UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Araraquara - SP Diego Azevedo Godoy A Influência da Música e da Dança na Construção da Identidade de Estudantes com Deficiência Intelectual Araraquara - S.P. 2020 Diego Azevedo Godoy A Influência da Música e da Dança na Construção da Identidade de Estudantes com Deficiência Intelectual Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras - Unesp/Araraquara (FCLar), como requisito para obtenção do título de Doutor, em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Sexualidade, Cultura e Educação Sexual Orientadora: Prof.ª Dr.ª Célia Regina Rossi Financiamento: CAPES Araraquara - S.P. 2020 G589i Godoy, Diego Azevedo A Influência da Música e da Dança na Construção da Identidade de Estudantes com Deficiência Intelectual / Diego Azevedo Godoy. -- Araraquara, 2020 238 p. : fotos Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Célia Regina Rossi 1. Identidade. 2. Psicologia. 3. Música. 4. Educação. 5. Deficiência. I. Título Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Diego Azevedo Godoy A Influência da Música e da Dança na Construção da Identidade de Estudantes com Deficiência Intelectual Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras - Unesp/Araraquara (FCLar), como requisito para obtenção do título de Doutor, em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Sexualidade, Cultura e Educação Sexual Orientadora: Prof.ª Dr.ª Célia Regina Rossi Financiamento: CAPES Data da Defesa: 08/12/2020 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientadora: Profa. Dra. Célia Regina Rossi - UNESP Membro Titular: Profa. Dra. Débora Raquel Costa Milani - UNESP Membro Titular: Profa. Dra. Nilce Maria Altenfelder Silva de Arruda Campos -UNIMEP Membro Titular: Profa. Dra. Elisabete Figueroa dos Santos – UNICEP; UNESP (substituta) Membro Titular: Prof. Dr. Vinicius Furlan – UNIMEP________________________________________ Local: Universidade Estadual Paulista – UNESP - Faculdade de Ciências e Letras – FCLAr - Campus de Araraquara – SP - Brasil Dedicatória “O que vem fácil vai fácil”, não me lembro bem de quem é esta frase, ou de onde é este ditado popular, mas é com esta ideia que eu pretendo dedicar este trabalho às pessoas que fazem da sua própria vida, algo que vai além do esperado pelos outros, o que se torna uma dificuldade para alguns que se prendem ao narcisismo, egoísmo, posse, materialismo, apego, e conforto. Voluntariamente ou profissionalmente estes que trabalham pelo outro, pela saúde, educação, bem-estar, a eles, este trabalho é dedicado, para você que sabe que o que “vem fácil vai fácil” e que na realidade o mundo social é feito de afetos, emoções, e amor pelos outros, objetivamente vendo que a vida não é fácil, a vida é difícil, e o que vem difícil se torna o desafio. Dedico este trabalho a todos/as que desafiam o convencional, que procuram quebrar as barreiras e revolucionam, seja com a ciência, com a arte, com a sociabilidade e etc. Este trabalho também é dedicado a todas as pessoas com deficiência intelectual e física, a todas as famílias que com muita força trabalham, sustentam, cuidam, e de cabeça erguida combatem as batalhas diárias da vida e da sociedade moderna priorizando e assegurando o bem estar dos seus entes. Familiares estes que se entregam por amor e abrem mão da sua própria vida para ter a vida de seu ente querido com a melhor qualidade, intelectual, emocional e social. Aos cuidadores/as que tem como profissão cuidar e estão sempre ajudando e fazendo parte da vida pessoal destas pessoas, dedicando estudo, tempo e afeto a este público. Aos professores da educação especial e a todos que trabalham com o público deficiente. Dedico esta pesquisa a todos que amam os deficientes e fazem mais por eles do que por si próprio. Também a todos/as os/as musicistas e artistas que como eu, acreditam no potencial que a música/arte/dança possuem, tanto como comunicação, expressão, interação, entretenimento, capacidade terapêutica e transformadora na dimensão da saúde do ser humano, como também na educação especial com objetivos sociais e educacionais, tendo a educação musical como base cientifica fundamental para o desenvolvimento de pedagogias musicais. A todos/as os/as Professores/as, Educadores/as Musicais e Musicoterapeutas que honram as suas formações e fazem das profissões um campo de trabalho forte, principalmente àqueles que trabalham com a deficiência, na musicoterapia ou na educação musical possibilitando a evolução do processo identitário, de sociabilidade e da saúde mental do ser humano. A todos/as os/as psicólogos/as que escolheram uma profissão que transforma a realidade e é transformada por ela cotidianamente, uma profissão da área de humanas e da saúde, que atua no cuidar do ser humano, no tratamento, na reabilitação, no progresso e no desenvolvimento do ser humano. Dedico este trabalho pincipalmente aos psicólogos/as que exercem uma função e atuam diretamente na aera da educação e na área social, vinculando seus trabalhos da psicologia com a psicologia da educação e a psicologia social. A todos os/as que estudam, trabalham ou estão de alguma forma relacionados à Música, à Educação, à Psicologia, à Ciência e à Saúde. Dedico este trabalho à minha orientadora Prof. Dra. Celia Regina Rossi, pois graças a ela que consegui estudar diversos temas sem sair do meu percurso construído no mestrado com a teoria de identidade (CIAMPA, 2007), quando vinculei temas propostos por ela com as áreas da educação e sexualidade, e autores de áreas da educação, educação especial, psicologia, temas sociais, modernidade e pós- modernidade dentre outras áreas. Dedico também aos meus pais, minha mãe Mara de Azevedo, psicóloga, por ser uma grande amiga e professora, que sempre me apoiou e abriu mão de muitas coisas por mim durante a vida, principalmente nestes quatro anos do doutorado. Agradeço sua força, perseverança, determinação, seus ensinamentos sobre o equilíbrio, a paz, o amor e a vontade por conhecimento. Sempre com abertura de diálogo e troca de ideias, buscando entender minha identidade e minha subjetividade. Sendo a influência primordial em minha profissão, em minhas ideologias, valores e crenças, em aceitar minhas escolhas e me mostrar as belezas da natureza, da mente e da simplicidade da vida. Ao meu pai Antônio Fernando Godoy, que foi quem possibilitou a minha formação. Apesar de não seguir a área de exatas, segui como ele o caminho da docência acadêmica. Obrigado por tudo que fez por mim até hoje. Você não teve a possibilidade de concluir o seu doutorado, por isso muito obrigado por tudo que fez para eu concluir o meu. As minhas irmãs Lara Azevedo Godoy e Ruana Azevedo Godoy e meu irmão Fernando Pimentel Godoy por compartilharem comigo a união da família e sempre estavam presentes. Ao meu avô Dr. Amado Leonisio Azevedo, querido velho baiano que me despertou o interesse pela ciência desde cedo, pelo conhecimento, pelo estudo, pela vontade de aprender o novo, pela disciplina com metas e objetivos. Sempre apontando e reforçando que estudar é a melhor coisa na vida, o meio pelo qual nós potencializamos nossas capacidades como seres humanos, nos tornando mais experientes, inteligentes e completos. Tenho como inspiração pessoal sua história de vida e a honra de seguir seus passos. A minha vó Claudete Bortolin que sempre me auxiliou e me deu suporte, como uma segunda mãe. Guardo com carinho tudo que me proporcionou e me ajudou a conquistar, com sua solidariedade e bondade. Sou grato pelo apoio, dedicação, paciência e tolerância que teve comigo. Aos meus avós de Fernandópolis, Domingos Godoy Repizo e Lurdes Justi Godoy, que apesar da distância sempre me ajudaram e contribuíram em minha educação, através da simplicidade, humildade e humanidade, fizeram de mim um homem melhor. Obrigado pela educação, carinho e amor. A todos/as que trabalham para possibilitar que os alunos estudem. A grande maioria social que trabalha braçalmente, e tem por direito a participação e o envolvimento no que os alunos e pesquisadores produzem, pois a maioria destes trabalhadores tem seu direito de estudo sabotado pelo Estado e desde cedo, trabalham para manter a sobrevivência, sendo responsáveis por tudo que é construído e mantido desde a roupa que vestimos até a universidade em que estudamos, assim como uma sociedade de forma geral, agradeço aos trabalhados, agradeço e dedico este trabalho a todos e principalmente a maioria que com seu impostos possibilitaram a contemplação de minha bolsa para a realização deste trabalho. Para a maioria que não teve esta oportunidade, me comprometo assim a compartilhar e trabalhar para que toda esta construção repleta de objetivos, apresente resultados de relevância social e gerem caminhos para outras pesquisas que possam gerar mais resultados e transformações positivas e eficazes na realidade. Conscientizando estudantes a fazerem mais pesquisas sociais, educacionais, psicológicas e de cunho humanista, que proporcionem olhares e resultados para a população mais negligenciada nesta sociedade. No caso específico desta pesquisa, é pretendido investigar cientificamente e contribuir mostrando a relevância da música na constituição da identidade de estudantes com deficiência intelectual. Agradecimentos Agradecer é algo que mais precisamos fazer. Assim, se faz necessário falar um pouco daqueles que contribuíram tanto para a construção de uma pesquisa que resultou neste trabalho. São estas pessoas que fazem ser possível a realização da vida. É através dos outros que o ser social pode construir sua identidade e transformá-la sempre. A sociabilidade e a interação social são as bases para qualquer constituição humana. Nestes tempos de quarentena e isolamento social, nunca se pensou tanto na importância das relações sociais. Assim, o agradecimento é fundamentalmente importante para construção de vínculos, fortalecimento de parcerias, e reconhecimento sobre a influência do outro na constituição singular da identidade. A gratidão deveria constituir uma ação primordial na vida do ser humano que pretende deixar para o próximo, uma sociedade mais justa e fraterna. Sei que precisaria de muitas páginas para citar todos os nomes daqueles que me ajudaram nessa jornada e ainda assim, correria o risco de esquecer algumas pessoas importantes e claramente não faria jus a esta enorme lista. Desta forma, começo meus agradecimentos aos professores que fizeram parte de minha história, desde a formação educacional no ensino médio até a universidade em Psicologia na UNIMEP. Em seguida, vieram aqueles que me auxiliaram no programa de Pós Graduação Lato- Sensu em Musicoterapia na Faculdade FMU, e também no programa de mestrado stricto-sensu em Psicologia Social da PUC-SP, para então chegar nestes últimos quatro anos de minha vida com a participação de todos os professores e colegas do programa de doutorado em Educação Escolar na UNESP. Continuo meus agradecimentos à agência de fomento CAPES pela bolsa de estudos concedida, que me auxiliou e permitiu cursar o doutorado, me dedicando a pesquisa, a inovação, exploração e investigação do conhecimento científico nas áreas das ciências humanas. Agradeço também à minha orientadora Profa. Dra. Célia Regina Rossi, que me abriu as portas aceitando primeiramente minha presença como aluno especial, e depois como aluno e orientando no programa de pós graduação em educação escolar, acolhendo este projeto de pesquisa, que me despertou o desejo cada vez maior pela área da Educação e possibilitou que o trabalho fosse construído