MIRIAN VALÉRIA GOMES SABEH O DISCURSO ESCOLAR: Uma análise sobre o olhar do aluno ASSIS 2015 MIRIAN VALÉRIA GOMES SABEH O DISCURSO ESCOLAR: Uma Análise Sobre o Olhar do Aluno Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestra em Letras (Área de Conhecimento: Linguagens e Letramentos). Orientador(a): Luciane de Paula ASSIS 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp S115d Sabeh, Miriam Valéria Gomes O discurso escolar: uma análise sobre o olhar do aluno / Miriam Valéria Gomes Sabeh. - Assis, 2015. 108 f. : il. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Orientadora: Drª Luciane de Paula 1. Discurso. 2. Voz. 3. Foucault, Michel, 1926-1984. 4. Poder. 5. Escola. I. Título. CDD 370.1 SABEH, Mirian Valéria Gomes. O Discurso Escolar: Uma Análise Sobre o Olhar do Aluno. 2015. 108 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2015. RESUMO O estudo em questão tem como pretensão a análise do sentido da concepção de escola presente no discurso dos alunos de ensino fundamental, especificamente do 7º ano escolar. Para refletir acerca de suas acepções, antes de tudo, faz-se necessário dar voz aos alunos. O intuito é analisar se e como as relações de poder surgem nos discursos dos alunos em um espaço onde ocorrem conflitos e interlocuções influenciadas por jogos hierárquicos de poder e práticas pedagógicas autoritárias. Com base na Análise do Discurso de linha francesa, especialmente nos estudos acerca da microfísica do poder de Foucault e nos estudos da linguagem do Círculo de Bakhtin, pretende-se pensar a relação entre macro e micropoderes, tendo em vista o institucionalizado hierarquicamente (inclusive como símbolo do Estado, segundo Althusser) e o periférico, considerado marginal. Para fomentar as discussões pretendidas, adotar-se-á o clipe da canção Another brick in the wall, da banda Pink Floyd, como mote e aporte significativo de identificação das relações entre instituição e comunidade discente, bem como de que maneira as relações de poder penetram e influenciam o ensino-aprendizado nas relações professor e estudante, educando e escola, conhecimento institucionalizado e vivências sociais. Palavras-chave: Discurso. Voz. Foucault. Poder. Escola. SABEH, Mirian Valéria Gomes. The school discourse: an analysis about the vision of the student. 2015. 108 p. Dissertation (Master in Letters). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2015. ABSTRACT The study in question has the intention to analyze the meaning of the conception of this school in the discourse of primary school students, specifically the 7th school year. To reflect on their meanings, first of all, it is necessary to give a voice to students. The aim is to analyze whether and how power relations emerge in the speeches of students in a space where there are conflicts and dialogues influenced by hierarchical power games and authoritarian teaching methods. Based on the analysis of the French Discourse, especially in studies of the microphysics of power Foucault and studies of language of Bakhtin Circle, we intend to think the relationship between macro and micro-powers, given the institutionalized hierarchy (including as State symbol, according to Althusser) and the peripheral, considered marginal. To foster discussions required, will be adopted the song clip Another brick in the wall, the Pink Floyd band, the motto and significant contribution to identifying relationships between the institution and the student community, as well as how power relations penetrate and influence the teaching-learning in teacher and student relationships, student and school, institutionalized knowledge and social experiences. Keywords: Discourse. Voice. Foucault. Power. School. DEDICATÓRIA Dedico esse estudo a meu marido, meu filho, meus pais, minha irmã, à todos os professores doutores que participaram do PROFLETRAS Assis/Araraquara, à minha orientadora Luciane de Paula, à todos os amigos e mestrandos que participaram e vivenciaram essa jornada, aos meus alunos e a todos os profissionais verdadeiros da área da educação que acreditam e lutam por uma educação libertadora. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por sempre acompanhar-me e sustentar-me em todos os momentos. Ao meu marido Elias pelo apoio e incentivo, ao meu filho Enzo pela paciência e carinho com a mamãe. Aos meus pais, minha irmã pela preocupação com meu bem-estar. Aos meus alunos pela coragem em demonstrar seus pensamentos e sentimentos. Às minhas amigas sempre prestativas Flaviana e Maria Tereza. Agradeço a minha orientadora Doutora Luciane de Paula pela paciência, compreensão, por enriquecer meus estudos, por orientar-me em todos os momentos com muita dedicação e ampliar minha visão durante o estudo, pelo exemplo de esforço, garra, empenho que levarei sempre comigo. Aos meus amigos e mestrandos, parceiros em momentos de alegria e angústia,amigos para a vida inteira: Ana Beatriz, Adriana, Juliana, Eloiza, Marjorie, Regiceli, Silmara, Queila, Rosenês, Carla, Silmara, Silvia , José Carlos, José Paulo, Cláudio. Meus sinceros agradecimentos, vocês fazem parte da minha história. SUMÁRIO Introdução 8 1 Discurso, docilidade e poder 10 2 O poder do discurso ou o discurso do poder? 31 2.1 Introdução 31 2.2 Disciplina e responsividade 31 2.3 Da interação comunicacional 35 2.4 A construção do discurso 37 2.5 O caminho para a convergência 39 3 A escola: sente-se, acomode-se e obedeça 52 3.1 Histórico Escolar: A Teoria Inacreditável Vivida 60 3.2 O Plano 68 4 Grades, Regras e Vozes 78 5 Conclusão 98 Referências bibliográficas 100 Anexos 105 8 Introdução Este estudo constitui-se em uma pesquisa de cunho qualitativo e seguiu as concepções bakhtinianas e focaultianas, ao se pautar nos discursos dos sujeitos discentes, tomados como corpus de nossa pesquisa.Esta proposta abrange ainda uma pesquisa teórica com relação aos preceitos bakhtinianos e focaultianos e envolve o clipe da canção Anothe rbrick in the wall como mote significativo que estimulará a reflexão discursiva dos sujeitos a serem analisados. Iniciaremos o estudo com uma revisão teórica. Afinal, de acordo com Luna (1998, p.83), “Uma revisão teórica, em geral, tem o objetivo de circunscrever um dado problema de pesquisa dentro de um quadro de referência teórico que pretende explica-lo”. Assim, a partir da teoria bakhtiniana, poderemos direcionar o olhar para o sujeito e a interação, na busca de uma compreensão sobre o discurso por ele (aluno) produzido. Para que isso aconteça, é essencial que o pesquisador consiga captar algum aspecto do modo como o sujeito apreende o mundo, colocando-se em seu lugar para configurar o entendimento. Foucault será utilizado para nos auxiliar a entender e analisar acerca dos processos de poder, tão intrínsecos e flagrantes na escola e sempre criticados pelos alunos. A pesquisa foi desenvolvida com 7 alunos, do 7º ano, de uma Escola Estadual, periférica,com problemas relativos ao tráfico de drogas, do período vespertino. Acreditamos no potencial discursivo dos alunos em questão, devido às respostas com relação às atividades reflexivas realizadas durante o ano de 2013. Pretendemos, por meio da pesquisa de campo, realizar um debate com os alunos sobre o discurso escolar. Após a realização do debate, iniciaremos a atividade na qual haverá a exibição do clipe da canção Another brick in the wall (com legenda em português). Ao término da exibição, observaremos a reação dos alunos, bem como se os mesmos relacionam ou não o clipe com suas realidades. O objetivo da pesquisa, como já dito, reiteramos, é analisar os diversos discursos produzidos pelos alunos, suas vozes sociais, suas posições estratégicas em meio à circulação da voz social escolar, suas reflexões. A descrição e a análise a serem tecidas a partir da discussão e da reflexão dos alunos se pautarão em seu discurso, pois compreendemos que o discurso 9 nasce de relações, que denuncia a posição dos sujeitos, como um meio de expressão do ser. Toda a ação do debate em sala de aula será gravada em áudio e vídeo e, posteriormente, os discursos serão transcritos para uma análise sobre a reflexão do discurso do aluno com relação ao discurso da escola, colhido a partir de documentos que registram e referenciam marcas de uma voz estatal/institucional. Nesse sentido, a pesquisa proposta se pauta em descrição e análise e se divide em dois tipos: a pesquisa bibliográfica (fundamentação teórica e história da escola) e a de campo (coleta de dados documentais e de atividades abertas com os alunos). 10 1Discurso, docilidade e poder Dentre as discussões que constituem e atravessam as relações humanas, sobressaio discurso entre escola, discentes e docentes. O discurso ligado ao poder proveniente da instituição escolar, seus reflexos e efeitos provocados no discurso do discente e o embate de vozes no âmbito escolar envolvendo ambos reflete no estudo em questão que visa analisar com base no discurso discente, seu (des) contentamento e ideias sobre como deveria proceder a gestão escolar e a metodologia. Por meio de seus dizeres, poderemos concluir o que os fazem interagir e o que enxergam com uma visão de dialogismo entre si com a escola. Pelo viés da linguagem, podemos atribuir esse embate de vozes a uma relação instaurada de maneira eficaz e pelos obstáculos de interação entre aluno, conteúdo programático, professor e estrutura escolar por meio de diferentes formas de linguagem. Todas as atividades, inclusive as da prática escolar, envolvem a oralidade, essa afirmação nos serviu como critério de escolha do elemento discursivo analisado. Ademais, a partir de sua prática oral interativa, o aluno sente- se livre para expressar sem que construa consciente e rebuscadamente um discurso inerente a outras intencionalidades que não expressar-se. O ato da fala carrega consigo vários elementos que denuncia o caráter daquilo que estamos falando. É espontâneo e acontece no aqui/agora. De maneira oral, a interação entre professores e alunos é estabelecida e, por meio da linguagem verbal, também se constrói um processo dialógico entre os presentes no ambiente, o aluno passa a criar e não somente a reproduzir ou adquirir um conhecimento transmitido, agindo sobre a nova experiência, em conjunto com os colegas e com o professor. Nesse momento se instaura uma relação dialógica entre os alunos em si e também entre eles e o professor, pois estão interagindo. O processo comunicacional permite que o aluno se firme como parte fundamental do grupo e o jogo verbal, especificamente o oral, não prevê transmissão de um sobre o outro, mas sim de um com o outro, o que, muitas vezes não ocorre dada a estrutura da escola, encarada como Aparelho Ideológico do Estado (AIE), ainda que com pretexto democrático de respeito e formação da cidadania. A escola, como instituição,na explicitude de seu discurso, pretende ser formadora de criticidade, mas ao se posicionar dessa maneira ainda que 11 indiretamente, pode aparentar caráter arrogante e modificador, muitas vezes, agindo de maneira impositiva, completamente desconectada com os maiores interessados: a comunidade local e seus alunos. Por inúmeras vezes, a escola sequer se dá ao trabalho de auscultar as