UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara MARÍLIA FERREIRA CORREIA INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO EXPECTANTE SOBRE PROPRIEDADES ACIDOGÊNICAS E ACIDÚRICAS DE STREPTOCOCCUS MUTANS E LACTOBACILLUS ACIDOPHILLUS Araraquara 2014 UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara MARÍLIA FERREIRA CORREIA INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO EXPECTANTE SOBRE PROPRIEDADES ACIDOGÊNICAS E ACIDÚRICAS DE STREPTOCOCCUS MUTANS E LACTOBACILLUS ACIDOPHILUS Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas – Área de Odontopediatria, da Faculdade de Odontologia de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de Doutor em Odontopediatria. Orientadora: Profa. Dra. Denise Palomari Spolidório Araraquara 2014 Correia, Marília Ferreira Influência do tratamento expectante sobre propriedades acidogênicas e acidúricas de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus / Marília Ferreira Correia.-- Araraquara: [s.n.], 2014. 46 f. ; 30 cm. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Odontologia Orientadora: Profa. Dra. Denise Madalena Palomari Spolidório 1. Cárie dentária 2. Dentina 3. Streptococcus mutans 4. Lactobacillus acidophilus I. Título Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Marley C. Chiusoli Montagnoli, CRB-8/5646 Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Odontologia de Araraquara / UNESP MARÍLIA FERREIRA CORREIA INFLUÊNCIA DO TRATAMENTO EXPECTANTE SOBRE PROPRIEDADES ACIDOGÊNICAS E ACIDÚRICAS DE STREPTOCOCCUS MUTANS E LACTOBACILLUS ACIDOPHILUS Comissão Julgadora TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR Presidente e orientador: Profa. Dra. Denise Madalena Palomari Spolidório 2º Examinador: Profa. Dra. Elisa Maria Aparecida Giro 3º Examinador: Profa. Dra. Fernanda Lourenção Brighenti 4º Examinador: Profa. Dra. Juliana Rico Pires 5º Examinador: Profa. Dra. Cristiane Duque Araraquara, 11 de Março de 2014 DADOS CURRICULARES MARÍLIA FERREIRA CORREIA NASCIMENTO 19/05/1980 – Rio Claro-SP FILIAÇÃO Francisco Correia Filho Maria Marlúcia Ferreira Correia 1998/2003 Curso de Graduação Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Maranhão 2004/2006 Curso de Pós-Graduação em Odontopediatria, nível Especialização, na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2008/2010 Curso de Pós-Graduação em Cariologia, nível Mestrado, na Faculdade de Odontologia Piracicaba – Unicamp 2010/2014 Aluna do Curso Pós-graduação, nível Doutorado, na Faculdade de Odontologia de Araraquara – UNESP DEDICATÓRIA Aos meu pais, Francisco Correia Filho e Maria Marlúcia Ferreira Correia, meus maiores inspiradores e incentivadores. Agradeço a criação que me foi dada, os valores e os deveres passados e todas as oportunidades que me foram proporcionadas. Obrigada por sempre acreditarem em mim e por tornarem meus sonhos realidade. Aos meus irmãos, Geórgia Correia, Gustavo Correia e Marlos Correia, pelo apoio constante, ensinando-me e reforçando o significado da palavra irmandade, mesmo a distância. Ao Marcelo Cabrini, pelo incentivo, apoio e suporte necessário nos momentos mais difíceis dessa longa jornada, longe de casa e de todos. Agradeço também pelo exemplo de trabalho, determinação e dedicação quando se faz o que se gosta. AGRADECIMENTOS ESPECIAIS A minha orientadora, Denise Madalena Palomari Spolidório, agradeço por ter me acolhido como aluna e por todas as oportunidades proporcionadas ao longo do curso de pós- graduação. Agradeço também pelos conselhos e amparo durante os momentos difíceis, além do apoio na realização dessa pesquisa. AGRADECIMENTOS À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes, pela bolsa de estudo concedida. A todos os professores do programa de pós graduação em Ciências Odontológicas, principalmente aos professores da área de Odontopediatria, pelos ensinamentos técnicos- científicos passados, mas acima de tudo pelos ensinamentos humanos. A família Cabrini, Maria Delminda, José do Carmo e Fred Cabrini, pelo acolhimento e por todo apoio que tive em Araraquara. Aos colegas e amigos da pós-graduação da área de Odontopediatria, pelas discussões científicas, aprendizado constante e prazeroso convívio. As amigas Telma Bedran, Amanda Fontana, Nicole Nogueira e Renata Francisconi pelas sugestões dadas ao longo do curso, apoio nas horas difíceis e descontração quando necessário. As técnicas do laboratório de Microbiologia, Juliana Pirola e Aline Zenatti, pela atenção fornecida e prontidão em ajudar. A secretária da pós-graduação Mara Munhoz, pela sua disponibilidade em resolver e tirar dúvidas sobre o programa. A todos os pequenos pacientes que participaram voluntariamente dessa pesquisa. A todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. Correia MF. Influência do tratamento expectante sobre propriedades acidogênicas e acidúricas de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus. [Tese de Doutorado]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2014. RESUMO A remoção parcial de tecido cariado, realizada por meio do tratamento expectante, apresenta um alto índice de sucesso clínico, além de promover uma redução dos microrganismos presentes na dentina cariada. Porém, a permanência de tais microrganismos geram questões a respeito de certas propriedades que tais bactérias apresentam que as fazem ser capazes