na perspectiva da Psicologia Social, vinculada a Educação Especial e a Música, se tornando os três temas chave desta pesquisa. Aos professores da banca de qualificação que me ajudaram muito nas coordenadas e orientações para a construção e execução do texto final: Dra. Nilce Maria Altenfelder Silva de Arruda Campos, Dra. Débora Raquel Costa Milani, também aos professores convidados para a banca final, Dra. Elisabete Figueiro e Dra. Ana Cláudia Bortolozzi Maia, e aos suplentes Dr. Pedro Bordini Faleiros, Dr. Vinicius Furlan e Dra. Debora Cristina Fonseca pela disposição em participar deste trabalho e aceitar meu convite. De forma, geral agradeço a todos os professores doutores da banca pela disposição e paciência em contribuir, discutir, analisar, criticar e contribuir para esta pesquisa. Aos colegas de sala de aula, núcleos de pesquisa, secretários, faxineiros, cozinheiros, enfermeiros funcionários, enfim, todos que trabalham e trabalharam na UNESP-FCLar, onde desenvolvi minha pesquisa, compartilhando ensinamentos teóricos e práticos da vida acadêmica e cotidiana. É claro que não poderia deixar de agradecer aos meus amigos que compartilharam momentos de suas vidas ouvindo as minhas angústias. Foram tantos que não consigo nomeá-los. Muitos já se foram, mas todos tiveram sua importância nesta trajetória, só tenho a agradecê-los. Onde estiverem vocês sabem quem vocês são, e peço que não se magoem por não citar nomes, pois levaria páginas e páginas e mesmo assim, por descuido deixaria alguém de fora e seria injusto de minha parte. Assim, aqui estão aqueles que fizeram parte da minha vida, desde a infância até meus 32 anos em 2020, obrigado irmãos e irmãs, amigos e amigas, parceiros e parceiras. Agradeço a instituição Centro de Reabilitação de Piracicaba que possibilitou o campo metodológico ser executado durante as aulas de educação musical. A coordenadora que foi muito atenciosa e interessada no trabalho. A diretora que também mostrou muita receptividade e apresentou acolhimento à pesquisa. A professora 1 de música uma importante peça desse xadrez, aceitando minha observação participante, minha presença, minhas entrevistas, minhas ideias, minha real intenção de trabalhar com a música e a educação especial, com um profissionalismo impecável e uma humanidade magnífica. Agradeço a todos os sujeitos que participaram comigo desta pesquisa, alunos deficientes intelectuais da sala de Música e Movimento, e que aceitaram minha presença em sala de aula, meus olhares, minhas ideias, minhas ações que por dois semestres construíram um vínculo comigo, gerando um clima de reconhecimento e aceitação, amizade e respeito, já que existe uma grande dificuldade em aceitar um olhar externo e também a participação de alguém novo para alunos da educação especial. Agradeço aos quatro alunos selecionados para participar da roda de conversa e aos entrevistados, pois sem eles não seria possível realizar esta etapa final da pesquisa, obtendo o feedback dos próprios sujeitos desta, e a análise do sujeito principal, aluno L que demonstrou ser um caso emblemático e merecedor da analise final, trazendo consigo praticamente todos os elementos indenitários estudados e apresentados nesta pesquisa e todo o desenvolvimento e evolução com o trabalho musical e corporal. Devido ao progresso identitário e musical durante o processo educacional, o Aluno L se destacou de uma forma ímpar a ponto de se tornar o protagonista deste trabalho e mostrar no campo metodológico que sim, é possível o que questionamos em nossa hipótese, e nosso objetivo só foi possível de ser alcançado devido a participação deste sujeito. Assim agradeço a sua contribuição, paciência e vontade de participar desta trajetória, principalmente com o feedback na roda de conversa. A toda minha família de Piracicaba que sempre esteve ao meu lado, de Fernandópolis até a Bahia, primos, tios, amigos de infância, amigos de faculdade, amigos de trabalho, amigos de sangue. A minha parceira, amiga, amante e namorada, Fabiola R. Penha que me ajudou muito no momento final de minha pesquisa, e fez a diferença em minha vida. Agradeço à ciência e obrigado a todos que fizeram e fazem parte de minha caminhada. O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Sabemos hoje que as identidades culturais não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação. Mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino- americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemias, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de épocas para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso. (SANTOS, B. S. 2013. Pag.139) Resumo Esta pesquisa fundamentada pela perspectiva da Psicologia Social e pelo estudo da teoria da identidade, e destina-se a pesquisar e investigar a influência e a importância da utilização da música e das expressões corporais da dança no desenvolvimento e constituição da identidade de deficientes intelectuais de uma escola especial na cidade de Piracicaba - SP. O objetivo da pesquisa foi o de investigar, refletir, compreender e comprovar que a educação musical utilizada como instrumento pedagógico para estudantes deficientes intelectuais, proporciona processos de metamorfoses da identidade, possibilitando o desenvolvimento e a construção dos três aspectos/dimensões da identidade aqui abordados: a autonomia, o reconhecimento e a autoestima. Conceitos como o de reconhecimento, autonomia, sociabilidade, representação de papeis, status, estigma, politicas de identidade, identidades políticas e sexualidade, serviram de suporte teórico para as análises aqui desenvolvidas. A metodologia de cunho qualitativo presente no trabalho de campo foi dividia em três principais momentos: entrevistas, observação participante e roda de conversa com feedback. Dessa forma, chega-se a conclusão de que a educação musical na vida dos estudantes deficientes intelectuais pode proporcionar ganhos e beneficiar a autoestima, a construção da autonomia, da sexualidade, e do reconhecimento, permitindo a construção de novos personagens através de metamorfoses que levam a fragmentos emancipatórios da identidade. Palavras chave: Identidade; Psicologia; Música; Educação; Deficiência. Abstract This dissertation, based on the perspective of Social Psychology and the study of identity theory, aims to research and investigate the influence and importance of the use of music and body expression through dance in the development and constitution of mental disabled students’ identity, in Piracicaba- SP. The objective of the research was to investigate, reflect, understand and demonstrate that the musical education used as a pedagogical tool for students with intellectual disabilities, provides processes of identity metamorphosis, enabling the development and construction of the three aspects/dimensions of identity discussed in this work: autonomy, recognition and self- esteem. Concepts such as recognition, autonomy, sociability, role representation, status, stigma, identity politics, political identities and sexuality, have provided theoretical support for the analyses developed here. The qualitative methodology applied in the field work was divided into three main moments: interviews, participant observation and feedback conversation. Therefore, we came to the conclusion that musical education in the lives of intellectually disabled students can provide benefits for self- esteem and for the construction of autonomy, sexuality and recognition, allowing the development of new ‘characters’ through metamorphoses that lead to emancipatory fragments of identity. Key-words: Identity; Psychology; Music; Education; Disability. Resumen Esta investigación fundamentada teóricamente en la perspectiva de la Psicología Social y en el estudio de la teoría de la identidad, se destina a pesquisar e investigar la influencia y la importancia de la utilización de la música y de las expresiones corporales de la danza en el desarrollo y constitución de la identidad de personas con discapacidad intelectual, pertenecientes a una escuela especial de la ciudad de Piracicaba - SP. El objetivo de la investigación fue, de investigar, reflexionar, comprender y comprobar que la educación musical utilizada como instrumento pedagógico direccionado a estudiantes con discapacidad intelectual, proporciona procesos de metamorfosis de la identidad, posibilitando el desarrollo y la construcción de los tres aspectos/dimensiones de la identidad aquí abordados, que son: la autonomía, el reconocimiento y la autoestima. De esta forma los conceptos como o el reconocimiento, la autonomía, la sociabilidad, la representación de papeles, el status, el estigma, las políticas de identidad e identidades políticas y la sexualidad, fueron abordados teóricamente y trabajados en los análisis. La metodología de sello cualitativo presente en el trabajo de campo fue dividida en: entrevistas, observación participativa y grupo focal con feedback. La investigación abordó en que grado la educación musical en la vida de los estudiantes con discapacidad intelectual, ha podido proporcionar provechos y beneficiar la autoestima, la construcción de la autonomía, de la sexualidad, y del reconocimiento, proporcionando nuevos personajes a través de procesos de metamorfosis que llevaron a fragmentos emancipatorios de la identidad. Palabras claves: Identidad; Psicología; Música; Educación; Discapacidad. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Perfil da Instituição: funcionários (as) e estudantes (as) 145 Quadro 2 - Sujeitos da pesquisa 149 Quadro 3 - Pergunta 1: o que vocês acham desta atividade? 177 Quadro 4 - Pergunta 2: como a aula de música e movimento ajuda com o corpo? 178 Quadro 5 - Pergunta 3: a música e o movimento ajudam? 178 Quadro 6 - Pergunta 4: no que a música e a dança ajudam? 179 Quadro 7 - Pergunta 5: vocês escrevem letras de música? 180 Quadro 8 - Pergunta 6: o que vocês gostam de escutar? 181 Quadro 9 - Pergunta 7: o que vocês aprenderam com o exercício da bolinha? 181 Quadro 10 - Pergunta 8: o que vocês aprenderam com o exercício da bexiga? 182 Quadro 11- Pergunta 9: do que vocês mais gostam nas aulas? 183 Quadro 12 - Pergunta10: vocês gostaram de trabalhar com música clássica, ano passado? 183 Quadro 13 - Pergunta 11: as aulas de música e movimento ajudam na coordenação motora? 184 Quadro 14 - Pergunta 12: as aulas de música e movimento ajudam a ficarem mais calmos? 184 Quadro 15 - Pergunta 13: as aulas de música e movimento deixam vocês mais alegres? 185 Quadro 16 - Pergunta 14: qual a idade de vocês? E gostam de música de festa de aniversário? 185 Quadro 17- Pergunta 15: quando tem aulas de música e movimento, vocês gostam de participar? 185 Quadro 18 - Pergunta 16: qual a diferença das aulas de música e movimento? 186 Quadro 19 - Pergunta 17: quando vocês vão se apresentar, o que sentem? 186 Quadro 20 - Pergunta 18: vocês já se apresentaram uma vez. No final do ano farão outra apresentação. Como foi a 1º apresentação? 