REPRESENTAÇÕES DO SENADO ROMANO NA AB URBE CONDITA LIBRI DE TITO LÍVIO MARCO ANTONIO COLLARES LIVROS 21 – 30 RepResentações do senado Romano na Ab Urbe ConditA Libri de tito Lívio CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Responsável pela publicação desta obra Márcia Pereira da Silva Margarida Maria de Carvalho Susani Silveira Lemos França RepResentações do senado Romano na Ab Urbe ConditA Libri de tito Lívio: livros 21–30 Marco antonio collares Editora afiliada: © 2010 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ C665r Collares, Marco Antonio Representações do senado romano na Ab Urbe Condita Libri de Tito Lívio: livros 21-30 / Marco Antonio Collares. - São Paulo : Cultura Acadêmica, 2010. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-096-9 1. Tito Lívio. Ab Urbe Condita Libri. 2. Roma - História. 3. Roma - Política e governo. I. Título. 10-0125. CDD: 937 CDU: 94(37) Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) AgrAdecimentos inicialmente gostaria de agradecer a três pessoas que tornaram possível a escrita deste livro com seu apoio: à minha avó Julieta, ao meu tio rogério e à minha irmã, Mariana. agradeço especialmente à minha mãe, leni Beatriz, certamente a melhor professora que já tive na vida, pelo encorajamento e amparo in- telectual que muito contribuíram para que eu levasse adiante a pesquisa. ao meu pai Marco antonio, pelo otimismo diante das dificuldades. À minha esposa Gislaine, pelo amor e compreensão em minha ausência no tempo em que morei em Franca. aos meus irmãos Jerônimo e Henrique, pela amizade e incentivo. ao professor e amigo Fábio Vergara cerqueira, quem primeiro me orientou em trabalhos de história antiga. ao colega luiz leonardo e a todos os amigos que fiz em Franca ao longo do período da pesquisa, em especial ao Fábio, Fabrício, Jairo e Vanderlei. À Helena e Bruna pela solidariedade e disponibilidade em me auxiliarem na obtenção de publicações e informações referentes ao Programa de Pós-Graduação. aos professores norberto Guarinello e Márcia naxara pelas obser- vações pertinentes e críticas no exame de qualificação, contribuições essas que foram incorporadas ao trabalho. 6 MARCO ANTONIO COLLARES ao conselho nacional de Desenvolvimento científico e tecno- lógico (cnPq), pelo apoio financeiro e institucional, imprescindível para a realização do livro. e por fim, à minha querida orientadora, professora Margarida carvalho; reitero meu agradecimento pela paciência e seriedade com que me orientou permitindo enriquecer o texto que ora apresento. as falhas que certamente existem devem ser creditadas a mim. A história é a mistura do absoluto e do singular, essencialmente confusa, mistu- rada e inexata, desejando a objetividade do passado sem sucesso, tornando as coisas contemporâneas ao mesmo tempo em que tenta reconstituir, na distância, a profun- didade do passado. Paul Ricoeur sumário Introdução 11 1 construções interpretativas sobre senado e principado romano 21 2 Visões historiográficas sobre a obra de tito lívio 71 3 as múltiplas atribuições do senado romano na Ab Urbe Condita 125 Conclusão 169 Referências bibliográficas 181 introdução as considerações de Michel de certeau (1975) quanto à “escrita da história conferir sentidos arbitrários ao passado” amparam o presente livro, que gira em torno de uma leitura contextualizada da Ab Urbe Condita Libri (desde o início da cidade livre), obra de tito lívio, histo- riador do final do século i a. c.. as palavras do estudioso não somente evidenciam uma conscientização por parte dos pesquisadores modernos quanto às suas próprias construções, como também destacam a predis- posição de qualquer narrador do passado a esse tipo de empreendimento, na medida em que “todo acontecimento histórico conhecido resulta de uma práxis que é ela mesma um signo de um ato de afirmação que dá sentido ao real, no processo de sua formulação” (p.42). Pensar, portanto, nos textos históricos, a partir desse olhar inter- pretativo, significa considerar, além dos eventos pregressos relatados, as reconstruções do passado no momento da escrita da história. o que empreendemos, portanto, é a análise de uma obra dessa natureza por seu valor historiográfico (raaflaub, 2005, p.24-5), considerando-se que os fatos passam, obrigatoriamente, pela subjetividade do autor, mesmo que haja uma tentativa de relatar o passado com neutralidade. Por sua vez, as concepções de Bronislaw Baczcko (1985) e roger chartier (1990) referentes às representações enquanto crenças, con- cepções e normas de conduta inscritas em artefatos culturais estão em 12 MARCO ANTONIO COLLARES consonância com esse viés de leitura, ainda mais se considerarmos as transformações em curso no momento da constituição dos mesmos. afinal, se qualquer relato histórico é elaborado mediante concepções subjetivas sobre o passado, ou seja, sob a interpretação do autor, tal como sugerido por certeau, estamos diante de representações vincu- ladas a sua respectiva conjuntura. nesse ponto, devemos levar em conta as importantes contribuições de Gilvan Ventura da silva (2001, p.34) a respeito de as ideologias não se constituírem somente como “falsas interpretações da realidade, mas também como imagens esquemáticas da ordem social, responsáveis por manter ou difundir determinado padrão de comportamento frente a novos acontecimentos que irrompem com o instituído”. os relatos históricos como representações do passado podem servir, assim, como referências seguras e aparentemente consolidadas diante das transformações em curso no momento de sua constituição, influen- ciando as condutas e os comportamentos alheios dos leitores, o que não significa necessariamente a difusão de uma falsa projeção da realidade, com o objetivo de ofuscá-la ou manipulá-la (chartier, 1990, p.22-3). nesse sentido, as representações dispostas nas narrativas possuem um importante papel em momentos de transição (Baczcko, 1985, p.314-5), pretendendo “servir inadvertidamente como eixo fundamental entre o poder constituído e o restante da sociedade, sintonizando a ação de novos governantes com as aspirações de seus governados” (Mendes & silva, 2001, p.242). todas essas argumentações conceituais são levantadas a fim de chegarmos à consideração de que a obra de tito lívio sobre roma e suas instituições foi produzida em um momento em que emergia no cenário dos acontecimentos políticos um novo regime que deu termo à antiga república. Diante da concentração de poder perpetrada por otávio augusto, filho adotivo e herdeiro de Júlio césar, uma nova ordem política foi estabelecida, ainda sustentada pela ideia de que havia continuidades com a ordem precedente, alicerçada pelo conjunto de costumes ancestrais denominado pelos romanos de mos maiorum. em torno dessas transformações que romperam com o instituído, mas que não descaracterizaram completamente suas bases, lívio REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 13 projetou uma narrativa histórica aparentemente validada pelos mores, constituindo, no entanto, exemplos de um passado projetado segundo anseios, demandas e expectativas próprias. Pedro Paulo Funari (2003, p.16) defende que o autor romano descreveu os eventos de outrora segundo a subjetividade inevitável do relato histórico. assim, lívio teria realizado um empreendimento narrativo ainda mais elevado do que a simples descrição de eventos circunscritos às tradições ancestrais, explicando o passado em vez de apenas relatá-lo (idem, p.17). como veremos ao longo deste texto, os próprios enunciados inscritos no prefácio da Ab Urbe Condita sugerem os objetivos do autor em torno do passado como referência para as transformações processadas em seu presente, incluindo aquelas da esfera política. em nossa opinião, as afirmações recentes de Breno Batttistin sebastiani (2007, p.91) quanto ao fato de a obra liviana redimensionar questões dessa ordem diante da centralização que acabou com a liberdade de ação dos integrantes da nobilitas não dão conta das características essenciais da narrativa. a escrita de lívio enquanto empreendimento retórico e morali- zante constituiu-se em uma escrita histórica como relação de valores nos moldes desse tipo de empreendimento sugerido por Paul Veyne (1998). sua obra, estruturada a fim de demarcar exemplos do passado, objetivava estabelecer normas de conduta para seus leitores, mesmo que se tratasse de um conjunto reduzido de indivíduos da sociedade romana. concomitantemente, o autor reconstruiu o passado segundo informações e demandas contextualizadas, de acordo com as trans- formações de sua época, incluindo os fatos da esfera política. em outras palavras, se qualquer historiador, em sua vontade de conhecer o passado, processa indelevelmente construções arbitrárias dos even- tos pregressos, a escrita liviana tinha em tal elaboração sua principal característica, independentemente de o autor ter ou não um maior grau de consciência na construção de seu relato. se formos considerar as representações de lívio referentes ao senado, tomando como base tais perspectivas, muitos episódios tra- tados pelo autor não seriam apenas relatos fidedignos das atribuições tradicionais do conselho, mas, talvez, prerrogativas que deveriam continuar a fazer parte do metier político senatorial. além do mais, o 14 MARCO ANTONIO COLLARES papel do conselho esboçado na narrativa poderia ser parte da mescla entre tempos distintos, ou seja, a demarcação das funções da instituição ao início do principado. Historiadores como John Moles (1993), Gary Miles (1995) e an- drew Feldherr (1998) argumentam que o empreendimento liviano seria o resultado de uma monumentalização do passado, uma forma segura de o autor conferir autoridade à obra, na medida em que a mesma era tida como um objeto de contemplação pública diante de indivíduos que conheciam os assuntos reportados. nesse sentido, ao representar o senado, lívio tinha como referendar suas afirmações, pois ele e seus leitores, incluindo os integrantes da aristocracia, provavelmente conheciam os afazeres do conselho. a partir de todas essas considerações preliminares, efetuamos, na pesquisa, uma análise aprofundada das representações livianas sobre o senado, como veremos, uma instituição que se manteve hegemônica1 durante a maior parte do regime republicano, mas que perdeu muito de suas prerrogativas ao término das guerras civis, o que não significou, porém, sua abstenção completa na esfera política, em alguns casos servindo como sustentáculo da legitimidade do imperador. exatamente pela estreita relação do texto liviano com esse amplo contexto de transformações políticas que romperam com o instituído, mesmo sem transfigurar completamente as bases de sustentação do regime republicano, empreendemos, no primeiro capítulo, uma leitura contextualizada do senado frente às mudanças. tratamos, portanto, das prerrogativas concedidas ao conselho dos nobres durante o antigo regime, chegando às transformações processadas diante da instituição do principado. 1 segundo norberto Guarinello (1994, p.18) o termo grego hegemonia significava liderança, ganhando outras conotações diante do fortalecimento de atenas com a liga de Delos, passando a ser indicada por arkhé, uma relação de poder mais intensa do que a anterior. Mesmo que ambos os termos sejam utilizados para explicar o relacionamento entre diferentes povos e cidades-estados da antiguida- de, consideramos viável o emprego do conceito de hegemonia para exemplificar a autoridade política superior do senado em relação às demais instituições da república romana. