populações naturais (QUEIROZ, 2000). 3.2 Importância econômica e ecológica de Euterpe edulis Euterpe edulis é uma palmeira muito valorizada economicamente devido a produtos florestais não madeireiros, principalmente pela: 1) extração de palmito (gema apical localizada na extremidade acima do estipe), o qual é consumido no Brasil antes mesmo da colonização e é o palmito mais apreciado (CARDOSO; LEÃO, 1974); 2) uso da polpa para produção de suco, cuja produção aumentou de cinco para 97,76 toneladas entre os anos 2010 e 2011 (TREVISAN et al., 2015). Folhas, sementes e frutos podem ser usados com finalidade alimentícia, artesanal, ecológica, medicinal, forrageira, ornamental e para produção de fibra (ELIAS; SANTOS, 2016). É apontada 29 como um recurso importante para comunidades tradicionais e pequenos agricultores (COSTA et al., 2008). Entretanto, o corte para obtenção de palmito culmina na morte do indivíduo, pois a planta é incapaz de rebrotar (CARVALHO, 1994), sendo o uso dos frutos sustentavelmente mais viável (COSTA et al., 2008). A palmeira Euterpe edulis também tem importância ecológica: é uma das plantas mais abundantes em Florestas Atlânticas conservadas (HENDERSON; GALEANO-GARCES; BERNAL, 1995). Segundo Mantovani e Morellato (2000), o fato de Euterpe edulis apresentar possibilidades de autofecundação, entomofilia e anemofilia sugere a alta abundância da espécie na Floresta Atlântica. Além da elevada abundância, a polinização é feita por várias espécies de insetos (SEOANE; SEBBENN; KAGEYAMA, 2005), e os frutos de Euterpe edulis servem como recurso para 79 espécies de frugívoros (GALETTI et al., 2013). Quanto ao palmito, ele também pode ser consumido por macacos-prego (IZAR, 1999), sendo que estes animais revelam preferência para consumir o palmito das árvores com DAP de até 13 centímetros e usam este recurso alimentar quando a disponibilidade de insetos é baixa, ou ainda como “requinte de um gourmet” (TAIRA, 2007). Ademais, é importante ressaltar que a espécie está ameaçada de extinção, na categoria vulnerável (BRASIL, 2014; MARTINELLI; MORAES, 2013), onde o alto grau de fragmentação e isolamento dos fragmentos de Mata Atlântica, com cerca de 11,4% a 16% de remanescente (RIBEIRO et al., 2009), bem como a redução das populações naturais de Euterpe edulis devido à atividade extrativista ilegal (GALETTI, FERNANDEZ, 1998), são algumas das ameaças à conservação da espécie. Quanto à germinação, os primeiros trabalhos para estudar a germinação de Euterpe edulis foram movidos por causa do grande interesse econômico para produção de palmito (BOVI et al., 1990), sendo que uma quantidade considerável de trabalhos mais antigos e limitados no escopo apresentaram compilações ou discussões de estudos sobre a germinação da espécie, conforme Quadro 2. Apesar da alta produção de trabalhos, não existe uma revisão atualizada sobre a germinação de Euterpe edulis, espécie com reconhecida importância econômica e ecológica. Assim, o presente trabalho objetiva revisitar os estudos que avaliaram o efeito dos atributos da semente, fatores bióticos e abióticos sobre a germinação da espécie a fim de nortear algumas considerações sobre a manutenção da espécie em ambientes naturais sob processo de regeneração, bem como otimizar projetos de reintrodução, enriquecimento, restauração e cultivo comercial. 30 Quadro 2 – Síntese dos estudos e das obras anteriores que discutiram a germinação das sementes da palmeira Euterpe edulis, entre outros assuntos. Autoria Escopo do trabalho Mattos e Mattos (1976) Discutem diversos aspectos sobre Euterpe edulis, dentre os quais a germinação e o cultivo. Macedo, Rittershofer e Dessewffy [1974?] Obra que retrata aspectos ligados à silvicultura da espécie, apontando técnicas aplicáveis ao manejo sustentável de Euterpe edulis. Nogueira [1982 ou 1984] Obra com informações sobre a importância econômica, produção, pré-processamento e cultivo de várias espécies de palmeiras, dentre as quais Euterpe edulis. Bovi et al. (1990), Cardoso e Leão (1974), Bovi, Godoy Júnior e Sáes (1987) e Leão e Cardoso (1974) Apresentam os resultados de várias pesquisas sobre a germinação das sementes e o desenvolvimento das plântulas de Euterpe edulis desenvolvidas até então. Entretanto, as poucas referências usadas sobre o assunto vão até a década de 90. Reis e Reis (2000) Organizaram estudos em uma obra que retrata a biologia, conservação e manejo da espécie, perpassando desde assuntos como fenologia e germinação até aqueles socioeconômicos. Aguiar et al. (2002) Folheto que trata das características e importância econômica, contemplando a germinação. Martins e Lima (2005) Obra que aborda diversos assuntos sobre Euterpe edulis, inclusive silvicultura (produção de sementes e mudas, e sistemas