necessidades e anseios do alunado. Impõe-lhes conteúdos programáticos e autodetermina superior ao pensar saber o que lhe é “melhor” colocando-se, hierarquicamente, acima do outro(sobre ele), sem ao menos pensar em trocar de papel com ele com relação à convivência e a questão do ensino – aprendizagem. A negação e a falta de relevância dada à voz do alunado levam a uma não identificação entre o conhecimento institucionalizado (considerado por ele, muitas vezes, artificial e inútil) e a identidade da comunidade “atendida” (ou não atendida) pela escola. O discurso da escola denuncia uma aspiração em impor o silêncio de forma ditatorial, baseada em avaliações punitivas, porém por meio de um tom benevolente, de caridade, proteção e superioridade. As relações que se estabelecem e reverberam nesse tipo de ambiente entre os sujeitos envolvidos resultam e podem ser de violência - reação natural de sujeitos que não se dispõem a docilizar seus corpos selvagens, parafraseando Foucault, uma vez que não são ouvidos como parte integrante nas relações escolares e nem vistos como são, mas de maneira estereotipada e preconceituosa, sem considerar seus feitos, experiências e reflexões. O resultado é o caos encontrado nas relações, muitas vezes, em diversos espaços escolares. Caos que representa o monologismo hierárquico que fundamenta a escola como instrumento de adestramento, a fim de manter os acontecimentos,os alunos, todos em seus lugares, em prol do Estado, como já dizia o poeta Mário de Andrade, “De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! / Dois a dois! Primeira posição! Marcha! / Todos para a Central do meu rancor inebriante.” e como bem já analisaram Althusser e Foucault. Manter toda a situação em meio à “ordem” imposta, não discutida e/ou proposta, mas, determinada(afinal a hierarquia para muitos senhores ditos da educação) faz parte das regras, para que tudo ocorra para o bem de todos, uma maneira para que ainda salvemos o respeito que a tantas se encontra perdido. O que aparenta no discurso do “respeito” foge a sua própria significação em verbete, diverge em atitudes e não condizem com as ações.O discurso em sua oralidade, tão precioso nas relações escolares continua seguindo seu percurso monológico, onde 12 só há uma voz(discurso escolar), e que tem de ser “respeitada”. Com base na oralidade, uma relação pode se desestabilizar, assim como, por meio dela, o diagnóstico de uma relação pode ser detectado. Partimos dessa interação verbal marcada, especificamente, pela prática oral entre professor e aluno, com vistas a escutá-lo para, a partir da sua visão acerca das relações de poder na escola, possamos relacionar o ensino-aprendizado com a relação entre os sujeitos e tentar, ao olhar para o outro como igual e escutá-lo, tentar estimular o convívio e modificar as relações ao flagrar algumas problemáticas instituídas. As relações dialógicas heterogêneas trazem à tona esse embate entre vozes e valores comuns e díspares que podem levar à convivência das diferenças,influenciando o desempenho discente, de maneira positiva ou não, a depender da condução (respeitosa ou não) direcionada à diversidade. Os elementos sociais, impregnados na prática discursiva de professores e alunos, são essenciais para que se estabeleça uma relação de respeito entre os dois discursos no processo educacional entre os sujeitos e a escola, que pode (ou não –a depender da condução-), transformar-se em um “lócus heterotópico” (Foucault) ou manter-se como instrumento de poder. A dinamicidade das relações pode levar a concepções de educação e de escola completamente opostas, sempre tendo em voga os atos dos sujeitos.Atos que devem ser considerados a priori no desenvolvimento e apresentação libertária das vozes dos sujeitos e seus respectivos valores, influências e importâncias. É primordial analisar os discursos proferidos pelos alunos acerca do papel da escola e da concepção de educação, bem como estabelecer relações entre as vozes dos discentes e o discurso hegemônico da escola para investigar os fatores que permeiam suas vozes e refletir, a partir dos diagnósticos levantados, sobre o sistema escolar e concepções de educação. Para a consistência desse estudo, a sugestão e promoção de debates sobre o discurso escolar voltado para os alunos de uma escola da rede pública , especificamente 7º ano do ensino fundamental, é imprescindível para firmar possíveis conclusões sobre as vozes discursivas dos mesmos sobre o discurso da instituição. 13 A análise do discurso dos alunos sobre o sistema educacional, também será abarcada e motivada pelo videoclipe da canção Another brick in the wall, da banda Pink Floyd. Ressaltaremos então, a importância em refletir sobre alguns dos fatores que envolvem a relação nada harmônica entre o discurso institucional escolar e o discurso do aluno e pensaremos sobre procedimentos possíveis para a realização de uma educação efetiva (de qualidade), que considere as heterogeneidades e diferenças. Neste capítulo, o discurso escolar será o foco da análise. O discurso presente na estrutura física da instituição escolar, as regras impostas pelo sistema educacional que comandam o comportamento, regulam e procuram exercer o domínio e controle do aluno nesse ambiente educacional será o foco da escrita. Serão apresentados gráficos de índices de aprendizagem a serem atingidos, entendidos como estratégias de controle e punição típicas do poder hegemônico. Fotos de depredações e todo o significado das reações de revolta por parte dos alunos, no que concerne ao ambiente escolar também serão evidenciados nesse trabalho, por isso, alguns desses elementos se encontram anexados, como forma de explicitação da coleta de dados da pesquisa, já iniciada. Todo o capítulo será calcado nos pensamentos foucaultianos, pois, ao pensarmos sobre as relações de poder disciplinares pertinentes ao universo escolar, no âmbito do espaço institucional, desde as pequenas atitudes que representam e acabam por dar forma e materialidade às relações de poder, necessitamos das teorias desse autor para nos auxiliar a compreender os processos macro e microfísicos de poder como forma de denúncia de um sistema autoritário, assim como tentativa de escuta da voz do aluno, ainda tão abafada. Conhecer a escola sob o olhar da gestão e suas diretrizes nos permitirá traçar um paralelo entre os discursos dos alunos e o discurso de que a instituição se utiliza para manter seus princípios estruturais, voltados à dominação (ainda que com pretexto de democracia, formação da cidadania com criticidade). Por isso, nesse momento da pesquisa, traçaremos uma descrição, calcados nas marcas discursivas dos documentos oficiais da escola e em sua história, acerca da sua institucionalização, ou melhor, dos valores oficiais veiculados nesse local. A partir da problemática a ser pesquisada, o referencial teórico que fundamenta nossas reflexões é a genealogia e a microfísica do poder, de Michel 14 Foucault; aliada, de certa forma, aos estudos da linguagem do Círculo de Bakhtin, pois essas perspectivas irão colaborar para pensarmos as relações de poder instituídas na escola. O estudo da linguagem humana teve seu início baseado no sistema linguístico (signo, língua e fala, diacronia e sincronia, sintagma e paradigma etc.), com Ferdinand Saussure e, também, com base nas estruturas sintáticas, abordadas de maneira generalista (a “G.U.”) de Noam Chomsky (respectivamente, linguística estrutural e teoria gerativa). No entanto, o alcance desses estudos não atingia os processos de interação humana, além do olhar sobre as “formas” como dizemos o que pretendemos, de acordo com o meio em que nos encontramos. Sob o viés do estudo bakhtiniano, visualizamos a prática discursiva dos sujeitos entre si, sempre em relação a outro e a um contexto sócio histórico. Brait afirma sobre o Círculo que seus estudos “[...] permitem compreender com maior propriedade, ou menor ingenuidade, alguns posicionamentos essenciais diante da linguagem, da vida e dos sujeitos que aí se insinuam e se constituem” (2010, p.9). Para Bakhtin, as diversas esferas da atividade humana se constituem por meio da linguagem. Afinal, as interações verbais acontecem em meio a diferentes situações sociais e, por meio da linguagem, uma contextualização é permitida como um campo de batalha social, no qual a mesma linguagem assume a função de colocar em embate diversos discursos, seja em concordância ou discordância, por meio de incorporação ou rejeição, parcial ou total, da diferença (e) do outro. Seja como for, o outro jamais é esquecido, abortado, apagado, abolido. Ao contrário, para o Círculo, o outro é o centro de sua filosofia, pois é a partir e por meio do outro que o eu se constitui. Por isso, a responsabilidade é tão cara aos estudos bakhtinianos, pois o ato é, já, desde o seu nascimento, reação, resposta. Percebemos pela afirmação acima a importância da participação e da relação eu-outro, bom como das diferentes funções dos envolvidos num processo discursivo e realístico. Processo este visto não como abstração, mas sim, ao contrário, como social real. Daí, a importância de se considerar as interações como sócio-histórico- sociais, uma vez que a linguagem assim é concebida, tanto quanto os sujeitos, feitos de linguagem e semioses do real, para Bakhtin. 15 Sendo assim, uma questão fundamental a ser discutida é a construção do sentido do discurso. Sua função e interação entre o discurso escolar e discurso do aluno. Afinal, se estudar a linguagem significa considerar o sujeito e a história, do ponto de vista discursivo, então, de certa forma, por meio da linguagem, estudamos a sociedade. Um meio, por mais que abarque a diversidade de vozes, é repleto de identificações. Assim, nas diferentes formas de vivência e manifestações sociais, encontramos necessidades, desejos, construção imaginária, criação de imagens, enfim, trocas discursivo-ideológico-sociais. O discurso não existe fora da sociedade, uma vez que o mesmo reflete e refrata sua ideologia, suas vozes que lutam pela permanência e consideração na ânsia em alcançar sua importância entre os outros discursos, sua diferenciação dos mesmos, seu destaque, sem a intenção de sufocar a voz do outro. Desse ponto de vista, ensinar-aprender uma língua significa colocar em embate valores e sociedades. Daí, a importância de escutar e não tirar as vozes do outro de qualquer espaço e interação. Ao contrário. E este é o intuito deste trabalho: escutar ativamente as vozes dos alunos como sujeitos sociais repletos de vida a se manifestar. Pretendemos dar ênfase à manifestação discente em relação à prática institucional, a priori. Doravante, poderemos concluir sobre a relação entre ambas e, então, analisar a forma como a relação discente-docente dialoga com os outros segmentos escolares. O diálogo entre os discursos do grupo (alunos e professor) sobre o da escola (que são fatores complementares entre si), nesse cenário de “interatuação” constante, permite-nos enxergar a atenção ao papel do “outro” (“tu”) nas relações, pois implica na aceitação da diversidade (construção do “eu”, que é um fator histórico-social), uma troca transformadora e cíclica que permite aos participantes se complementarem. A partir de um debate estabelecido sobre a educação e a escola, motivado pelo clipe da canção Another brick in the wall1, da banda Pink Floyd, analisaremos o discurso do sujeito educando, que possui uma posição responsiva no processo educativo, podendo concordar ou não com as formar de linguagens utilizadas na escola, com os valores por ela e nela transmitidos de um ponto de vista específico, 1 Letra da canção em inglês e uma versão em português se encontram anexas. 