UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Farmacêuticas Campus de Araraquara Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas Efetividade de uma intervenção educativa para promoção da cultura de notificação de incidentes em saúde Celsa Raquel Villaverde Melgarejo Orientadora: Profa. Dra. Patricia de Carvalho Mastroianni Coorientadora: Profa. Dra. Fabiana Rossi Varallo Araraquara – SP 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Farmacêuticas Campus de Araraquara Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas Efetividade de uma intervenção educativa para promoção da cultura de notificação de incidentes em saúde Celsa Raquel Villaverde Melgarejo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Área de Pesquisa e Desenvolvimento de Fármacos e Medicamentos, para obtenção do título de Mestre em Ciências Farmacêuticas. Orientadora: Profa. Dra. Patricia de Carvalho Mastroianni Coorientadora: Profa. Dra. Fabiana Rossi Varallo Araraquara – SP 2018 Ficha Catalográfica Elaborada Por Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação Faculdade de Ciências Farmacêuticas UNESP – Campus de Araraquara Melgarejo, Celsa Raquel Villaverde. M338e Efetividade de uma intervenção educativa para promoção da cultura de notificação de incidentes em saúde / Celsa Raquel Villaverde Melgarejo. – Araraquara, 2018. 159 f. : il. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista. “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Programa de Pós Graduação em Ciências Farmacêuticas. Área de Pesquisa em Desenvolvimento de Fármacos e Medicamentos. Orientadora: Patricia de Carvalho Mastroianni. Coorientadora: Fabiana Rossi Varallo. 1. Notificação. 2. Erros médicos. 3. Educação continuada. 4. Gestão de riscos. 5. Dano ao paciente. I. Mastroianni, Patricia de Carvalho, orient. II. Varallo, Fabiana Rossi, coorient. III. Título. CAPES: 40300005 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho ao meu marido, Morais, pelo incentivo e apoio incondicional em todas as esferas e momentos. Você é meu porto seguro. À minha filha, Yngrid. Motivo pela qual me faz seguir adiante. Razão de erguer-me a cada momento de dificuldade encontrado. Sem você minha vida não teria sentido. Aos meus pais, Luis e Lucila, e à minha irmã Patricia, por não medir esforços e acreditar no meu potencial, sempre! Los amo!! AGRADECIMENTOS À Professora Dra. Patricia de Carvalho Mastroiannni pela oportunidade de dar continuidade ao curso de mestrado oferecendo conhecimento em uma nova linha de pesquisa. À Dra. Fabiana Rossi Varallo, farmacêutica do Hospital Estadual Américo Brasiliense e coorientadora da pesquisa na pós-graduação, pela sua dedicação e orientação quanto ao trabalho desenvolvido. Ao Hospital Estadual Américo Brasiliense por conceder autorização para realização da pesquisa. Aos profissionais que aceitaram participar do estudo. Ao Professor Dr. Tiago Marques da Universidade Federal de Alfenas, membro da banca de qualificação. Excelente profissional, a qual contribuiu de maneira significativa para o enriquecimento de meus saberes e por ter ofertado conhecimento adicional quanto ao tema da pesquisa realizada. Em especial, aos funcionários da UNESP das seções: Técnica Acadêmica (STA), Seção Técnica de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (STAEPE) e à biblioteca por estarem sempre dispostos a me auxiliar no que for preciso. À seção de Pós-graduação, pelo apoio e por sanar tantas dúvidas durante o período como aluna de mestrado. Á agência de fomento, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPQ, pela bolsa concedida. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. RESUMO Estima-se que a notificação espontânea de incidentes capture apenas 10% dos eventos ocorridos em instituições hospitalares. Entretanto, a educação em saúde pode contribuir para o estímulo do aumento do índice de notificações assim como para a segurança do paciente. Diante disso, o objetivo do estudo foi avaliar a efetividade de uma Intervenção Educativa (IE) para promoção da notificação de incidentes em saúde para profissionais de um hospital de ensino no interior do estado de São Paulo. O estudo foi do tipo experimental, aberto, não randomizado e houve adaptação da IE através de um pré-treinamento com alunos de graduação da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp. Os profissionais incluídos no estudo foram aqueles cuja atuação fosse da área assistencial. Foram excluídos, profissionais afastados por um período maior do que três meses, estagiários e residentes. A participação dos profissionais na IE foi feita através da alocação por conveniência, com formação de três turmas, de acordo com turno de trabalho dos participantes. A IE foi realizada durante três meses, por meio de aulas expositivas, divididas em quatro módulos com duração de 60 minutos cada, realizados em dias alternados por duas semanas, além da aplicação de questionário antes e depois. As variáveis analisadas estavam relacionadas ao conhecimento, habilidade e atitude em notificação. As respostas dos questionários, assim como a quantidade e qualidade dos itens preenchidos na ficha de notificação foram avaliadas por meio de comparação antes e depois da IE, de acordo com resposta padrão estabelecida (OMS, Anvisa), bem como o número absoluto de notificações realizadas pelos profissionais nos dois momentos. Foram atribuídos conceitos e notas de zero a dez pontos a partir dos acertos obtidos nos questionários e o preenchimento dos itens da ficha de notificação. Os testes estatísticos empregados para avaliação de conhecimento em notificação foram o t-student e Wilcoxon para amostras pareadas, e para habilidade e atitude foram aplicados o teste ANOVA para amostras repetidas. Houve baixa adesão dos profissionais na IE (27,8%; 99/356). O estudo foi registrado na plataforma do Ministério da Saúde, REBEC, cujo identificador é RBR-6bxq36. Apesar da efetividade da intervenção para a aquisição de conhecimento (p=0,0001), não houve o mesmo resultado para habilidade e atitude (p>0,05), embora tenha sido observada tendência de melhora no relato de alguns incidentes, assim como tendência de aumento na taxa de incidência de notificação. Nessa perspectiva, a conclusão do estudo permite inferir que a efetividade da IE foi apenas para o conhecimento da notificação de incidentes em saúde. Palavras-chave: Notificação. Erros médicos. Educação continuada. Gestão de riscos. Dano ao paciente. ABSTRACT It is estimated that spontaneous incident reporting captures only 10% of events occurring in hospitals. However, health education can contribute to the stimulation of the increase of the index of notifications as well as to the safety of the patient. Therefore, the objective of the study was to evaluate the effectiveness of an Educational Intervention (IE) to promote the notification of health incidents for professionals of a teaching hospital in the interior of the state of São Paulo. The study was an open-label, non-randomized trial, with an adaptation of IE through pre- training with undergraduate students from the Faculty of Pharmaceutical Sciences of Unesp. The professionals included in the study were those whose work was in the care area. Excluded professionals for more than three months, trainees and residents were excluded. The participation of the professionals in IE was made through the allocation for convenience, with formation of three classes, according to the work shift of the participants. EI was carried out during three months, through lectures, divided into four modules lasting 60 minutes each, held on alternate days for two weeks, in addition to the application of a questionnaire before and after. The analyzed variables were related to the knowledge, ability and attitude in notification. The responses of the questionnaires, as well as the quantity and quality of the items filled in the notification form were evaluated by means of a comparison before and after the IE, according to the established standard response (WHO, Anvisa), as well as the absolute number of notifications made by the professionals in the two moments. Concepts and grades were assigned from zero to ten points based on the answers obtained in the questionnaires and the completion of the items in the notification form. The statistical tests used for the evaluation of knowledge in the notification were t-student and Wilcoxon for paired samples, and the ANOVA test for repeated samples was applied for skill and attitude. There was low adherence of professionals in IE (27.8%, 99/356). The study was registered in the Ministry of Health platform, REBEC, whose identifier is RBR-6bxq36. Despite the effectiveness of the intervention for the acquisition of knowledge (p = 0.0001), there was not the same result for skill and attitude (p> 0.05), although there was a trend of improvement in reporting some incidents, as well as increase in the incidence rate of notification. In this perspective, the conclusion of the study allows to infer that the effectiveness of IE was only for the knowledge of the notification of health incidents. Keywords: Notification. Medical errors. Continuing education. Risk management. Patient harm. LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ANVISA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DQM DESVIO DA QUALIDADE DO MEDICAMENTO DRS DEPARTAMENTO REGIONAL DE SAÚDE EP EDUCAÇÃO PERMANENTE HEAB HOSPITAL ESTADUAL AMÉRICO BRASILIENSE HMPS HARVARD MEDICAL PRACTICE STUDY IBSP INSTITUTO BRASILEIRO DE SEGURANÇA DO PACIENTE IE INTERVENÇÃO EDUCATIVA IEM INTERVENÇÃO EDUCATIVA MULTIFACETADA IHI INSTITUTE FOR HEALTHCARE IMPROVEMENT IOM INSTITUTE OF MEDICINE IRAS INFECÇÃO RELACIONADA À CORRENTE SANGUÍNEA LPP Ad. LESÃO POR PRESSÃO ADQUIRIDA LPP Or. LESÃO POR PRESSÃO DE ORIGEM MS MINISTÉRIO DA SAÚDE NOTIVISA SISTEMA DE NOTIFICAÇÃO EM VIGILÃNCIA SANITÁRIA OMS ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE OPAS ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE PNSP PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANÇA DO PACIENTE RAM REAÇÃO ADVERSA A MEDICAMENTO RDC RESOLUÇÃO DA DIRETORIA COLEGIADA SNE SONDA NASOENTÉRICA SVD SONDA VESICAL DE DEMORA TCLE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO TOT TUBO OROTRAQUEAL LISTA DE TABELAS Tabela 1. Adesão dos profissionais à intervenção educativa, estratificado por categoria profissional. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ...................... 70 Tabela 2. Exemplos de respostas contidas nos questionários, dados numéricos de profissionais quanto aos conceitos obtidos frente ao aproveitamento da intervenção educativa sobre o conhecimento de notificação de incidentes nos momentos antes e depois. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. ............................................. 76 Tabela 3. Exemplos de itens assinalados nos questionários, dados numéricos de profissionais e conceitos obtidos quanto ao aproveitamento da intervenção educativa sobre o conhecimento acerca do preenchimento da ficha de notificação de incidentes nos momentos antes e depois. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ........................................................................................................................ 78 Tabela 4. Conceitos obtidos pelos profissionais sobre conhecimento do preenchimento da ficha de notificação, estratificados por categoria profissional (n=99), antes e depois da intervenção educativa. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ............................................................................................................... 79 Tabela 5. Número de profissionais e seus desempenhos quanto aos conceitos obtidos de acordo com as respostas dadas às questões da avaliação do conhecimento, depois da IE em relação ao momento anterior. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ............................................................................................ 