Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 30, n. 1, 1501 (2008) www.sbfisica.org.br Produtos e Materiais Didáticos Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações (Electronic counter in undergraduate laboratories. Part I. Assembly and applications) R. Hessel1, C.S. de Oliveira, G.A. Santarine e D.R. Vollet Departamento de F́ısica, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, Brasil Recebido em 14/6/2007; Revisado em 29/8/2007; Aceito em 18/12/2007 Mostramos, inicialmente, como montar um contador eletrônico digital de 4 d́ıgitos, utilizando componentes de baixo custo e facilmente encontrados no comércio especializado. Em seguida, mostramos, também, como um contador em associação com um cristal oscilador de 1 MHz pode ser utilizado para medir com precisão intervalos de tempo na faixa de microssegundos, décimos de milissegundos e milissegundos. Exemplos de aplicações en- volvendo, particularmente, medida de freqüência, velocidade e aceleração, assim como técnicas eletrônicas para iniciar/interromper automaticamente uma contagem são também discutidos. Os circuitos descritos são simples e podem ser reproduzidos sem grande dificuldade até mesmo por alunos de graduação. Palavras-chave: contador eletrônico, contador de década, oscilador à cristal, medidor de tempo, medida de intervalo de tempo. We show how to set up a 4-digit electronic counter, using inexpensive and easy-to-find components. We show, also, how a counter in conjunction with a crystal oscillator of 1 MHz can be used to measure time intervals accurately in the microsecond, 0.1 of millisecond, and millisecond range. Examples of applications involving, particularly, frequency, speed, and acceleration measurement, as well as electronic techniques for start/stop au- tomatically a counting is also discussed. The described circuits are simple and they can be reproduced without great difficulty, even for undergraduate students. Keywords: electronic counter, decade counter, crystal oscillator, digital timer, measurement of time interval. 1. Introdução Um contador eletrônico é provavelmente um dos mais úteis e versáteis subsistemas num sistema digital [1]. Graças às diversas versões dispońıveis podem ser uti- lizados, por exemplo, para contagens diversas, di- visão de freqüência, medição de intervalo de tempo e freqüência, geração de formas de onda, e, até mesmo, para converter informações analógicas em digitais. Contadores eletrônicos operando em associação com uma fonte de freqüência precisa e estável são particular- mente úteis num Laboratório de F́ısica Básica quando se deseja medir pequenos intervalos de tempo [2-5]. Me- didas desse tipo podem ser feitas automaticamente e com facilidade utilizando equipamentos comerciais, en- tretanto seu custo relativamente alto [6] acaba, em mui- tos casos, desestimulando ou até mesmo inviabilizando sua utilização. Felizmente, o problema do custo pode ser contornado porque existe no comércio uma grande variedade de componentes eletrônicos de baixo custo, a partir dos quais podemos montar kits muito simila- res àqueles dispońıveis no mercado mas a um custo no mı́nimo dez vezes menor. Neste primeiro artigo, vamos mostrar como isso pode ser feito, e descrever alguns dos experimentos realizados com o kit que montamos para medir, de maneira precisa e automática, pequenos intervalos de tempo. No segundo artigo apresentare- mos uma alternativa para os cronômetros digitais com memória. 2. Montagem de um contador A indústria eletrônica fabrica uma variedade enorme de contadores [7]. Dentre esses, os mais indicados para quem deseja montar um simples contador de eventos ou pulsos são os contadores de décadas, isto é, aqueles que permitem contar de 0 a 9. Ligando-se em cascata vários desses contadores, pode-se facilmente ampliar o limite máximo da contagem. Com 2 contadores conta-se até 99; com 3, até 999 e assim por diante. Isto é posśıvel porque contadores deste tipo dispõem de uma sáıda de- signada “vai 1” (ou ÷ 10 OUT ou ainda CARRY-OUT) 1E-mail: fisica@rc.unesp.br. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 1501-2 Hessel et al. que pode ser ligada à entrada do contador seguinte. Quando o número de pulsos na entrada (clock) do pri- meiro contador atinge o valor 10, a contagem é zerada para que possa ser reiniciada, e sua sáıda “vai 1” injeta um pulso na entrada do contador seguinte, fazendo com que a contagem neste contador avance uma unidade. Contadores de décadas têm sáıdas codificadas em BCD (Binary Code Decimal), o que significa dizer que o resultado da contagem (0 a 9) aparece em suas sáıdas na forma binária, que utiliza apenas os śımbolos (bits) 0 e 1 para representar um número. Devem, portanto, ter 4 sáıdas em BCD, porque para representar números de 0 a 9 no sistema binário são necessários 4 d́ıgitos (associa-se o algarismo 1 à sáıda que estiver sob tensão no mı́nimo igual a 2/3 da tensão de alimentação; neste caso diz-se também que a sáıda está no ńıvel lógico 1 ou simplesmente ńıvel alto. Por outro lado, associa-se o 0 à sáıda que estiver sob tensão em torno de zero; neste caso diz-se que está no ńıvel lógico 0 ou simplesmente ńıvel baixo [7,8]). O número binário, se necessário, pode ser convertido eletronicamente para a forma decimal por meio de circuitos decodificadores. Se, por exem- plo, quisermos visualizar a contagem usando displays numéricos de 7 segmentos a LEDs, devemos escolher de- codificadores BCD para 7 segmentos. A função desses decodificadores é determinar quais segmentos do dis- play deverão ser acionados para formar o número de- cimal correspondente ao número binário presente nas sáıdas do contador. As opções para quem