II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores EXPECTATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E PORTUGAL Silvia Adriana Rodrigues, Alberto Albuquerque Gomes, Dulcinéia Beirigo De Souza, Simone Brandolt Fagundes, Simone Conceição Pereira Deak Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Experiência - Apresentação Oral A presente discussão expõe um recorte do estudo comparativo, de caráter longitudinal, em andamento, entre três universidades denominado “Estudo sobre formação inicial de professores em Brasil – Portugal”, com objetivo de identificar e analisar como se desenvolve a aprendizagem profissional da docência nos cursos de formação nas instituições de ensino superior. Desta forma, dentro dos limites deste texto, apresentamos reflexões parciais acerca das motivações e expectativas sobre ser professor de estudantes matriculados em instituições de ensino superior no Brasil (UNESP/P. Prudente-SP e UFMS/Corumbá-MS) e em Portugal (ESES/Santarém). A pesquisa, de abordagem qualitativa, usou questionário semiestruturado para a primeira coleta dos dados junto aos estudantes dos referidos cursos no inicio do ano letivo de 2011. A análise dos dados revelou que a maioria dos estudantes se sente muito motivada para exercer a docência, sendo que o conteúdo da motivação para ser professor expresso pelos sujeitos de nossa pesquisa revela a interferência de saberes compartilhados e construídos socialmente, a partir da experiência enquanto aluno e dos saberes veiculados culturalmente. Tais motivações revelam subjetividades ligadas ao contexto social e de sociabilidades dos estudantes pesquisados. Palavras-chave: formação inicial; profissão docente; motivação. 0530 EXPECTATIVAS DE ESTUDANTES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E PORTUGAL Simone Brandolt Fagundes; Dulcinéia Beirigo de Souza; Simone Conceição Pereira Deák; Sílvia Adriana Rodrigues; Alberto Albuquerque Gomes. FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente INTRODUÇÃO Na atualidade, o exercício da profissão docente tem se tornado pouco atrativo; questões como às novas exigências impostas à escola com a ampliação do acesso ao ensino público, entre outras, tem provocado variadas discussões sobre o que mobiliza as novas gerações a optarem por um curso de formação para professores ao ingressarem no Ensino Superior. É dentro desse quadro de inquietações, que se organiza a pesquisa, de abordagem qualitativa, e caráter longitudinal, denominada “Estudo sobre formação inicial de professores para infância no Brasil e em Portugal”, em andamento, que adota como objetivo identificar e analisar de forma comparativa como se desenvolve a aprendizagem profissional da docência nos cursos de formação em três instituições distintas de ensino superior, desenvolvida no âmbito do Grupo de Pesquisa Profissão docente: formação, identidade e representações sociais (GPDFIRS) da Universidade Estadual Paulista - campus de Presidente Prudente (FCT/UNESP/ P. Prudente-SP), por sua vez inserido na Cátedra UNESCO sobre Profissionalização Docente, CIERS-ed. A fim de compreender como decorre esse processo, a investigação é realizada junto a estudantes do Curso de Pedagogia de duas universidades brasileiras: Universidade Estadual Paulista – Campus de Presidente Prudente (FCT/UNESP-P. Prudente e Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS/CPAN-Corumbá) e de um curso de formação de professores para educação básica da Escola Superior de Educação de Santarém em Portugal (ESE-Santarém-PT). É com base em parte dos dados obtidos na referida pesquisa que propomos apresentar algumas reflexões acerca das motivações e expectativas sobre ser professor dos estudantes em processo de formação inicial. PROFISSÃO DOCENTE: SENTIDOS, PERSPECTIVAS E MOTIVAÇÃO A profissão docente, assim como outras profissões, é marcada pelo discurso social que identifica e define papeis aos quais, aqueles que se destinam a exercer determinada profissão devem se ajustar. No emaranhado dos discursos ao longo da história, convivem e revezam-se imagens de diferentes grupos sociais como os dos 1 0531 próprios professores sobre si mesmos, os dos órgãos que regulamentam a profissão e o das instituições formadoras. Do ponto de vista institucional e político-estrutural pouco se