186 SIGLAS LDB - Leis de Diretrizes e Bases CENESP – Centro Nacional de Educação Especial LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior UNESP - Universidade Estadual Paulista CRP - Centro de Reabilitação de Piracicaba DI - Deficiente Intelectual I-M-E - Identidade Metamorfose Emancipação ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal NEPIM - Núcleo de Estudos em Pesquisa Identidade e Metamorfose SIP - Sociedade Interamericana de Psicologia CESEX - Centro de Sexologia de Brasília SBRASH - Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana GTPOS - Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual PCN - Plano Curricular Nacional AEE - Atendimento Escolar Especializado CNE – Conselho Nacional de Educação INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira SEM - Sala de Recursos Multifuncional CAEE - Centro de Atendimento Educação Especializada PC - Paralisia Cerebral FCLar - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEA - Síndrome de Espectro Autista Sumário 1. APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 18 2. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 20 3. 1.1 Falando sobre identidade .......................................................................................... 31 4. 1.2 George Hebert Mead: o conceito do outro generalizado e sua relação com a identidade ....................................................................................................................... 32 5. 1.3 Lev S. Vygotsky e a Mediação: Semelhanças Com o Pensamento de Mead na Socialização do Indivíduo .............................................................................................. 37 6. 1.4 Berger & Luckmann: Construção Social da Realidade e a Identidade .................... 44 7. 1.5 Jurgen Habermas: A Identidade do Eu, e a Identidade do Papel: dialéticas que Fundamentam a Teoria da Identidade de Ciampa e o Sintagma .................................... 47 8. 1.6 Sarbin & Scheibe e o status: A Influência do Modelo Tridimensional na Teoria da Identidade e no Sintagma ............................................................................................... 49 9. 1.7 Erving Goffman e Ciampa: O Estigma, Políticas de Identidade e as Identidades Políticas .......................................................................................................................... 51 10. 1.8 Axel Honneth: O Reconhecimento e a Auto Estima, com Relação a Identidade ..... 57 11. 1.9 A Teoria da Identidade de Ciampa e o Aprofundamento na Compreensão do Sintagma I-M-E: A questão da autonomia ..................................................................... 66 12. 1.10 Identidade e Diferença ........................................................................................... 76 13. 1.11 Identidade na Contemporaneidade: O Conceito Pós-Moderno de Identidade e sua Importância para a Discussão. ........................................................................................ 80 14. 1.12 A Cultura e a Sexualidade na Identidade ............................................................... 87 15. 1.13 A Sexualidade e a Expressão Corporal como uma Expressão da Identidade ......... 94 16. 1.14 A Educação Sexual na Educação Especial ............................................................. 97 17. SEÇÃO 2. DEFICIÊNCIA, EDUCAÇÃO E MÚSICA............................................... 102 18. 2.1 Deficiências em Perspectiva: Os Caminhos que Levaram à Educação Especial e à Educação Inclusiva ....................................................................................................... 102 19. 2.2 Deficiência como Categoria de Estudo .................................................................. 112 20. 2.3 A Identidade do Deficiente: Estigmas e Preconceitos na Luta pelo Reconhecimento ...................................................................................................................................... 114 21. 2.4 Músicas e o Universo dos Sons: Compreendendo a Musicoterapia ....................... 117 22. 2.5 Músicas e o Universo dos Sons: Compreendendo a Educação Musical ................ 125 23. 2.6 A Pedagogia de Émile Jaques-Dalcroze: Música e Movimento: ........................... 130 24. SEÇÃO 3. ABORDAGEM METODOLÓGICA ......................................................... 137 25. 3.1 Objetivos e Técnicas de Pesquisa ........................................................................... 137 26. 3.1.1 A Observação Participante e as Rodas de Conversa ........................................... 141 27. 3.2 Desenvolvimento: O Lugar e os Sujeitos de Pesquisa ........................................... 146 28. 3.2.1 A Organização das Aulas de Música ................................................................... 153 29. 3.2.2 O Cotidiano do Campo. ...................................................................................... 160 30. 3.2.3 A Roda de Conversa ............................................................................................ 178 31. SEÇÃO 4. ANÁLISES DA TESE ............................................................................... 192 32. 4.1 Discussão da Tese .................................................................................................. 192 33. 4.2 Analise do Estudante L: Lukão o Mensageiro ....................................................... 195 34. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 218 35. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 223 36. ANEXOS ..................................................................................................................... 230 37. Anexo 1 - Convite para a apresentação do grupo de música em movimento ............... 230 38. Anexo 2 - Letras das músicas de Rap compostas pelo estudante L ............................. 231 39. Anexo 3 - Fotos do estudante L. fazendo o passo “parada de mão” do Breakdance ... 233 40. Anexo 4 - Fotos da sala de educação musical da instituição ........................................ 234 41. Anexo 5 - Documento da autorização de imagem do vídeo clipe do estudante L ....... 238 18 APRESENTAÇÃO Minha trajetória com o trabalho e docência em Música, em diversas instituições escolares, teve início na minha vida aos dezessete anos de idade, no ano de 2005, e é decorrência de um percurso de aprendizagem que vem ocorrendo desde os doze anos, quando realizei os primeiros estudos em guitarra e violão e, alguns anos mais tarde, na harmônica (gaita). Às voltas com o Vestibular, optei pelo curso de Rádio e TV junto à Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), mas passado um semestre sem me adaptar, decidi pelo curso de Psicologia, na mesma instituição, em 2006. A alternância simultânea entre o trabalho de professor de música em uma escola musical e os estudos em Psicologia na universidade desencadeou o interesse por realizar uma ponte entre estas duas áreas de conhecimento, o que resultou no trabalho de conclusão de curso - TCC - sob o tema: A música como auxílio no desenvolvimento da sociabilidade em 2011. Este tema inspirou o projeto de pesquisa de Mestrado. O primeiro trabalho como recém-formado, em 2011/2012, ocorreu na área de acolhimento institucional junto a um abrigo de crianças e adolescentes, no qual percebi a possibilidade de trabalhar a música como ferramenta de apoio voltada aos campos da identidade, sociabilidade e do reconhecimento. Em 2013, ingressei no Mestrado em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e ao mesmo tempo, cursava a Especialização em Musicoterapia, junto à instituição Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), aprofundando os estudos sobre o tema da identidade e de musicoterapia. Os mesmos fundamentaram a Dissertação de mestrado intitulada “Além do Musicoterapeuta: um estudo sobre a identidade do Musicoterapeuta e seu reconhecimento fundamentado no sintagma identidade-metamorfose-emancipação”, defendida em março de 2015, publicada como livro “Para além de um Musicoterapeuta: um estudo de Psicologia Social sobre identidade e seus Reconhecimentos” em 2017. Após a conclusão do curso de Especialização em Musicoterapia, em 2015, passei a atender clinicamente de forma particular, junto a algumas equipes de profissionais da saúde, crianças com deficiências diversas como: autismo, síndrome de Down, paralisia cerebral, dentre outras deficiências. Esta experiência profissional despertou em mim o interesse pela área da Educação Especial. Assim, em 2016, ingresso no doutorado em Educação Escolar, na Universidade Estadual Paulista (UNESP-FCLAr). 19 Naquele momento, já lecionava as disciplinas: grupos e relações interpessoais, processos grupais, psicologia social I, psicologia social II, psicoterapias com base fenomenológica-existencial, teorias com base fenomenológica-existencial, tópicos integradores II, junto ao curso de graduação em Psicologia da Faculdade de Americana (FAM). Assim, já desenvolvia uma prática acadêmica que, durante os anos de 2015 e 2016, me deu a possibilidade de ampliar e enriquecer os conhecimentos práticos e teóricos. Além de proporcionar as experiências pessoais e profissionais, essa prática possibilitou uma melhor elaboração do caminhar acadêmico no sentido de aprofundar os estudos nas áreas sociais, educacionais e humanistas. Ao direcionar os estudos para a área da Educação, busquei produzir uma pesquisa que pudesse contribuir para a construção de um novo conhecimento, a partir das experiências práticas, teóricas, e epistemológicas. Estas possibilitaram uma interlocução entre: educação especial, educação escolar, educação musical e educação em sexualidade, nos campos da psicologia social, música e da musicoterapia, tendo como foco o conceito de identidade. O desenvolvimento deste trabalho remeteu, portanto, a inquietações e explorações inacabadas em minha trajetória, e apontou para uma pesquisa que engloba aspectos das áreas profissionais e acadêmicas percorridas até o momento. Nesse sentido, a relevância deste trabalho está na produção de novos conhecimentos, novos estudos de referência nas área social e da educação, a fim de gerar um conteúdo multidisciplinar ainda pouco conhecido e atual sobre música e dança em educação especial. Com base neste conteúdo, pretende-se identificar se, e de que forma, os elementos da música e da dança proporcionam mudanças significativas, metamorfoses e fragmentos emancipatórios da identidade nos campos da autoestima, do reconhecimento e da autonomia, e da sexualidade como parte da expressão da identidade. Parte-se da hipótese de que o trabalho com a educação musical orientado para o desenvolvimento psicossocial da identidade possibilita movimentos que contribuem e transformam a vivência cotidiana de adolescentes com deficiência intelectual, impulsionando transformações no âmbito da sociabilidade. 20 INTRODUÇÃO Quando estudantes adolescentes apresentam alguma deficiência, seja ela, de nascimento ou não, suas vidas são completamente modificadas, e suas identidades transformadas perante a sociedade em que vivemos. Há pouca compreensão do que é identidade como articulação das igualdades, equidades e diferenças e do que é identidade na deficiência e na educação especial. O estudo científico de uma situação de estigma social vivenciada, no caso, pelo/a adolescente com deficiência intelectual1 e que em geral, tem falta de autonomia e reconhecimento, baixa autoestima, uma sexualidade e uma expressão corporal reprimida, abriu caminhos para a quebra de paradigmas e modelos sociais massificados, contribuindo para o desenvolvimento das suas condições psíquicas, educacionais, e sociais na constituição da identidade. (GOFFMAN, 1975) No mundo acadêmico científico sabe-se que a música possibilita trabalhar com mecanismos de interação social, ligados à educação como: união, expressão corporal, comunicação, visão da música como linguagem, terapia, multiplicidade, internalização de valores, formação de autoestima, formação de autoimagem, e também auxilia no desenvolvimento de capacidades motoras, afetivas, mentais, sexuais, sensoriais, cognitivas, criadoras, sociais, culturais, dentre outras. A pergunta que gera inquietação, no entanto é: seria possível desenvolver através dos processos de metamorfose identitária, uma educação consciente que contribui para o desenvolvimento dos aspectos da autoestima, da autonomia e reconhecimento da identidade de deficientes intelectuais, através do instrumento pedagógico da música e dança? Nesse sentido, esta pesquisa teve como objetivo, investigar o processo destes aspectos citados acima, e através das aulas de educação musical mostrar a importância da música e da dança para o desenvolvimento da identidade de adolescentes com deficiência intelectual, que sofrem seriamente de sentimentos de exclusão, tem seus direitos violados, e carregam marcas sociais em seus desejos – marcas de sofrimento, de preconceito e de exclusão. 