de continuar desmineralizando o tecido dentinário. Assim, esse estudo analisou as propriedades acidogênicas e acidúricas de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus, além de avaliar alterações clínicas como coloração e consistência e quantificar através de meios de cultura específicos alguns microrganismos presentes nesse tipo de lesão. Para isto, foram selecionados 20 pacientes apresentando molares decíduos com lesões passíveis de receber o tratamento expectante, sendo realizado coletas de lascas de dentina em dois momentos diferentes: na primeira intervenção após a remoção parcial de tecido cariado e na segunda intervenção durante a reabertura da cavidade 90 dias após o selamento provisório da lesão. As amostras coletadas foram cultivadas, identificadas e quantificadas, além de serem analisadas quanto aos testes fenotípicos de acidogenicidade e aciduridade. Os dados foram submetidos a análise estatística, e observou-se que apesar de ocorrer uma diminuição estatisticamente significante no número de microrganismos viáveis analisados, não houve diferença estatística com relação as propriedades acidogênicas e acidúricas de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus coletados nos dois momentos especificados. Conclui-se que o tratamento expectante apesar de promover alterações clínicas como escurecimento e endurecimento dentinário, associado com a redução no número de microrganismos viáveis, parece não exercer influência nas características fenotípicas de aciduridade e acidogenicidade das espécies analisadas durante o período de 90 dias. Palavras-chave: cárie dentária, dentina, Streptococcus mutans, Lactobacillus acidophilus. Correia MF. Influence of stepwise excavation on aciduric and acidogenic properties of Streptococcus mutans and Lactobacillus acidophilus. [Tese de Doutorado]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2014. ABSTRACT Partial caries removal performed by the stepwise treatment has a high rate of clinical success and also promotes a reduction of microorganisms in carious dentin. However, the permanence of these microorganisms raises the question about certain properties which such bacteria present that make them able to continue the demineralization of the dentin. Thus, the aim of this study was to examine the acidogenic and aciduric properties of Streptococcus mutans and Lactobacillus acidophilus as well as to assess clinical changes in color and consistency of carious dentine and to quantify some microorganisms present in this type of lesion. Therefore 20 patients presenting deep caries lesion in primary molars eligible to receive the stepwise treatment were selected and dentin samples were collected in two different moments: in the first intervention just after partial caries removal and in the second intervention during the reopening of the cavity, 90 days after the temporary sealing of the lesion. The samples were cultured, identified and quantified, and were analyzed for phenotypic tests to available their acidogenicity and aciduricity. Data were statistically analyzed and it was observed that despite a decrease statistically significant in the number of viable microorganisms, there was no statistical difference in the acidogenicity and aciduricity properties of Streptococcus mutans and Lactobacillus acidophilus over the time. It was concluded that the stepwise treatment promoted clinical changes as darkening and hardening of carious dentine and also promoted a reduction in the number of viable microorganisms, although it seemed not to influence the phenotypic characteristics like acidogenicity and aciduricity of the species analyzed during the period of 90 days. Keywords: dental caries, dentin, Streptococcus mutans, Lactobacillus acidophilus. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10 2 REVISÃO DE LITERATURA..............................................................................................13 2.1 Implicações clínicas da remoção parcial de tecido cariado......................................13 2.2 Implicações microbiológicas da remoção parcial de tecido cariado........................19 3 PROPOSIÇÃO....................................................................................................................25 4 MATERIAL E MÉTODO......................................................................................................26 4.1 Amostra...........................................................................................................................26 4.2 Critérios de seleção da amostra...................................................................................26 4.3 Procedimento clínico inicial..........................................................................................27 4.4 Procedimento clínico final.............................................................................................27 4.5 Análise da consistência e coloração dentinária..........................................................28 4.6 Análise microbiológica..................................................................................................28 4.7 Identificação das espécies ...........................................................................................29 4.8 Testes