16 bem como refletiremos sobre como as relações de poder aparecem ou não em seu discurso, no ambiente escolar, numa atividade acadêmica. Fazer dialogar as diferenças encontradas no espaço escolar, expostas pelas diversas formas de linguagem, é uma ação complexa, mas fundamental no processo de construção intelectual e profissional, respectivamente, discente e docente. A falta de identificação do aluno (com base na troca da prática linguageira), pela ausência ou displicência na consideração das diversas vozes que compõem as salas de aula, pode acarretar, dentre outros conflitos, a falta de motivação, de prazer em aprender e da disposição para a interação, o que leva o aluno a um dado processo intelectual ideológico. Ao entender a linguagem sob o viés da teoria bakhtiniana, na qual o sujeito se constitui a partir dos dizeres do outro, surge a necessidade de compreensão da interação discursiva entre aluno e escola, bem como entre discente e docente. Os mecanismos de controle do discurso de Foucault(os discursos são controlados pelos mecanismos de poder que invadem as relações sociais de maneira microfísica) também serão considerados na pesquisa proposta, dada à temática envolta nos mecanismos hierárquicos de poder – impossível não tocar nessa noção (de poder), uma vez que, acreditamos, seja ela a questão que influi no discurso dos alunos e suas discordâncias com o discurso da instituição escolar, provocando efeitos negativos com relação à aprendizagem, por falta de identificação com a estrutura e o conteúdo a ele oferecido como se ele fosse uma “folha de papel em branco” que pode ser preenchida como bem a escola quiser. Não. Não é assim. O discente é, antes de tudo, sujeito humano com seus valores, sua história e isso deve ser considerado, se aspiramos a um ensino-aprendizagem de qualidade, eficaz e, de fato, crítico-reflexivo. O trabalho continuará calcado nas teorias foucaultianas porque as relações de poder disciplinares pertinentes ao universo escolar, no âmbito de espaço institucional, desde as pequenas atitudes que representam e acabam por dar forma e materialidade às relações de poder são parte central do estudo proposto. Foucault, em sua obra Vigiar e Punir objetiva o entendimento da dinâmica do poder, tendo como base sua militância em diversas prisões de vários países. O autor evidencia o que sai de foco, desconstrói diversas ideias que são impostas e instituídas há muito tempo na sociedade. 17 Para entender essas ideias impostas, Foucault traz à luz estudos sobre as relações de poder e as formas como o mesmo é constituído e exercido. Por meio de reflexões sobre como se firmam o poder; a disciplina; a revolta; a resistência; a liberdade; a obediência; a norma e a lei; analisaremos como se constituem e revelam os sentidos no universo escolar. Foucault, ao pensar nas questões estruturais e microfísicas de poder, reflete acerca de diversas instituições (fábricas, prisões, hospitais psiquiátricos, quarteis e escolas) como exemplos do que denomina como “instituições de sequestro”, ao entender o sistema capitalista como uma sociedade disciplinar. As instituições são conduzidas por políticas que visam controlá-las de forma hierárquica por meio da prescrição de comportamentos humanos homogêneos (como os instituídos pela instituição escolar) e já estabelecidos. Foucault não centraliza, todavia, o exercício de poder especificamente na política ou no governo, como a concepção marxista, mas entende o poder em sua microestrutura, internalizado no sujeito, visto como algoz de si mesmo, uma vez interpelado pela linguagem e pela ideologia. Ao pensar a microfísica do poder, consegue enxergá-lo nas mais diversas relações, as mais íntimas possíveis, pois se encontra em todos os lugares e atinge todas as pessoas. O autor ressalta que não há um poder único, mas práticas de poder que se espalham em todas as estruturas sociais através de diversos mecanismos. O panopticon, mais que uma torre de vigilância externa, ganha ainda mais força quando internalizada: o sujeito passa a se auto adestrar para se comportar da maneira (tida como) adequada, docilizando sua própria selvageria. Isso é o que ocorre na escola. A disciplina no ambiente escolar é estabelecida por meio de regras a serem cumpridas e mantidas de modo que haja certo controle sobre o aluno. O aluno não pode falar durante a aula; não pode ir ao banheiro na primeira aula e na quarta aula; e também não deve ir ao banheiro duas vezes na mesma aula. Essa regra é válida também em relação a beber água. E esses são apenas alguns exemplos. O professor também deve cumprir certas regras, como não se ausentar da sala de aula, ser cuidadoso com as vestimentas e deve calar-se diante de grosserias de alunos para com ele. Tudo em nome da ordem sistêmica. Foucault, afirma que o poder nas sociedades está ligado ao corpo e que é sobre o mesmo que são impostas limitações, obrigações e proibições. Para o autor, 18 surge a noção do corpo dócil, que pode ser utilizado, transformado em função do poder. Na escola, a transformação de corpos selvagens em corpos dóceis é um dos mecanismos mais usados para o adestramento, tanto de seus corpos quanto de suas mentes e um dos grandes responsáveis pela problemática que envolve a aprendizagem, pois uma das formas de inscrevê-lo num outra ordem discursiva: a da obediência militar, tal qual denuncia o clipe da canção Another brick in the wall. A disciplina, vista como elemento intraescolar, alimenta e alicerça esse aparelho ideológico do Estado (Althusser). Foucault acaba por definir disciplina como um método que permite um controle das operações do corpo, que o submetem e impõem essa relação de docilidade-utilidade com todos os envolvidos no processo (tanto alunos quanto docentes e demais funcionários). O olhar hierárquico autoritário de docentes, funcionários (especialmente, inspetores) e diretores funcionam como uma punição “normalizadora”. Isso, sem contar outros exemplos de técnicas minuciosas que englobam o poder disciplinar (encaminhar para a coordenação, observações em livros de registros e ocorrências, notas em boletim, avaliações, controle de frequência são estratégias e táticas utilizadas) para que permaneça a “normalidade” escolar. Os professores também fazem parte dessa forma estruturada de poder, como sujeitos que obedecem as regras e são pressionados pelo alcance de índices em avaliações monológicas “propostas” por instituições de poder aos alunos, que objetivam não a formação de um cidadão e nem ao menos de um vestibulando, mas sim de passividade, vigilância e controle. Os alunos são “medidos” por números de acertos em questões avaliativas que não refletem o que pensam ou o que realmente sabem ou sua capacidade. Na verdade, sequer avaliam apreensão de conteúdo. A arquitetura escolar é outro aspecto a ser considerado de suma importância no estudo, pois proporciona um ambiente favorável às práticas de vigilância. Carteiras perfiladas, professor em um espaço reservado frente aos alunos, janelas com grades e câmeras em todos os ambientes, tudo para promover a “segurança” de todos em um sistema de controle hierárquico, representante do poder hegemônico. A intenção, segundo algumas autoridades, é poder controlar para que não haja a necessidade de punir. Mas, já não é demais ter de controlar para que o outro haja como alguns acreditam ser “conduta ideal”, retirando desse outro a sua 19 subjetividade e a sua história? Apesar do que é dito, pune-se por meio de anotações em cadernetas, avaliações monológicas, notas que nada dizem acerca da vivência do outro, conselho de classe (entre “iguais”), enfim, por meio de mecanismos que compõem um sistema que engendra o educacional. A questão disciplinar permeia todos os atos: desde o planejamento didático, comunicados, reuniões periódicas até o momento de intervalo na sala dos professores. Essa é uma preocupação do cotidiano escolar. De acordo com Foucault, “[...] o poder e o saber produzidos pelas normas disciplinares são fundamentais para a organização burocrática. Em uma sociedade de instituições burocratizadas como a nossa, o poder disciplinar se desenvolve em todo tecido social.” (KRUPPA, 1994, p. 102). O poder disciplinador está direcionado para a escola por meio de mecanismos de vigilância na construção do “saber” educacional: ensino via vigilância e mecanismos disciplinadores para moldar os alunos que participam do sistema escolar. Todos os anos, as ações pedagógicas são revistas como forma de tentativas de melhorias nos programas. Novos materiais didáticos, projetos educacionais e inúmeras discussões sobre esses tópicos surgem em meio a reuniões. Entretanto, tudo termina por ganhar uma roupagem diferenciada, uma vez que o fundamento continua o mesmo, seguindo o padrão imposto por um poder controlador que busca disciplinar alunos, professores e demais profissionais da educação. Muitas vezes, durante as discussões sobre projetos a serem desenvolvidos com os alunos são apresentadas propostas idealizadoras, com bom fundamento e função útil de aprendizado, mas, no momento em que essas propostas interferem na estrutura da sala de aula, ou seja, algo que tem de ser desenvolvido fora do sistema padrão (lousa e giz, alunos perfilados) tem-se certa resistência de coordenadores, direção e até mesmo de alguns professores, pois os alunos vão “sair do controle”, da vigilância, do aparente local seguro. Isso demonstra o quanto o sistema está introjetado em cada sujeito que o compõe, o quanto a estrutura de poder está latente de maneira inconsciente. Assim, continua-se com toda a idealização no papel e segue-se a dominação controladora. Para que toda essa disciplina se realize, é necessário que haja um espaço onde os sujeitos possam ser vigiados, com seus comportamentos visualizados para um melhor controle e para que respeitem as normas e nada mais eficaz, conforme Foucault, que um sistema punitivo com função normalizadora. A escola, sob essa 20 ótica, é um espaço útil e funcional, pois os alunos são distribuídos em salas, separados pela idade, muitas vezes por nível de aprendizagem e comportamento, são dispostos em filas, tudo para uma melhor vigilância e, nesse tipo de distribuição, o professor tem uma grande parcela de colaboração. A distribuição das salas em fileiras, com alunos uniformizados, sempre em ordem, tem o objetivo de manter a obediência dos mesmos. A escola, com essa estrutura física, muito se assemelha e pode ser comparada com a estrutura das prisões, tal qual estudadas por Foucault. Num local onde não pode haver comunicação, a arquitetura física já demonstra a estrutura de poder autoritária com pretexto de protetora, tal qual um presídio, pois apresenta portões fechados a chaves e cadeados, sem visibilidade, refeitório comunitário, câmeras, muros altos, janelas com grades e horários de ir e vir controlados. O poder disciplinador não é exclusividade apenas da estrutura física da escola, pois também está presente no sistema interior e comportamental da escola, uma vez que há a exigência do cumprimento de todo o horário de aula, para que professores e funcionários cumpram suas tarefas, produzam e, assim, de forma hierárquica, “obriguem” os alunos a se adequarem ao sistema, para que tudo funcione de maneira controlada e codificada (o controle do corpo, que requer docilidade em suas operações mínimas). Nesse sentido, o docente,de certa forma, ao invés de estimular uma formação cidadã crítica, acaba, mesmo discordando disso, assumindo o papel do “agente penitenciário”, para continuarmos no reino presidiário. Toda hierarquia de poder, de acordo com Foucault, tem como fundamento o controle, “[...