deseja montar um contador para ser usado em conjunto com displays de 7 segmen- tos são várias. Exemplos t́ıpicos de contadores baratos e fáceis de serem encontrados no comércio são o CD4026B (ou CD4033B), o CD4029B e o CD4518 [9]. Dentre es- ses, preferimos o primeiro porque, ao contrário dos de- mais, o 4026 oferece, integrados num único bloco, tanto o contador (0 a 9) como o decodificador para 7 seg- mentos [10]. Assim, com um só integrado, realizamos a mesma tarefa que normalmente exigiria 2 integrados (um só para contar e outro só para decodificar), se, por exemplo, a opção fosse pelo 4029 [11] No domı́nio do LSI (Large Scale Integration), existe também o MM74C925 que, entre outras coisas, traz, integrados num único bloco, 4 contadores e seus respectivos decodificadores para 7 segmentos [7]. Com ele, podemos montar um contador de 4 d́ıgitos usando basicamente um único in- tegrado e mais 4 displays de 7 segmentos a LEDs [12]. No entanto, este integrado é bem mais caro quando comparado com os demais citados e dif́ıcil de ser en- contrado no comércio varejista. Analisando as várias opções, do ponto de vista da disponibilidade, custo e mão de obra, acabamos op- tando pelo 4026. 2.1. O CD4026B Como vimos acima, o CD4026B é um integrado que pode operar como contador de década e que dispõe também de sáıdas decodificadas para 7 segmentos [10]. Por ser um circuito integrado de tecnologia CMOS, o consumo de corrente é baixo e a tensão de alimentação, escolhida de acordo com a conveniência do usuário, pode variar desde 3 até cerca de 15 V. Nós preferimos trabalhar com tensão de alimentação entre 4,5 e 5,0 V porque, nessa faixa, cada segmento do display pode ser ligado diretamente à sáıda correspondente do integrado (ver Fig. 1), ou seja, sem o costumeiro resistor limita- dor de corrente, pois a corrente em cada segmento já é suficientemente limitada pelo próprio integrado. Além disso, a corrente total consumida por um contador de 4 d́ıgitos (como o utilizado neste trabalho) alimentado com uma tensão em torno de 5 V fica abaixo de 100 mA, de modo que até mesmo pilhas de lanterna em série po- dem ser utilizadas como fonte de alimentação. A Fig. 1 mostra, esquematicamente, um CD4026, com seus 16 terminais, e mais um display de 7 segmen- tos a LEDs. Figura 1 - Contador de década e display de 7 segmentos a LEDs para apresentar números na forma decimal. A alimentação do contador é feita através dos ter- minais 16 e 8 (terra). As sáıdas 6, 7, 9, 10, 11, 12 e 13 são ligadas diretamente aos terminais corresponden- tes do display. O terminal 15 (RST) é utilizado para zerar o contador. Para isso basta mantê-lo momenta- neamente num ńıvel alto (ńıvel lógico 1). O terminal 2(CL EN), por sua vez, é utilizado para controlar o funcionamento do contador, pois enquanto estiver num ńıvel alto a contagem não avança. Para que o conta- dor opere normalmente, tanto a entrada RST como a entrada CL EN devem estar aterradas. Neste caso, a contagem avançará uma unidade toda vez que o ńıvel lógico do terminal 1 (clock) sofrer uma transição pas- sando de um ńıvel baixo para um ńıvel alto. O pino 3 (DIS EN) permite regular o brilho do display. Final- mente, o terminal 5 (÷ 10 OUT), que é a sáıda “vai 1”, deve ser ligado ao clock do 4026 seguinte, se quisermos ampliar o limite máximo da contagem (os pinos 4 e 14 não foram utilizados na nossa montagem). Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações 1501-3 A t́ıtulo de exemplo, a Fig. 2 mostra esquemati- camente como ligar em cascata dois integrados 4026 e seus respectivos displays de 7 segmentos para montar um contador de 2 d́ıgitos, isto é, um contador que conte desde 0 até 99 (os displays-tipo catodo comum-podem ser o C-551E, ou o BS-C514RD ou qualquer outro equi- valente). Figura 2 - Um contador de dois d́ıgitos. As entradas RST (terminais 15) e clocks (terminais 1) são muito senśıveis, especialmente se forem deixa- das abertas (o contador pode disparar sem causa apa- rente). Por essa razão, é conveniente ligá-las a terra por meio de resistores, como mostra a figura (o valor nominal desses resistores não é cŕıtico; valores diferen- tes dos indicados na figura também são aceitáveis). A chave S1, de contato momentâneo (push bottom), per- mite zerar (“resetar”) o marcador ao ser acionada (o capacitor evita posśıveis rebotes). A entrada CL EN (terminal 2) deve permanecer aterrada, se a monta- gem for utilizada apenas para contar eventos (número de pessoas entrando numa loja, ou o número de pro- dutos transportados por uma esteira industrial numa linha de produção, por exemplo). Se for utilizada como cronômetro, deverá ser conectada à sáıda de uma chave óptica ou a uma das sáıdas de um circuito flip-flop, como veremos mais adiante. Tomando como modelo o esquema da Fig. 2, mon- tamos vários contadores de 4 d́ıgitos para uso em nosso laboratório didático de F́ısica Básica. Considerando apenas o custo dos integrados, displays e material ne- cessário para montá-los numa placa de circuito im- presso (placa, soquetes, bornes para entradas e sáıdas e mais alguns componentes passivos), um contador desse tipo pode ser montado por R$35,00 (aproximadamente US$ 17). 