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 15 Keith Jenkins (2005, p.78) sugere que, em vez de os historiadores tentarem conhecer o passado em sua totalidade e exatidão, como teria ocorrido, seria preferível efetuarem construções parciais acerca desse mesmo passado mediante a apropriação das leituras de outros estu- diosos especializados. seguindo essa linha de raciocínio, destacamos algumas construções interpretativas sobre os pilares de sustentação do poder político de otávio augusto, para, em seguida, esboçarmos o papel do senado frente à figura do imperador. Por intermédio desse trabalho de contextualização, amparado por documentos textuais de outros autores da antiguidade, chegamos a uma definição quanto às atribuições do conselho dos nobres e às prerrogativas que a instituição manteve e perdeu com a centralização do poder. em outras palavras, construímos nossa própria interpretação sobre o regime dos césares e o senado imperial. logo em seguida, no segundo capítulo, tratamos do texto liviano, mais especificamente das características nodais de sua narrativa, bre- vemente esboçadas aqui. Por meio da leitura crítica da historiografia, efetuamos o tratamento documental da Ab Urbe Condita, explicando a trajetória de análises direcionadas à obra desde o final do século XiX até nossos dias. como veremos, os últimos estudos dedicados à obra, particularmente aqueles produzidos a partir das décadas de 1980 e 90, direcionaram seu foco quase exclusivamente às representações do autor, ou seja, à forma como relatou e explicou o passado romano. em razão de nos posicionarmos nessa mesma direção, tratamos primeiramente do sujeito da enunciação, tito lívio, partindo dos breves momentos em que outros autores antigos e historiadores mo- dernos discorrem sobre sua vida. Mediante tal leitura, abordamos a forma como o romano foi representado, relacionando sua escrita com outros textos da época, sejam as narrativas das tradições genuinamente romanas, como a chamada analística, sejam os escritos dos principais representantes do gênero historiográfico da antiguidade: Heródoto, tucídides e Políbio. ainda amparados pelas informações da historiografia especializa- da, dedicamos parte do capítulo à estruturação e ao conteúdo original da Ab Urbe Condita, considerando não terem chegado a nossos dias 16 MARCO ANTONIO COLLARES todos os livros do seu conjunto original, incluindo aqueles livros que tratavam dos eventos de sua própria época. a seguir, analisamos o prefácio da obra, já que lívio demarcou nesses enunciados suas pre- tensões, posicionando-se em relação ao seu empreendimento. como bem colocado por Moles (1999), “lívio acentuou no prefácio seus propósitos historiográficos, sem falar nos benefícios que os leitores teriam ao entrar em contado com a obra”. Depois, tratamos da datação da narrativa, esboçando também as possíveis relações da obra com a figura do primeiro imperador. Posicionamo-nos quanto ao relacionamento de lívio com augusto, já que há controvérsias na historiografia quanto a ser o autor adepto ou não do novo regime. em outras palavras, dedicamos o conjunto do segundo capítulo às múltiplas visões historiográficas da obra liviana, o que inclui nossa própria visão. Por fim, no último capítulo, empreendemos a análise das represen- tações de lívio sobre o senado, mais detidamente nos enunciados dos livros 21 a 30. como primeira justificativa para tal escolha, ressaltamos o fato de o conjunto em questão tratar de um único evento da história romana, a segunda Guerra Púnica. em razão de não possuirmos livros originais da obra com relatos sobre a própria época de lívio, obrigamo-nos a recorrer a conjuntos que tratam de acontecimentos mais distanciados da história da Urbs, o que nos leva a ressaltar no- vamente a importância de uma leitura crítica das representações do autor sobre o passado. a julgar pelas informações de christina Kraus (1994) e Mary Jaeger (2000), no contexto tardo-republicano que precedeu ao ad- vento do principado, existia um crescente temor entre os cidadãos romanos quanto a uma possível queda de roma diante das crises civis, um tema encontrado também na parte da narrativa liviana que trata da invasão da itália pelo comandante cartaginês, aníbal. esse trecho reveste-se de extrema importância, se considerarmos que, no contexto de lívio, otávio augusto perpetrou sua declaração de guerra contra cleópatra e antônio, culminando na batalha de Ácio de 31 a. c., sugerindo uma vinculação estreita entre conflitos internos e externos (cf. eder, 2005). REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 17 De acordo com as informações da historiografia, a relação entre crise civil e guerra externa aparece muitas vezes no interior da narrativa liviana. segundo Miles (1995, p.75-109), no entender do historiador romano, as discórdias internas seriam as causas responsáveis pelas mais conhecidas derrotas de roma frente a seus inimigos. sua contra- parte positiva, a concórdia, também bastante mencionada por lívio,2 estaria relacionada aos sucessos político-militares da república, bem como à elevação da autoridade legítima das lideranças romanas e suas instituições (cf. Vasaly, 1997, p.204-5). na opinião de Bernard Mineo (1997, p.114), na narrativa liviana, existiria uma dialética da concórdia e da discórdia: a primeira vincu- lada à busca do consenso e, consequentemente, da vitória militar; a segunda, aos possíveis fracassos da comunidade nesse mesmo campo. em outras palavras, a concórdia, na visão de lívio, estaria diretamente relacionada à supremacia de roma frente aos demais povos conhecidos, servindo inadvertidamente para a perpetuação da expansão territorial do império romano (cf. Mineo, 1998, p.128). como veremos, a concórdia institucional foi ressaltada pelo próprio Princeps em suas Res Gestae, aparecendo, também, como um impor- tante valor para lívio. o historiador e otávio augusto não eram os únicos a valorizá-la, o que fica claro pelo fato de outros autores romanos da antiguidade igualmente manifestarem preocupações quanto ao relacionamento harmonioso entre ordens, grupos ou instituições da Urbs, apesar de isso não significar qualquer igualdade jurídica ou civil entre os cidadãos (cf. Hellegouarc’h, 1972, p.126). em sua De República (livro 1, cap.32), o orador Marco túlio cícero expressou a importância da concórdia para a comunidade política, afirmando que ela só era possível quando todos os interesses estavam em comunhão. segundo robert Brown (1995, p.292), a concórdia, para romanos do porte de cícero e lívio, seria uma espécie de condição ideal para a ordem no interior da Urbs, um elemento de agregação entre 2 nesse ponto, Juliana Bastos Marques (2008, p.71) coloca que a concordia aparece explicitamente no texto liviano 48 vezes e, ainda, está implícita nos exemplos positivos de conduta do passado. 18 MARCO ANTONIO COLLARES diferentes indivíduos ou grupos, incluindo cidadãos e não-cidadãos, homens e mulheres, senhores e escravos. na opinião de Marques (2008, p.73), existem diferentes instâncias de concórdia no texto liviano, podendo se apresentar como exemplos de bom relacionamento entre patrícios e plebeus (concordia ordines), magistrados e soldados, ou mesmo entre indivíduos eminentes da república e suas instituições, incluindo-se aqui o senado. além disso, devemos ressaltar também que a invasão de aníbal à península itálica tornou-se um evento marcante para os romanos, não somente entre aqueles que a presenciaram, mas também entre os con- temporâneos de lívio (Jaeger, 2000). tal como no tempo das guerras civis do último século da república que precederam a consolidação do principado, roma esteve perto de ser destruída, na concepção de seus cidadãos. assim, independentemente da distância cronológica entre os eventos ou mesmo da diferença entre suas causas e naturezas, consideramos que tanto a segunda Guerra Púnica do século iii a. c. quanto as guerras civis do século i a. c. possuem aspectos análogos em torno dos temores ulteriores dos romanos quanto à ruína da Urbs e dos sacrifícios empreendidos por eles no intuito de superá-la. em torno da supracitada relação existente, nos escritos de lívio, entre crise civil e guerras externas, efetuamos uma análise específica sobre suas opiniões acerca do senado. Procuramos entender como o romano representa a autoridade senatorial (auctoritas patrum) diante de um evento limite, ou seja, a relação do conselho com os importantes temas da concórdia e da discórdia, principalmente frente aos magis- trados instituídos do passado, tenham sido eles cônsules, ditadores, pretores, pró-magistrados ou Princeps senatus. além disso, analisamos no capítulo as atribuições dadas pelo autor ao conselho dos nobres, isto é, seus afazeres. em outras palavras, direcionamos nosso olhar para as condutas do conselho dos nobres representadas na obra e para as responsabilidades dadas pelo autor à instituição senatorial durante eventos marcantes do passado. É importante ressaltar que ao efetuarmos um estudo das represen- tações livianas sobre o senado, tomando como base exemplos extraídos do passado, não sugerimos que, por meio da análise contextualizada REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 19 das mesmas, estaremos em condições de definir precisamente todas as atribuições do conselho sob o principado. não podemos cometer o equívoco de negar a exatidão do passado relatado por lívio e, depois, pretender encontrar a exatidão de seu contexto pela análise especifica de trechos da Ab Urbe Condita. a esse propósito, novamente certeau (1975, p.45) esclarece que as afirmações de indivíduos que vivenciaram um momento histórico qualquer – o passado, para nós – apenas deixam vestígios daqueles tempos, em função de suas experiências e conhecimentos pessoais, o que não significa estarem os mesmos indivíduos em condições de expressar a totalidade de sua conjuntura. Da mesma forma, Jörn rüsen (2001, p.100) esclarece que as sentenças dos historiadores possuem autoridade entre seus contemporâneos em razão daqueles constituírem-nas mediante vestígios extraídos do passado. assim, se tito lívio, alicerçado no mos maiorum e na monumenta- lização dos eventos de outrora, deu credibilidade a seus relatos sobre roma, devemos considerar o fato de não se tratarem de exemplos fidedignos dos acontecimentos pregressos, mas de construções per- petradas pelo autor. Da mesma forma, ao desconstruir seu texto, na tentativa de compreender as suas representações contextualizadas, não estamos sugerindo que elas expressam a totalidade daquilo que estava ocorrendo em seu próprio momento histórico. o senado inscrito na narrativa liviana parece-nos uma projeção do autor, mesmo que fale de elementos existentes no senado de seu tempo. como bem enfatizado por chartier (1990, p.19), “as representações do mundo social são determinadas pelos interesses e concepções de mundo dos indivíduos que descrevem suas sociedades como pensam que são ou como gostariam que fossem”, o que afasta qualquer pre- tensão de encontrarmos a verdade sobre o senado do principado na narrativa liviana. 1 construções interpretAtivAs sobre senAdo e principAdo romAno O senado republicano e a crise de autoridade no último século da República antes de efetuarmos uma análise especifica das representações de tito lívio sobre o senado, nós precisamos explicar a organização do conselho, suas funções e prerrogativas políticas. como referimos anteriormente, ao representar o senado em sua narrativa, lívio pode ter mesclado características da instituição de sua época com aquelas do período republicano, o que significa que só podemos tratar de tal construção mediante a compreensão da historicidade do senado: um conselho que fora politicamente hegemônico durante a república, mas que teve sua autoridade questionada no processo das guerras civis. tradicionalmente, o senado é representado como um órgão consulti- vo, tanto dos antigos reis dos tempos da monarquia, quanto dos magis- trados republicanos, referendando as decisões tomadas pelos mesmos, bem como aquelas do populus romano, organizado em comícios (comitia) e assembleias; um “conselho de nobres” dos patres conscript (cf. rougé, 1969, p.51; Mendes, 1988, p.30; linntott, 1999, p.65). com o advento da república, o senado passou a exercer outras tantas prerrogativas políticas, tornando-se uma das principais ins- tâncias de debates públicos da cidade. era na cúria senatorial, situada 22 MARCO ANTONIO COLLARES no Fórum em frente à praça dos comícios da plebe (Gaillard, 1996, p.48), que senadores e cônsules deliberavam antes de proporem leis (leges) aos cidadãos, local onde eram também recebidas as delegações estrangeiras, realizados os tratados diplomáticos e mediados os con- flitos internos de roma (cf. rowe, 2002, p.42). além disso, o senado tinha como função específica o controle do Aerarium Saturni, das receitas e despesas da administração pública, uma espécie de poder executivo do regime republicano (cf. nicolet, 1979, p.357-92; Baceló & catania, 2003, p.92).1 segundo Henrik Mouritzen (2004), há