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor” (p. 153, 1997). O poder disciplinar não tem a intenção de reter forças, mas fazer interligação, multiplicação e utilização, consolidando-se por meio da vigilância hierárquica e outros meios de punição. A rigorosidade, juntamente a outras regulamentações, funciona como um sistema punitivo (como a permissão da entrada do aluno na escola somente se estiver uniformizado; a ausência do aluno da sala de aula, apenas se estiver com o crachá do professor. Essas são normas de circulação para evitar os desvios das sob as regras escolares). Segundo Foucault, esse sistema punitivo acontece por meio de: 21 [...] micropenalidades do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência) (FOUCAULT, p. 159, 1977). Quando transgride a norma, a penalidade é consequente (por exemplo, conversas com os coordenadores, reunião com os pais, mudança de sala, ocorrência no livro escolar de ocorrências, prejuízo nas notas e, em alguns casos, suspensão. Dessa maneira, os alunos ficam receosos com relação às possíveis punições, caso transgridam alguma das normas escolares). A punição é um mecanismo que garante a eficácia das penalidades e o funcionamento do sistema. Essas maneiras de punir são chamadas por Foucault de “gratificação-sanção”. Um sistema que acredita em e prega recompensas como forma competitiva de estímulo aparentemente positivo que mascara a punição como reforço negativo à resistência e rebeldia é um sistema fincado nas relações normalizadoras de poder. A escola premia os alunos exemplares e torna operante a correção dos alunos em sala de aula, pois visa à utilização de gratificações como forma de sanções, tendo como pretexto a ideia de que os alunos indisciplinados procurariam com maior afinco recompensas e se afastariam das penalidades, aceitando de maneira mais naturalizada a docilização de seus corpos e mentes, tanto quanto o apagamento de suas subjetividades e histórias. Essa estratégia de uso de uma suposta premiação acaba, ainda, por comparar os sujeitos a partir de um único critério, sem considerar suas diferenças e peculiaridades, colocando-os como “melhores” e “piores”. Essa hierarquização vai além da comparação entre alunos, há também a comparação entre as salas (“boas” e “ruins”), professores (considerados “bons” aqueles que possuem maior “domínio” disciplinar sobre a sala – logo, aquele que melhor se adequa e reproduz a lógica sistêmica do poder hegemônico) e escolas. O sistema disciplinar é pertinente também nas avaliações. Por meio desse tipo de sistema (e) de poder, o professor conhece seus alunos, compara-os, classifica-os, treina-os para normalizá-los. “O exame combina as técnicas da 22 hierarquia que vigia e a sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir.” (FOUCAULT, p. 164, 1997). As avaliações envolvem todo um esquema padronizado em sua estrutura, comportamento disciplinar e tempo. Durante a avaliação, os alunos são perfilados, proibidos de qualquer conversa ou gesto e informados do horário de início da prova e término da mesma. Esse esquema de aplicação da avaliação reflete o poder, mostra o peso da disciplina na vida escolar. A avaliação permite comparar os alunos, analisá-los, obter um conhecimento sobre o aluno (suas aptidões, deficiências e a maneira como evolui ou se desvia), sempre ligado ao exercício de poder e não realmente ligado a um aprendizado dialógico. Esse é o tempo disciplinar que se impõe pouco a pouco à prática pedagógica – especializando o tempo de formação e destacando-o do tempo adulto, do tempo do ofício adquirido; organizando diversos estágios separados uns dos outros por provas graduadas; determinando programas, que devem desenrolar-se cada um durante uma determinada fase, e que comportam exercícios de dificuldade crescente; qualificando os indivíduos de acordo com a maneira como percorreram essas séries.” (FOUCAULT, p. 135, p. 1987). A escola, com suas “técnicas” de disciplina, massacra a todos, pois invisibiliza alunos e professores, obrigando-os a aceitarem essa estrutura de poder punitivo, ao invés de colocar as relações em diálogo, como prevê (e não faz). Da forma como se encontra estruturada, a escola define o sujeito-aluno à sua maneira, dentro dos padrões acordados com a sociedade de poder ao invés de ausculta-lo e também aprender com ele.Dessa forma, segundo Foucault (p.185, 2010):“O indivíduo é o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama a ‘disciplina’”. A disciplina atua sobre o indivíduo de diversas formas, como através de técnicas adestrativas. A instituição escolar reflete o domínio vindo da sociedade de poder, assim o indivíduo sairá da escola, inconscientemente adestrado. O discurso escolar é ambivalente, pois prega uma atitude responsiva, democrática e respeitosa, ao mesmo tempo em que age de maneira autoritária e 23 hierárquica. Ele semiotiza uma luta entre vozes sociais, entre aluno e escola, discente e docente e entre discentes. Afinal as relações de poder não são simples nem totalmente explícitas. Alunos e professores se revoltam e isso pode aparecer em forma de doença ou violência. Por isso, pretendemos escutar as vozes dos alunos, bem como analisar o embate dialógico voltado às relações de poder existentes na escola a partir de uma sala de uma escola específica, vista como exemplo qualitativo de pesquisa, bem como tentar compreender em que sentido atos de poder acarretam determinadas relações e concepções de educação. Esse é o propósito deste estudo, que se justifica por se propor a refletir sobre vozes e sujeitos “invisíveis” que se querem e devem ser visíveis e audíveis, uma vez que plenos de sentidos. Este trabalho prevê um estudo de cunho qualitativo e seguirá as concepções bakhtinianas e focaultianas, ao se pautar nos discursos dos sujeitos discentes, tomados como corpus de nossa pesquisa.Esta proposta abrange ainda uma pesquisa teórica com relação aos preceitos bakhtinianos e focaultianos e envolve o clipe da canção Another brick in the wall como mote significativo que estimulará a reflexão discursiva dos sujeitos a serem analisados. Iniciaremos o estudo com uma revisão teórica. Afinal, de acordo com Luna (1998, p.83), “Uma revisão teórica, em geral, tem o objetivo de circunscrever um dado problema de pesquisa dentro de um quadro de referência teórico que pretende explicá-lo”. Assim, a partir da teoria bakhtiniana, poderemos direcionar o olhar para o sujeito e a interação, na busca de uma compreensão sobre o discurso por ele (aluno) produzido. Para que isso aconteça, é essencial que o pesquisador consiga captar algum aspecto do modo como o sujeito apreende o mundo, colocando-se em seu lugar para configurar o entendimento. Foucault será utilizado para nos auxiliar a entender e analisar acerca dos processos de poder, tão intrínsecos e flagrantes na escola e sempre criticados pelos alunos. Envolveremos na pesquisa 36 alunos, do 7º ano, de uma Escola Estadual de Jaú, do período vespertino. Acreditamos no potencial discursivo dos alunos em questão, devido às respostas com relação às atividades reflexivas realizadas durante o ano de 2013. 24 Pretendemos, por meio da pesquisa de campo, realizar um debate com os alunos sobre o discurso escolar. Para iniciar a atividade, haverá a exibição do clipe da canção Another brick in the wall (com legenda em português). Após a exibição, observaremos a reação dos alunos, bem como se os mesmos relacionam ou não o clipe com suas realidades. Este será o capítulo-chave de nossa dissertação, pois centro das preocupações e reflexões por nós propostas e sobre as quais pretendemos nos debruçar. Afinal, fundamentados teoricamente, analisaremos as vozes sociais e os valores axiológicos explicitados nos discursos dos alunos, em diálogo com a hegemonia escolar, marcada nos documentos anteriormente mobilizados. O objetivo do estudo, como já dito, reiteramos, é analisar os diversos discursos produzidos pelos alunos, suas vozes sociais, suas posições estratégicas em meio à circulação da voz social escolar, suas reflexões. A descrição e a análise a serem tecidas a partir da discussão e da reflexão dos alunos se pautarão em seu discurso, pois compreendemos que o discurso nasce de relações, que denuncia a posição dos sujeitos, como um meio de expressão do ser. Toda a ação do debate em sala de aula será gravada em áudio e vídeo e, posteriormente, os discursos serão transcritos para uma análise sobre a reflexão do discurso do aluno com relação ao discurso da escola, colhido a partir de documentos que registram e referenciam marcas de uma voz estatal/institucional e diário de observações discursivas. Nesse sentido, a pesquisa proposta se pauta em descrição e análise e se divide em dois tipos: a pesquisa bibliográfica (fundamentação teórica e história da escola) e a de campo (coleta de dados documentais e de atividades abertas com os alunos). Com o propósito de analisar e observar os discursos que culminarão diante da pesquisa, das atividades, das observações das relações de poder enraizadas nos mesmos, temos de considerar , segundo Foucault, que ao nos referirmos ao sistema de educação, o que encontramos é uma forma política de manter essa apropriação dos discursos levando em consideração as relações de saber e poder. Dessa forma, o sistema de ensino torna-se um ritual da palavra, no momento em que ocorre a fixação dos papéis bem definidos para os sujeitos que falam.O 25 sistema ainda detém a programação e apropriação dos gestos, comportamentos, circunstâncias, tudo o que acompanha o discurso, de modo doutrinário. Todo esse discurso de poder da instituição escolar vem cristalizando-se há muito tempo e recebe o reforço de toda equipe escolar, pois o objetivo é disciplinar, perde-se a função do ensino e aprendizagem, manter a organização (aluno em silêncio e controlado) atingiu o patamar de educação, mais uma vez vamos docilizar seus corpos e domesticar suas mentes. Ao contextualizarmos mais adiante nos próximos capítulos que darão sequência a esse estudo, provocaremos inquietações no leitor quanto à situação dessa realidade discursiva entre instituição escolar e discentes, inclusive os docentes que estão ligados diretamente a essa situação (favoráveis ou não)imersa em relações de poder