3. Medida de intervalo de tempo A medida de um intervalo de tempo (∆t) consiste em comparar o intervalo com o peŕıodo de algum movi- mento repetitivo. Se ∆t é grande quando comparado com o peŕıodo do movimento, a medição, na prática, reduz-se essencialmente a um processo de contagem pois, ao se efetuar a medida, conta-se o número (n) de repetições ou de peŕıodos (T ) que ocorrem durante o intervalo que está sendo medido. De modo que ∆t = n · T (1) Qualquer movimento periódico com peŕıodo cons- tante pode ser usado como unidade de tempo. A escolha do fenômeno repetitivo é uma questão de conveniência. Num laboratório didático, freqüentemente se necessita medir intervalos de tempo com duração da ordem do milissegundo ou menos. Neste caso, é conveniente usar as oscilações de um oscilador eletrônico estável. Circui- tos osciladores podem ser facilmente montados a partir de um CI555, que é um integrado largamente utilizado em vários tipos de aplicações [2, 13-15]. No entanto, quando estabilidade é uma condição essencial, não há nenhum substituto para o oscilador a cristal de quartzo, isto é, oscilador cujo prinćıpio de funcionamento está baseado nas vibrações periódicas (sustentadas eletrica- mente) de uma lâmina de cristal de quartzo montada entre duas placas metálicas [13, 14]. Os fabricantes oferecem essas lâminas acondiciona- das em encapsulamentos metálicos com 2 ou 4 termi- nais. A diferença entre os dois tipos é que, ao contrário do primeiro, aquele com 4 terminais contém no interior de seu invólucro, além da lâmina de cristal, o circuito de realimentação que fará a lâmina vibrar na freqüência desejada. Apesar do custo mais elevado, preferimos este último, não só por comodidade como também pela pre- cisão garantida pelo fabricante (um oscilador a cristal desse tipo [16], com valor nominal de 1 MHz e tolerância de ± 25 Hz, custa em torno de R$20,00 ou aproxima- damente US$ 10 [17]. Existem modelos mais precisos, porém de custo mais elevado [13]). Além dos pulsos periódicos perfeitamente retangu- lares gerados por um oscilador a cristal de 1 MHz, também se pode obter, a partir dele, pulsos retangula- res de 10 kHz e 1 kHz usando-se divisores de freqüência apropriados. A Fig. 3 mostra em detalhes como fazer isso utilizando um CD4518 para dividir a freqüência por 100 [18] e um CD4018 para dividi-la por 10 [19]. A numeração dos terminais em cada um dos componentes representados na figura é aquela adotada pelo fabri- cante (observe que o terminal 1 do cristal é aquele que fica próximo do canto vivo do invólucro ou da marca indicada na figura). 1501-4 Hessel et al. Figura 3 - Oscilador a cristal com sáıdas de 1 MHz, 10 kHz e 1 kHz. A escolha da sáıda (de 1 MHz, 10 kHz ou 1 kHz) do oscilador a ser conectada ao clock do conta- dor, para fazê-lo funcionar como marcador de tempo (cronômetro), depende da precisão desejada ou da or- dem de grandeza do intervalo de tempo a ser medido. Uma vez feita a conexão de uma dessas sáıdas, o número lido no mostrador do contador nos dá diretamente em microssegundos, décimos de milissegundos ou milisse- gundos o tempo durante o qual o contador permaneceu contando (ver Eq. (1)). 3.1. Aplicação 1 - Medida da duração de uma colisão entre duas esferas de aço A Fig. 4 mostra duas esferas de aço suspensas por fios metálicos fixados num suporte isolante. A experiência consiste em puxar uma das esferas até a uma altura h e, em seguida, soltá-la para que colida com a outra ini- cialmente em repouso. A duração da colisão pode ser medida, conectando-se a sáıda de 1 MHz do oscilador ao clock do contador por meio da ‘chave’ formada pelas duas esferas. A contagem dos pulsos começa quando as esferas iniciam o contato e é interrompida quando se separam [5, 20, 21]. Variando-se h, pode-se estu- dar como varia a duração da colisão com h ou com a velocidade de impacto. A partir dessas informações é posśıvel, também, estudar a evolução da força de con- tato durante uma colisão frontal entre as duas esferas (ver Ref. 5 para mais detalhes). Figura 4 - Montagem experimental para medir a duração de uma colisão entre duas esferas de aço. 4. Medida automática de um intervalo de tempo A experiência sugerida no item anterior é uma das ra- ras situações em que um pequeno intervalo de tempo pode ser medido conectando-se uma das sáıdas do os- cilador ao clock do contador através de um interruptor mecânico. Isto porque, ao contrário dos interruptores comuns, as esferas entram em contato no ińıcio da co- lisão e separam-se ao seu final sem gerar rúıdos elétricos [22] que, se ocorressem, poderiam interferir na medida. O problema com os interruptores comuns é que, ao serem fechados, uma série de micro-rebotes fazem com que os contatos se juntem e se separem várias vezes antes do fechamento definitivo, causando conseqüente- mente incerteza na contagem dos pulsos feita pelo con- tador [23]. De modo que, como norma geral, a conexão entre o oscilador e o contador por meio de interrupto- res mecânicos deve ser evitada. Quando se deseja fazer uma medida precisa de um intervalo de tempo (particu- larmente se for pequeno), a contagem dos pulsos envia- dos pelo oscilador deve ser iniciada ou interrompida au- tomaticamente por meio eletrônico, alterando-se o ńıvel lógico da entrada CL EN do contador (de 1 para 0 para iniciar a contagem e de 0 para 1 para interrompê-la). A maneira de se conseguir isso depende da imaginação ou da necessidade espećıfica do usuário. Os métodos mais comuns empregam chaves ópticas, circuito flip-flop ou ainda uma combinação de ambos. Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações 1501-5 4.1. A chave óptica Dentre os inúmeros dispositivos semicondutores desen- volvidos pela indústria, o transistor talvez seja o mais importante. Ele está presente na maioria dos equipa- mentos eletrônicos, produzindo ou amplificando sinais, operando como chaves eletrônicas, etc. Um transistor comum do tipo npn como o BC548, por exemplo, é re- presentado pelo śımbolo mostrado na Fig. 5. Os termi- nais C, E e B são denominados coletor, emissor e base, respectivamente. Figura 5 - Śımbolo para um transistor npn. Um outro transistor de grande aplicação e que pode ser usado como sensor óptico na montagem de uma chave óptica é o fototransistor. Isto é posśıvel porque no fototransistor o terminal da base é substitúıdo por uma janela para entrada de radiação infravermelha. A Fig. 6 mostra, esquematicamente, uma chave óptica simples montada com um fototransistor comum (TIL 78) e um diodo emissor (LED) de radiação infravermelha. Figura 6 - Chave óptica. Na ausência de radiação, a corrente que circula pelo circuito é insignificante e, para todos os efeitos, pode ser considerada nula. Neste caso, diz-se que o fototran- sistor está em corte ou fazendo o papel de uma chave aberta. Quando a radiação incide na base, elétrons e lacunas são gerados e a corrente cresce enormemente. A elevação da corrente deve-se à contribuição tanto dos elétrons como das lacunas geradas. De fato, se o fo- totransistor for do tipo npn e se os elétrons e lacunas forem gerados próximos da junção entre o coletor e a base, os elétrons têm alta probabilidade de se difundi- rem através da junção e serem arrastados para dentro do coletor. Esse movimento de elétrons para o interior do coletor constitui um fluxo de corrente entre a base e o coletor, induzido pela radiação incidente. As la- cunas geradas, por sua vez, não podem passar para a região do emissor (por causa da barreira de potencial na junção np do emissor) e começam a se acumular na base. Essa carga positiva acumulada e não compensada reduz a barreira de potencial na junção np do emissor e, como conseqüência, a injeção de elétrons do emissor para a base cresce de maneira significativa. Ao atin- gir a junção pn do coletor, boa parte desses elétrons é arrastada para o interior do coletor, elevando a cor- rente entre a base e o coletor de uma forma até bem mais acentuada do que o fizeram os elétrons gerados sob ação da radiação incidente na base. A corrente no circuito da Fig. 6 depende da intensi- dade da radiação incidente e cresce com ela até um certo limite. Seu valor máximo é alcançado quando a queda de tensão no resistor de carga (2,7 kΩ) for aproxima- damente igual a tensão de alimentação (+5 V). Neste caso, diz-se que o fototransistor está saturado ou funcio- nando como chave fechada. Quanto mais próximo do diodo emissor estiver o fototransistor mais facilmente ele será saturado. Com os componentes sugeridos na Fig. 6, a condição de saturação é razoavelmente sa- tisfeita para distâncias entre o diodo emissor e o foto- transistor de até 4 cm, aproximadamente, se estiverem bem alinhados (se quisermos trabalhar com distâncias maiores, será preciso amplificar a resposta do fototran- sistor, usando um outro transistor, como o BC548 por exemplo, ou substituir o TIL 78 pelo TIL 81 que é mais senśıvel. O problema deste último está na dificuldade de encontrá-lo no comércio varejista). O feixe de radiação nesse circuito faz o papel da alavanca ou do botão num interruptor; a corrente surge na carga (resistor de 2,7 kΩ) sempre que o feixe incide na base do fototransistor e cessa quando o feixe é blo- queado. De que maneira esse circuito pode gerar pulsos para alimentar o clock do contador ou para habilitá-lo a con- tar ou a interromper uma contagem? Para responder a essa questão, basta verificar o que acontece com o po- tencial do ponto X indicado na Fig. 6, toda vez que o fototransistor estiver em corte ou saturado. Enquanto o fototransistor estiver saturado, i.e., conduzindo a cor- rente máxima, o potencial do ponto X será aproximada- mente igual a zero (ńıvel baixo ou ńıvel lógico 0) porque a queda de tensão no resistor de 2,7 kΩ é praticamente de 5 V. Quando se bloqueia a radiação incidindo na base do fototransistor, a corrente cessa e o potencial de X passa de 0 para 5 V (ńıvel alto ou ńıvel lógico 1) pois, neste caso, não haverá queda de tensão no resistor. De modo que, cada vez que o feixe é bloqueado, o potencial de X sofre uma transição passando de um ńıvel baixo para um ńıvel alto. Assim, se o ponto X for conectado ao clock do contador (com CL EN aterrado), ele con- tará o número de vezes que o feixe é interrompido. Se, por outro lado, X for conectado à entrada CL EN de um contador cuja entrada clock está recebendo pulsos retangulares periódicos gerados por um oscilador a cris- tal, a contagem só será registrada enquanto a radiação 1501-6 Hessel et al. estiver incidindo na base do fototransistor (se estiver bloqueada, a contagem permanecerá paralisada). Às vezes, é mais conveniente iniciar a contagem dos pulsos que estão sendo enviados para o clock de um contador no exato momento em que a radiação é blo- queada e não o contrário. Neste caso, podemos manter o circuito da Fig. 6 e inverter o ńıvel lógico do ponto X por meio de um dispositivo conhecido como porta lógica NOT ou simplesmente porta NOT. O śımbolo para esse dispositivo, que tem apenas uma entrada e uma sáıda, e a tabela-verdade correspondente estão representados na Fig. 7 (a maneira como uma porta lógica opera é especificada, normalmente, em termos de uma tabela, designada tabela-verdade, que nada mais é que uma tabela de combinações que nos mostra a situação do estado ou ńıvel lógico de cada uma de suas sáıdas em função de todas as posśıveis combinações de estados nas suas diferentes entradas, se houver mais de uma). Figura 7 - Porta lógica NOT. a) Śımbolo b) Tabela-verdade. As portas lógicas, largamente utilizadas em eletrô- nica digital, são encontradas facilmente no comércio especializado. Para inverter o ńıvel lógico do ponto X na Fig. 6, utilizamos uma das seis portas NOT dis- pońıveis no CD4069UBC [10]. A Fig. 8 mostra como fica a chave óptica depois de acrescentarmos a porta NOT na sua sáıda. Quando o ńıvel lógico de X é 1, o de Y é 0 e vice-versa. Figura 8 - Chave óptica com sáıda inversora. 