80 Tabela 6. Descrição dos principais motivos para não realizar a notificação pelos profissionais da saúde. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ..................... 82 Tabela 7. Número de notificações preenchidas de acordo com os campos informativos, necessários e imprescindíveis constantes na ficha da instituição. Américo Brasiliense -SP (Brasil), 2017. ........................................................... 85 Tabela 8. Número absoluto e taxa de incidência das notificações com relação a avaliação da intervenção educativa (3 meses antes, 3 meses durante e 3 meses depois). Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. ............................................ 88 file:///G:/defesa/DEFESA%202.docx%23_Toc523339856 file:///G:/defesa/DEFESA%202.docx%23_Toc523339856 file:///G:/defesa/DEFESA%202.docx%23_Toc523339856 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Fatores que podem contribuir para ocorrência de incidentes segundo o Protocolo de Londres.....................................................................................26 Quadro 2. Descrição dos incidentes abordados na intervenção educativa. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017...................................................................................................................50 Quadro 3. Distribuição dos módulos da intervenção educativa conforme dias, horários e turmas. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017................................56 Quadro 4. Respostas consideradas padrão-ouro para avaliar conhecimento na IE........................................................................................................... ............58 Quadro 5. Itens avaliados quanto à habilidade de preenchimento da ficha de notificação..........................................................................................................59 Quadro 6. Descrição da metodologia utilizada para avaliação da efetividade da intervenção educativa........................................................................................62 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Adaptado de Miller, 1990. ............................................................... ..33 Figura 2. Descrição das etapas do estudo sobre intervenção educativa conduzida no Hospital Estadual Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. ............................ 45 Figura 3. Fluxograma de caracterização da amostra na intervenção educativa. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. ......................................................... 69 Figura 4. Gráfico de distribuição do número de notificações mensais estratificados por incidentes. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. .................................. 89 Figura 5. Gráfico de distribuição do número de notificações mensais estratificados por incidentes. Américo Brasiliense - SP (Brasil), 2017. .................................. 89 file:///G:/defesa/DEFESA%202.docx%23_Toc523339804 file:///G:/defesa/DEFESA%202.docx%23_Toc523339804 LISTA DE ANEXOS Anexo 1. Parecer consubstanciado do Comitê de Ética de Pesquisa em Humanos Anexo 2. Carta de anuência da direção do Hospital Estadual Américo Brasiliense Anexo 3. Ficha de notificação de incidentes em saúde do Hospital Estadual Américo Brasiliense LISTA DE APÊNDICES Apêndice A. Questionário sobre conhecimento em notificação de incidentes e saúde Apêndice B. Carta convite para participação dos colaboradores na intervenção educativa Apêndice C. Aula expositiva apresentada na intervenção educativa SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................... 10 2. REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................... 16 3. OBJETIVOS ............................................................................................. 40 4. METODOLOGIA ....................................................................................... 41 5. RESULTADOS ......................................................................................... 68 6. DISCUSSÃO ............................................................................................ 90 7. CONCLUSÃO ......................................................................................... 111 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 113 10 1. INTRODUÇÃO Diante do relatório intitulado To Err is Human: Building a Safer Health Care System pelo Institute of Medicine (IOM), publicado no final dos anos noventa, houve muitas discussões e repercussões relacionadas à segurança do paciente. A publicação destacou a temática da segurança nos serviços de saúde, mais especificamente sobre preocupações em qualidade, no que diz respeito aos incidentes da assistência médico-hospitalar por resultarem em sofrimento, injúrias e até mortes de pacientes devido à falha humana (KOHN; CORRIGAN; DONALDSON, 2000). Estima-se que as taxas de incidentes em saúde podem chegar até 16%, em que 60% desses poderiam ter sido evitados (SIMAN; CUNHA; BRITO, 2017; ZEGERS et al., 2016). A pesquisa conhecida como Estudo Ibero-americano de Eventos Adversos (IBEAS) foi realizada a fim de estimar a prevalência de incidentes em saúde, com a participação de seis países, dentre eles cinco latino-americano e um europeu. Dos 11.379 indivíduos hospitalizados e incluídos nessa pesquisa, 10,5% sofreram algum tipo de incidente, dos quais 28% dos incidentes causaram incapacidade e outros 6% levaram o paciente a óbito (ARANAZ-ANDRES et al., 2011). Ainda, 15% dos profissionais da saúde já vivenciaram ou estiveram envolvidos em algum tipo de incidente pelo menos uma vez por ano (MIRA et al., 2015). A frequência da ocorrência de incidentes e circunstâncias que podem resultar em falhas, tende a ser mais elevada em instituições hospitalares devido às múltiplas atividades exercidas e ofertadas nesses centros. Também pode ser explicada pela complexidade e periculosidade dos procedimentos realizados, além da diversidade de profissionais que atuam nesse tipo de prestação de serviço (RODRIGUES; CARVALHO, 2017). Dada a repercussão negativa dos incidentes, tanto para o paciente, por comprometer ainda mais a sua saúde, quanto para o profissional, por acarretar punições éticas e estresse emocional e para instituição de saúde, no que diz respeito à magnitude financeira, devido o aumento de custo para o tratamento referente ao incidente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou no ano de 2004 um programa, com o objetivo de avaliar a segurança do paciente 11 nos serviços de saúde, a qual recebeu o nome de Aliança Mundial para a Segurança do Paciente (World Alliance for Patient Safety) (WHO, 2005). O elemento central do programa está na realização de “desafios Globais”, em que periodicamente é lançado um tema a ser abordado e trabalhado como forma de campanha para promover a segurança do paciente (WHO, 2005). Além do mais, como meio de se alcançar mais segurança em saúde, o programa desenvolveu taxonomia padronizada e ferramentas para elaboração e avaliação de normas, assim como orientações de boas práticas assistenciais relacionado aos cuidados em saúde (WHO, 2009). Segundo o documento da OMS, a segurança do paciente é definida como a redução de risco de dano desnecessário associado à assistência à saúde até um mínimo aceitável e as ocorrências indesejadas, decorrentes do cuidado prestado pode ser classificada como: circunstância de risco, quase incidente (near miss), incidente sem dano e incidente com dano (evento adverso) (WHO, 2009). No Brasil, as discussões referentes ao tema foram iniciadas a partir da criação da Rede Brasileira de Hospitais Sentinela no ano de 2002 e começaram a ser trabalhadas através do Ministério da Saúde (MS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Já em 2013 foi instituída a portaria MS/GM nº 529, de 1º de abril de 2013, a qual estabeleceu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) que tem como objetivo principal, contribuir para a qualificação do cuidado em saúde, bem como a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº36, de 25 de julho de 2013, a qual institui ações para promoção da segurança do paciente em serviços de saúde. Os princípios e as diretrizes tanto da portaria quando da resolução supracitadas, incluem a vigilância e o monitoramento dos incidentes por meio de notificações, gerenciados por meio de seis indicadores, dentre eles: prevenção de quedas, identificação correta do paciente, cirurgia segura, higienização das mãos, prevenção de lesão por pressão, erros de medicação com enfoque para o uso racional de medicamentos e segurança nas prescrições (BRASIL, 2013a, 2013b). A notificação de incidentes consiste no relato voluntário e confidencial, de problemas relacionados à saúde, como falhas de produtos e processos do cuidado em geral e é amplamente reconhecida como importante método capaz 12 de sinalizar deficiências relacionadas ao cuidado em saúde (LEAPE, 2002; LEISTIKOW et al., 2017). Apesar de coexistirem outros métodos com capacidade de reconhecer incidentes, tais como a busca ativa, revisão de prontuários, observação direta, “global trigger tool”; a notificação voluntária ainda é um dos mais utilizados. Esse método possui algumas vantagens relacionadas ao baixo custo e a facilidade de sua aplicação em instituições de saúde (DESAI et al., 2011; PAL et al., 2013). Além disso, sua utilização pode ser realizada por qualquer indivíduo, desde profissionais, até o próprio paciente. Um dos objetivos principais da notificação é o aprendizado através de erros (HEWITT; CHREIM, 2015), pois permite minimizar possíveis atos inseguros e traçar estratégias eficazes que possam mitigar riscos (FLEMONS; MCRAE, 2012). Entretanto, devido ao seu caráter voluntário, o método apresenta desvantagens, tais como índices elevados de sub-registros, pois o relato de casos é dependente da iniciativa e da motivação de quem o realiza. Estima-se que o sistema de notificação espontânea, capture apenas 10% dos incidentes ocorridos em instituições hospitalares (MUSY et al., 2018; PFEIFFER; MANSER; WEHNER, 2010). Tal fato pode impactar sobremaneira na segurança do paciente, visto que ficam desconhecidos os riscos que podem agravar ainda mais a saúde do paciente, comprometendo, assim, o desenvolvimento de planos de ações para minimizar ou erradicar os incidentes. As causas que levam à subnotificação dos casos incluem barreiras de caráter individual (medo, motivação, indisposição, falta de tempo), organizacional (sobrecarga, políticas de trabalho, ausência de devolutivas) e cultural (hábito, ausência de cultura de notificação) (HARTNELL et al., 2012). Conhecer aspectos relacionados a essas barreiras, as quais impedem e dificultam à realização da notificação de incidentes pelos profissionais é de extrema importância, pois reconhecer essas dificuldades poderá resultar em propostas de melhorias relacionadas à assistência ao paciente (HOLDEN; KARSH, 2007). A cultura de notificação é um dos pilares da segurança do paciente, que pode ser estabelecida através de um ambiente propício para relatar incidentes, livre de punições com vistas a quem relata ou comete erros e tem o objetivo de reconhecer fragilidades no sistema de saúde, sem culpabilizar os envolvidos, 13 além de aprender com as falhas (FLEMONS; MCRAE, 2012; PFEIFFER; MANSER; WEHNER, 2010). Algumas alternativas para encorajar o relato voluntário e aumentar o baixo índice de notificações de incidentes é promover a cultura de notificações dentre profissionais através da educação em saúde, bastante realizadas principalmente em hospitais de ensino (BLAKE et al., 2006; FLEMONS; MCRAE, 2012). A proposta da educação em saúde, para as notificações de incidentes, visa à capacitação dos profissionais quanto à aquisição de conhecimento, desenvolvimento de habilidades e tomada de decisão gerando atitudes frente aos relatos de casos, visto que o sistema possibilita a oportunidade de identificar falhas e desenvolver