CHRISLAINE JANAINA DAMASCENO IMAGENS DO NOVO MUNDO: THEODOR DE BRY NO ENSINO DE HISTÓRIA. FRANCA 2018 CHRISLAINE JANAINA DAMASCENO IMAGENS DO NOVO MUNDO: THEODOR DE BRY NO ENSINO DE HISTÓRIA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em História. Área de concentração: História e Cultura Social. Orientadora: Profa. Dra. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal FRANCA 2018 1 1. Ensino de História. 2. Theodor de Bry. 3. Imagens. 4. Novo Mundo. I. Título. Damasceno, Chrislaine Janaina Imagens do Novo Mundo: Theodor de Bry no ensino de História. / Chrislaine Janaina Damasceno. -- Franca, 2018 118 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal D155i 1 CHRISLAINE JANAINA DAMASCENO IMAGENS DO NOVO MUNDO: THEODOR DE BRY NO ENSINO DE HISTÓRIA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre em História. BANCA EXAMINADORA PRESIDENTE: __________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal 1º EXAMINADOR:_______________________________________________________ 2º EXAMINADOR:_______________________________________________________ Franca, __de________de 2018 6 AGRADECIMENTOS Agradeço à Profa. Dra. Ana Raquel Marques da Cunha Martins Portugal, pela confiança, pelo acolhimento e pela oportunidade de desenvolver este projeto. Aos meus pais pela educação, ensino e exemplo. Pelo incentivo, pelo apoio e por todo o amor. Agradeço às minhas amigas, Juliana Pimenta Attie e Flávia Preto de Godoy, por sempre torcerem por mim e me incentivarem. Obrigada por todo carinho, pelos conselhos e correções da pesquisa. Vocês são muito especiais! Agradeço aos professores Carlo Guimarães Monti e Yllan de Mattos pelas contribuições no exame de qualificação. Ao Prof. Dr. Carlo Monti, em especial, por todas as oportunidades, sugestões e ensinamentos durante a Pós Graduação que coordenava e que contribui muito para minha admissão neste programa. Agradeço, principalmente, ao meu marido Leandro e minha filha Isis, por acreditarem, respeitarem e dividirem comigo esses dois anos de estudo. Com vocês, realizar este trabalho, foi muito mais fácil e prazeroso! Agradeço à CAPES, por financiar a pesquisa, e a UNESP, pela formação. RESUMO Este trabalho se propõe a analisar a utilização das imagens de Theodor de Bry no ensino de História da América do sétimo ano do ensino fundamental. Considerando, primeiramente, a utilização de imagens como fonte histórica e sua utilização como expressão da diversidade social e da pluralidade humana. Desse modo, a popularização das imagens sobre o Novo Mundo, é relevante, tanto no século XVI, período de sua produção, como nos dias atuais, nos materiais didáticos. Atentando para essas abordagens, em diferentes períodos, o questionamento que se faz é saber como estas imagens estão sendo empregadas no estudo da História da América, levando em conta as pesquisas atuais sobre o tema, a busca por uma educação desvinculada do eixo europeu –através dos documentos oficiais da educação que regem a elaboração do material didático- e a utilização de imagens como ferramenta de ensino. Palavras-chave: Ensino de História. Theodor de Bry. Imagens. Novo Mundo. 7 8 ABSTRACT This work purposes is analyze the use of images of Theodor de Bry in the teaching of American History of seventh year of elementary school. Considering, first of all, the use of images as a historical source and their use as an expression of social diversity and human plurality. Thus, the popularization of New World’s images is relevant, both in the sixteenth century, the period of its production, as in the present day, in the didactic materials. Attempting at these approaches in different periods, the question is how these images are being used in the study of the History of America, taking into account the current research on the subject, the search for an education disconnected from the European axis - through of the official education documents that govern the preparation of didactic material - and the use of images as a teaching tool. Keywords: Teaching History. Theodor de Bry. Images. New world. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ....................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I HISTÓRIA E IMAGEM .............................................................................................................. 11 1.1 A noção de documento e o uso de imagens ....................................................................... 14 1.2 O instituto Warburg ............................................................................................................. 17 1.3 Cultura Visual ....................................................................................................................... 25 1.4 O uso de imagens no Ensino de História ........................................................................... 31 CAPÍTULO II IMAGENS DO NOVO MUNDO; PUBLICAÇÃO E APROPRIAÇÃO ........................... 34 2.1 As primeiras imagens da América ..................................................................................... 34 2.2 Theodor de Bry, nosso editor .............................................................................................. 37 2.3 A elaboração dos Livros Didáticos de História ................................................................ 39 2.4 Os povos indígenas nas ilustrações didáticas ................................................................... 47 2.5 Representação……………………………………………………………………………......53 2.6 As apropriações das imagens de Theodor de Bry.................................................................58 CAPÍTULO III A ANÁLISE DAS IMAGENS DE THEODOR DE BRY NO ENSINO DE HISTÓRIA.67 3.1 Imaginário…………………………………………………………………………………....70 3.2 Antropofagia............................................................................................................................80 3.3 O encontro............................................................................................................................... 96 3.4 Diversidade.............................................................................................................................100 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 112 REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………….. 114 9 Apresentação Nossa pesquisa se concentra no uso das imagens de Theodor de Bry no ensino de história. As imagens selecionadas para esta pesquisa encontram-se nos livros didáticos de História do 7° ano do Ensino Fundamental, aprovados pelo PNL. As gravuras selecionadas, originalmente, estão nos volumes III, V e VI da coleção de relatos de viagens intitulada Grands Voyages, de Theodor de Bry. Compreender o uso dessas imagens no ensino de História da América, requer o conhecimento dos principais estudos feitos da obra desse editor, para que se tenha um contraponto para a necessidade de uma reconfiguração da utilização dessas no ensino. O eixo central desta pesquisa foi a utilização de imagens como fonte histórica e como esses retratos do Novo Mundo definiram a realidade americana, avaliando os tipos de estruturas que são construídas ou reapropriadas em sua produção e sua aplicação posterior como recurso no ensino de história. Dessa forma, dividimos as análises em três capítulos. O primeiro tratou do estudo de imagens sob a ótica da história cultural, onde o trabalho com imagem deixou de pertencer somente à História da Arte e se tornou fonte possível a todos os historiadores. O trabalho com fontes visuais possibilita diferentes abordagens, por isso destinamos um primeiro capítulo para apresentar ao leitor qual foi o caminho percorrido ao se tratar o tema. Atentando principalmente para a recepção que o material teve e continua tendo como instrumento para se conhecer a América. A proposta do segundo capítulo concerniu os estudos sobre as primeiras imagens da América, como foram produzidas e recebidas entre seus contemporâneos. Depois, afluindo para o estudo da obra de Theodor de Bry montando um paralelo com a elaboração e edição dos livros didáticos atuais. Finalizando com a trajetória das imagens sobre indígenas nos materiais didáticos e as apropriações das obras de De Bry. No terceiro capítulo, trabalhamos com as gravuras selecionadas e sua utilização, nos dias atuais, nos livros de história. Para compreender a composição dos materiais em que se inserem, utilizamos bibliografias sobre as práticas educativas e documentos oficiais que regulam a educação brasileira. Dessa maneira, fizemos uma comparação entre os diversos estudos acadêmicos sobre o tema e a utilização em material didático de ensino, percebendo dessa forma, como está sendo utilizadas as imagens de Theodor de Bry para discutir ou reforçar os estereótipos criados sobre a América. O capítulo é composto de três partes: imaginário, antropofagia e encontro entre ameríndios e europeus. Todos os temas são comuns 10 às pesquisas acadêmicas e aos livros escolares, o que facilitou nosso trabalho, pois ao analisar as diferentes leituras sobre a mesma fonte conseguimos ressaltar os afastamentos e aproximações sobre o tema, possibilitando o entendimento do contexto dessas pesquisas e seus usos como instrumento de ensino. O objetivo da pesquisa foi diagnosticar se as imagens utilizadas nos livros didáticos, aqui estudados, são adequadas para trabalhar os conceitos que as acompanham e para atuar como suporte efetivo na formação da representação da América do século XVI, exaltando suas singularidades e desenvolvendo a construção das especificidades de cada grupo nativo ou, se, realizam uma simplificação da questão e demonstram a incapacidade em compreender o outro, através de julgamento entre semelhanças e diferenças. Através da comparação entre as fontes, os estudos acadêmicos e o uso no livro didático foi possível entender quais as principais referências utilizadas pelos autores e como está sendo construída a representação do Novo Mundo e seus habitantes na escola. Pretendemos que os resultados propostos neste projeto contribuam para uma adequação do emprego de imagens, no ensino de história da América, atentando para as especificidades desse material e para a necessidade de combater estereótipos. 