de cultivo). São Paulo (2007): Cartilha com diversas informações acerca de Edulis edulis, como material de apoio para quem deseja cultivar a espécie. Santos, Corrêa Júnior e Neves (2008) Obra que discute as palmeiras produtoras de palmito no Brasil (juçara, pupunheira e palmeira-real), perpassando o beneficiamento das sementes, formação de mudas e sistemas de produção. Martins e Souza (2009) Obra de caráter técnico científico que, basicamente, ensina a cultivar Euterpe edulis. Troian e Corbellini (2014) Cartilha voltada ao ensino do uso da polpa dos frutos em alternativa à extração do palmito, abordando sutilmente a germinação. Guimarães e Souza (2017) Obra que aborda os valores cultural, ambiental e econômico da espécie, trazendo assuntos variados, por exemplo, germinação e receitas. Fonte: Autoria própria. 31 4 OBJETIVO GERAL Descrever narrativamente os fatores interferentes na germinação das sementes de Euterpe edulis a partir de uma revisão de literatura. 4.1 Objetivos específicos 1) Avaliar quais atributos da semente, fatores bióticos e abióticos exercem influência sobre a germinação das sementes de Euterpe edulis. 2) Avaliar os aspectos relevantes e apontar as lacunas existentes sobre a germinação de Euterpe edulis. 3) Compilar os estudos sobre a germinação de Euterpe edulis, tornando-os disponíveis para projetos de reintrodução, enriquecimento, restauração e cultivo comercial. 32 5 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA 5.1 Método O estudo consiste em uma revisão narrativa acerca do efeito dos fatores bióticos, abióticos e atributos da semente sobre a germinação das sementes de Euterpe edulis. Embora a revisão seja narrativa, fizemos um “protocolo de pesquisa” (característico da revisão sistemática) a fim de possibilitar que as informações sejam atualizadas no futuro (KORICHEVA; GUREVITCH, 2013). Trazer esta abordagem à germinação de Euterpe edulis é plausível, já que Koricheva e Gurevitch (2013) destacam que se a quantidade e qualidade de estudos não forem suficientes para a realização de uma meta-análise, é mais recomendável que se faça uma revisão narrativa. Então, a abordagem apresentada no presente estudo é parecida com aquela desenvolvida por Meerow e Broschat (1991), que fizeram uma revisão narrativa sobre a germinação da Família Arecaceae, considerando aspectos ligados às condições para a ocorrência da germinação e à aplicação de pré-tratamentos, dentre outros assuntos abordados. 5.2 Coleta e análise dos dados O material foi buscado através de 13 bancos de dados on-line, conforme mostrado no Quadro 3. Quadro 3 – Síntese das bases de dados e endereços eletrônicos consultados. Base de dados Endereço eletrônico Acesso Livre à Informação Científica https://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/ Bases de Dados da Pesquisa Agropecuária https://www.bdpa.cnptia.embrapa.br/cons ulta/ Base Bibliográfica da Agricultura Brasileira http://orton.catie.ac.cr/agb.htm CABDirect https://www.cabdirect.org/ Google Scholar https://scholar.google.com.br/ International System for Agricultural Science and Technology http://agris.fao.org/agris-search/index.do 33 Parthenon http://www.parthenon.biblioteca.unesp.br/ primo_library/libweb/action/search.do Portal de Periódicos da Capes http://www.periodicos.capes.gov.br/ Repositório da Produção Científica do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas http://www.cruesp.sibi.usp.br/ Scielo http://www.scielo.com/ Science Direct https://www.sciencedirect.com/ Scopus https://www.scopus.com/search/form.uri? display=basic Web of Science https://login.webofknowledge.com/ Fonte: Autoria própria. As seguintes palavras-chave foram usadas: “Euterpe edulis” OR “palmiteiro” OR “juçara” AND “germinação”, além dos termos correspondentes em inglês, “jussara” AND “germination”. Testamos as palavras-chave em espanhol também, mas a busca só reportou trabalhos em inglês e português, sendo que trabalhos em espanhol e francês apareceram nas pesquisas com as palavras-chave em inglês e português. Reunimos os estudos publicados até dia 2 de abril de 2018 (e sem data limite de início), além da consulta e inclusão no presente estudo de todas as referências usadas nos trabalhos que compilaram informações sobre a germinação de Euterpe edulis (Quadro 2). Acrescentamos ainda que trabalhos não disponíveis on-line, mas que pelo título ou resumo foi possível identificar a relevância para o presente estudo, os mesmos foram solicitados via Programa de Comutação Bibliográfica (COMUT) ou Empréstimo Entre Bibliotecas (EEB). Foram levantados: artigos, capítulos de livro, monografias (Tese, Dissertação e Trabalho de Conclusão de Curso – TCC) que trataram da germinação das sementes de Euterpe edulis. No mais, as seguintes informações foram tabuladas: autoria do trabalho, título, nome do veículo de publicação (ou tipo de material no caso de monografias e resumo de trabalho apresentado em evento científico), ano e país onde o estudo foi conduzido. Priorizamos a discussão de artigos, com testes estatísticos, em detrimento de outros tipos de material. Finalmente, discutimos os fatores que: 1) podem otimizar a germinação das sementes da espécie; 2) interferem nas populações naturais ou em plantios; 3) foram pouco estudados, o que possibilita apontar as lacunas existentes para direcionar os estudos futuros. 