1 Atualmente, a American Association of Mental Retardation (Associação Americana de Retardo Mental, AAMR) compreende a deficiência intelectual em uma perspectiva multidimensional, funcional e bioecológica, “caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, como expresso nas habilidades práticas, sociais e conceituais”. (MILIAN, G. ALVES, R. J. R; WECHSLER, S. M; NAKANO, T. C. 2013). 21 A ideia central desta pesquisa foi a de proporcionar uma metodologia construída para esta finalidade, a um grupo de adolescentes nestas condições2, no decorrer de aulas de música de uma instituição que trabalha com estes adolescentes em uma cidade do interior do estado de SP. O propósito da pesquisa foi observar, investigar, avaliar o desenvolvimento da identidade e metamorfoses, fragmentos de emancipação e personagens, possibilitados pela experiência com a música e a dança, analisando as mudanças significativas ocorridas nos três aspectos e dimensões da identidade: autoestima, autonomia e reconhecimento. Para se trabalhar com estes três aspectos e dimensões da identidade, foi necessário à aproximação da teoria de Identidade de Ciampa (2007) e compreender suas fundamentações, assim também como compreender o sentido da sexualidade e das expressões do corpo do deficiente intelectual, da música e da dança como instrumentos educacionais, para então aprofundar o estudo e focar nos processos de metamorfoses e constituições de fragmentos emancipatórios de identidades que sofrem os estereótipos sociais. O que é universal e constitutivo na humanidade é que entramos, a partir de nosso nascimento, numa rede de relações inter-humanas, portanto, num mundo social; o que é universal é que todos aspiramos a um sentimento de nossa existência. Os caminhos que nos possibilitam aí chegar, em compensação, variam segundo as culturas, os grupos e os indivíduos. (TODOROV, 1996, p. 98). A Identidade na compreensão de Ciampa (2007) o vir a ser precede o ser em si, este é um pressuposto básico para este conceito. O fato de que não nascemos humanos, nascemos humanizáveis, passíveis de interação e socialização, faz com que sejamos estimulados a partir da cultura em que estamos inseridos. A nossa identidade é atribuída pelos papéis que ocupamos no meio social e histórico a que pertencemos. Já de início, sabemos que uma identidade determina a outra, pois “toda coexistência é um reconhecimento”. (TODOROV, 1996 p.60). Antes mesmo de nascermos, quando nossos pais ou familiares escolhem nossos nomes, começa a se constituir a identidade. Podemos pensar também nesta constituição 2 No caso desta pesquisa, os diagnósticos de D.I. não são claros, podem ter sido resultados de várias adversidades/variáveis, desde IMC/Paralisia cerebral dentre outras, como atraso cognitivo e neurológico, ou complexidades de parto com faltas de oxigenação, etc. 22 dialeticamente entre a nossa identificação atribuída pelos outros, e a nossa auto- identificação. Por meio da socialização e da presença cotidiana da cultura que segundo Berger (1971, p.2) “consiste na totalidade dos produtos do homem”, pode-se entender como a constituição da identidade do indivíduo começa a ocorrer, pois é “dentro da sociedade, e como resultado de um processo social, que o indivíduo se converte em pessoa, adquire e mantém uma identidade e realiza os diversos projetos que constituem sua vida” (BERGER, 1971, p.1). A identidade, portanto é resultado de um processo de desenvolvimento social, e nosso reconhecimento como seres humanos vêm por meio desta elaboração. Nesta investigação, utilizou-se o conceito de identidade como uma categoria de estudo da Psicologia Social. Segundo Ciampa (2007) vários de seus constructos teóricos que levam até a ideia do sintagma identidade-metamorfose-emancipação - I-M-E3. Neste sintagma, a ideia de metamorfose traz o sentido de transformação que existe no processo de constituição da identidade, mesmo quando parece não haver esta transformação evidente e surgem imagens de mesmice e estagnação. A identidade continua metamorfose, e algumas metamorfoses a partir de lutas identitárias emblemáticas, constituem lutas pela transformação com vistas a fragmentos de emancipação, estabelecendo-se uma tríade conceitual com um sentido singular. Assim, como bem defendeu Ciampa (2009) em seu estudo de doutoramento: identidade é metamorfose. Em que pese um conceito recuperado da Biologia, isso implica reconhecer que a metamorfose da identidade não ocorre como no caso de borboletas, que se dá apenas uma vez na vida na passagem da lagarta à borboleta, mas enquanto um processo semelhante, que tem variações de grau e significado na vida de um ser humano, porém que ocorre de modo constante ao longo da vida. Passamos, portanto, por muitas e diferentes metamorfoses ao longo de nossa história. (FURLAN, 2020, p. 84). Ao pensar a identidade através de uma reflexão dialética, psicossocial Franckfourtiana, pensa-se na sociedade, seus mecanismos e processos de funcionamento, no sistema capitalista, repleto de desigualdades e dominante em nossa modernidade. 3 A ser melhor explicado no decorrer deste texto. 23 O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante a longo prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente “nem – um - nem – outro”, torna-se a longo prazo uma condição enerverante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é atraente em nossa época liquido- moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é, o herói popular “estar fixo” – ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa é algo cada vez mal visto. (BAUMAN, 2005, p. 35). As instabilidades e mudanças na identidade são necessárias e contínuas, a segurança em uma identidade fixa não é possível e também é uma ilusão, uma imagem cristalizada às vezes se confronta com algo aquilo que é natural do ser humano, as mudanças, e as possibilidades de metamorfoses reais e significativas de personagens, frente a uma sociedade de poder como a nossa. Uma sociedade assim, como uma sociedade de classes com modelos empresariais, determina identidades que alienam os indivíduos, colocando-os em uma condição de identificação submissa e estigmatizante. Esta mesma sociedade determina as identidades alienadoras, aquelas dos opressores com uma identificação de poder e status exacerbados. Permita-me comentar que a identificação é também um fator poderoso na estratificação, uma de suas dimensões mais divididas e fortemente diferenciadoras. Num dos polos da hierarquia global emergente estão aqueles que se constituem e desarticulam as suas identidades mais o menos à própria vontade, escolhendo-as no leque de ofertas extraordinariamente amplo, de abrangência planetária. No outro polo se abarrotam aqueles que tiveram negado o acesso à escolha de identidade, que não tem direito de manifestar as suas preferencias e que no final se veem oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros – identidades que eles próprios ressentem, mas não tem a permissão de abandonar nem das quais conseguem se livrar. Identidades que estereotipam, humilham desumanizam estigmatizam... (BAUMAN, 2005, p. 44). Nesse cenário os adolescentes deficientes partilham de uma identidade socialmente violada, estrangulada, e sem direito a voz e desejo. Outros sujeitos sociais podem estar, coletivamente nessa situação, porém no caso da deficiência, a estigmatização é claramente objetivada. “O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo” (GOFFMAN, 1975, p. 06). 24 A identidade social das pessoas com deficiência tem, desde tempos remotos, produzido diferentes abordagens e visões, quase sempre errôneas, que se transformaram em crença e fé – pois esta não é passível de persuasão em contrário nem com argumentos e provas de que estão erradas, o que não acontece com a crença, que fintes provas de erro, corrige-se, segundo Agnes Heller (1985a). Assim, os preconceitos não são refutados, apesar de evidências e provas em contrário de que suas vítimas sejam incapazes, inúteis, “coitadas” – características que lhe soa impostas pela política de identidade homogênea – enfim, de que sub-humanas, sem direito a exercer seu papel de cidadãs. (SATOW, 2010, p. 34). Assim os deficientes dentro de uma sociedade capitalista sofrem todo tipo de preconceito por atributos de valores depreciativos – desrespeito, desvalorização, negação, e exclusão pela diferença – e pertencem a um grupo que carrega o estigma social de “portador de deficiência” o que, na sociedade lucrativa e competitiva, significa “incapaz”. Isto faz com que, muitas vezes, sejam subestimados a exercerem trabalhos e tarefas comuns a todos, remanejados para vagas de trabalho predeterminadas ditas “inclusivas”. Desta forma, podem se sentir em situação de desvantagem social pela atribuição de representações que remetem a falha, inferioridade e deficiência. Os estigmas, ou rótulos foram produzidos pela sociedade, foram minuciosamente estudados por GOFFMAN em sua obra Estigma: notas de uma identidade deteriorada (1982). São internalizados pelas pessoas com deficiência desde sua socialização primária (informações recebidas nos primeiros anos de vida pelos pais, famílias ou outras pessoas próximas do ponto de vista afetivo): como todas outras crianças, adquirem seus conceitos e preconceitos (Berger & Luckmann, 1983), ficando, assim, com autopreconceito; isso leva os grupos estigmatizados, como as pessoas com deficiência, a interiorizarem os preconceitos, formando baixa alto-estima e auto- imagem negativa, entre outros problemas psicológicos existenciais. (SATOW, 2010, p.35). A baixa autoestima do indivíduo estigmatizado é muitas vezes caracterizada e proporcionada pela interiorização de preconceitos legitimados pela sociedade, pelos ditos “normais”. O estigma passa a ser então, uma condição de “aceitação” social negativa, em vez de ser compreendido como uma diferença singular, que requer um reconhecimento positivo. A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado pode, agora, ser explicada. É uma questão do que é com frequência, embora vagamente, chamado de "aceitação". Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a 25 consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem. (GOFFMAN, 1975, p.11). A fundamentação teórica possibilitou a discussão da identidade como dialética entre as igualdades e as diferenças, tendo isto como constructo do conceito presente na teoria e epistemologia da identidade, sendo necessária a compreensão de que identidade é articulação de igualdades e diferenças. (CIAMPA, 2007). A incompreensão desta ideia gera a ilusão de uma identidade classificada como ‘normal’, como ‘perfeita’, algo que seja referência dos padrões e status aceitos presentes na classificação social e na relação de poder, isolando a ideia da diferença como algo natural, presente na identidade, levando a um patamar de algo negativo, depreciativo, externo e excluído. O estigma e as pressões sociais podem gerar angustias imensas, levando as pessoas com deficiência à auto exclusão do meio em que vivem “livre e espancada vontade”. Há também, as pessoas que desenvolvem distúrbios psíquicos (não confundir com deficiência intelectual), na tentativa de superar uma identidade pressuposta socialmente; outros acabam por assumir uma autoimagem de super homem que não condiz com eles próprios, sendo, portanto, forçada e sofrida; há pessoas que adotam a identidade-clichê negativa pressuposta, porém com algumas resistências, gerando conflitos e sofrimentos imensos. Há as que seguram na identidade pressuposta, cristalizada, mantendo-se na mesmice; e outros que a superam – todos porém com muito sofrimento. (SATOW, 2010, p. 36). Esta pesquisa abrangeu a complexidade e a dificuldade dos processos de metamorfose e de fragmentos da emancipação e superação, da condição identitária negativa do deficiente intelectual no mundo contemporâneo e no sistema opressor e estigmatizador. Foi um desafio mas foi possível atingir o objetivo da pesquisa e proporcionar mudanças no cotidiano social dos deficientes intelectuais e nas suas identidades em constituição, através da música e da dança em sua significação simbólica. A realidade não foi diferente, na instituição onde a pesquisa se desenvolveu: o estigma esteve presente, e mesmo que a instituição atuasse para que os sujeitos pudessem se reconhecer como indivíduos autônomos, foi preciso assistência e atenção para que o estigma fosse desconstruído e o desenvolvimento social se transformasse em um processo realizador. 26 Segundo Amiralan (2000, p.97) deficiência consiste em: Perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão. Desta forma, quando se trabalha com um determinado público, deve-se entendê- lo em seu contexto histórico-social e em sua cultura. Para Omote (1996, p.131), deficiência é “uma lacuna entre a pessoa e o meio ambiente, uma lacuna entre a capacidade da pessoa para uma determinada atividade e a demanda dessa atividade”. Este termo lacuna faz referência a uma falta, e não a uma diferença. Nem sempre esta diferença é uma falta inacessível ou impossível, em casos extremos fisiológicos e biológicos. Porém, em alguns casos psicossociais, a lacuna em sua maioria das vezes, é propulsora e motivadora dos processos que geram metamorfose. Por terem a característica socialmente estigmatizada da deficiência, é possível que grande parte dos adolescentes com deficiência se sintam reconhecidos somente a partir desta identificação negativa, apagando de seu repertório todas as outras possibilidades e papéis que a identidade possui carregando muitas vezes, uma marca social de rejeição, ou de negação. Esta marca leva aos sentimentos de incapacidade de baixa autoestima. Por isso devemos pensar em identidade não como um dado, mas como um dar-se constante. “[...] a identidade que se constitui no produto de um permanente processo de identificação aparece como um dado, e não como um dar-se constante, que expressa o movimento do social” (CIAMPA, 2007, p.171). Partindo destas reflexões e concepções teóricas, pretendeu-se na pesquisa que os encontros nas aulas musicais em campo, possibilitassem aos sujeitos recursos para o aumento de suas capacidades pessoais, educacionais e emocionais. Ao trabalhar esta lacuna com o olhar voltado para as esferas psicossocial, expressões sexuais, e interagindo com o grupo a partir de seu contexto histórico-cultural, em um espaço não invasivo, possibilitou-se estimular metamorfoses na identidade estigmatizada, produzindo uma mudança nos três aspectos e dimensões desta identidade: autonomia, reconhecimento e autoestima, gerados pelas transformações através do trabalho de música e dança. Na perspectiva da Psicologia Social Critica, acredita-se que os/as estudantes adolescentes podem produzir um movimento social em um “dar-se constante”, que 27 constitui sua identidade como um processo natural e espontâneo, buscando sentimentos de prazer, experimentando outras possibilidades identitárias. Modificando desta forma, os estigmas colocados, e a posição do/a adolescente no âmbito da Educação Especial, que se redireciona, movendo-se em direção ao processo de metamorfose da identidade conservada, “[...] paralisando o processo de identificação pela reposição de identidades pressupostas, que um dia foi posta” (CIAMPA, 2007, p. 71). Ou seja, sua posição social será reconhecida e se reconhecerá de outra forma, ampliando possibilidades de existência, dado que “O reconhecimento de nosso ser e a confirmação de nosso valor são o oxigênio da existência” (TODOROV, 1996, p. 101). Pretendeu-se possibilitar, que o/a deficiente intelectual (DI), pudesse trabalhar possibilidades na música e na dança para o desenvolvimento de suas capacidades, das suas expressões de sexualidade, expressões corporais e da identidade rumo à autoestima, ao reconhecimento, e à autonomia, que são os três importantes movimentos que apontam para uma educação plena, autônoma e consciente. Assim, a pesquisa levantou a hipótese de que é possível através dos elementos da música e das expressões corporais da dança, voltados e estimulados à sensibilização destes sujeitos como instrumentos educacionais e vetores de conhecimento e desenvolvimento sócio educacional, proporcionar e auxiliar um processo de transformação dos aspectos e dimensões relacionados à identidade, autonomia, reconhecimento e autoestima. O trabalho com música, pautado nessa perspectiva de pesquisa, com os autores que são a base para seu desenvolvimento, nos âmbitos da identidade e das expressões corporais, através do movimento do sintagma I-M-E, referido anteriormente, pretendeu-se atuar descontruindo os estereótipos perversos da deficiência, atribuído socialmente e desestigmatizando os tabus sobre sua identidade, sexualidade e suas expressões corporais, proporcionando o desenvolvimento do potencial e da capacidade de evolução da identidade nos aspectos e nas dimensões da autoestima, da autonomia e do reconhecimento, durante a interação social no processo educacional. Portanto para a fundamentação teórica sobre autonomia, as ideias neste estudo foram pautadas na ação e no desenvolvimento singular corporal e psicológico. (VIGOTSKI, 1984); (MEAD, 2002; MORRIS, 2010); (BERGER & LUCKMANM, 2011); (CIAMPA, 2007). Em relação às fundamentações sobre o reconhecimento, sobre a representação de papéis, a estima e status de si perante a identidade e seus movimentos, sobre as políticas 28 de identidade e identidades políticas, sobre a identidade do Eu e a identidade do Papel, parte-se das concepções teóricas dos autores: Habermas (1983); Honneth (2003); Goffman (2013); Ciampa (1977). Além das referências dos autores já citados, foi preciso também o suporte da discussão da sexualidade como um todo, adentrando nos componentes deste tema para compreender as expressões corporais e identitárias, que também foram trabalhadas como elementos no campo de pesquisa, a música e a dança. No caso da sexualidade e expressão corporal, partiu-se da seguinte visão de sexualidade definida pelo Grupo de Estudo Interdisciplinar em Sexualidade Humana- GEISH – Unicamp: A consciência da historicidade do conceito de “sexualidade” tem levado nossas pesquisas a se inscreverem num quadro que é muito mais o de uma ars erotica do que o de uma scientia sexualis atemporal: no GEISH, a sexualidade (assim como o erotismo e as relações de gênero) tem sido problematizada por meio de reflexões que se inscrevem em linguagens culturais diferenciadas, tendo em vista a diversificação das práticas e discursos em que se produzem possibilidades de subjetivação. (MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO 2004, p. 02). Para essa pesquisa, considerou-se que o conhecimento trazido pelos discursos de sexualidade é permeado por relações de poder. Nesta perspectiva, a proposta contemplou diversas áreas de conhecimento que atuam com sexualidade humana, sempre atenta para as práticas, uma vez que, ao levarmos o tema exercitamos, de alguma maneira, o poder contido nos corpos e mentes de todos, como bem aponta Foucault. (MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO, 2004) Compreendeu-se, que a sexualidade, em suas expressões e representações, é um ponto essencial para lidar não só com a autoestima, mas também com o reconhecimento, e a autonomia, na elaboração e constituição da identidade dos estudantes especiais através do trabalho proporcionado pela Educação Musical, e dos princípios fundamentados na área da educação. Assim, foi possível mediar o desenvolvimento destes sujeitos no campo da sociabilidade, abarcando a sexualidade como manifestação do ser e da identidade: “Ao invés de Identidades sexuais marcadamente classificatórias, há a busca por uma Erótica a partir da transformação de si, portanto uma busca pela verdade a partir desta transformação de si”. (FALCHI, 2011 p. 134). http://www.odh.unicamp.br/centros-e-nucleos-da-unicamp-com-pesquisa-em-direitos-humanos#geish 29 Foi fundamental que os/as adolescentes com deficiência intelectual pudessem usufruir de abordagens não invasivas como foi com a música, conseguindo assim buscar estimular relações e interações mais naturais, espontâneas, e que estavam em constante contato com as próprias identidades e expressões: “Temos nesse sentido a música como meio e não como fim” (SAMPAIO, 2005 p.17). O objetivo geral foi o de investigar, de refletir, de compreender e de comprovar por meio da observação participativa e nas rodas de conversa com os/as estudantes, se e como a educação musical e atividades ligadas a música e a dança, no caso a aula de música e movimento, pôde possibilitar elementos para a metamorfose da identidade e construção de novos personagens com caráter emancipatórios dos/as adolescentes referidos/as, proporcionando uma melhora dos aspectos e das dimensões da identidade como: autoestima, reconhecimento e autonomia, contribuindo para a transformação de suas vidas. Mais especificamente, o pesquisador observou, acompanhou e participou do desenvolvimento da identidade dos sujeitos participantes da pesquisa através de atividades educativas de música propostas junto aos professores/as da instituição, coletando dados no diário de campo para análise. Também por meio de uma roda de conversa com os/as professores e os/as estudantes, procurou entender através na narrativa e do feedback, como a educação musical pôde influenciar o desenvolvimento, para uma metamorfose e a construção as construções e os progressos mais significativos e dinâmicos dos/as adolescentes, em relação direta com suas identidades e personagens. Esse estudo foi subdividido em quatro seções. A primeira trouxe o conceito de Identidade, fundamental para a estruturação desta pesquisa, e apresenta o referencial teórico utilizado, destacando a importância do sintagma, Identidade-Metamorfose- Emancipação - I-M-E, para as análises posteriores. Ainda na primeira seção, também foi discutido a importância da Educação em Sexualidade: quais aspectos e elementos da sexualidade são explorados no sentido das expressões sobre autoestima, autonomia e o reconhecimento. A segunda seção foi dedicada às discussões e ao levantamento teórico acerca da identidade, da deficiência, e da educação especial, sendo esta última o cenário