barreiras para preveni-las (WACHTER, 2013). Existem diversos métodos de ações educativas para profissionais da saúde, tais como aulas expositivas com estudos e discussões de casos clínicos (JERICHO et al., 2010; VARALLO et al., 2017); realização de workshops e palestras (FORSETLUND et al., 2009); elaboração e distribuição de cartilhas informativas e brindes (CAPUCHO; PRIMO, 2011; GIGUÈRE et al., 2015; VARALLO et al., 2017); entrevistas com uso de questionários (ALSHAMMARI et al., 2015; HALLIGAN; ZECEVIC, 2011); telefonemas, envio de correios eletrônicos (JHA et al., 2017; RIDELBERG et al., 2016), dentre outros. IEs para o desenvolvimento de competências profissionais acerca do tema da notificação, principalmente relacionados à farmacovigilância, têm sido mencionadas em diversos estudos, a qual apresentam resultados com desfechos relacionados ao aumento do conhecimento, habilidade e atitude (ABU FARHA et al., 2018; CAPUCHO; PRIMO, 2011; LOUIS et al., 2016; STEEN et al., 2017; VARALLO et al., 2017). O conceito de competências é definido como um conjunto de elementos e experiências necessárias a fim de desempenhar funções de maneira correta, e no âmbito da saúde refere-se às características dos profissionais ao executarem suas tarefas com vistas ao desempenho exitoso (CONEJERO et al., 2013). Diante da notificação de incidentes, o profissional precisa saber reconhecer e classificar o tipo de incidente, assim como é necessário saber quem pode realizar a notificação e o quê pode ser notificado. Além do mais, é importante 14 saber realizar o preenchimento adequado da ficha de notificação, demonstrando assim, sua habilidade em notificar e, sobretudo, colocar em prática os domínios do saber (conhecimento) e saber fazer (habilidade), realizando a notificação (atitude). Tais domínios estão embasados na classificação proposta por Miller, relacionados, ao o quê um indivíduo sabe, sabe como fazer, demonstra como faz e executa-o, referente às situações perante sua atuação como profissional (MILLER, 1990). De acordo com o modelo proposto pelo Canadian Patient Safety Institute, a notificação de eventos compõe um dos seis domínios básicos das competências para a segurança do paciente. A organização propõe competências aos profissionais da saúde, as quais fazem referência ao conhecimento, a habilidade e a atitude. Assim, o profissional precisa saber as definições relacionados aos incidentes, bem como saber reconhecê-los e saber os meios de reportá-los (conhecimento). È importante que este profissional também saiba forncer uma comunicação oportuna e eficaz sobre os fatos do evento (habilidade) e devem aceitar a divulgação dos eventos, mesmo quando obrigatória (atitude), além de ter disposição em participar da análise dos incidentes para melhoría contínua da qualidade do serviço prestado (CPSI, 2009). Os dados no formulário de notificação devem incluir as pessoas envolvidas no incidente; breve descrição do incidente (ações tomadas, geração de dano ao paciente, nível de gravidade); quando ocorreu o incidente (data, hora, período), onde ocorreu (local), como e porque ocorreu (fatores contribuintes) (GABRIEL, 2015; ONTARIO, 2017). Assim, os relatos devem permitir a identificação de informações mínimas e relevantes para avaliar a cadeia de eventos que levaram à ocorrência do incidente, pois isto oportuniza que mesmos os incidentes mais simples e sem dano, sejam passíveis de investigação. Os dez itens preconizados pela Anvisa são: o tipo de incidente, consequências para o paciente, características do paciente, características do incidente, fatores contribuintes, consequências organizacionais, detecção, fatores de prevenção, ações de melhoria e ações para redução do risco (ANVISA, 2015). Portanto, a realização de IEs que promovam o conhecimento e desenvolvam a habilidade e a atitude em notificar é vista como um método 15 vantajoso, uma vez que as IEs podem ser executadas no próprio ambiente de trabalho, além de possuírem baixo custo. Esse tipo de programa educacional inserido na educação permanente institucional fortalece o processo de sensibilização dos profissionais da saúde de diversas categorias para a notificação de incidentes e contribuem para a melhora dos índices de relatos voluntários (RODRIGUES; CARVALHO, 2017). Além do mais, a promoção da cultura de notificação vai ao encontro das propostas dos programas de acreditação hospitalar, uma vez que devem exercer ações capazes de minimizar os incidentes ocorridos, primando pela qualidade nos centros de saúde (PAULA et al., 2017). A acreditação hospitalar é um processo voluntário, com metodologia de avaliação externa da qualidade, realizado por intermédio de agências governamentais ou não, que reconhecem instituições de saúde que seguem padrões de qualidade com propostas de melhorias continua dos processos, estrutura e resultados. Assim, o processo de acreditação exige que os estabelecimentos de saúde atuem em conformidade com os requisitos técnicos e legais (PAULA et al., 2017). Deste modo, pressupõe-se que as IEs possam contribuir para a aquisição e o aprimoramento de competências acerca das notificações de incidentes, visto que são passíveis de aprendizado através de treinamentos. Portanto as hipóteses testadas no estudo foram: H0: A intervenção educativa não é efetiva para a promoção da notificação de incidentes em saúde H1: A intervenção educativa é efetiva para a promoção da notificação de incidentes em saúde 16 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Contexto geral sobre Segurança do Paciente Falhas relacionadas à saúde, ocorridas em ambiente hospitalar, constituem um problema sério de saúde pública que podem trazer diversas consequências, dentre elas clínicas, sociais e econômicas, tanto para pacientes e familiares, quanto para os profissionais da saúde além da própria instituição, colocando em xeque a sua credibilidade, por comprometer a qualidade na prestação de cuidados no sistema de saúde como um todo. Estima-se que um a cada dez pacientes sofre ou foi acometido por algum tipo de falha durante a assistência prestada (WHO, 2008). Diante dessa problemática, esforços têm sido realizados a fim de tentar minimizarem as falhas que possam colocar em risco a segurança do paciente. Uma das ações que visam à solução e à redução de erros são os programas desenvolvidos pela OMS. Dentre eles, o programa intitulado de Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, a qual vem contribuindo de forma ativa desde o ano de sua criação (2004)(WHO, 2004). Este programa tem como objetivo principal, a elaboração de “desafios globais”, como forma de campanhas para promover a segurança do paciente, através do desenvolvimento de taxonomia padronizada e de ferramentas para elaboração e avaliações de normas, bem como orientações de boas práticas assistenciais para o cuidado à saúde (WHO, 2005; 2008). De acordo com a Classificação Internacional da Segurança do Paciente (International Classification for Patient Safety- ICPS), desenvolvida pela OMS, erros em saúde estão relacionados às falhas de execução de um plano de ação conforme pretendido, ou por aplicar um plano incorretamente e podem 17 manifestar-se por fazer algo errado ou deixar de fazer a coisa certa (WHO, 2009). Erro, por definição, é sempre não intencional, podendo ou não, ocasionar um incidente. Nesse sentido, os incidentes são definidos como eventos ou circunstâncias que atingiram o paciente e poderiam ter resultado ou resultou em dano desnecessário ao mesmo, respectivamente denominados de incidente sem dano e incidente com dano. Esse último recebe a classificação de evento adverso por ter atingido o paciente e necessariamente ter causado algum dano, independente do grau (WHO, 2009). Uma circunstância de risco é definida como a probabilidade de ocorrer um incidente, entretanto quando este ocorre e é interceptado antes de atingir o paciente, é denominado de quase evento (near miss). Entende-se como dano o comprometimento de função, estrutura e partes ou qualquer efeito dele oriundo, que resulta em doenças, sofrimento, incapacidade e disfunções em geral, de cunho social, físico ou psicológico (WHO, 2009). Algumas das soluções previstas pela OMS incluem nove metas para prevenção de incidentes no cuidado à saúde, sendo elas: identificação correta de pacientes; gerenciamento de medicamentos com nome e/ou aparência semelhantes; promoção da comunicação efetiva e adequada na transferência de pacientes; realização de procedimento correto na parte correta do corpo; evitar erros de medicação; evitar conexão errada de dispositivos como cateteres, tubo endotraqueal; usar uma única vez os dispositivos para injeção e a correta higienização das mãos (WHO, 2009). Sendo assim, no ano de 2005, a OMS lançou seu primeiro desafio global para a Segurança do Paciente sendo o tema “Uma Assistência Limpa é uma Assistência mais Segura” (WHO, 2005). Publicação que abordou padrões 18 simples e claros no que se refere à higienização correta das mãos e teve como foco as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS). Já em 2007/2008, o segundo desafio global foi lançado com o tema “A Cirurgia Segura Salva Vidas” e teve como meta a melhoria no cuidado cirúrgico por meio de conjunto de medidas que incluem práticas seguras tais como: a prevenção de infecções em sítio cirúrgico, redução de falhas em anestesia, além de traçar e desenvolver planos com objetivo de tornar a cirurgia mais segura e com capacidade de ser adotado em diversos países (WHO, 2016). Há pouco tempo, em 2017 foi lançado o terceiro desafio global que visa reduzir pela metade os danos graves e evitáveis associados a erros de medicação. O tema deste programa é “Medicação sem danos”, que fomenta a prevenção de problemas relacionados ao uso de medicamentos, visto que estes são as principais causas de incidentes com dano mundialmente (OPAS, 2017). Esta medida tem por objetivo a orientação e difusão de informação confiável com alto grau de evidência científica e de linguagem acessível, designados aos profissionais de saúde, principalmente, através do livro publicado, divididos em fascículos, que trata de diferentes temas relacionados à medicação. No Brasil, as ações para promoção da segurança do paciente vêm sendo promovidos pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde (MS), por meio da implantação da portaria MS/GM nº 529, de 1º de abril de 2013, a qual instituiu o PNSP, que tem objetivo principal contribuir para a qualificação do cuidado em saúde, assim como a RDC nº 36, de 25 de julho de 2013, a qual institui ações para promoção da segurança do paciente nos serviço de saúde (BRASIL, 2013a, 2013b). 19 A portaria trata da criação dos Núcleos de Segurança do Paciente, NSP, que a partir de sua implantação no ano de 2013, tornou-se uma obrigatoriedade nos serviços de saúde e seus princípios e diretrizes abordam suas competências, propondo diversos planos referentes à segurança do paciente, incluindo a vigilância e monitoramento das notificações de incidentes por meio do gerenciamento de seis indicadores, das quais: prevenção de quedas; identificação correta do paciente; cirurgia segura; higienização das mãos; prevenção de lesão por pressão; erros de medicação com enfoque para a segurança nas prescrições e uso racional de medicamentos (BRASIL, 2013b). Além daquelas já previstas na legislação, cabe ressaltar outros incentivos à segurança do paciente no país, dentre elas a Rede Sentinela, criada em meados de 2001 e composta por hospitais escolas que monitoram a qualidade e o perfil de segurança dos medicamentos utilizados em ambiente hospitalar, através das notificações de incidentes; Rebraensp (Rede Brasileira de Enfermagem e Segurança do Paciente), criada em 2008 com a iniciativa da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), tendo como meta a difusão e sedimentação da cultura de segurança do paciente nas diversas instituições de saúde, universidades, organizações não governamentais e comunidade no geral e entidades multiprofissionais, como o Institute for Safe Medication Practice (ISMP), dos Estados Unidos, e o Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente (IBSP), que têm promovido eventos nacionais sobre o tema. Cabe destacar ainda que a portaria nº 1.660 de 22 de julho de 2009 instituiu o Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária (Vigipos), em 20 que uma das premissas do sistema era de promover a identificação precoce de problemas relacionados aos serviços e produtos de saúde, a fim de eliminar ou minimizar os riscos decorrentes desses. Dessa forma a Rede Sentinela, começou a trabalhar o gerenciamento de riscos sobre três pilares: busca de incidentes, notificação de incidentes e uso racional das tecnologias em saúde (BRASIL, 2014). 