UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP VANESSA CAPISTRANO FERREIRA Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: uma análise a partir das perspectivas de inclusão e do reconhecimento das diferenças identitárias São Paulo 2019 VANESSA CAPISTRANO FERREIRA Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: uma análise a partir das perspectivas de inclusão e do reconhecimento das diferenças identitárias Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Ti- ago Dantas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Univer- sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Doutor em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Proces- sos e atores”, na linha de pesquisa “Integração regional”. Orientador: Tullo Vigevani. Co-orientador: José Geraldo A. B. Poker São Paulo 2019 VANESSA CAPISTRANO FERREIRA Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: uma análise a partir das perspectivas de inclusão e do reconhecimento das diferenças identitárias Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Relações Internacionais San Ti- ago Dantas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Univer- sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Doutor em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, proces- sos e atores”, na linha de pesquisa “Integração regional”. Orientador: Tullo Vigevani Co-orientador: José Geraldo Alberto Bertoncini Poker BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Prof. Dr. Elve Miguel Cenci (Universidade Estadual de Londrina) ______________________________________________ Prof. Dr. Luís Alexandre Fuccille (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) ______________________________________________ Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) ______________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Antônio Silva Seitenfus (Universidade Federal de Santa Maria) ______________________________________________ Prof. Dr. Tullo Vigevani (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) São Paulo, 26 de março de 2019. À minha avó, Margarida da Conceição Simões. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a todos aqueles que acreditaram no meu esforço e dedicação ao longo deste trabalho. Em muitos momentos, contei com a ajuda de familiares e amigos para que eu nunca desistisse dos meus sonhos. Começo por fazer referência à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo nº 2015/04252-0), cuja bolsa de doutorado concedida, permitiu-me dedicar a esta tese com a exclusividade necessária. Uma palavra de agradecimento ao Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP), pelo acolhimento acadêmico e apoio. Especialmente, aos meus estimados orientadores, Prof. Dr. Tullo Vigevani e Prof. Dr. José Geraldo Alberto Bertoncini Poker. Sem eles, grande parte dessas reflexões não teriam sido possíveis. Eles me auxiliaram no vislumbre de novos caminhos profissionais e me motivaram quando momentos difíceis faziam com que eu simplesmente duvidasse da minha capacidade intelectual. Sou muito grata, pois não imagino tal trabalho sem a orientação fantástica que tive desde o início do meu mestrado. Gostaria de agradecer também aos meus pais, tios, avós e amigos, por terem sentido tanto a minha ausência, sabendo dar o espaço necessário para a conclusão deste trabalho. Por terem compreendido as minhas necessidades de refúgio e pela paciência com que lidaram com os meus longos anos de formação. Ao meu noivo, por ter me apoiado incondicionalmente nos momentos finais da tese. A todas/os que se sentiram felizes com mais esta conquista, o meu muito obrigada! A história humana é ambígua [...] Nela, o bem e o mal se misturam, se contrapõem, se confundem. Mas quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem? A dor sobre a alegria? A infelicidade sobre a felicidade? A morte sobre a vida? Sei muito bem que uma coisa é constatar, outra é explicar e justificar [...] Apesar de minha incapacidade de oferecer uma explicação ou justificação convincente, sinto-me bastante tranquilo em afirmar que a parte obscura da história do homem (e, com maior razão, da natureza) é bem mais ampla do que a parte clara. Mas não posso negar que uma face clara apareceu de tempos em tempos, ainda que com breve duração. (BOBBIO, 1992, p. 51). RESUMO A partir da análise factual dos casos de intolerância e racismo (artigo14º da Convenção Euro- peia dos Direitos Humanos) julgados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, este tra- balho pretende identificar os atuais quadros limítrofes da promoção da inclusão social e do reconhecimento das diferenças no continente europeu. Sob a perspectiva da Teoria Reconstru- tiva do Direito de Jürgen Habermas e da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, será possível contestarmos a suposta aplicação exclusivista dos direitos humanos na Europa, com a exposição de suas lacunas jurisprudenciais, as quais comprometem, em sentido substantivo, sua efetividade e legitimidade democrática no escopo social. Arguir-se-ão ainda os efeitos co- laterais de um sistema de direitos efetivado e legitimado pelas vias particularistas de uma cul- tura ocidental majoritária, que silencia a arbitrariedade e a opressão a que são submetidos os grupos constantemente inferiorizados e não incluídos no direito moderno. Por fim, espera-se questionar, a própria ordem jurídica do Estado democrático de direito, com vistas à superação de suas vicissitudes no âmbito internacional à luz das possíveis realizações emancipatórias do tempo presente. Já, no que tange aos procedimentos metodológicos, esta investigação utiliza- se do método da reconstrução racional para interpretar a jurisprudência do Tribunal Europeu. O enfoque perpassa sobre os casos mais emblemáticos, destinados ao combate da discrimina- ção de identidades alternativas na Europa, tais como aparecem nos documentos oficiais: o Country Fact Sheets (1959-2010) e o Factsheet – Racial Discrimination (2013). Os casos dos 35 Africanos Orientais contra o Reino Unido, de Abdulaziz, Cabales e Balkandali contra o Reino Unido, de Sander contra o Reino Unido, de Velikova contra a Bulgária, de Anguelova contra a Bulgária, de Nachova contra a Bulgária e de D.H e outros contra a República Checa, foram selecionados como amostras a serem consideradas por essa pesquisa. Analiticamente, procura-se esboçar uma crítica atualizada das interações dos sujeitos sociais com as institui- ções político-jurídicas de proteção ocidentais, sem perder de vista a exposição de suas lacunas acerca do reconhecimento das diferenças identitárias e dos obstáculos à inclusão social. Com a intenção de aprimorar o panorama teórico proposto, utilizar-se-ão também autores como: Hemme Battjes, Marie Dembour, Betty de Hart, Anuscheh Farahat, Yasemin Soysal, dentre outros. Assim, o desenvolvimento deste trabalho se baseia num tipo de investigação predomi- nantemente bibliográfica e documental, focando-se num pluralismo metodológico e teórico para integrar e articular uma variedade de perspectivas e atitudes pragmáticas de pesquisa. Pretende-se como resultado esperado, problematizar as contínuas omissões do Tribunal Euro- peu acerca do reconhecimento de outras formas de vida, testando a hipótese de que os marcos tradicionais ainda estão presentes em suas deliberações, o que abala, não apenas as premissas igualitárias existentes no interior da concepção político-filosófica do Estado democrático de direito, mas principalmente, a resolidarização dos laços sociais pautados no reconhecimento das especificidades de toda a pessoa e de todas as pessoas, sem que ocorra a inferiorização ou a discriminação. Deste modo, este estudo incide sobre a premência da ampliação dos direitos de igualdade e respeito, considerando o princípio da diferença como uma forma abrangente de inclusão do outro. Palavras-chave: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Exclusividade. Inclusão. Reconhecimento. Emancipação. ABSTRACT Based on a factual analysis of cases of racism and intolerance (Article 14 of the European Convention on Human Rights) tried by the European Court of Human Rights, this study seeks to identify the current limits to the promotion of social inclusion and the recognition of differ- ences in Europe. Within the perspective of Jürgen Habermas's Reconstructive Theory of Law and Axel Honneth's Theory of Recognition, we are able to dispute the supposedly exclusivist application of human rights in Europe through the exposure of jurisprudential failings, which have substantially compromised their effectiveness and democratic legitimacy within the so- cial sphere. We will also argue for the consequences of a system of rights put into effect and legitimized by the particularistic means of a majority-Western culture that hides the arbitrari- ness and oppression to which continually inferiorized groups not included in modern law are subjected. Finally, we also hope to question the very judicial order of the democratic Rechtsstaat in an attempt to see beyond its vicissitudes in the international context in light of the possible emancipatory consequences today. This investigation will use the rational recon- struction method as a methodological procedure in order to interpret the current jurisprudence of the European Court. The focus will include the most representative cases intended to com- bat identity-based discrimination in Europe (violations of Article 14 of the ECHR), such as those that are outlined in the official documents known as the Country Fact Sheets (1959- 2010) and the Factsheet – Racial Discrimination (2013). The cases of 35 East African Asians v. the United Kingdom, Abdulaziz, Cabales and Balkandali v. the United Kingdom, Sander v. the United Kingdom, Velikova v. Bulgaria, Anguelova v. Bulgaria, Nachova v. Bulgaria, and D.H and others v. Czech Republic were selected as examples of jurisprudence to be consid- ered in this study. In terms of analyses, this study seeks to outline the most current criticisms of the interactions between European social subjects and Western political-legal institutions of protection while still exposing its failings in terms of recognizing differences in identity and hurdles to social inclusion. In order to improve the theoretical landscape proposed, authors such as Hemme Battjes, Marie-Bénédicte Dembour, Betty Hart, Anuscheh Farahat, and Yasemin Soysal will be considered. Thus, the development of this study shall be centered around a predominantly bibliographical and document-based investigation which focuses on a methodological and theoretical pluralism in order to integrate and articulate a variety of pragmatic attitudes and perspectives on research. The expected result is to show the problems of continued omissions by the European Court involving the recognition of other ways of life, thus testing the hypothesis that traditional frameworks are still present in the Court's delibera- tions. This presence affects not only the existing egalitarian premisses within the political and philosophical conceptualization of the Rechtsstaat, but primarily the resolidarization of the social ties brought about in the recognition of the specificities of each person and of all peo- ple, without inferiorization or discrimination. Thus, this study focuses on the urgent need for the expansion of the rights of equality and respect by considering the principle of difference as a broad form of social inclusion. Keywords: European Court of Human Rights. Exclusivity. Inclusion. Recognition. Emanci- pation. RESUMEN Utilizando el análisis factual de casos de intolerancia y racismo (articulo 14º de CEDH – Cor- te Europea de Derechos Humanos) juzgados por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, este estudio tiene como objetivo identificar las actuales limitaciones de promoción de la inclu- sión social y del reconocimiento