principal. Apresentou-se brevemente a história dos estigmas sobre a deficiência, e esclarecimentos sobre a evolução das conquistas legais referentes à inclusão dos sujeitos intelectualmente deficientes. Em seguida, foi abordada a história da educação musical na sociedade brasileira, apontando sua trajetória junto ao ensino regular, como 30 disciplina pertencente à grade curricular escolar até os dias atuais, e assim, discutindo sua relação com a Educação Especial. Na terceira seção apresentou-se a metodologia de pesquisa utilizada, detalhando métodos, processos e instrumentos nos campos da abordagem qualitativa, da observação participante, da entrevista semiestruturada e das rodas de conversa. Como conteúdo da quarta seção está exposta toda a análise do trabalho, dos dados da observação participativa do diário de campo, das entrevistas, das narrativas, e das análises do sujeito L, que foi o estudante deficiente intelectual, elencado durante o processo da metodologia de campo, para a então analisar os movimentos de metamorfoses e fragmentos de emancipação dos aspectos da identidade, através do trabalho com a educação musical. Na última seção, são retomados alguns pontos discorridos no decurso desta tese assim como também elaboradas algumas considerações acerca das potencialidades da pesquisa e seus achados. Desta forma, a pesquisa procurou compreender e analisar a questão da identidade que foi entrelaçada por relações de poder e de classes, um processo difícil na contemporaneidade e na realidade atual, utilizando mecanismos e instrumentos da educação musical para o trabalho da metamorfose da identidade em busca de fragmentos de emancipação, nos seus três aspectos e dimensões principais: autonomia, autoestima e reconhecimento do D. I.4. Assim, na próxima seção, serão abordados o referencial teórico do conceito de Identidade e da educação em sexualidade, pois são importantes e necessários para melhor posicionar o aporte adotado, bem como situar os lugares de onde vem esta pesquisa. 4 Deficiente Intelectual 31 SEÇÃO 1. IDENTIDADE A existência precede a essência (J.P. Sartre.) 1.1 Falando sobre identidade O interesse de diversas áreas do conhecimento pelo conceito de identidade proporcionou ao longo do tempo, a construção de uma categoria de estudo da qual a Psicologia Social e a Psicologia Social Crítica Brasileira vêm se apropriando. Nesta seção apresenta-se a trajetória deste conceito e um referencial teórico a partir da perspectiva da obra de Antônio da Costa Ciampa, que tem a Teoria da Identidade e o sintagma I-M-E, como alicerce. O conceito de Identidade foi primordial para a construção desta pesquisa, destacando a importância do sintagma I-M-E, para as análises posteriores. A decisão da pesquisa em trabalhar o desenvolvimento dos três aspectos da dimensão da identidade, composta de autonomia, autoestima e reconhecimento, em estudantes de Educação Especial através da Educação Musical, ocorreu à luz da teoria de Ciampa (2007) e Lane (2006): Nossas investigações nos levam, porém, a algumas reformulações. A primeira delas emergiu em várias pesquisas que apontavam para a Identidade como uma categoria, a qual culminou com o estudo de A. C. Ciampa (1987). Este, mediante a análise dialética de uma história de vida (Severina), constata que a Identidade Social se constitui num processo de metamorfose/cristalização do Eu decorrente do conjunto das relações sociais vividas pelo sujeito. (LANE, 2006, p.56). 32 Começando então, com alguns constructos teóricos que dão início à ideia de Ciampa. Quando se fala que o homem5 é um ser social, quer-se dizer que há uma série de atributos e variáveis relacionados ao desenvolvimento da sua identidade. Este é um processo repleto de constructos teóricos dos quais a dialética faz parte e é base epistemológica de compreensão, a linguagem como produto histórico. [...] traz representações, significados e valores existentes em um grupo social, e como tal é veículo da ideologia do grupo; enquanto para o indivíduo é também condição necessária para o desenvolvimento de seu pensamento. (LANE, 1984, p. 41). Durante esta seção sobre identidade, se discutiu sobre as dimensões teóricas importantes da identidade e do desenvolvimento, como: Pensamento e Linguagem; Outro Generalizado e Interação Simbólica; Mediação Social e Socialização (1ª e 2ª); Papéis e Personagens; Estigma; Identidade do Papel e Identidade do EU; Reconhecimento e Estima; Status; Políticas de Identidade e Identidades Políticas e Sintagma. A próxima subseção trata de um autor muito importante para a teoria de Ciampa (2007), e uma influência em seu percurso para a compreensão e a construção da teoria de identidade. 1.2 George Hebert Mead: o conceito do outro generalizado e sua relação com a identidade Nesta subseção apresentaremos os fundamentos de George Herbert Mead, um dos precursores da Psicologia Social (1863-1931) que, apesar de uma enorme e importante contribuição destinada à construção do que seria o início da Psicologia Social, foi considerado pela maioria, um Behaviorista Social, um teórico da Sociologia e Filósofo Pragmatista. Professor da escola de Chicago de 1894 a 1931, Mead (2002; 2010)6 e seu companheiro de trabalho John Dewey (1887; 1896; 1929) realizaram pesquisas relacionadas aos problemas sociais emergentes da cidade, criando métodos inovadores para a Sociologia Qualitativa. Além do trabalho de campo tradicional fundamentado na entrevista, na observação e no testemunho, davam ênfase a um 5 Expressão equivalente, aqui, à noção de ser humano, ou indivíduo; não faz referência ao gênero/sexo masculino. 6 “Espíritu, Persona y Sociedad” e “Mente, self e Sociedade” (Mead, 2002; 2010), foram obras utilizadas neste texto, sendo traduções do texto original “Mind Self and Society” de (1973). 33 trabalho de campo diferente, utilizando diários, relatos dos próprios indivíduos, autobiografias, etc. Além de ser influenciado pelas ideias de Hegel (2003), Darwin (2010) e Adam Smith (2010), Mead (2002; 2010) buscou superar os dualismos cartesianos, como os de mente/corpo, conhecedor/conhecido, distinguindo as Geisteswissenschaften (ciências da mente) e as Naturwissenschaften (ciências da matéria), mas, em sua concepção, o mais importante era o dualismo entre o self e o outro. O autor procurou trazer uma concepção importante de como o self emerge da interação social quando nos apoderamos do papel do outro a despeito de nós mesmos: para que haja consciência do self, é preciso que haja consciência dos outros, compreendida num processo social. A vertente teórica do autor se diferenciou da vertente behaviorista clássica contemporânea de sua época, pois rompeu com o raciocínio de que a Psicologia deveria se preocupar com o estudo do comportamento descartando o estudo de categorias como mente e consciência. Para Mead (2002; 2010), o sujeito não responde aos estímulos agindo irracionalmente, mas atribui valores ao objeto através de sua consciência, analisando-o, processando-o, significando-o, abandonando a noção de que o indivíduo7 é somente comportamento. “Para Wundt, a linguagem era um produto da mente, para Mead, a mente era um produto da linguagem”. (FARR, 1998, p.100). O enfoque de Mead foi “registrado” com duas nomenclaturas, para alguns ele foi um behaviorista social, para outros um teórico do interacionismo simbólico, o importante é lembrar que Mead não se dedicou a escrever livros em sua vida, mas sim em lecionar suas aulas e produzir trabalhos e artigos, que posteriormente foram publicadas em um formato de livro pela mão de seus alunos, em principal um de seus alunos, o filósofo Morris8, que organizou e editou transcrições do seu curso de psicologia social em 1927, para o livro clássico Mind, Self and Society. Sem a intenção de enquadrar as ideias de Mead (2002; 2010) em uma determinada categoria, a prioridade é a compreensão da concepção do sujeito para a Psicologia Social através dos conceitos de self e identidade, explicando como o processo do ‘O outro generalizado’ passa a ser a mediação com a sociedade: 7 Indivíduo é um termo muito usado na Psicologia Social, podendo se referir algumas vezes à concepção de adulto, ou idoso, e até mesmo a criança. Sempre deve se observar o contexto em que a palavra se aplica. 8 Os livros, artigos e todos os tipos de escritos com autoria de Mead, inclusive Mind Self and Society, foram elaborados através de aulas e seminários transcritos e organizados por seus alunos. Este foi, inicialmente, publicado em inglês e, posteriormente, traduzido para o espanhol, com o título “Espíritu, Persona y Sociedade”. 34 Mead (1973) explorou os estudos no âmbito do desenvolvimento do indivíduo na sociedade com o interacionismo simbólico, pressupondo a questão da linguagem e gestos, sendo veículo de desenvolvimento na sociedade, assim, formando sua consciência, a partir da linguagem e dos gestos, que são a interação do indivíduo com a sociedade e que possibilitam surgir para o indivíduo a compreensão dos sinais e símbolos, objetos de mediação em relação aos outros e ao meio. Para o autor, a apropriação dos significados das palavras se transmite na relação com o “outro generalizado” formando conceitos e conduzindo formas de condutas e comportamentos adotados nas atitudes dos outros. (GODOY, 2017, p. 50) Este estudo deu início à concepção de que a criança se desenvolve socialmente através de um mediador, ou seja, o outro generalizado. Sendo assim, passando por diversos processos sociais, ela acaba chegando a um estágio em que diferencia a organização normativa social de algo que simplesmente é uma brincadeira – o que Mead (2002; 2010) chama de jogo com regras, ou esporte, e o jogo sem regras. Nesse sentido, a proposta foi aprofundar e pensar sobre o conceito de ‘outro generalizado’ de Mead (2002; 2010) para então compreendermos como ocorrem a interação e o desenvolvimento da criança em sociedade, possibilitando o início do processo de individualização no qual, através da adoção e interpretação dos papéis, é possível iniciar um reconhecimento, e um reconhecimento coletivo. Conceitos importantes como: ato social, interações sociais e papel social são muito utilizados por Mead (2002; 2010), sendo que todos mantêm relações com a linguagem e os gestos que formam a criança (indivíduo em desenvolvimento) e que, por sua vez, lhe proporcionam a relação de compreensão dos signos, símbolos e sinais, como os objetos de mediação com o meio social. Mead (2002; 2010) compreende que somente através do Outro Generalizado há transmissão de significado coletivo social nos termos em que condutas e sociabilidades podem ser compreendidas através de comportamentos incialmente adotado nos outros. A compreensão da teoria para o autor envolve a compreensão do processo de interação social, da linguagem e dos objetos físicos no mundo material, tornando-se elementos centrais na formação do self e na construção das Identidades sociais. Assim, o ato social possibilita a significação, já a linguagem é parte do processo social e das interações sociais, influenciando diretamente na construção da personalidade do sujeito. (GODOY, 2017, p.51). 