2.2. Detecção dos incidentes em saúde Existem diferentes métodos frequentemente utilizados para identificação de incidentes, dentre eles podem ser citados: a observação direta, revisão retrospectiva de prontuários, global trigger tools e a notificação voluntária. A observação direta consiste na presença de um observador inserido no ambiente de trabalho que investiga problemas relacionados à segurança do paciente de forma prospectiva. Esse método vem sendo utilizado principalmente em instituições consideradas de excelência e por países desenvolvidos, pois necessita de alto custo de investimento, uma vez que requer profissionais qualificados, capacitados e treinados em identificar falhas ou erros potenciais, com a finalidade de mitigar possíveis riscos à saúde (HOHL et al., 2018; RODRIGUES; CARVALHO, 2017). A revisão retrospectiva de prontuários está baseada no método conhecido como Harvard Medical Practice Study (HMPS), na qual ocorre a revisão em duas etapas. A primeira etapa é realizada geralmente por enfermeiros em que se buscam registros de prováveis incidentes no prontuário do paciente e a próxima etapa é análise desses registros pelos médicos, a fim de se avaliar a gravidade do incidente e o grau de cuidados para esses pacientes. No entanto, o método possui desvantagens, pois a documentação nos registros dos 21 pacientes pode estar incompleta, permitindo que alguns incidentes não sejam percebidos e, em segundo lugar, muitas vezes é difícil desvincular a análise da intervenção médica dos processos subjacentes da doença (BAKER, 2004). Já o método conhecido como global trigger tool (GTT), desenvolvido pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI), também é um instrumento de revisão retrospectiva de registros, que utiliza uma lista de gatilhos (triggers), que serve de rastreador para a presença de agravos à saúde. Inicialmente, o método foi elaborado para uma abordagem do tipo manual. No entanto, o desenvolvimento recente de detecção automatizado utilizando o GTT, alteraria o modelo retrospectivo para prospectivo, fornecendo um feedback em tempo real, permitindo intervenções pontuais (MUSY et al., 2018). Estudo realizado utilizando o método GTT identificou taxas mais altas de eventos adversos (20- 30%) do que a metodologia de HMPS supracitada (RAFTER et al., 2015a). A notificação espontânea de incidentes é amplamente utilizada e consiste no relato voluntário de problemas relacionados à saúde, como falhas de produtos e processos do cuidado em geral, a partir do preenchimento de um formulário geralmente disponibilizado pela instituição (BRASIL, 2013b; LEAPE, 2002). No Brasil, cabem às instituições de saúde registrar todo e qualquer evento ocorrido, através do sistema informatizado denominado Notivisa, disponibilizado pelo órgão de regulação sanitária máxima no país, a ANVISA. O Notivisa, tem como objetivo além do registro, o processamento de dados referente aos incidentes em todo território nacional (ANVISA, 2015). Tendo em vista a RDC nº 36/2013, todos os serviços de saúde, excetuando-se os consultórios individualizados, laboratórios clínicos e serviços móveis de 22 atenção domiciliar, devem constituir os NSPs e, consequentemente, incluir o sistema de notificação de incidentes como ação voltada à segurança do paciente. Desvios da qualidade e queixas técnicas também devem ser notificados. A utilização de combinação de métodos de detecção, como revisão de prontuário, observação direta e notificação voluntária favorece a identificação de maior proporção de incidentes em saúde (ROQUE; TONINI; MELO, 2016). 2.3. Monitoramento de incidentes em saúde O controle da qualidade da assistência em saúde pode ser monitorado a partir de parâmetros que possam mensurar a evolução da efetividade da prestação de cuidados ao longo do tempo. Lança-se mão do uso de indicadores como ferramentas para reconhecer uma situação existente e avaliar a sua mudança conforme o tempo, através da proposta de ações de melhoria na sua execução (VIEIRA; KURCGANT, 2010). Indicadores são atributos ou variáveis capazes de representar algo que se quer medir. Não são medidas de bom ou mau desempenho, mas podem sinalizar fragilidades e oportunidades de melhorias referentes à qualidade em saúde (FARR, 2001; REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÃO PARA A SAÚDE, 2008). Os indicadores utilizados como instrumentos de monitoramento à segurança do paciente devem ser confiáveis a ponto de reproduzir os mesmos resultados quando aplicados em condições similares; devem ser válidos, ou seja, ter a capacidade de medir aquilo que realmente se pretende e devem ser apropriados no que tange a viabilidade, relevância e custo-efetividade, para 23 identificar os riscos e orientar na tomada de decisão (GAMA et al., 2016). Seus componentes são numéricos e estão associados a uma relação matemática entre o referencial e o comparativo (numerador/denominador) (VIEIRA; DETONI; BRAUM, 2006). Por medirem aspectos qualitativos e/ou quantitativos relativos à instituição, estão classificados em três tipos: os indicadores de estrutura, que estão relacionados na avaliação de recursos físicos, ambientais, humanos, materiais e financeiros da organização; os indicadores de processos, que estão voltados diretamente para avaliar os cuidados prestados aos pacientes; e os indicadores de resultados, que são demonstrações dos efeitos consequentes da combinação de fatores relacionados à estrutura e o processo, além da mensuração do grau de satisfação do usuário com relação ao serviço de saúde (DONABEDIAN, 1988). Considerando o âmbito da saúde, os indicadores constituem ferramenta essencial para avaliação dos cuidados em todos os níveis e permite produzir, por exemplo, evidências sobre as condições de saúde. Por isso, as metas propostas pela OMS e tratadas no país, através da RDC nº 36, de 25 de julho de 2013, constituem importante indicadores relacionados à saúde, e visam a orientação, redução e mitigação de riscos, com o intuito de adotar práticas mais seguras. A partir das notificações de incidentes realizadas nas instituições de saúde poderá ser gerados indicadores e a partir destes, criar a possibilidade de traçar planos e medidas pontuais a fim de reduzir a reincidência de falhas ou erros que comprometam a segurança do paciente (BEZERRA et al., 2009). 24 Portanto, notificar é uma maneira de monitorar os incidentes em saúde por meio do uso de indicadores (incidentes) que possam mensurar a situação existente e avaliar a sua mudança através de ações de melhorias (VIEIRA; KURCGANT, 2010). 2.4. Ferramentas da Qualidade para a Segurança do Paciente É sabido que o gerenciamento de problemas relacionados à saúde possibilita a redução de custos à instituição, uma vez que permite o conhecimento e, sobretudo o aprendizado a partir dos erros, prevenindo sua recorrência e ofertando um atendimento de qualidade (LEISTIKOW et al., 2017). A qualidade na saúde é definida como a aplicação sistêmica e contínua de políticas, procedimentos, condutas e recursos na identificação, comunicação e controle de riscos e eventos adversos que afetam a segurança, a saúde humana, a integridade, o meio ambiente e a imagem institucional (BRASIL, 2013b). As ferramentas da qualidade são definidas como técnicas utilizadas com a finalidade de definir, mensurar, analisar e propor soluções para os problemas que interferem no bom desempenho do trabalho (GALDINO et al., 2016). Dentre os diversos tipos de ferramentas existentes, as utilizadas em saúde, podem incluir a folha de verificação, Clico de Deming ou PDCA (Plan Do Check Act), HFMEA (Healthcare Failure Mode and Effect Analysis), Análise de Causa- Raiz (ACR) e o Protocolo de Londres. A análise de causa-raiz pode ser realizada através do Diagrama de Ishikawa, cuja técnica investiga a relação do efeito com todas as prováveis 25 causas que levaram à ocorrência de um incidente, isto é, através de uma sessão de brainstorming (tempestade de ideias) com os envolvidos, consideram-se todos os fatores causais que poderiam ter contribuindo para a ocorrência de falhas. Esta técnica, também denominada Espinha de peixe, permite elencar os fatores contribuintes de acordo com sua origem e reconhecer os diversos mecanismos envolvidos nos eventos. Entende-se por um fator contribuinte, como uma circunstância(s), ação(ões) ou influência(s) que desempenham um papel na origem ou no desenvolvimento de um incidente e/ou no aumento do risco, podendo levar a sua recorrência (TAYLOR- ADAMS; VINCENT, 2004). O Protocolo de Londres (PL) é um guia para gerenciar riscos bastante utilizados na aviação e indústrias de petróleo e nucleares, que foi adaptado para a área da saúde. A análise de investigação das falhas proposto pelo PL está embasada no modelo organizacional de acidentes da teoria do queijo suíço, na qual busca-se a reconstrução de todas as situações que resultaram no incidente com a colaboração dos envolvidos (TAYLOR-ADAMS; VINCENT, 2004). As causas dos incidentes, de acordo com o PL, estão relacionadas a fatores humanos como a falta de atenção; também relacionados ao ambiente de trabalho como um chão molhado; relacionados à equipe quando ocorre a ausência ou falha de comunicação; além de falhas institucionais, como a ausência de protocolos. Ainda podem estar relacionadas à gestão, como a falta de recursos materiais e financeiros e a fatores relacionados ao paciente como não adesão às instruções de autocuidado (Quadro1). 26 Todas elas, de alguma forma, podem contribuir para a ocorrência de incidentes em menor ou maior grau. Estas falhas e estes fatores se não barrados ou melhorados podem associar-se a outras debilidades, tornando-se visíveis por meio de prejuízos à saúde do paciente (TAYLOR-ADAMS; VINCENT, 2004). Nesse sentido, a notificação de incidentes serve como alicerce para ferramenta da qualidade, uma vez que, a partir do relato voluntário, é possível analisar condutas e investigar os tipos de falhas envolvidos, além de promoverem maior vigilância e buscarem melhorias na segurança do paciente minimizando agravos à saúde (MELCHIADES, 2016). Assim, a notificação, quando inserida em uma rotina, permite o gerenciamento de maneira apropriada dos incidentes que frequentemente ocorrem e daqueles que ainda poderão ocorrer (MICHAEL T. et al, 2011). Quadro 1. Fatores que podem contribuir para ocorrência de incidentes segundo o Protocolo de Londres TIPO DE FATOR FATOR CONTRIBUINTE OU INFLUENCIADOR Paciente Condição física e clínica (complexidade, gravidade) Comunicação e linguagem (compreensão) Fatores sociais e de personalidade como excesso de confiança, comportamento negligente, fatores emocionais Tarefa Estrutura e desenho da tarefa Disponibilidade e uso de protocolos Auxílio na tomada de decisão Clareza e estrutura da tarefa Individuais (profissional da saúde) Falta de conhecimento e habilidade, Descuido, Desatenção, Violação de rotinas e normas, Não compreensão das orientações, Competência Saúde física e mental Equipes Falha na comunicação verbal e escrita, Ausência de anotações, Informações ilegíveis (prontuário, ficha do paciente) Disponibilidade de ajuda e supervisão Estrutural (congruência, liderança, dentre outros) (Continua) 27 TIPO DE FATOR FATOR CONTRIBUINTE OU INFLUENCIADOR Ambientais e de Trabalho Nivelamento e habilidades do staff Padrões de turno, carga de trabalho Manutenção e disponibilidade de materiais e equipamentos Apoio gerencial e administrativo Área física/infraestrutura Gestão organizacional e institucional Recursos financeiros Estrutura organizacional Políticas, padrões e objetivos Cultura de segurança e prioridades Contexto regulatório e econômico Sistema de saúde Ligação com organizações externas Fonte: Adaptado de TAYLOR-ADAMS; VINCENT, 2004. 