produzidas, embutidas discursivamente e que cumprem seu papel como produtoras dos recursos de controle. Os recursos de controle são de grande valia no combate a resistência ao poder, as agitações, revoltas, funcionam como neutralizadores do contrapoder, silenciando as vozes e amenizando essas situações através do domínio na relação de forças. Esse controle contínuo disciplinar visa à vigilância perpétua sobre todo o desenvolvimento de uma ação como meio de registrar continuamente informações sobre os discentes, docentes e assim medi-los, julgá-los etc. Em meio a esse controle, há um desejo pelo enquadramento dos sujeitos, exigindo que todos aprendam igualmente da mesma forma, internalizem conteúdos em tempo determinado e conteúdos ditados pelo poder. Conseguimos entender o objetivo do Estado no momento em que o mesmo impõe um ensino apostilado comum a todas as escolas,regiões e principalmente alunos que não são e não devem ser iguais, pois cada indivíduo tem o direito de ter suas particularidades e diferenças e mais uma vez temos o grande poder monológico fazendo sua parte na ânsia de formar indivíduos nos mesmos moldes nível padrão, sem opinião, sem criticidade, ajustados ao poder que os comanda. Em certo momento, esse controle torna-se tão natural, que o discente e o docente,muitas vezes não percebem que essas ações estão enraizadas, automatizadas, que estão envolvidos por normas que conseguem aprisionar suas consciências, e em variadas vezes acabam agindo automaticamente e sem notar a 26 realidade da situação (filas, ninguém nos corredores, separados por séries, idade e, muitas vezes, até em salas consideradas boas e ruins). As situações evidenciadas acima, no discurso de poder insistem em se tratar de subsídios da grandiosa missão investida à educação na construção da liberdade moral, liberdade de expressão e assim emancipar e esclarecer o discente. Esclarecer o discente através das técnicas disciplinares nessa instituição de sequestro é esclarecê-lo de que sua subjetividade lhe será extraída como algo que não lhe servirá no processo ensino e aprendizagem, mas que outra subjetividade nos moldes padronizados e institucionalizados sim, lhe será impressa como a produção de um discurso neutralizador da voz do discente, pois segundo Foucault (p. 230, 1987): [...] a penalidade, a vigilância e o controle seriam então uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles. A partir de Foucault, o que causará certa indignação é o fato de que essa fabricação do discente ocorre de forma tão sutil e produtiva que muitas vezes passam despercebidas no âmbito do olhar repressivo e sucedem de forma “natural” e concebida pelo discente automaticamente. Ao abordarmos a questão do discurso de poder reencontramos Bakhtin e Foucault em comum acordo sobre a produção do discurso como produto das relações de pode na sociedade, principalmente no momento em que Bakhtin teoriza esse embate de vozes, luta de classes em torno do discurso. A base teórica com Bakhtin e Foucault, estudiosos do discurso, embora apresentem divergências, eles se aproximam no aspecto relacionado às relações de poder nas relações discursivas entre escola e discentes, cada qual a sua maneira. Devido a esse aspecto, nosso intuito é refletir sobre essas relações discursivas de poder no ambiente escolar com o estudo e análise dos discursos discentes, docentes e da instituição escolar. Dar voz ao discurso do aluno, muitas vezes esquecido e utilizado como depósito de conteúdos é a prioridade do estudo.Observara quantidade de marcas de poder que estão impressas em seu discurso sobre a escola, o quanto o mesmo 27 acredita na “normalidade” da situação em que foi inserido, pois estar na escola muitas vezes não é uma opção, e sim, obrigação. A escola em questão nesse estudo faz parte de uma área periférica, que no passado sofreu com depredações promovidas por traficantes do bairro, pois a chegada de uma escola na região onde predominavam ações ilícitas com relação às drogas, poderia fazer com que a mão de obra do tráfico fosse reduzida. Além dessa questão, no momento de implantação da escola nessa região não havia sequer um discente matriculado, pois a escola foi inaugurada no início do segundo semestre. Mas a escola necessitava de discentes e docentes para funcionar e assim, docentes e discentes foram arrancados das escolas onde lecionavam e estudavam e jogados na nova escola, contra a própria vontade. O ambiente escolar interno e externo estava cercado de revoltas de diversos âmbitos e a convivência entre todos os funcionários acontecia sob clima de tensão.Mas com o esforço de toda equipe escolar junto à comunidade, conscientização sobre o trabalho escolar, houve melhoras na situação caótica escolar. E com a mesma estrutura de prisão, regras, hierarquias, ordens à base de muito monologismo nas ações, a escola venceu e assim inicia-se a fabricação de sujeitos sem vozes, apesar do discurso promovido sobre o desenvolvimento do sujeito crítico, com a ressalva para a criticidade dentro do modelo padrão do poder, no sentido do que eu penso é o que você deve pensar. Desde a estrutura física, as regras e a hierarquia escolar estão envolvidas nesse estudo, pois fazem parte das relações de poder que influenciam as discussões que sucedem entre escola, discentes e docentes. Durante esse estudo,no tocante com relação aos sujeitos em questão, por seguirmos a linha teórica bakhtiniana e foucaultianae conhecendo suas aproximações e divergências, as quais discutiremos no capítulo teórico, reforçamos aquia concepção de sujeito pela visão de Bakhtin e Foucault. Para Foucault, o sujeito é relacionado a um produto que vem das relações de poder e não seu produtor, e com isso não há um sujeito que seja essencial que poderia estar alienado através de ideologias ou relações de poder que pudessem encobrir sua visão da realidade, o sujeito é produzido através do resultado das relações de poder. Já para Bakhtin, o sujeito não é considerado autônomo e nem o criador de sua própria linguagem, mas sim ele se constitui através da relação com outros indivíduos, de acordo com a esfera social na qual esse sujeito está inserido. 28 Segundo as diversas esferas sociais, em particular a esfera escolar, todas são controladas de acordo com fatores socioeconômicos, por essa via não seria possível ser sujeito sem que houvesse alguma relação com o outro. Além desse fato, existem variadas vozes, verdades e pontos de vista, não há uma realidade única e sim, várias. Dessa forma, ao tratarmos do sujeito, para a perspectiva bakhtiniana, entendemos que há um processo de constituição de identidades e que permanece em modificação constante e nessa visão conflituosa, abarcamos a visão sobre os mecanismos de poder, que se assemelham à concepção foucaultiana sobre as relações intersubjetivas, que são relações de poder. Relações de poder que constituirão todo o estudo em questão e em todos os capítulos. O sujeito aluno, o sujeito escola, o sujeito docente estarão todos engendrados nas relações de poder. No decorrer desse trabalho, inúmeros questionamentos surgirão na tentativa de reverter diversas problemáticas resultantes da relação de poder, tão exaltada durante essa introdução. Atividades reflexivas serão aplicadas com alunos do 7º ano do ensino fundamental, observações discursivas dos mesmos e em contraponto observações também serão feitas sobre o discurso escolar e docente com o intuito em responder esses questionamentos consideravelmente presentes no cotidiano escolar. A partir das possíveis respostas em meio ao estudo, buscaremos uma possível proposta para contribuir com mudanças e aperfeiçoamento da prática e das relações ensino e aprendizagem, bem como a maior participação dos discentes. Sem esquecer que a instituição escolar sempre teve como fundamento a dominação ideológica para conseguir alcançar e assim consolidar a hegemonia do poder e reproduzir nos sujeitos a sua ideologia.Segundo o pensamento da escritora, poeta e vencedora do Prêmio Nobel de 2007, Doris Lessing afirma: Idealmente, o que deveria ser dito a todas as crianças, repetidamente, ao longo de sua vida escolar, seria algo como isto: << Estás no processo de ser doutrinado. Nós ainda não fomos capazes de desenvolver um sistema de educação que não seja um processo de doutrinação. Lamentamos, mas é o melhor que podemos fazer. O que te estamos a ensinar é um amálgama dos preconceitos actuais e das escolhas desta cultura em particular. 29 Uma pequena olhada na História vai-te mostrar o quanto estes são temporários. Estás a ser ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamento que foi desenhado pelos seus antecessores. É um sistema de auto- perpetuação. Aqueles de vocês que forem mais robustos e individuais que os outros serão encorajados a sair e a encontrar formas de se educarem a si próprios – a educarem os seus próprios julgamentos. Aqueles que ficarem têm que se lembrar, sempre, e para sempre, que estão a ser moldados e modelados para se encaixarem nas necessidades estreitas e particulares desta sociedade. Nesse pensamento de Lessing encontramos a mesma perspectiva de Foucault com relação ao fato do poder que molda o sujeito a seu gosto e á sua necessidade, docilizando os corpos e as mentes. Com o texto de Bertold Brecht, também verificamos agora com tom de alerta para atentarmos com relação a esse controle instituído pela sociedade de poder, que não dá voz ao sujeito, que insiste na permanência do mesmo aquém da realidade e da situação na qual se encontra e necessita de mudança. O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que os custos de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. Nada é impossível de Mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar. Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não 30 contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence. O texto de Brecht reafirma as situações impostas pelo poder dominador, controlador que visa seus próprios interesses que refletem e refratam no discurso de poder da instituição escolar, que cala os pensamentos dos discentes, atitudes de parte dos docentes que almejam a mudança, a valorização da voz do discente. Contudo o conservadorismo relacionado a hierarquia de poder permanece no que diz respeito a disciplina e persiste no discurso escolar, uma vez que classifica, controla, determina e silencia ideais. Todo o estudo proposto nesta introdução será desenvolvido em capítulos específicos, nos quais iremos dar profundidade a cada particularidade questionada, utilizando a base teórica já citada anteriormente, sempre abarcada de elementos exemplificadores para uma reflexão sobre as questões de poder que sondam e rondam a instituição escolar e seus reflexos nos discursos discentes. 31 2 O Poder do Discurso ou o Discurso do Poder? A palavra do outro impõe ao homem a tarefa de compreender esta palavra. A palavra do outro deve transformar-se em palavra minha - alheia (ou alheia - minha). Distância (exotopia) e respeito. O objeto se transforma em sujeito (em outro eu). (BAKHTIN, p. 385,386 , 2000). 