fenotípicos..........................................................................................................29 4.9 Análise estatística..........................................................................................................30 5 RESULTADO......................................................................................................................31 6 DISCUSSÃO.......................................................................................................................36 7 CONCLUSÃO.....................................................................................................................40 REFERÊNCIAS......................................................................................................................41 ANEXO...................................................................................................................................45 ! ! "#! 1 INTRODUÇÃO A doença cárie é um processo dinâmico resultante da atividade de microrganismos que utilizam carboidratos e produzem ácidos capazes de provocar uma desmineralização na estrutura dental. Esses microrganismos não são entidades independentes, formam uma comunidade microbiana organizada espacialmente e metabolicamente integrada, denominada biofilme, sendo a atividade deste biofilme fator determinante para a flutuação do pH que, por sua vez, é capaz de promover perda mineral da estrutura dentária ao longo do tempo18. Quando o processo de cárie envolve a dentina, ocorre uma invasão de microrganismos nos túbulos dentinários e o complexo dentino-pulpar reage de três maneiras frente a essa agressão: submetendo seus túbulos a esclerose, formando dentina terciária ou reacional e induzindo um processo inflamatório no tecido pulpar. Em cavidades profundas, caso a agressão seja mais rápida do que a reação pulpar, haverá um comprometimento irreversível do tecido pulpar, resultando ao longo do tempo possivelmente na sua necrose. Assim, para o tratamento lesão de cárie cavitada envolvendo dentina, a técnica convencionalmente indicada consiste na remoção completa do tecido cariado seguida de restauração do remanescente dentário. Na abordagem de lesões profundas em dentina, porém, a prática odontológica se depara com um dilema, visto que tal tratamento pode levar frequentemente à exposição pulpar6,22 e na ocorrência desse evento, mesmo com a realização do tratamento proposto, como o capeamento pulpar direto ou pulpotomia, o prognóstico do dente passa a ser mais desfavorável, levando muitas vezes à necessidade de endodontia6. Nesse sentindo, a remoção parcial de tecido cariado, através do tratamento expectante, faz parte de uma filosofia baseada na utilização de procedimentos terapêuticos menos invasivos, sendo um procedimento amplamente citado na literatura, tanto em dentes decíduos11,14,27,28,35,36 como em dentes permanentes4-7,22,29-34 capaz de diminuir e desacelerar a agressão sofrida pelo avanço do processo carioso, propiciando à polpa uma chance de reagir frente a essa agressão. Essa técnica pode ser definida como sendo um procedimento realizado em dentes com lesões de cárie ativas profundas em dentina, em que há risco de exposição pulpar caso seja removido todo tecido cariado. Seguindo esse raciocínio, remove-se somente a dentina superficial e necrótica, deixando sobre a polpa, uma dentina com capacidade de remineralização, sendo então protegida com um material biologicamente compatível. Decorrido um tempo, que na literatura varia entre 45 dias a 6 meses, o dente é reaberto e durante sua reabertura, toda dentina considerada ainda cariada (amolecida e/ou coriácea) é removida, procedendo com a restauração do dente de maneira definitiva5. O ! ! ""! objetivo deste tratamento não é a remoção completa do tecido cariado, mas sim a modificação no microambiente dentinário, capaz de proporcionar alteração na velocidade de progressão da doença cárie: de rápida para lenta, ou até mesmo paralisação de processo carioso6. Desse modo, o benefício do tratamento expectante em evitar o risco de exposição pulpar desnecessária, na primeira intervenção nos dentes com lesões de cárie ativas profundas em dentina e consequentemente, a realização de procedimentos mais invasivos e com menor taxa de sucesso clínico e radiográfico já é considerado uma evidência científica16,40,41. Porém, para que este procedimento tenha êxito, é fundamental que o dente não apresente nenhum indício clínico e/ou radiográfico que sugira comprometimento pulpar irreversível ou necrose22,28. Apesar dos resultados favoráveis do tratamento expectante na literatura, existem algumas questões que podem repercutir negativamente nesse tipo de tratamento. Dentre elas: a possibilidade de perda da restauração temporária no período entre as duas consultas; de exposição pulpar durante a reabertura da cavidade; de desconforto adicional para o paciente na segunda consulta ou ainda do não retorno do paciente para concluir o tratamento6. Outra desvantagem seria o maior custo devido à necessidade de duas consultas30. Assim, outras pesquisas sugerem que a permanência de parte do tecido cariado, deixado de maneira definitiva na cavidade dentinária e associada a um bom selamento da cavidade, não promove a progressão da lesão. Estes resultados contribuíram para a dúvida sobre a necessidade da reabertura da cavidade em um segundo momento para remoção