2.5. Sistema de Notificação Espontânea de Incidentes O sistema de notificação é visto como ponto de apoio ao profissional envolvido no gerenciamento de riscos, pois o relato voluntário oferece a oportunidade de identificar e conhecer os fatores contribuintes para a ocorrência de incidentes, a qual pode ser investigada através de métodos utilizados pela qualidade como, por exemplo, a análise de causa raiz (ACR) (TEIXEIRA; CASSIANI, 2014). Desta maneira, a notificação espontânea possui vários aspectos positivos, visto que é um sistema profícuo de vigilância passiva, pois permite facilidade na sua utilização. É adaptável a diferentes realidades e instituições de saúde além de possuir baixo custo de implantação e manutenção (HWANG; LEE; PARK, 2012). A OMS tem atuado bastante no que diz respeito ao estudo do sistema de notificação de incidentes para a segurança do paciente. Em 2016, lançou um modelo de informações mínimas de notificação, com o objetivo de listar itens que devem ser preenchidos para coletar informação referente aos incidentes e (Continuação do Quadro 01) 28 encorajar a prática da notificação. O modelo de informação preconizado pela OMS é considerado um conjunto mínimo de dados a serem relatados para embasar de forma significativa o processo de investigação e aprendizagem e que vem sendo atualizado constantemente, sendo que neste ano (2018), o documento intitulado “Minimal Information Model for Patient Safety Incident Reporting and Learning Systems (MIM-SP)” foi traduzido e validado para uso no Brasil (FIOCRUZ, 2018). O modelo de notificação proposto pela OMS é compatível com uma série de sistemas de notificação utilizada em todo o mundo e garante um grau de padronização na solicitação de informações adequado e adaptável a qualquer sistema já existente, podendo as instituições reunir e adicionar dados adicionais para atender as necessidades específicas (FIOCRUZ, 2018). Entretanto, o sistema de notificação padece devido ao índice elevado de subnotificações devido a sua característica voluntária, gerando desvantagens e algumas das causas que levam à subnotificação de casos estão relacionadas a fatores individuais, como culpa de estar envolvido em algum erro que culminou em dano ao paciente, sentimento de vergonha, falta de tempo para notificar, desconhecimento do fluxo de notificação, assim como obstáculos relacionados ao próprio sistema de notificação, como o formato extenso das fichas levando à dificuldade de preenchimento correto das mesmas (HWANG; LEE; PARK, 2012). Além do mais, motivos institucionais como punição e represálias frente à ocorrência de incidentes e ausência de devolutiva ao profissional que notifica explicando as condutas e os planos de ação estabelecidos, também são fatores que desestimulam a notificação pelos profissionais (CASTEL et al., 29 2015a; HOWELL et al., 2015; HWANG; LEE; PARK, 2012; MITCHELL et al., 2016; VARALLO et al., 2014). De acordo com o IOM, a ênfase na culpabilidade dos indivíduos, distancia não apenas a carência dos sistemas com o cuidado à saúde, mas também contribui para desencorajar os profissionais a relatarem os erros, uma vez que estão suscetíveis a sofrer uma série de consequências negativas (KOHN; CORRIGAN; DONALDSON, 2000). A implantação de uma cultura não punitiva nas instituições de saúde, cujo foco está em procurar falhas e propor soluções, é uma das principais estratégias propostas por organizações que têm como missão a melhoria da qualidade da assistência em saúde. Com esse enfoque, o registro anônimo de incidentes e erros são considerados ação fundamental para a obtenção de informações que subsidiem medidas pró-ativas a fim de minimizar a ocorrência de incidentes e aprender com os próprios erros (CLARO et al., 2011). 2.6. A notificação de incidentes e medidas para promovê-las A existência de uma cultura de segurança em uma instituição de saúde é pré-requisito para o sucesso de uma cultura de notificação. Por sua vez, o bom funcionamento de um sistema de notificação contribui para promover ainda mais a cultura de segurança hospitalar, portanto a eficácia de um sistema de notificação está diretamente relacionada com a cultura de segurança (MIRA et al., 2013). A cultura de notificação requer um compromisso organizacional na qual deve haver o preparo e encorajamento para realizarem a notificação de eventos ou quase eventos, estabelecendo em um ambiente propício a receber 30 e avaliar as notificações sem punições (REASON, 2000). É considerada um dos quatro atributos que fazem parte da cultura de segurança, os demais atributos referem-se ao aprendizado, flexibilidade e à cultura justa (FLEMONS; MCRAE, 2012). A flexibilidade é a capacidade da instituição de saúde se reconfigurar diante de determinados perigos. É saber lidar com erros e propor soluções adequadas. O aprendizado se dá a partir desses erros, onde se concentra a etapa da avaliação de dados de segurança e o desenvolvimento de estratégias efetivas para minimizá-los (FLEMONS; MCRAE, 2012). A cultura justa está inserida na cultura de segurança a partir do momento que se cria um ambiente de confiança para que as notificações de incidentes ocorram como um hábito, com pessoas motivadas a notificarem os eventos, porém com a consciência do que é aceitável ou não. Além disto, a cultura justa visa reconhecer os erros como falhas sistemáticas e não falhas individuais, embora não se exima a responsabilidade pelo profissional, em manter boa conduta ou ser responsável pelos seus atos (SAMMER et al., 2010). Desta maneira, as buscas pelas causas dos incidentes devem deixar de ser centradas no modelo pessoal como o único fator responsável pelo erro; mais do que buscar culpados, há a necessidade de averiguar falhas e fragilidades em nível sistêmico (TAYLOR-ADAMS; VINCENT, 2004). O princípio dessa premissa está centrado na teoria do queijo suíço, que quando visto por fora, o queijo aparenta ser liso por estar inteiro, e sem defeitos, no entanto, ao ser fatiado, notam-se inúmeros orifícios. Desta forma os orifícios se alinham e faz com que haja uma perpetuação dos erros (MOUMTZOGLOU, 2010). 31 Portanto, proporcionar um ambiente favorável ao relato de incidentes, assegurar a imparcialidade para quem notifica, sem julgamentos prévios e livre de medidas punitivas para quem comete erros, incentiva os profissionais a serem responsáveis pelos seus atos e capacita-os para a tomada de decisão motivando-os para a realização da notificação com maior frequência (SAMMER et al., 2010). Cabe ressaltar ainda que a notificação, bem como a responsabilidade pela ocorrência do incidente, deve ser tratada transversalmente, de modo que todos os membros da equipe possam estar sensibilizados a relatar sua participação no evento de forma a traçar estratégias para redução de danos e mitigar riscos, considerando o foco na segurança do paciente (PINILLA-ROA, 2013). Deste modo é importante que os estabelecimentos de saúde desenvolvam estratégias que visem à melhoria dos processos nos serviços ofertados e principalmente que estimulem a cultura de notificação de incidentes. Nesse sentido, faz-se necessária à elaboração de capacitações profissionais e educação continuada como meios de disseminar a cultura de notificação em ambiente hospitalar e melhorar a segurança do paciente (RODRIGUES; CARVALHO, 2017). 2.7. Ações educativas para notificação de incidentes no âmbito da saúde Devido a grande demanda nos serviços de saúde e diversificada gama de profissionais que atuam nesses centros, há uma necessidade de coordenação eficaz na atenção à saúde a partir da colaboração da equipe multiprofissional. As profissões envolvidas no cuidado à saúde necessitam de 32 capacitações e treinamentos constantes para desenvolver atitudes, conhecimentos e habilidades, fortalecendo atos seguros e de qualidade (REEVES, 2016). Acerca da cultura de notificações de incidentes, o propósito da educação em saúde para profissionais da área é contribuir com a aquisição e o aprimoramento de competências quanto á realização da notificação, pois são passíveis de aprendizado através de treinamentos. As competências profissionais e comportamentais a serem desenvolvidas a partir das IEs estão compostas por três tipos de domínios, dos quais, o conhecimento, a habilidade e a atitude (CHA) que se combinam de forma integrada e conduzem a um desempenho adequado e oportuno em diversos contextos (ODELIUS et al., 2016). O conceito de competências no âmbito da saúde refere-se às características dos profissionais ao executarem as suas tarefas com vistas a um desempenho exitoso. É definido como um conjunto de elementos e experiências necessárias para desempenhar funções (CONEJERO et al., 2013). Logo, os três domínios (CHA) de forma complementar, conduzem a um desempenho profissional, expressos pelas características comportamentais que o individuo possui e demonstra ter na realização de suas atividades e desenvolvimento de suas ações, que poderão ser mensurados através de resultados (FLEURY, 2001; GALDEANO, 2010). A tríade, conhecimento-habilidade-atitude está baseada na pirâmide de Miller, modelo proposto para avaliar competências no âmbito da saúde, utilizada desde a década de 90 (MILLER, 1990). 33 Figura 1. Adaptado de Miller, 1990. A Figura 1 mostra as etapas para o desenvolvimento de competências, em que as duas primeiras etapas estão relacionadas ao domínio cognitivo do profissional, já a habilidade ocupa a terceira posição na pirâmide e relaciona-se ao domínio psicomotor, a última etapa está vinculada ao comportamento, a atitude está relacionada ao domínio afetivo e envolve crenças e valores intrínsecos do indivíduo que podem direcionar ou influenciar na tomada de suas decisões e nas escolhas de suas ações (ODELIUS et al., 2016). Na educação baseada em competências é importante estabelecer e especificar os níveis alcançados para avaliar o desempenho dos indivíduos. De acordo com o modelo proposto por Miller, a base, que é “o saber” e “saber como” demonstra que o indivíduo possui certa experiência teórica, apenas. O nível “mostra como faz”, refere-se ao comportamento enquanto que o “fazer” relaciona-se diretamente com a pratica no seu local de trabalho (PARK, 2015). O principal objeto de estudo com relação ao conhecimento é mensurar o quanto foi aprendido ou o que se espera que os profissionais saibam antes e Mostra como faz HABILIDADE Sabe Sabe como faz Faz Prática Teoria CONHECIMENTO ATITUDE 34 depois do processo educativo, isso vai ao encontro da taxonomia de Bloom (GALHARDI; AZEVEDO, 2013). O princípio da taxonomia de Bloom é que o conhecimento seja alcançado através de um nível hierárquico, partindo do conhecimento mais simples ao de maior complexidade, realizada de forma sucessiva, de modo que o conhecimento em um determinado nível deve ser dominado antes que o próximo nível de aprendizado seja alcançado (GALHARDI; AZEVEDO, 2013). Isso significa que, para adquirir uma nova habilidade, o indivíduo deve ter dominado e adquirido o conhecimento do nível anterior, pois só após esses feito poderá compreendê-lo e aplica-lo. Segundo a taxonomia de Bloom, no domínio cognitivo, os objetivos educacionais focam a aprendizagem de conhecimentos, desde a recordação e compreensão de algo estudado até a capacidade de aplica-lo. No domínio psicomotor, os objetivos educacionais compreendem as habilidades motoras e no domínio afetivo, os objetivos dão ênfase aos sentimentos, valores, aceitação ou rejeição de algo (TREVISAN; AMARAL, 2016). Referente à cultura de