uma tendência recente de estudiosos latinistas, entre os quais podemos citar Fergus Millar (1984), que tem procurado resgatar o papel da plebe urbana na política republicana, defendendo indiretamente que a aristocracia (patrícia e depois nobilitas), incluindo-se suas instituições, apesar de concentrar a maior parte das prerrogativas referentes ao controle político da Urbs, possuía limites precisos em suas atribuições, as assembleias e os co- mícios constituindo assim o verdadeiro cerne do regime, nos quais a vida política gravitava. em nossa opinião, a prerrogativa de referendar o poder dos magistrados, incluindo aqueles munidos de imperium, exemplifica a autoridade superior do senado republicano. na opinião de J. s. richardson (1991), a eleição para o consulado conferia o direito de execução das duas principais atribuições do poder político sob o regime, o direcionamento da guerra e a proposição das leis, sendo o imperium, usualmente traduzido por “direito de comando”, a re- presentação máxima dessas prerrogativas. Mas tais atributos não se adquiriam somente por meio dos comícios por centúria, mas também pela aceitação dos aristocratas romanos, incluindo-se o aval do sena- do, a ritualização da investidura mediante a tomada dos auspícios e 1 tito lívio, no seu livro primeiro, menciona que desde a monarquia, o senado era o conselho responsável por ratificar os nomes dos pretendentes ao trono. ele expressa representações de seu próprio contexto histórico ao afirmar que o senado conservara o direito de ratificar as leis votadas nos comícios, bem como os nomes dos magistrados eleitos, o que constituiria, segundo suas palavras, mera formalidade (Ab Urbe Condita, livro 1, cap.17). REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 23 a exaltação social de certos atributos particulares, como auctoritas e dignitas (cf. richardson, 1991, p.3-4).2 no decorrer do século iV a. c., o imperium dos cônsules e pretores podia ser prorrogado (prorrogatio) mediante ratificação do senado após votação nos comícios centuriatos, sugerindo desde já a existência dos chamados pró-magistrados (Brennan, 2004, p.39). segundo t. corey Brennan (2004, p.40), a partir do século ii a. c., tornou-se comum aos magistrados cum imperium delegar comandos menores para seus próprios subordinados, principalmente diante do aumento das frentes de batalhas ocasionadas pela expansão territorial do período. se considerarmos as re- presentações de Júlio césar, caberia ao senado a ratificação final dos nomes para as pró-magistraturas republicanas, o mesmo valendo para a prorro- gação daqueles comandantes que já estavam efetivados nas províncias.3 em seus comentários sobre as guerras civis, césar (Bellum Civile, livro 1, cap.2) explica que fora o conselho dos patres quem prorrogara o pró-consulado da Hispânia para Pompeu, bem como seu próprio pró- consulado da Gália, ressaltando também as exigências dos senadores para que ele próprio licenciasse suas tropas e deixasse seu comando militar em 49 a. c.. seu texto remete a um contexto específico, qual seja, o das crises civis do século i a. c., mas também demarca o papel tradicional do senado como a instituição responsável por conceder e retirar comandos militares excepcionais por meio de decretos, também chamados de senatus consultum (adcock, 1959, p.55; rougé, 1969, p.53; talbert, 1984, p.303-8).4 o próprio tito lívio (Ab Urbe Condita, livro 30, cap.1), ao tratar da travessia de Públio cornélio cipião para a África a fim de enfrentar 2 Desde a Lex Curiata de Império, a formalidade do consulado começava pelas eleições nos comícios centuriatos, seguida da tomada dos auspícios, na qual o cônsul prestava seus votos (votum) à tríade capitolina, efetuando igualmente o sacrifício ritual para Júpiter Optimus Maximus (cf. sheid, 2005, p.185.) 3 Fergus Millar (1984, p.3) explica que os comandantes provinciais poderiam ser retirados de suas funções por meio de decretos senatoriais, o mesmo valendo para plebiscitos votados nas concilia plebis mediante propostas dos tribunos. 4 Utilizamos neste livro o termo senatos consultum tal como encontrado na docu- mentação textual de tito lívio. 24 MARCO ANTONIO COLLARES aníbal durante a segunda Guerra Púnica, relata que o romano teria tido seu comando militar prorrogado pelo senado diante da necessidade de a Urbs finalizar uma guerra que se arrastava por 16 anos. Políbio (Historias, livro 6, cap.16), por sua vez, ao relatar a mesma guerra em meados do século ii a. c., afirmara ser o senado o órgão responsável por sancionar os comandos militares dos magistrados e pró-magistrados republicanos, prorrogando suas atribuições ou até mesmo substituindo os últimos, caso considerasse necessário: o cônsul, ao partir com seu exército, investido pelo povo e pelo senado, parece ter realmente autoridade absoluta nos assuntos relacionados à realiza- ção de seus empreendimentos; em verdade, porém, ele depende do beneplá- cito do povo e do senado, e não é capaz de levar as operações até o fim sem a colaboração de ambos, pois obviamente as legiões necessitam de suprimen- tos [...]. o cônsul também depende de o senado fazer com que realize ou não suas aspirações e seus projetos, pois os senadores têm o direito de substituí- lo ou de prorrogar seu comando uma vez terminado seu mandato anual.5 no mesmo livro 6 de suas Historias, Políbio apresenta o senado como uma corte de justiça em casos de crimes de traição, assassina- to, conspiração e envenenamento, aparecendo ainda como o órgão diplomático da república, responsável por receber as embaixadas estrangeiras, declarar formalmente a guerra e assinar os tratados de paz com outros povos (idem, cap.15). Foi ainda nesse livro que Po- líbio elaborou sua conhecida interpretação a respeito da constituição mista republicana, responsável, segundo ele, pelo sucesso da expansão territorial da Urbs. o historiador grego vislumbrou o senado como a manifestação política do poder aristocrático, tendo por oposição o poder monárquico dos cônsules e o poder democrático inscrito nas assembleias populares (cf. nicolet, 1964, p.13-4). não podemos deixar de acentuar, entretanto, à luz das considera- ções de Mouritzen (2004, p.6) que a abordagem polibiana, apesar de imprescindível para o entendimento da política romana, é eminen- 5 extraído do texto traduzido por Mário Gama Kurt. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 25 temente formalista, já que sublinha as estruturas institucionais da república em detrimento do funcionamento prático das atividades políticas. além disso, como bem colocado por David shotter (1991, p.7), o historiador grego exaltou o sistema romano e a divisão de po- deres entre magistrados, senado e assembleias, mas falhou em atribuir a tais elementos a plena estabilidade do regime. segundo a perspectiva desse pesquisador, a funcionalidade da república era garantida pelo domínio tradicional da nobilitas no senado, representada pela auctoritas patrum ou senatus, uma espé- cie de autoridade colegiada superior (adcock, 1959, p.68; nicolet, 1964, p.21; Mendes, 1988, p.31), em razão de a instituição controlar os demais poderes republicanos sem ter necessariamente uma base legal que atestasse tais prerrogativas (cf. shotter, 1991, p.8). Para Karl Galinsky (1995, p.15), cícero, deveras preocupado em restabelecer a autoridade do senado diante das crises civis de sua época, teria de- finido a auctoritas patrum senatorial como o fundamento da ordem e da governabilidade da república. as representações do orador são relevantes aqui porque expressam o sentido dado ao conceito da auctoritas enquanto força simbólica de uma pessoa, grupo ou instituição específica no ato de tomar decisões e igualmente sancioná-las (cf. Petit, 1969, p.35). segundo as considera- ções de andrew Wallace-Hadrill (1997, p.3-22), a auctoritas individual dos membros da aristocracia romana (principalmente a nobilitas) estava vinculada à obtenção de cargos institucionais e à exaltação dos feitos dos antepassados que integraram magistraturas importantes, um atributo que dependia do emprego de instrumentos de poder que se mostrassem benéficos à comunidade política. tais instrumentos relacionavam-se à demarcação de outros tantos significantes-chaves da linguagem política romana, tais como as vir- tudes cívicas (virtus), as realizações individuais (meritum), a gratidão (gratia), a honra (honor), a dignidade pessoal (dignitas), o senso de dever (officium), de clemência (clementia) e a piedade filial para com os deuses (pietas) (cf. Deviault, 1996, p.60; eck, 2007, p.3).6 6 tais conceitos devem ser levados em conta ao se estudar as práticas políticas das 26 MARCO ANTONIO COLLARES novamente, Galinsky (1995, p.15-6) explica que a auctoritas não era sustentada somente pela autoatribuição de todos esses valores, mas por qualidades testadas e reavaliadas socialmente, referindo-se ao status de um cidadão perante os demais (cf. Funari, 2001, p.118). nesse sentido, a auctoritas patrum do senado era a exaltação e, ao mesmo tempo, a aceitação social das qualidades e funções do colegiado enquanto a mais influente instituição republicana, a instância superior das decisões públicas, responsável por verificar propostas e aconselhar os magistrados, vetar e/ou validar as leis aprovadas nos comícios, apresentar moções por meio de senatus consultum e, principalmente, resguardar os costumes ancestrais, o mos maiorum (adcock, 1959; rougé, 1969; chastagnol, 1992). como bem exemplificado por Móses Finley (1983, p.67), o próprio cícero, ao sentenciar os partidários de catilina na tentativa de conju- ração de 63 a. c., fez questão de ressaltar que teria agido não somente com sua autoridade de cônsul, mas, igualmente, com o aval da aucto- ritas patrum do senado, isto é, o pleno consentimento da instituição senatorial. o orador teria definido tal autoridade desde a expulsão dos reis etruscos nestes termos: [...] nessas condições, mantinha o senado à república, naqueles tem- pos em que, num povo tão livre, pouco pelo povo e muito pelos costumes e pela autoridade do senado, a república se regia; os cônsules exerciam uma potestade temporal e ânua, mas régia pelas suas prerrogativas e natureza. conservava-se o mais essencial, que consistia em que nada pudesse aprovar daquilo que resolvesse junto ao povo sem que os nobres no senado, com sua autoridade, o sancionassem (cícero, Da República, livro 2, cap.32).7 sociedades antigas. segundo Pedro Paulo Funari (2001, p.117-32), é fundamental para o historiador compreender os campos semânticos que legitimam as autori- dades constituídas dessas respectivas sociedades. 7 Genuit igitur hoc in statu senatus rem publicam temporibus illis, ut in populo libero pauca per populum, pleraque senatus auctoritate et instituto ac more gererentur, atque uti consules potestatem haberent tempore dumtaxat annuam, genere ipso ac iure regiam, quodque erat ad obtinendam potentiam nobilium vel maximum, vehementer id retinebatur, populi comitia ne essent rata nisi ea patrum adprobavisset auctoritas. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 27 outro exemplo que demonstra a autoridade superior do conselho pode ser evidenciado pela ratificação do sacerdote de Júpiter (Flamen Dialis) após verificação da lista de três nomes organizada pelo Pontífice Máximo (cf. sheid, 2005, p.188). o senado apresenta-se também como uma das instituições respon- sáveis pela manutenção da pax deorum (concórdia com os deuses), com a primazia de convocar o colegiado dos decênviros para interpretar os livros do destino (livros sibilinos) quando algum prodígio negativo necessitava de rituais expiatórios (idem, p.191). o senado republicano era ainda responsável pela admissão de cultos estrangeiros no interior do pomerium, colocando-se como o tutor das tradições religiosas e dos cultos ancestrais (cf. talbert, 1984, p.329). além disso, cabia ao conselho conceder ou não a primazia dos triunfos solenes para aqueles comandantes militares que derrotavam inimigos estrangeiros, uma honraria que servia para supervalorizar a auctoritas dos magistrados cum imperium (cf. Gailard, 1996, p.56). outro encargo importante estava circunscrito à ratificação final do nome do ditador, magistrado excepcional escolhido pelos comícios centuriatos após indicação prévia de um dos cônsules em exercício (oakley, 2004, p.17). Quando ocorria a morte dos magistrados supe- riores, o conselho poderia, ainda, instituir um interregno (interregnum) de cinco dias antes da convocação de novas eleições, uma atribuição que, segundo a tradição romana, existia desde o período monárquico (cf. adcock, 1959, p.33; rougè, 1969, p.53). Mesmo que o senado só pudesse se reunir após convocação (convocatio) de magistrados superiores, sendo comumente presidido pelos cônsules, esses não poderiam prescindir da autoridade de seus membros, até porque eles empreendiam suas campanhas militares a partir de uma política de guerra elaborada pelos próprios senadores (cf. adcock, 1959, p.67). segundo stephen oakley (2004, p.21), a nobreza romana e sua principal instituição foram bem sucedidas em controlar seus magistrados antes do século i a. c., incluindo os tribunos da tradução livre do autor a partir da tradução para o inglês de Jonathan Powell e niall rudd. 28 MARCO ANTONIO COLLARES plebe, o que demonstraria a força política do conselho na maior parte do período republicano. exatamente por tal motivo, um dos elementos que melhor atestam essa proeminência são seus senatus consultum (consultas ao senado), fixados no Aerarium Saturni dez dias após a deliberação dos senadores referente a uma proposta consular (corbier, 1960, p.674-82). na opi- nião de richard talbert (1984, p.303) tratava-se tanto dos decretos do senado após consulta formal de um dos cônsules em exercício, quanto de moções apresentadas por algum senador para posterior apreciação dos demais. os decretos eram produzidos mediante a justificativa de controlar propostas de leis consulares pouco moderadas. (cf. shotter, 1991, p.108; linttot, 1999, p.85-6).8 após serem depositados no aerarium, tais decretos, inscritos em tabletes de madeira (tabulae), tornavam-se documentos públicos. segundo norma Musco Mendes (2006, p.35), eles eram uma das principais fontes de direito da república; na opinião de Paul Petit (1989, p.118), uma prerrogativa instituída apenas sob o regime dos césares. entretanto, como nos lembra talbert (1984, p.304), não somente os decretos eram publicados em forma de éditos – em geral iniciado pelo nome dos cônsules em exercício –, mas igualmente as opiniões proferidas a cerca das respectivas decisões e os motivos que levaram os senadores a apresentá-las, levando-nos a concordar com a perspectiva de uma natureza legislativa para os decretos desde o período republicano.9 ao final do século ii a. c. e início do século seguinte, o senado passou a adotar uma prerrogativa denominada de senatus consultum ultimus, que consiste em um tipo de decreto excepcional vinculado às discórdias civis iniciadas após as tentativas de reformas dos irmãos 8 oakley (2004, p.21) comenta ainda que tanto as leges dos cônsules quanto os plebiscitos das assembleias da plebe passavam pelo aval dos senadores, sendo cada vez mais comum decretos senatoriais serem originados nessas assembleias por meio das proposições dos tribunos da plebe. 9 talbert (1984, p.329) coloca ainda as dificuldades em estabelecer um padrão para os decretos do senado, já que estes se referiam a uma variedade de assuntos relacionados às propostas dos cônsules e dos pretores. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 29 Graco. Por meio desses decretos, os senadores poderiam considerar qualquer cidadão uma ameaça à república, o que ocasionava a perda de seus direitos civis e políticos (canfora, 2002, p.160). Finley (1983, p.14) considerou tal prerrogativa uma aberta violação dos tradicionais procedimentos punitivos contra os cidadãos romanos, uma anomalia que distorceu a substância política do antigo regime. as considerações do autor parecem pertinentes já que a maioria dos casos atestados situa-se entre 122 a. c. e 43 a. c., auge das discórdias civis republicanas. a esse propósito, Finley (idem, p.15) adverte que o problema estava no fato de o senado ter se identificado demasiadamente com a república, arrogando-se o direito de determinar quando havia um estado de emergência ao atuar abertamente em nome dos interesses de seus membros e não dos interesses da comunidade política. em nossa opinião, tal distorção ocorreu devido ao problema de legitimidade pelo qual passou a nobreza romana e sua principal insti- tuição ao longo do período tardo-republicano – a crise de autoridade das elites dirigentes, à qual alude Wallace-Hadrill (1997). em razão da incapacidade de o conselho exaltar sua autoridade superior perante os demais cidadãos, principalmente ante a ascensão política dos tribunos da plebe e dos líderes militares do período, os senadores utilizaram poderes excepcionais para tentar manter uma hegemonia política ameaçada (shotter, 1991, p.10). não podemos esquecer que, após as frustradas tentativas de refor- mas dos Graco, emergiram no seio das elites dirigentes romanas duas tendências ideológicas vinculadas aos problemas socioeconômicos do século i a. c. (cf. Polo, 1994, p.83). De um lado, encontravam-se os chamados líderes populares, defendendo políticas voltadas para a plebe e para os proletari urbanos, políticas essas caracterizadas pela concessão de terras públicas na Península itálica (ager publicus) e pelo fortalecimento de instituições ligadas à plebe, tais como o tribunato e as assembleias populares (cf. nicolet, 1964, p.41; Baceló & catania, 2003, p.93). Do lado oposto, encontravam-se indivíduos que se autodenomi- navam de boni, optimos ou optimates, os “homens honestos”, segundo cícero. esses indivíduos teriam uma auctoritas e dignitas superior, o 30 MARCO ANTONIO COLLARES que os diferenciava dos demais cidadãos romanos, em razão de sua eloquência (optimus orator), sua ascendência jurídica e sua equidade nos assuntos da república (cf. Polo, 1984, p.77). na opinião de salústio (Catilina, cap.38) os optimates seriam aqueles integrantes da aristo- cracia que defendiam a preponderância da instituição senatorial em detrimento dos demais poderes republicanos, diferenciando-se, assim, dos populares e também da nobreza, que aspiravam ascender politica- mente por intermédio de concessões à plebe e às massas proletárias. christian Meier (1984, p.60) e norbert rouland (1997, p.285) ressaltam que os dois grupos não se constituíram jamais em par- tidos organizados no sentido moderno do termo, com lideranças incontestes e programas de governo, entendidos mais como rótulos ideológicos de ocasião, possuindo em suas fileiras magistrados e ex-magistrados. Francisco Pina Polo (1984, p.92) coloca que essas facções não foram parte de nenhum esforço teórico por parte de políticos eminentes para criar qualquer programa, mas, sim, visões divergentes sobre a melhor maneira de gerenciar os problemas tardo- republicanos.10 a esse propósito, podemos atestar que césar chegou a expressar sua posição vinculada aos populares, afirmando que não desejava adquirir qualquer cargo extraordinário com suas ações militares, mas defender o poder dos tribunos da plebe, seus direitos de intercessão e veto, bem como as leis aprovadas nas assembleias da plebe (Bellum Civile, livro 1, cap.32). no contexto das crises civis de sua época, com a tomada de po- sicionamento dos optimates em torno da preponderância política da instituição senatorial, seus membros tornaram-se incapazes de se apresentar como genuínos defensores das tradições ancestrais roma- nas. como nos lembra claudio carlan (2009, p.32), era mais fácil aos cidadãos prestar lealdade aos líderes militares responsáveis pela distribuição de soldos e espólios de guerra a seus próprios legionários 10 na opinião de Polo (1984, p.78), as duas tendências ideológicas possuíam seus respectivos demagogos, mas os integrantes de ambos os grupos se apresentavam em nome dos interesses públicos, não sendo, portanto, uma mera disputa pelo poder político. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 31 do que demonstrar qualquer fidelidade à república e “ao mármore frio do senado”.11 Podemos observar melhor esse processo de perda relativa de legi- timidade do conselho dos patres ao compreendermos a organização da respectiva instituição, o que nos leva à apropriação do processo de transformações pelo qual passou o senado durante o último século da república, principalmente diante da ascensão dos líderes militares aos quais nos referimos acima. composto inicialmente de cem membros, o efetivo do senado, a julgar pela tradição escrita, foi ampliado para trezentos indivíduos no início da república (tito lívio, Ab Urbe Condita, livro 2, cap.1), todos com mandatos vitalícios (Brunt, 1984; chastagnol, 1992). tal efetivo era renovado a cada cinco anos pelos censores – magistrados responsáveis pelo lustrum, o recenseamento dos cidadãos romanos. esse recenseamento não era somente o census civium ao qual cada cidadão era alocado em uma das cinco classes censitárias de acordo com seu patrimônio pessoal, mas também o lectio senatus, ou seja, a fixação dos nomes daqueles indivíduos que possuíam os pré-requisitos necessários para adentrar no conselho dos patres, o chamado álbum senatorial (cf. chastagnol, 1992, p.15). em geral, a lista começava pelos membros ainda vivos que figura- vam no álbum precedente, dos indivíduos mais velhos aos mais novos (mínimo de trinta anos), tendo por critério de preferência os ocupantes das magistraturas mais elevadas às menores: a censura, o consulado, a pretura, o edilato e a questura, pré-requisito mínimo para o acesso à cúria (cf. talbert, 1984, p.3; chastagnol, 1992, p.16). Peter Brunt (1992, p.1-2) coloca que theodor Mommsen teria definindo pelo me- nos uma das magistraturas curiais como necessárias para a admissão no senado, o que inclui os cargos de cônsul, edil curul, ditador e magister equitum (mestre da cavalaria). 11 rouland (1997, p.229) ressalta a dedicação dos soldados a seus chefes militares e não mais ao regime político republicano, ainda mais depois da reforma de Mario nos exércitos. o estudioso afirma ainda que césar prometeu aos seus próprios soldados que ascenderiam ao senso equestre mínimo de 400.000 sestércios logo após as guerras das Gálias. 32 MARCO ANTONIO COLLARES claude nicolet (1976, p.23) e talbert (1984, p.4) destacam por sua vez que, nos séculos iii e ii a. c., um dos principais pré-requisitos para a entrada no senado era o censo equestre estipulado em 400.000 sestércios. segundo os autores, não houve nenhum censo senatorial específico sob a república, mas sim pré-requisitos vinculados ao mos maiorum, iniciando pela fortuna mínima do censo de cavaleiro, pela nomeação dos ancestrais do pretendente, incluindo antigos senadores eminentes e, principalmente, pela ascensão nas honras públicas (cursus honorum), o acesso prévio às magistraturas republicanas (cf. nicolet, 1976, p.29; talbert, 1984, p.5). as opiniões dos autores são importantes em razão das interpre- tações historiográficas que atestam o aparecimento de uma ordem senatorial (ordo senatorius) a partir de finais do século ii a. c., uma elite dentro da elite romana que aos poucos se distinguiu da ordem equestre, apesar de sair de dentro desta. Géza alföldy (1989, p.65) explica que essa última surgiu após as Guerras Púnicas e Macedônicas, com o enriquecimento de nobres romanos que praticavam o comércio, a exploração de minas de cobre, de trabalho escravo e a tributação das províncias, consolidando-se após a lei de 129 a. c., que proibia aos membros do senado de manter seus cavalos públicos, tornando tais animais símbolos de distinção dos equestres.12 tal como esse historiador, Mendes (1988, p.53) argumenta que a lei cláudia de 218 a. c. também foi um marco importante de distinção entre equestres e senatoriais, já que proibiu os últimos de possuir navios com capacidade equivalente a trezentas ânforas ou mais, impedindo-os de praticarem o comércio marítimo. alföldy (1989, p.62-3) cita ainda os discursos de Márcio Pórcio catão, o censor que propagou, em meados do segundo século antes da nossa era, um ideal aristocrático do bom senador. nesses discursos, exaltava a riqueza da terra como exemplo de atividade digna de um integrante do conselho, principalmente em torno da produção de azeite e vinho para exportação, o que obviamente não os impediria de empregarem 12 sem falar no augustus clavus, túnica com uma tira púrpura estreita que se dife- renciava do latus clavus dos senadores, com a tira púrpura mais larga. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 33 representantes ilegais para praticarem as mais distintas atividades lucrativas.13 Diferentemente das afirmações desses dois pesquisadores, nicolet (1976), talbert (1984) e andré chastagnol (1992) não consideram que uma ordem senatorial com estatuto jurídico definido surgiu durante a república. como expressado pelo último, “a prática usual era que um filho de senador fosse cavaleiro, munido do censo equestre mínimo para ascender nas honras públicas, mas nada garantia aos herdeiros dos integrantes ativos do conselho sua entrada na cúria” (p.34).14 a esse propósito, tanto cícero quanto salústio teriam utilizado a expressão ordo senatorius, o primeiro para designar os optimates, os nobres do senado que defendiam a preponderância senatorial sobre as demais instituições republicanas; o segundo para expressar um grupo social mais amplo que compreendia senadores e seus filhos, atestando a existência de uma preferência entre seus integrantes para que parentes diretos tomassem assento na instituição, o que não significaria qualquer certeza de admissão (idem, p.35). como mencionamos anteriormente, o último século da repú- blica trouxe instabilidade política e uma crise de autoridade para as lideranças oficiais, incluindo os integrantes do senado. isso levou muitos indivíduos provenientes das elites municipais italianas (novi homines) a adentrar no conselho dos patres, evidenciando uma mu- dança sutil, visto que a entrada à cúria já era aberta aos equestres sem magistraturas precedentes. sob a ditadura de lúcio cornélio sila, entre os anos de 82 e 79 a. c. o efetivo do conselho dos patres foi aumentado para seiscentos membros, senadores esses denominados de pedarii. Muitos deles eram, inclusive, 13 os integrantes do senado, com suas atividades restritas à produção agrícola, arrogaram-se o direito de apropriar-se dos territórios conquistados, já que exer- ciam o controle da expansão imperial ao ratificar o nome dos pró-magistrados. Por meio desse mecanismo político, os equestres se encarregaram de outras atividades, inclusive do abastecimento das legiões romanas e da tributação dos provincianos, aumentando a distinção funcional entre equestres e senadores (adcock, 1959, p.70). 14 tradução livre do autor a partir do texto original em francês. 34 MARCO ANTONIO COLLARES antigos tribunos militares e centuriões do novo ditador (idem, p.16). sila tirou os poderes legislativos dos tribunos da plebe, agradando aos optimates, dos quais se dizia adepto (cf. rouland, 1997, p.231), mas aumentou as fileiras do senado com seus próprios partidários, majo- rando também o número de questores anuais para compor a lista de possíveis candidatos (cf. chastagnol, 1992, p.17).15 césar, por sua vez, após vencer Pompeu em 48 a. c., aumen- tou ainda mais o efetivo do senado para novecentos membros, fazendo ascender à cúria seus próprios centuriões e tribunos militares, incluindo provincianos gauleses e espanhóis (Wiseman, 1971). o assassinato do ditador, apesar de ser um levante senatorial contra a centralização do poder, não mudou a situação adversa do conselho. Durante o segundo triunvirato firmado entre antônio, otávio e lépido pela Lex Titia, o senado fora novamente aumentado, nesse momento para mil integran- tes, senadores esses considerados indignos por suetônio. Vejamos suas representações sobre o assunto: o senado era constituído por uma turba desordenada e sem pres- tígio. Havia, com efeito, mais de mil membros, alguns inteiramente indignos, que a favor da corrupção lá se haviam introduzido depois da morte de césar e que o povo chamava de senadores além-túmulo [...]. (Augustus, cap.35)16 em nossa opinião, as intervenções no senado por parte dos líderes militares do século i a. c. só foram possíveis por três motivos princi- pais: primeiramente, devido à divisão político-ideológica da nobreza romana à qual nos referimos anteriormente; em segundo lugar, pelo caráter pouco preciso nas formas de admissão ao conselho; por fim, pela impossibilidade de as instituições tradicionais romanas impedirem o processo de centralização política em curso. 15 De doze questores para vinte. 16 Senatorum affluentem numerum deformi et incondita tUrbea erant enim super mille, et quidam indignissimi et post necem Caesaris per gratiam et praemium adlecti, quos orciuos uulgus uocabat ad modum pristinum et splendorem redegit duabus lectionibus [...]. tradução livre do autor a partir da tradução para o inglês de J. c. rolfe. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 35 obviamente, havia uma ideologia senatorial específica,17 ou seja, um modo de vida em torno das práticas idealizadas de um senador, tal como atestado pelas palavras de catão e pela defesa de cícero à hegemonia senatorial, mas somente a partir de augusto surgiria uma ordem espe- cífica com estatuto jurídico definido, não significando, porém o retorno da antiga proeminência política da instituição. como nos lembra nicolet (1976, p.29) ao tratar do senado sob a república, “a entrada na cúria era uma possibilidade que garantia uma condição superior adquirida durante o período de atividade de um senador, o que não sugere a exis- tência de qualquer ordem distinta da ordem equestre”.18 Mesmo diante da inexistência de uma ordem senatorial especí- fica, é possível argumentar em torno da preponderância política do conselho dos patres durante a maior parte do regime republicano, tal como fizemos ao longo deste tópico. no período tardo-republicano, tal proeminência foi posta à prova com a já supracitada divisão da aristocracia dirigente, levando o senado a utilizar-se de poderes ex- cepcionais (senatus consultum ultimus) enquanto era transfigurado em sua organização tradicional pelos líderes autocratas. nas próximas páginas, trataremos dos pilares do poder que susten- taram o principado romano mediante auxílio da historiografia espe- cializada, um empreendimento que nos permitirá entender o aceite da centralização do poder dos imperadores perante uma elite acostumada a governar a república por meio das atribuições do senado. Leituras historiográficas sobre os pilares de sustentação do principado Um posicionamento comum bastante difundido entre os pesquisa- dores contemporâneos estabelece que as crises civis que deram termo 17 a esse propósito, Petit (1969, p.34) explica que o senado era uma instituição com atribuições pouco definidas e difíceis de limitar, o bastião de uma nobreza ligada à república por razões puramente ideológicas contrárias a qualquer realeza e ditadura perpétua. 18 tradução livre do autor a partir do texto original em inglês. 36 MARCO ANTONIO COLLARES ao regime político republicano ocorreram devido à impossibilidade de as instituições tradicionais administrarem um império em franca expansão territorial (cf. alföldy, 1989, p.76. 109; Deviault, 1996, p.69; Bacelò & catania, 2003, p.92; Mendes, 2006, p.22). como resultado desse processo, teria ocorrido a “concentração de poderes nas mãos dos imperadores em detrimento das instâncias que compunham o sistema republicano tradicional: magistraturas, senado e assembleias populares” (silva, 2001, p.31). Diante dessas duas posições, os estudiosos, por muito tempo, debateram e ainda debatem sobre os fatores que permitiram a concen- tração das prerrogativas dos césares frente a uma aristocracia avessa a qualquer monarquia (eck, 2007, p.48). consideramos relevante tratar desse assunto porque, para entendermos o papel do senado no contexto de constituição do principado, precisamos posicionar-nos em relação aos pilares do poder que sustentaram o novo regime político, o que leva a uma apropriação da historiografia especializada no assunto. comecemos por ronald syme, que, na primeira metade do sé- culo passado, tratou de explicar as bases do poder dos césares em sua conhecida obra The Roman Revolution (1939). em sua opinião, o primeiro imperador, caio otávio, exerceu seu poder régio com crueldade, por intermédio de um golpe contra a velha ordem política republicana, comparando-se a outros tantos líderes militares do século XX da nossa era (cf. Galinsky, 2005, p.2). como bem ressalta Wallace- Hadrill (1997, p.4), o termo “revolução” no título do trabalho de syme “seria mais provocativo do que a demarcação de uma transformação socioeconômica profunda, uma ironia ao regime instituído, já que se trataria de uma monarquia disfarçada com vias à manutenção da proeminência da nobilitas, senão em termos políticos, pelo menos em termos econômicos e sociais”.19 a utilização do conceito expressaria a difusão de aparatos ideoló- gicos distintos dos da aristocracia tradicional, movimentos relacio- nados à ascensão de uma pretensa burguesia interiorana ao lado das elites municipais, o que, de certa forma, explicaria o recrutamento de 19 tradução livre do autor a partir do texto original em inglês. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 37 escritores como Virgílio, Horácio e tito lívio para esboçar o tema da união italiana em torno dos valores ancestrais (syme, 1939, p.457). na prática, syme defendeu a ideia de que os agentes do novo regime instrumentalizaram concepções ideológicas moralizantes de regiões interioranas do império para fins de manutenção dos privilégios econô- micos da aristocracia da capital, mesmo na esteira da relativa perda de suas prerrogativas políticas diante da centralização do poder nas mãos de um de seus membros (cf. Wallace-Hadrill, 1997, p.5). concomitantemente a essa perspectiva, syme defendeu a exis- tência de um elaborado aparato de propaganda dos adeptos do novo regime semelhante àqueles utilizados em regimes autoritários (até totalitários) contemporâneos, ou seja, armas ideológicas com vias a exercer unicamente a camuflagem da natureza real da dominação despótica do imperador (idem, p.6). na opinião de andrew Feldherr (1998, p.14), as conclusões de syme partiram do pressuposto de que a organização dos triunfos oficiais, dos festivais religiosos, dos jogos rituais, das obras monumentais e demais manifestações artísticas do principado foram parte da difusão da ideologia dos adeptos do poder instituído no intuito de condicionar a opinião pública romana. isso tornou a imagem pública dos imperadores um mero instrumento de camuflagem de seu poder régio e militar. o clássico trabalho de léon Homo (1927, p.262-3), mesmo an- terior ao de syme, já apresentara argumentos semelhantes referentes à natureza do poder dos césares, a saber, a argumentação de que o principado não passaria de um regime despótico amparado na força das legiões a serviço dos imperadores e, consequentemente, na capacidade dos mesmos de exercer pressão política sobre a nobreza tradicional romana. como colocado pelo próprio historiador, “a monarquia era a necessidade do império territorial e otávio encarnava essa demanda como um verdadeiro chefe militar” (idem, p.234).20 até um estudo mais contemporâneo, como o de andré Piganiol (1974, p.220), mesmo sem estar influenciado pelo contexto dos re- gimes autoritários e totalitários da primeira metade do século XX da 20 tradução livre do autor a partir do texto original em francês. 