de las diferencias en el continente europeo. Según la Teoría Constructivista de Derecho de Habermas y la Teoría del Reconocimiento de Honneth, será posible contestar la supuesta aplicación exclusiva de los derechos humanos en Europa, con la exposición de sus huecos jurisprudenciales, responsables por el comprometimiento, en sentido substantivo, de su efectividad y legitimidad democrática en el propósito social. Aún serán dis- cutidos los efectos colaterales de un sistema de derechos efectuado y legitimado por vías par- ticularistas de una cultura occidental en su mayoría, que silencia la arbitrariedad y la opresión a la cual son sometidos los grupos constantemente considerados inferiores y que no están in- cluidos en el derecho moderno. Por fin, es esperado el cuestionamiento, en propia orden jurí- dica del Estado democrático de derecho, incluyendo la superación de sus vicisitudes en el ám- bito internacional a la luz de posibles realizaciones de emancipación del tiempo presente. To- davía, sobre los procedimientos metodológicos, esta investigación se utiliza del método de la reconstrucción racional para interpretar la jurisprudencia del Tribunal Europeo. El enfoque incluye casos más emblemáticos, con destinación a la lucha contra la discriminación de iden- tidades alternativas en Europa, por ejemplo las que se ven en los documentos oficiales: el Country Fact Sheets y el Factsheet – Racial Discrimination. Los casos de los 35 Africanos Orientales contra el Reino Unido, de Abdulaziz, Cabales e Balkandali contra el Reino Unido, de Sander contra el Reino Unido, de Velikova contra la Bulgaria de Nachova contra la Bulga- ria y de D.H y otros contra la República Checa, han sido seleccionados como muestras consi- deradas por este estudio. De forma analítica, intentase obtener una crítica actualizada de las interacciones de los sujetos sociales con las instituciones políticas y jurídicas de protección occidental, sin dejar de tener en cuenta la exposición de sus huecos sobre el reconocimiento de las diferencias de identidad y de los obstáculos ante la inclusión social. Con la intención de mejorar el panorama teórico propuesto, se utilizaran también autores como: Hemme Battjes, Marie Dembour, Betty de Hart, Anuscheh Farahat, Yasemin Soysal, entre otros. Además, el desarrollo de este estudio está basado en un tipo de búsqueda predominantemente bibliográfi- ca y documental, con enfoque en el pluralismo metodológico y teórico para integrar y articu- lar una variedad de perspectivas y actitudes pragmáticas de investigación. Como resultado esperado, será deseable problematizar las continuas omisiones del Tribunal Europeo sobre el reconocimiento de otras formas de vida, testando la hipótesis de que los marcos tradicionales aún están presentes en sus deliberaciones, lo que hace temblar, no solamente las premisas igualitarias existentes en el interior de la concepción política y filosófica del Estado democrá- tico de derecho, pero principalmente, la recuperación de la solidaridad de los vínculos sociales guiados en el reconocimiento de las especificidades de toda persona y de todas las personas, de manera que nadie sea considerado inferior o discriminado. Por lo tanto, este estudio trata de la ampliación de los derechos de igualdad y respeto, considerando el principio de la dife- rencia como una forma abarcada de inclusión del otro. Palabras clave: Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Exclusivo. Inclusión. Reconocimiento. Emancipación. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Organograma simplificado do acesso dos pedidos individuais ao TEDH.......... 35 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEDH Convenção Europeia dos Direitos Humanos CFS Country Fact Sheets CoE Conselho da Europa DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos ECRI Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância ERRC European Roma Rights Centre FRD Factsheets Racial Discrimination ICMEU Comitê Internacional de Coordenação dos Movimentos para a Unidade Europeia ONU Organização das Nações Unidas TEDH Tribunal Europeu dos Direitos Humanos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15 2 AS INSTITUIÇÕES DE ESTRASBURGO: PROCESSOS E CONTRARIEDADES .................................................................................... 23 2.1 Os dilemas acerca da criação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) ............................................................................................................ 23 2.2 O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: as principais doutrinas sobre o princípio da não discriminação e suas modificações estruturais... 34 2.2.1 Breve panorama: as fases progressivas da infraestrutura legal da Corte Europeia ........................................................................................................... 34 2.2.2 O antigo sistema “two-tier” .........…………..................................................... 36 2.2.2.1 A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) .................... 49 2.2.3 Novas definições e reestruturações: os protocolos nº 11 e 14 .......................... 55 2.3 Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: a ‘jurisprudência política’ do artigo 14º da CEDH ........................................................................................ 66 3 ARQUEOLOGIA DA ‘UNIVERSALIDADE’ E ‘INCLUSÃO’ NA TRADIÇÃO DO CONHECIMENTO JURÍDICO OCIDENTAL ............ 99 3.1 A categoria central da teoria crítica: o processo reconstrutivo ................ 102 3.2 Liberdade, igualdade e justiça: valores acima de quaisquer suspeitas? ... 106 3.3 A textura da justiça no procedimentalismo contemporâneo: progresso ou retrocesso? ................................................................................................. 133 4 INCLUSÃO SOCIAL E NÃO DISCRIMINAÇÃO: A TEORIA RECONSTRUTIVA DO DIREITO E A TEORIA DO RECONHECIMENTO PARA A RECUPERAÇÃO DA SOLIDARIEDADE EUROPEIA .................................................................. 155 4.1 O direito e a teoria habermasiana: um breve panorama epistemológico... 160 4.1.1 A solidariedade cívica e a relação co-originária entre a autonomia pública e privada .............................................................................................................. 166 4.1.2 A relação entre direito e política: os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito .................................................................................... 174 4.1.3 Esfera pública, lutas sociais e direitos humanos: para a identificação das injustiças de nosso tempo ............................................................................... 180 4.2 A teoria da justiça de Axel Honneth: as instituições do reconhecimento e o ‘desrespeito’ como força motriz das lutas sociais ..................................... 188 4.2.1 Uma teoria crítica em três eixos: identidade, direito e reconhecimento .......... 193 4.3 O desrespeito e a dessimbolização do ‘Eu’: a discriminação e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos .................................................................... 203 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 221 REFERÊNCIAS...................................................................................... 232 ANEXO – INTERVIEW EUROPEAN ROMA RIGHTS CENTRE (ERRC)…….................................................................................................... 245 15 1 INTRODUÇÃO A conformação do corpo jurídico ao conjunto de elementos jusfilosóficos ocorreu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Regida pela doutrina dos direi- tos naturais, a declaração possibilitou o surgimento da acepção de que todos os seres humanos possuem direitos pela sua “[...] igualdade essencial, como seres dotados de liberdade e razão” (COMPARATO, 2009, p.11). Após a definição das perspectivas individuais e coletivas no campo jurídico, essa nova constelação de valores influenciou a aplicação dos direitos (vistos como fundamentais), no âmbito do exercício da cidadania nos Estados modernos e na criação de estruturas jurídicas eficazes para a implementação de tais diretrizes no escopo social. (ALEXY, 2011, p.12). O sistema de direitos anteriormente restrito às fronteiras nacionais e ao desenvolvi- mento interno do Estado de direito foi ampliado com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No art.I da declaração, é reiterado que “[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, sendo ainda atribuído em seu preâmbulo, a aproximação dos direitos fundamentais ao novo conjunto de valores ascenden- tes. Isto é, na defesa “[...] [d]a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no va- lor da pessoa humana”, como sendo os princípios normativos a serem seguidos também no âmbito internacional. (HABERMAS, 2012, p.07). Com a radicalização dos conceitos de ‘liberdade’, ‘igualdade’ e ‘justiça’, em 1950, sob o anseio de “[...] promover a unidade europeia, proteger os direitos humanos e fomentar o progresso econômico e social” (COMPARATO, 2009, p.264), é celebrada no seio do Conse- lho da Europa (CE), a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). A CEDH tradu- ziu-se num mecanismo de reconhecimento universal dessa condição de igualdade essencial, visando a “[...] proteção e o desenvolvimento dos direitos humanos”, os quais passaram a constituir-se como “[...] as verdadeiras bases da justiça”, que repousam “[...] num regime de- mocrático e no comum respeito aos direitos do homem”. (CONVENÇÃO, 2014, p.05). Ao incipiente papel dos direitos individuais clássicos foram incorporados no seio da CEDH, os debates atinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, com a adição formal da Carta Social Europeia em 1961 e do Protocolo Adicional em 1988. No entanto, sua con- tribuição mais notória se deu a partir da criação dos órgãos destinados a julgar e a executar sentenças, acerca da transgressão dos direitos humanos na Europa, por meio do Tribunal Eu- 16 ropeu de Direitos Humanos1 e do Comitê de Ministros do Conselho da Europa2, respectiva- mente. No que tange às competências do Tribunal, desde que foi instituído em 1959, pode-se considerar a preservação dos valores inspirados no Estado de Direito (para além de seus res- tritos projetos nacionais), a defesa da democracia pluralista e, acima de tudo, a proteção dos direitos do homem e de suas liberdades inteligíveis. Sua assistência passou a se estender a to- dos os cidadãos europeus membros da União Europeia e dos demais Estados que compõem o Conselho da Europa, bem como dos não cidadãos, os quais residem em seu espaço jurisdicio- nal (BATTJES et all, 2009, p.199-200). Em suma, utilizando-se do argumento de Yasemin Soysal (2012, p.16), o Tribunal Europeu se apresenta hoje como um órgão de representação dos valores universalistas e de validação dos direitos humanos, sob a forma do exercício pleno de um modelo de cidadania transnacional. A dicotomia entre cidadania e direitos humanos é cada vez mais insustentá- vel [...], a institucionalização crescente dos direitos humanos é bem docu- mentada. Não só o número de tratados e organizações internacionais dedica- dos à proteção dos direitos humanos aumentou, como também o número de ratificações e de adesões dos países. As normas legais e institucionais tam- bém passaram a incorporar os direitos humanos [...], mas o mais importante [...] é a expansão para além dos próprios termos da cidadania [...], tanto na gama dos requerentes contemplados quanto no leque de reivindicações apli- cáveis. Amplos direitos para mulheres, crianças, idosos, minorias, para as 1 [Também conhecido como Tribunal Europeu, Tribunal de Estrasburgo, Corte Europeia dos Direitos Humanos e/ou Corte de Estrasburgo. Constitui-se como órgão incumbido de julgar casos individuais de violação dos Direitos Humanos na Europa, tendo como base a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e seus protocolos adicionais. Os casos são encaminhados por vítimas diretas ou indiretas, e analisados por um juiz singular, o qual é assessorado por um conjunto de relatores não judiciais. Se a queixa for considerada admissível, o caso é avaliado com base na jurisprudência anterior do Tribu- nal pelo comitê de juízes (formado por três membros) ou pela câmara (formada por sete juízes), sen- do assim, atribuída a sentença. No entanto, se não houver precedência na história do Tribunal, o caso é encaminhado para o julgamento da “Grande Câmara” (composta por 17 juízes) e deliberado a sen- tença, que é obrigatória. Se a queixa for considerada inadmissível em qualquer uma das fases do pro- cesso, é impossível a apelação ou o pedido de reavaliação do caso, tendo como base o mesmo pro- cesso e/ou os mesmos fatos. Até 2010, cerca de 95% do casos avaliados, foram considerados inad- missíveis pelo Tribunal. Mais informações consultar: < http://www.echr.coe.int/Documents/Case_processing_Court_POR.pdf >, acessado em: 22 de agosto de 2014.]