notificações de incidentes, o profissional precisa saber reconhecer um incidente e saber classifica-lo, assim como saber o que pode ser notificado, quem pode realizar a notificação, saber quais os itens que devem ser preenchidos na ficha de notificação e saber o que é feito com a notificação depois de feita, ou seja, saber como funciona o sistema de notificação da sua instituição como um todo, adquirindo assim o conhecimento (o saber). Sobretudo, o profissional da saúde também precisa saber colocar em prática o seu conhecimento, ou seja, desenvolver habilidade em notificar. No 35 que tange às notificações de incidentes, o profissional deve saber realizar uma notificação, preenchendo de forma adequada os itens que correspondem à ficha de notificação (CAPUCHO; ARNAS; CASSIANI, 2013). No caso de um sistema de notificação manual, a escolha do formulário correto para relatar o caso é muito importante, pois nem sempre todas as notificações são direcionadas aos mesmos departamentos ou pessoas para análise, fato que pode resultar em morosidade da investigação do caso ou até o extravio da ficha de notificação (CAPUCHO; ARNAS; CASSIANI, 2013). Estudos previamente realizados no contexto de se avaliar conhecimentos, habilidades e atitudes a partir de IEs, com o intuito de promover notificações de eventos principalmente relacionadas à farmacovigilância, resultaram em desfechos tais como: acréscimo do conhecimento sobre o que é notificação e do funcionamento do sistema como um todo (ABU FARHA et al., 2018; STEEN et al., 2017); aumento da habilidade, isto é, demonstrar como se notifica, resultando na melhora da qualidade do relato (JOHANSSON; HÄGG; WALLERSTEDT, 2011; RIDELBERG et al., 2016) e aumento da atitude, evidenciada pela frequência crescente do número absoluto ou taxa de notificação (FANG et al., 2017; JHA et al., 2017). As IEs, portanto, podem impactar na cultura de notificações, uma vez que tendem a agregar conhecimentos, desenvolver habilidades e sensibilizar os profissionais quanto à realização do relato de incidentes (ONTARIO, 2017). No entanto para que as IEs sejam efetivas e bem sucedidas, recomenda-se que estas sejam realizadas de forma combinada com outras ações, devem ser de curta duração e deverão ser trabalhadas dinamicamente entre os grupos, de 36 forma que os profissionais não sejam simples receptores passivos de informações (OMS, 2016). A dinâmica entre equipes ou grupos, descrevem as interações que ocorrem com vistas à comunicação, cooperação e tomada de decisões. Portanto, quanto mais dinâmica for a atividade, mais provável será seu impacto no que se refere à aprendizagem (WHO, 2009). Algumas revisões argumentam que as estratégias mais eficazes são aquelas com componentes múltiplos (multifacetadas), quando comparados ao uso de uma única estratégia (PAGOTTO; VARALLO; MASTROIANNI, 2013). Nesse sentido, as intervenções multifacetadas, que envolvem mais de uma prática ou atividade, podem indicar maior probabilidade de melhorar a prática clínica, do que intervenções únicas (BOAZ; BAEZA; FRASER, 2011). As intervenções multifacetadas podem incluir ações educacionais com elaboração e distribuição de material educativo (GIGUÈRE et al., 2015), uso de lembretes ou brindes (CAPUCHO; PRIMO, 2011), dentre outros. Cabe ressaltar que, para atingir os resultados pretendidos, as ações educativas também devem ser adaptadas levando em conta as diferentes categorias profissionais (PFEIFFER; MANSER; WEHNER, 2010), pois cada categoria responde diferentemente de acordo com o tipo de intervenção (BOAZ; BAEZA; FRASER, 2011). Portanto, é importante avaliar a efetividade de uma IE para profissionais da saúde a fim de identificar se as metas foram alcançadas, deste modo, a efetividade é uma característica relevante nas práticas de saúde (OLIVEIRA, N. F.; GONÇALVES, 2010). 37 O modelo de avalição da efetividade de treinamentos, amplamente utilizado principalmente em organizações empresariais está embasado na proposta de Donald Kirkpatrick (KIRKPATRICK, 2018), que estabeleceu quatro níveis de avaliação da efetividade. Dentre eles, no primeiro nível contém a avaliação da reação, que mede o grau de satisfação e opinião do participante sobre aspectos do treinamento. O resultado desse primeiro nível é considerado o mais superficial do treinamento, pois uma reação positiva não garante o aprendizado (ABBAD; GAMA; BORGES-ANDRADE, 2000; MIZOI, 2010). O segundo nível do modelo é avaliação de aprendizagem, que mede o quanto foi aprendido. O aprendizado está pautado na obtenção de conhecimentos, habilidade e atitudes (CHA) antes e depois da ação educativa e a forma de quantificar ou mensurar resultados de aprendizado é a utilização de questionários, testes, lista de verificação, entrevistas estruturadas (MIZOI, 2010). O terceiro nível é a avaliação do comportamento, esta é medida pela aplicação do aprendizado através da mudança de comportamento e pode ser verificada imediatamente ou alguns meses depois do término da atividade educativa. Já o último nível é a avaliação do resultado, mede o efeito sobre o serviço ou ambiente de trabalho, resultante da melhoria do desempenho do profissional (MIRA et al., 2011). Embora seja recomendada a utilização do modelo proposto por Kirkpatrick em programas de educação (OBRELI-NETO et al., 2016), os modelos mais praticados na área da saúde são as avaliações de aprendizado e de reação, 38 embora se acredite que esta última avaliação seja pouco útil como preditoras de aprendizagem (ABBAD; GAMA; BORGES-ANDRADE, 2000). 2.8 O papel da educação permanente e a notificação de incidentes em saúde A Política de Educação Permanente em Saúde (PEPS) foi instituída em 2004 e visa promover mudanças nos processos de formação e desenvolvimento dos trabalhadores de saúde, com base na problematização da realidade e na busca por soluções e melhorias no processo do cuidado (BRASIL, 2004). Entende-se como educação permanente, a aprendizagem no trabalho a partir de problemas enfrentados diariamente e levam em consideração os conhecimentos e experiências que os profissionais já possuem. Os processos de educação permanente em saúde têm como objetivos as transformações das práticas dos profissionais e da própria organização de saúde, orientado para a melhoria dos serviços em saúde (MORAES; DYTZ, 2015). Em vista dos erros cometidos pelos profissionais de saúde, mesmo que não intencionais, há uma necessidade crescente no investimento da educação em saúde voltados para esses profissionais (BOGARIN et al., 2014). A falta da inclusão e discussão sobre eventuais erros que resulte em danos ao paciente e que comprometa a competência do profissional, durante a a formação profissional é muito escassa (BOHOMOL; FREITAS; CUNHA, 2016). Embora exista uma portaria no Brasil desde 2013 (BRASIL, 2013a) que fomente a inclusão do tema da segurança do paciente nos cursos tecnicistas e 39 superiores da área da saúde, percebe-se que prevalece um disnível e lacunas de conhecimentos acerca do tema, aliado às poucas práticas e interesses próprios das instituições educativas que fazem com que o assunto não seja discutido e divulgado amplamente em todos os cursos da área da saúde (BOHOMOL; FREITAS; CUNHA, 2016; OLIVEIRA et al., 2017). Nesse sentido, o papel da educação permamente em saúde centra-se no aprimoramento de métodos educativos que alcançem não somente seus objetivos com eficácia mas que seja capaz de alcançar todos os níveis e categorias profisionais com intuito de promover de forma articulada, a partir de projetos político-pedagógicos, mas o desenvolvimento de capacidade resolutiva e trasformação das práticas de saúde entre os trabalhadores, com a perspectiva de assegurar o cuidado em saúde (PEIXOTO et al., 2013). Desta forma, pressupõe-se que a educação permanente possa contribuir para transformação da prática das notificações de incidentes através da aprendizagem social e participativa, que busca entender e melhorar as práticas assistenciais no sistema de saúde. Diante do exposto, justifica-se o objetivo do presente estudo conforme apresentado a seguir. 40 3. OBJETIVOS Gerais: Avaliar a efetividade da intervenção educativa sobre aquisição de conhecimento, habilidade e atitude dos profissionais da saúde para a promoção da notificação de incidentes em saúde. Específicos: - Comparar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre notificação de incidentes, antes e depois da IE; - Avaliar a habilidade dos profissionais de saúde quanto ao preenchimento da ficha de notificação de incidentes, antes e depois da IE; - Mensurar a atitude dos profissionais de saúde quanto ao ato de notificar os incidentes, antes e depois da IE. 41 4. METODOLOGIA Tipo de estudo O estudo realizado foi do tipo experimental, aberto, não randomizado, com grupo único de comparação, antes e depois. Local do estudo A IE foi conduzida no Hospital Estadual Américo Brasiliense (HEAB), próximo da cidade de Araraquara, região localizada no interior do estado de São Paulo. O Hospital Estadual Américo Brasiliense é uma instituição pública, de média complexidade com capacidade para 94 leitos. É um hospital referência que atende 23 municípios do Departamento Regional de saúde III (DRS III) e 26 municípios do Departamento Regional de Saúde XIII (DRS XIII), nas seguintes especialidades: geriatria, neurologia, clínica médica, infectologia e unidade de terapia intensiva adulta. Com relação às especialidades cirúrgicas são atendidos casos de nefrologia/urologia, oftalmologia, ortopedia/traumatologia, gastroenterologia, cirúrgica geral, torácica, otorrinolaringologia, plástica e ginecologia. Atualmente conta com 391 profissionais da área assistencial. A equipe de enfermagem está composta por 54 enfermeiros, 213 técnicos de enfermagem e 3 gestores (UTI/Enfermaria) Centro Cirúrgico). Fazem parte também da equipe assistencial, 4 fonoaudiólogos, 4 farmacêuticos, 4 assistentes sociais, 4 psicólogos, 3 nutricionistas, 2 terapeutas ocupacionais, 12 fisioterapeutas e 2 gestoras. 42 A equipe médica está composta por médicos da UTI, enfermaria e do ambulatório de especialidades. Além da equipe assistencial, o hospital ainda conta com uma gerente de enfermagem, uma gerente e uma enfermeira da qualidade, uma enfermeira do risco, duas enfermeiras da CCIH (Comissão de Controle de Infecções Hospitalar), uma enfermeira e uma farmacêutica da Educação Permanente. Os turnos de trabalho estão divididos em matutino (07:00 h às 13:00 h), vespertino (13:00 h às 19:00 h), noturno (19:00 h às 07:00 h) e integral (07:00 h às 16:00 h ou das 08:00 h às 17:00 h). Os profissionais com carga horária de 6 horas são divididos por escala de trabalho, e o período noturno adota o regime de escala 12x36 com três folgas ao mês. Participantes Consideraram-se aptos a participar da IE todos os profissionais de saúde que atuavam na área assistencial, dentre eles, médicos, farmacêuticos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem e/ou farmácia, equipe multidisciplinar composta por: assistentes sociais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, e terapeutas ocupacionais. No período do presente estudo, havia 391 profissionais assistenciais contratados no Hospital Estadual Américo Brasiliense (HEAB). Critérios de Elegibilidade para participação da intervenção educativa 43 Inclusão: Profissionais da saúde com atuação na área assistencial das dependências do hospital durante o período da intervenção, nos turnos integral, matutino, vespertino e noturno, não havendo distinção da categoria profissional, gênero, idade, tempo de serviço e vínculo empregatício em outras instituições. Exclusão: Profissionais em licença saúde ou afastamento por outros motivos que ultrapassasse o período da intervenção (três meses), residentes e estagiários. Também foram excluídos da tabulação de resultados, os profissionais da saúde que tenham faltado em pelo menos um módulo da IE, além daqueles profissionais que não tenham respondido o questionário depois da IE. Aspectos éticos A pesquisa foi aprovada em 5 de outubro de 2017 pelo Comitê de Ética de Pesquisa em humanos (CEP) da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP (nº CAAE 70794717.9.0000.5426) (Anexo 1), mediante a anuência da diretoria do Hospital Estadual Américo Brasiliense para a realização do estudo (Anexo 2). Foi solicitada a dispensa do Termo Livre e Esclarecido (TCLE) pelo CEP e foi aprovado. De acordo com o prazo estabelecido pelo comitê de ética para a entrega do relatório final (junho de 2018), o mesmo foi submetido em 19 de junho de 2018 e aprovado em 08 de novembro do mesmo ano. 44 Registro do estudo O estudo foi registrado na plataforma do Ministério da Saúde, REBEC (Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos), cujo identificador é RBR-6bxq36. Etapas do estudo Fizeram parte do estudo as etapas de adaptação da IE, a aprovação pela diretoria da HEAB e do CEP, a divulgação da IE na instituição hospitalar, a contagem do número de notificações bem como a avaliação do preenchimento dessas e a realização da IE propriamente dita (Figura 2). 