completa do tecido cariado17. Desta forma, com vistas a solucionar os problemas relativos ao tratamento expectante, foi proposto um tratamento alternativo em que a remoção parcial do tecido cariado e a restauração definitiva sejam realizadas em única consulta. Poucos estudos, entretanto, relatam o tratamento de remoção parcial de tecido cariado como definitivo. Em sua maioria, estes avaliam os resultados em dentição decídua, o que significa menor período de monitoramento pela menor permanência do dente em boca. Maltz et al.30 (2012) e Maltz et al.32 (2013) estudaram a remoção parcial de tecido cariado como tratamento definitivo em dentes permanentes e os resultados se mostraram favoráveis à manutenção da vitalidade dentária, viabilizando este tratamento como alternativa ao tratamento expectante. Mesmo a literatura demonstrando, através de estudos clínicos, que a manutenção do tecido cariado sob restaurações: não promove a progressão da lesão29-34 que este tecido cariado deixado é passível de remineralização5,9,11,33,37,39, além de ! ! "#! observarem uma modificação e redução do número de microrganismos viáveis na dentina remanescente4,5,11,26,27,31,33 não existe ainda um consenso em considerar o procedimento de remoção parcial como um tratamento definitivo, sem a necessidade de reabertura para remoção total da dentina cariada. Sabe-se que a presença, por si só de bactérias não é um fator determinante para progressão da lesão cariosa, sendo este evento dependente da atividade metabólica do biofilme sobre a superfície dentária17,18. Porém, a permanência de microrganismos viáveis na dentina, mesmo que em menor quantidade durante a reabertura da cavidade, ainda é capaz de gerar discussões a respeito dos mecanismos de permanência que tais microrganismos apresentam, bem como se suas características fenotípicas associadas ao potencial cariogênico, como aciduridade e acidogenicidade, são alteradas devido à restrição nutricional do meio17. A acidogenicidade e aciduridade podem ser definidas, respectivamente, como a capacidade de transportar rapidamente carboidratos fermentáveis, quando em competição com outras bactérias do biofilme, convertendo-os em ácidos e como a capacidade de manter o metabolismo microbiano sobre condições extremas de baixo pH25. Poucos microrganismos presentes nesse tipo de lesão cariosa são capazes de apresentar essas propriedades patogênicas como Streptococcus mutans e Lactobacillus sp, que não somente permanecem viáveis em pHs baixos, como preferencialmente crescem e metabolizam produtos. Com relação a análise de características fenotípicas das bactérias que sobrevivem no tecido cariado remanescente após restauração da cavidade, apenas a capacidade de produção de enzimas glicosídicas foi avaliada por Paddick et al.38 (2005). Devido a escassez de estudos científicos que avaliaram a permanência das certas propriedades fenotípicas de alguns microrganismos cariogênicos que estão presentes em lesões profundas de cárie submetidas ao tratamento expectante11,38, justificou-se a realização desse trabalho, onde além de analisar alterações na coloração e consistência da dentina cariada remanescente, quantificou os microrganismos viáveis durante o tratamento expectante e analisou a influência do tempo de selamento da cavidade adotado por essa técnica, sobre as propriedades acidogênicas e acidúricas de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus. ! ! "#! 2 REVISÃO DE LITERATURA A revisão de literatura foi dividida em dois tópicos, sendo um referente a implicações clínicas e outro referente a implicações microbiológicas do procedimento de remoção parcial de tecido cariado. Nesses tópicos foram abordados alguns artigos considerados importantes para o entendimento do assunto e evolução da técnica. 2.1 Implicações clínicas da remoção parcial de tecido cariado As discussões sobre o quanto de tecido desmineralizado deve ser removido antes da restauração não são discussões recentes. Há 150 anos atrás, Tomes44 (1859) escreveu em seu livro que era preferível que uma camada de dentina cariada, chamada pelo autor de “descolorida”, fosse deixada para proteger a polpa, do que correr o risco de sacrificar o dente. No entanto, quando Black8 escreveu seu livro "Dentística Operatória” em 1908 não concordou com essa afirmação, escrevendo que seria melhor expor a polpa do dente, do que deixar dentina amolecida na cavidade antes de restaurá-la. A remoção completa do tecido cariado foi, por muito tempo, considerada a estratégia ideal no tratamento da cárie dentinária, independente de sua extensão. Porém, ao se pesquisar na literatura científica a respeito da remoção parcial de tecido cariado, constata-se que um dos primeiros artigos que realizaram essa abordagem foi o estudo de Sowden43 (1956). Nesse relato de casos, o tecido cariado foi removido parcialmente da parede pulpar, sendo colocado uma camada de aproximadamente 1 mm de espessura de hidróxido de cálcio, seguido por uma restauração temporária. Após 2 a 3 semanas, os dentes foram reabertos e uma escavação final do tecido cariado deixado foi realizado. Apesar do estudo de Law, Lewis21 (1961) que relataram o efeito do hidróxido de cálcio em lesões profundas de cárie, somente Eidelman et al.10 em 1966 forneceram detalhes quanto a quantidade de tecido cariado deixado na parede pulpar. Os