. 2 [Órgão responsável pela execução obrigatória das sentenças proferidas pelo Tribunal nos Estados parte. Por ele é encaminhado um dossiê que estipula o “pagamento de uma compensação”, ou a ado- ção de medidas gerais (como, por exemplo, a alteração da legislação no Estado parte), ou a adoção de medidas individuais (com a reabertura do processo ou restituição do processo), quando o processo se conclui como “execução satisfatória” é emitido uma resolução definitiva. Caso o Estado parte não cumpra o dossiê, uma nova apreciação é realizada pelo Comitê de Ministros, com a aplicação de pe- nalidades. Mais informações consultar: < http://www.echr.coe.int/Documents/Case_processing_POR.pdf >, acessado em: 22 de agosto de 2014.]. 17 questões de gênero e para a cultura, para as pessoas com deficiências, que colocam em prática a democracia social europeia, estendida aos residentes que não são cidadãos [...] foram definidos numa razão universalista e codifi- cados na convenção internacional dos direitos humanos. (SOYSAL, 2012, p. 16). No entanto, a enfermidade do otimismo mostra-se perceptível quando analisamos a ju- risprudência do Tribunal, acerca de seu projeto sócio-normativo inclusivo e supostamente universal. Por intermédio dos casos que envolvem as leis e as políticas de não discriminação ligadas aos grupos minoritários, é possível delinearmos uma avaliação crítica sobre as contí- nuas ‘omissões’ do Tribunal no que se refere ao reconhecimento das diferenças e das garanti- as de acesso equitativo aos direitos de inclusão social, face às arbitrárias decisões estatais e ao abuso de poder na Europa. Pois, a situação dos estrangeiros e não cidadãos ainda varia con- forme as noções de identidade construídas no interior dos Estados nacionais, nos valores étni- co-culturais, nas questões de gênero, nas raças e nas lealdades nacionais. (BATTJES, 2009, p. 201). Os casos dos 35 Africanos Orientais contra o Reino Unido (processo nº 4626/70), Ab- dulaziz, Cabales e Balkandali contra o Reino Unido (processos nº 9214/80; 9473/81; 9474/81), Sander contra o Reino Unido (processo nº 34129/96), Velikova contra a Bulgária (processo nº 41488/98), Anguelova contra a Bulgária (processo nº 38361/97), Nachova con- tra a Bulgária (processo nº 43577/98) e D.H e outros contra a República Checa (processo nº 57325/00), são exemplos nítidos de refutação das concepções correntes acerca do projeto uni- versalista do Tribunal Europeu na atualidade. Esses casos expõem as ambiguidades e os pon- tos internos da crítica no que se refere às constantes violações do artigo 14 da Convenção Eu- ropeia dos Direitos Humanos3, responsável pela condenação da discriminação com base na raça, na cor, na origem étnica ou em outras situações. Sobre esse direito é assegurado o parâ- metro de cumprimento ético de proteção contra qualquer forma de intolerância ou de aplica- ção exclusivista de direitos, os quais comprometem o seu procedimento normativamente justi- ficado de respeito e inclusão do Outro. (COMPARATO, 2009, p.20-22). Com a utilização dessa amostra jurisprudencial, problematizaremos o fundamento úl- timo dos direitos humanos, acerca de seu ideal de abrangência universal e irrestrita, responsá- vel pela viabilização de um projeto pautado no reconhecimento do pluralismo sociocultural, na consolidação dos espaços de luta pela preservação da dignidade humana, e na defesa dos 3 [ARTIGO 14 - Proibição de discriminação: O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presen- te Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma mi- noria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.]. 18 contextos sociais livres de relações assimétricas de poder e dominação. (HONNETH, 1999). Colocaremos em evidência os possíveis empecilhos sócio-jurídicos ao reconhecimento huma- no, o qual é continuamente subjugado pelo viés cultural e pelos males etnocêntricos, recorren- tes na tradição ocidental. A persecução deste trabalho visa testar a hipótese de que os marcos tradicionais ainda estão presentes nas deliberações do Tribunal, o que abala, não apenas as premissas igualitárias existentes no interior da concepção político-filosófica do Estado democrático de direito, mas principalmente, a ressolidarização dos laços sociais pautados no reconhecimento das especifi- cidades de toda a pessoa e de todas as pessoas, sem que ocorra a inferiorização ou a discrimi- nação. Condição essa, imprescindível para a realização da autonomia individual, base de edi- ficação e desenvolvimento dos próprios parâmetros normativos do sistema moderno de direi- tos. (CRISSIUMA, 2013). Logo, esse estudo pretende analisar – por meio da reconstrução racional e normativa –, as implicações sociais das práticas jurisprudências exclusivistas do Tribunal Europeu ligadas ao combate da discriminação, da intolerância e do racismo no continente, as quais presumi- velmente ainda versam sobre prerrogativas de aplicação unilateral dos direitos, o que enfra- quece seu ideal de universalidade, tornando-o controverso em sociedades cada vez mais com- plexas na modernidade. Isso facilitará uma reflexão acerca da realidade europeia, que ainda se caracteriza por relações sociais, culturais e diversidades étnicas, segmentadas e estruturadas por hierarquias de poder e submissões. Realidade essa, amplamente representada por conjun- tos heterogêneos de políticas estatais e instrumentos jurídicos que ainda não chegaram num acordo (não discriminatório) acerca do reconhecimento identitário de minorias e coletividades alternativas de vida. Contexto esse, desenvolvido por um longo caminho de negação do Outro e da falsa promessa da igualdade pluralista, que “[...] são incompatíveis com a pluralidade de interesses, valores e discursos e a complexidade sistêmica da sociedade atual”. (NEVES, 2008, p. XX). Por isso, o nosso ponto de partida consistirá no esboço das teorias de fundamentos normativos e das condições empíricas de realização da proteção humana inclusiva pressupos- ta no projeto do Estado democrático de direito, apresentado aqui através das formulações ha- bermasianas e honnethianas. No presente trabalho, o sistema de direitos é visto como um me- dium essencial para a garantia da integração social (por intermédio do reconhecimento mútuo entre seus atores) e da confirmação das “[...] perspectivas reais e plausíveis de superação das injustiças e sofrimentos de nossas realidades”. (WERLE, 2012, p.192). Assim, ele deveria es- tar comprometido com a promoção da ‘justiça social’, da ‘liberdade’ e da ‘igualdade’, bem como com o enfrentamento das experiências de ‘desrespeito’ vividas, as quais ainda afetam 19 grupos de pessoas e não apenas indivíduos isolados. (RUDIGER, 2007, p.47). Pretende-se, por meio desses aparatos normativo-conceituais, traçar os limites e as possibilidades desses elementos em face dos desenvolvimentos exclusivistas que ainda se delineiam no sentido de permanência e até mesmo emergência de ordens jurídicas alheias a uma referência verdadei- ramente democrática e procedimental, sensível às particularidades culturais e à abolição dos preconceitos sociais. Com a intenção de reconstruir as perspectivas, as divergências e as complementarie- dades do próprio sistema de direitos contemporâneo e, torna-lo mais compatível com os prin- cípios democráticos existentes no interior da concepção de Estado de direito, utilizaremos a teoria reconstrutiva do direito de Jürgen Habermas para apresentar a relação altamente pro- blemática dos elementos constitutivos dos direitos humanos atuais – tais como, os princípios da soberania do povo, da autonomia pública e privada, da democracia e da moralidade. Eles são concebidos como sendo os fundamentos crítico-reflexivos necessários para a superação dos recentes entraves identitários da modernidade. Não se pretende aqui, compreender exaus- tivamente tal paradigma do discurso, apenas expor alguns dos seus aspectos mais relevantes para a compreensão das reflexões propostas. Já Axel Honneth complementará a análise prescrevendo como as experiências de pri- vação de direitos, inferiorização e degradação das prerrogativas de reconhecimento recíproco podem influir na consolidação das esferas de autorrespeito e autoestima. Nesse contexto, afe- ta-se não apenas as relações jurídicas responsáveis pela integridade social, mas principalmen- te, a consolidação da honra e da dignidade humana. Elementos esses, fundamentais para se pensar na própria efetividade dos direitos humanos e na contemplação das necessidades hu- manas vitais. Com o abalo das prerrogativas de autorrealização dos indivíduos, torna-se difícil pensar em ideais realmente igualitários e em concepções abrangentes de ‘justiça social’. Lo- go, a partir do aprofundamento dessas perspectivas teóricas, será admissível esboçarmos os fundamentos e as condições de realização horizontal dos direitos humanos na Europa, sem a instituição de subjugações ou privilégios. Baseado nesse percurso crítico, será cabível também questionarmos as contínuas ‘omissões’ do Tribunal Europeu no que diz respeito às avaliações sociais acerca das formas de intolerância, racismo e outros tipos de discriminação, que culminam em processos de infe- riorização social e de não reconhecimento do Outro. Uma vez que, a imbricação entre o con- texto político-social em que o direito é formulado e a mediação da ordem jurídica nas relações sociais são imprescindíveis para a garantia da própria legitimidade social e efetividade do sis- tema de direitos nos Estados modernos europeus. (THIEBAUT, 1993, p.283-284). 