35 Para entender “O outro generalizado” é necessário falar sobre como o self , parte do constructo da Teoria da Identidade de Ciampa (2007), visto por Mead (2002; 2010) dentro de uma noção de trocas sociais que colaboram com a construção do mesmo, e com a organização normativa a partir do coletivo. Ao trazer a ilustração dos povos primitivos a partir dos quais se desenvolve nossa civilização, o autor fez uma reflexão sobre a questão da diferença dos processos do jogo e da brincadeira, propondo uma analogia entre o que ocorre no jardim de infância, e estes povos primitivos. A ideia foi pensar no processo que diz respeito a criar regras, desempenhar papéis e personagens, desenvolver funções e tarefas, estabelecer o que pode e o que não pode, o imaginário e o real, ritos e celebrações, tudo que leva ao desenvolvimento social e lúdico, referente ao caráter social e individual. Acompanhando o raciocínio de Mead (2010), A diferença fundamental entre a brincadeira ou o jogo, e o brincar, é que, neste, a criança deve ter em si as atitudes de todos os outros participantes do jogo. As atitudes desses outros participantes da brincadeira que a criança assume organizam-se numa espécie de unidade e é essa organização que controla as suas respostas. Um exemplo é o jogador de beisebol. Cada um de seus atos é determinada pela suposta ação dos outros participantes do jogo. O que ele faz é controlado por todos os demais integrantes do time, pelo menos quanto ao efeito dessas atitudes sobre sua própria resposta, temos então um “outro” que é uma organização das atitudes dos que estão envolvidos no mesmo processo. (p. 171). Imaginemos ainda segundo o autor, que uma situação de jogo é proporcionada no jardim de infância, com uma estrutura definida dos jogadores: a criança cria uma atitude de consciência individual de si e do coletivo, ao realizar a adoção do papel do outro. A brincadeira tem uma lógica e com isso um objetivo a ser alcançado. As constituições que se dão no aspecto social e no aspecto mental da criança para a compreensão da linguagem social são inerentes ao ato coletivo, sendo a mediação permeada pelas ações cognitivas, criadoras e imaginárias, que vêm através do lúdico no brincar, e as consciências sociais, coletivas, e normativas, que vêm através da adoção dos papéis nas brincadeiras ou jogos com regras. “O que se passa no jogo e na brincadeira se passa na vida da criança, o tempo todo. Ela está contidamente assumindo as atitudes daqueles que estão à sua volta, especialmente os papéis daqueles que a controlam, em alguma medida, e de quem ela depende”. (MEAD, 2010, p.177). 36 A natureza do próprio ser humano concebe o self sendo social, através da interação com os significados do outro, na relação com o mundo, para permitir o seu controle, direção e manipulação da própria vida. É formado pelo Eu e Mim, sendo o Eu a resposta para as atitudes do outro, o lado impulsivo, espontâneo e que não age porque interage simbolicamente com si próprio. O Mim é a organização das atitudes, é o outro generalizado, composto de padrões organizados, consistentes, compartilhados com outros. (LOPES; JORGE, 2005, p.105). A concepção de identidade, ainda que não mencionada de forma direta por Mead (2002; 2010), leva em sua construção teórica o que está presente na noção de Self: O self é algo que passa por um desenvolvimento. Não está presente inicialmente, no momento do nascimento, mas decorre do processo das experiências e atividades sociais, ou seja, desenvolve-se num indivíduo em resultado de suas relações com esse processo como um todo e com outros indivíduos dentro desse mesmo processo. (MEAD, 2010, p. 151). O Self vem a se desenvolver exclusivamente através das interações e adoções dos papéis dos outros – na imitação e na troca de funções – produzidos e mediados pela linguagem, gerando a consciência de si e de outrem. Assim faz sentido, a reflexão. “A comunidade organizada, ou grupo social que dá ao indivíduo a sua unidade de Self, pode ser chamada de “O outro generalizado”. A atitude do outro generalizado é a atitude da comunidade inteira” (MEAD, 2010, p. 171). No caso, o conceito do “outro generalizado” pode ser referido como a expressão da interação do coletivo social, ele pode ser o Outro ocupando o sentido do ser humano, como no sentido institucional: O que entra na constituição do self organizado é a organização das atitudes que são comuns ao grupo. Uma pessoa é uma personalidade porque pertence a uma comunidade, porque assimila as instituições dessa comunidade à sua própria conduta. Ela considera a linguagem dessa comunidade um meio pelo qual adquire sua personalidade e, então, por meio de um processo em que adota os diferentes papéis proporcionados por todos outros, ela chega a incorporar a atitude dos membros dessa comunidade. Essa é em certo sentido a estrutura da personalidade da pessoa. (MEAD, 2010, p. 179). Ao estudar a concepção de Mead (2002; 2010) é possível ver uma grande semelhança com o pensamento de Vygotsky (1984) no que diz respeito à dimensão do desenvolvimento do indivíduo na sociedade, de acordo com a necessidade de 37 instrumentos de mediação para a interação simbólica, para a compreensão dos signos e para a ação do desenvolvimento em sociedade. Sabe-se que o movimento de desenvolvimento social vem junto com o educacional, portanto é necessário um olhar atento para a união das duas áreas, a Psicologia Social e a Psicologia do Desenvolvimento/Educação. Tendo em vista que a questão que se entrelaça fundamentalmente, é o quanto o desenvolvimento sadio de uma criança depende do ambiente social e educacional em que se insere. A seguir, serão indicadas algumas semelhanças entre Vygotsky (1984) e Mead (2002; 2010), no que tange à socialização do indivíduo, pois nesta pesquisa foi importante perceber como a sociabilização é construída e alimentada, e como a mediação se dá por esses atributos. 1.3 Lev S. Vygotsky e a Mediação: Semelhanças Com o Pensamento de Mead na Socialização do Indivíduo Na chamada abordagem Histórico-Cultural9 existe a compreensão de que, desde o nascimento, o homem é inserido em sua cultura, onde começa sua relação com o mundo, possibilitando a sua construção social como indivíduo através do pensamento e da linguagem, que se dão aos níveis coletivos e individuais. Nesta relação entre meio e indivíduo, existem as presenças do materialismo histórico e dos significados econômicos, culturais, históricos e sociais trazidos para o meio em que a criança está inserida. Assim, o homem constrói sua cultura e é construído por ela. Vygotsky (1984) na abordagem por ele utilizada, dentro dos princípios do materialismo dialético, criou teorias científicas que se distanciaram de alguns dos métodos científicos dos seus contemporâneos. Para a teoria o importante é que todos os fenômenos sejam pesquisados sempre em movimento e constante mudança. O indivíduo tem seu desenvolvimento biológico, mas é determinado pelo seu desenvolvimento social, se desenvolve de “fora para dentro”, e é através da linguagem que se torna um ser humano e se diferencia de qualquer outro ser animal. Em cada cultura a linguagem é o instrumento que o ser humano desenvolveu para ser capaz de criar socialização, ter sociabilidade e construir a identidade. Os estudos de Vygotsky (1984) se assemelham aos de Mead (2002) em alguns aspectos, como em relação ao conceito de mediação. Embora Ciampa (2007) não o 9 Em algumas pesquisas e áreas do conhecimento, a vertente de Vygotsky pode ser nomeada, ou referida também como: Sócio Histórica ou Sociocultural e, em algumas ocasiões, Sócio-Histórico-Cultural. 38 utilize diretamente na construção de sua teoria, foi muito importante trazê-lo para a contribuição na compreensão do conceito de identidade, visto que este autor é de extrema relevância e marcante presença nas áreas da Psicologia Social, do Desenvolvimento, e da Educação. Vygotsky (1984) traz a ideia de que, no início de seu desenvolvimento, a criança só apresenta funções psicológicas básico-elementares, como os reflexos, quando estimulada através de relações sociais com o meio e outros indivíduos. Ocorre que estas funções psicológicas básico-elementares se transformam em funções psicológicas superiores/evoluídas, como a atenção, a organização, o planejamento, a percepção e a consciência: O desenvolvimento é visto como o domínio dos reflexos condicionados, não importando se o que se considera é o ler, o escrever ou a aritmética, isto é, o processo de aprendizado está completa e inseparavelmente misturado com o processo de desenvolvimento. (IDEM, p. 90). Uma parte deste desenvolvimento se deve ao conceito de mediação, onde a partir de uma linguagem externa em comum culturalmente, uma linguagem interna acaba internalizando essa linguagem externa e se desenvolvendo na cognição, possibilitando a constituição de um aprendizado na idade pré-escolar, ou seja, um aprendizado mais natural, diferenciando-se de um aprendizado sistematizado por fundamentos e conhecimentos científicos. Para que aconteça o contato com o meio e o desenvolvimento da criança no mundo, é preciso a utilização de instrumentos que façam esta mediação junto às relações interpessoais. O conceito de instrumento é aquilo que dá capacidade para o homem agir, é tudo aquilo que é criado por ele e está no ambiente. Já o conceito de signo se desenvolve na esfera psicológica da linguagem, da comunicação através de símbolos, palavras, números, desenhos, etc. Vygotsky (1984) estendeu esse conceito de mediação na interação homem- ambiente pelo uso de instrumentos. Esses sistemas, ele chamou de sistemas de signos, isto é, a linguagem, a escrita, o sistema de números, criados pela cultura e história da sociedade. Consequentemente, o autor apontou que a internalização, por parte das crianças, dos sistemas de signos que eram produzidos culturalmente por meio de relações com outros, provocavam grandes transformações no comportamento e estabeleciam relações de desenvolvimento individual. 39 Desta perspectiva, o autor trabalhou com a ideia do brinquedo como um instrumento de mediação que proporciona internalização dos signos. Assim, para que o desenvolvimento do pensamento e da linguagem aconteça, são necessárias às relações com o brinquedo e com o brincar, pois este processo é construtor e mediador dos signos, dos símbolos e das relações sociais. A criança vai aprendendo a normatividade social, criando uma personalidade e realizando ações reais no meio ambiente e no mundo social. Se todo brinquedo é, realmente, a realização na brincadeira das tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas, então os elementos das situações imaginarias constituirão, automaticamente, uma parte da atmosfera emocional do próprio brinquedo. Consideramos a atividade da criança durante o brinquedo. Qual o significado do comportamento de uma criança numa situação imaginaria? Sabemos que o desenvolvimento do jogar com regras começa no fim da idade pré-escolar e desenvolve-se durante a idade escolar. Vários pesquisadores, embora não pertencentes ao grupo de materialistas dialéticos, tratam este assunto segundo linhas de abordagem recomendadas por Marx, quando ele dizia “a anatomia do homem é a chave para a anatomia dos macacos antropoides”. Começaram seus estudos das primeiras atividades de brinquedo à luz do brinquedo baseado em regras que se desenvolvem posteriormente, e concluíram que o brinquedo envolvendo uma situação imaginaria, é de fato, um brinquedo baseado em regras. (VYGOTSKY, 1984, p. 107). Nesse sentido, o autor pensou a brincadeira como a ação de se relacionar, através do instrumento mediador, o brinquedo, com os signos e símbolos, possibilitando o desenvolvimento de aspectos do pensamento, da linguagem, e da formação social da mente, compreendendo então, a forma como a criança organiza culturalmente e socialmente o mundo em que se encontra. A criança cria uma situação imaginária, sendo ela, a primeira manifestação da emancipação desta, em relação às restrições situacionais. Ela opera sempre com significado alienado dentro de uma situação real, quando interage com o brinquedo. Ao brincar, a criança o faz com o brinquedo, sempre com o menor esforço, por que gosta de fazer, por que lhe dá prazer. A criança aprende com uma pessoa mais velha, ou uma criança maior, a seguir os caminhos mais complexos, acatando as regras. A identidade é desenvolvida, então, a partir da relação do Eu com um atributo na ação do brincar, mediado com o brinquedo, no âmbito coletivo pela ação de brincar ou jogar com regras que vão internalizando os papéis e as funções de relação com o grupo. 