autores descreveram a remoção de todo esmalte sem suporte para facilitar o acesso à dentina cariada, deixando aproximadamente 1 mm de espessura de dentina cariada na parede pulpar. Um dos primeiros trabalhos que avaliaram o risco de exposição pulpar em decorrência da quantidade de dentina removida foi o estudo de Magnusson, Sundell28 em 1977. Os autores utilizaram 110 dentes de pacientes com idade compreendida entre 5 e 10 anos. Inicialmente, executou-se a escavação do tecido superficial até a obtenção de uma fina camada de dentina amolecida no assoalho da cavidade. A partir daí, a amostra foi dividida em dois grupos executando-se, no primeiro, a completa remoção do tecido ! ! "#! amolecido em uma única sessão e, no segundo, aplicou-se o hidróxido de cálcio na parede pulpar da cavidade. Os dentes foram restaurados com cimento de óxido de zinco e eugenol e, após quatro a seis semanas, as cavidades do segundo grupo foram reabertas e o restante do tecido cariado, completamente removido. Nos dentes submetidos à escavação imediata, houve exposição pulpar em vinte e nove molares (53%) e, em contrapartida, somente 8 molares (15%), de um total de 55 dentes tratados com hidróxido de cálcio, tiveram suas polpas expostas. Assim, de acordo com os critérios clínicos utilizados, a escavação intermitente com hidróxido de cálcio poderia evitar um número considerável de intervenções pulpares em molares decíduos com lesões profundas de cárie. A prevalência de exposição pulpar, após a remoção parcial ou completa de tecido cariado em cavidades profundas foi também objetivo de estudo para Leksell et al.22 (1996). Participaram desse estudo 116 pacientes com idade entre 6 e 16, constituindo uma amostra de 127 dentes, divididos aleatoriamente em dois grupos. A escavação parcial consistiu na remoção do maior volume de cárie e na aplicação de hidróxido de cálcio, seguido do selamento da cavidade com cimento de óxido de zinco e eugenol. Após um período compreendido entre 8 e 24 semanas, o restante da dentina cariada foi removida e a cavidade selada com cimento de hidróxido de cálcio, óxido de zinco e material restaurador definitivo. No grupo de dentes em que foi executada a remoção completa do tecido cariado, expôs-se a polpa em 40% dos dentes, enquanto que nos que receberam o tratamento inicial com hidróxido de cálcio ocorreu exposição em apenas 17,5% dos casos. A estatística demonstrou que esta diferença foi significante. A partir dos resultados, os autores recomendaram a remoção parcial de tecido cariado como uma terapia segura que poderia ser recomendada para a Odontopediatria. Além da avaliação quanto ao risco de exposição pulpar, Bjorndal et al.5 (1997) realizaram um estudo clínico avaliando também a influência do tratamento expectante na consistência e coloração do tecido dentinário após 6 meses de selamento das lesões. Para isso, 24 dentistas realizaram a remoção parcial de tecido cariado em 94 dentes com lesões profundas de cárie, sem sintomatologia dolorosa (provocada ou espontânea) e com resposta positiva ao teste térmico. Após um período médio de 6 meses, a restauração provisória foi removida e os autores verificaram que 66 % dos dentes onde antes foi deixado um tecido dentinário com consistência mole apresentaram, durante a reabertura, consistência dentinária média e 18% dura. Quanto à coloração, 59% mudaram para coloração castanho- escuras ou pretas, onde antes foi constatado coloração castanho-claro. Quando a escavação final foi realizada, houve exposição pulpar em 5 casos. O acompanhamento de 1 anos desses dentes demonstrou, através de dados da anamnese e radiografias, um índice de 92% de sucesso (Bjorndal, Thylstrup7, 1998). Outros tipos de estudos, como os retrospectivos, também avaliaram o índice de ! ! "#! de sucesso da remoção parcial do tecido cariado quando comparado ao de pulpotomias. um exemplo foi o estudo conduzido por Farooq et al.13 (2000). Ambos procedimentos haviam sido realizados pelo mesmo odontopediatra, em dentes decíduos com lesão de cárie próxima ao órgão pulpar, com ou sem história de sensibilidade provocada, e ausência de sinais clínicos e radiográficos de necrose pulpar. O material capeador utilizado foi o cimento de ionômero de vidro e todos os dentes submetidos a essa técnica receberam coroa de aço como restauração imediata. As pulpotomias foram realizadas com formocresol, seguido da colocação de IRM e restauração imediata (IRM, amálgama ou coroa de aço). O desempenho de ambas técnicas foi avaliado de dois a sete anos, segundo critérios clínicos (fichas clínicas) e radiográficos (avaliados no momento do estudo, por dois examinadores). O sucesso das pulpotomias realizadas em dentes com diagnóstico clínico de pulpite reversível foi de 76% e da remoção parcial de tecido cariado foi de 85%. Os autores concluíram que a remoção parcial de tecido cariado obteve índice de sucesso significativamente maior do que a pulpotomia no tratamento de lesões profundas de cárie com dois a sete anos de acompanhamento. Assim, sugeriram que a remoção incompleta de tecido cariado realizado em consulta única, sem re-intervenção, não resulta em progressão de lesão. Em outro estudo clínico, Falster et al.14 (2002) avaliaram clínica e radiograficamente o capeamento pulpar indireto com manutenção de tecido cariado utilizando um cimento de hidróxido