34 6 RESULTADOS 6.1 Panorama geral dos estudos sobre a germinação de Euterpe edulis Encontramos um total de 106 estudos que objetivaram estudar os fatores interferentes na germinação das sementes de Euterpe edulis (Apêndice A), sendo que 57% estão publicados em periódicos (Quadro 4). Alguns trabalhos não foram localizados pelo COMUT, impossibilitando a análise do material (Apêndice B). Quadro 4 – Número de estudos acerca da influência dos atributos da semente, fatores bióticos e abióticos sobre a germinação de Euterpe edulis. Tipo do material Número de estudos Periódico 60 Capítulo de livro 2 Tese 7 Dissertação 8 Trabalho de Conclusão de Curso 7 Resumo de evento científico 22 Fonte: Autoria própria. O número de trabalhos vem aumentando ao longo dos anos (Figura 1), e o Brasil é o país que desponta com a produção da maioria dos estudos (Apêndice A). Figura 1 - Número de estudos que avaliam algum aspecto da germinação das sementes de Euterpe edulis ao longo dos anos. Ano não identificado (NID). Fonte: Autoria própria. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 19 72 19 75 19 78 19 82 19 87 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 03 20 05 20 07 20 09 20 11 20 13 20 15 20 17 N úm er o de e st ud os Ano N ID 35 6.2 Influência dos atributos da semente sobre a germinação de Euterpe edulis A planta-mãe (matriz), relacionada ao ambiente onde se desenvolve, afeta o percentual de germinação das sementes, de maneira que as sementes de matrizes localizadas em floresta natural apresentam maior germinação do que aquelas cultivadas entre bananas em sistema agroflorestal (ALABARCE; DILLENBURG, 2017). As sementes das matrizes podem ainda apresentar diferença em relação à viabilidade, dado que 76% dos embriões das sementes que não germinaram no sistema agroflorestal apresentaram viabilidade, e na floresta natural esse número caiu para 28%, sugerindo a existência de dormência morfofisiológica para a espécie (ALABARCE; DILLENBURG, 2017). Porém, Baskin e Baskin (2006) sugerem que espécies que apresentam dormência morfofisiológica não germinam até a quarta semana, o que não é o caso de Euterpe edulis. No mais, o início da germinação e o percentual de sobrevivência das plântulas também variam de acordo com a planta- matriz, de tal forma que, aos 150 dias, o percentual de sobrevivência das plântulas pode variar de 13,9 a 56,4%, apresentando uma média de 38% e variação no vigor da plântula (MARTINS-CORDER; SALDANHA, 2006). Sementes coletadas na Mata Atlântica, em laboratório, apresentaram maior percentual e velocidade de germinação se comparadas àquelas advindas de floresta seca sazonal e floresta de restinga, onde o ambiente no qual a planta-mãe da semente se desenvolve é apontado como uma das causas da variação (BRANCALION; NOVEMBRE; RODRIGUES, 2011). Sob o interesse de melhorar as características de espécies comumente usadas para extração de palmito, Bovi, Godoy Júnior e Sáes (1987) produziram híbridos interespecíficos de Euterpe edulis e Euterpe oleraceae, constatando que a semente dos híbridos apresenta início de germinação antecipado e a plântula é mais vigorosa do que os genitores, embora os resultados para o percentual de germinação não tenham sido significativos. Em suma, a origem materna afeta o percentual da germinação das sementes da espécie (SALOMÃO et al., 2009). Quanto ao efeito do tamanho dos frutos sobre a germinação, este atributo não afeta o percentual de germinação e índice de velocidade de germinação, separados visualmente em pequenos e grandes (FOLÉIS et al., 2012). Apesar do tamanho da semente não afetar a germinação e a embebição, as plântulas provenientes de sementes maiores apresentam maior peso seco e área foliar (ANDRADE; VENTURI; PAULILO, 1996). Leite (2013) também não encontrou relação significativa entre a 36 massa da semente e a germinação, sendo este atributo novamente apontado como importante apenas para o desenvolvimento da plântula. Entretanto, Pizo, Von Allmen e Morellato (2006) verificaram que o tamanho da semente não está somente relacionado a um melhor desenvolvimento da plântula, mas também da germinação. Para Fleig e Rigo (1998), sementes de frutos de tamanho médio (14,2 – 14,8 milímetros de diâmetro) apresentam maior percentual e velocidade de germinação do que sementes de frutos pequenos e grandes. Sob essa perspectiva de três classes de tamanho, os resultados encontrados por Martins et al. (2009) demonstraram que sementes menores submetidas a maior período de secagem são melhores em manter o percentual de germinação que sementes médias e grandes, sendo que o percentual de germinação, velocidade de germinação e vigor são parecidos entre si para os três tamanhos. Apesar das sementes maiores apresentarem plântulas mais vigorosas, é preciso cautela, pois a seleção artificial dessa característica pode selecionar outras características da planta-mãe (ANDRADE; VENTURI; PAULILO, 1996). As sementes de Euterpe edulis são recalcitrantes, sendo que o tempo de armazenamento e a quantidade de água disponível na semente afetam a longevidade (MARTINS; NAKAGAWA; BOVI, 2000; REIS et al., 1999). O embrião apresenta o conteúdo de água a 85,3%, e a semente 48,2%, sendo que o método de secagem afeta a taxa de secagem e o percentual de germinação (PANZA et al., 2007). O conteúdo de água das sementes a 51% apresenta menor tempo de germinação e maior taxa de germinação do que as sementes com 39% de umidade, embora o percentual e a sincronização da germinação não apresentem diferenças significativas (ROBERTO; COAN; HABERMANN, 2011). A quantidade de água das sementes influencia as várias etapas do processo germinativo, de maneira que a quantidade de água das sementes abaixo de 21% faz com que as sementes percam a viabilidade e não germinem (MARTINS; NAKAGAWA; BOVI, 2000), por exemplo, 12% e 5% são letais à semente (IOSSI et al., 2016). Sementes com grau de umidade a 46% e 30% apresentam 9,5% e 9,9% de germinação, respectivamente, quando mantidas por 120 horas à temperatura de - 5°C, de maneira que a redução da umidade a 15% inviabiliza a germinação a - 5°C, 5°C e 20°C (ANDRADE; PEREIRA, 1997). O percentual de germinação de sementes não armazenadas, armazenadas por 7 e 14 dias equivale a, respectivamente, 66,64%, 37,9% e 2,85%, com diferenças significativas entre os tratamentos, demonstrando a dificuldade de armazenar as sementes da espécie (GRAZIANO, 1982). É sugerido que as sementes sejam 37 armazenadas em embalagens semipermeáveis ou impermeáveis, preferencialmente, em ambiente frio, pois o ambiente seco faz com que as sementes de Euterpe edulis percam a viabilidade mais rapidamente aos 190 dias de armazenamento (FIGLIOLIA et al., 1987). As condições de armazenamento (embalagem, despolpa e temperatura) ligadas ao tempo de armazenamento também afetam a viabilidade das sementes: sementes armazenadas por sete dias podem apresentar uma média geral de 81,6% de germinação, enquanto aos 448 dias de armazenamento a média cai para 9,5%, cuja interação entre as condições, muitas vezes, é significativa (NODARI et al., 1998). A relação entre o tempo de armazenamento e o conteúdo de umidade é linear, onde o aumento do tempo de armazenamento reduz o conteúdo de água na semente, além da redução na umidade da semente diminuir a probabilidade e o percentual de germinação (ANDRADE, 2001). Em 120 horas de armazenamento, sementes não desidratadas (grau de umidade de 46%) não apresentam redução na germinação a 5°C (94,3%) e 20°C (91,8%) (ANDRADE; PEREIRA, 1997). Já as sementes com grau de umidade a 43%, armazenadas a 15°C por até oito meses, podem apresentar 74% de germinação à temperatura de 15°C, ao passo que sementes com grau de umidade de 34%, a 15 ou 5°C, reduzem o percentual de germinação 34% ou 18,1% (ANDRADE; MALAVASI; COSTA, 1996). Dessa forma, é sugerido que as sementes sejam desidratadas parcialmente a 40% de umidade, o que garante a manutenção da viabilidade e a não ocorrência da germinação durante o período de armazenamento (ANDRADE; MALAVASI; COSTA, 1996). Andrade (2001) sugere que o armazenamento das sementes por até 12 meses a 15°C (40% de umidade) e 12°C (40% de umidade) é o mais adequado para garantir a viabilidade. No mais, cerca de 50% das sementes expostas até 4 dias à dessecação permanecem vivas; aos 8, 16 e 64 dias o percentual de sementes vivas é de 36,81%, 15,87% e 0, respectivamente, sendo que aos 16 dias, à temperatura e umidade ambiente, as sementes ficam com cerca de 20% de umidade, valor crítico para a espécie (REIS et al., 1999). 6.3 Influência dos fatores bióticos sobre a germinação de Euterpe edulis O sistema reprodutivo não afeta significativamente o percentual da germinação das sementes de Euterpe edulis: polinização natural (65,3%), autopolinização (55,3%), polinização cruzada (60,7%), tampouco a polinização cruzada interespecífica (manipulada) com Euterpe espiritosantensis (67,3%) (WENDT et al., 2011). 