4.2. Aplicação 2 - Conservação da energia me- cânica O objetivo desta experiência é mostrar uma situação em que a energia mecânica se conserva. A montagem mos- trada na Fig. 9 usa uma placa opaca, presa a dois fios de cerca de 2 metros de comprimento e razoavelmente inextenśıveis, que funciona como massa pendular. A experiência consiste em determinar a velocidade v da placa na parte mais baixa de sua trajetória em função da altura h (medida em relação à parte mais baixa da trajetória) da qual é abandonada. Figura 9 - Montagem experimental para verificar a conservação da energia mecânica. Pelo prinćıpio da conservação da energia mecânica, mgh = mv2 / 2, donde se conclui que v2 = 2gh. Se isto é verdade, o gráfico de v2 vs. h deve resultar numa reta passando pela origem [24]. A velocidade é determinada a partir do compri- mento da placa e do tempo t que gasta para passar pela chave óptica (a velocidade determinada desta forma é, na realidade, uma velocidade média. No entanto, se o comprimento da placa for muito pequeno quando com- parado com o comprimento dos fios, a velocidade média e a instantânea na parte mais baixa da trajetória po- derão ser consideradas praticamente iguais). Para me- dir o tempo t, conectam-se a sáıda de 10 kHz do os- cilador (Fig. 3) e a sáıda Y da chave óptica (Fig. 8), respectivamente ao clock e à entrada CL EN do conta- dor (para esta experiência, em particular, a distância entre o diodo emissor e o fototransistor na Fig. 6 foi fixada em torno de 4 cm). 4.3. O circuito flip-flop Assim como a chave óptica, o circuito flip-flop também pode ser utilizado para disparar/paralisar eletronica- mente um cronômetro. Os circuitos flip-flops desem- penham um importante papel na eletrônica digital, par- ticularmente na fabricação de contadores e bancos de memória [7, 8]. Podem ser montados com transistores, com portas lógicas ou comprados já prontos para o uso. O CD4013BE, por exemplo, é um integrado que contém dois flip-flops independentes [10]. Cada um deles tem quatro entradas (CL, D, R e S) e duas sáıdas, Q e Q̄ (a barra sobre a letra Q significa que o ńıvel lógico desta sáıda é sempre oposto ao de Q). Das quatro entradas, Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações 1501-7 as que nos interessam são apenas as entradas R e S (as entradas não utilizadas, CL e D, devem ser aterra- das). A maneira como um circuito flip-flop funciona é determinada por meio da tabela-verdade fornecida pelo fabricante. No nosso caso, basta saber interpretar essa tabela para usar o flip-flop; não é necessário conhecer detalhes do circuito. A Fig. 10 mostra, esquematica- mente, o flip-flop e a tabela-verdade correspondente. Figura 10 - O CD4013BE. a) Representação esquemática. b) Ta- bela-verdade. Imaginemos, inicialmente, que os ńıveis lógicos de R, S, Q e Q̄ são, respectivamente, 0, 0, 0 e 1 como mos- tra a primeira linha da tabela. Segundo o fabricante, a chegada de um pulso na entrada S faz as sáıdas do flip-flop mudarem de estado; o ńıvel lógico de Q vai de 0 para 1 enquanto o ńıvel de Q̄ vai de 1 para 0. A caracteŕıstica importante do circuito flip-flop é que essas sáıdas permanecem nesses estados, i.e., perma- necem estáveis, mesmo que cheguem mais pulsos nessa entrada (que no caso é a entrada S). A única maneira de voltar à situação original é enviar um pulso para a outra entrada, ou seja, para a entrada R, como mostra a terceira linha da tabela. Essa caracteŕıstica do funcio- namento do flip-flop é que torna posśıvel sua utilização para disparar/paralisar eletronicamente um contador. A Fig. 11 mostra, esquematicamente, uma das posśıveis montagens capaz de executar essa tarefa. Suponhamos que a contagem está paralisada, ape- sar do clock do contador estar recebendo pulsos con- tinuamente. Isto significa que a sáıda Q̄, conectada à entrada CL EN do contador, está no ńıvel lógico 1. Por outro lado, na situação mostrada na figura, as entra- das R e S estão ambas no ńıvel lógico 0 porque estão aterradas. Ligando momentaneamente A com B, o po- tencial da entrada S sobe de 0 para 5 V (ńıvel lógico 1) e, conseqüentemente, o ńıvel lógico de Q̄ vai de 1 para 0, como nos informa a tabela-verdade na Fig. 10b. O contador, portanto, dispara. Para interromper a con- tagem, basta ligar momentaneamente M com N. Com isso o potencial de R sobe de 0 para 5 V (ńıvel lógico 1) e Q̄ volta para o ńıvel lógico 1, paralisando a contagem dos pulsos (a ligação de M com N ou A com B feita por meio de uma pequena chave de contato momentâneo pode gerar rúıdos, isto é, um trem de pulsos aleatórios. Mas isso não causa nenhum problema porque, como já dissemos, o flip-flop só responde ao primeiro pulso que chega na entrada correta, ignorando os demais [7]). Figura 11 - Montagem com o CD4013 utilizada para ligar/desligar eletronicamente um contador. 4.4. Aplicação 3 - Medida da freqüência da rede elétrica A freqüência da rede elétrica pode ser determinada medindo-se a freqüência de oscilação de uma lâmina que esteja vibrando na freqüência da rede. Para isso, ela deve ser posicionada adequadamente entre o diodo emissor e o fototransistor (ver Fig. 8). Contando-se, durante um certo intervalo de tempo ∆t, o número de vezes (N) que a lâmina interrompe o feixe de radiação emitida pelo diodo emissor, determina-se a freqüência desejada pela razão f = ( N ∆t ) . (2) Um pequeno compressor de ar para aquário é o disposi- tivo adequado para esta experiência porque, no modelo que usamos, a haste que movimenta a membrana do compressor que fornece o ar vibra na mesma freqüência da rede. O compressor utilizado nesta experiência está representado esquematicamente na Fig. 12. 