considera as motivações de caráter emocional/pessoal pela escolha da profissão, elas são relegadas a um aspecto secundário em nome de uma imagem nobre de exercer uma função tão indispensável socialmente, que é o de levar o legado cultural às novas gerações. Neste propósito, o ato de ensinar se resumiria num desprendimento pessoal ou “um compromisso moral” dos vocacionados para cumprir tal tarefa e a motivação seria condição quase que natural e independente dos sujeitos que “optam” por tal tarefa. Dimensões que se constituem como fatores da motivação para a profissão, como qualidade da formação, condições do trabalho e exercício da atividade docente não são consideradas nas políticas de governo voltadas à educação. A partir desta premissa de naturalização do que mobiliza o sujeito a ser professor, os discursos oficiais ocupam-se de legitimar uma identidade docente pela via dos saberes que estes devem desempenhar na profissão; uma identidade estéril de sentimentos e desejos, que nega a subjetividade dos sujeitos, subjetividade esta que é indubitavelmente marcada por questões culturais, de gênero e entre outros. Do ponto de vista dos professores, tem emergido um conteúdo carregado de subjetividades que revelam uma realidade paralela a oficial, marcando um desencontro entre o que pensam os profissionais da educação e os institutos oficiais que a planejam, regulamentam e instituem. Neste contexto, as motivações que os estudantes dos cursos de formação inicial apresentam em relação à possibilidade de exercer a profissão docente revelam suas percepções, imagens e valores sobre esta profissão, o que, consequentemente, nos leva a defender a ideia de que a motivação é um elemento importante no processo construção da identidade profissional, já que é um dos principais mecanismos mobilizadores da nossa ação de iniciar e permanecer em algum projeto de vida seja ele de natureza pessoal ou profissional. Acerca da identidade da profissão docente, cabe esclarecer que partilhamos a noção de identidade docente, apontada por Garcia (2010, p. 04), que se configura: [...] ao mesmo tempo, um processo de identificação e diferenciação, não fixo e provisório, que resulta de negociações de ordem simbólica que os professores realizam em meio a um conjunto de variáveis como suas biografias, as relações e condições de trabalho, a história e a cultura que caracteriza a docência enquanto atividade profissional, e representações colocadas em circulação por discursos que disputam os modos de ser e agir dos docentes no exercício do ensino e do trabalho docente. 2 0532 Consideraremos que a identidade profissional é antes de tudo a forma como o indivíduo se vê na profissão, um processo em curso. Assim “[...] a maneira como cada um se sente e diz professor (NÓVOA, 1992, p 16, grifos do autor). Ainda sobre a motivação, Chiavenato (2005, p. 215), afirma que: [...] para compreender a motivação humana, o primeiro passo é o conhecimento do que a provoca e dinamiza. A motivação existe dentro das pessoas e se dinamiza com as necessidades humanas [...] Cada pessoa possui motivos ou necessidades que condicionam seu comportamento e que são pessoais e individuais, pois são determinadas por fatores que formam a personalidade, por traços biológicos e psicológicos e pelas características adquiridas pela experiência pessoal e aprendizagem de cada pessoa. Ademais, cada pessoa pode sentir e perceber seus motivos e necessidades de maneira diferente, em diferentes épocas ou situações. Apesar das diferenças individuais quanto às necessidades que regem o comportamento das pessoas, elas são basicamente semelhantes quanto à maneira pela qual fazem as pessoas organizarem seu comportamento para obter satisfação. Fita (1999, p. 77) ainda aponta que "a motivação é um conjunto de variáveis que ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para poder alcançar um objetivo". Neste sentido, motivado se configura no sujeito interessado, dependente de um objeto que lhe motiva e lhe causa tal interesse. Desta forma percebemos a natureza subjetiva da motivação, mas também se verifica que ela carrega em sua constituição influências sociais as quais o sujeito está exposto culturalmente. Moreira (2011) ao utilizar a teoria psicológica da expectação para compreender o papel da motivação na