2.1 Introdução Este trabalho visa analisar, por meio de uma análise discursiva, as relações de poder encontradas na sala de aula. Para tanto, nos utilizaremos como referencial teórico o filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin e o filósofo Michel Foucault. A princípio tal combinação pode parecer pouco conflituosa, porém há um ponto de convergência o qual pretendemos atingir para que possamos alcançar nossos objetivos. Mikhail Bakhtin foi um pesquisador da linguagem humana; estruturalista; Russo, que não se restringiu ao campo da linguística. Seus estudos inovadores em relação à linguagem permeiam as esferas dos gêneros discursivos, dialogismo e polifonia. Antes de tudo, Bakhtin defendeu a harmonia entre as dissonâncias, ou seja, o acolhimento entre vozes divergentes e se propôs a estudar as relações de interação entre elas, o que estabelece o ato comunicacional em que a linguagem possui elo indissolúvel. Seus trabalhos são de suma importância para diversas áreas do conhecimento tais como: linguística, comunicação, psicologia, antropologia e sociologia. Já Michel Foucault foi filósofo, historiador das ideias, teórico social, diplomata e filólogo francês e seus principais estudos giram em torno das relações entre poder e conhecimento, analisando assim, maneiras de manipulação e controle social. Pode ser citado como pós-estruturalista, porém o próprio estudioso rejeitou tal padronização. 2.2 Disciplina e responsividade Normalizar e disciplinar comportamentos dos corpos e das mentes refratam a maneira como o sujeito se relaciona, valoriza a si próprio e também ao outro. Com 32 base nessa estrutura e nessa relação entre os sujeitos(escola, discentes e docentes) detectamos um poder repressorque, por vezes, é identificado pelos sujeitos e, ao mesmo tempo, nos deparamos com grupos que divergem e os que aceitam de forma automática uma mesma ideia, por acreditarem na credibilidade da instituição e assumirem com naturalidade seu papel nessa estrutura de poder. Bakhtin afirma que cada sujeito corresponde a um centro individual de responsividade e é responsável pela maneira como responde tanto ao mundo interior, quanto ao exterior.Assim, para o autor, o sujeito seria ativo e também envolto por valores, que não devem fugir da sua responsabilidade e, desta maneira, responder ao mundo.Mas esse sujeito inserido e que é constituído a partir do mundo, pelo mundo e para o mundo, pode ser um sujeito- produto do coletivo. A constituição do sujeito responsivo, quando participa e responde ativamente ao mundo, objetiva e subjetiva suas ações ao interagir com o outro. Nesse momento, o mesmo tem como finalidade o outro e acaba por separar-se de si mesmo para assim se objetivar. Bakhtin afirma: Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar – a cabeça, o rosto, e sua expressão –, o mundo atrás dele, toda uma série de objetos e relações que, em função dessa ou daquela relação de reciprocidade entre nós, são acessíveis a mim e inacessíveis a ele. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos (BAKHTIN, p.21,2003). De fato, são mundos em suas totalidades diferentes, principalmente discursivamente. No discurso escolar, no do aluno e no do docente, existem diferenças e/ou proximidades automáticas por comodismo, naturalidade e por aceitação. No momento em que tratamos das questões de ordem, disciplina e poder, nos remetemos a Foucault, quem nos fala sobre as práticas discursivas que rondam a instituição escolar. Um conjunto de técnicas, esquemas de comportamento, que 33 impõem e mantém a ordem que gerará modos de fabricação de discursos dos sujeitos, e também a uma somatória de meios, mecanismos e estratégias para a fabricação do saber-poder.Para Foucault esses mecanismos podem ser de exclusão, de controle interno do discurso do sujeito ou até mesmo de rarefação: A ‘invenção’ dessa nova anatomia política não deve ser entendida como uma descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitam, apóiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de aplicação, entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um método geral. Encontramo-los em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias; investiram lentamente o espaço hospitalar; e em algumas dezenas de anos reestruturam a organização militar. Circularam às vezes muito rápido de um ponto a outro(entre o exército e as escolas técnicas ou os colégios e liceus), às vezes lentamente e de maneira mais discreta (militarização insidiosa das grandes oficinas). A cada vez, ou quase, impuseram-se para responder a exigências da conjuntura: aqui uma inovação industrial, lá a recrudescência de certas doenças epidêmicas, acolá a invenção do fuzil ou as vitórias da Prússia. (FOUCAULT, p. 119, 1987) Novamente, Foucault ressalta o aspecto das técnicas disciplinares e o único caminho para o qual elas levam os discentes: a dominação. A fabricação de indivíduos repletos de um conhecimento moldado; homogêneo e monológico, que força o discente a acreditar ou mesmo que não acredite, mas se a instituição escolar diz que isso ou aquilo é correto; necessário; essencial para a sua vida, seu sucesso e, então, deve-se seguir à risca as instruções proferidas pela instituição há séculos “bem” conceituada e tida como o único local de aprendizagem. Ao tocarmos nas questões disciplinares, atentemo-nos para as questões discursivas, pois, se temos um poder controlador que determina o que se deve ou não fazer, diga-se, em todos os aspectos da vida do discente, o discurso, a voz do mesmo, também será tomada e controlada.Segundo Foucault: 34 Há em muitos, julgo, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo semelhante de se encontrar, de imediato, do outro lado do discurso, sem ter de ver do lado de quem está de fora aquilo que ele pode ter de singular, de temível, de maléfico mesmo. A este querer tão comum a instituição responde de maneira irônica, porque faz com que os começos sejam solenes, porque os acolhe num rodeio de atenção e silêncio, e lhes impõe, para que se vejam à distância, formas ritualizadas. O desejo diz: "Eu, eu não queria ser obrigado a entrar nessa ordem incerta do discurso; não queria ter nada que ver com ele naquilo que tem de peremptório e de decisivo; queria que ele estivesse muito próximo de mim como uma transparência calma, profunda, indefinidamente aberta, e que os outros respondessem à minha expectativa, e que as verdades, uma de cada vez, se erguessem; bastaria apenas deixar-me levar, nele e por ele, como um barco à deriva, feliz." E a instituição responde: "Tu não deves ter receio em começar; estamos aqui para te fazer ver que o discurso está na ordem das leis; que sempre vigiamos o seu aparecimento; que lhe concedemos um lugar, que o honra, mas que o desarma; e se ele tem algum poder, é de nós, e de nós apenas, que o recebe." (FOUCAULT, p.1,1996). Vigiar o aparecimento do discurso discente, e por muitas vezes dos docentes, é uma das maneiras como diz Foucault, de desarmar esse sujeito e coloca-lo a mercê do poder que é determinado pela instituição escolar: [...]funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça. (FOUCAULT, p. 169, 1987) E assim caminha o discurso escolar na formação de seu sujeito aluno, fazendo-o cumprir exigências para que esteja qualificado dentro do modelo padrão que satisfaça a necessidade na construção da grande massa, como podemos ver na música another brick in the wall. 35 As posições do sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos: ele é sujeito que questiona, segundo uma certa grade de interrogações explícitas ou não, e que ouve, segundo um certo programa de informação; é sujeito que observa, segundo um quadro de traços característicos, e que anota, segundo um tipo descritivo; está situado a uma distância perceptiva ótica cujos limites demarcam a parcela de informação pertinente[...[(FOUCAULT,p.59,1997) Essa resistência e aceitação que, ao mesmo tempo se distanciam, encontram-se e (por vezes) fundem-se e confundem-se em meio ao que é imposto ao sujeito e no próprio sujeito que acaba por não conseguir exibir sua reação no sentido de que seu discurso esteja fora dos padrões “normais” tão custosos a sua convivência em sociedade. 2.3 Da interação comunicacional A interação comunicacional além de requerer mais de um locutor se faz compreensível a partir da compreensão do outro, como já vimos. Portanto, quão é a escala da relação de poder nessa experiência uma vez que, o “eu” precisa necessariamente que receber o “tu”, porém só existe se compartilhado? O conteúdo dessa pesquisa é, indubitavelmente, inesgotável. Porém, por meio de um recorte e um ponto de congruência estratégico poderemos explorar as relações encontradas em sala de aula. Dizemos que o assunto se faz inesgotável pelo fato de o homem-antes de se comunicar conscientemente- construir-se a partir de sua interação com o meio (um exemplo disso é o processo de aquisição da linguagem). Ou seja, a compreensão de cada ato linguageiro pode envolver inúmeras possibilidades que são relativas, pois dependem da construção histórico-social do indivíduo. Essa construção edifica os filtros com os quais o sujeito enxergará o mundo e está calcada em todos os aspectos do meio em que esse sujeito viveu suas experiências. Dizemos, portanto, que o ser humano é um ser relacional que se constrói em sociedade e por meio da 36 linguagem. Porém, para que possa se sentir inserido num contexto pré-estabelecido, necessita adequar seu discurso. [...[ em toda sociedade de produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.[...[ Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa.(FOUCAULT, p.8-9, 1996) A partir do momento em que um aluno chega à instituição de ensino com certo conhecimento “de mundo”, que vem atrelado a seu discurso, inicia-se a moldagem discursiva, afinal tem-se a necessidade de que todos aprendam o que é estabelecido como correto. Não só no que tange questões como:“o que dizer e pensar”, mas também sobre os modos “como” fazê-lo, no sentido de chegarem às mesmas conclusões sobre algo que não confere a um ato matemático com resultado exato, mas sim maleável, modificável e que não necessita ser igual e que ser igual nem sempre está correto ou é o único caminho. [...] o que é afinal um sistema de ensino senão umaritualização da palavra [fala]; senão uma qualificação e umafixação de papéis para os sujeitos que falam; senão a constituiçãode um grupo doutrinário ao menos difuso; senãouma distribuição e uma apropriação do discurso com seuspoderes e seus saberes? (FOUCAULT, p. 44, 1996). Como afirmou Foucault, essa qualificação e fixação dos papéis dos sujeitos no âmbito escolar faz referência aos sujeitos como a personificação de fantoches presos nas amarras do discurso do poder que manipula, que se apropria de saberes e os devolvem modificados,moldados de acordo com o que é apassivador, que não leve a um questionamento, somente o sim e o não, sem explicação. 37 O discurso nada mais é do que areverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos, quando tudo pode, enfim,tomar a forma do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito detudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e intercambiado seu sentido, podemvoltar à interioridade silêncio da consciência de si.”