20 Em suma, com a crítica das atuais lacunas jurídicas a respeito da proteção dos ‘ofendi- dos e degradados’, também será viável apresentarmos um canal jurídico de acesso universal aos direitos, que não acoberte poderes sociais assimétricos ou ainda políticas de poder inseri- das numa lógica de dominação usual. Nessa perspectiva, os direitos humanos assumiriam sua função de “[...] realizar [seu] conteúdo moral transcendente que se impregnou na memória da humanidade”, levando à edificação dos ideais de emancipação sobre fenômenos da ordem da vida em sociedade. Pois, “[...] pior do que as tentativas legítimas malsucedidas é sua ambi- guidade, que coloca os próprios padrões ético-morais na penumbra”. (HABERMAS, 2012, p.31-32). Contestaremos assim, as práticas jurisprudenciais do Tribunal Europeu que não apenas silenciam a arbitrariedade, a opressão e a humilhação de grupos constantemente infe- riorizados e não incluídos no direito moderno, mas que negam a própria ordem jurídica, na qual se originou a concepção normativa do Estado de direito. (HABERMAS, 2012, p.11). A partir de tais anseios, buscaremos responder: Seria o Tribunal Europeu o exemplo de maior eficácia no que tange a proteção dos direitos humanos justamente por silenciar as violações cometidas no âmbito dos Estados nacionais? As estruturas jurídicas supraestatais, criadas e inspiradas nas bases político-filosóficas do Estado de direito, seriam mecanismos incumbidos de reconhecer e simultaneamente omitir os direitos humanos? Por meio da análise dos casos jurisprudenciais, seria o suposto ‘universalismo’ categórico dos direitos humanos fruto de direitos exclusivistas, pautados no não reconhecimento de outras formas de vida? As omissões nos procedimentos jurídicos que garantem a ordem em detrimento do caos do reco- nhecimento do Outro, seriam casos nítidos de fracasso da aplicação dos direitos de cidadania sob uma perspectiva universal? De que forma, a corrente crítica do pensamento social poderia fornecer os elementos teóricos para se pensar na universalização do acesso aos direitos huma- nos e, finalmente, alcançarmos à concretização do projeto iluminista de emancipação da hu- manidade? Assim, com base em tais indagações, essa pesquisa foi desenvolvida e justificada. Cabe salientar, por fim, que não buscamos refutar o importante papel do Tribunal Eu- ropeu na proteção dos direitos humanos no nível pós-nacional na atualidade, mas acima de tudo, reforçar a imprescindibilidade de uma política internacional dos direitos humanos, como resposta aos inúmeros mecanismos de inferiorização social e de não reconhecimento do Ou- tro, ainda presentes nos Estados europeus e nos mecanismos ocidentais de aplicação do siste- ma de direitos. Por isso, no primeiro capítulo da tese, apresentaremos as principais doutrinas, acerca do princípio da não discriminação e suas modificações estruturais (ao longo da histó- ria de formação do Sistema two-tier e do Tribunal único e permanente), bem como a atual ju- risprudência política do artigo 14 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nos casos 21 que envolvem as leis e as políticas de violação dos direitos dos grupos minoritários e alterna- tivos na Europa. No segundo capítulo, concentrar-nos-emos no mapeamento dos ideais de ‘universali- dade’ e ‘inclusão’ que perpassam sobre a matriz do conhecimento jurídico europeu, enfati- zando suas principais correntes filosóficas e projetos político-sociais. No plano da fundamen- tação dos direitos humanos englobaremos todas as suas principais variações, indo desde o di- reito natural clássico e o jusnaturalismo moderno até o positivismo. Os projetos liberais e co- munitários também aparecerão como possíveis leituras do sistema de direitos hodierno. Nosso objetivo se assenta na planificação dos fatores ético-morais de ‘evolução’ e ‘realização’ dos valores tipicamente ocidentais, acerca da ‘liberdade’, da ‘igualdade’ e da ‘justiça’, mas que culminaram e ainda culminam em traços remanescentes de estruturas reificantes de vida. Por isso, a fim de avaliar em maior ou menor grau as perspectivas de ‘inclusão’ e ‘re- conhecimento do Outro’, esforçamo-nos em reunir as principais propostas político-filosóficas que foram entendidas como ‘imperativos de legitimação moral’ e ‘capacidades jurídicas’, mas que na realidade se converteram em hierarquias sociais imutáveis, políticas de poder e catego- rizações dos seres humanos face às suas respectivas vicissitudes históricas. A inexistência de uma verdadeira cultura universal dos direitos humanos se deve aqui basicamente à falta de sensibilidade da cultura dominante, que instrumentalizou e construiu uma vigorosa ideologia exclusivista ao longo da história de formação social e humana. Por isso, entendemos que a fundamentação dos direitos humanos fundamentais não pode ser separada de sua aplicabilida- de político-institucional, seja no passado ou no presente. Finalmente, no terceiro e último capítulo da tese, apresentaremos as perspectivas habe- rmasianas e honnethianas para um melhor entendimento dos quadros europeus reificantes de vida, suas formas de superação prática e os resultados empíricos da pesquisa de campo – rea- lizada no Centro Europeu pelos Direitos do Povo Cigano (ERRC). Habermas evocará a rele- vância dos direitos humanos para a produção da legitimidade do poder nos regulamentos das relações sociais existentes no Estado de direito atual, e os considerará a base de articulação e viabilização da cooperação social, da solidariedade, da democracia deliberativa e da emanci- pação humana. Assim, os direitos humanos se transformarão no único critério possível de ser empregado para avaliar o nível de efetividade das democracias europeias, da participação nas instituições público-políticas e do estágio moral de ‘libertação’ de seus atores. Sua tentativa se assentará na superação dos conflitos e divisões sócio-institucionais que ainda impedem a con- quista de uma nova forma de universalismo, não mais focada em conceitos tradicionais e ex- clusivistas, mas sim na crítica sólida do papel e do comportamento do Estado e dos seus ato- res. 22 Já Axel Honneth irá trazer a importância das esferas do amor, do direito e da socieda- de civil para a conquista da ‘liberdade social’, uma vez que essas esferas proporcionam senti- do à autonomia dos sujeitos. Autonomia essa, basilar para a consolidação da dignidade huma- na e do próprio projeto normativo do Estado democrático de direito. Através das diversas fa- cetas do processo de formação da personalidade humana e dos mecanismos democráticos de ‘inclusão social’, o autor ressaltará como as instituições de ‘reconhecimento recíproco’ trans- formam-se cotidianamente num bem único e primordial para a promoção da ‘justiça social’, dos laços comunitários de ‘solidariedade’ e da cooperação nas sociedades europeias contem- porâneas. As distorções nessas esferas de reconhecimento – através da discriminação, do desres- peito e da intolerância –, seriam os principais fatores patológicos que inibem a formação bem sucedida de sujeitos autônomos, individuados e de igual valor, fragilizando assim as perspec- tivas democráticas e igualitárias de nosso tempo. Em suma, a pesquisa aqui desenvolvida também abordará o tema da percepção identitária das ‘vítimas de discriminação’, através da pesquisa de campo realizada no ERRC, para compreender o atual fenômeno da dessimboliza- ção do Eu, que acomete sujeitos negados e grupos desfavorecidos no bojo do Estado de direi- to moderno, fazendo com que eles interiorizem suas condições fáticas de inferioridade e não se concebam como parceiros dignos de interação e direitos. Portanto, esse trabalho partirá da análise institucional do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos nos casos de discriminação, intolerância e racismo até a completa subjetivação da inferiorização pelos sujeitos violados, proporcionando ainda uma profunda reflexão sobre as possibilidades hodiernas de vencer ou não as assimetrias sócio-históricas, as discriminações e os preconceitos. Em suma, o conhecimento aqui produzido foi fruto de um recorte particular da pesqui- sadora, que se insere num contexto específico de vida. No entanto, buscou-se uma análise ob- jetiva e clara sobre as questões abordadas. Os julgamentos de valor foram excluídos da pes- quisa e nos concentramos apenas nos mecanismos metodológicos que permitiram alcançar análises consistentes dos fatos sociais e da realidade social europeia em crise. As pesquisas realizadas envolveram análises bibliográficas, documentais e de campo, com visitas ao Tribu- nal Europeu dos Direitos Humanos e entrevista na ERRC (Organização não governamental de assistência jurídica às minorias na Europa). 23 2 AS INSTITUIÇÕES DE ESTRASBURGO: PROCESSOS E CONTRARIEDADES 2.1 Os dilemas acerca da criação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) “[...] Vocês, que vão emergir das ondas em que nós perecemos, pensem, quando falarem das nossas fraquezas, nos tempos sombrios de que vocês tiveram a sorte de escapar.” (BRECHT, 1956). O fragmento acima intitulado ‘Aos que virão depois de nós’, é um trecho extraído da obra de Bertold Brecht, Poemas 1913-1956, que aborda a ampla desolação instaurada no con- tinente europeu após as atrocidades cometidas pelos regimes totalitários4, durante a Segunda Guerra Mundial. O sofrimento social – experimentado pela difusão da violência e dos genocí- dios em massa –, criou uma espécie de trauma coletivo na Europa, desencadeando, paulati- namente, reivindicações público-políticas por uma maior proteção e respeito aos direitos e deveres dos indivíduos, pela preservação das liberdades humanas e pela instituição de um modelo democrático pacífico e, acima de tudo, mais duradouro. (AROLD, 2007, p. 06). Frente a um período de crescentes incertezas em relação ao futuro, as sociedades euro- peias sentiam-se ainda ameaçadas pela possível opressão e pela guerra, mediante ao incre- mento das prelações que especulavam sobre a progressiva instalação dos regimes socialistas na Polônia, na Checoslováquia, na Hungria, na Romênia e na Bulgária. A Europa havia sido dividida pela ‘cortina de ferro’, e em 1948, seus povos presenciavam novamente uma guerra civil que se desenrolava na Grécia, o bloqueio de Berlim e o golpe de Praga. A crença de que os Estados democráticos europeus precisavam se unir para ‘sobreviver’ e proteger suas tradi- ções assumiu o palco das discussões políticas naquele instante. (BATES, 2011, p.18). Mediante a esse clima de instabilidades político-econômicas e lustrosos massacres, as sociedades ocidentais pareciam finalmente compreender o ‘valor moral supremo’ do conceito de dignidade humana, que embora estivesse presente desde a ‘lição luminosa da sabedoria grega’, havia sido manipulado, restringindo-se, ao longo da história, aos grupos seletos de in- divíduos e coletividades. (COMPARATO, 2009, p.55). Como lembra Christoffersen e Madsen (2011, p.01), a acepção de dignidade humana e a defesa dos direitos do homem e de suas liberdades fundamentais haviam sido “[...] instrumentalizados como parte de uma missão 4 [Relacionados ao nazismo de Hitler na Alemanha e ao fascismo de Mussolini na Itália.]. 24 civilizatória”, e agora incidiam novamente na legitimação de uma nova ‘Era dos Direitos’, ainda que marcada por traços nítidos de fragmentação e exclusão. Consequentemente, com o aumento das dificuldades dos governos ocidentais de lida- rem com os conflitos que ameaçavam subjugar seus povos e nações, tornou-se imperioso o aprimoramento da cooperação europeia como a ‘única forma de superação’, seja do acometi- do sofrimento humano ou da devastação financeira que assolava o continente. (MEDEIROS, 1996, p.95). A internacionalização dos direitos humanos pela ONU com a Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos – DUDH de 1945, também foi responsável pela difusão dos ide- ais de ‘liberdade’, ‘igualdade’ e ‘justiça’, que se tornariam, a partir de então, a fonte moral de legitimidade de todo Estado de direito que se pretendesse democrático, do ponto de vista substancial. A Declaração continha ainda, em síntese, a ‘universalidade’ abstrata já proclama- da pelos direitos naturais, a ‘particularidade’ concreta dos direitos positivos e a inspiração pa- ra o futuro, isto é, “[...] o ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas as na- ções”. (BOBBIO, 2004, p. 19). A necessidade de resgatar a dimensão político-democrática perdida no decorrer das duas grandes guerras, de promover a unificação econômica europeia – para evitar a domina- ção soviética –, e a atribuição de um papel central à preservação da dignidade humana – que assumia uma dimensão internacionalizada e institucionalizada–, mesclaram-se num novo pro- jeto regional, inspirado na “[...] euforia de superação e na busca por ideais e tradições em co- mum.” (AROLD, 2007, p. 07). Como argumenta Christoffersen e Madsen (2011, p. 01), no Congresso da Europa – ocorrido em Haia em 1948 –, evidenciou-se de modo contundente que “[...] não havia uma clara distinção entre a Europa de mercado e a Europa como um dos pila- res centrais dos direitos humanos. [...] [Assim], a ideia de integrar a Europa através dos direi- tos humanos tomava seu caminho próprio na história.”