profissão docente analisa fontes de satisfação ou não no trabalho. Segundo o autor, tal satisfação resulta de uma resposta positiva ou negativa em virtude da avaliação do trabalho, segundo expectativas pessoais versus condições reais, tendo como fontes recompensas, que classifica como extrínsecas, intrínsecas e suplementares, no sentido de que garantem maior ou menor engajamento no trabalho. As recompensas do tipo intrínsecas são aquelas avaliadas subjetivamente e “são somente visíveis à própria pessoa,” como: “a chance de se relacionar com os alunos, a aprendizagem dos alunos, e o crescimento pessoal e profissional através do ensino.” As extrínsecas são avaliadas a partir dos benefícios percebidos como: “salário, status e poder”; sendo a origem deste tipo de recompensa de natureza organizacional, independentes da função do indivíduo. Já as suplementares, são de natureza objetiva e subjetiva, garantidas para todos, mas percebidas como satisfação por alguns. Como exemplo, podemos citar férias, estabilidade no emprego, garantia de salários, progressão na carreira, entre outras; são recompensas “permanentes no tempo e são dadas como certas ao invés de estarem especificadas em contratos” (MOREIRA, 2010, p. 04). A dimensão emocional para o querer ou não ser professor e o porquê deste desejo nos estimulou a buscar compreender o conteúdo dos sentidos que a docência tem 3 0533 adquirido historicamente e o papel da formação inicial na consolidação ou não destas concepções, como elementos importantes na constituição de uma identidade profissional. Isto porque, de acordo com Valle (2006, p. 180): A escolha inicial e normalmente prematura de uma profissão – que na era moderna se torna cada vez menos definitiva, dependendo cada vez mais das flutuações do mercado e da extensa especialização das áreas profissionais – é apenas uma, dentre as muitas, que se sucedem na vida. Apesar disso, não podemos esquecer que essa escolha está relacionada com objetivos, nem sempre muito claros, que se quer perseguir, e com o grupo de referência no qual se pretende buscar prestígio, distinção, realização. Acerca da formação inicial é bastante atual o apontamento de Pimenta (1999), de que os cursos de formação inicial, pouco tem contribuído para a formação de uma nova identidade do profissional docente que atendam as novas demandas da prática docente e pedagógica escolar em seus recentes contornos. Também é atual a afirmação de Nóvoa (1999, p. 18) de que: As instituições de formação ocupam um lugar central na produção e reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando um papel crucial na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia comum. Mais do que formar professores (individualmente), as universidades produzem a profissão docente (em âmbito coletivo), contribuindo para a socialização dos seus membros e para a gênese de uma cultura profissional. Investigar o espaço da formação inicial, portanto, implica considerar as inúmeras variáveis que povoam a realidade de cada estudante que adentra um curso de licenciatura e da mesma forma outro conjunto de circunstâncias que o fazem permanecer e exercer a profissão docente. A PESQUISA E SUAS DESCOBERTAS... Conforme mencionado anteriormente, a discussão ora apresentada se configura em substrato da pesquisa em desenvolvimento no âmbito do GPDFIRS. Entre outras temáticas, os estudantes matriculados nas três instituições de ensino superior foram questionados acerca de sua percepção da profissão docente. Assim, os dados trazidos nos limites deste texto são referentes a algumas questões que compuseram o questionário semiestruturado aplicado no início do ano letivo de 2011 junto a estudantes em processo inicial de formação para a docência. O questionário utilizado foi construído a partir de quatro eixos: perfil dos alunos: caracterização pessoal (idade e sexo); situação econômica (emprego/renda, idade de inicio de atividade laboral, dias e horas de trabalho semanal); percurso escolar (origem escolar-ensino infantil, fundamental e médio); representação sobre o curso (onde pretende atuar, expectativa em relação à graduação, expectativas de dificuldades). O referido questionário foi composto de questões fechadas que possibilitassem delinear um 4 0534 perfil dos sujeitos respondentes, e de questões