38 A estrutura superficial da semente, por sua vez, tem significado funcional ligado à frugivoria, dispersão de sementes e capacidade de colonização (JIMÉNEZ-ALFARO et al., 2016), de maneira que frutos inteiros (com polpa), com ou sem aplicação de ácido giberélico, apresentam menor percentual de germinação a 20-40 °C ou 35 °C, não ultrapassando 8% de germinação (BOVI; CARDOSO, 1975). Assim, a remoção da polpa e/ou escarificação das sementes são tratamentos apontados como positivos, ao aumentar a velocidade de germinação e uniformizar a germinação em condições de laboratório, enquanto em condições de viveiro frutos com polpa e despolpados apresentam melhor germinação se comparados àqueles despolpados e escarificados (FIGLIOLIA; YAMAZOE; SILVA, 1987). Assim, 7,8% das sementes com mesocarpo germinam, enquanto aquelas sem mesocarpo chegam a 60,83%, sendo que ambos tratamentos em presença ou ausência de luz e temperaturas distintas (25 °C, 28 °C e 30 °C) não diferem significativamente (AGUIAR et al., 2017). É válido ressaltar que as aves que se alimentam da polpa do fruto de Euterpe edulis podem ingerir a fruta inteira e depositar as sementes em outro local, remover a polpa e depositar a semente próxima à planta-mãe, ou ainda defecar as sementes em outro local (LEITE et al., 2012; MATOS; WATKINSON, 1998). Apenas três estudos centraram a atenção acerca do efeito do tratamento que o frugívoro dá à semente (regurgita ou defeca) sobre a efetividade da dispersão, conforme discutido a seguir: 1) Leite et al. (2012) avaliaram o efeito de cinco espécies de aves regurgitadoras e uma defecadora: aves que regurgitam as sementes promovem maior taxa de germinação, enquanto o efeito sobre a germinação das aves que defecam as sementes é similar àquele que simula a ausência de dispersão (sementes com polpa). 2) Rodrigues (2016) testou o efeito da passagem da semente pelo tubo digestório do quelônio terrestre Chelonoids carbonaria (jabuti-piranga): o tempo de retenção das sementes variou de cinco a 17 dias, sendo que nenhuma semente presente nas fezes germinou (tinha danos no embrião). 3) Silva et al. (2017) avaliaram o efeito do tipo da manipulação da semente pelo animal dispersor (despolpador, carregador ou engolidor) sobre a germinação, dividindo entre roedor e algumas espécies de aves, comparados ao controle (sementes com polpa recém coletadas): sementes manipuladas por roedores apresentaram maior percentual (77,97%) e taxa de germinação se comparadas ao grupo-controle (14,67%); Pyrrhura 39 frontalis e três espécies de sabiás (Turdus spp.) diferiram significativamente do grupo-controle em relação à velocidade e ao percentual de germinação (39% e 76,52%, respectivamente), ao passo que Cerdocyon thous (graxaim) não diferiu do grupo-controle, apresentando 16% de germinação. Ou seja, a nível da interação espécie-espécie, atualmente, os efeitos do componente qualitativo da dispersão sobre a germinação são poucos conhecidos, já que contemplam apenas nove espécies, e somente duas delas não são pertencentes ao grupo das aves. Este número é considerado baixo pelo presente estudo, visto que Galetti et al. (2013) verificaram que os frutos de Euterpe edulis são dispersados por 38 espécies frugívoras. No que tange à dispersão secundária, Reis (1995) classifica as formigas como pertencentes à classe dos despolpadores terrestres, sendo que Santana (2011) constatou que o percentual de germinação não é afetado pela remoção da polpa por formigas. Já o grau de maturação dos frutos também é um fator associado ao processo de frugivoria e dispersão de sementes e é essencial para a germinação, de forma que as sementes não germinam se os frutos ainda estão imaturos (BRANCALION, 2009). Assim, frutos maduros (avermelhados) e bem maduros (pretos) apresentam maior percentual de germinação e vigor (LIN, 1988), sendo que frutos maduros de cor preta e roxa não apresentam diferenças significativas em relação ao percentual de germinação (SALOMÃO et al., 2009). Além disso, acrescentamos ainda que a inoculação de fungos micorrízicos arbusculares em sementes pré-germinadas ou plântulas aumenta a biomassa das plântulas, tratamento indicado para programas de cultivo da espécie (MOREIRA et al., 2016; SGROTT et al., 2012). Quanto aos fatores bióticos que interferem negativamente na germinação das sementes de Euterpe edulis, a predação de sementes por vertebrados e invertebrados é um fator limitante à germinação, cujo impacto pode ter relação com o tamanho do fragmento (MELITO, 2011). Zornenon e Bergmann (1995) relataram pela primeira vez a ocorrência de Xyleborus ferrugineus (Scolytidae) no Vale do Ribeira, cuja infestação levou a perdas de 80 e 50% do poder germinativo das sementes em dois anos, inviabilizando o uso dos lotes. Como o plantio de mudas em campo