38 MARCO ANTONIO COLLARES nossa era, enfatiza que o principal pilar de sustentação do principado era o poder militar dos imperadores, assegurado pelo controle direto das legiões. o autor ressalta ainda a importância do Imperium Majus recebido pelo herdeiro de césar no ano 23 a. c., afirmando que tal comando referendava poderes que já detinha na prática, prerrogativa essa superior a todas as demais. segundo silva (2001, p.32), o primeiro indício para tal argumen- tação está no pagamento de soldos aos veteranos de césar a partir do patrimônio pessoal de otávio, que aumentara exponencialmente após o imperador adentrar no cenário político romano e receber a herança do ditador assassinado. como segunda justificativa, teríamos a criação, por parte de otávio, no ano 6 a. c., de um aerarium militare para pagar exclusivamente os soldos dos exércitos aquartelados em províncias de sua própria autoridade, as chamadas províncias imperiais (Mendes, 2004, p.31; scullard, 1996, p.221).21 além disso, os três estudiosos citados acima consubstanciam suas concepções em representações de autores romanos de épocas posteriores ao advento do principado, tais como tácito, suetônio, Plutarco e Dion cassio. Podemos citar o exemplo de tácito ao nar- rar em seus Anais (livro 1, cap.8) o enterro do primeiro imperador, enfatizando que o “corpo de otávio precisava do amparo de seus soldados para ser levado em paz à sepultura após ele ter aparelha- do os exércitos e se voltado contra a res publica”. em um capítulo posterior, tácito afirma ainda que “otávio, por ambição e vaidade, havia organizado os exércitos, ganhado a largueza dos veteranos e corrompido as legiões romanas” (idem, cap.10), em mais uma re- 21 em torno de 170 milhões de sestércios por meio de duas novas taxas: a trans- missão de heranças e o tributo sobre vendas de bens imóveis em leilão na itália (Brunt, 1979, p.179; scullard, 1996, p.222). o próprio otávio ressalta em sua Res Gestae (cap.15) que financiou a distribuição de terras e donativos em dinheiro aos veteranos das legiões, deixando subtendida sua posição de principal patrono dos exércitos. não podemos deixar de mencionar que otávio aproveitou-se do fortalecimento dos comandantes militares iniciado com as reformas de Mário nos exércitos, as práticas de distribuição de soldos e espólios de guerra entre as tropas, o que atraiu muitos proletários para as legiões (alföldy, 1989, p.94) REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 39 presentação a referendar as concepções da existência de um poder despótico a amparar os césares.22 outra linha interpretativa vincula-se aos estudos de richard saller (1982, p.42), que, influenciado pelas concepções de Finley sobre a política ter deixado de existir no regime dos imperadores – pelo menos a política concebida como instrumento de tomada de decisão pública em algum tipo de câmara ou conselho, sem interferência de qualquer poder pessoal superior –, pressupôs mecanismos diferenciados para explicar a sustentação do poder dos imperadores romanos. seu estudo baseia-se na ideia de reutilização por parte dos césares dos benefícios concedidos pelos patronos aos seus respectivos clientes em troca de gratidão (gratia) e amparo político. na opinião de saller (1982, p.43), o acesso às magistraturas representara um dos principais elementos de exaltação pública da auctoritas pertencente aos membros da aristocracia romana duran- te a república, mas, no decorrer do principado, os imperadores tornaram-se os principais agentes a indicar aqueles que ocupariam cargos oficiais, os chamados canditati caesaris. na prática, o estudo de saller enfatiza a monopolização, por parte dos imperadores, da distribuição de cargos na administração pública do império, o que sugere a utilização em outras bases de práticas tradicionais do clien- telismo republicano. nesse sentido, no contexto do principado, tanto os familiares dos césares quanto os amigos de seus clientes diretos passariam a fazer parte da chamada corte imperial, sendo que o Princeps ocuparia o topo da hierarquia nas relações interpessoais como o maior patrono do império romano (idem, p.78). nas palavras de ramsay MacMullen (1986, p.519-20), deveras influenciado por essas mesmas concepções, “os benefícios imperiais não foram uma invenção do principado, mas a continuação de certas práticas republicanas sob outras roupagens. 22 a esse propósito, tácito possui enunciados bastantes críticos em relação ao principado. logo no início dos Anais (livro 1, cap.2), o autor afirma que augusto concentrou as funções dos magistrados e do senado sem encontrar oposição em razão de muitos nobres haverem morrido nas guerras civis ou mesmo pela sub- serviência ao Princeps. 40 MARCO ANTONIO COLLARES [...]. ninguém tinha mais a oferecer do que os imperadores, pois sua auctoritas era reconhecida por todos”.23 outra corrente de interpretação bastante conhecida atribui ao principado um amparo constitucional, jurídico e religioso decorrente da retenção de títulos e prerrogativas republicanas nas mãos dos impe- radores (cf. silva, 2001, p.32). Paul Petit (1989, p.115) atribui a proe- minência dos césares ao fator militar, mas enfatiza a base constitucional de suas prerrogativas, todas elas respaldadas por práticas políticas há muito tempo consolidadas. obviamente, para consubstanciar tal concentração de poderes, haveria um amplo esforço de propaganda para que a sociedade romana, principalmente a nobilitas, aceitasse tal situação, mesmo quando a conjunção de títulos e prerrogativas não se coadunasse aos mores. É importante ressaltar que, para essa corrente interpretativa, a indefinição dos poderes imperiais exigia a utilização de um aparato ideológico especifico para ser aceita socialmente (idem, p.196). isso sugere que o pilar do poder dos césares estaria em três instâncias distintas, apesar de estritamente vinculadas: no controle irrestrito das legiões, no acúmulo de prerrogativas tradicionais republicanas e, por fim, nos mecanismos de propaganda utilizados pelo imperador e seus adeptos para referendar tal acumulação de poderes quando se distanciavam dos marcos tradicionais republicanos. outros tantos estudiosos podem ser inscritos nessa linha inter- pretativa. r. etienne (1970, p.25), defensor convicto da sustentação militar do principado, ressalta igualmente a consecução de um projeto ideológico específico para referendar a concentração do poder, aquilo que Pierre Grimal (1955, p.79) denominou “ideologia imperial”. este último, também preocupado em dar repostas acerca dos pilares de sustentação do primeiro imperador, sugeriu a existência de um aparato constitucional e propagandístico cuja habilidade servia para melhor concentrar suas prerrogativas, escondendo com isso a natureza monárquica do novo regime (cf. Grimal, 1961, p.10).24 23 tradução livre do autor a partir do texto original em inglês. 24 Devemos enfatizar que desde edward Gibbon, a concepção de que augusto REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 41 Mais recentemente, a. H. scullard (1996, p.208) afirmou que otávio conquistara o consenso por intermédio das armas, mas isso não seria suficiente para a manutenção de seus poderes, levando-o à conclusão de que a estabilidade do novo regime estava, por um lado, na elevação da auctoritas do imperador e, por outro, na concentração de prerrogativas tradicionais republicanas, movimentos realizados em meio à constituição de representações ideológicas que exaltavam a concórdia entre Princeps e demais instituições da Urbs, principalmente o senado (idem, p.208-42). o estudo de erich Grüen (2005, p.33-3) também sugere que otávio construiu uma monarquia peculiar, submetendo a ela as demais institui- ções republicanas diante da exaltação de sua auctoritas. Mesmo assim, esse estudioso acrescenta que o herdeiro de césar fizera uso de algumas práticas tradicionais do antigo regime republicano, acumulando títulos e prerrogativas para institucionalizar seu papel mediante o aval dos demais nobres, inclusive aqueles situados no senado (idem, p.35). Walter eder (2005, p.13-32), por sua vez, considerou o principado uma forma de monarquia moderada, sem coroa ou cetro. o fato de autores como Plutarco, suetônio, tácito e Dion cassio terem consi- derado o novo regime o retorno da antiga realeza não significa que os romanos da época de sua instituição, inclusive otávio e seus adeptos, assim o considerassem (idem, p.13). ainda na opinião do estudioso, Mommsen reconheceu as características peculiares do novo regime ao nomeá-lo de principado, ressaltando a existência de certas continui- dades com o regime que o precedeu (idem, p.16). assim, apesar de o novo regime ter se desenvolvido fora dos marcos da república, possuía com ela muitas conexões, não devendo ser observado como um produto acabado, hermético e diametralmente oposto (idem, p.17). autores como Werner eck (2007) e Jean-Pierre néraudau (1996) possuem pontos em comum com esse viés de leitura, concordando oficializou seu domínio centralizado mediante a dissimulação de sua verdadeira natureza ainda orienta muitos trabalhos historiográficos, em geral por intermédio de apropriações acríticas das obras de autores romanos de séculos posteriores à formação do principado. 42 MARCO ANTONIO COLLARES com a afirmação de que a essência do principado era monárquica. o primeiro estudioso coloca que as questões políticas a partir de Ácio não foram mais abertamente debatidas por completo, nem no senado nem nas assembleias do populus, mas sim o foram entre os membros do círculo fechado dos adeptos do imperador, ou seja, sua corte particular. a sustentação do principado teria se dado, mesmo assim, em função da auctoritas superior de otávio, mediante a concentração de títulos e prerrogativas tradicionais republicanas, sendo que algumas delas tinham sentidos distintos dos encontrados no período anterior, apesar de ainda demarcarem traços de relativa continuidade com os mores. o principado, na opinião do estudioso, fora construído em um processo lento e gradual, diante de um contexto específico de crise civil, a saber, uma monarquia moderada regida por princípios tradicionais. essa seria a única maneira de ser aceita pelo povo e pela nobilitas, a última ainda tendo um importante papel no processo de consolidação do regime (idem, p.58). néraudau (1996) atribui um papel ainda mais efetivo às antigas elites dirigentes republicanas no processo de centralização do poder, já que otávio não foi somente homenageado por poetas como Horácio e Vir- gílio, mas, também, pelos próprios integrantes da nobilitas, “honrarias essas fundantes da nova política a ser adotada” (p.148).25 o estudioso ressalta também que os triunfos e as obras públicas legadas a roma elevaram a auctoritas de otávio, argumentando, porém, que tudo isso difundia uma ideia errônea de restauração republicana. tratar-se-ia, portanto, de uma monarquia sutil, referendada por concepções ideo- lógicas em torno da defesa de um rei moderado, defensor da concórdia e da justiça, a governar sem prejuízo a res publica (idem, p.168).26 chama atenção também o estudo de Diane Favro (1996) a respeito das construções públicas legadas a roma no período de constituição do 25 tradução livre do autor a partir do texto original em francês. 26 a esse propósito, rouland (1997, p.336) coloca que a política de augusto era baseada em uma centralização mais sutil do que a de césar, evitando assumir a postura de “candidato” ao trono. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 43 principado, construções essas que sugerem a tentativa de demarcação de uma identidade romana comum a partir da exaltação da imagem pessoal de otávio. a autora, ao contextualizar tal processo, ressalta os diferentes momentos históricos da projeção dessa imagem; primei- ramente, diante de outros tantos líderes autocratas dos tempos do se- gundo triunvirato, depois, em meio à crescente disputa político-militar com Marco antônio ao longo dos anos 30 a. c., consolidando-se final- mente após Ácio, quando o herdeiro de césar instituiu o novo regime. Favro (1996, p.82) sustenta que, logo após a morte de césar, não houve um único projeto urbanístico para roma, mas múltiplos projetos vinculados aos triunfos dos comandantes militares que intencionavam exaltar suas próprias auctoritas, o que sugere uma supervalorização das imagens pessoais desses comandantes diante dos demais nobres romanos (cf. Gaillard, 1996, p.55). assim, a maioria das construções públicas legada à Urbs no período de constituição do segundo triunvirato representou a exaltação pública dos mais diferen- tes comandantes militares, incluindo os triúnviros (idem, p.86). essa era uma conjuntura que viria a mudar somente após Ácio, quando otávio passou a esboçar um único projeto urbanístico para a capital, vinculado à sua legitimação como o maior defensor dos costumes ancestrais (idem, p.99). o trabalho de Favro tem alguns pontos em comum com as ideias apresentadas por Paul Zanker na obra Augusto y el poder de las imágenes (1992).27 esse estudioso defendeu que nos derradeiros anos da repú- blica, diante das constantes proscrições e disputas político-militares entre facções políticas, acentuaram-se os excessos na forma de repre- sentação individual dos romanos, principalmente dos membros das elites dirigentes (Zanker, 1992, p.41). nesse sentido, “as lideranças políticas e os grandes generais priorizaram cada vez mais a difusão de seus cultos pessoais em uma monumentalização triunfal de tipo reli- gioso dedicado aos seus próprios feitos, às suas divindades patronais e/ou seus ancestrais” (Barnabé, 2006, p.81).28 27 Publicado originalmente em inglês no ano de 1988. 