abertas voltadas ao universo da formação docente. A coleta foi realizada após o período de adaptação dos alunos à vida universitária, definido desta forma na busca de garantir maior fidedignidade dos dados, não sendo utilizados modelos aleatórios para composição de amostra. O universo de sujeitos foi composto por um total de 164 estudantes, sendo 55 portugueses (Santarém) e 109 brasileiros (32 de Corumbá-MS e 77 de Presidente Prudente-SP). Acerca do perfil dos estudantes, constatamos que há pequenas variações entre as instituições estudadas. No que diz respeito à idade, entre os participantes a maioria está na faixa etária dos 17 e 20 anos, sendo na UNESP/P. Prudente-SP 62,3% dos sujeitos, 46,9% na UFMS/Corumbá-MS e 61,8% na ESES/Santarém, indicando que jovens recém-saídos do Ensino Médio perfazem certa maioria nos cursos de formação de professores. Uma inferência possível é a de que por se tratar de uma população jovem, o ingresso na carreira docente também ocorre mais cedo. As mulheres constituem grande parte do percentual dos respondentes: 83,3% em Presidente Prudente, 90,6% em Corumbá e 100% em Santarém (93,3% do total da população); percebemos, nesse sentido, que o magistério continua sendo uma atividade predominantemente feminina. Este resultado corrobora os dados e a discussão de Gatti e Barreto (2009, p. 20) acerca da presença feminina na docência: [...] como é de conhecimento, a categoria dos professores é majoritariamente feminina (segundo a Pnad 2006, 83,1% versus 16,9% do sexo masculino), apresentando algumas variações internas conforme o nível de ensino. É assim que a quase totalidade dos docentes na educação infantil (98%) é de mulheres, prosseguindo com uma taxa de 88,3% no ensino fundamental como um todo e atingindo aí 93% entre os professores de 1ª a 4ª séries com formação de nível superior. No ensino médio, por sua vez, são encontradas as maiores proporções de docentes do sexo masculino entre todas as demais modalidades da educação básica: 33% versus 67% do feminino. Com relação às questões abertas o recorte que apresentamos é referente à motivação dos estudantes sobre a possibilidade de ser um (a) professor (a) e sobre os aspectos que os motivam. Do total dos participantes, 142 estudantes (89,3%) dizem sentirem-se muito motivados com a possibilidade de ser um professor ou professora. Aqueles pouco motivados somam 17 estudantes (10,7%), sendo que os argumentos explicitados para essa ausência de motivação são voltados para o desprestígio da profissão. Porque é uma profissão desgastante, que não é reconhecida. (Suj. PP 67- UNESP/P. Prudente–SP). Pois p professor não é respeitado e tem baixos salários. (Suj. CB 21- UFMS/Corumbá-MS). 5 0535 Porque ainda tenho algumas dúvidas. (Suj. PT 09- ESES/Santarém) Apesar do pequeno número de estudantes que afirmou não sentir-se motivado devido ao desprestígio da profissão, é preciso atentar-se para o caráter que o papel do professor tem progressivamente adquirido na atualidade. A desvalorização da profissão docente se configura numa problemática bastante complexa, pois esta é a profissão da qual depende outras, e, em grande medida, determina o futuro dos sujeitos sociais que inserem-se no processo de escolarização, no qual pressupõe-se a ação de profissionais bem formados, e em última instância motivados para a ação. Analisando as respostas da maioria dos estudantes “muito motivados” elegemos três categorias que nos permitiram compreender melhor as opiniões dos estudantes, sendo elas: a opção pela carreira, o gostar de ensinar e o gostar de crianças. A categoria opção pela carreira teve maior frequência de respostas considerando o conjunto total de dados; olhando para os contextos específicos, esta foi a resposta mais frequente somente entre os estudantes de Presidente Prudente (51%) e em Santarém (37%), sendo a segunda mais recorrente em Corumbá (20%). Desta forma, acreditamos que as respostas inseridas nesta categoria demonstram uma clara convicção em ser professor, mesmo com todos os problemas e dilemas da profissão, conforme exemplificam as respostas dos sujeitos. Sinto-me muito motivada, porque quero muito ser uma professora, acho uma excelente profissão. (Suj. PP 02- UNESP/P. Prudente–SP). Porque é o que eu quero fazer. (Suj. CB 03- UFMS/Corumbá-MS). Porque