. Sob a égide do Comitê Internacional de Coordenação dos Movimentos para a Unida- de Europeia – ICMEU5, o Congresso presidido por Winston Churchill, reuniu cerca de oitocen- tos participantes, dentre eles, estadistas, deputados, empresários, sindicalistas e cientistas (CVCE, 2016a)6. A visão que predominou no encontro foi de concretização do ideal de uma ‘Europa Unida’, com a generalização do modelo da social democracia e da cooperação, priori- tariamente, intergovernamental. (BATES, 2011, p. 19-20). 5 [Posteriormente conhecido e denominado de Movimento Europeu.]. 6 [CVCE. The Congress of Europe in The Hague (7-10 May 1948): the establishment of and the first steps taken by the European Movement, 2016. Disponível em: < http://www.cvce.eu/en/recherche/unit-content/-/unit/04bfa990-86bc-402f-a633- 11f39c9247c4/272166ae-84b2-466b-9cfa-4df511389208 >, acessado em: 06 de out. de 2016.]. 25 Como se pode notar na Resolução Política de 07 de maio de 1948, a meta declarada dos governos engajados se assentava na realização gradativa da “[...] democracia social, cujo objetivo [seria] libertar os homens da escravidão e de toda a insegurança econômica, tal como da democracia política que tend[ia] a protege-los contra o poder arbitrário”7. Convocou-se uma Assembleia Consultiva, para estabelecer medidas políticas, econômicas e legais compar- tilhadas, isto é, um verdadeiro plano de ações, com vistas a consolidar não apenas a unidade europeia, mas edifica-la segundo as premissas democrático-ocidentais. Preconizou-se também a adoção de uma Carta Europeia dos Direitos do Homem e a criação de um futuro Tribunal de Justiça, que garantiria o cumprimento de suas diretrizes também no âmbito supraestatal. (BATES, 2011, p.20). Após a realização do Congresso, o Movimento Europeu produziu um anteprojeto inti- tulado a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, um documento inicial de trinta e duas páginas que já continha uma proposta de criação de um Tribunal e listava onze direitos e li- berdades a serem garantidos pelos Estados-membros do recém-formado Conselho da Europa – CoE8. Os três redatores do anteprojeto foram o ex-ministro francês Pierre-Henri Teitgen, o conservador britânico David Maxwell Fyfe e o jurista belga Fernand Dehousse. O anteprojeto tencionava como adição a “[...] criação de um sistema coletivo de segu- rança contra a tirania e a opressão”, possuindo ainda a função de preservar os fundamentos básicos que diziam respeito às liberdades humanas mais elementares, o acesso equitativo à ‘justiça social’ e ao Estado de Direito (para além de suas restritas fronteiras nacionais). Em seu preâmbulo, os preceitos morais e os princípios democráticos apareciam como prerrogati- vas de valor imensurável e parte da herança comum das nações europeias, os quais deveriam ser resgatados, promovidos e constantemente reafirmados. (BATES, 2011, p.20). No texto integral da Convenção do Movimento Europeu foram elencados, respectiva- mente; i) o direito à vida e à integridade física; ii) a proteção contra a prisão, a detenção ou o exílio arbitrários; iii) o direito à liberdade da escravidão e à revogação do trabalho obrigatório ou discriminatório de algum tipo; iv) o direito à liberdade de expressão e de opinião em geral; v) o direito à liberdade de religião, crença, prática e ensino; vi) o direito à liberdade de associ- ação e de reunião; vii) a proteção dos direitos naturais decorrentes do casamento e da paterni- 7 [Íntegra da versão original da Resolução Política de Haia de 07 de maio de 1948, disponível em: < http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/np_MA_17920.doc >, Acessado em: 06 de out. de 2016.]. 8 [O Conselho da Europa é uma organização intergovenamental e não deve ser confundido com a Co- munidade Europeia/ União Europeia. Foi criado em 1949, através de várias iniciativas para garantir a ‘paz’ e a ‘segurança’ na Europa. Segundo suas próprias premissas, ele visa proteger a ‘democracia pluralista’ e os ‘direitos humanos’, incentivando ainda o desenvolvimento da ‘identidade europeia’ e a preservação de suas ‘tradições culturais’ (DEMBOUR, 2006, p. 19).]. 26 dade, bem como os relativos à família; viii) o direito à propriedade; ix) a igualdade perante a lei; x) o direito à proibição da discriminação em razão da religião, raça, nacionalidade, opi- nião política ou outra; e, finalmente, xi) a proteção contra a privação arbitrária da proprieda- de. (European Movement apud BATES, 2011, p. 20). Nas palavras de Ed.Bates (2011) sobre a similaridade desse projeto embrionário com a versão final da CEDH, no que tange ao propósito de suas garantias elucidadas, The scope of rights protection was similar to the final version of the Conven- tion itself, albeit the rights were merely listed. Also included was a broader provision by which each State would pledge, ‘faithfully to respect the fun- damental principles of democracy’, in particular by holding free and fair elections, and by taking ‘no action which [would] interfere with the right of political criticism and the right to organise a political opposition’. Articles 3º and 4º were general limitation clauses for the operation of the aforemen- tioned rights. Articles 5º and 6º were of particular note since they pointed to the longer and shorter term aspirations of the European Movement. Article 5º refered to a ‘Supplemental Agreement’ to be concluded at a later date; as a first step, however, Art 6 would apply. By this provision each signatory would undertake to maintain intact the rights and liberties selected for pro- tection under Art 1, ‘to the extent that (they) were secured by the constitu- tion, laws and administrative practice existing in each country at the date of the signing of the Convention. The commentary, as well as the reference to a Supplemental Agreement itself, suggested, somewhat vaguely, that the long- er term plan was to create a much more substantial and detailed European human rights code of some type. But it was also recognized that that was an ambitious goal, one that might never be realized, so in the meantime the im- perative was to protect the status quo – hence Art 6 as a type of ‘freezing’ provision. (BATES, 2011, p. 20, grifos do autor). Como apresentado, o anteprojeto esboçado em julho de 1949, foi muito parecido em suas disposições com a Convenção Europeia, a qual entrou em vigor apenas em 03 de setem- bro de 1953. Embora os direitos aparecessem somente enumerados e sem teor vinculativo imediato – com uma proteção humana mínima –, ele buscava alcançar o consenso entre os Estados-membros e diminuir as futuras tensões políticas para a redação do documento final. Em suma, a proposta visava definir a essencialidade de alguns direitos e deveres dos cidadãos, com a incorporação do sufrágio livre e universal, a ampla e desimpedida formação de oposições políticas partidárias e, principalmente, a preservação do status quo dos Estados signatários – como modo de atenuar os temores sobre as prováveis incursões de poder em su- as respectivas soberanias nacionais. Entretanto, sobre os direitos de propriedade e de educa- ção, de modo específico, não houvera consenso, sendo seus conteúdos remanejados para se- rem abordados em sessões futuras9. (CVCE, 2016b)10. Tudo isso foi assegurado sob a diretiva 9 [Esses direitos aparecerão como parte do texto oficial da Convenção Europeia dos Direitos Humanos apenas no Primeiro Protocolo Adicional (referente aos direitos de propriedade, educação e a eleições 27 geral, da “[...] proibição da discriminação em razão da religião, raça, nacionalidade, opinião política ou outra”, uma vez que ela contribuiria para “[...] forjar uma personalidade europeia rica da diversidade de todas as suas tradições”. (European Movement apud BATES, 2011, p. 20). Apesar disso, no questionamento sobre a real inclusão de pessoas deslocadas, imigran- tes, refugiados e apátridas ao ordenamento jurídico europeu – tema levantado pelo senador belga Étienne de la Vallée Poussin –, a Assembleia decidiu adiá-lo indefinidamente, focando- se apenas nos debates mais gerais sobre os direitos civis e políticos de seus cidadãos. Como podemos observar, no que diz respeito ao atual artigo 14º da CEDH – sobre a proibição da discriminação –, ele já aparecia elencado como um ‘direito não independente’ no âmbito da Convenção do Movimento Europeu. Ou seja, só poderia ser acionado desde que associado à violação de outro direito básico (free-standing), sendo de uso exclusivo dos cidadãos euro- peus (CVCE, 2016b). Segundo Bates (2011, p.21) a ambição do Movimento Europeu foi de evitar a regres- são dos direitos humanos no continente – ainda que centrado em velhas ‘virtudes políticas’ e cercado por ‘antigas lealdades’ e ‘tradições’. Por essa razão, foi proposta a criação da Comis- são Europeia dos Direitos Humanos, que deveria selecionar os casos de violação dos direitos humanos mais visíveis e, em conjunto com um Tribunal, apontar a forma mais apropriada de reparação por meio de indenizações imateriais11. (SEIBERT-FOHR; VILLIGER, 2014, p.18- 19). Ambas as instituições – a Comissão Europeia e o Tribunal – serviriam como uma ma- neira de manter “[...] a consciência de uma Europa livre, agindo como um sinal de alerta às outras nações da Europa democrática contra o totalitarismo.” (BATES, 2011, p. 21). Para o autor, a proteção dos direitos humanos condensava-se em pretensões humanas demasiadamen- te minimalistas, uma vez que sua intenção se resumia apenas em conter novas tentativas de governos autoritários e não representava, de fato, a concretização de uma autêntica tutela ju- risdicional. Por isso, os redatores do anteprojeto não estavam convencidos que a criação de livres) formulado em março de 1952 e ratificado por dez países em maio de 1954, com o objetivo de ampliar seu escopo de direitos protegidos. Mônaco e a Suíça o assinaram, mas nunca o ratificaram (FULL LIST, 2016). Disponível em: < http://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/- /conventions/treaty/009/signatures >, acessado em 14 de out. de 2016.]. 10 [CVCE. The first organisations and cooperative ventures in post-war Europe: the establishment of the European Convention for the Protection of Human Rights, 2016b. Disponível em: < http://www.cvce.eu/en/education/unit-content/-/unit/026961fe-0d57-4314-a40a- a4ac066a1801/e5143a50-1a43-4a26-8ffd-7a5aaa12ecf7 >, acessado em 06 de out. de 2016.]. 11 [Além da restituição, o governo deveria garantir que a mesma violação não ocorresse novamente. (SEIBERT-FOHR; VILLIGER, 2014, p. 18).]. 