28 Podemos traçar rapidamente um quadro dos deuses patronos dos principais 44 MARCO ANTONIO COLLARES na concepção de Zanker (1992, p.129), após Ácio ocorreu um pro- cesso de transformações nos signos de recepção das imagens pessoais das autoridades constituídas, o que favoreceu a aceitação social da figura do imperador, aceitação essa não referendada por qualquer tipo de propaganda instrumentalizada, mas em manifestações espontâneas de cidadãos que pretendiam demonstrar seu amor pátrio a roma. além de Zanker, podemos mencionar também Wallace-Hadrill (1997, p.7) e sua interpretação acerca do processo de rearticulação do poder político das lideranças constituídas após a batalha de Ácio, processo esse conjugado a uma verdadeira revolução cultural. em sua perspectiva, com a crise de legitimidade pela qual passou a nobilitas e suas instituições ao longo do último século da república, foi necessário deslocar a autoridade superior do senado para a figura do Princeps, única maneira de tal rearticulação ser processada, o que explicaria a aceitação dos poderes centralizados de otávio e a difusão da perspectiva de que a república havia sido restaurada (idem, p.22). Zanker e Wallace-Hadrill, apesar de possuírem pontos de dis- cordância entre si,29 relativizam ou mesmo rejeitam a concepção da existência de uma propaganda imperial minuciosamente planejada pelos agentes do novo regime, ao menos nos moldes sugeridos por syme. segundo Galinsky (1996, p.39), esse tipo de interpretação sugere um projeto de poder concebido a priori, aplicado por otávio e seus partidários diretos, o que refletiria a visão dos próprios historiadores contemporâneos influenciados por contextos em que tais projetos foram elaborados. além disso, tais autores não corroboram as concepções de que o regime era sustentado unicamente pela força das legiões, diferencian- do-se das posições de Homo, Piganiol e mesmo de etienne. assim, diante das contribuições de Zanker e Wallace-Hadrill, além das de líderes romanos. otávio com apolo, antônio com Dionísio, sexto Pompeu, filho do adversário de césar, com netuno. 29 Wallace-Hadrill (1989) tece uma crítica ao estudo de Zanker em razão de o primei- ro homogeneizar a visão dos romanos em relação à figura do primeiro imperador, desconsiderando as origens, as localidades e as diferentes culturas dos habitantes do império. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 45 Favro e de todos os historiadores que enfatizam traços marcantes de continuidades e rupturas na forma de legitimação das autoridades constituídas de ambos os regimes (Gruen, eder, eck, scullard, né- raudau), esperamos estabelecer, nas próximas páginas, nossa própria leitura contextualizada a respeito da sustentação do poder do primeiro Princeps, caio césar augusto. esse empreendimento permitirá traçar um esboço do papel do senado nesse processo. A exaltação da auctoritas de Otávio Augusto no contexto das guerras civis e da consolidação do principado Poderia parecer estranho, para o leitor moderno, denominar o principado como uma república monárquica, tal como observa Men- des (2006, p.24). entretanto, é preciso ter em conta que, apesar de utilizarmos o termo república como uma forma específica de governo, não foi dessa maneira que certos autores romanos da antiguidade a representaram. como bem expressou cícero (De Republica, livro 1, cap.26), “a res publica é a constituição da comunidade, a própria Urbs sob a égide da lei e de uma autoridade competente”. Da mesma forma que o orador, tito lívio (Ab Urbe Condita, livro 2, cap.1) referiu-se à “res publica do povo romano livre que empreendeu, na guerra e na paz, o governo dos magistrados escolhidos anualmente sob autoridades superiores à autoridade dos homens”. Pensar, portanto, em certas continuidades entre o regime político dos imperadores e aquele dos magistrados, senado e assembleias po- pulares está em consonância com tal concepção de res publica, o que não desqualifica tratarmos também das rupturas entre eles ou, mais precisamente, da demarcação de suas diferenças e especificidades. De outra parte, consideramos pouco viável a concepção de um principado sustentado unicamente na força das legiões e no monopólio dos meios de violência por parte dos césares, principalmente porque, tal como colocado por silva (2001, p.33), “qualquer dirigente de estado ou comunidade, para além do controle dos efetivos militares, 46 MARCO ANTONIO COLLARES precisa respaldar seu domínio em algum tipo de consenso – mesmo que provisório – a fim de ser aceitável e desejável, consenso esse que deve fazer parte de valores difundidos socialmente em um determinado contexto histórico”. Por sua vez, a perspectiva de saller referente à monopolização da rede de clientelismo pelos imperadores romanos de forma a anular ou absorver completamente a participação política no senado e nas assem- bleias populares pode ser igualmente problemática por trazer, em seu cerne, interpretações dicotômicas acerca dos conceitos de república e principado. como bem expressado por norberto Guarinello e Fábio Joly (2001, p.136), esse tipo de leitura pode passar a ideia de que “as questões políticas de interesse público faziam parte exclusivamente do cenário republicano, deixando ao principado a eminência do privado, dos acordos pessoais entre imperador e os membros de sua corte”. nesse sentido, pensamos ser viável encontrarmos continuidades e rupturas entre os dois regimes políticos, principalmente nas formas de sustentação política das lideranças constituídas, em movimentos que restabeleceram parte da legitimidade de algumas instituições tradicio- nais. afinal, é imprescindível não desconsiderarmos os argumentos de Guarinello e Joly (2001, p.137) referentes ao fato de o “poder imperial ter se expressado através de linguagens políticas fundadas na soberania do senado e do povo romano”, o que pode ser consubstanciado pela manutenção da sigla sPQr (Senatus Populusque Romanus – senado e o povo romano), presente em muitos brasões militares e construções públicas imperiais (cf. Hómo, 1970, p.123). É preciso sublinhar, portanto, os primeiros movimentos de otávio em torno da demarcação de sua auctoritas, por meio da ênfase dada à ancestralidade de Júlio césar. em nossa opinião, tal movimento foi relevante porque levou cícero, líder não-oficial do senado, a ofertar em 44 a. c. um Imperium pro praetore ao herdeiro do ditador, isto é, um comando militar excepcional por um período de cinco anos de duração (eder, 2005, p.18). o orador teria justificado a concessão dessa prerrogativa mediante um discurso pronunciado por otávio na cúria, no qual prometera “lutar pela liberdade da república e pela honra do pai adotivo” (cícero, Atticus, 16.16, 3). REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 47 a esse propósito, t. corey Brennan (2004, p.31-65) argumenta que iluminar os feitos dos ancestrais ou mesmo justificar condutas individuais para preservar e proteger a honnor e a dignitas dos mesmos era uma demanda comum entre jovens que pretendiam ascender politicamente no cenário republicano, uma maneira de difundirem suas qualidades pessoais, ou seja, sua própria auctoritas. assim, a exaltação individual de otávio como herdeiro do ditador assassinado, obviamente potencializada pelo acirramento das guerras civis, ainda fazia parte de práticas usuais de legitimação política (idem, p.35), uma mescla de tradição e mudança, continuidade e ruptura. o segundo desses valores, a dignitas, fazia parte de uma classifi- cação para além de qualquer poder institucional, apesar de conjugar- se aos cargos oficiais; era a exaltação das capacidades públicas do cidadão, seja na guerra ou no Fórum, a defesa de sua força moral e de sua conduta pessoal em nome dos interesses da comunidade (cf. Macmullen, 1986, p.515). a título de exemplo, podemos cons- tatar que césar justificara suas ações contra Pompeu alegando a “mesquinhez do procônsul da Hispânia em não aceitar que outro comandante tivesse uma dignitas igual ou superior à dele” (Bellum Civile, livro 1, cap.9), argumentação essa de pouca valia para cícero, na afirmação de que “nenhuma guerra poderia ser empreendida por vingança ou pela defesa da dignitas” (cícero, De República, livro 3, cap.35), apesar da violência física contra um detrator ser admissível (cf. Macmullen, 1986, p.516). a formação do segundo triunvirato, efetuado por meio de tratados oficializados em assembleias (Bolonha, Brindisi e tarento), também foi parte do processo de legitimação de otávio no conturbado cenário político do período. ele mesmo justificaria mais tarde os acordos as- sinados com antônio e lépido, declarando que os triúnviros tinham como encargo reorganizar e restituir uma república dividida pelas constantes proscrições civis do período (augusto, Res Gestae, cap.1/ triunvirum rei reipublicae constituendae). ao longo dos anos 30 a. c., após ter derrotado os assassinos de césar em Filipos, instituído o culto oficial do pai adotivo (Fa- vro, 1996, p.81) e assumido o prenome de imperador (praenome 48 MARCO ANTONIO COLLARES imperator),30 otávio passou a ser reverenciado como o abençoado filho do divino Júlio (Divi Filius), distinguindo-se em honras e dignidade dos demais triúnviros (cf. scheid, 2005, p.179). no ano de 36 a. c., teria ele difundido o boato de que algumas de suas propriedades do Palatino haviam sido atingidas por raios sobrenatu- rais, consagrando no local um templo ao deus apolo (Dion cassio, Historias romanas, livro 49, cap.15), finalizando-o em 28 a. c. o que se seguiu à consagração do templo foi a difusão de uma imagem específica, por meio da qual otávio passou a ser representado como o guardião do ocidente frente aos poderes do leste e das monar- quias helenísticas, vinculadas cada vez mais a antônio (rosa, 2006, p.147; Favro, 1996, p.82). esse último, encarregado da administração das províncias orientais, havia rompido seu casamento de ocasião com a irmã de otávio, investindo na aliança com sua nova consorte, cleópatra. além disso, antônio era constantemente representado como o Dionísio encarnado, em razão de suas condutas pessoais, seu gênio festivo e suas preferências pelos cultos orientalizantes (torri, 2002-3, p.117). segundo Dion cassio (Histórias romanas, livro 50, cap.5-6), o desinteresse do triúnviro pela Urbs em detrimento do oriente ofen- dia muitos romanos da época, e outras representações posteriores ao período de sua vida, tais como as de Plutarco, referiram-se a ele como um indivíduo de péssima reputação na cidade, amante das festas e do hedonismo oriental, “sempre a oferecer, quando de passagem por roma, suntuosos banquetes para atores, malabaristas e bêbados parasitas” (Plutarco, Antonius, cap.21). Muito da visão negativa dada 30 era comum aos magistrados revestidos de imperium serem saudados como Im- perator pelas suas próprias tropas, em geral, em caso de vitórias sobre inimigos externos. tal êxito diante dos soldados era relevante para que o senado concedesse a prestação de outras homenagens, como a ovação pública e o direito de praticar o triunfo solene na Urbs. segundo suetônio (César, cap.76), a partir de césar, a palavra passou a acompanhar os novos líderes militares da república, tornando- se cada vez mais comum as saudações de triunfos para os mesmos. nesse ponto, richardson (1991) coloca que a própria palavra Imperium implica o comando militar, levando naturalmente a outros termos, como imperare e imperator. REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 49 a antônio em seu respectivo contexto tinha como origem as represen- tações de poetas ligados a otávio, tais como os já mencionados Virgílio e Horácio, mas não podemos desconsiderar também as contingências históricas que fortaleceram tal imagem. entre elas, podemos citar a desastrada campanha militar do triúnviro diante dos Partos, bem como o triunfo realizado em alexandria pela conquista da armênia, fugindo dos costumes ancestrais que prescreviam o respectivo ritual em roma (cf. Favro, 1996, p.98). além disso, em meio à