11 CAPÍTULO I HISTÓRIA E IMAGEM O uso de fontes visuais tem sido freqüentemente adotado no estudo de História. Essa tendência, marcada por uma virada conceitual nos anos de 19801, ainda hoje vem despertando enorme interesse entre os historiadores. Neste período, houve a concentração de diferentes abordagens e disciplinas sobre visualidade levando à relevância cada vez maior sobre o assunto.2 [...] a virada dos historiadores para a imagem ocorreu num momento de debate, quando pressuposições triviais sobre a relação “realidade” e representações (sejam elas literárias ou visuais) foram desafiadas, um momento no qual o termo “realidade” está cada vez mais sendo usado entre aspas. Nesse debate, os inovadores levantaram alguns pontos importantes em detrimento dos “realistas” ou “positivistas”. [...] Eles apontaram para a importância do “ponto de vista” em fotografias e pinturas tanto no sentido literal quanto no metafórico da expressão, referindo-se a ponto de vista físico e também ao que pode ser chamado “ponto de vista mental” do artista.3 A opção de abordar as questões concernentes ao material visual nos possibilitou um distanciamento da História da Arte, uma vez que essa relacionava-se, até o século XX, mais às questões de hierarquia qualitativas e de estilos – o que vem sendo revisto por muitos autores da área- enquanto o estudo do visual permite abordagens mais amplas.4 “Isso significa dizer que, diante dos usos públicos da história, a imagem é um componente de grande destaque”5 pois “condensa a visão comum que se tem do passado”6. Dessa forma, “a imagem pode ser caracterizada como expressão da diversidade social, exibindo a pluralidade humana”7 uma vez que é “capaz de atingir todas as camadas sociais e ultrapassar as diversas fronteiras sociais pelo alcance do sentido humano da visão”8. Contudo, utilizar imagens como fontes requer do historiador um conhecimento aprofundado no tratamento destes documentos, a fim de que não sejam utilizados como 1 As atas de uma conferência de historiadores americanos, realizada em 1985, e voltada para “a arte como evidência”, comprovam que os anos 80 significaram uma virada a respeito deste assunto. Ver: BURKE, Peter Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.15. 2MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. In Revista Brasileira de História, nº 45 –vol. 23, p.23. 3BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.37. 4GASKELL, Ivan. Histórias das Imagens. In: BURKE, Peter. A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.p. 238-9 5KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.98. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 6Ibidem, p.99. 7Ibidem, p.99. 8Ibidem, p.99. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 12 conclusões já alcançadas pelo autor por “outros meios, em vez de oferecer novas respostas ou suscitar novas questões.”9 Dessa forma, é imprescindível para que as imagens sejam utilizadas de maneira efetiva que se faça a crítica das evidências visuais. A expectativa do historiador cultural Ivan Gaskell, que se dedica ao estudo concomitante da história e história da arte, antropologia, museologia e filosofia, é que os historiadores se voltem mais para o uso do material visual, mesmo lamentando que poucos historiadores até agora tenham expressado percepção e habilidade necessária para se trabalhar com esse objeto10. Mas, ainda com todos os obstáculos encontrados, acredita que os historiadores tem “proporcionado valiosas contribuições à nossa visão do passado –e do local em que nele está inserido o material visual- usando as imagens de uma forma sofisticada e especificamente histórica.”11 Apesar dos historiadores utilizarem diversos materiais como fonte, é evidente que, devido uma formação logocêntrica estejam mais habituados aos documentos escritos, no entanto o conhecimento de que as imagens podem “fornecer evidência para aspectos da realidade social que os textos passam por alto, pelo menos em alguns lugares e épocas” 12 faz com que se interessem cada vez mais por esse campo e superem a utilização de imagens apenas de maneira ilustrativa. É desnecessário dizer que o uso do testemunho de imagens levanta muitos problemas incômodos. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o ser testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar uma mensagem própria, mas historiadores não raramente ignoram essa mensagem a fim de ler as pinturas nas “entrelinhas” e aprender algo que os artistas desconheciam estar ensinando. Há perigos evidentes nesse procedimento. Para utilizar a evidência de imagens de forma segura, e de modo eficaz, é necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar conscientes das suas fragilidades. A “crítica da fonte” de documentos escritos há muito tempo tornou-se uma parte essencial da qualificação dos historiadores. Em comparação, a crítica de evidência visual permanece pouco desenvolvida, embora o testemunho de imagens, como o dos textos, suscite problemas de contexto, função, retórica, recordação (se exercida pouco, ou muito, tempo depois do acontecimento), testemunha de segunda mão, etc.13 Conhecer o criador das imagens e as práticas do período não significa atribuir à arte características de um “espírito de época” ou Zeitgeist, uma vez que, não encontramos nenhum 9BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.12. 10GASKELL, Ivan. Histórias das Imagens. In: BURKE, Peter. A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. p.268. 11Ibidem, p.237. 12BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.37. 13Ibidem, p.18. 13 tempo histórico que seja homogêneo.14 Ademais, tem que se considerar que aquilo que vemos representado “varia conforme a pessoa que somos e conforme aquilo que apreendemos- um fato que confere pouca segurança à crença de que podemos compartilhar uma visão do mundo comum”.15 À vista disso os historiadores necessitam elaborar métodos de “crítica das fontes” para o estudo de imagens, assim como desenvolveram para os textos, interrogando e procurando os vestígios relevantes para suas pesquisas. Portanto, para utilizar a imagem como documento, deve-se retratar, procurando pistas diversas, os caminhos que ela percorreu, antes de ser diagnosticada e aposentada e receber o status de documento. Tal percurso deve ser feito ao inverso. A arqueologia, que se vale sistematicamente desse procedimento, pode esclarecê-lo, pois os artefatos arqueológicos- que são os documentos-chave da disciplina, juntamente com os traços ambientais- precisam ser apreendidos a partir do descarte, reciclagem, manutenção e reparos, consumo, circulação, fabricação, obtenção de matérias primas. Tudo isso pode nos levar a recortes espaciais, temporais, sociais, funcionais, simbólicos, ideológicos, econômicos, políticos etc., muito variados.16 Faz-se necessário salientar “que o historiador rompa as limitações nas quais se deixa com freqüência aprisionar pela redução da imagem apenas a ‘documento visual’ e a tarefas taxonômicas e de leitura iconográfica”17, considerando sempre as incontáveis possibilidade que o material visual pode adquirir de acordo com as especificidades de cada estudo histórico. Dessas considerações a cerca do objeto visual é que nasce essa pesquisa, uma vez que “saber ver significa mais do que um acesso democrático à cultura (o que evidentemente seria o suficiente como argumento), um modo de conhecimento, de compreensão do mundo que reverbera tanto elementos de ordem geral como particularidades de cada um.”18 A partir dessa ótica que iremos trabalhar; buscando desvendar as inúmeras possibilidades de leitura de uma imagem. 1.1 A noção de documento e o uso de imagens O documento escrito se fixou como princípio de fonte histórica no final da Idade Média e 14Ibidem, p.38. 15MANGUEL, Alberto. Lendo Imagens. São Paulo: Companhia Das Letras, 2003, p.89-90. 16MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.254-5. 17Ibidem, p.243. 18COSTA JUNIOR, Martinho. História da Arte como disciplina basilar. Este artigo foi escrito especialmente para o Quarto Curso de Formação da ONHB 2017, p.1. 14 início do Renascimento. Documento significava prova dos fatos de acordo com o sistema de Lorenzo Valla (1406-1457).19 O tratado De falso credito et ementita Constantini donatione declamatio (1440)20 demonstrava, por meio de uma investigação textual sistemática, que o documento Doação de Constantino não poderia pertencer à época à qual era atribuído uma vez que o latim no qual fora escrito não correspondia ao latim utilizado durante o Império Romano. Assim, em conformidade com Lorenzo Valla, Jean Mabillon, ao final do século XVII, consolida a crítica documental que permitia chegar-se à autenticidade, dessa forma, o Renascimento estabeleceu o documento escrito como fonte oficial. E, foi este padrão de concepção cientificista que traduziu a afirmação da objetividade do conhecimento.21 É nesse sentido que as imagens foram desprezadas. De modo geral, a possibilidade de usá-las como provas não favoreceu a valorização delas na historiografia que, entretanto, utilizou as imagens nos campos em que as fontes escritas não se evidenciavam suficientes, como o estudo da Antiguidade. A objetividade do conhecimento definida pelo dado se estabeleceu por interpretações estáticas e unívocas da verossimilhança, tampouco valorizou a diversidade de experiências sociais e a multidimensionalidade do processo histórico.22 Desconsiderar outras possibilidades além do texto, fez com que a história descartasse diversas possibilidades de interpretação do passado, impossibilitando-a de chegar a diferentes experiências sociais e aos modos de vida23 de múltiplas civilizações. As fontes visuais começaram a ser utilizadas no final do século XIX e início do XX, quando a história da Arte incluiu esse material, principalmente, após a ampliação dos domínios da História Cultural.24 Até o século XIX, Leopold Von Ranke (1795-1886) estabelece com outros historiadores uma investigação científica do documento, procurando obter a maior objetividade possível, para isso valia-se de métodos rigorosos de crítica aos documentos escritos25. Esse movimento, denominado escola Metódica chegou à França pela influencia de Charles Langloise e Charles Seignobos. Somente com a Escola dos Annales que o que se 19KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.102. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 20 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1996. P.543. 21KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.102. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 22Ibidem, p.102. 23Ibidem, p.100. 24MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. In Revista Brasileira de História, nº 45 –vol. 23, p.13. 25 A predileção pelo documento escrito não constata que a Escola Metódica negasse o uso da fonte visual, apenas que a ignorava. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 15 denominava “documento” sofre diversas intervenções ampliando o conceito de fonte. Como afirma Marc Bloch “são os homens que a História quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça.” 26 Mesmo com a aceitação do material visual, a relação documento/ texto foi fortemente reiterada por teóricos como Fustel de Coulanges que acreditava que o historiador não deveria se afastar dos textos, absorvendo deles todas as informações relevantes. Somente no final do século XIX e início do XX é que as imagens começam a ser privilegiadas como objetos de estudo por historiadores como Jacob Burckhardt (1818-1897) e Johan Huizinga (1872-1945); [...] eles próprios artistas amadores, escrevendo respectivamente sobre o Renascimento e o “outono” da idade Média, basearam suas descrições e interpretações da cultura da Itália e Holanda em quadros de artistas tais como Raphael e van Eyck, bem como em textos de época. Burckhardt, que escreveu sobre a arte italiana antes de se dedicar à cultura geral do renascimento, descreveu imagens e monumentos como “testemunhas de etapas passadas do desenvolvimento do espírito humano”, objetos “através dos quais é possível ler as estruturas de pensamento e representações de uma determinada época.27 A ampliação do campo de estudo da história para as representações e o imaginário e a história cultural renovou a definição de documento e trouxe a valorização da imagem como fonte confiável de representação social e cultural.28 Mesmo com a ampliação das pesquisas de imagens há ainda percalços a serem resolvidos: Em suma, apesar da alforria chancelada pelos Annales, o documento visual não ganhou até agora direitos de cidadania plena no fortim da história, pois se trata de uma cidadania de segunda classe. [...] Ninguém hoje ignora, em sã consciência, que a imagem pode ser fonte histórica, mas tratá-la efetivamente como tal é que é problemático. A raiz desse fato está na formação básica do historiador, ainda de natureza exclusiva ou preponderantemente logocêntrica, com desconfiança ou restrições para tudo aquilo que tenha caráter concreto ou afetivo. Além disso, a palavra é, como não poderia deixar de ser, seu instrumento de expressão. Quando o historiador não consegue moderar a força gravitacional da palavra, tende a transformar a imagem em texto, e o pior nisso é que se esvazia ou deforma a natureza visual da imagem visual, que passa a ser tratada como um recipiente neutro, inodoro, insípido, incolor, frágil embalagem à espera da inserção de um significado a priori integralmente elaborado e tendo em si sua própria identidade. [...] Enfim, também por aí se associa a idéia a expressão verbal e, portanto, se faz dos objetos mera duplicação de um discurso verbal ou verbalizável, desprezando a materialidade não verbal do meio empregado e, por outro lado, ignorando que tanto a idéia produz a forma, quanto é produzida por ela. Em outras palavras, se há um pensamento 26BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p.54. 27BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.13. 28KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.102. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 16 visual, não é apenas um pensamento verbal que se vale oportunisticamente de vetores visuais complacentes, mas um pensamento que só pode perfazer- se adequadamente de modo visual.29 Todavia, deve-se transpor a barreira onde trabalhar com imagens significa converter o visual para o verbal. Pois como afirmou Foucault: “por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem.”30 Dessa maneira temos que examinar as imagens de forma peculiar dado que “o pensamento que ela desenvolve oferece uma matéria específica, tão densa como o texto, mas que costuma ser irredutível a ele, o que não facilita nada a tarefa do historiador obrigado a atribuir palavras ao indizível.”31 A vista disso o historiador não pode reduzir o visual ao verbal para “facilitar” a análise de suas fontes, ao contrário, é preciso que se compreenda os processos de produção de sentido como processos sociais e que seus significados sejam entendidos como construção cultural32 e não como ilustração para a análise ou conclusões as quais as fontes visuais já evidenciavam.33O texto não deve ser excluído, sua conexão com a imagem é imprescindível desde que se observe; O respeito à lógica específica que rege cada fonte e que deve orientar a análise crítica a que tem de se submeter qualquer tipo de fonte. Com efeito, fonte visual e fonte verbal pertencem a sistemas de representação diversos e, portanto, comunicam informação e significados diferentes. Basta lembrar que a imagem visual se realiza no espaço e fornece de imediato a totalidade das coisas, pessoas, eventos e suas relações; já a fonte verbal se realiza no tempo, acumulando unidades de informação em seqüência, podendo explorar com mais eficácia relações temporais. A fonte escrita, por sua vez, faz jus a um acréscimo de especificidade por compartilhar algo de visualidade. Em suma, ambas as fontes desvendam aspectos diversos de um mesmo objeto de conhecimento.34 Assim sendo, prezaremos por uma crítica atenta das fontes escolhidas que permitam que elas sejam veículos da produção cultural de seu período nos fazendo absorver as questões primordiais em voga e não sejam apenas acessórios ilustrativos de um material de ensino. 29MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.251. 30 FOUCAULT, Michel. “Las Meninas”. As Palavras e as coisas, uma arquologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.10. 31 GRUZINSKI, Serge. Laguerra de lasImagenes. DeCristobal Colón a BladeRunner (1492-2019). México: F.C.E., 1994, p.17. 32KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.100. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 33MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.251-2. 34Ibidem, p. 257. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 17 Nesta pesquisa, pretendo demonstrar como imagens35 constituem uma forma importante de evidência histórica, mesmo quando utilizada por cronistas de maneira aleatória ou sendo a mesma gravura usada em diferentes relatos ela exerce uma forte influência na construção da imagem da América. 1.2 O instituto Warburg Frente às possibilidades de se trabalhar com imagens, faremos uma breve introdução de como esse material vem sendo utilizado desde Hamburgo, nos anos que antecederam a ascensão de Hitler, quando surgiu um grupo de iconografistas formado por Aby Warburg (1866-1929), Fritz Saxl (1890-1948), Erwin Panofsky (1892-1968), Edgar Wind (1900- 1971)36 e Ernst Gombrich (1909-2001). Este grupo, que fundou o Instituto Warburg, estabeleceu-se em Londres em 1933 e promoveu uma mudança conceitual na maneira de se trabalhar com imagens, utilizando evidências visuais como evidências históricas e diferenciando-se das metodologias propostas pelas Escolas Positivistas e dos Annales. Aby Warburg, já em 1912 buscou fazer da “iconologia a base de uma ‘ciência da arte’, desenvolvendo uma antropologia da memória social, fundamentada nas imagens e apoiada em fontes heterogêneas.”37 Para ele era possível fazer história com “documentos de pouca importância”, no caso imagens, por meio da teoria cultural (Kultur wissens chaftliche Bilgeschicte).38 Warburg não acreditava na avaliação puramente estética, seus interesses estavam em “esclarecer as alusões veladas numa pintura (se as há), indicar as evocações de um texto literário (se existem), indagar onde for possível a existência de clientes que a encomendaram, suas posições sociais, eventualmente seus gostos artísticos, ajudam a compreensão e ainda facilitam a avaliação acurada de uma obra de arte”39. Numa passagem programática, Warburg invocara, como vimos, o exemplo de Burckhardt, em nome de uma história da arte com um alcance mais amplo e dilatado do que a história acadêmica tradicional- uma história da arte que desemboca na Kultur wissenschft [teoria da cultura]. recusava-se qualquer 35Este trabalho prioriza “imagens”, “um termo que só começou a ser utilizado no Ocidente ao longo do século 18, quando a função estética das imagens, pelo menos nos círculos de elite, passou a dominar os muitos outros usos desse objeto. Independente de sua qualidade estética, qualquer imagem pode servir como evidência histórica.” BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.20. 36 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.44. 37MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 244-5. 38 GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras, p. 44. 39 GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras, p. 56. 18 leitura “impressionista”, estetizante (e também puramente estética) das obras de arte. Entre parênteses: é exatamente essa formulação que permite a alguém que não seja historiador da arte falar, mesmo que marginalmente e como leigo, sobre as atividades desses estudiosos.40 Através da obra “Kultur der Renaissance in Italien”, Warburg explorou a iniciativa de Jacob Burckhardt de estudar os ideais do renascimento na Itália através da arte e da cultura, englobando assim, as variadas manifestações do homem do período. Burckhardt tencionava retirar o estudo artístico de seu isolamento característico ao articulá-lo com as outras manifestações da vida das civilizações.41 Esse foi o ponto que provavelmente influenciou o trabalho de Warburg quando “tentou confrontar as notáveis pinturas mitológicas de Sandro Botticelli, o ‘Nascimento de Vênus’ e a ‘Primavera’, com as correspondentes idéias da literatura poética e das teorias estéticas da época, para, deste modo, esclarecer quais foram os elementos antigos que ‘interessaram’ aos artistas do século XV”42. Este confronto permitia explorar o que os dois historiadores denominavam de “ ‘gosto artístico’, e, portanto, passar da obra individual para a cultura artística que a propiciou. Assim, era possível restituir o tecido social em meio ao qual as obras tinham sido criadas, inserindo-as novamente em seu contexto, em seu espaço, em seu mundo”43. Os objetivos de Warburg eram amplos, não se limitavam apenas a análise iconológica, ele considerava “as obras de arte à luz de testemunhos históricos, de qualquer tipo e nível, em condições de esclarecer a gênese e o seu significado”44 e também “a própria obra de arte e as figurações de modo geral deveriam ser interpretadas como uma fonte sui generis para a reconstrução histórica.”45 Portanto, seus estudos iam além da avaliação estética, tendo em vista que “ uma figura pode ser significativa para o historiador, por testemunhar determinadas relações culturais, importante para o estudioso iconográfico e, ao mesmo tempo, irrelevante do ponto de vista estético.”46 A importância a ele dada estava no entendimento de uma situação histórica por meio das fontes visuais. Após 1933, com a mudança do grupo de Hamburgo para Londres, Panofsky emigrou para os Estados Unidos onde trabalhou para a divulgação do método iconográfico.47 Nos anos 40 Ibidem, p.56. 41FERNANDES, Caio da Silva. “Jacob Burckhardt e AbyWarburg: da arte à civilização italiana do Renascimento”,p.129-30.https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/viewFile/2671/2093. 42Ibidem, p.139. 43Ibidem, p.139. 44GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras,p.56. 45Ibidem,p.56. 46Ibidem,p.57. 47BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.44. https://locus.ufjf.emnuvens.com.br/locus/article/viewFile/2671/2093 19 que se seguiram, as reflexões de Panofsky foram ocupadas por indicar a relação entre dados iconográficos e dados estilísticos, uma vez que acreditava que apenas assim seria estabelecida uma reconstrução histórica geral. O estudo de imagens pela análise de suas particularidades ficou conhecida como iconografia. Para os iconografistas as imagens não foram feitas apenas para serem apreciadas, mas também para serem “lidas”, revelando significados intrínsecos. Essa idéia se tornou popular em meados do século XX ao priorizar o significado das imagens e se contrapor ao formalismo que predominava na história da arte entre o final do século XIX e início do XX.48 Os termos iconografia e iconologia ganharam destaques com os estudos de Panofsky, contudo, já faziam parte do vocabulário histórico desde as décadas de 1920 e 1930.49 Com seu Estudos de iconologia (1939) e principalmente com Significados nas artes visuais (1955) suas proposições se estabelecem pela eficiência do seu método de analise de imagens.50 De maneira simplificada, a pesquisa iconográfica identifica na imagem o significado interno a partir de conteúdos externos, a iconologia por sua vez “implica um passo adiante na elaboração de teorias, generalizações, integração de informação e perspectivas”51 sendo que hoje a iconologia obteve um maior domínio e absorveu a iconografia. No trabalho publicado em 1939, Panofsky sintetiza suas análises em três níveis52;o pré-iconográfico, o da análise iconográfica e o da interpretação iconológica: O primeiro desses níveis era a descrição pré-iconográfica, voltada para o “significado natural”, consistindo na identificação de objetos [...]