tenho muita vontade de exercer esta profissão. (Suj. PT 25- ESES/Santarém). Estas afirmações demonstram que estes estudantes desejam realmente exercer a docência e suas asserções denotam até mesmo uma grande admiração pela profissão, que pode ser atribuída a identificação com alguns de seus mestres, ou seja, que a identificação com a profissão teve início ainda no processo de educação básica. Sobre esta questão, Pimenta (2002) discute que essa identificação do estudante com o ofício de professor, está intimamente relacionada à construção da identidade profissional; segundo a autora, Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto autor e ator, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus 6 0536 saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor (PIMENTA, 2002, p. 19). De acordo com Garcia (2010, p. 18) “a construção da identidade profissional se inicia durante o período de estudante nas escolas, mas se consolida logo na formação inicial e se prolonga durante todo seu exercício profissional”. O autor discute ainda que esta construção não é automática, sendo necessário “construí-la e modelá-la. E isso requer um processo individual e coletivo de natureza complexa e dinâmica, o que conduz à configuração de representações subjetivas acerca da profissão docente”. Dessa maneira, podemos afirmar que estes estudantes ao se identificarem com a profissão professor, quando chegam ao curso de formação inicial, já possuem “os saberes da sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda a sua vida escolar” (PIMENTA, 2002, p. 20). São capazes de eleger modelos e fazer opções, irão idealizar suas práticas a partir de alguns, por considerarem bons, e não de outros, por julgarem que não eram bons exemplos. Ainda de acordo com Pimenta (2002, p. 20): Também sabem sobre o ser professor por meio da experiência socialmente acumulada, as mudanças históricas da profissão, o exercício profissional em diferentes escolas, a não valorização social e financeira dos professores, as dificuldades de estar diante de turmas de crianças e jovens turbulentos, em escolas precárias; sabem um pouco sobre a representações e os estereótipos que a sociedade tem dos professores, através dos meios de comunicação [...] Ainda sobre os estudantes que afirmam que querem ser professores, podemos fazer também outras análises sobre o porquê desta opção; estas asserções podem estar relacionadas a questões como a possibilidade de ascensão social, mesmo que hoje as classes populares tenham acesso à profissão, há mais ou menos 40 anos atrás o professor pertencia as classes sociais mais abastadas e em alguns segmentos a profissão ainda tem esta significação. Uma outra razão pode ser a relação estreita com o conhecimento e a influência exercida na vida de crianças e jovens através da sua ação direta. Outra categoria que elegemos é gostar de ensinar, enquadrando aqui respostas que salientam ser a tarefa de ensinar o que motiva a ser professor, conforme pode ser verificado nas respostas a seguir: Por que... Estarei fazendo o que gosto! E não basta apenas gostar de crianças, tem que gostar de explicar, dar aula, para ajudar no desenvolvimento infantil. (Suj. PP 57- UNESP/P. Prudente–SP). Gosto de passar para outras pessoas o que eu aprendo. (Suj. CB 09- UFMS/Corumbá-MS). Porque gosto de explicar aquilo que sei. (Suj. PT 14- ESES/Santarém). 7 0537 Com relação à frequência das respostas enquadradas neste eixo, temos aqui o segundo maior número se considerarmos o total das respostas. No entanto, há discrepâncias maiores entre os grupos, pois enquanto em Presidente Prudente elas são a segunda mais frequente com 25% das respostas, em Corumbá ela é a primeira – com 32% - e em Portugal ela é a resposta de somente 6% dos estudantes. O conteúdo destas justificativas nos permite inferir que os estudantes compreendem o ensinar como a capacidade de “transmitir algo a alguém”, “dar aula”, ou “ser capaz de explicar determinado assunto”. A habilidade de ensinar como ponto de referência para motivação também demonstra o valor que o estudante deposita em seu próprio desempenho como professor. Não foi possível, porém, verificar pelas respostas se esse ensinar se encontra centrado na capacidade de dominar o saber escolar ou nas habilidades de transmissão desse saber, a