diminui a influência exercida pelos predadores e parasitas de sementes, é um sistema de reintrodução que garante maior sobrevivência das plântulas, quando comparado a sistemas onde os frutos e as sementes são lançados na superfície ou enterrados (NODARI et al., 2000). Os predadores de sementes não agem como uma pressão seletiva sobre o 40 tamanho das sementes, sendo constatado que sementes danificadas e sementes pequenas danificadas não afetam a germinação (PIZO; VON ALLMEN; MORELLATO, 2006). A predação das sementes pode ainda ser guiada pela perda de habitat, onde o recrutamento de Euterpe edulis é reduzido (SOARES et al., 2015). A magnitude das atividades de predação ou remoção (por dispersores) das sementes é tamanha que mais de 90% das sementes pode ter a germinação prejudicada em campo, um fator que pode comprometer a regeneração da espécie (CALVI; TERRA; PIÑA- RODRIGUES, 2004). O estabelecimento de plântulas não ocorre em locais não protegidos por gaiola, o que sugere a necessidade de replantio, sendo mais viável o uso de plântulas ao invés de sementes (CALVI; PIÑA-RODRIGUES, 2005). Além de bruquídeos e roedores fazerem com que as sementes percam a viabilidade em campo, a atividade de micro-organismos também é um fator que afeta negativamente a germinação da espécie, chegando a inviabilizar a germinação de mais de 40% das sementes (REIS; KAGEYAMA, 2000). Não por acaso, muitos estudos aplicam pré-tratamento na semente com hipoclorito de sódio ou fungicida (i.e. AGUIAR et al., 2017) a fim de evitar a contaminação das sementes por patógenos causadores da antracnose. Quanto à competição inter-específica, a palmeira Archoentophenix cunninghamiana, exótica invasora, representa uma ameaça à regeneração natural das populações de Euterpe edulis, dado que apresenta maior germinação e estabelecimento de plântulas (MENGARDO et al., 2012). Os frutos e folhas de Archoentophenix cunninghamiana não têm atividade alelopática sobre as sementes de Euterpe edulis, mas as sementes de Archoentophenix cunninghamiana apresentaram 93,5% de germinação, enquanto somente 38,9% das sementes de Euterpe edulis germinaram (MENGARDO; PIVELLO, 2014). Entretanto, é válido destacar que as palmeiras podem apresentar nichos de germinação distintos (luminosidade e disponibilidade hídrica), permitindo a co-ocorrência de espécies como foi verificado para Lytocaryum weddellianum (BRAZ et al., 2014). Bovi, Godoy Júnior e Sáes (1987) apontam a hibridização de Euterpe edulis com Euterpe oleracea como uma forma de aumentar a produtividade de palmito, mas Tibério et al. (2012) alertam para o perigo da palmeira Euterpe oleracea, introduzida na Mata Atlântica, competir com a palmeira nativa Euterpe edulis, visto que, apesar da germinação não diferir entre as espécies congêneres e os híbridos, o desenvolvimento das plântulas da espécie introduzida é superior ao desenvolvimento das plântulas de Euterpe edulis. Ademais, é válido destacar o estudo de Brancalion, 41 Gabriel e Gómez (2009) que, embora não tenha testado diretamente a germinação, verificou que à medida que aumenta a densidade de bromélias, o recrutamento de plântulas de Euterpe edulis diminui, pois as sementes caem nos tanques de bromélias, inviabilizando a germinação. 6.4 Influência dos fatores abióticos sobre a germinação de Euterpe edulis As sementes de Euterpe edulis, em laboratório, apresentam diferenças significativas para a variação na temperatura, de maneira que os seguintes valores de percentual de germinação foram obtidos: 93,3% e 93,9% (temperatura alternada) às temperaturas de 25°C, e 20-30C° e 20-35°C, sendo que as temperaturas de 20-30°C e 25°C apresentam maior percentual de plântulas normais e velocidade de emergência de plântulas (ANDRADE et al., 1999). A 35 °C, o percentual de germinação cai para 5%, não havendo emergência de plântulas normais, e a 30°C, o percentual de germinação é 51,7%, com redução do percentual de plântulas normais e velocidade de emergência de plântulas (ANDRADE et al., 1999). A variação na temperatura, constante ou alternada, e a escarificação mecânica não apresentam diferenças no percentual de germinação (BECKMANN-CAVALCANTE et al., 2012). Roberto e Habermann (2010) constataram que a germinação das sementes é iniciada a partir de 15°C e atinge a germinação ótima aos 25°C e 30°C, sem variação para luminosidade e escuro. O percentual de germinação tem correlação com a umidade do solo, sendo que muitas sementes falham em germinar devido à dessecação em condições naturais (MATOS; WATKINSON, 1998). O nicho de germinação das sementes de Euterpe edulis foi considerado amplo por Braz et al. (2014) em relação ao nicho de germinação de Lytocaryum weddellianum, visto que a luz ou escuridão não afeta o percentual de germinação