. O segundo nível era a análise iconográfica no sentido estrito, voltado para o “significado 48MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 244. 49 “Os termos ‘iconografia’ e ‘iconologia’ foram lançados no mundo da história da arte durante as décadas de 1920 e 1930. Para ser mais preciso, eles foram relançados –um famoso livro renascentista de imagens, publicado por Cesare Ripa em 1593, já era intitulado Iconologia, ao passo que o termo ‘iconografia’ estava em uso no início do século 19. Por volta da década de 1930, o uso desses termos tornou-se associado a uma reação contra uma análise predominantemente formal de pinturas em termos de composição ou cor, em detrimento do tema. A prática da iconografia também implica uma crítica da pressuposição do realismo fotográfico em nossa ‘cultura de instantâneos’. Os ‘iconografistas’, como seria conveniente denominar esses historiadores da arte, enfatizam o conteúdo intelectual dos trabalhos de arte, sua filosofia ou teologia implícitas. Alguns de seus mais famosos e controversos argumentos dizem respeito a pinturas feitas na Holanda entre os séculos 15 e 18. Tem-se argumentado, por exemplo, que o celebrado realismo de Jan Van Eyck ou de Pieter de Hooch é apenas superficial, escondendo uma mensagem religiosa ou moral através do “simbolismo disfarçado” de objetos cotidiano.” Ver BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.44. 50MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 245. 51MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 244. 52“Que correspondem aos três níveis literários distinguidos pelo estudioso clássico Friedrich Ast (1778-1841), um pioneiro na arte da interpretação de textos (‘Hermenéutica’): o nível literal ou gramatical, o nível histórico (preocupado com o significado) e o nível cultural, voltado para a captação do ‘espírito’ (Geist) da Antiguidade ou outros períodos. Em outras palavras, Panofsky e seus colegas estavam aplicando ou adaptando para as imagens uma tradição especificamente alemã de interpretação de texto. Ver BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.45. 20 convencional” (reconhecer uma ceia como a Última Ceia ou uma batalha como a Batalha de Waterloo). [...] O terceiro e principal nível, era o da interpretação iconológica, distinguia-se da iconografia pelo fato de se voltar para o “significado intrínseco”, em outras palavras, “os princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, um período, uma classe, uma crença religiosa ou filosófica”. É nesse nível que as imagens oferecem evidência útil, de fato indispensável, para os historiadores culturais.53 O último nível buscava uma “mentalidade de base”. Ou seja, toda imagem revela mais do que aparenta e pode levar a compreensão de uma nação, um período, uma religião.54 Para Panofsky, as imagens são parte de uma cultura e não podem ser compreendidas sem o entendimento de seus códigos culturais. Porém o uso da iconologia é criticado por ser considerado muito especulativo levando a “circularidade” dos argumentos, ou seja o Zeitgest55 . O método ainda era visto como demasiadamente literário privilegiando o conteúdo sobre a forma. No entanto é importante ressaltar que; O terceiro passo indicado por Panofsky, sua iconologia- pensada como uma nova história da cultura- nunca constituiu, para o comum de seus seguidores, uma meta prioritária, de certa maneira pela amplitude e indefinição de horizonte. Nesse rumo, a iconografia ganha projeção, mas em parte se transforma em um instrumento taxonômico, classificatório e de identificação empírica. Por sua vez, um levantamento em repertórios bibliográficos confirmaria que o termo se banalizou e é utilizado freqüentemente para se referir a simples coleções ou séries de imagens. Além disso, é muito comum que iconologia e iconografia sejam empregados como termos intercambiáveis.56 Além das observações feitas sobre o risco de sua pretensão em identificar um “espírito de época” ou uma “visão de mundo” em sociedades que possuíam características complexas e diferentes e, portanto não possuem organizações harmoniosas ou homogêneas, há também a crítica à dependência textual pressuposta pela iconografia ao tomar o texto como base e a imagem como ilustração57. Outro ponto que devemos considerar é a sua omissão à dimensão social buscando “‘o’ significado da imagem, sem levantar a questão: significado para quem? [... ] Não se pode assumir que todos eles estavam tão interessados em idéias quanto os iconografistas e os humanistas.”58 Uma última observação apontada remete ao fato de privilegiar o conteúdo sobre a forma, uma vez que esta também transmite uma mensagem. 53BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.45. 54MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 245. 55BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.50. 56MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p. 246. 57Ibidem, p. 247. 58 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.51. 21 Estudiosos como Hans Belting, criticam “a noção de que a significação cultural pode ser codificada em material visual e subseqüentemente decodificada por uma interpretação posterior para produzir um “significado” adequado”, segundo Ivan Gaskell, “a posição mais interessante adotada hoje em dia seja a de que o material visual do passado, especificamente a sua arte, só pode ser adequadamente interpretado através da criação de novo material visual – a arte como parte de um comportamento representacional- que seja rigorosa e conceitualmente disciplinado”59 onde “o teórico cultural e o artista podem se tornar um só e o mesmo”60. A essa “circularidade” de argumentos de Panofsky, uma alternativa é proposta por E.H. Gombrich (1909-2001) que também fez parte do instituto Warburg, sendo um de seus diretores, mas que tinha interesse predominantemente teóricos61, “recusava paralelismos e analogias histórico-culturais muito fáceis; no limite, porém acabava por negar a própria possibilidade da reconstrução dos nexos históricos gerais”62, posicionando-se contra uma interpretação “fisiognomônica”63. O que se recusa é a sobreposição à arte do passado de uma concepção, nascida na idade moderna, da arte como ruptura com a tradição, da arte como expressão imediata da individualidade (ou talvez do inconsciente) do artista. Prosseguindo coerentemente ao longo dessa linha, Gombrich acabou por afirmar, em polêmica contra toda estética de tipo “romântico”, que a obra de arte não deve ser considerada “sintoma” nem “expressão” da personalidade do artista, mas o veículo de uma mensagem particular, a qual pode ser entendida pelo espectador na medida em que este conhece as alternativas possíveis, o contexto lingüístico em que se situa a mensagem.64 Dessa forma, Gombrich adverte sobre considerar os estilos como conseqüente expressão de época, desconfiando das relações estabelecidas entre obras de arte e a situação 59 GASKELL, Ivan. Histórias das Imagens. In: BURKE, Peter. A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. p.261-2. 60Ibidem, p.261-2 61GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras,p.71-2. 62Ibidem,p. 73. 63 “[...] De fato, para Panofsky, o tipo de traço nos desenhos e o tipo de cinzeladura na pedra adotados por Michelangelo exprimem, são sintomas da personalidade profunda do artista- e não só: de um contraste histórico geral entre ideal clássico e ideal cristão no Renascimento, vivido de modo evidentemente singular por um indivíduo excepcional. Mas é claro que esse tipo de dedução baseia-se numa interpretação ‘fisiognomônica’ das obras de Michelangelo e dos contrastes estilísticos “mais que formais” ( e de significado ‘mais que individual’) que as caracterizam, segundo Panofsky- e na concepção correlata do estilo como ‘sistema integralmente expressivo’, recusada por Gombrich. Essa recusa liga-se, em Gombrich, a uma desconfiança acentuadíssima em relação à tentativa (que animara, como já vimos, as pesquisas de Warburg e seus seguidores) de servir-se das obras de arte, e em geral dos testemunhos figurativos considerados do ponto de vista do estilo, como fonte para a reconstrução histórica geral.” Ver GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras, p.76-7. 64GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras, p. 76. 22 histórica em que elas foram produzidas, ele não descarta que exista um “clima mental” ao qual a arte e os artistas estão suscetíveis, porém destacando que o “estilo artístico” não deve ser estudado como decorrência das transformações sociais ou culturais.65 “Mais uma vez, parece claro que, para Gombrich, afirmar que a arte tem uma história significa simplesmente ressaltar que as várias manifestações artísticas não são expressões sem relações entre si, mas anéis de uma tradição.”66 Retornando ao problema do estilo nas artes como solução para a exaustão das análises iconográficas, que marcaram uma ruptura na historiografia, Gombrich trilha um caminho em seu livro Arte e Ilusão: um estudo da psicologia da representação pictórica.67 [...] este livro não pretende ser um apelo, disfarçado ou não, para o exercício de truques ilusionistas na pintura contemporânea. Gostaria de evitar especialmente essa quebra de comunicação entre mim, meus leitores e críticos, por não aprovar, na verdade, certas teorias da arte não figurativa e por ter aludido a alguma dessas questões quando pareceram relevantes. [...] Que as descobertas e efeitos de representação, que eram o orgulho de artistas de outros tempos, tenham ficado hoje triviais, é coisa que não nego por um só momento. E, todavia, acredito que estaremos em perigo de perder contato com os grandes mestres do passado se aceitarmos a doutrina, tão em moda, de que essas questões nunca tiveram nada a ver com a arte. O motivo pelo qual a representação da natureza pode ser hoje vista como coisa banal deve ser do maior interesse do historiador. Nunca houve antes uma época como a nossa, em que a imagem visual fosse tão barato, em qualquer sentido que tome a palavra. [...] Mas penso que a vulgarização e os estratagemas da representação podem criar um problema tanto para o historiador quanto para o crítico. [...] O principal objetivo que me propus nestes capítulos foi restaurar o nosso sentido de maravilhamento diante da capacidade do homem para conjurar, graças a formas, linhas, nuanças ou cores, aqueles misteriosos fantasmas da realidade visual a que chamamos “pintura”.68 Sobre as interpretações “expressionistas” na História da arte, escreve o clássico História da Arte, onde ressalta a importância das convenções e o valor da tradição buscando aplicar a teoria da informação ao exame dos fenômenos artísticos. Segundo Ginzburg, Gombrich demonstra que “não só a ‘novidade’ de uma mensagem é apreciável apenas se referida a uma tradição, como também a sua própria decodificação pressupõe a existência de um âmbito circunscrito de escolhas- do contrário, ressalta Gombrich, a comunicação seria impossível.”69 Ao recusar, na história da Arte, as relações apressadas e imediatas entre uma obra “e 65GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras,p. 78-9. 