(FOUCAULT, 48, 1996). O discursotransforma-se livremente,mas no momento escolar é trabalhado, explicado, modificado, moldado sem que haja a percepção do sujeito para esse tipo de transformação obrigatória. O mesmo acredita que seja parte de um processo de aperfeiçoamento do seu saber, não sente que termina por pensar igual a todos, o que lhe é particular é perdido no processo de aprendizagem. [...]"Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo" (FOUCAULT, p.44, 1996) O controle do discurso faz parte da função autodeterminada pela sociedade mantenedora do poder, da ordem, tem-se regras a serem cumpridas para protagonizar um discurso, obedecendo a todos os protocolos da normalidade do que e o que se deve ou não dizer. 2.4 A construção do discurso Para Foucault o discurso funciona através da construção de suas características sociais. A sociedade mantenedora do poder que propaga o contexto do discurso é o alicerce da estruturação textual que vem atrelada a todo elemento que possa ser inserido no sentido discursivo. Assim, emissores e receptoresdevem estar atentos aos sentidos produzidos para que haja uma relação básica para firmarem uma comunicação verbal. Para Bakhtin o discurso é sempre voltado para o objeto,tema que está presente nos falantes e como resultado, o discurso aparece e é carregado de forma dialógica até o discurso do outro transbordando juízos de valor, entonações, conotações e assim os discursos misturam-se, fundem-se em concordância ou 38 discordância, em grandes ou pequenas proporções e influenciam-se através das relações dialógicas. O poder e o saber estão relacionados a esse diálogo (que é vivo), a essa amplitude no domínio da linguagem e sua compreensão, bem como o jogo ideológico e interacional que surgem discursivamente e principalmente como consequência a influência das relações de poder. “Pois todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o aspecto estilístico” (BAKHTIN, p.86, 1990). Não há como negar a natureza da linguagem como prática social. Sua interação discursiva (que ocorre entre sujeitos)são provenientes de um contexto sócio-histórico. Para isso, ressaltamos a compreensão de Bakhtin de que o sujeito não se manifesta de maneira isolada: Assim, na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto de contextos possíveis de uso de cada forma particular. Para o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B ou C de sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática linguística”. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, p.98,2009). 39 Constatamos dessa forma que através da linguagem, do discurso encontramos contextos possíveis e pertinentes ao uso de cada sujeito em particular, sua forma particular que pode estar suscetível ou não a influências de outros discursos provenientes de dominação, passividade, ordem e outros diversos fatores. Afirma Michel Foucault (p. 143, 1987) sobre a linguagem: [...] um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi- las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. [...] “Adestra” as multidões confusas [...] Voltando, ainda o nosso olhar para Michel Foucault, relacionamos a essas relações interpessoais a regra das localizações funcionais e, assim, nos mantemos a refletir sobre o espaço escolar e a significação do questionamento sobre “o lugar do aluno”nesse contexto. A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. (FOUCAULT, p.123, 1987). Ainda seguindo o mesmo curso, podemos observar os inúmeros padrões em que são categorizados os alunos por questão de ordem, de organização ede classificação que podem, de certa maneira, apontar tendências sociais hierárquicas em relação a inúmeros aspectos, sobretudo, o intelectual. 2.5 O caminho para a convergência No ambiente escolar, por exemplo, ao aluno é entregue uma série de categorias em que ele deve se inserir: 40 [...] nesse conjunto de alinhamentos obrigatórios, cada aluno segundo sua idade, seus desempenhos, seu comportamento, ocupa ora uma fila, ora outra; ele se desloca o tempo todo numa série de casas; [...] que marcam uma hierarquia do saber ou das capacidades, [...]. (FOUCAULT, p.125, 1987). Adentramos aqui no campo da filosofia, mais especificamente, para conceituar sobre a ideia depanóptico tão pertinente nesse ponto da fundamentação. O termo foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo Inglês Jeremy Bentham ao estudar o sistema penitenciário e, então, despertou o interesse de Michel Foucault em seus estudos relacionados ao sistema de disciplina escolar. O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as superfícies onde este se exerça. (FOUCAULT, p.169, 1987) É importante ressaltar que, tal estudo não exclui a necessidade de reconhecer-se e de conhecer seu próprio espaço, para que se tenha a liberdade de permanecer no mesmo lugar ou de se transformar. Esse processo de construção de imagens e significados é inerente a qualquer ser humano e necessário para que se possa desenvolver a autonomia necessária para agir. “Acredito, porém, haver uma razão bem mais essencial que estes paradoxos da história moral, e que concerne ao problema da verdade e da história da verdade. A razão mais séria, parece-me, pela qual este preceito do cuidado de si foi esquecido, a razão pela qual o lugar ocupado por este princípio durante quase um milênio na cultura antiga foi sendo apagado, pois bem, eu a chamaria – com uma expressão que reconheço ser ruim, aparecendo aqui a título puramente convencional – de “momento cartesiano”. Parece-me que o “momento cartesiano”, mais uma vez com muitas aspas, atuou de duas maneiras, seja requalificando filosoficamente o gnôthiseautón 41 (conhece-te a ti mesmo), seja desqualificando, em contrapartida, aepiméleiaheautoû (cuidado de si). (FOUCAULT, p. 18, 2006) O lugar do indivíduo e, agora, recortado ao meio escolar o permite estabelecer noções do que concordam ou não; daquilo que escolhem seguir ou não; de se manterem em uma determinada posição ou de a evitarem, criando grupos de identificação tanto pela obediência quanto pela resistência a algum padrão ou protocolo. [...] designa- se, assim, a maneira pela qual eles se submetem mais ou menos completamente a um princípio de conduta, pela qual obedecem ou resistem a uma interdição ou a uma prescrição, pela qual respeitam ou negligenciam um conjunto de valores; o estudo desse aspecto da moral deve determinar de que modo, e com que margem de variação ou de transgressão, os indivíduos ou grupos se conduzem em referência a um sistema prescritivo, que é explícita ou implicitamente dado em sua cultura, e do qual eles tem consciência mais ou menos clara. (FOUCAULT, p.26, 2006). Podemos, portanto, compreender que a dominação ou a resistência existem a partir de um ponto em que moral, psicológica e geograficamente o indivíduo se insere. A verdade absoluta não existe, pois as formas de enxergarmos a realidade varia de acordo com cada indivíduo e seu próprio olhar. Porém a imposição de uma realidade pode se fazer presente podendo ser acolhida ou não. É certamente nesse campo da obrigação de verdade que é possível se deslocar, de uma maneira ou de outra, algumas vezes contra os efeitos de dominação que podem estar ligados às estruturas de verdade ou às instituições encarregadas de verdade. (FOUCAULT, p. 280, 2006). O fato, no entanto, de “a verdade” ser uma “unidade” relativa, devido ao grupo em que a estabelece não descarta a necessidade de que alguma verdade exista. Essa dualidade é o que dissemos anteriormente sobre a descoberta de onde se 42 situa o indivíduo. Da mesma maneira, a resistência de acolhimento de uma verdade instaurada, nasce de outra verdade que contrapõe aquela. Essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema dos livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios de outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído. (FOUCAULT, p. 17, 1996). Por esse viés pretendemos unir ao estudo de Mikhail Bakhtin no que tange ao ato comunicacional em relação à voz do indivíduo e seus filtros às relações de poder impregnadas no discurso escolar. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: [...] o ouvinte que percebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar.(BAKHTIN,p.290, 2000) Se o indivíduo, portanto, possui filtros no momento em que interpreta o que lhe foi dito, não podemos afirmar que, mesmo enquanto no lugar de receptor fora passivo. Ademais, o “compreender” requer atenção e apreensão o que fazdo “receptor” um sujeito ativo na interação linguageira. O acolher de um padrão ou não está diretamente ligado ao sistema de apreensão e compreensão. Desta forma, sua decisão será tomada da maneira que conscientemente desejara contrapondo, parcialmente,o olhar de “controle” foucaultiano. No entanto, as incongruências e a sua verdade interior ainda podem ser expressas por meio do discurso. Isso quer dizer que, o ponto em que podemos unir os dois autores situa-se em, não focar no 43 caminho a ser escolhido pelo sujeito, mas em valer-nos de que o discurso (se impregnado da verdade de quem o possui-podendo ser contraditório a sua decisão-) mostra que sempre há a possibilidade de(por meio dessas interdiscursividades) persuasão e, assim, de escolha de liberdade em prol da sensação de pertencimento, com base na acolhida de padrões pré-estabelecidos. Por mais monológico que seja um enunciado (uma obra científica ou filosófica, por exemplo), por mais que se concentre no seu objeto, ele não pode deixar de ser também, em certo grau, uma resposta ao que já foi dito sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo problema. [...]As tonalidades dialógicas preenchem um enunciado e devemos leva-las em conta se quisermos até o fim o estilo do enunciado. Pois nosso próprio pensamento - nos âmbitos da filosofia, das ciências, das artes - nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio, o que não pode deixar de refletir nas formas de expressão verbal do nosso pensamento” (BAKHTIN, p. 317, 1997). Portanto, todos os “eus” presentes na interação são necessariamente expressos por meio do discurso. [...] enquanto homem fabricado, nãoé mais do que a coagulação de um certo número de individualidades separadas, que se encontram reunidas por certo número de elementos constitutivos do Estado. Mas, no coração,ou melhor, na cabeça do Estado, existe alguma coisa que o constitui como tal, e essa alguma coisa é a soberania [...](FOUCAULT, p. 34, 2005). As relações de poder, estados de dominação estão imbricados nesse homem que é fabricado pela massa institucional mantenedora do poder, então, o sujeito fica restrito a esse estado dominador que o quer assim, nos moldes institucionais para garantir a permanência da soberania da sociedade detentora de poder: “0 individuo é um efeito do poder e é, ao mesmo tempo, na mesma medida em que éum efeito seu, seu intermediário: 0 poder transita pelo individuo que ele constituiu”, afirma Michel Foucault (p.35, 2005). O poder permeia o indivíduo e em cada relação estabelecida em sociedade, seu posicionamento manifestar-se-á de forma 44 contextual a situação imposta, e assim as várias formas de poder virão à tona e transitarão pelo sujeito, o mesmo poderá transpor esse poder, resistir, lutar ou aceitar o mesmo como constituição do seu próprio ser como sujeito. Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o significante. É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. (DELEUZE.Microfísica do poder, p.171, 1979). As teorias têm de funcionar de acordo com a necessidade e realidade do sujeito, adequar-se ao momento e ter a abertura perceptiva de seu discurso e a potencialidade do mesmo com relação a suas reflexões sobre tudo o que lhe é imposto. “[...]designa-se, assim, a maneira pela qual eles se submetem mais ou menos completamente a um princípio de conduta, pela qual obedecem ou resistem a uma interdição ou a uma prescrição, pela qual respeitam ou negligenciam um conjunto de valores;o estudo desse aspecto da moral deve determinar de que modo, e com que margem de variação ou de transgressão, os indivíduos ou grupos se conduzem em referência a um sistema prescritivo, que é explícita ou implicitamente dado em sua cultura, e do qual eles tem consciência mais ou menos clara.”(FOUCAULT, p. 211, 1983). Foucault dá ênfase no que se refere ao código moral, que existem formas diferenciais do sujeito conduzir-se com relação a questão da moral, ele não funciona apenas como agente, mas manifesta-se como sujeito da ação.O sujeito possui inúmeras formas de praticar uma ação, mesmo diante de toda rigorosidade prescrita com relação a mesma.Dessa forma, o sujeito constitui o que lhe é próprio em sua conduta relacionada a moral.E todo esse processo reage no modo de sujeição, a forma como o indivíduo relaciona-se com a regra e percebe a obrigação de sua prática, se reconhece nela. A maneira como o sujeito se conduz refere-se às contradições da alma. 45 Há também diferentes possibilidades nas formas de ‘elaboração’ do trabalho ético do trabalho ético realizado sobre si mesmo, não apenas para tornar seu comportamento conforme uma regra dada, mas sim para tentar transformar a si mesmo em sujeito moral de sua conduta.”(id; p. 213) Nesse ponto, a relação do sujeito consigo mesmo,não implica somente na consciência de si, mas como haverá essa constituição moral do sujeito, o mesmo possui algo que lhe constitui e que constitui também o objeto de prática moral, reflete seu posicionamento com relação aos princípios que ele acata. É certamente nesse campo da obrigação de verdade que é possível se deslocar, de uma maneira ou de outra, algumas vezes contra os efeitos de dominação que podem estar ligados às estruturas de verdade ou às instituições encarregadas de verdade. (FOUCAULT, p. 280, 1983). Em meio a essa luta de forças entre poder e liberdade, reflete em uma luta de forças e se constitui em relações de poder como algo pertinente na vivência em sociedade e que emitem esse poder dominante como verdade a ser seguida, cumprida pelo sujeito via submissão. Exercer seu papel de sujeito exige que o indivíduo se posicione sobre si mesmo, buscando por transformação, instituindo seu modo de ser perante aos valores instituídos pela sociedade de poder, oferecer resistência fará com que essas práticas de sujeito e sua constituição como sujeito seja aplicada de maneira ativa para que haja possibilidades de subverter os assujeitamentos.Deleuze recorre a Foucault na análise sobre o sujeito. Segundo Deleuze: O lado de fora diz respeito à força: se a força está sempre em relação com outras forças, as forças remetem necessariamente a um lado de fora irredutível, que não tem mais sequer forma, feito de distâncias indecomponíveis através das quais uma força age sobre a outra ou recebe a ação da outra. (Deleuze, p. 93, 2005). 46 Foucault afirma o sujeito histórico, que nasce em sua história e através da história que permeia suas vivências.O autor ressalta a constituição desse sujeito através de “jogos de verdade, aos quais o mesmo sujeita-se e, ao mesmo tempo,possui liberdade para romper com a sujeição.Os “jogos de verdade” são relativos às regras que compõem a produção da verdade e suas mudanças, procedimentos que instituem e desinstituem a verdade com relação aos sujeitos através de práticas. Conforme as relações estabelecidas com os “jogos de verdade”, surgem várias formas de sujeito que constituem-se de acordo com a história e para Foucault interessa os diferentes modos que fazem com que os seres humanos tornem-se sujeitos, tomando como base a questão histórica.O sujeito não é o mesmo, imutável , cada relação que o mesmo estabelece, seu posicionamento é modificado. Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas concernentes à vida.”(BAKHTIN/VOLOSHINOV, p. 95, 1981) Bakhtin nos apresenta a noção de sujeito sob sua concepção que envolve a própria natureza dialógica da linguagem e sua constituição e remete à interação que ocorre entre o eu e o outro de forma discursiva e que essa interação é permanente. Para o autor, o sujeito desloca-se de seu lugar central e habita outro coletivo, e nesse momento o sujeito passa a dialogar com vozes sociais diferenciadas. O sujeito continua concreto e real e a partir de sua contextualização no espaço-tempo, ideológico e também social-histórico, passa a se encontrar como sujeito no mundo.Encontramos nesse momento uma noção fundamental com relação a subjetividade bakhtiniana, que é a noção interacional que ocorre entre o eu e o outro no texto, em seu interior, e essa internacionalidade requer um ato responsivo e ativo entre o eu e o outro na comunicação verbal.Então temos o discurso bakhtiniano que se orienta para outro, que aparece em um outro contexto que lhe é particular, e assim reforça-se toda a influência de poderes sociais que inserem-se 47 na maneira de apreensão do discurso.Todo esse processo torna-se compreensivo responsivo que nos remete à inter-relação que envolve os indivíduos no processo de comunicação verbal.O “eu” para Bakhtin, não se constitui através das palavras do outro, mas pela visão do outro; que se realiza no mesmo e em seu interior.Trata-se de um discurso, de um diálogo solidário com todos com quem ele(sujeito) interage; e com outros que virão. Compreendemos a situação do “outro” bakhtiniano, como situação concreta e imbuída de significado e que é compreendido, e dialoga com outros sujeitos com fatores e valores diferenciados, que irão concluir-se em um “nós”, no contexto social, ideológico, que se apresenta em um grupo, comunidade etc.Entendemos que o autor pretende ressaltar o que é comum, comunicacional, que o “eu “ bakhtiniano acaba por se realizar no outro e que esse outro dialoga com o “nós”, que nos faz pensar na linguagem jamais como algo vazio.Ao pensarmos no diálogo com o mundo, lembramos que Bakhtin insiste na função do outro na instituição de sentido a um enunciado, sempre na perspectiva de outra voz dialogando com a nossa, assim, com o mundo.Podemos afirmar que o sujeito para Bakhtin,é relacional.Sendo assim, a palavra não mais pertence somente a nós, ela traz consigo marcas, traços que foram marcados através do contato com o outro. O contexto torna-se circundante com relação ao enunciador e enunciatário, são participantes na construção do sentido que se realiza dialogicamente. Quero dizer o seguinte: numa sociedade como a nossa – mas, afinal de contas, em Qualquer sociedade – múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o copo social; elas não podem dissociar-se , nem estabelecer-se, nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro. Não há exercício de poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção da verdade. Isso é verdadeiro em toda sociedade, mas acho que na nossa essa relação entre poder, direito e verdade se organiza de um modo muito particular. (FOUCAULT, p.28 e 29,1979). 48 E assim caminham os comandados discursivos, obrigados a reproduzir em seus discursos a verdade de outros e não as suas próprias verdades que lhe são particulares, as realidades nas quais acreditam estão sufocadas em suas vozes ensurdecidas. Para assinalar simplesmente, não o próprio mecanismo da relação entre poder, direito e verdade, mas a intensidade da relação e sua constância, digamos isto: somos forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para funcionar; temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade ou a encontra-la. O poder não para de questionar, de nos questionar; não para de inquirir, de registrar; ele institucionaliza a busca da verdade, ele a profissionaliza, ele a recompensa. Temos de produzir a verdade como, afinal de contas, temos de produzir riquezas, e temos de produzir a verdade para poder produzir riquezas. E, de outro lado, somos igualmente submetidos à verdade, no sentido de que a verdade é a norma; é o discurso verdadeiro que , ao menos em parte, decide; ele veicula, ele próprio propulsa efeitos de poder. Afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a uma certa maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos específicos de poder. (FOUCAULT, p. 29, 1979) Todas as táticas discursivas de poder institucionalizado terminam por coagir o sujeito direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, ou, automaticamente, de um modo que faz parecer natural ou comum ao sujeito, que muitas vezes aceita sem questionar as imposições da sociedade mantenedora do poder. Muitas vezes nesse processo, o sujeito incorpora uma identidade socializada por meio do entendimento com o outro e assim cria ou subcria sua individualidade em condições determinadas pela sociedade. Segundo Bakhtin: “o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação”. (BAKHTIN, p. 112, 1988). 49 A linguagem não é apensa algo com foco na comunicação, mas ela organiza o pensamento e também planeja a ação do sujeito, onde ocorre a interação entre o eu e o outro. Tudo o que me diz respeito, a começar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo externo, da boca dos outros [...], e me é dado com entonação, com tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos outros: deles recebo a palavra, a forma e o tom que servirão para a formação original da representação que terei de mim mesmo.(BAKHTIN apud BRAIT, p. 378, 1997). Desse modo entendemos a visão bakhtiniana sobre a linguagem na função social na constituição do sujeito através do discurso do outro e processando os mesmo e acabem tornando-se o discurso do sujeito, as palavras pertencentes ao discurso do outro. Essa dominação do sujeito diante do discurso do outro, lembramos uma sociedade que não vive o coletivo, mas a individualidade, e continua sendo homogeneizada. Essas lutas colocam em questão a condição de indivíduo. Por um lado elas afirmam seu direito à diferença, ressaltando tudo aquilo que pode constituir indivíduos verdadeiramente individualizados. Por outro , elas se insurgem contra tudo aquilo que pode isolar o indivíduo, separá-lo dos outros, romper com a vida comunitária, compeli-lo a se voltar para dentro de si e prendê-lo à sua própria identidade. (FOUCAULT, p.5, 2006). Com toda a modernidade ainda encontramos esses sujeitos submetidos ao controle social, principalmente nas instituições educacionais. Compreendemos assim, que em uma sociedade onde o sujeito é condicionado às relações de poder que perpassam e atravessam e também caracterizam o corpo social e ainda entendemos so