28 um tribunal significaria uma ameaça às soberanias nacionais dos Estados europeus, conside- rando-o um instrumento necessário contra fontes arbitrárias de poder. (BATES, 2011, p.22). Em agosto de 1949, Teitgen buscou – através de seu discurso na Assembleia Consulti- va –, conquistar o apoio dos Estados europeus mais relutantes em assumir o acordo para a proteção dos direitos humanos no continente. O apelo ideológico do ex-ministro francês se pautou na obrigatoriedade moral da proteção humana e na importância dos experimentos cole- tivos de cooperação internacional para o sucesso da Convenção. We should need years of mutual understanding, study, and collective exper- iments, even to attempt after many years, with any hope of success, to for- mulate a complete and general definition of all the freedoms and all the rights which Europe should confer on the Europeans. Let us therefore dis- card for the moment this desirable maximum. Failing this, however, let us be content with the minimum which we can achieve in a very short period, and which consists in defining the seven, eight or ten fundamental freedoms that are essential for a democratic way of life and which our countries should guarantee to all their people. It should be possible to achieve a common def- inition of these. (TEITGEN apud MOWBRAYa, 2007a, p.04). O pronunciamento foi bem recebido, sendo concedido ao ex-ministro o auxílio de um corpo jurídico especializado para a reformulação do projeto embrionário a ser apresentado para votação subsequente. Após esse episódio, foi divulgado o Relatório de Teitgen12, com propostas concretas para serem debatidas e votadas sobre a resolução que comporia os princi- pais detalhes da Convenção. (RAPPORT, 2014). Entretanto, como menciona Bates (2011, p. 26), “[...] Teitgen [também] implorou aos seus colegas para que não exagerassem na extensão dos direitos da Convenção, para que todos os Estados-membros a assinassem”. Com a ênfase de que todos os direitos e liberdades deve- riam ser aceitos sem prolongamentos pela Assembleia, foi retirado do texto da Recomendação 38, o trecho que se referia à prevenção do totalitarismo, uma vez que tal menção conduziria a extensas discussões sobre o real significado dos regimes políticos europeus e sobre as formas de governo. Apesar disso, as propostas de criação de uma Comissão Europeia e de um Tribu- nal Europeu foram mantidas, e a segunda instituição permaneceu como foco central para o regime democrático de execução da Convenção. Em novembro de 1949, o Comitê de Ministros aceitou a Recomendação 38, convo- cando um Comitê Jurídico especializado para avaliar as propostas que integrariam a Conven- ção, de modo a intensificar a confiabilidade do documento e aumentar as pressões políticas 12[RAPPORT Teitgen – 19 novembre 1954 (CVCE), 2014. Disponível em: http://www.cvce.eu/en/obj/teitgen_report_19_november_1954-en-e5e7e6e8-035d-4c40-a04d- 6d747a74b198.html >, acessado em 12 de nov. de 2016.]. 29 sobre os Estados para que a aprovassem. Também foi convocado a Conferência dos Altos Funcionários do Conselho da Europa, para debater sobre as questões políticas mais importan- tes que não poderiam ficar a cargo somente dos juristas selecionados. Essa conferência foi solicitada com o propósito de preparar o terreno político para as principais decisões, que abar- cariam a aceitação ou não do Tribunal Europeu e da Comissão Europeia. Como fruto desse debate, optou-se pela supressão temporária do direito às eleições livres e, principalmente, pela ausência imediata de mecanismos e instrumentos incumbidos de fiscalizar e controlar as diretrizes da Convenção. Logo, o artigo mais controverso foi o direito de ‘petição individual’ contra os Estados, já que dentro dessa proposta se encontrava a im- plementação do Tribunal de Justiça. Tanto a Holanda quanto o Reino Unido lideraram a opo- sição contra a aceitação da jurisdição do Tribunal. A Convenção, nesse primeiro estágio, só seria capaz de fixar quais seriam os direitos que ela abrangeria, pois não havia nenhum dispo- sitivo legal de controle por incumprimento. O direito de ‘petição individual’ só foi aceito depois de uma série de modificações na sua proposta original, dentre elas, que a ratificação da Convenção não implicaria na aceitação simultânea do Tribunal, tornando-se assim uma ‘cláusula facultativa’. O representante irlan- dês, Sean MacBride declarou que “[...] uma Convenção Europeia que não tivesse o direito de petição individual não valeria o papel em que foi escrita” (MACBRIDE apud BATES, 2011, p. 29). Após a pressão dos apoiadores do projeto, composto por oito países13, a questão da pe- tição individual foi finalmente votada e aprovada por doze votos. Em associação a essa temá- tica também foi redigido o artigo 25º da CEDH que se referia à criação de uma Assembleia Plenária para o estudo das propostas que integrariam o opcional Tribunal de Justiça. Bates (2011, p. 31) nota que a ausência do reconhecimento coletivo dos Estados signa- tários sobre a importância da criação do Tribunal Europeu evidenciou o grande ceticismo que perpassava sobre a eficiência política e a credibilidade da Convenção. Para ele, na melhor das hipóteses, a Convenção era considerada um mecanismo ‘quase judicial’, pois os Estados esta- vam mais preocupados com a extensão de suas obrigações na ratificação do acordo, do que de fato, com a proteção dos direitos e das liberdades fundamentais de seus cidadãos. As ativida- des implementadas na Europa, de modo algum, representaram a substituição das garantias na- cionais pelas internacionais, sendo os direitos do homem – sua promoção, controle e garantia – mais imagináveis politicamente do que efetivos. Tendo em conta as inúmeras cláusulas de exceção que negam o valor da De- claração de Direitos, e as dificuldades crescentes associadas à criação da 13 [Bélgica, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Suécia e Turquia.]. 30 Comissão e do Tribunal – empecilhos que nenhum Estado parece disposto a superar – e à falta de vontade dos membros do Conselho da Europa em rati- ficarem a Convenção, apliquemos a este documento as palavras de Horácio: ‘parturiunt montes, nascetur ridiculus mus’. […] A frase em latim significa: “as montanhas estão em trabalho de parto e um rato ridículo irá nascer”. (GREEN apud BATES, 2011, p. 33). Nesse ínterim, em novembro de 1950, os governos da Bélgica, da Dinamarca, da França, da Alemanha, da Islândia, da Irlanda, da Itália, de Luxemburgo, da Holanda, da Noru- ega, da Turquia e do Reino Unido, por fim, assinaram a Convenção para a Proteção dos Direi- tos do Homem e das Liberdades Fundamentais14, no palácio de Barberini em Roma (BATES, 2011, p. 29). Como forma de demonstrar o falso entusiasmo que resvalava sobre os líderes europeus, Bates (2011, p. 31) recorda a fala do presidente da Assembleia, Paul-Henri Spaak, sobre a redação do documento: “[...] não é uma boa Convenção, mas é um belo Palácio!”. A enfermidade do otimismo esteve presente, portanto, em grande parte dos debates po- lítico-jurídicos que precederam a criação da Convenção Europeia e do Tribunal Europeu, dando continuidade a um caminho posterior deverás sinuoso e debilitado. As instituições de Estrasburgo pautaram-se mais no compromisso dilatório que é o de adiar conflitos políticos sem resolver realmente os problemas sociais. A sua conciliação implicou na manutenção do status quo e, perante ao público-espectator, numa encenação coerente dos grupos políticos divergentes, acerca da ilusória defesa dos direitos humanos. (NEVES, 2013, p.54). Pois, para cada nova questão surgida – no âmbito da proteção humana inclusiva e das sanções dirigidas aos Estados transgressores –, mostrava-se a difícil tarefa de conciliar a ‘justa satisfação’15 individual dos direitos com as soberanias nacionais, servindo apenas para expor simbolicamente como as novas instituições político-europeias eram merecedoras da confiança pública e intimamente atreladas às demandas sócio-históricas por mais direitos sociais. (BA- TES, 2011, p.36). O acordo se fundou, particularmente, na manipulação de um ideal de efici- ência dos seus mecanismos de controle, que eram capazes de produzir um sentimento coletivo de bem-estar e imunizar, acima de tudo, seus sistemas políticos de formas alternativas de do- minação. (NEVES, 2013, p. 39-40). 14 [O Conselho da Europa não deve ser reduzido apenas à Convenção Europeia. Paralelamente ao Tri- bunal Europeu, ele é formado por três grandes instituições em Estrasburgo: o Comitê de Ministros, o Secretariado e a Assembleia Parlamentar. (DEMBOUR, 2006, p. 20).]. 15 [A ‘justa satisfação’ aparece como uma nova subjetividade política, isto é, capaz de considerar a satisfação das necessidades humanas mais básicas como critério para serem pensadas as novas for- mas de legitimação no âmbito jurídico. “A estrutura das necessidades humanas que permeia a coleti- vidade refere-se tanto a um processo de subjetividade, modos de vida, desejos e valore, quanto à constante ausência ou vazio de algo almejado e nem sempre realizável”. (WOLKMER, 2007, p. 102).]. 31 Por vezes, a Convenção Europeia e o Tribunal Europeu tornaram-se insígnias de um notável projeto, mas ainda fadado às relações assimétricas de poder nacional e interinstitucio- nal, sendo ainda camuflado por discursos morais em prol da defesa simbólica dos direitos universais do homem e da preservação das tradições de suas sociedades (SCHEECK, 2011). As ambivalências estiveram presentes em seu momento de criação, aprofundamento e concre- tização, sendo partes constitutivas do que é hoje considerado umas “[...] das mais altas com- petências judiciais” em questões de proteção e soluções para os indivíduos violados no conti- nente. (AROLD, 2007, p.12). De acordo com Bates (2011, p.36), a Convenção Europeia da década de 1950, foi ain- da ambígua em sua missão, ora fundada com a intenção de se constituir como um ‘pacto para ação coletiva e de segurança’ dos Estados ocidentais, ora como um instrumento facultativo de ‘garantia dos direitos individuais’ (ou seja, um verdadeiro Tratado Europeu dos Direitos Hu- manos), mas sem mecanismos de controle e garantias eficazes – o que colocava em dúvida seu real intento de se constituir como um instrumento genuíno para a proteção humana inclu- siva e para a promoção da ‘justiça social’. À Convenção Europeia, inicialmente, coube à função de preservar os direitos humanos e as liberdades acordadas em seu texto – sem direito de expansão posterior –, reafirmando às crenças público-políticas de que somente a defesa desses direitos poderiam garantir as verda- deiras bases da paz e da justiça que a Europa tanto precisava. (AROLD, 2007, p. 20-21) (CONVENÇÃO, 2016)16. No entanto, ela ainda compactuava com a antiga lógica quase ex- clusiva do ‘Estado versus Estado’. O direito de petição individual – a grande inovação do pro- jeto –, era opcional e restrito apenas a um número limitado de países. Desde a sua criação, cabia somente ao Comitê de Ministros sua supervisão. No ano seguinte à sua implementação, veio à primeira aquisição do acordo: a criação da Comissão Europeia dos Direitos Humanos – responsável por filtrar os casos de violação dos direitos humanos nos Estados signatários e formular pareceres avaliativos a serem direcionados ao Comitê. (AROLD, 2007, p. 22-24). Entretanto, a Comissão Europeia não se constituía como um órgão permanente em Es- trasburgo, apenas estabelecia reuniões mensais. Em seus estágios iniciais – assim como a Cor- te Europeia –, ela se pronunciava somente sobre a harmonização das legislações nacionais ao ordenamento jurídico europeu, com o objetivo de estabelecer medidas profícuas para a incor- poração dessas diretivas nos textos legislativos dos Estados nacionais. Sua notoriedade de- pendia das decisões do Conselho da Europa, que até então, era o único órgão responsável por manter politicamente os Estados dentro das normas acordadas. (AROLD, 2007, p. 24). 16 [Preâmbulo.]. 32 Apesar desse estopim inicial, para alguns autores, foi somente com a aceitação majori- tária17 da jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos18, em janeiro de 1959, que a “[...] Convenção Europeia foi trazida à vida [...] através da criação da jurisprudência de Es- trasburgo, tendo como base os casos de apelação individual”. (BATES, 2011, p. 38-39). Quando foi inaugurado, parte dos Estados do Conselho da Europa se comprometeram com a função de nomear uma lista com três juízes nacionais que seriam votados pela Assembleia para compor o quadro de especialistas da instituição. Quanto ao processo de eleição dos juí- zes, os candidatos precisavam possuir “[...] as qualificações necessárias para o exercício de altas funções judiciais ou serem competentes de jurisconsultos reconhecidos.” (BATES, 2011, p. 39). Ao Tribunal Europeu coube o dever de julgar e implementar a Convenção, decidindo sobre as possíveis transgressões dos direitos do homem e do cidadão no escopo de seus Esta- dos signatários. Foi ressaltado, desde o princípio, que as decisões agissem de acordo com as particularidades nacionais, e que levassem em conta as principais constituições democráticas modernas. Recentemente, no caso de Rekvenyi versus Hungria (processo nº 25390/94)19 – sobre a garantia do direito de livre associação (artigo 11º da CEDH) –, o Tribunal Europeu consolidou o seu papel internacional contraditório como uma instituição jurídica de defesa dos direitos humanos, mas ainda centrado em características político-tradicionais (VOETEN, 2011, p. 61)20, por adotar – a partir da década de 1990 – a doutrina da margem de apreciação. (AROLD, 2007, p.20). 