66Ibidem,p. 86. 67 Ibidem,p. 82-3. 68 GOMBRICH, E. H. Arte e ilusão: um estudo da representação pictórica. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p.8. 69GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras,p.85. 23 situações históricas psicológicas”70, acentua “a importância da tradição na história da arte, mostrando que a representação pictórica da realidade se torna possível, literalmente, pela existência de outras obras de arte”71 apontando como objeto de estudo para a história da arte a relação de dependência e contradições entre as obras. Ao explicar em Arte e ilusão sobre a transição para a arte ilusionista Gombrich abandona as explicações oriundas da psicologia e elabora um novo conceito: a função, onde a forma não se separa da sua representação. Esse conceito faz com que o autor transponha “o círculo mágico das pinturas que se parecem como outras pinturas, ou que procuram resolver problemas formais postos por outras pinturas”72, relacionando assim a representação às exigências da sociedade que compartilha uma linguagem, dessa forma, as mudanças de interesse e gosto devem-se a essas mudanças que não estão diretamente relacionadas a fatores estéticos.73 [...] No pólo transmissor, temos as “exigências” (não só estéticas, mas políticas, religiosas e assim por diante) feitas pela sociedade “onde aquela determinada linguagem visual é válida”; no pólo receptor, temos o mental set, isto é, segundo a definição de Gombrich, “as atitudes e expectativas que influenciaram as nossas percepções e vão nos dispor a ver ou ouvir uma coisa em vez de outra”.[...] Mas eles são incapazes de explicar não só as profundas mudanças verificadas no interior dessa tradição, com até mesmo a comunicação que se instaura entre um artista e seu público. [...] “O contexto social em que [isso] ocorre foi pouquíssimo estudado. Seja como for, é claro que o artista cria sua elite, e a elite cria seus artistas”. Que isso ocorra é claro; já o modo como ocorre permanece um tanto obscuro. O mesmo conceito, pressuposto em Art and illusion, da arte como comunicação coloca problemas que precisam ser resolvidos num contexto mais amplo. A história (as relações entre fenômenos artísticos e história política, religiosa, social, das mentalidades etc.), expulsa silenciosamente pela porta torna a entrar pela janela.74 Gombrich lança um novo caminho para o estudo da arte, onde “a compreensão da mesma está na raiz da curiosidade que nos torna bons historiadores da arte e, por extensão, possíveis intérpretes de uma “realidade” outra- virtual- num mundo cada vez mais dominado pelos espaços da representação”75. No entanto, ao perceber as aproximações propostas entre imagens clássicas e televisas, diferentemente de Baxandall, demonstrou um “mal estar com a ideia de “cultura visual” como um campo que viria estabelecer novas formas de se lidar com a 70 Ibidem, p.87. 71 Ibidem, p.87. 72 Ibidem, p.89-90. 73 Ibidem,p.89-90. 74 GINZBURG, Carlo. De A. Warburg a E. H. Gombrich: Notas sobre um problema de método. IN: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 2° edição, Companhia das Letras, p. 91-2. 75CARDOSO, Rafael. “A história da arte e outras histórias”. In: Cultura Visual, n. 12, outubro/2009, Salvador: EDUFBA, p. 113. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680 24 imagem.”76 Do mesmo modo como sugeriu Warburg, ao afirmar que “Deus está no particular”, o historiador italiano Carlo Ginzburg, mostra a importância para o historiador de estar atento aos detalhes. Ao comparar a prática do historiador, em “Sinais: raízes de um paradigma indiciário” com as práticas de Sherlock Holmes e de Sigmund Freud, expõe a busca de pequenas pistas como um exemplo epistemológico e uma alternativa intuitiva para o raciocínio. Umberto Eco em O Nome da Rosa, também se vale de um monge detetive para encontrar os vestígios na história.77 O que não podemos esquecer é que as imagens foram elaboradas com intuitos e mensagens próprios de suas épocas e não tendo em vista análises posteriores de seus contemporâneos, o que nos chama a atenção para a tentativa de aproximações que não seriam possíveis em determinadas épocas ou que são problemas do tempo de quem as estão estudando. Portanto, “elas, freqüentemente, tiveram seu papel na “construção cultural” da sociedade. Por todas estas razões, as imagens são testemunhas dos arranjos sociais passados e acima de tudo das maneiras de ver e pensar o passado.”78 Segundo Peter Burke, é esse enfoque que descreve como “‘a história cultural da imagem’, ou ainda a ‘antropologia histórica da imagem’ que pretende reconstruir o aspecto chamado de ‘olho de época’”79 ou seja, “as regras ou convenções, conscientes ou inconscientes, que reagem a percepção e a interpretação de imagens numa determinada cultura”80. As propostas concebidas no século XX para a interpretação de imagens podem ser consideradas insuficientes “por ser excessivamente preciso e estreito em alguns casos e muito vago em outros. Para discuti-lo em termos gerais, o método incorre no risco de subestimar a variedade de imagens, sem falar na diversidade de questões históricas para as quais as imagens podem auxiliar a encontrar respostas.”81 As imagens na História são estudadas com diferentes enfoques e expectativas, para cada uma delas é necessário uma abordagem diferente que deve ir além da iconografia, utilizando a iconologia de maneira mais sistêmica, recorrendo, quando necessário a teoria da recepção, ao uso da psicanálise ou do estruturalismo.82 76MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.10. 77 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 39-40. 78 Ibidem, p.234. 79 BAXANDALL, Michael. Painting and Experience in fifteenth-Century Italy. Oxford, 1972 80 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p.227. 81BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004, p. 52. 82 Ibidem. 52. 25 1.3 Cultura Visual Nas décadas de 70 do século XX, surgiu o que ficou denominado como “nova” história da arte. Caracterizava-se por uma história que empregava métodos oriundos de outras áreas de conhecimento utilizando artistas e as obras de arte como objeto de estudo.83 Esta “new art history’, apontou autores como Svetlana Alpers, Michal Baxandall, Norman Brison, T.J. Clark, Hubert Damisch, Michael Fried, Rosalind Krauss, Linda Nochlin, entre outros. Em comum, todos eles distanciavam da crítica e do mercado da arte e direcionavam-se para a percepção particular da arte, modificada pela experiência social. Quais seriam, portanto, essas conquistas que caracterizaram a consolidação definitiva de uma “nova” história da arte? Pode-se dizer que há quatro aspectos essenciais. Primeiramente, a atenção de fontes primárias, documentação precisa e variedade de fontes, sem distinção de valor entre erudito e o popular, procedimentos identificados com a renovação da história social na década de 1960 nas pesquisas de autores como Eric Hobsbawn e Gareth Stedman- Jones. Em segundo lugar, uma ênfase acentuada no estudo da produção, circulação e recepção de obras de arte como bens materiais e culturais, entendendo o artista como agente social inserido em um contexto específico, tendência claramente alinhada com as idéias sobre “mediação cultural” proposta por Raymond Williams e com o grande bomm posterior de estudos sobre a recepção e público leitor. Em terceiro lugar, a apropriação de modelos explicativos de grande densidade e teórica oriundos de campos como comunicação, sociologia, psicologia, antropologia, com destaque para pensadores ligados ao pós-estruturalismo nas ciências sociais. Em especial, passou-se a dedicar grande atenção à arte como um sítio para a constituição de estruturas discursivas, acarretando a necessidade concomitante de desconstruir seus discursos no sentido preconizado por Derrida. Por último, uma retomada da decodificação visual profunda (Close reading) de imagens que combinasse as práticas tradicionais de análise iconográfica e iconológica como novos aportes característicos da psicanálise, da análise de discurso e da desconstrução. A amalgamação desses quatro aspectos em uma abordagem unificada que permita a compreensão da obra de arte como, a um só tempo, documento histórico e discurso visual está na base dos estudos da história da arte hoje preponderantes no mundo.84 Um trabalho representativo do período é “Paintngand Experience in Fifteenth Century Italy”, publicado por Michael Baxandall, em 1972. O subtítulo do livro direciona os novos caminhos que seriam trilhados por essa leva de historiadores: “A Primer in the Social History of Pictorial Style (literalmente, “uma cartilha de história social do estilo pictórico”). Baxandall demonstrou “que estava equivocada quase toda a base de conhecimento empírico 83CARDOSO, Rafael. “A história da arte e outras histórias”. In: Cultura Visual, n. 12, outubro/2009, Salvador: EDUFBA, p. 109. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680. 84Ibidem, p.109. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680 26 sobre o qual se sustentava a compreensão usual da pintura italiana quinhentista”85 e por meio do exame de outras fontes aliadas às obras de arte argumentou, “de modo convincente que as interpretações arte-históricas até então vigentes tinham, pouco ou nada a ver com a forma que as obras eram percebidas em sua época.”86 Baxandall foi além da análise iconográfica “aproximando a obra de seu contexto cultural social e científico”87. Portanto, acreditava que explicar “uma intenção não é contar o que se passou na cabeça do pintor, mas elaborar uma análise sobre seus fins e seus meios, conforme o inferimos a partir da observação da relação entre um objeto e algumas circunstâncias identificáveis. A análise se realiza em constante e ostensiva interação com o quadro” 88. Em geral, fala-se no surgimento da cultura visual em reflexões vindas da história da arte, sendo uma referência o próprio Michael Baxandall quando relacionou, como vimos a arte e a história social, introduzindo o termo period eye: [...] que pode ser traduzido de modo aproximado como um “olhar de época” que identifica hábitos visuais e modos cognitivos de percepção. A interrogação desenvolvida propõe que os quadros são pintados a partir de uma experiência geral que sustenta modelos e padrões visuais construídos e que caracterizam a capacidade de entendimento de imagens como uma habilidade historicamente demarcada. De acordo com Baxandall, pode-se dizer que o equipamento mental ordena a experiência visual humana de modo variável, uma vez que este equipamento é culturalmente relativo e orienta as reações diante dos objetos visuais. O espectador se vale de uma competência visual que é socialmente estabelecida, do mesmo modo que o pintor depende da resposta de seu público. Assim, a sociedade influencia a experiência visual. Fundamentalmente, Michael Baxandall aponta para o fato de que o olhar é um sentido construído socialmente e historicamente demarcado.89 Baxandall estabelece que as pinturas são concebidas de acordo com as experiências e modelos historicamente construídos. Assim, tanto o artista quanto o espectador necessitam compartilhar competências para entender uma obra. A cultura visual desconsidera que a imagem representa algo em si mesma, sem a necessidade de relações internas e externas.90 O início dos anos 80 marcou a centralidade dos estudos da cultura nas ciências 85 CARDOSO, Rafael. “A história da arte e outras histórias”. In: Cultura Visual, n. 12, outubro/2009, Salvador: EDUFBA, p. 109. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680. 86Ibidem, p. 109. 87BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p.19-20. 88Ibidem, p.162. 89KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.111. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 90MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.10. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 27 humanas, o que levou a uma revisão do estatuto social que permitiu que se consolidasse o sistema de representações onde a cultura “instigava as forças sociais de um modo geral, não sendo mero reflexo de movimentos da política ou da economia.”91 O movimento batizado de “virada cultural” “destacou os vínculos entre conhecimento e poder, o que serve, igualmente, para demarcar o estudo das imagens. A cultura visual seria, portanto, um desdobramento de um movimento geral de interrogação também sobre a cultura em termo abrangentes.”92 Com a abertura do campo de estudo da História da arte, a análise do discurso e a desconstrução, vindas da crítica literária, passaram a ser utilizadas como instrumentos de análise. Entre as décadas de 1980 e 1990 destacaram-se autores como Norman Bryson e Michael Fried, que utilizavam o pós-estruturalismo demonstrando a possibilidade de traduzir os significados das representações e examinar a construção cultural do ato de olhar. Ao admitir a presença discursiva na imagem revelou-se novas possibilidades frente às antigas discussões sobre iconografia e estilo. 93 Além de Bryson e Fried, Svetlana Alpers, Mieke Bal, Jonathan Crary, Thomas Crow, Rosalind Krauss e W.J.T. Mitchell foram responsáveis por estabelecer as novas orientações de análise da década de 1980. As propostas anunciadas ainda nos anos de 1970 chegaram aos anos de 1990 consolidadas como um campo de saber próprio. O estudo da Cultura Visual remete ao seminário de graduação proferido na Universidade de Chigaco por W. J. T. Mitchell no início dos anos de 1990. Denominado “Cultura Visual”, o seminário englobava diversas mídias e pretendia ir além da história da arte ao questionar sobre as diversas formas de representação, de produção e circulação de imagens além de diferenciar o verbal e o visual e o que era caracterizado como alta e baixa cultura nas artes.94 William J. T. Mitchell se tornou assim uma dos principais nomes nos estudos visuais, campo em que ingressou vindo da filosofia e da crítica literária95. Sem renunciar às propostas 91KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.107. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 92Ibidem, p.107 93CARDOSO, Rafael. “A história da arte e outras histórias”. In: Cultura Visual, n. 12, outubro/2009, Salvador: EDUFBA, p. 110-1. https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680. 94KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.103. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 95 “W.J.T. Mitchell cunhou nos anos 90, nos EUA, a expressão pictorialturn para tratar a discussão teórica que se desenvolveu sobre a imagem. O termo inspirado na leitura do filósofo Richard Rorty, que caracteriza a história da filosofia por uma série de viradas, ou reviravoltas, e que tarta especificamente da chamada virada lingüística, ou linguisticturn. Esse fenômeno, que ocorreu a partir do final da década de 50, pode ser entendida como o momento em que se passou a dar destaque na critica das artes e das formas culturais aos diversos modelos de “textualidade” e discursos. Mitchell, por sua vez, no primeiro capítulo de Picture theory, indica que um novo movimento estaria ocorrendo e que, mais uma vez, as diferentes disciplinas do campo das humanidades http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 https://portalseer.ufba.br/index.php/rcvisual/article/view/3393/2680 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 28 de Panofsky desenvolveu uma “iconografia crítica” “em direções bem mais amplas que a da história da arte” 96 respondendo “ao que vem se chamando de ‘era pós-panofskyana’”97. Mitchell percorre um caminho paralelo entre a lingüística e a cultura visual. “Para ele, a cultura visual se refere ao mundo interno de visualização que faz apelo à imaginação, à memória e à fantasia.”98 Acredita que “o termo ‘estudos visuais’ é muito vago, pois pode se referir a qualquer coisa que se relacione à visão.”99 E que “Cultura visual, [...], sugere algo mais próximo do conceito antropológico de visão, como artificial, convencional, como os idiomas, sistemas construídos na fronteira entre o natural e o cultural.”100 Dessa forma, conclui que a imagem não pode ser desenvolvida apenas pela textualidade, uma vez que não há, segundo o autor, um rompimento101 entre a escrita e a visualidade, pois mesmo que tenha- se a impressão de que esse dualismo simplifique as explicações, ele não possibilita uma estudo histórico crítico.102 Em seu livro “What do Picture want?” esclarece que “as imagens não são objetos inertes sobre os quais projetamos nossas interpretações. São seres animados desejantes que tomam direções e rumos insuspeitos até para seus criadores.”103 Essas interpretações nos possibilitam uma percepção mais aprofundada de que as imagens produzem efeitos e geram transformações, mais do que isso, são integrantes da interação social.104Sendo assim, Mitchell considera como cultura visual o estudo da construção visual do social, ou seja, tudo o que estariam sendo desafiadas a complexificar sua reflexão por meio do estabelecimento de uma ampla ordem de questionamentos intelectuais a partir da imagem. E esta nova virada, Mitchell chama pictorialturn, que poderíamos traduzir como virada pictórica, enfatizando o figurado como representação visual.” Ver KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.106. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 Mais tarde, W. J. T. Mitchel repensa o que denomina de falácia da virada pictorial, o que faz com autoridade visto que foi ele quem criou a expressão em 1994. 96MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.248. 97Ibidem, p.248. 98KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.108. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 99Ibidem, p.108. 100KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.108. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 101 W. T. J. Mitchel afirma, em retrospecto, que não pretendia afirmar que a era moderna era a única e sem precedentes em sua obsessão com a visão e com a representação visual, e que o visual é determinante desde a Antiguidade. Ver MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.10-1. 102MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.10-1. 103MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.11. 104MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.256. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 29 possibilita uma sociedade que enxerga.105 A intertextualidade dos estudos visuais absorve a autonomia da História da arte, uma vez que a visão é relacionada aos outros sentidos. Ao rejeitar a separação entre o verbal e o visual, Mitchell exprime que as representações visuais são parte de um conjunto de práticas e discursos.106 O estudo da cultura visual é um campo marcado pelo exame das construções culturais sobre a experiência visual na vida cotidiana, ampliando o enfoque que se deteve por muito tempo na análise da iconografia e da iconologia, das particularidades de cada um dos meios de expressão e das narrativas teológicas construídas em torno de disciplinas individualizadas. Optando por uma transferência “da história da arte pela cultura visual, estabelecendo um movimento da arte para o visual, da história para a cultura.”107 A solução está em definir a unidade, a plataforma de articulação, o eixo de desenvolvimento numa problemática histórica proposta pela pesquisa e não na tipologia documental de que ela se alimentará. As séries iconográficas (porque é com séries que se deve procurar trabalhar, ainda que possam ter imagens singulares que funcionem como pontos de séries ideais) não devem constituir objetos de investigação em si, mas vetores para a investigação de aspectos relevantes na organização, funcionamento e transformação de uma sociedade. Dito com outras palavras, estudar exclusiva ou preponderantemente fontes visuais corre o risco de alimentar uma “História Iconográfica”, de fôlego curto de interesses antes de mais nada documental. Não são pois documentos os objetos da pesquisa, mas instrumentos dela: o objeto é sempre a sociedade. Por isso, não há como dispensar aqui, também a formulação de problemas históricos, para serem encaminhados e resolvidos por intermédio de fontes visuais, associadas a quaisquer outras fontes pertinentes. Assim, a expressão “História Visual” só teria algum sentido se tratasse não de uma História produzida a partir de documentos visuais (exclusiva ou predominantemente), mas de qualquer tipo de documento e objetivando examinar a dimensão visual da sociedade. “Visual” se refere, nessas condições, à sociedade e não às fontes para seu conhecimento- embora seja óbvio que aí se impõe a necessidade de incluir e mesmo eventualmente privilegiar fontes de caráter visual. Mas são os problemas visuais que terão de justificar o adjetivo aposto à “História”.108 O espaço de pesquisa visual não se constrói sob uma única linha de pensamento, por sua formação em diferentes escolas há diversas conceituações e orientações de trabalhos que podemos dividir, resumidamente, em duas linhas principais. A primeira, mais ampla “que aproxima o conceito de cultura visual da diversidade do mundo das imagens, das 105KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.108. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 106Ibidem, p.114.. 107Ibidem, p.104. 108MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Fontes visuais, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. In Revista Brasileira de História, nº 45 –vol. 23, p.27-8. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 30 representações visuais, dos processos de visualização e de modelos de visualidade.”109 A segunda, estabelece “um campo mais estreito que a história da arte, na medida em que restringem o marco crítico na abordagem dos objetos a partir de uma perspectiva teórica demarcada.”110 Este campo, mesmo que diverso em suas argumentações teóricas possibilita ampliar os horizontes antes definidos pela História da arte ao englobar as imagens neste universo e também, uma oportunidade de redefinir os conceitos do estudo da arte. Assim; Os estudos visuais, seguindo a inspiração dos estudos culturais, defendem que os sentidos não estão investidos em objetos. Ao contrário, o conceito de cultura visual sustenta o pressuposto de que os significados estão investidos nas relações humanas. É nesse sentido que a cultura é definida como produção social e, por isso, o olhar pode ser definido como construção cultural. Nesse sentido, as definições materiais e tipológicas devem ser concebidas como elementos do processo de significação. O objeto individual é integrado numa ampla rede de associações e de valores que integram as competências visuais.111 Aqui encontramos a mobilidade possível no estudo da cultura visual, uma vez que nela detectamos o efeito de outras imagens que operam sobre nós, como se relacionam e dialogam com as experiências anteriores de quem as vê.112 Por isso é insuficiente estudar apenas a produção, circulação e consumo das imagens, “é preciso primeiro ampliar a noção de consumo para a de apropriação e interlocução e, ao mesmo tempo, examinar os efeitos produzidos – seu papel na interação social, sempre inserido nas trajetórias que for possível identificar” além de apontar como os receptores se apropriam das imagens de acordo com seus lugares sociais identificando assim sentidos para suas ações. 113 1.4 O uso de imagens no Ensino de História Essa pesquisa busca dialogar sobre o uso de imagens no ensino de história, pretendendo exemplificar o uso de iconografias como fonte de estudo em sala de aula e colaborar para desenvolver as habilidades de interpretação e leitura imagética nos alunos incitando a discussão do uso de fontes visuais em sala de aula. 109KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.106. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 110Ibidem, p.113. 111KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, p.114. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406. 112MENEGUELLO, Cristina. “Cultura Visual: um campo estabelecido”. Cadernos de História IMAGEM, ARTE, Ano VIII, n.° 2, Dezembro de 2013, p.11. 113MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. “História e Imagem: iconografia/iconologia e além”. In CARDOSO, Ciro Flamarion& VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro, Elsevier, 2012, p.256. http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1406 31 Esta proposta de trabalho está em consonância com as exigências da Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que tornaram obrigatório o ensino da história e da cultura indígena, afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o médio. Obrigatoriedade esta, que nasceu das demandas organizadas de grupos da sociedade, e da necessidade em reconhecer as reivindicações das chamadas “minorias étnicas”114. Esses avanços encontram-se, no presente momento, ameaçados por alterações na Base Nacional Comum Curricular e pela reforma do Ensino Médio, aprovada por Medida Provisória em fevereiro de 2017. Sendo de grande importância uma reflexão sobre a representação desses grupos que, fundamentais para a identidade e a cultura, são muitas vezes marginalizados ou tratados de forma estereotipada ou condescendente. Mesmo com o grande acesso á internet, televisão e vídeo games, a atual geração de estudantes, não utiliza o recurso da imagem em sala de aula, o que causam distanciamento entre os alunos e o sistema formal de educação, presente na maioria das escolas e que diverge das propostas elaboradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. No texto deste documento que, mesmo não sendo normativo insere-se no cotidiano escolar como instrumento legal seguido por gestores e professores, a análise da imagem é fator preponderante no aprendizado de História.115 Segundo os PCNs, espera-se, no ensino fundamental, que aluno consiga “[...] dominar procedimentos de pesquisa escolar e de produção de texto, aprendendo a observar e colher informações de diferentes paisagens e registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais”116. Um dos elementos que contribuem para a escassez do trabalho com imagens por parte dos docentes do ensino fundamental é que, a maioria não teve contato, em sua graduação, com um sistema de formação que lhes possibilitassem aprofundar esse tema117. Já que, utilizar esse recurso, [...] requer do professor conhecer e distinguir algumas abordagens e 114 O termo“minorias” foi utilizado por estar no texto dos documentos oficiais pesquisados, no entanto deve-se atentar a esse conceito. 115 BARROS, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de História. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2007, p.9-10. 116BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1998. p.43. 117 Em pesquisa feita por Ricardo Barros para sua dissertação de mestrado, constatou-se que: “Analisando os currículos dos cursos superiores de História nos quais os professores se formaram, pôde-se verificar que há uma falha quanto à utilização da imagem. Todos têm História da Arte em sua grade curricular, porém, com exceção dessa, poucas são as disciplinas que trabalham com imagem. Quando esse trabalho surge, a imagem é tratada como mera ilustração do texto ou da fala dos professores sobre um determinado tema.” Ver Barros, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de História. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2007, p.11. 32 tratamentos dados às fontes por estudiosos da história. Requer dele a preocupação de recriar, avaliar e reconstruir metodologias do saber histórico para situações de ensino e aprendizagem. 118 Para a construção de problemáticas que levem à aprendizagem é necessário compreender o papel da imagem na sociedade e, por conseguinte, da utilidade de sua leitura crítica pelo ensino de modo geral e, particularmente, pelo ensino de história. A discussão sobre a influência das imagens na cultura e a importância do entendimento crítico dos jovens estudantes, não é uma questão atual, ela data de 1941 quando pesquisadores como Venâncio Filho manifestou a importância de recursos imagéticos na formação do professor utilizando imagens como técnicas de ensino, tendência que marcou um longo período da educação brasileira.119 Ainda que a preocupação com a inserção da imagem no ensino seja antiga, a compreensão da sua função no processo de aprendizagem é escassa. Dessa forma, é necessário refletirmos sobre seu papel atual no ensino de História.; as imagens são meros recursos para motivar e ilustrar o curso de história? Como são feitas as leituras de imagens no livro didático? As imagens são suportes para os textos ou destinam-se apenas a tornar os livros mais atrativos?120 Essas questões serão aqui destacadas para que possamos compreender como as imagens, sobre a América de Theodor De Bry, selecionadas do livro didático do 7º ano do ensino fundamental, podem ser trabalhadas em sala de aula, contribuindo para uma leitura crítica dos alunos e não para a subsistência de estereótipos. Demonstrando que uma análise criteriosa nos permite educar o olhar de nossos estudantes e, desta maneira, fornecer novos horizontes e novas perspectivas uma vez que; A imagem oferece outros modos de pensar além do que já sabemos oriundo das informações escritas. Isso torna a leitura de imagens significativa tanto para o aprendizado escolar quanto para a própria vida dos alunos, uma vez que enriquece o campo de análise e interpretação, e também pela riqueza da singularidade de cada olhar para o mesmo artefato. 121 Isto posto, é premente estudar as imagens considerando o sujeito que as criou, no seu tempo e espaço histórico. A leitura de imagens no ensino de História é “[...] relevante para dar 118 BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 1998. p.83. 119 SCHIMDT, Maria Auxiliadora. Lendo imagens criticamente: uma alternativa para a formação do professor de história. História & Ensino, Londrina, v.8, Edição Especial, out.2002, p.14. 120BITTENCOURT, Circe M. F.. “Livro didático entre textos e imagens”. In BITTENCOURT, Circe M. F. (org). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997, p.70. 121 FOCHESATTO, CyanaMissaglia de. O uso de imagens no ensino da história: um exemplo com as pinturas de Pedro Weingartner. História &Ensino, v.19, n.2, jul/dez.2013, p.162. 33 um novo, ou outro olhar sobre esses acontecimentos históricos, sejam eles mitológicos, simbólicos ou mais corriqueiros, como as práticas cotidianas e culturais de determinadas sociedades, o modo de vida e etc[...]”122, podendo muitas vezes representar a identidade de uma etnia. É interessante compreender que as imagens permeiam nosso cotidiano, e, inclusive, influenciam nossa vida diária. Elas são constantes em nosso mundo contemporâneo, e ajudam na construção dos sujeitos. As imagens possibilitam uma gama muito forte de interpretações nas relações de gênero e etnia, uma vez que elas são também educadoras dos olhares e formam os discursos dos sujeitos. Elas “educam”, falam e estão carregadas de significações. O leitor dessas imagens fica encarregado de interpretá-las e de buscar nelas uma identificação para participar de determinado grupo social. Pensando dessa forma, aliamos essa visão ao processo educacional, e a forma que isso é percebido nas escolas e no cotidiano dos alunos.123 Para além das inúmeras benesses, já mencionadas, de se utilizar imagens no ensino de História, esse recurso também promove a capacidade de questionar e de estimular a imaginação do aluno, levando-o a um maior interesse e envolvimento no processo de aprendizagem. 124 122FOCHESATTO, CyanaMissaglia de. O uso de imagens no ensino da história: um exemplo com as pinturas de Pedro Weingartner. História &Ensino, v.19, n.2, jul/dez.2013, p.162. 123Ibdem, p.165. 124 Em pesquisa feita por Ricardo Barros para sua dissertação de mestrado, demonstrou que: “A maioria dos entrevistados observou que os alunos têm um aprendizado mais significativo quando o professor utiliza imagens no ensino. Os professores relataram que o aluno se sente mais identificado com essa linguagem, pois o mundo dos estudantes é caracterizado por imagens, o que os leva a ter maior empatia para com esse tipo e trabalho.” Ver Barros, Ricardo. O uso da imagem nas aulas de História. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2007, p.11. 34 CAPÍTULO II IMAGENS DO NOVO MUNDO; PUBLICAÇÃO E APRORPIAÇÃO O desafio proposto neste capítulo é o de comparar duas produções distintas elaboradas em períodos muito distantes, mas que convergem pelo fato de serem meios de apresentar o “desconhecido” a um público consumidor. Percorreremos o caminho entre dois diferentes momentos: o século XVI, da produção das obras de Theodor de Bry, e o século XXI, da elaboração dos materiais didáticos para alunos do ensino fundamental, em que as imagens de De Bry são absorvidas para servir a estes materiais. Neste trajeto de 500 anos de distância, apresentaremos as convergências e divergências entre dois estilos textuais que têm como função congruente o conhecimento, e buscaremos descobrir se as apropriações posteriores buscaram estabelecer uma imagem estática das sociedades indígenas. Traçar este caminho, no entanto, nos leva a atentar para as especificidades entre as dessemelhanças existentes ao longo do tempo que nos propomos a analisar. 