quando o potencial hídrico é zero (88% ou 89%) e, na ocorrência de inundações, 30% das sementes de Euterpe edulis germinam. Em um experimento que simulou o nível de sombreamento a 0, 20, 40, 60 e 80%, a germinação e o índice de velocidade de emergência não apresentam diferenças significativas, embora na ausência de sombreamento o percentual de germinação tenha sido 53%, e 72% das sementes germinaram a 60% de sombreamento (TAVARES et al., 2008). A pré-embebição em água de frutos despolpados por dois dias afeta positivamente a germinação, enquanto este mesmo pré-tratamento afeta 42 negativamente a germinação de frutos com polpa (BOVI, 1990), sendo que a pré- embebição em água a 50 °C por 20 minutos é letal (CURSI; CICERO, 2014). Assim, sementes colocadas para germinar em áreas com condições abióticas distintas (temperatura, luminosidade e umidade) apresentam diferença no pico de germinação: o pico em uma das áreas foi aos 307 dias, enquanto na outra área foi aos 181 dias (CALVI; TERRA; PIÑA-RODRIGUES, 2004). A aplicação de ácido giberélico, um hormônio vegetal, pode diminuir o tempo de germinação, e aumentar a taxa de germinação, índice de sincronização e o percentual de germinação, sendo que este atributo de germinação pode chegar a 76,1% (ROBERTO; COAN; HABERMANN, 2011). O uso de ácido giberélico e etileno foram apontados por Ribeiro et al. (2015) como pré-tratamentos favoráveis à germinação e índice de velocidade de emergência, além de afetar positivamente o comprimento da raiz principal e a altura da parte aérea das plântulas. O ácido sulfúrico, por sua vez, não afeta a germinação quando as sementes são tratadas por 5 minutos, mas a germinação deixa de ocorrer se as sementes são deixadas por 10 minutos (BOVI; CARDOSO, 1976b), sendo que no estudo de Ribeiro et al. (2015) esta substância proporcionou a germinação de apenas 5% das sementes, uma redução em relação ao grupo-controle que apresentou 60% de germinação. O substrato usado para colocar as sementes para germinar também influencia a germinação: vermiculita, em laboratório, apresenta valores superiores de percentual de germinação (73%), percentual de plântulas normais e velocidade de emergência de plântulas, quando comparada aos substratos solo e areia, os quais promovem a germinação de 61,3 e 68% das sementes, respectivamente (ANDRADE et al., 1999). As condições do experimento (casa de vegetação ou laboratório) é um outro fator que, combinado ao tipo do substrato, afeta o percentual de germinação: o esfagno natural é o substrato que proporciona maior germinação (74%) mas sem diferenças significativas com a vermiculita (66%), e a terra vegetal tem menor germinação (aproximadamente 10%) em casa de vegetação; em laboratório, por sua vez, a vermiculita novamente é apontada como um substrato melhor para a germinação da espécie (88%), seguida pelo esfagno natural (aproximadamente 75%), e a terra vegetal que aumentou o percentual de germinação para acima de 50% (AGUIAR, 1990). Em um estudo mais recente, a vermiculita proporcionou a germinação de 76,2% das sementes, embora não tenha diferido estatisticamente dos substratos areia (73,7%) e fibra de coco (74,5%) (BECKMANN-CAVALCANTE et al., 2012). Além 43 disso, acrescenta-se ainda que não há interação significativa entre a escarificação mecânica da semente e o tipo de substrato (BECKMANN-CAVALCANTE et al., 2012). As sementes de Euterpe edulis respondem à variação ecoclimácica combinada ao tipo do substrato, dado que o percentual de germinação variou de 18% (areia) a 45% (turfa) no Vale do Sol (Rio Grande do Sul), apresentando variação de 68% (turfa) a 93% (vermiculita) em Maquiné (Rio Grande do Sul), o que sugere que as condições ambientais de cada área interferem nos fatores genéticos da espécie determinando diferenças na expressão gênica (BATTISTIN et al., 2012). A profundidade de semeadura é outro fator interferente na germinação da espécie: sementes semeadas superficialmente apresentam baixo total de germinação e as mudas tendem a tombar; sementes enterradas entre 2 a 5 centímetros apresentam maior total e velocidade de germinação, altura da muda e comprimento de folha, além de diminuir o tombamento da muda (BOVI; CARDOSO, 1976a). As condições do estudo podem ainda afetar o início da germinação, onde sementes em laboratório germinam aos 17 dias e em casa de vegetação esse tempo aumenta para 29 dias após o início do experimento (AGUIAR, 1990). Em campo, o efeito da condição do experimento é ainda mais discrepante: sementes em campo emitem plúmula e radícula no 154º dia de experimento, mas no laboratório a emissão dessas estruturas ocorre no 18º dia (CALVI; TERRA; PIÑA-RODRIGUES, 2004). Ademais, as sementes são capazes de manter um percentual de germinação sob condição de