de cálcio ou um sistema adesivo sobre a dentina cariada de dentes decíduos. Foram incluídos no estudo 48 molares decíduos com lesão profunda de cárie na superfície oclusal sem sinais de inflamação e degeneração pulpar. Após 2 anos, 83% dos dentes capeados com hidróxido de cálcio e 96% com sistema adesivo, apresentaram sucesso clínico e radiográfico. Além do cimento de hidróxido de cálcio, outros materiais forradores aplicados sobre a dentina cariada remanescente foram analisados, como o cimento de ionômero de vidro que foi avaliado através de análises clínica, ultra estrutural e química por Massara et al.37 (2002). Os autores observaram que o cimento de ionômero de vidro aplicado sobre a dentina desmineralizada de molares decíduos (n=12), após um período de 3 meses, promoveu um aumento significativo da dureza dentinária detectada através do exame tátil, bem como uma importante redução da quantidade bacteriana e melhor organização da dentina intertubular, observados ao MEV. Concluíram, através de análise química, que a quantidade de cálcio foi significativamente superior nas amostras coletadas após o tratamento quando comparada às iniciais, evidenciando a remineralização do tecido. O sucesso clínico e radiográfico da remoção parcial de dentina cariada em molares decíduos foi avaliado por Al-Zayer et al.1 (2003) através de outro estudo retrospectivo. A amostra foi composta por fichas de pacientes atendidos nos cursos de ! ! "#! graduação e pós-graduação da Faculdade de Odontologia da Universidade de Michigan. Foram selecionadas 132 fichas de crianças de 18 meses a 12 anos que receberam capeamento pulpar indireto com incompleta remoção de tecido cariado em um total de 187 dentes, e preencheram os seguintes critérios de inclusão: lesão de cárie profunda, sem dor espontânea e sem sensibilidade à percussão; radiografias iniciais sem radiolucidez na região de furca e ápice; comparecimento dos pacientes em, no mínimo, uma consulta de retorno. Os intervalos entre as consultas variaram entre 2 semanas e 73 meses. Os resultados demonstraram índice de sucesso da remoção parcial de tecido cariado de 95%; aumento significativo do sucesso quando da aplicação de base de hidróxido de cálcio sobre a dentina (p=0,0095) em comparação a outros materiais; resultado significativamente melhor quando os dentes foram restaurados com coroa de aço do que com amálgama (p=0,026); número de falhas significativamente maior em primeiros do que em segundos molares decíduos (p=0,045). Por fim, os autores concluíram que a remoção parcial de tecido cariado é um procedimento bem indicado como alternativa à terapia pulpar, em molares decíduos com lesão de cárie profunda, e que a restauração com coroa de aço aumentou o índice de sucesso dessa técnica. Marchi et al.35 (2006) apresentou os dados de 4 anos de acompanhamento clínico de dentes decíduos submetidos a remoção parcial e protegidos com cimento de hidróxido de cálcio (88,8% de sucesso clínico) ou cimento de ionômero de vidro modificado por resina (93% de sucesso clínico). Em seguida, a dentina cariada remanescente dos dentes avaliados por Marchi et al.35 (2006) foram novamente analisados por Marchi et al.36 (2008) quanto a dureza, coloração e consistência. Para isso, após os dentes terem sido esfoliados, os autores compararam os grupos testes que consistiam, cada um deles, de 13 molares decíduos submetidos a remoção parcial de tecido cariado e forrados com hidróxido de cálcio ou com cimento de ionômero de vidro, com um grupo controle positivo de 15 molares decíduos sadios, e um grupo controle negativo de 15 molares com lesões cariosas ativas e profundas. Não houve diferença estatisticamente significante dos resultados da microdureza apresentada entre a dentina sadia (grupo controle positivo) e a dentina cariada remanescente após proteção com hidróxido de cálcio ou cimento de ionômero de vidro modificado por resina (grupos testes). Os autores sugeriram ao final da pesquisa que o ganho mineral da dentina cariada, após remoção parcial de tecido cariado, ocorreu independentemente do material de proteção utilizado. Em um recente ensaio clínico randomizado e controlado realizado por Bjorndal et al.6 (2010) foram testados os efeitos da remoção completa de tecido cariado versus remoção parcial em 314 adultos que receberam tratamento para dentes com cárie localizada na metade interna de dentina. Houve um aumento estatisticamente significante de 11,4% nos casos de exposição pulpar quando se adotou a remoção completa de tecido cariado e ! ! "#! após 1 ano de acompanhamento, os autores observaram que o sucesso clínico do tratamento expectante foi significantemente maior do que a técnica de remoção completa da dentina cariada. Lula et al.26 (2011) realizou outro estudo clínico com o objetivo de realizar uma correlação entre características clínicas quanto cor, consistência e umidade dentinária com presença de microrganismos cariogênicos em cavidades profundas de dentes submetidos a remoção de tecido cariado parcial. Para isso, 16 dentes decíduos receberam o procedimento de remoção parcial de tecido cariado, onde a dentina na parede pulpar foi classificada de acordo com a cor, consistência e umidade imediatamente após a preparação da cavidade e 3-6 meses após a restauração da cavidade. Além disso, amostras de tecido cariado foram