fim de que o aluno se aproprie do mesmo. Sobre esta questão Roldão (2007, p. 94-95) aponta que, No que respeita à representação do conceito de ensinar, a sua leitura é ainda hoje atravessada por uma tensão profunda [...] entre o “professar um saber” e o “fazer outros se apropriarem de um saber” – ou melhor, “fazer aprender alguma coisa a alguém”. No limite, e simplificando, tem- se associado à primeira leitura a postura mais tradicional do professor transmissivo, referenciado predominantemente a saberes disciplinares, e à segunda uma leitura mais pedagógica e alargada a um campo vasto de saberes, incluindo os disciplinares. A ideia de competência, como um conjunto de saberes necessários ao desempenho da função docente nos parece importante ser destacada nesse ponto, já que segundo Rios (2003, p. 46) “falar em competência significa falar em saber fazer bem. Apesar das diferenças entre as diversas concepções de educação e de escola presentes entre nós, elas concordam em definir desse modo a competência”. Nesse sentido além do domínio técnico dos conhecimentos é necessário ao professor o domínio das estratégias para transmiti-lo. Neste sentido, Nóvoa (2013, p. 203), esclarece que a profissão docente implica uma prática que “não se traduz numa mera ‘transposição’: por um lado supõe uma transformação dos saberes, por outro, obriga a uma deliberação, isto é, a uma resposta a dilemas pessoais, sociais e culturais”. Na terceira categoria mais frequente - gostar de crianças - se enquadram as respostas que fazem referência ao fato de trabalhar com crianças, o que pode ser percebido nos excertos abaixo: [...] pois eu tenho gosto em estar com crianças, fico bem, me alegra saber que também gostam de mim e que posso ensinar coisas boas para elas. (Suj. PP 06- UNESP/P. Prudente–SP). Gosto de trabalhar com criança, ainda mais as ensinando algo. (Suj. CB 14- UFMS/Corumbá-MS). 8 0538 Porque é o meu sonho e gosto muito de crianças. (Suj. PT 14- ESES/Santarém). Também nesta categoria há discrepâncias na ordem de valorização quando observamos distintamente os grupos; este grupo de respostas é o terceiro mais frequente somente em Corumbá, com 12% das respostas, enquanto que em Presidente Prudente ele é o quarto, com 7%, e em Santarém ele é o segundo, com 10% do total das respostas. Acreditamos que esta seja talvez a justificativa mais ingênua oferecida pelos estudantes, isto porque ela se aproxima da ideia do senso comum recorrente de que para bem exercer a profissão docente é preciso gostar de criança... Esta pode ser inferida como uma visão assistencialista da futura profissão e até mesmo preconceituosa da criança, visto que pode indicar a compreensão do trabalho como próxima ou similar a tarefa materna e a própria criança como um ser incompleto que necessita ser assistido em todos os momentos. Tal compreensão acerca da criança é justificada por Sarmento (2001), que aponta para o fato de que a compreensão da criança como sujeito de direitos e membro de um grupo etário com características identitárias distintas é algo recente, resultado de conquistas ao longo da história e um projeto em contínua construção. Desta forma, as crianças são entendidas como atores sociais, que contribuem para a produção e reprodução da infância, da sociedade e da cultura, na interação e negociação com os adultos e na produção criativa da cultura de pares (CORSARO, 2011). Assim, a crianças contribuem ativamente na construção das suas culturas e para a construção do mundo adulto, mas o desafio de dar visibilidade e credibilidade às suas contribuições ainda é grande. Suas formas de manifestação singulares ainda apresentam-se, em grande medida, desconhecidas, embora já haja importantes passos sendo construídos e efetivados (RODRIGUES; GOMES; SOUZA; FAGUNDES, 2013, p. 14). Neste sentido, o professor assume a tarefa de atuar diante de um ser dotado de especificidades e necessidades que exigem do profissional conhecimento e preparo que vão além de conhecer suas características biológicas. Assume ainda o papel de mediador dos conhecimentos específicos dos quais a criança se apropria através da dinâmica das relações e do processo de ensino e aprendizagem que se estabelece no espaço escolar. Da mesma forma, as crianças possuem saberes próprios, não sistematizados, que precisam ser considerados pelos professores para que, com base nesses saberes espontâneos, adquiridos antes mesmo de seu acesso à escola possam ter acesso aos saberes científicos. 