atmosfera modificada armazenadas em embalagens de polietileno de baixa densidade, sem apresentar diferenças significativas entre tratamentos que envolvem o uso dos gases carbônico e nitrogênio até 150 dias de armazenamento, enquanto aos 480 dias de armazenamento, o armazenamento no polímero, combinado ou não à injeção de nitrogênio ou absorvedor de nitrogênio e/ou gás carbônico, garante a germinação de 40 a 65,3% das sementes (RIBEIRO et al., 2010). O presente estudo se pautou em revisitar os estudos sobre a germinação para compreender a regeneração natural e otimizar a germinação para projetos de restauração, reintrodução, enriquecimento e cultivo comercial, mas existem outros dois aspectos que merecem atenção: 1) manejo por populações tradicionais que fazem uso dos frutos; 2) implantação da espécie em sistemas agroflorestais. Em outras palavras, o presente estudo pode auxiliar trabalhos técnicos para atingir essas finalidades também. 44 6.5 Otimizando a germinação das sementes de Euterpe edulis e perspectivas Sintetizamos os seguintes tratamentos e técnicas mais favoráveis à germinação da espécie: 1) Aplicação de pré-tratamentos antes do início do plantio (remoção da polpa, imersão em água, fungicida e aplicação de ácido giberélico ou etileno). 2) Realizar testes com várias matrizes e selecionar as sementes daquelas que apresentam maior germinação, com cautela para evitar a perda de diversidade genética, identificando a procedência das sementes (local e número de matrizes). 3) Uso de sementes maiores para cultivo. 4) Coleta de frutos bem maduros (pretos) para realização do plantio. 5) Manter a temperatura constante a 25°C, ou alterná-la entre 20-30°C, sob condições de laboratório. 6) Uso de vermiculita como substrato. 7) Enterrar as sementes em profundidade de 2 centímetros. 8) Priorizar o plantio de mudas em projetos de restauração, reintrodução, enriquecimento e cultivo comercial ao invés de sementes, já que as mudas são mais resistentes a condições ambientais adversas. Quanto às lacunas existentes, apontamos seis assuntos que merecem a atenção dos estudos de germinação a serem desenvolvidos futuramente: 1) Testar o efeito da passagem da semente pelo trato digestório do animal dispersor para verificar o componente qualitativo da efetividade da dispersão. 2) Testar simultaneamente o efeito de mais de uma variável sobre a germinação das sementes. 3) Testar simultaneamente as variáveis apontadas como favoráveis à germinação das sementes da espécie no presente estudo. 4) Desenvolver mais estudos de campo em relação ao efeito dos atributos da semente e fatores abióticos sobre a germinação das sementes. 5) Desenvolver mais estudos sobre a hibridização e como outras espécies de plantas podem interferir na germinação das sementes de Euterpe edulis. 6) Avaliar também o desenvolvimento das plântulas, mesmo que por curto período, visto que as condições para este estágio podem ser diferentes das condições para a ocorrência da germinação e é um estágio crucial para manter a regeneração natural das populações de Euterpe edulis. 45 7 DISCUSSÃO 7.1 Panorama geral dos estudos sobre a germinação de Euterpe edulis Postulamos que o fato dos pesquisadores brasileiros liderarem os estudos em questão (com 103 estudos, conforme Apêndice A) sugere que ou a espécie é de fato mais estudada no Brasil, ou os bancos de dados selecionados não contemplaram os estudos desenvolvidos por pesquisadores da Argentina e Paraguai, apesar de alguns bancos de dados incluídos contemplarem estudos publicados em periódicos internacionais. Quanto ao número de estudos ao longo dos anos, é interessante notar que os primeiros estudos sobre a germinação eram pautados, na maioria das vezes, exclusivamente na importância da espécie para produção de palmito (i.e. ACCORSI; BARROS, 1974; BOVI; GODOY JÚNIOR; SÁES, 1987), ao passo que os estudos mais recentes também se pautam na importância ecológica da espécie (i.e. RIBEIRO et al., 2015; SILVA et al., 2017), chegando a ser apontada como uma provável espécie- chave há mais de 20 anos atrás por Reis (1995), momento que antecede o aumento no número de estudos como visto na Figura 1. No mais, estudos mais recentes ainda apontam o uso dos frutos como um sistema sustentavelmente mais viável do que a exploração do palmito, além de ser economicamente viável e garantir a segurança nutricional das populações tradicionais (ALEGRE; SANTOS, 2012; COSTA; GONÇALVES; CORBELLINI, 2008; MOLINA; BOTREL, 2009). Embora tenhamos buscado estudos que revisaram a germinação de uma única espécie, não encontramos nenhum estudo com essa abordagem para comparação. Mas é válido destacar que Euterpe edulis é a espécie mais citada em estudos sobre frugivoria na Mata Atlântica, com 367 citações no total (BE