propagação dessas duas imagens dicotô- micas, teria surgido um boato em roma de que antônio ordenara ser enterrado no egito, potencializando o temor entre os cidadãos romanos de que o triúnviro intencionava retomar um antigo projeto de césar, a saber, transferir a capital do império para o oriente (cf. Barnabé, 2006, p.83). otávio, ao contrário dessas pretensões, faria questão de atestar sua preferência pela Urbs, o que pode ser evidencia- do pela construção de seu túmulo, no ano 29 a. c., também chamado de mausoléu, significando que roma permaneceria como a capital imperial (néraudau, 1996, p.159). a tradição escrita dos séculos ii e i a. c. reforçava a ideia de missão de um pretenso salvador republicano, já que atestava um período de decadência para roma, que poderia ocasionar sua ruína final. Mesmo Políbio, com sua visão otimista da expansão imperial, esboçara uma possível queda da Urbs por meio do lamento de cipião emiliano ao vislumbrar a destruição de cartago no ano 146 a. c. (Momigliano, 1976, p.64). Diante do advento das guerras civis do século i a. c., outros autores manifestaram temores semelhantes, passando por salústio, cícero e o próprio tito lívio no prefácio de sua obra, cada qual enfatizando uma possível inclinata res publica relacionada à ex- pansão territorial do império, ao fim das ameaças externas e à luxúria crescente dos cidadãos romanos (luce, 1977, p.252; Mazzarino, 1991, p.25; Barnabé, 2006, p.87). em 32 a. c., amparado por tais representações de decadência, otávio investiu publicamente contra antônio, atacando verbalmente cleópatra, o fatale monstrum do poeta Horácio (Odes, livro 1, cap.37). Depois de ler um suposto testamento do rival, no qual passava o 50 MARCO ANTONIO COLLARES comando das províncias orientais para a rainha do egito e seus her- deiros, otávio utilizou-se dos tradicionais rituais dos feciais31 para declarar guerra à rainha egípcia (cf. sheid, 2005, p.180), difundindo a ideia de que a nova crise civil que se prenunciava era uma guerra justa (bellum iustum), travada em nome da defesa da república (cf. eder, 2005, p.23).32 Por meio dessa importante demanda, o representante de apolo buscara novamente o amparo das instituições oficiais, incluindo o senado, apelando para a ideologia tradicional do herói republicano que em circunstâncias excepcionais lutava contra forças desagregadoras (cf. nicolet, 1964, p.30). com isso, otávio apresentava-se como um pretenso restaurador republicano ante a ameaça oriental de antônio e cleópatra, colocando-se ao lado das instituições oficiais (shotter, 1991, p.38), o que pode ser atestado por suas próprias palavras ins- critas nas Res Gestae: Durante o meu sexto e sétimo consulado, depois de ter feito finalmente acabar as guerras civis, tendo assumido o supremo poder por consenso universal, transferi o governo da república, passando-o da minha pessoa às mãos do senado e do povo romano. (cap.34)33 31 tito lívio relata que os feciais existiam desde a época dos reis. tratava-se de um colégio de vinte membros, encarregado dos acordos diplomáticos e das de- clarações formais de guerra; o senado era instância ao qual tal colegiado estava subordinado. lívio explica ainda a forma do ritual de guerra dos feciais. segundo ele, tratava-se de uma declaração que primava pelo restabelecimento da justiça diante de uma falta cometida por algum povo estrangeiro. o ritual iniciava pela declaração, seguida de deliberação no senado e o posterior lançamento de um dardo de ferro com a ponta queimada no território inimigo. lívio menciona que o ritual ainda era realizado em seus dias, representando o início de uma guerra justa (Ab Urbe Condita, livro 1, cap.24-32). 32 Políbio justifica a expansão territorial romana por meio de concepções como bellum justum e Imperium sine fine. lívio por sua vez relata que rômulo, logo após ascender à divindade, teria anunciado ao cidadão Prôculo Júlio ser vontade dos deuses que roma se tornasse a capital do mundo e que nenhum poder humano poderia resistir às armas romanas (Ab Urbe Condita, livro 1, cap.16). 33 In consulatu sexto et septimo, postquam bella civilia extinxeram, per consensum unniversorum potitus rerum omnium, rem publicam ex meã potestate in senatus populique Romani arbitrium transtuli. tradução livre do autor a partir do REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 51 após Ácio, o mesmo senado ofertaria uma série de títulos e prer- rogativas a otávio, respaldando sua condição de maior autoridade do império romano a partir de então. o primeiro desses títulos seria o de Princeps Senatus, ofertado em 28 a. c. na cúria Júlia recém- inaugurada. segundo néraudau (1996, p.161), essa seria a principal atribuição de autoridade do imperador, “a representação máxima dos fundamentos do novo regime”.34 com esse título honorífico, otávio assumia a posição de principal defensor das instituições republicanas, tornando-se uma espécie de agente da concórdia e do consensus, aquele que primeiramente tomava a palavra na cúria (Petit, 1969, p.32). na prática, tal título demarca uma continuidade com o antigo regime republicano, visto que o Princeps Senatus era uma figura tradicional, em geral o mais velho e experiente senador ainda vivo em uma seção (adcock, 1959, p.61). em sua De República, cícero dera um novo significado ao termo, prognosticando o advento de um homem especial saído do senado, “um primeiro cidadão que se colocaria como o tutor dos poderes republica- nos” (livro 2, cap.51). a defesa dessa personagem excepcional, exaltada pelo orador, passou a fazer parte do vocabulário político romano a partir de então. o próprio tito lívio, em sua Ab Urbe Condita, enfatiza a auctoritas de certos varões do passado da Urbs, homens reconhecidos como legítimos Princeps Senatus, munidos de moderatio, pietas, espírito público e um elevado ideal de concórdia, destacando entre eles Quinto Fábio Máximo, ditador escolhido logo após a derrota do cônsul Fla- mínio no lago trasimeno ao início da campanha de aníbal, além de Públio cornélio cipião, o africano. segundo as considerações de Pierre Grimal (1992, p.25-6), cícero, um estoico convicto do período tardo-republicano, reconhecera o componente monárquico da república diante do advento do primeiro triunvirato. em sua famosa obra de filosofia política, ele tentou (re) significar o papel da figura tradicional do Princeps Senatus, com o texto latino do Monummentum ancyranum, tradução e comentários de G. D. leoni. 34 tradução livre do autor a partir do texto original em francês. 52 MARCO ANTONIO COLLARES propósito de restabelecer a autoridade das instituições oficiais. Por intermédio desse apelo, cícero prenunciava a vinda de um indivíduo com auctoritas superior, apesar de equiparado em poderes aos demais magistrados constituídos (néraudeau, 1996, p.168), concepção que estava vinculada à ideia estoica de um primeiro entre iguais, um primus inter pares (cf. Baceló & catània, 2003, p.97). as representações do orador levaram intelectuais contemporâneos do porte de luciano canfora (2002, p.94) a aventarem a hipótese de que o Princeps prognosticado na República não seria parte de nenhum plano de cooptação de Pompeu Magno, tal como considerado por al- guns, como asmis (2005, p.413), mas uma forma de o próprio orador apresentar-se como o tutor dos poderes republicanos. no contexto de formação e consolidação do principado, o com- ponente monárquico do ideal ciceroniano de Princeps seria bastante potencializado. se o orador tinha como meta recuperar a plena autori- dade de cônsules e senadores diante dos poderes ilegítimos de líderes autocratas de sua época (cf. asmis, 2005, p.412), após Ácio, suas representações ganharam outro sentido, servindo como um meio de exaltação da autoridade superior de um desses líderes (Wirszubisk, 1968, p.130). com a designação de Princeps, observamos, portanto, traços de continuidade e ruptura nas formas de demarcação da legitimi- dade do herdeiro de césar, no primeiro caso em razão da utilização de um termo tradicional da linguagem política republicana e, no segundo, em função do novo sentido dado ao termo. no dia 16 de Janeiro de 27 a. c., na mesma cúria do senado, otá- vio receberia a maior das honrarias representativa de sua autoridade superior, o prenome de augusto. segundo suetônio (Augusto, cap.7), tratar-se-ia de um nome emprestado do vocabulário religioso romano, qualificando os atos empenhados por alguém “como favoráveis e de bons augúrios”. o adjetivo augustus pertencia à família do verbo augeo (aumentar) e do substantivo augur (sacerdote dos bons presságios), aquele que prestava auxílio (auxilium), um auctor, podendo ser tra- duzido por fiador (cf. néraudau, 1996, p.165). todos esses significados conferiam ao Princeps a faculdade de bem conduzir a república, como se ele fosse a boa decisão encarna- REPRESENTAçõES DO SENADO ROMANO... 53 da, alegoria do sucesso das ações político-militares, o próprio locus dos presságios auspiciosos (idem, p.166). em nossa opinião, otávio tornava-se, com isso, uma nova instituição, exterior ao senado apesar de ainda pertencer a seu corpus: o supremo fiador da “restituta republica” (scullard, 1996, p.212). ao final do século primeiro, o herdeiro de césar seria novamente glorificado pelo senado com outra honraria representativa de sua au- toridade superior, o título de pai da pátria (pater patriae). o próprio imperador enfatizara tal designação: Quando cônsul pela décima terceira vez (ano 4 a. c.), o senado, a ordem equestre e todo o povo romano me aclamaram pai da pátria e de- cretaram que este título fosse gravado no vestíbulo de minha casa, na cúria Júlia e no foro augusto embaixo da quadriga que por decreto do senado foi levantada em minha honra. (augusto, Res Gestae, cap.35)35 essa honraria, mais do que qualquer outra adquirida anteriormen- te, representava a ideia de unidade de roma e da itália sob a égide de um único indivíduo (talbert, 1984, p.355; Favro, 1996, p.128), um apelo à integração e à concórdia entre todos os romanos, como se o imperador fosse o maior dos pater famílias (cf. eder, 2005, p.29). augusto tornava- se, com isso, o supremo pai da república, ou seja, aquele que exercia o comando incontestável de uma numerosa família de indivíduos, o conjunto dos cidadãos romanos (scullard, 1996, p.218). ao ser designado Princeps, augusto e pater patriae por seus pares aristocratas, otávio fortaleceu sua posição hegemônica sobre os mesmos. Fizera uso do mos maiorum e de práticas eminentemente tradicionais de demarcação de suas qualidades pessoais, glorificado e honrado por aquela que fora a mais influente instituição republicana, o que demonstra o co- nhecido movimento de validação pública de sua auctoritas individual. 35 Tertium decimunt consulatum cum gerebam senatus et equester ordo populusque Romanus universus appellavit me patrem patriae in vestíbulo aedium mearum inscribenduin et in curia Iulia et in foro Augustus sub quadrigeis, quae mihi ex sic posita sunt, decrevit. tradução livre do autor a partir do texto do Monummentum ancyranum, tradução para o inglês e comentários de G. D. leoni. 54 MARCO ANTONIO COLLARES em 27 a. c., três dias antes de receber o prenome de augusto, ele teria feito um discurso apaixonado perante os senadores, enfatizando que “havia restabelecido a república após vingar-se dos assassinos de seu pai” (Dion cassio, livro 43, cap.3). ao ouvir tais palavras, o conselho dos patres ofereceu-lhe um imperium proconsular especial, um ato semelhante ao de 44 a. c. (cf. adcock, 1959, p.98). além de a nova designação recebida ser um imperium proconsular, ela teria dez anos de duração, um prazo maior do que a anterior, única garantia oficial do comando do Princeps nas províncias onde estavam aquarte- ladas suas legiões, entre as quais podemos citar espanha, Gália e síria (néraudau, 1996, p.163). no ano de 23 a. c., após uma breve crise institucional, incluindo uma mal-sucedida tentativa de conspiração contra a vida do Princeps, ele se viu obrigado a abandonar a magistratura do consulado depois de nove eleições consecutivas, a décima primeira de sua carreira (idem, p.179). na mesma época, o imperador teria ficado debilitado por uma molés- tia, chamando os senadores a sua casa e convencendo-os de que teriam um papel importante em sua sucessão, ao contrário