coletadas na mesma ocasião para avaliação microbiológica quanto a presença de Streptococcus mutans e Lactobacillus spp. Não foi possível estabelecer correlação significativa entre os parâmetros clínicos analisados e a presença destes microrganismos, apesar dos autores observarem mudanças clínicas quanto a cor, consistência e umidade da dentina cariada remanescente, associadas com a redução significativa na quantidade de Streptococcus mutans e eliminação de Lactobacillus spp., após decorrido o período de 3 a 6 meses. Maltz et al.30 (2012) e Maltz et al.32 (2013) não aceitaram a necessidade de duas intervenções para remoção da dentina cariada remanescente, ou seja, o tecido cariado remanescente não promoveria a progressão da lesão e poderia ser deixado de maneira definitiva na cavidade pulpar, assim, os autores avaliaram a eficácia de dois tratamentos de remoção parcial para lesões de cárie profundas: a remoção incompleta do tecido cariado como tratamento definitivo (TD) versus como tratamento provisório (tratamento expectante - TE). Para isso, os autores realizaram um ensaio clínico randomizado e multicêntrico em dentes permanentes, publicando os resultados de acompanhamento de 18 meses e 3 anos, sendo que o sucesso clínico das duas técnicas foram analisadas quanto ao desfecho de vitalidade pulpar, determinado pela sensibilidade da polpa ao teste térmico e pela ausência de lesões periapicais. No início do estudo, 299 tratamentos foram executados: 152 como TD e 147 como TE. Até o final do período de acompanhamento, 213 dentes foram avaliados e as taxas de sobrevivência para TD e TE aos 18 meses32 foram respectivamente de 99% e 86% (p=0,016), e após 3 anos as taxas decaíram para 91% e 69%, respectivamente (p=0,004). A partir desses resultados apresentados, os autores sugeriram que não há necessidade de reabrir a cavidade para remoção do tecido cariado remanescente, pois quando a remoção parcial de tecido cariado foi realizado como tratamento definitivo, a vitalidade pulpar foi preservada. Com o objetivo de avaliar o efeito do cimento de hidróxido de cálcio e o cimento ionômero de vidro aplicado na dentina cariada após a remoção parcial do tecido cariado, ! ! "#! Corralo, Maltz9 (2013) selecionaram 60 dentes permanentes apresentando lesões profundas de cárie. Após realizado o procedimento de remoção parcial, os dentes receberam, aleatoriamente, proteção com cera (grupo controle), cimento de hidróxido de cálcio ou cimento de ionômero de vidro. Além disso, após a realização da remoção parcial do tecido cariado, a dentina foi avaliada clinicamente quanto a sua cor e consistência. Decorrido um período de 3 a 4 meses, os dentes foram reabertos e os autores observaram um endurecimento e escurecimento na dentina nos três grupos analisados após o tratamento, porém as alterações clínicas não sofreram influência do material forrador utilizado. Em se tratando de revisões sistemáticas da literatura científica a respeito desse tema, foi possível encontrar 3 revisões recentes. Na primeira dessas revisões, Hayashi et al.16 (2011) sugeriram que o tratamento expectante é eficaz para a preservação da polpa em cavidades de cárie extremamente profundas que não apresentam sintomas clínicos de pulpite irreversível. A segunda revisão sistemática, atualizada no ano de 2013 por Ricketts et al.40, obedeceu padrão Cochrane de revisões sistemáticas. Os autores apontaram como resultados principais a redução do número de exposições pulpares quando é realizado a remoção incompleta do tecido cariado em lesões profundas de cárie em dentes assintomáticos decíduos e permanentes. A última revisão sistemática foi realizada juntamente com uma meta-análise em 2013 por Schwendicke et al.41, onde de 364 artigos selecionados, foram incluídos somente 10 ensaios clínicos randomizados, englobando 1.257 pacientes na meta-análise. Os autores demostraram redução significativa do risco de exposição pulpar e dos sintomas pulpares nos dentes tratados com a técnica de remoção parcial. Mesmo diante das evidências apresentadas, a remoção parcial de tecido cariado ainda não é considerada procedimento de eleição para os casos de lesões de cárie profundas. No Brasil, Weber et al.46 (2011) realizaram um levantamento sobre decisões de tratamento frente a lesões profundas de cárie com dentistas que atuavam no serviço de saúde pública na cidade de Porto Alegre. Os resultados demonstraram que 71,1% dos dentistas entrevistados optariam pela remoção total do tecido cariado, seguido por 26,4 % dos que indicariam a remoção parcial. Os autores concluíram que o tratamento de eleição que a maioria dos cirurgiões-dentistas escolheriam para o tratamento de lesões de cárie profundas foi o que oferecia maior risco de exposição pulpar com pior prognóstico clínico. Na Alemanha, Schwendicke et al.42 (2013) realizaram um levantamento com 821 dentistas, sendo que mais de 70% dos entrevistados se recusaram a deixar tecido cariado sob restaurações, e esta decisão foi influenciada pela idéia de que os microrganismos remanescentes poderiam promover a progressão da lesão ou prejudicar a polpa. ! ! "#! Apesar da resistência na aceitação do procedimento de remoção parcial para o tratamento de lesões profundas de cárie, conclui-se que existem evidências científicas suficientes quanto as implicações clínicas do procedimento da remoção parcial. As evidências científicas indicam que esse procedimento promove uma diminuição do risco de exposição pulpar, o que consequentemente aumenta o sucesso clínico da técnica quanto a vitalidade pulpar e longevidade do dente. Além disso, a remoção parcial de tecido cariado ocasiona alterações significativas no tecido dentinário quanto a sua consistência e coloração. 