17 [O Reino Unido só aceitou a cláusula opcional do direito de petição individual e, consequentemente, a jurisdição do Tribunal Europeu em 1966. Em 1973, foi a vez na Itália e da Suíça de seguirem o exemplo. A França aceitou sua jurisdição apenas após a morte do Presidente Pompidou em 1974. Em 1975, foi a vez da Grécia, Espanha e Portugal de se integrarem à estrutura da CEDH, após seus re- gimes autoritários de Franco e Salazar e dos ‘coronéis gregos’. Muitos analistas como Madsen (2011, p.58) consideram que o maior impulso à legitimidade da jurisdição do TEDH tenha ocorrido em meados da década de 1970 com a incorporação de novos e importantes membros à CEDH e ao direito de petição individual.]. 18 [Ao sistema de articulação entre ambos os mecanismos, Comissão e Tribunal, foi instituído reuniões não permanentes em Estrasburgo, no chamado “two-tier system”. Nesse processo, a Comissão fica- ria encarregada de filtrar as demandas a serem levadas ao tribunal. Os casos individuais poderiam ser apresentados previamente à Comissão, e caso ela não alcançasse a plena satisfação das partes por in- termédio de uma solução amigável, o processo era encaminhado ao Tribunal. Em seus primeiros es- tágios, Nina-Louisa Arold (2007, p. 22-24) menciona que ambas as instituições se pronunciavam em relação à legislação nacional dos Estados-membros, e quais seriam as medidas legais mais apropria- das para a incorporação da Convenção Europeia em seus ordenamentos jurídicos internos. Desde sua fase inicial, cabia ao Comitê de Ministros do Conselho da Europa emitir sanções para o cumprimento das recomendações.]. 19 [O caso na íntegra está disponível em: < www.legislationline.org/documents/id/18443 >, acessado em 07 de out. de 2016.]. 20 [Voeten (2011) examina a política interna do TEDH, observando que a interpretação dos textos le- gais permanece como uma “questão de opinião política”. Para o autor, grande parte da jurisprudência 33 Por meio desse dispositivo, o TEDH reconheceu uma ‘maior concessão discricionária’ aos tribunais nacionais, com a alegação de que esses ocupavam um lugar de destaque e mais próximos de suas sociedades tradicionais do que os juízes de Estrasburgo. Estabeleceu-se as- sim, legalmente, um maior poder de manobra aos Estados Europeus, na medida em que a Convenção se tornou subsidiária dos sistemas nacionais de salvaguardas dos direitos. (LAWS, 2014, p. 192). No entanto, as principais doutrinas do TEDH serão abordadas mais adiante. Assim como as outras duas instituições, os dilemas acerca da coerência e efetividade do Tribunal Europeu se mantêm, sendo improvável a definição de uma única cultura legal, com ideais, valores, expectativas e atitudes harmoniosas no seu escopo de atuação. (FRIED- MAN, 1996, p.66). Por isso, propomos um estudo seletivo dos fatos fundamentais que estive- ram associados ao aumento da confiabilidade do Tribunal Europeu durante o seu período de evolução no que tange à proibição da discriminação, da intolerância e do racismo. As doutrinas e os conceitos incorporados, que passaram a integrar as premissas de in- terpretação do atual artigo 14º da CEDH serão essenciais para abordarmos as condutas, as ló- gicas jurídicas e, finalmente, delinearmos uma jurisprudência política, hábil em fornecer um conjunto de variáveis causais a serem confrontadas, posteriormente, com as análises críticas de Jürgen Habermas (Teoria Reconstrutiva do Direito) e de Axel Honneth (Teoria do Reco- nhecimento). Objetiva-se, por fim, apresentar um diagnóstico do tempo capaz de problemati- zar a efetividade do Tribunal Europeu no que tange ao reconhecimento humano inclusivo e a promoção da igualdade com sensibilidade às diferenças. Por isso, buscaremos responder: Como se dispõe a infraestrutural legal do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos? Seus mecanismos e instrumentos de proteção são facilmente acionados? Quais são os trâmites legais? Para além dos dados objetivos de acesso ao sistema de direitos moderno, quais são e foram as doutrinas que perpassaram sobre o direito de não discriminação? Seriam elas, garantias de proteção, coordenadas e compatíveis com as deman- das histórico-sociais? Ou ainda se encontram pautadas em cenários sociais marcados pela in- fluência das tradições e de antigas lealdades nacionais? Qual o padrão legal de prova da Corte Europeia no que diz respeito às identidades alternativas na Europa e à proteção contra as ati- tudes discriminatórias baseadas na etnia de minorias nacionais? Através desses questionamentos, pretendemos delinear os limites e as possibilidades da jurisprudência política do Tribunal Europeu, acerca do artigo 14º da CEDH de não discri- minação, seus debates e problemas, além ainda de conceber um estudo científico rigoroso que de Estrasburgo advém de uma aplicação abstrata das normas, sendo reflexo de orientações politica- mente motivadas e de preferências pessoas dos juízes.]. 34 servirá de base para as análises subsequentes das políticas de proteção social e inclusão dos grupos sociais constantemente inferiorizados e não incluídos no sistema de direitos moderno. 2.2 O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos: as principais doutrinas sobre o princí- pio da não discriminação e suas modificações estruturais 2.2.1 Breve panorama: as fases progressivas da infraestrutura legal da Corte Europeia A primeira fase de formação da infraestrutura legal, que marca o antigo sistema de Es- trasburgo21, ficou conhecida como two-tier. Ela vigorou até novembro de 1998, quando as principais modificações introduzidas pelo Protocolo nº 11 (STE nº 155), substituíram os dois níveis da estrutura, composta pela Comissão Europeia e pelo Tribunal Europeu – de tempo parcial –, num único Tribunal permanente. (ESQUEMA, 2014, p.09). Essas mudanças desencadearam a extinção da Comissão Europeia, e apresentaram-se como um meio – oficialmente declarado – de garantir um maior dinamismo ao processo e democratizar o acesso ao Tribunal. O protocolo nº 11 evitou considerações político-jurídicas mais amplas, acerca do papel ou da finalidade da Convenção, concentrando-se apenas na me- cânica institucional e nos modos de garantir um melhor funcionamento das instituições com a redução, sobretudo, dos custos operacionais. Ele demarcou o novo estágio da infraestrutura legal da Corte e foi considerado, por muitos especialistas, como um pacote de reformas radi- cais. (HARMSEN, 2011, p.121-122). Outra modificação se deu pelo aumento considerável do número de casos individuais, após a tendência democratizante que introduziu mudanças políticas vultosas no Conselho da Europa. Ou seja, a adesão dos antigos Estados soviéticos ao quadro de membros da Conven- ção. Com o intuito de combater a lentidão do sistema, a entrada em vigor do Protocolo nº 14 (a partir do ano de 2010), definiu que apenas um juiz singular poderia “[...] declarar a inad- missibilidade ou arquivar qualquer petição” (art.7, parágrafo 1). Caso o pedido fosse conside- rado admissível, o juiz o transmitiria ao Comitê jurídico (composto por três juízes) ou à Câ- mara (composta por sete juízes), para a emissão da sentença final a ser executada pelo Comitê de Ministros. No entanto, caso não houvesse precedência na jurisprudência do Tribunal, a pe- tição passaria a ser avaliada pela Grande Câmara (composta por dezessete juízes), conforme é exemplificado no organograma abaixo: 21 [Originalmente três instituições foram confiadas a possibilidade de supervisão, aplicação e interpre- tação da Convenção Europeia: a Comissão Europeia dos Direitos Humanos (criada em 1954), o Tri- bunal Europeu dos Direitos Humanos (criado em 1959) e o Comitê de Ministros do Conselho da Eu- ropa (criado em 1949). (AROLD, 2007, p. 24).]. 35 Figura 1 - Organograma simplificado do acesso dos pedidos individuais ao TEDH Fonte: OVERVIEW, 2015, p. 11. Na hipótese da queixa ser considerada inadmissível – em qualquer etapa do processo – , a apelação tendo como base as mesmas evidências, não seria mais exequível. Segundo dados apresentados pelo relatório Overview 1959-2014, o Tribunal Europeu já decidiu sobre, apro- ximadamente, 627.000 aplicações até o ano de 2014. Isso equivaleria a apenas 5% dos casos aplicados, uma vez que se estima que 95% das queixas tenham sido consideradas inadmissí- veis ao longo de sua história. (OVERVIEW, 2015, p.04). Para Robert Harmsen (2011, p. 126-127), “[...] em relação ao Protocolo nº 11, o Pro- tocolo nº 14 foi um acordo marcadamente mais modesto”. Pois, versou sobre um conjunto limitado de alterações, com a meta de permitir um funcionamento mais ágil do sistema, “[...] à luz das primeiras experiências do novo Tribunal e do crescimento contínuo do número de ca- sos”. Para desenvolver suas críticas, o autor defende que as discussões prévias ao Protocolo nº 14 englobavam noções constitucionalistas e visões mais amplas sobre o papel da justiça na Corte e na vida dos indivíduos, o que foi deixado de lado na redação do documento final. (HARMSEN, 2011, p. 127). Para além de sua disposição estrutural, o Tribunal juntamente com as demais institui- ções de controle e execução da Convenção – isto é, a Comissão Europeia e o Comitê de Mi- nistros –, desde sua criação, proporcionaram uma sequência de reformulações no bojo de suas competências, com a incorporação formal de novos princípios, lógicas judiciais, doutrinas ju- 36 risprudenciais e padrões de prova para a interpretação dos seus dispositivos legais, como é apresentado nos relatórios anuais desde 1959. Tendo como parâmetro o alcance de tais medidas e reestruturações, propõe-se uma apreciação aplicada para a definição de seus principais fundamentos históricos e organizacio- nais, aderindo à análise suas premissas constitutivas, axiomas e marcos, que possibilitarão a compreensão de suas sentenças emitidas nos casos que envolveram as leis e as políticas de não discriminação (foco vital desse estudo). 2.2.2 O antigo sistema “two-tier” Durante os anos de 1952-1958, o Comitê Jurídico da Assembleia Consultiva, destinou- se, majoritariamente, ao refinamento das normas presentes na CEDH e, à implementação de novas competências à recém-criada Comissão. O primeiro protocolo adicional foi integrado ao corpo do ordenamento jurídico europeu em março de 1952. Suas providências visavam complementar alguns direitos civis e políticos, que já haviam sido reconhecidos pelas Nações Unidas22, mas cujos direitos ainda não faziam parte da Convenção. (CONVENÇÃO, 2016). Essas ‘novas liberdades’ buscavam assegurar os direitos individuais de proteção da propriedade privada, a garantia das eleições livres e democráticas e o comprometimento dos Estados em aplicarem territorialmente as diretrizes do acordo. (YEARBOOK, 1962, p. 138- 140). O Conselho da Europa intencionava ainda conceder certos direitos recíprocos e obriga- ções em conformidade com os interesses nacionais dos Estados signatários, consolidando o seu ideal de uma ‘união mais estreita’, como modo de estabelecer uma “[...] ordem pública de democracias livres”, e o respeito ao seu “[...] patrimônio comum de ideias e tradições”. (CONVENÇÃO, 2016, p.05) (YEARBOOK, 1962, p.139-140). Esse posicionamento fez com que o autor, Andrew Moravcsik (2000, p. 248-249) apontasse a Convenção como um mecanismo que possibilitaria a difusão da democracia libe- ral no continente. Com uma tentativa conjunta, de “[...] bloquear a governança de seus adver- sários políticos futuros”, não sendo considerada, portanto, uma forma “[...] de conversão ao altruísmo moral”. Durante seus primeiros quinze anos de vigência, como argumenta Mikael Madsen (2011, p. 44), “[...] o resultado foi que muitas medidas legais [...] proporcionaram uma espécie de justiça aos indivíduos, sendo ainda cuidadosamente equilibrada com os inte- resses geopolíticos dos Estados”. 