9 0539 Assim, reiteramos que gostar de crianças é algo salutar para que a tarefa de ensinar e conviver com elas seja também prazerosa; porém este é apenas um dos aspectos constituintes de ser professor ou professora da educação básica, não sendo desta forma um indicativo de competência para exercer a profissão. Ainda sobre os dados, se faz importante destacar que uma outra categoria emergiu das respostas como justificativa para a motivação, quer seja, a influência da família, que aparece somente no contexto brasileiro (Presidente Prudente – 6 respostas e Corumbá – uma resposta). Sobre esta questão é possível recuperar a ideia freireana de que “Ninguém começa ser educador/educadora numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador/educadora ou marcado pra ser educador/educadora. A gente se faz educador/educadora, a gente se forma [...]” (FREIRE, 2000 citado por BORGES, 2012, p. 10). Tais palavras podem nos permitir entender a influência das questões afetivas que permeiam os laços familiares: tais como continuidade e lealdade para a motivação para o exercício da profissão e não só razões econômicas e sociais mais amplas. Outra questão importante de ser ressaltada é a dispersão de respostas apresentada no contexto brasileiro, temos 36% das respostas de Corumbá e 10% das respostas de Presidente Prudente, que não foi possível fazer nenhum tipo de aproximação. ULTIMAS CONSIDERAÇÕES As grandes transformações econômicas e sociais efetivadas mundialmente atingiram todos os espaços da vida contemporânea levando os cenários da escola e da universidade a sofrerem grandes transformações, principalmente pelo impacto do grande acesso de parte da população, antes excluída. A consequência imediata desse processo é o [alargamento progressivos das] funções dos professores, tendendo cada vez mais a configurar a profissão de professor como a de um trabalhador social. Às antigas funções de profissional do ensino-aprendizagem somaram-se todas as outras, de assistente social a psicólogo e sociólogo, de psicoterapeuta a vigilante e polícia, ou, numa imagem violenta mas muito real, de criada (ou criado) para todo o serviço. À escola e aos professores tudo se pede que façam e, consequentemente, sobre tudo se pede responsabilidades. (TEODORO, 2001, p. 5) Isso gerou um amplo debate também no que se refere a pensar as condições em que ocorre a formação docente. No caso de nossa pesquisa, buscamos compreender primeiro se o aluno se sente motivado ou não em ser professor e em segundo, saber quais as motivações para exercer esta profissão. Isto porque, o ingresso no curso de formação de professores nem sempre é precedido de uma reflexão sistemática sobre as várias dimensões que formam a profissão docente. 10 0540 O conteúdo da motivação para ser professor expresso pelos sujeitos de nossa pesquisa revela a interferência de saberes compartilhados e construídos socialmente, a partir da experiência enquanto aluno e dos saberes veiculados culturalmente. Tais motivações revelam subjetividades ligadas ao contexto social e de sociabilidades dos estudantes pesquisados. As respostas com maior frequência, enquadradas no eixo opção pela carreira, parecem se aproximar das considerações feitas por Garcia (2010) em pesquisa similar realizada com professores em início de carreira, na qual afirma que A motivação para ensinar e para continuar ensinando é uma motivação intrínseca, fortemente ligada à satisfação por conseguir que os alunos aprendam, desenvolvam capacidades, evoluam e cresçam. Outras fontes de motivação profissional, como aumentos salariais, prêmios, reconhecimentos, também servem como incentivos, mas sempre na medida em que repercutam na melhora da relação com o conjunto de alunos (p. 16-17). Neste sentido é possível afirmar que “apesar dos pesares”, a docência e seu exercício ainda gozam de um certo prestígio no sentido de sua imagem estar associada a possibilidade de provocar mudanças; mudanças para além do raciocínio ingênuo de “sonhar com o ideal, pisar no real e fazer o possível”... REFERÊNCIAS BORGES, L. P. C. 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