1501-8 Hessel et al. Figura 12 - Representação esquemática de um pequeno compres- sor de ar para aquário. No imã preso na extremidade da haste vibrante, colamos uma pequena tira de papelão que serve para cortar o feixe de radiação que incide no fototransistor. Quando uma corrente AC circula pela bobina, o núcleo de ferro no formato de um U, se magnetiza ora num sentido ora no outro. Suponhamos que na metade po- sitiva do ciclo da corrente, o núcleo magnetizado tenha o pólo sul (S) na sua extremidade direita e o pólo norte (N) na extremidade esquerda. Se, além disso, o pólo sul do ı́mã estiver mais próximo dos pólos do eletróımã que o pólo norte, como mostra a figura, a força resultante sobre o imã será para a esquerda. Na metade nega- tiva do ciclo da corrente, os pólos trocam de posições e a força resultante sobre o imã muda de sentido, isto é, aponta para a direita. A força resultante agindo na extremidade da haste é, portanto, uma força periódica, cujo peŕıodo é o mesmo da corrente AC que circula pela bobina. Sob a ação dessa força a haste passa a exe- cutar um movimento forçado de vai-e-vem na mesma freqüência da rede. Nessa experiência, utilizamos dois contadores (Fig. 13). Um para contar o número N de pulsos elétricos gerados pela chave óptica durante o intervalo de tempo ∆t. E o outro, com seu clock conectado à sáıda de 1 kHz do oscilador esquematizado na Fig. 3, para medir o intervalo de tempo ∆t na Eq. (2). Esse intervalo é determinado pela Eq. (1), ∆t = nT , onde T = 1/f = 10−3 s e n é o número de pulsos enviados pelo oscilador e contados durante o intervalo ∆t. A Fig. 13 mostra como sincronizar o funcionamento dos dois contadores. Ambos começam a contar quando o botão da chave LIGA na Fig. 11 for pressionado mo- mentaneamente, e deixam de contar a partir do mo- mento em que o botão da chave DESLIGA for pressio- nado. Figura 13 - Dois contadores operando de modo sincronizado. Seguindo esse procedimento e fazendo a média de 6 medidas, obtivemos para a freqüência da rede o va- lor de (60,1 ± 0,1) Hz. O desvio entre o valor medido e o valor esperado é, portanto, menor que 0,2%. Se, por exemplo, tivéssemos feito a medida com aux́ılio de um osciloscópio analógico, dificilmente teŕıamos conse- guido um resultado melhor que este. Além da precisão da medida, o método proposto oferece também a opor- tunidade para se discutir o funcionamento de um dis- positivo eletromecânico, como o compressor de ar para aquário. 4.5. Aplicação 4 - Medida da velocidade de uma esfera rolando num plano horizontal Nesta experiência, uma pequena esfera de aço passa com velocidade v0 por duas chaves montadas sobre uma superf́ıcie horizontal, depois de ser abandonada de uma certa altura de uma rampa, como mostra a Fig. 14. Figura 14 - Montagem para medir a velocidade de uma esfera rolando sobre um plano horizontal. As chaves, já descritas na literatura [25, 26] e re- presentadas esquematicamente na Fig. 15, são feitas de papel alumı́nio (nas Refs. 25 e 26, encontram-se de- talhes de construção tanto da chave de papel alumı́nio como da rampa). Os terminais da 1a chave são ligados, respectivamente, aos pontos A e B indicados na Fig. 11, enquanto os terminais da 2a são ligados aos pontos M e N (com isso, as chaves de papel alumı́nio passam a fazer o papel das chaves de contato momentâneo - push Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações 1501-9 botton - mostradas na Fig. 11) A velocidade v0 é de- terminada pela razão d/t, onde t é medido por meio de um contador cujo clock está ligado à sáıda de 1 kHz do oscilador esquematizado na Fig. 3. A entrada CL EN do contador, por sua vez, é conectada à sáıda Q̄ do circuito flip-flop (Fig. 11). Quando a esfera passa pela primeira chave, fecha-se momentaneamente o contato entre A e B e o contador inicia a contagem dos pulsos; quando passa pela segunda chave, a contagem é inter- rompida. O número de pulsos registrados pelo contador corresponde ao tempo t, em milissegundos, que a esfera levou para percorrer a distância d entre as chaves. Figura 15 - Uma chave de papel alumı́nio quando vista a) de cima e b) em perspectiva. Este tipo de medida abre caminho para a realização de inúmeras experiências. Detalhes de algumas delas, realizadas por métodos similares ao descrito aqui, po- dem ser encontrados na literatura especializada [25-27]. 4.6. Aplicação 5 - O movimento de uma esfera de aço num plano inclinado O objetivo desta experiência é mostrar que o movi- mento do centro de massa de uma esfera de aço des- cendo um plano inclinado é uniformemente acelerado. Para isso, vamos analisar a distância percorrida e a velocidade alcançada pela esfera em função do tempo de descida. A montagem utilizada está mostrada na Fig. 16a. As chaves de papel alumı́nio na base do plano in- clinado são fixas, enquanto o anteparo é móvel, para que se possa variar d. A experiência consiste em medir, para uma certa distância d, os intervalos de tempo t e ∆t, indicados na figura, com o aux́ılio de dois conta- dores cujos clocks são conectados à sáıda de 1 kHz do oscilador esquematizado na Fig. 3. A esfera (de 19 mm de diâmetro) parte do repouso e rola sobre o plano sem deslizar. O plano inclinado foi constrúıdo com uma tira de PVC, de 6 mm de espessura, 10 cm de largura e 60 cm de comprimento. Ela foi parafusada num sarrafo de madeira que, por sua vez, havia sido fixado num outro, formando um T quando visto de frente, para evitar que o plano empene com o passar do tempo. A Fig. 16b mostra o plano visto de cima, com detalhes das chaves confeccionadas com papel de alumı́nio e os respectivos fios de ligação (as chaves de