22 [Através do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.]. 37 Já, utilizando-se da reflexão de Marcelo Neves (2013, p. 01-07), podemos atribuir à Convenção, o papel de se constituir como um possível ordenamento de representações, com referências explícitas aos termos da semântica tradicional. Pois, os apelos à existência de um ‘patrimônio comum’, de uma ‘herança europeia’ e da preservação das ‘tradições’, apareceri- am como mecanismos de intermediação entre os anseios políticos do documento jurídico e a realidade social europeia. Nas palavras do autor, “[...] o simbólico encontrar-se-ia aqui [...] tanto na linguagem quanto nas instituições. Embora as instituições não se reduzam ao simbó- lico, elas são inconcebíveis sem ele”. (NEVES, 2013, p. 13). Podemos notar tal entrelaçamento no discurso do presidente e juiz Lord Arnold Mac- nair23, na inauguração da Corte Europeia em 20 de abril de 1959. Ele menciona que o Tribu- nal foi estabelecido como uma ‘fonte natural’ de sua própria jurisdição. E, quando as ‘consti- tuições nacionais’ falhassem em garantir os direitos e as liberdades mais elementares aos in- divíduos –, caberia ao Tribunal o dever de reparar os equívocos e resguardar os direitos do homem e do cidadão. (YEARBOOK, 1960, p.154). Pois, [...] o conflito pode crescer entre indivíduos e governos. E, se eu puder usar uma frase medieval para exemplificar “[...] há um poder demasiadamente grande de um lado em detrimento do outro”, mas apenas como a paz é única e indivisível, assim também o é o respeito à vida e à dignidade humanas. Como Jesus Cristo declarou essa verdade quando disse, ‘porquanto o fizes- tes isto a um dos seus pequeninos irmãos, vós o fizestes também a mim’. Foi nessa concepção em que se inspirou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em de- zembro de 1948. [...] Quase imediatamente, o Conselho da Europa criou uma proteção internacional dos direitos humanos como sendo seu maior objetivo. E em 1950, a Convenção Europeia foi adotada contendo em detalhes a ela- boração desses direitos. A CEDH, no que diz respeito aos seus autores, foi [concebida] como uma expressão comum de suas tradições [...] e o preâm- bulo da Convenção descreve a manutenção e a realização dos direitos hu- manos e das liberdades fundamentais como um método de alcançar uma maior ‘união e coesão entre os membros do Conselho da Europa’ [...] Se- nhores, posso assegurar que eu e meus colegas estamos orgulhosos de ter- mos sido autorizados a participar deste movimento e que nos compromete- mos em fazer o nosso melhor para garantir o seu sucesso”. (MACNAIR apud YEARBOOK, 1960, p. 154-156, grifo nosso). Nesse caso, o aspecto simbólico foi associado aos meios difusos da garantia da prote- ção humana inclusiva e particularista das tradições, com referências explicitas até mesmo aos ideários cristãos. No domínio do direito, tratar-se-ia de uma linguagem aparentemente ‘uni- versal’, ‘flexível’ e ‘solidária’. No entanto, que se chocaria, em seguida, com a alusão de sig- 23 [Juiz e o primeiro presidente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com mandato de 1959 até 1965.]. 38 nos de filtragem, os quais estabeleceriam critérios restritos de pertencimento, exclusivos e até mesmo excludentes. (NEVES, 2013, p.101). Foi reafirmado ainda pelo Relatório de 1961 que todos os Estados europeus possuíam “[...] a mesma opinião e [tinham] uma herança comum de tradições, ideais, liberdades e Esta- do de Direito, dando assim os primeiros passos para a criação coletiva de alguns direitos”. (YEARBOOK, 1962, p. 138). Atrelaram-se, portanto, aos mecanismos judiciais perspectivas simbólicas que permeavam, principalmente, as instituições políticas europeias. (NEVES, 2013, p. 27). Nas palavras do autor, “[...] definiu-se uma atividade coletiva que tranquilizava os seus participantes da inexistência de dissenso entre eles. [Os símbolos], por sua vez, foram concebidos como crenças socialmente comunicadas e inquestionadas”. Por meio de tais rei- vindicações, o significado que prevaleceu foi o “[...] político-ideológico latente em detrimento do seu sentido normativo-jurídico aparente.” (NEVES, 2013, p.29). Como sequência, após a criação do Tribunal Europeu em 1959, foi aprovado como adição ao texto da Convenção, o segundo protocolo adicional: o Protocolo nº 4. Conforme consta no parecer de 1963, esse projeto além de incorporar mais dispositivos – no que tange ao reconhecimento de certas garantias civis e políticas –, também ampliou as atribuições do próprio sistema de Estrasburgo. De modo diferenciado, essas novas medidas possibilitaram a recepção de petições tanto individuais ou de grupo de particulares, quanto ações conduzidas por organizações não governamentais24. (CICHOWSKI, 2011, p.77). Já no que se refere aos direitos conquistados, o Protocolo nº 4 agregou à Convenção, a proibição da prisão por dívidas, a liberdade de circulação, o impedimento da expulsão arbitrá- ria de nacionais, bem como da ‘expulsão coletiva’ de estrangeiros (CONVENÇÃO, 2016), sendo todas essas medidas amparadas pela normativa legal da ‘igualdade perante a lei’, sob a garantia do gozo da ‘não discriminação’. (YEARBOOK, 1960, p.168). O princípio da não discriminação foi claramente influente na elaboração dos docu- mentos produzidos pelo Tribunal e pela Comissão. (HANDBOOK, 2011, p. 14-15). Como parte integrante de seu arcabouço, a promoção da ‘igualdade plena e efetiva’ (CONVENÇÃO, 2016, p.51), não excluía ainda a “[...] possibilidade de uma das partes contratantes operarem segundo o princípio da diferença” (YEARBOOK, 1960, p.505), desde que, tais medidas fos- sem “[...] objetivas e razoavelmente justificadas”. (CONVENÇÃO, 2016, p.51-52). [...] um Estado não discrimina se conferir uma vantagem, um privilégio ou se posicionar a favor de um determinado grupo ou indivíduo [...] a questão 24 [Cichowski (2011) aborda o papel do ativismo dos grupos da sociedade civil europeia na expansão dos direitos humanos em Estrasburgo, sendo essas organizações, importantes mecanismos de trans- formação da jurisprudência do TEDH.]. 39 de uma eventual discriminação surge apenas se a diferença de tratamento em causa equivale a uma “dificuldade” infligida a outras pessoas. Além disso, é necessário que as “dificuldades” não sejam justificadas tendo como base o interesse geral [...] A “apreciação” do “interesse público” não é “isento de avaliação pelos órgãos estabelecidos para a implementação da Convenção” [...] com relação ao artigo 14º: se for aceito que “certas diferenciações pos- sam ser justificadas com motivos razoáveis e legítimos”, a ideia de uma “re- visão internacional” requer que a Comissão e o Tribunal tentem verificar os motivos do órgão legislativo, bem como os objetivos e os efeitos da legisla- ção. (YEARBOOK, 1970, p. 854-856, grifo nosso). Assim, os Estados poderiam introduzir medidas desiguais de tratamento, desde que, não fossem consideradas ‘arbitrárias’ ou se constituíssem como um ‘impedimento’ a outros indivíduos membros da sociedade. Esta distinção legítima referia-se às ações dos Estados para a correção de desigualdades estruturais de origem histórica, econômica, social ou de natureza política. No entanto, é necessário ressaltar que uma distinção, à primeira vista, concebida co- mo ‘legítima’ – em longo prazo –, pode se transformar numa discriminação injusta. Uma vez que tenha alcançado seu objetivo inicial de igualitarização, a diferença de tratamento pode se converter em graves preconceitos, que derivam, quase sempre, da vontade deliberada dos go- vernos e de suas sociedades (YEABOOK, 1968, p.846). Por isso, as instituições de Estrasbur- go também destacaram a pertinência de uma apreciação constante do interesse público, bem como a necessidade de avaliar os efeitos, os objetivos e a plausibilidade dessas legislações. Com base no relatório sobre a jurisprudência europeia sobre o princípio da não discri- minação, o Handbook on European non-Discrimination law (2010, p. 21-21), “[...] a lei da não discriminação proíbe cenários em que pessoas ou grupo de pessoas, em situações idênti- cas, sejam tratadas diferentemente [ou ainda que], pessoas ou grupo de pessoas, em situações diferentes, sejam tratadas de modo idêntico”. Apesar disso, o Tribunal Europeu passou a con- denar somente as formas de ‘discriminação direta’, ou seja, quando existiam diferenças no tratamento de indivíduos em situações análogas ou semelhantes, sem que fossem objetiva- mente legítimas ou justificáveis. O parecer aponta que o Tribunal raramente apresentou o conceito de ‘discriminação indireta’ em sua jurisprudência (HANDBOOK, 2010, p.38-39), não a reconhecendo até recen- temente25. Embora tenha atestado a possibilidade de ações afirmativas como formas de rever- ter às assimetrias históricas ou às desvantagens estruturais – com a promoção da participação de grupos desfavorecidos –, ele foi relutante em reconhecer, por um longo tempo, a ‘discrimi- 25 [Caso D.H e outros contra a República Checa (processo nº 57325/00), trabalhado mais adiante.]. 40 nação inversa’26. Ou melhor, que “[...] um mesmo tratamento para pessoas que estão em situ- ações diferentes” poderia se converter num ato discriminatório ou generalizado de inferioriza- ção. (HANDBOOK, 2010, p.29). Para Marie-Bénédicte Dembour (2009, p.223-231) a recusa do Tribunal em aderir ao princípio da ‘discriminação indireta’ por tantas décadas, evidenciou que o reconhecimento do racismo e da discriminação pela instituição se traduziu em “[...] pequenas concessões num espaço onde o racismo cresce mais a cada dia”. Para a autora, a leniência em aprová-la foi uma decisão de cunho predominantemente política, que se tornou legítima nos requisitos le- gais. Referiu-se apenas ao “[...] não reconhecimento cotidiano do racismo e no seu contínuo silêncio”. Afinal, [...] as normas legais nunca são neutras, pois elas refletem certos valores e premissas que podem ser alteradas conforme a história social. Tanto a [sua] jurisprudência quanto os recentes desenvolvimentos internos do Tribunal demonstram que estes dados técnicos não eram de fato um dado, mas resul- tado de uma escolha política deliberada pela Corte. (DEMBOUR, 2009, p.226). De acordo com a autora, competiria ao sistema de Estrasburgo a função de reduzir ou eliminar os efeitos sociais dessas duas formas de domínio hierarquizado, no sentido de dimi- nuir a subordinação, a marginalização e a exclusão. Caberia assim ao Tribunal e à Comissão, a proteção de indivíduos contra modos velados de desrespeito – neste caso, de padrões legal- mente institucionalizados – que ainda reproduzem relações assimétricas de poder nas socieda- des europeias. (DEMBOUR, 2009). No entanto, aprofundar-nos-emos nessas críticas mais adiante. No que se refere à adição das diretivas de ‘igualdade’ e ‘não discriminação’, o sistema two-tier também inviabilizou discursivamente a possibilidade de “[...] invocar o fato de que um ato não foi abusivo ou contra bonos mores, porque foi conformado numa ideologia domi- nante sobre a discriminação contra pessoas em virtude de sua raça, religião, nacionalidade, ideologia ou oposição política”. (YEAKBOOK, 1960, p. 260). Sob essas circunstâncias se buscou evitar discursos discriminatórios salvaguardados em vieses culturais de grupos majori- tários. Tal norma definiu o escopo de aplicabilidade do artigo 14º da CEDH, apresentando o