2.1 As primeiras imagens da América O desejo de revelar o que foi encontrado no Novo Mundo promoveu uma vasta literatura de viagens e uma extensa iconografia sobre o tema. A América, pouco tempo depois de sua descoberta, em 1493, foi representada em imagens que ilustraram a carta de Colombo, publicada em Basiléia. Ao longo do século XVI, gravuras, pinturas e mapas foram produzidos na Europa tendo como inspiração para as suas ilustrações as crônicas produzidas sobre a América. Enaltecer a visão em relação à audição tornou-se uma característica do período que denominamos modernidade, “François Rabelais, no quinto livro das aventuras maravilhosas do gigante Pantagruel (1564), cria um personagem satírico que chama de “ouvir dizer” [Ouyr Dire], para criticar a maneira como geógrafos e cosmógrafos obtém suas informações”125. Ouvir, como modo de aprender, tornou-se obsoleto frente ao visto. Em meados do século XV, com a invenção da imprensa por Gutemberg126, “logo se 125ZIEBEL, Zinka. A representação iconográfica. In: Terra de Canibais. Porto Alegre:Ed. Universidade UFGRS, 2002. P.88. 126“A invenção de Gutemberg garantiu que mais livros fossem disponibilizados para circulação, no entanto, grande número do que era impresso entre o século XVI e XVIII consistia em folhetos, panfletos, petições, cartazes e anúncios públicos, formulários, bilhetes, recibos, certificados e muitos outros tipos de impressos efêmeros e de serviços que geravam a maior parte da receita de tais estabelecimentos. Os livros, por serem 35 desenvolveram meios de combinar o texto impresso com xilogravuras, e inúmeros livros da segunda metade do século XV foram ilustrados desse modo”127, favorecendo as impressões sobre as descobertas e a conquista, que abasteceram o comércio. “As cartas de Colombo, Vespúcio, Cortés e Anghiera alcançaram uma distribuição internacional até então desconhecida na primeira metade desse século. Essa primeira “Americana” veio a se tornar um verdadeiro conglomerado de Best sellers e teve uma aceitação maior que qualquer outra obra da ‘Americana’ até o fim do século”128. Entre o período de 1400 e 1500 ocorreu uma “diminuição” dos espaços territoriais na Europa, sobretudo devido aos descobrimentos, que proporcionaram a difusão e a circulação do conhecimento entre diferentes culturas129. As primeiras imagens que ilustraram as cartas de Colombo foram adaptações de gravuras medievais. Dez anos depois, as cartas de Vespúcio também vinham acompanhadas de gravações similares130 às de Colombo. Adequar ilustrações, com conteúdos diversos a textos, era um costume comum entre os editores do período, “que frequentemente tinham poucos blocos de estampas para cobrir uma variedade de propósitos”131, e “usar uma mesma imagem para representar vários objetos”132 não foi uma prática exclusiva aos “relatos de viagens, acontecendo sempre em finais da Idade Média devido à falta de tempo e de recursos”133. Os primeiros folhetos ilustrados eram compostos por xilogravuras simples, bastante rústicas e não se destinavam a fornecer informações sobre a América, tinham, outrossim, a função decorativa de acompanhar o texto, sem ter, na maioria das vezes, nada a ver com o mesmo. Em outros casos, repetiam-se motivos de viagens, como barcos, vistas de cidades, delegações a caminho, ou a cerimônia da saudação de um rei qualquer. Estas ilustrações eram usadas arbitrariamente, chegando-se a usar a mesma gravura para motivos muito diferentes134.Da mesma forma, as primeiras imagens para elucidar a América foram usadas diversas vezes para demonstrar lugares e costumes distintos. O que encontramos nos livros didáticos do 7º ano do ensino fundamental, e que nos chamou atenção para o desenvolvimento materiais onerosos, nesse período não representavam grande porção do trabalho das gráficas.” Ver: CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014, p. 104. 127 GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2013, p.209. 128 ZIEBEL, Zinka, p. 108. 129CHARTIER, Roger.A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014, p 74. 130 BAYONA, Yobenj A.C. Imago GentilisBrasilis: modelo de representação pictórica do índio na Renascença. Niterói, 2004. Tese de doutorado, Universidade federal Fluminense. p.241. 131 Ibidem, p.241. 132 Ibidem, p. 241. 133 Ibidem, p.241. 134 ZIEBEL, Zinka. A representação iconográfica. In: Terra de Canibais. Porto Alegre:Ed. Universidade UFGRS, 2002. P.89. 36 deste estudo, é que as mesmas imagens continuam sendo usadas de forma aleatória para representar a América. Os gravadores, do século XVI, liam ou ouviam as crônicas de viagem para confeccionar suas imagens. “Em 1575, para a publicação da Cosmographie Universelle em Paris, André Thevet afirma ter trazido de Flandres os melhores gravadores para ilustrar sua obra, embora também mencione ter-lhes fornecido alguns esboços e crayons”135. Não se têm informações sobre ilustradores compondo a tripulação que embarcava para o Novo Mundo, o que havia era marinheiros que, com alguma habilidade, faziam ilustrações. “Este é o caso das gravuras que aparecem na obra de Jean de Léry. Em sua primeira edição, em 1578, são mostradas cinco pranchas que o autor afirma terem sido executadas por um marinheiro, sob sua orientação”136. A falta de uma observação direta seria uma afirmação lógica para a imprecisão das gravações, já que a grande maioria dos artistas não era viajante, nem conhecia pessoalmente o que estava representando. Entretanto, devemos levar em conta que a produção de imagens, a partir do natural, não era comum naquela época, sendo que o normal era “copiar” e adaptar o material já existente. Logo, por mais que um artista tivesse acompanhado a expedição, as ilustrações não seriam muito diferentes daquelas que já haviam sido feitas. As imagens naturalistas somente começaram a surgir no século XVII, sendo distintas às ideias da arte medieval e renascentista137. No final do século XV surgem importantes obras ilustradas sobre a América, como as de André Thevet, Jean de Léry e Hans Staden. Nestes livros, as imagens cumpriam a função de complementar o texto, divulgando, principalmente, a cultura tupinambá do Brasil. Os consumidores das obras em evidência estavam entre a aristocracia, os comerciantes e navegadores que desejavam obter informações sobre a América, tendo em vista seus interesses econômicos e políticos. As ilustrações serviam, portanto, para que as obras sobre o Novo Mundo atingissem “uma vasta categoria de compradores, tão curiosos quanto o populacho de Sevilha e Barcelona, que correu às ruas para ver os “seres” americanos, trazidos por Colombo, em sua primeira viagem”138. Com a ampla divulgação, as imagens sobre a América foram responsáveis “por uma vulgarização específica da imagem e percepção 135GUILHOTTI, Ana Cristina. A Imagem visual. Descoberta, conquista e museificação da América (séculos XVI e XVII). Revista da USP, N° 12, p. 28. 136 Ibidem, p. 28. 137BAYONA, Yobenj A.C. Imago GentilisBrasilis: modelo de representação pictórica do índio na Renascença. Niterói, 2004. Tese de doutorado, Universidade federal Fluminense, p.238. 138 GUILHOTTI, Ana Cristina. A Imagem visual. Descoberta, conquista e museificação da América (séculos XVI e XVII). Revista da USP, N° 12, p. 29. 37 americanas”139. A técnica usada para fazer a xilogravura era simples, “escavava-se um bloco de madeira com uma faca, retirando tudo que não devia aparecer na imagem. Em outras palavras, o que fosse branco no resultado final correspondia às concavidades abertas na madeira, e o que fosse preto, às estreitas arestas que permaneciam”140. Para a impressão, utilizava-se tinta feita de óleo e fuligem, e com um bloco era possível fazer inúmeras cópias. Devido ao baixo custo, as xilogravuras e os livros xilogravados foram comercializados nas feiras populares141. A xilogravura era um método muito rudimentar que não possibilitava uma boa qualidade na impressão. Os artistas da época, que primavam pelo contorno preciso dos detalhes, não aderiram a esta técnica, preferindo o cobre à madeira, que lhes conferia uma imagem mais apurada. O princípio da gravura em metal é um pouco diferente ao da xilogravura. Nesta, retira- se tudo, exceto as linhas que se quer mostrar; naquela, é preciso uma ferramenta especial, o buril, que é pressionado contra a placa de cobre. As linhas, assim gravadas na superfície do metal, absorvem qualquer cor ou tinta de impressão espalhadas pela superfície. O que se faz, portanto, é cobrir a placa de cobre gravada com tinta de impressão e limpar o metal não gravado, pressionando em seguida a placa com bastante força contra o papel. A tinta que restou nas linhas cortadas pelo buril é comprimida contra o papel, e a impressão está pronta. Em outras palavras, a gravura em metal é, na verdade, um negativo da xilogravura, já que esta é feita pelas linhas em relevo, ao passo que naquela, as linhas são sulcadas na chapa. Assim, é evidente que, por mais difícil que seja manejar o buril com firmeza e controlar a profundidade e intensidade dos traços, uma vez dominada a técnica pode-se obter muito mais detalhe e efeitos sutis na gravura em metal que na xilogravura142. 2.2 Theodor de Bry, nosso editor Para Peter Burke, ao se estudar imagens, devemos, primeiramente, investigar os propósitos de quem as criou143. Logo, começaremos apresentando o editor das imagens que serão pesquisadas neste trabalho. Theodor de Bry (1528-1598) nasceu em Liège e após as guerras religiosas e a invasão 139 ZIEBEL, Zinka. A representação iconográfica. In: Terra de Canibais. Porto Alegre:Ed. Universidade UFGRS, 2002. P.88-9. 140 GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2013, p.208. 141 Ibidem, p.209. 142 Ibidem, p.210. 143BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004, p.24. 38 dos Países Baixos pela Espanha se exilou em Estrasburgo na Alemanha, onde aprimorou suas técnicas de desenho ao lado de Etienne Delaune. Era gravador, editor e livreiro, e em 1590 iniciou uma coleção de relato de viagens Thesaurus de Viagens ou Collectionnes Peregrinatorum in Indiam Occidentalem et Indian Orientalem, mais conhecida como As Grandes Viagens e as Pequenas Viagens144. A coleção Grands Voyages caracteriza-se pela nova maneira de editar do final do século XVI, mais rápidas, bem elaboradas, e com uma qualidade superior das gravuras que eram feitas em metal. As imagens tomaram lugar de destaque nas publicações, não sendo meramente ilustrativas. Essa qualidade superior favoreceu a propagação destes livros que além de possibilitarem a leitura de iletrados também atendiam às exigências da elite cultural145. A coleção teve exemplares em latim, alemão, francês e italiano, distinguindo-se como a primeira tentativa de apresentar à Europa uma imagem visual do Novo Mundo146. As primeiras seis partes da edição foram publicadas por De Bry. No