papel alumı́nio foram fixa- das no PVC usando adesivo plástico da Tigre). Figura 16 - Arranjo experimental para estudar o movimento de uma esfera rolando sobre um plano inclinado. a) Detalhes do plano b) Detalhes das chaves. Os terminais da 1a chave são ligados respectiva- mente aos pontos A e B indicados na Fig. 11, en- quanto os terminais da 3a são ligados aos pontos M e N. Quando a esfera, ao passar pela 1a chave, estabe- lece contato elétrico entre os pontos A e B, o contador utilizado para medir ∆t dispara; e quando passa pela 3a chave, a contagem é paralisada. Para cada ∆t medido, calculamos a correspondente velocidade média da esfera entre a 1a e a 3a chave na base do plano. Essa veloci- dade coincide com a velocidade instantânea da esfera no instante t (essa regra vale, em geral, para pequenos in- tervalos, mas no caso de um movimento uniformemente acelerado, valeria também para intervalos maiores [28, 29]). 1501-10 Hessel et al. Para medir t, o 2◦ contador deve disparar imediata- mente após a esfera abandonar o anteparo, ou seja, as- sim que o contato elétrico que a esfera estabelece entre as duas barras de latão, fixadas no anteparo, for des- feito, e deve ser paralisado quando passar pela 2a chave na base do plano. A Fig. 17 mostra o circuito que montamos para executar esta tarefa. Foram utilizados, além do 4013BE, já citado neste trabalho, dois outros integrados: o CI4066B e o CD4001 [10]. O 4013BE, como já vimos, contém dois flip-flops independentes. O primeiro foi utilizado para montar o circuito da Fig. 11 e o segundo para montar o circuito esquematizado na Fig. 17a. O 4066B contém 4 chaves digitais bilaterais. Essas chaves funcionam como um interruptor comum; têm dois terminais para entrada/sáıda e um terminal de comando para ligar/desligar a chave. Quando o ńıvel lógico nesse terminal é 0, a chave está aberta e quando é 1, está fechada. Das quatro chaves dispońıveis no 4066, escolhemos aquela com os terminais 3, 4 e 5. O 4001 contém quatro portas NOR, cujo funcionamento é des- crito por meio da tabela-verdade mostrada na Fig. 17b. Das quatro portas NOR dispońıveis no 4001, escolhe- mos aquela com os terminais 1, 2 e 3. A numeração dos terminais dos componentes utilizados segue aquela adotada pelo fabricante. Antes de cada medida, o botão RESET deve ser pressionado momentaneamente para garantir que a sáıda Q̄ do flip-flop, conectada ao comando (terminal 5) da chave digital esteja no ńıvel lógico 0. A chave, por- tanto, está inicialmente aberta, como mostra a figura. Enquanto a esfera estiver encostada nas barras de latão fixadas no anteparo, os terminais 1 e 2 da porta NOR estarão ambos no ńıvel lógico 0 e o terminal 3, no ńıvel 1, de acordo com a tabela-verdade para a porta NOR. Conseqüentemente, a contagem encontra-se paralisada, porque a entrada CL EN do contador está conectada à sáıda da porta NOR. Quando a esfera abandonar as barras de latão, o terminal 1 da porta NOR passará para o ńıvel lógico 1, levando o terminal 3 para o ńıvel 0. Como conseqüência, o contador dispara (isto só acon- tece porque a chave digital está aberta). Quando a esfera passar pela 2a chave na base do plano, o contato elétrico entre os pontos M’ e N’ fechar-se-á momenta- neamente e o ńıvel lógico da sáıda Q̄ do flip-flop irá de 0 para 1. Com isso, a chave digital, cujo comando está ligado à sáıda Q̄ do flip-flop, fecha, forçando a entrada 1 da porta NOR a voltar para o ńıvel lógico 0. Como a entrada 2 já está no ńıvel lógico 0, a sáıda 3 vai para o ńıvel lógico 1 (ver tabela-verdade) e a contagem é paralisada. Para fazer uma nova medida, pressiona-se novamente o botão RESET. Os gráficos de d vs. t2, v vs. t e v2 vs. d mostrados nas figuras 18, 19 e 20 ilustram os resultados obtidos numa experiência em que a inclinação do plano mediu (11,6 ± 0,1) graus. Os pontos em cada gráfico represen- tam a média aritmética de 10 medidas. As retas foram traçadas pelo método dos mı́nimos quadrados. O pro- longamento de cada uma delas passa praticamente pela origem como previsto. Figura 17 - a) Circuito utilizado para medir o tempo de descida de uma esfera rolando sobre um plano inclinado a partir do re- pouso. b) Śımbolo para a porta lógica NOR e a tabela-verdade correspondente. Contadores eletrônicos no laboratório didático. Parte I. Montagem e aplicações 1501-11 Figura 18 - Distância d percorrida por uma esfera rolando sobre um plano inclinado a partir do repouso vs. tempo ao quadrado. Figura 19 - Velocidade v de uma esfera rolando sobre um plano inclinado a partir do repouso vs. tempo t. Figura 20 - Velocidade ao quadrado de uma esfera rolando sobre um plano inclinado a partir do repouso vs. distância percorrida sobre o plano. Esses gráficos nos mostram que as relações entre d e t, entre v e t e v e d para o movimento do centro de massa de uma esfera, partindo do repouso e rolando so- bre o plano inclinado são do tipo d = c1t 2, v = c2t e v2 = c3d como esperado. O valor de c2 (140) é praticamente o dobro do valor de c1 (70,1) e metade de c3 (278), como prevê a teoria; a diferença entre c2 e 2c1 é cerca de 0,5%. A aceleração obtida a partir da inclinação da reta, em quaisquer dos gráficos, pode também ser comparada com o valor esperado. De fato, se o corpo que desce rolando sobre o plano inclinado sem escorregar é uma esfera, a aceleração (a) de seu centro de massa será dada por a = (5/7) gsenθ [26]. O valor de g local é igual a 978,6 cm/s2 [31] e θ igual a (11,6 ± 0,1) graus. Levando-se esses valores para a ex- pressão da aceleração dada acima, obtem-se a = (140 ± 1) cm/s2. Por outro lado, os valores da aceleração obtidos a partir da inclinação da reta em cada um dos três gráficos