45 ETAPAS DESCRIÇÃO DAS ETAPAS 1ª Adaptação da IE Autorização do estudo pelo HEAB Divulgação do estudo aos gestores do HEAB Autorização do estudo pelo CEP Quantificação das notificações antes da IE 2ª Condução da intervenção educativa (módulos I,II,II,IV) Correção dos questionários iniciais 3ª Reaplicação do questionário depois de 45 dias do término da intervenção Quantificação das notificações referente ao período durante a IE Correção dos questionários depois da IE 4ª Quantificação das notificações depois da IE Análise das notificações físicas referente aos momentos antes, durante e depois da intervenção educativa junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro janeiro fevereiro março abril 2017 2018 Linha do tempo ETAPAS DO ESTUDO Figura 2. Descrição das etapas do estudo sobre intervenção educativa conduzida no Hospital Estadual Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. 46 Delineamento experimental da Intervenção Educativa A IE para promoção da cultura de notificação de incidentes em saúde ocorreu em um período de três meses, de outubro a dezembro de 2017, composta por quatro módulos (encontros) com duração de 60 minutos cada. A IE estava baseada em estudos realizados anteriormente e conduzido no mesmo local, que tinha por objetivo comparar conhecimento, habilidade e atitude dos profissionais da saúde sobre notificações relacionadas à farmacovigilância da instituição (VARALLO; PLANETA; MASTROIANNI, 2017). Estudos que propõem ações de educação em saúde têm sido considerados relevantes para identificar se as metas estabelecidas por suas instituições estão sendo alcançadas, deste modo avaliá-las é um modo de produzir informações capazes de verificar dificuldades e modificar as práticas diárias nos centros de saúde (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2010). A realização da avaliação antes e depois é importante para comparar a fim de identificar e determinar o que os participantes estão fazendo diferente (MIZOI, 2010). Diante disso o propósito da IE foi de mensurar o conhecimento basal sobre o que os profissionais sabem e fazem a respeito das notificações de incidentes e compara-los com o momento posterior à intervenção, além de verificar se a IE foi efetiva para a mudança de comportamento frente à realização das notificações. Conteúdo da IE 47 Para mensurar a aplicabilidade da IE aos profissionais do HEAB, foi realizado um pré-treinamento nos meses de junho e julho de 2017 com alunos da graduação da faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp com a finalidade de adaptação e adequação da IE. O pré-treinamento foi conduzido pela pesquisadora principal, sob a supervisão da docente-orientadora e da co- orientadora, farmacêutica clínica atuante na educação permanente do HEAB. Após os ajustes realizados, a IE estava composta conforme segue (Apêndice C): Módulo I Consistiu na aplicação de questionário (Apêndice A) antes do início da aula expositiva, com o intuito de mensurar o conhecimento e a habilidade basal dos profissionais da saúde referente à cultura da notificação de incidentes. O questionário de perguntas abertas estava composto por: - Dados demográficos do profissional (iniciais do nome, gênero, profissão, ano de graduação, se cursou pós-graduação, tempo de serviço na instituição, tempo de serviço no atual setor/unidade da instituição, atuação em outros serviços concomitantemente) - Um caso clínico que tratava de incidentes ocorridos na instituição e que seriam abordados durante a IE - Onze perguntas relacionadas ao conhecimento sobre notificação bem como sobre o caso clínico 48 - Uma questão referente à atitude do profissional para identificar se o profissional já tinha realizado notificado alguma vez no período em que estava trabalhando - Uma questão de escrita livre, para registrar qualquer comentário, sugestões, críticas, elogios, dentre outros. Para elaboração do questionário, foi realizado levantamento bibliográfico e consultado as recomendações da ANVISA (ANVISA, 2015) e OMS (WHO, 2009) referente ao tema de notificações e segurança do paciente. Com relação às perguntas contidas no questionário utilizaram-se referências de outros trabalhos sobre notificação em farmacovigilância e segurança do paciente que utilizaram questionários validados (MILAGRES, 2015; TEIXEIRA, 2012; VARALLO; PLANETA; MASTROIANNI, 2017). Após o término do preenchimento do questionário pelos profissionais, deu-se início a aula expositiva, cujos temas foram: - Taxonomia e definições dos possíveis incidentes definidos pela OMS (“quase erro”, incidente com dano, incidente sem dano, circunstância de risco e graus de danos); - Conceitos e exemplos de incidentes que podem ser notificados, considerando as metas da OMS, das quais: reduzir risco de quedas, reduzir risco de infecções associados aos cuidados em saúde, assegurar cirurgias segura, melhorar segurança de medicamentos principalmente aqueles de alta vigilância, melhorar a comunicação efetiva e identificar os pacientes corretamente; - Apresentação da legislação que trata das notificações de incidentes e segurança do paciente, portaria MS nº 529 que rege o Programa Nacional de 49 Segurança do Paciente de 1º de Abril de 2013 e RDC nº 36 de Julho de 2013, ressaltando a importância da notificação; - Explicação sobre o sistema de notificação, como, o quê, quando e quem pode notificar os incidentes; - Definição de cultura de notificação e suas principais características (voluntária, não punitiva, confidencial); - Benefícios e melhorias alcançadas através da prática da notificação; - Contextualização sobre segurança do paciente, sua definição e o como as notificações impactam na cultura de segurança. Módulos II e III Conduziu-se uma dinâmica de grupo com os profissionais de saúde com o intuito de desenvolver habilidades relacionadas à identificação de incidentes e aos fatores que poderiam contribuir para ocorrência destes. O propósito destes módulos era de que os profissionais reconhecessem um incidente e descrevessem de forma adequada no formulário de notificação, melhorando o relato de incidentes. Os incidentes trabalhados conforme metas da OMS foram: quedas, flebite, lesão por pressão adquirida na instituição e de origem externa, eventos cirúrgicos, identificação correta do paciente, perda de dispositivos invasivos, reação adversa ao medicamento, desvio da qualidade do medicamento e erros de medicação, como erros de prescrição, distribuição, preparo e de administração (Quadro 2). Utilizou-se uma ferramenta da qualidade para a dinâmica com os profissionais, que foi a análise de causa raiz para investigação de incidentes, 50 através do método conhecido por Espinha de peixe, além do uso do PL, visto que estes instrumentos já são utilizados pelo gerenciamento de riscos da instituição. O propósito de trabalhar com as ferramentas usualmente utilizadas na instituição foi de aproximar, inserir e reconhecer a importância que os profissionais têm no processo de gerenciamento de riscos através da notificação de incidentes realizadas por eles em suas rotinas diárias. Assim, houve apresentação de casos clínicos reais ocorridos na instituição para trabalhar os incidentes na dinâmica. Para cada caso clínico apresentado, os profissionais deveriam reconhecer o tipo de incidente e elencar os fatores contribuintes envolvidos para sua ocorrência e citar medidas preventivas para que o incidente não ocorra. A aula expositiva com linguagem simples permitiu maior interação e participação dos profissionais a qualquer momento na dinâmica de grupo. Quadro 2. Descrição dos incidentes abordados na intervenção educativa. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. INCIDENTES ASSITENCIAIS DESCRIÇÃO Quedas Multifatorial, podendo ocorrer da própria altura, do leito, da poltrona, por efeito de medicamento ou inerente às características do paciente Flebite Inflamação da rede venosa ou arterial provocado mecanicamente, por uso de medicamentos veisicantes/irritantes ou devido à infecção bacteriana Lesão por Pressão Adquirida Adquirida na instituição, é uma lesão localizada na pele ou tecido subjacente, geralmente em proeminência óssea, como resultado de pressão ou combinado por atrito na região Lesão por Pressão de Origem Adquirida fora da instituição de saúde, é uma lesão localizada na pele ou tecido subjacente, geralmente em proeminência óssea, como resultado de pressão ou combinado por atrito na região Eventos Cirúrgicos Reabordagens, complicações, eventos anestésicos, checklist de cirurgia segura, relacionados à demarcação lateralidade, falta de instrumentos e processos administrativos, agendamento, preparo (Continua) 51 INCIDENTES ASSISTENCIAIS DESCRIÇÃO Identificação correta do paciente Corresponde à troca de nomes e de registro em documentação, como prescrição, ficha de exame, prontuário, pulseira falta de identificação em documentação do paciente Perda de dispositivos invasivos Incluem a perda de sonda nasoentérica (SNE), sonda vesical de demora (SVD) e tubo orotraqueal (TOT) Reação Adversa a Medicamento (RAM) Evento nocivo e não intencional que ocorre devido à utilização de medicamento em dose normalmente usadas em humanos para finalidade terapêutica, profilática ou diagnóstica Desvio da Qualidade do Medicamento (DQM) Afastamento dos parâmetros de qualidade pré-estabelecidos pela fabricante Erros de Medicação (EM) Envolve erros nas etapas da cadeia medicamentosa: prescrição, distribuição, preparo e administração de medicamentos Módulo IV O tema apresentado foi referente ao fluxo e ao sistema de notificação utilizado no hospital estadual Américo Brasiliense, além da explanação de como preencher a ficha de notificação de incidentes, considerando os critérios mínimos e imprescindíveis que devem constar na ficha de notificação, de acordo com Agência Nacional de Vigilância Sanitária e baseada na Classificação Internacional para Segurança do Paciente da Organização Mundial da Saúde (ANVISA, 2015; WHO, 2009). Para tal foi reapresentado o mesmo caso clínico constante no questionário, a qual os profissionais deveriam apontar os itens que deveriam ser descritos na ficha de notificação. Também foram realizadas discussões acerca do tema com esclarecimento de dúvidas e para o encerramento do curso (intervenção Fonte: OMS, 2004; RDC nº 36, 2013. (Continuação do Quadro 02) 52 educativa) foi apresentado vídeo sobre segurança do paciente disponível no site do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP). Após 45 dias do término do último módulo (IV) da IE, reaplicou-se o mesmo questionário aos profissionais da saúde como forma de avaliar o desempenho quanto à IE em dois momentos, antes e depois. Para isso, foi solicitada a presença dos profissionais à coordenação pela pesquisadora, a qual os reuniu em pequenas salas de reuniões, preferencialmente próximas aos seus postos de trabalho, para aplicação do questionário. A reaplicação de testes ou questionários espaçados ao longo do tempo faz com que ocorra a redução do viés de memória e promova melhora na retenção de informação (LARSEN; BUTLER; ROEDIGER, 2008; PASTURA,; SANTORO-LOPES, 2013). O viés de memória está relacionado ao efeito da recenticidade, na qual a memória do profissional está associada a fatos recentes, ou seja, se aplicado o questionário logo após o término do curso, pode ocorrer uma tendência do profissional responder as questões de forma assertiva, visto que as informações foram passadas recentemente (PASTURA; SANTORO-LOPES, 2013). O uso de questionários ou avaliações aplicados em um espaçamento de tempo após a apresentação de uma aula expositiva ou palestras possui efeitos diretos no aprendizado, uma vez que estudos em educação médica descrevem que depois de os alunos ouvirem uma explicação sobre determinado tema e respondem às perguntas referentes ao assunto apresentado fornece maior retenção de conhecimento do que se os alunos estudassem de forma aprofundada o assunto depois da explicação dada (LARSEN; BUTLER; ROEDIGER, 2008). 