40 Na obra de Vygotsky (1984) “A Formação Social da Mente”, refere que o brinquedo constitui aspecto central na infância e é muito importante no desenvolvimento da criança. Sua intenção foi a de demonstrar que o significado da mudança acontece “[...] de uma predominância de situações imaginárias para a predominância de regras [e que] as transformações internas no desenvolvimento da criança surgem em consequência do brinquedo” (p.115), possibilitando-lhe a inserção social no mundo, e seu desenvolvimento individual no ambiente social coletivo. Assim, o autor pontuou sobre as regras, a relação entre o brinquedo e a situação imaginária das relações do brincar, podendo ir além, uma vez que não existe brincadeira sem regras. Qualquer situação proposta e imaginada já contém a regra de comportamento, mesmo que em um jogo, ela não seja estabelecida a princípio. Tanto Mead (2002) como Vygotsky (1984) trabalham o conceito de mediação para o desenvolvimento do pensamento social e da linguagem – o primeiro, através da adoção dos papéis (se colocando no lugar do outro), e através de regras em brincadeiras e jogos, possibilitando a noção do ‘outro’ e do ‘eu’; e o segundo, na mediação do instrumento (brinquedo) e a ação de brincar, passando a criança (indivíduo em desenvolvimento) a compreender a noção social de regras e de normatividade, organização social, interações sociais, símbolos, e signos culturais. Em ambos os casos, é fundamental a importância destes processos para o desenvolvimento da identidade: A partir da importância que Mead dá ao uso dos símbolos abre-se uma nova perspectiva para a compreensão do caráter social da consciência. Essa visão tem uma forte semelhança com a primeira fase de Vygotsky, ou seja, a fase em que ele enfatiza o sinal e a interiorização na definição social da psique. No entanto, à diferença de Vygotsky, Mead se interessa pelo papel mediador da consciência como processo de adaptação, mas não se interessa pela construção teórica da consciência em sua especificidade psicológica. Por outro lado, para, para Vygotsky, a produção de alternativas para a visão da psique em uma perspectiva histórico-social foi uma inquietude permanente, como fica claro com a introdução do conceito de função psíquica superior naquele primeiro momento de seu trabalho. Para Mead, como veremos, as categorias psicológicas, como self ou a do pensamento, terminam sendo um epifenômeno do comportamento social do sujeito, sem qualquer tipo de especificidade qualitativa. (GONZALÉZ, 2009, p.85). A ideia aqui então, não foi se debruçar sobre a teoria dos autores no sentido de fazer uma explicação epistemológica e metodológica de seus percursos, nem realizar uma análise comparativa, mas trazer pontos em comum que influenciam na 41 compreensão da Teoria da Identidade como um todo. Trata-se da compreensão da socialização primária da criança através da mediação da linguagem e de instrumentos com o brinquedo e das ações de brincar e jogar, adotando os papéis e se relacionado com um EU ‘duble’/’fictício’ na internalização das regras. Desta forma, se evidenciou a importância deste processo para a formação social e educacional do ser humano, gerando as possibilidades da socialização secundária e do desenvolvimento da sociabilidade, de extrema importância para o desenvolvimento identitário. Todo processo de formação da consciência a partir da mediação pela linguagem e do outro generalizado, serviu de base para o desenvolvimento da criança, e sua identidade singular em uma determinada cultura social conduzida por regras de normatividade. A mediação é seguida da significação que é particular em cada cultura e específica para a identidade de cada indivíduo, assim como o outro generalizado que toma forma daquilo que é externo e pertence a uma cultura social com suas especificidades e variabilidades de relações, normatividades e subjetividades. Vygotsky também trabalha com o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP, muito importante para o desenvolvimento da identidade do deficiente intelectual, é algo presente em nossa pesquisa, visto que a ZDP quando acontece é um mecanicismo de educação que emerge a partir do outro que possui a função de educar como mediatizador, atuando na capacidade socioeducativa e buscando ajudar ao educando adquirir formas de autonomia. As aprendizagens novas e futuras acabam por fazer parte das aprendizagens presentes e antigas, e ao incorporar-se nelas, criam novas zonas cognitivas proximais. As aprendizagens mediatizadas fazem crescer o conhecimento presente, originando novas ZDPs que representam o conhecimento a ser aprendido posteriormente. (FONSECA, 2018, p.133). Para Vygotsky (1984) as funções cognitivas básicas /elementares se intercalam com as funções cognitivas superiores e não se desvincula, o ser humano apresenta as duas simultaneamente. As funções cognitivas básicas/elementares dizem respeito a tudo que é uma resposta ao ambiente de forma sensório-motora, reflexiva, espontânea, de instinto, então assim como os animais, nós seres humanos, que também somos animais temos nessas funções os “cinco” sentidos sensoriais clássicos, tato, paladar, olfato, 42 visão, audição e mais alguns outros. E temos nas funções cognitivas superiores às ações/pensamentos voluntários, como: Funções voluntárias, intencionais, proposicionais, deliberadas, internalizadas, mediatizadas e aprendidas externamente porque são autocontroladas e autoengendradas pelo indivíduo depois de serem ensinadas por outros indivíduos mais experientes, mais cultos e sábios, os tais mediatizadores. (FONSECA, 2018 p. 114). Essa mediação que tanto foi falado só é possível através do outro interferindo diretamente em nossas vidas, ajudando e desenvolvendo funções que tornam o ser humano diferente dos outros animais, através da linguagem e da cultura permeada de signos e símbolos, construindo sentido psíquico-social e não somente instinto fisiológico-biológico. As funções cognitivas superiores incluem, em contrapartida, funções cognitivas muito importantes: a percepção mediatizada, a atenção voluntaria focalizada e sustentada, a memória de trabalho, o pensamento logico, as funções executivas, a metacognição etc.; portanto funções únicas da espécie humana. (FONSECA, 2018, p.115). Este conceito de ZDP apresentou-se de grande relevância para entendermos como as identidades dos adolescentes deficientes intelectuais, também foram trabalhadas no desenvolvimento da socialização, e da sociabilidade. Para este entendimento, fez-se necessário a apresentação das três principais zonas de desenvolvimento de Vygotsky. 1ª) O seu perfil de aprendizagem, com áreas fortes e fracas, denominada zona de desenvolvimento atual (conhecimento presente), ou seja, todas as competências já aprendidas, compreendidas, integradas, conectadas, assimiladas e capazes de resolver problemas, independentemente e autonomamente sem ajuda de ninguém, sendo a partir daí, dessa zona de competências cognitivas atuais (ex: recepção- capacitação, integração-planificação, e expressão-ação), que o mediatizador ou professor deve mobilizar estratégias de mediação e criar situações ou tarefas de aprendizagem para promover e transformar o seu potencial cognitivo de aprendizagem. 2ª) A ZDP (conhecimento novo a ser aprendido, apropriado ou adicionado ao conhecimento anterior), da qual vão emergir novas capacidades no mediatizado por ação intencional, significativa, assistida, apoiada, persistente e transcendente do mediatizador. Atuando na ZDP do mediatizado, o mediatizador em cooperação ou em tutorização, 43 assiste-o na resolução de tarefas ou problemas e faz avançar o seu desenvolvimento, cognitivo na direção do modelo cognitivo idealizado superando as suas dificuldades, sem as quais não seria possível: guiar, elevar, otimizar, melhorar, modificar ou expandir o seu nível de desempenho, de performance, de realização ou de excelência de rendimento na aprendizagem para situações inéditas e mais complexas; e finalmente 3ª) A zona de competências a aprender no futuro, mas ainda não integradas ou aprendidas, representando o limite máximo de suas funções cognitivas. (FONSECA, 2018 p.118). A intenção da ZDP que se dá na socialização primária de uma criança, também se dá na intenção de socialização e sociabilidade de um deficiente intelectual, o que esse estudante faz hoje com algum suporte ou assistência, através da internalização dos comportamentos e da apropriação e compreensão de suas ações e pensamentos, é o que ele fará no futuro sozinho, com independência ou com o mínimo de independência. No caso dos estudantes deficientes intelectuais, o trabalho com a ZDP foi um dos meios de alcançar os resultados pedagógicos e sociais necessários para o desenvolvimento da vida, infantil, adolescente e adulta. Trabalhar na ZDP do inexperiente ou do aluno é, assim, um pré- requisito para desenvolver a estrutura sistêmica das suas funções cognitivas, quer de atenção, de capacitação, de integração e de expressão de informação, que, em analogia com uma bola de neve, fazem, por sua vez, aumentar o seu desempenho e sua performance na aprendizagem. (FONSECA, 2018, p. 133). Além dos mediatizadores, a noção de cooaprendizagem foi de extrema relevância para o conceito, e para os deficientes intelectuais, a ajuda mútua e cooperação de um para com o outro foi muito grande, apesar de serem adolescentes e apresentarem disputas, a empatia foi mais do que a convencional no meio escolar regular. A aprendizagem cooperativa entre colegas e pares da mesma formação, a denominada cooaprendizagem, é um palco ideal para gerar ampliação da ZDP dos elementos componentes do grupo de aprendizagem; por isso deve ser amplamente incentivada na educação e na formação. (FONSECA, 2018 p.125). Lembrando que este conceito de ZDP é bem complexo e não cabe destrincharmos aqui sobre ele, somente lembrar a sua importância neste trabalho e apontar que também será discutido na análise da na metodologia de campo. Também é 44 importante saber que este conceito não é estático nem fixo, pelo contrário, é dinâmico e processual. Por exemplo, ZDP 1, ZDP 2, ZPD 3. O que o meadiatizado pode fazer sem qualquer assistência do meatizador deve ser o ponto de partida da avaliação do seu potencial de aprendizagem e não apenas o ponto de chegada, com que muitas avaliações escolares são tradicionalmente realizadas. (FONSECA, 2018, p.125). A seguir, é preciso uma pequena passagem pela influência de Peter L. Berger e Thomas Luckmann na Teoria de Identidade, apresentando influência no estudo do Sintagma. Compreendendo a importância da interiorização, da exteriorização e da objetivação, processos que compõem o movimento da identidade. 1.4 Berger & Luckmann: Construção Social da Realidade e a Identidade Para uma reflexão mais ampliada, foi proposto pensar a partir da ideia de que, para a dialética dos processos identi