apresentados são, respectivamente, iguais a (140,3 ± 0,4) cm/s2 (140 ± 1) cm/s2 e (139 ± 2) cm/s2. Esses valores são perfeitamente consistentes com o va- lor esperado. Além disso, a ‘área’ abaixo da curva v vs. t entre t = 0 e t = 0,70 s (por exemplo) é igual a 34,2 cm, enquanto a distância percorrida nesse intervalo e lida diretamente no gráfico d vs. t2 é igual a 34,5 cm. A diferença entre esses valores é menor que 1%. Resultados como estes dificilmente seriam consegui- dos se não tivéssemos lançado mão da eletrônica digital para disparar/paralisar o contador usado para medir t, porque a qualidade dos resultados neste tipo de ex- periência depende essencialmente das condições no ins- tante em que a esfera parte do repouso [3]. O circuito que montamos garante que o tempo t começará a ser medido imediatamente após a liberação da esfera. Nesta experiência, estudamos o movimento da es- fera do ponto de vista da cinemática, apenas para ilus- trar uma aplicação para o contador e mostrar a im- portância da eletrônica digital em medidas dessa natu- reza. A literatura, no entanto, descreve inúmeras ou- tras experiências envolvendo a dinâmica do movimento de translação e rotação de corpos como esferas, cilin- dros e aros que também poderiam ser realizadas com vantagem, usando montagens semelhantes às descritas neste trabalho [25, 26, 30]. 5. Conclusões Neste artigo, mostramos como montar contadores digi- tais de baixo custo a partir de componentes eletrônicos que podem ser facilmente encontrados no comércio va- rejista. Descrevemos também várias aplicações para ilustrar como esses contadores, operando em associação com um oscilador a cristal de quartzo, podem ser uti- lizados para medir, com precisão, pequenos intervalos de tempo e freqüência. Os diversos circuitos descritos podem ser facilmente reproduzidos pelo leitor interessado. Primeiramente, porque são, em grande parte, montados com alguns poucos blocos (circuitos integrados) que desempenham tarefas espećıficas. Do ponto de vista prático, não é preciso conhecer o que existe no interior de cada bloco, mas apenas que tarefas ele é capaz de executar. Em segundo lugar, porque o custo de um kit completo (con- tador, oscilador a cristal e mais acessórios necessários 1501-12 Hessel et al. para iniciar/interromper uma contagem) fica em torno de US$ 35. Esse valor é no mı́nimo dez vezes menor que aquele de um equipamento importado (ver Ref. 6). Em vista disso, entendemos que as montagens descritas neste trabalho constituem uma alternativa viável para aqueles que não podem dispor de um equipamento co- mercial. Agradecimentos Este trabalho foi desenvolvido com apoio da FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Proc. 00/03753-0) e de nosso funcionário Saulo R. Canola na elaboração dos desenhos. Referências [1] A.P. Malvino e D.P. Leach, Eletrônica Digital: Prinćıpios e Aplicações (McGraw-Hill, São Paulo, 1987), v. 2, cap. 11. [2] P.H. Gregson and W.P. Lonc, Am. J. Phys. 44, 803 (1976). [3] J.A. Blackburn and R. Koenig, Am. J. Phys. 44, 855 (1976). [4] R.P. Barret and N. Sollenburger, Phys. Teach. 18, 68 (1980). [5] R. Hessel, A.C. Perinotto, R.A.M. Alfaro and A.A. Freschi, Am. J. Phys. 74, 176 (2006). [6] Segundo a MSR Laboratórios e Processos (msr@ msrciencias.com.br), representante da Pasco Scienti- fic no Brasil, um cronômetro digital com seus respecti- vos acessórios (Digital Photogate Timer System) custa, na fábrica, cerca de $440,00. [7] P. Horowitz and W. Hill, The Art of Electronics (Cam- bridge University Press, Cambridge, 1983), cap. 8. [8] N.C. Braga, Curso de Eletrônica Básica (Editora Saber Ltda, São Paulo, 2001), 4a ed., cap. 15. [9] A maior parte dos componentes utilizados neste tra- balho foi comprada na Mult Comercial Ltda., R. dos Timbiras 238, Santa Efigênia, 01208-010 São Paulo, SP. Vendas: mult@grupoinformat.com.br. [10] Informações sobre os componentes eletrônicos uti- lizados neste trabalho podem ser encontradas aces- sando o site http://www.datasheet4u.com. [11] A. Braga, Saber Eletrônica 182, 5 (1988). [12] G. Catenato, Eletrônica para Todos (Salvat Editores, S.A., Barcelona, 1998), tomo 2, projeto n. 12. [13] Ver Ref. 7, cap. 4. [14] A.P. Malvino, Eletrônica (McGraw-Hill, São Paulo, 1987). v. 2, cap. 20. [15] E.A. Parr, Projetos Eletrônicos com o C.I. 555 (Seleções Eletrônicas Editora Ltda., Rio de Janeiro, 1981). [16] Part ACO 9923, http://www.abracon.com [17] O cristal foi comprado na Ceamar Comercial Eletrônica e Telefonia (Casa dos Cristais), R. Gen. Osório 260, Santa Efigênia, 01213-000 São Paulo, SP. Vendas: http://www.ceamar.com.br. [18] M.F. Ferreira, Saber Eletrônica 170, 5 (1986). [19] N.C. Braga, Circuitos & Soluções (Ed. Saber Ltda., São Paulo, 2006) 1a ed., n. 6, p. 9. [20] W.G.B. Britton, J.J. Fendley and M.E. Michael, Am. J. Phys. 46, 1124 (1978). [21] H.F. Meiners (ed.), Physics Demonstration Experi- ments (The Ronald Press Company, New York, 1970), p. 193-195. [22] I. Stensgaard and E. Laegsgaard, Am. J. Phys. 69, 301 (2001). [23] Ver Ref. 7, seção 8.16. [24] D.G. Willey, Phys. Teach. 29, 567 (1991). [25] R. Hessel, Rev. Ens. F́ısica 3 26 (1981). [26] R. Hessel and H.M. Gupta, Phys. Teach. 21, 172 (1983). [27] A. Cavalcante e C.R.C. Tavolaro, Cad. Cat. Ens. F́ıs., 14, 276 (1997). [28] B. Denardo, S. Wong, and A. Lo, Am. J. Phys. 57, 528 (1989). [29] M.L. Rosenquist and L.C. McDermott, Am. J. Phys. 55, 407 (1987). [30] C. Tech-Chee, Phys. Educatin 30, 182 (1995). [31] E.C. Ziemath, G. Santarine, W.M. Filho e J.C. Dou- rado, Determinação Experimental da Aceleração Gra- vitacional no Bairro Santana, Rio Claro - SP, dis- pońıvel em http://www.rc.unesp.br/igce/fisica/ gravid.html.