53 O armazenamento de informações na memória a longo prazo, que é a fase de retenção na aprendizagem, pode ser recuperada facilmente com um pequeno estímulo, pois a retenção do aprendizado relaciona-se com a “ativação” de informações já processadas e consolidadas, quando há esforço em recuperá-las (MIZOI, 2010; RUEDA; SISTO, 2009). Materiais e recursos utilizados na IE Para a realização da IE foi necessária a utilização de retroprojetor, pois todos os módulos (I, II, III e IV) foram apresentados através de slides. Também foi utilizada a ficha de notificação de incidentes assistenciais do HEAB, disponibilizada pelo gerenciamento de risco da instituição (Anexo 3). Para dar encerramento à IE, no último módulo foi apresentado aos profissionais um vídeo sobre eventos adversos e segurança do paciente, do Instituto Brasileiro para a Segurança do Paciente, IBSP, disponível no site: https://www.segurancadopaciente.com.br/servicos/. Programação da IE - Período e método de recrutamento Após a autorização da pesquisa pela direção do HEAB (agosto de 2017), realizou-se uma breve apresentação do estudo aos gestores do hospital (farmácia, enfermaria, UTI, centro cirúrgico, equipe multidisciplinar) com o objetivo de explicar o tema da intervenção, esclarecer seus objetivos e os https://www.segurancadopaciente.com.br/servicos/ 54 resultados esperados, além de divulgar o curso entre os profissionais da instituição. Com a finalidade de recrutar maior número de profissionais possíveis e sem prejudicar a assistência aos pacientes hospitalizados, foi apresentado um modelo de cronograma aos gestores de cada área, a qual foi adequada à necessidade de cada setor e assim elaborada um cronograma real para execução da mesma, com o auxílio dos gestores. Após a autorização da pesquisa pelo CEP, ocorreu a alocação dos profissionais para a participação na IE, realizada pela pesquisadora junto aos gestores/coordenadores que, de acordo com a escala de trabalho dos profissionais, foram disponibilizados os nomes dos participantes e definiram-se os dias e horários de participação de cada profissional na IE. Portanto, deu-se seguimento a alocação por conveniência dos profissionais recrutados, respeitando o turno de trabalho de cada um deles, ou seja, o profissional não teve que despender tempo além do expediente para realizar o curso, visto que a intervenção foi realizada no período laboral. Não houve limite de participação pré-estabelecido com relação ao número de profissionais nos módulos. Foi preconizado unicamente que o profissional respeitasse a sequência dos módulos assistidos. Com uma semana de antecedência à IE, foi entregue, pessoalmente, a todos os profissionais recrutados, uma carta-convite contendo os dias e os horários a qual foram escalados para participarem da IE (Apêndice B). Os dois primeiros meses foram designados aos profissionais dos turnos matutinos e vespertinos devido à maior quantidade e o último mês foi realizado para os profissionais que trabalhavam no período noturno. Os quatros módulos 55 que contemplaram a IE foram promovidos em dias alternados devido às folgas dos profissionais durante a semana, portanto a conclusão da intervenção correu em duas semanas. Pensando na maior adesão do profissional na intervenção foi oferecido um dia da semana, às sextas-feiras para reposição de algum módulo em caso de perda. Como a IE era de interesse institucional no que se refere à capacitação profissional, durante os dois meses em que a intervenção ocorreu, para os colaboradores dos turnos da manhã e tarde, houve a precaução por parte do setor de educação permanente em não agendar outros treinamentos e capacitações que pudessem ocorrer concomitantemente nos mesmos dias e horários da intervenção. Entendeu-se que desta forma não haveria prejuízo para outras atividades do hospital e nem para o presente estudo, no que diz respeito à quantidade de participantes. Em todos os módulos, cada participante foi convidado a assinar duas listas de presença, uma da pesquisadora e outra da instituição, a fim de garantir o controle das frequências nos módulos e posteriormente beneficiá-los com certificados de participação e conclusão do curso, motivando-os, dessa forma, o compromisso com cada encontro da intervenção. Os horários estabelecidos para a realização dos módulos da IE, pelos coordenadores em comum acordo com a pesquisadora, bem como a distribuição dos módulos durante as duas semanas são apresentados a seguir: 56 Quadro 3. Distribuição dos módulos da intervenção educativa conforme dias, horários e turmas. Américo Brasiliense – SP (Brasil), 2017. 1ª SEMANA DA INTERVENÇÃO EDUCATIVA Turmas Horários 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira M1 10:00 às 11:00 Módulo I Módulo I Módulo II Módulo II Reposição T1 14:00 às 15:00 Módulo I Módulo I Módulo II Módulo II Reposição T2 16:00 às 17:00 Módulo I Módulo I Módulo II Módulo II Reposição N1 23:00 às 00:00 Módulo I Módulo I Módulo II Módulo II Reposição N2 00:00 às 01:00 Módulo I Módulo I Módulo II Módulo II Reposição 2ª SEMANA DA INTERVENÇÃO EDUCATIVA Turmas Horários 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira M1 10:00 às 11:00 Módulo III Módulo III Módulo IV Módulo IV Reposição T1 14:00 às 15:00 Módulo III Módulo III Módulo IV Módulo IV Reposição T2 16:00 às 17:00 Módulo III Módulo III Módulo IV Módulo IV Reposição N1 23:00 às 00:00 Módulo III Módulo III Módulo IV Módulo IV Reposição N2 00:00 às 01:00 Módulo III Módulo III Módulo IV Módulo IV Reposição Aplicação da IE aos profissionais da saúde Todos os módulos da IE foram conduzidos pela pesquisadora principal com supervisão da farmacêutica do setor de educação permanente (EP) da instituição, realizada em salas de reuniões previamente agendadas. Foi dada a devida atenção para que o curso seja sempre no mesmo local, com a finalidade de que não houvesse desgaste dos colaboradores participantes em procurar qual seria o local da IE, garantindo assim menor evasão dos mesmos. Turmas formadas para participação na IE M1: manhã 1; T1: tarde 1; T2: tarde 2; N1: Noturno 1; N2: Noturno 2 57 O questionário utilizado na IE estava baseado em estudos anteriores (VARALLO; PLANETA; MASTROIANNI, 2017; MILAGRES, 2015), nos quais foi observada um ganho de conhecimento entre os participantes da pesquisa. Com relação ao tempo de preenchimento dos questionários aplicados nos momentos antes e depois da IE, não foi determinado um tempo para responder o mesmo, visto que, se fosse estipulado, este fator poderia ter influenciado na resposta, uma vez que o profissional poderia se sentir pressionado a terminar em um tempo estabelecido. Também, foi vedada a consulta de qualquer material para responder às questões. Mudanças planejadas e não planejadas na IE Não houve mudanças planejadas na IE, embora tenha ocorrido alteração não planejada do horário e das turmas formadas para o período da manhã. Inicialmente, foram propostos dois horários para cada turno de trabalho (manhã, tarde e noite) para a participação dos profissionais na intervenção educativa. No entanto, foi sugerida uma alteração de horário ou exclusão de turma pelos gestores do hospital, devido à inviabilidade do primeiro horário do turno matutino (08:00h - 09:00h), de acordo com as atividades assistenciais realizadas pelos profissionais desse turno. Sendo assim, foi retirado o primeiro horário da IE no cronograma e foi mantida apenas uma turma para o período matutino (Quadro 3). Avaliação da efetividade da IE 58 A avaliação do conhecimento sobre notificação estavam relacionados aos conteúdos ministrados nos módulos I,II,III e IV da IE. As palavras sublinhadas no quadro a seguir correspondem às palavras-chave utilizadas para avaliação por meio de comparação antes e depois. Quadro 4. Respostas consideradas padrão-ouro para avaliar conhecimento na IE Variáveis de conhecimento Resposta padrão-ouro Dano Comprometimento da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito dele oriundo, incluindo-se doenças, lesão sofrimento, morte, incapacidade ou disfunção podendo ser físico, social ou psicológico. Incidente Evento ou circunstancia que poderia ter resultado, ou resultou em dano desnecessário ao paciente. Circunstância de risco Incidente com potencial dano ou lesão. Near miss Incidente que não atingiu o paciente Incidente sem dano Incidente que atingiu o paciente, mas não causou dano. Incidente com dano (Evento adverso) Incidente que resulta em dano ao paciente. Importância da notificação Redução risco, benefícios à instituição, prevenir ou moderar a progressão de um incidente, ações de melhoria para compensar qualquer dano ao paciente após um incidente O que notificar Circunstância de risco, quase erro, qualquer incidente com ou sem dano, relacionados aos indicadores da OMS (eventos adversos a medicamentos - erros de medicação; desvio da qualidade; reação adversa ao medicamento-, identificação correta do paciente, cirurgia segura, prevenção de infecções (corrente sanguínea), cuidado no manejo de injeções -flebite e perda de cateter central), segurança com pacientes idosos hospitalizados e prevenção de lesão por pressão; perda de dispositivos invasivos, Quem pode notificar Qualquer profissional da área da saúde, paciente, familiares, cuidadores, acompanhantes (Continua) 59 (Continuação do Quadro 04 ) Variáveis de conhecimento Resposta Padrão-ouro Fatores que contribuem para ocorrência de EA Relacionados ao paciente, ao profissional (humanos), ao ambiente de trabalho (sistêmico), relacionados à tarefas, à instituição, à gestão e à equipe Itens mínimos que devem ser preenchidos Identificação do paciente, tipo de incidente, data do incidente, local do incidente, período em que ocorreu, fase da assistência do incidente (durante exame diagnóstico, laboratorial, recepção, alta), se houve dano ao paciente, se houve anotação em prontuário, descrição e fatores que contribuíram para o incidente Itens necessários que devem ser preenchidos Data da notificação, setor onde a notificação foi realizada, ações imediatas após a ocorrência do incidente, estratificação prévia para prevenção do incidente Itens informativos que devem ser preenchidos Nome do notificador, ações planejadas Para avaliar a habilidade foram analisados os itens preenchidos na ficha de notificação pelos profissionais de saúde, conforme preconiza a Anvisa e a OMS (Quadro 05) e conforme orientações sobre os dados relevantes que devem constar nas notificações, preconizadas pela instituição (Anexo 03). Quadro 5. Itens avaliados quanto à habilidade de preenchimento da ficha de notificação Itens imprescindíveis Incidentes assistenciais RAM DQM Identificação paciente   Tipo de incidente (sem dano, com dano, quase evento, circunstância de risco)    Data do evento    Local do evento    Período do evento   Fase da assistência em que o incidente ocorreu (alta hospitalar, durante exames diagnósticos, transferência, na admissão)    Se paciente foi acometido por dano    Se houve anotação