2.2 Implicações microbiológicas da remoção parcial de tecido cariado A influência da remoção parcial de tecido cariado sobre a redução do número de microrganismos viáveis vem sendo avaliada por diversos autores. Um dos primeiros estudos avaliando resultados microbiológicos resultantes dessa técnica, foi o estudo realizado King et al.19 (1965), onde os autores compararam a ação do material capeador utilizado (hidróxido de cálcio versus óxido de zinco e eugenol) sobre a dentina cariada de 51 dentes decíduos. Os autores observaram que 81,2% das amostras tornaram-se estéreis em um intervalo de 1 a 7 meses após a utilização do hidróxido de cálcio e 76,2%, do óxido de zinco e eugenol. Aponte et al.2 (1966) relataram esterilização da dentina em 93% dos casos após 6 a 46 meses da remoção parcial realizada com hidróxido de cálcio em dentes decíduos (n=30). A dentina apresentava-se endurecida e brilhosa após a reabertura e havia formação de dentina reparadora, observada radiograficamente, em todos os casos. Fisher15 (1966) avaliou a presença de microrganismos viáveis na dentina amolecida mantida sob restaurações de amálgama através da coleta desse tecido antes da restauração e após 2, 4, 8 e 12 meses da confecção da mesma. Na maioria das amostras coletadas inicialmente os lactobacilos estavam presentes. Ao longo do tempo, alguns microrganismos permaneceram viáveis sob restaurações e quase sempre houve persistência de lactobacilos. O autor afirmou que tal microrganismo apresentava associação com atividade de cárie, porém desconhecia sua capacidade de perpetuar o processo carioso no tecido dentinário remanescente. Leung et al.24 (1980) analisaram o efeito do cimento de hidróxido de cálcio (grupo teste) e da cera (grupo controle) sobre as bactérias da dentina cariada, em uma amostra de 40 dentes permanentes com lesões cariosas profundas (20 para cada grupo). A dentina cariada foi escavada e coletada de uma metade da cavidade e, sobre a outra, foi aplicado um dos materiais, seguindo-se a realização da restauração provisória da cavidade. Após 4 semanas, uma amostra da dentina remanescente foi coletada para o cultivo em meio anaeróbio por 5 dias. Não houve diferença estatisticamente significante na contagem inicial ! ! "#! de unidades formadoras de colônia (UFC) entre os grupos. Nesse estudo, os resultados demonstraram que em 85% dos dentes do grupo experimental houve decréscimo na contagem de UFCs e, desses, 60% tornaram-se estéreis. O efeito dos cimentos de hidróxido de cálcio (Dycal®) e de óxido de zinco e eugenol (IRM®) sobre bactérias mantidas após capeamento pulpar indireto em 40 molares permanentes foi comparado no estudo de Fairbourn et al.12 (1980). A metodologia do estudo foi similar à anteriormente descrita, porém o intervalo entre as intervenções foi de 5 meses. A contagem bacteriana média para todas as bactérias diminuiu significativamente e os autores concluíram que o Dycal® e o IRM® causaram decréscimo bacteriano significativo quando em contato direto com a dentina cariada por 5 meses, não havendo diferença significativa entre os materiais. Bjorndal et al.5 (1997) avaliaram lesões em dentina profunda submetidas à escavação seriada, sob aspecto clínico e microbiológico. Foram selecionados 31 dentes permanentes com risco de exposição pulpar caso toda dentina cariada fosse removida. Na primeira etapa de estudo, a dentina amolecida da região periférica foi removida, bem como a dentina superficial (necrótica) da porção central. Aplicou-se o hidróxido de cálcio sobre o tecido remanescente e realizou-se o selamento temporário. Após um período de 6 a 12 meses, a dentina desmineralizada remanescente foi removida, e o dente restaurado definitivamente. Em 19 lesões selecionadas aleatoriamente, a cor e a consistência da dentina remanescente foram registradas e uma amostra dessa foi coletada para avaliação microbiológica. Esses procedimentos foram realizados em 3 momentos: após a remoção parcial da dentina; imediatamente após a remoção do selamento (6 a 12 meses pós- tratamento) e depois de realizada a completa remoção do tecido cariado. Após o período de tratamento, a maioria das lesões mudou de consistência, de muito mole ou mole para dureza média ou dura, e de coloração, de castanho- clara para castanho-escura. Os resultados microbiológicos mostraram que a contagem bacteriana reduziu significativamente após o intervalo de tratamento. A metodologia anteriormente exposta foi utilizada por Bjorndal, Larsen4 (2000) para avaliação das alterações microbiológicas e clínicas em 9 dentes permanentes com lesão de cárie proximal em dentina profunda. Os autores verificaram, corroborando com os estudos acima citados, que após a escavação inicial, a dentina apresentou-se mole e amarela ou castanho-clara. Ao exame microbiológico, foram observados cocos gram- positivos em 70% e lactobacilos em 50% do total de UFCs. Após 4 a 6 meses e antes da remoção completa do tecido cariado, a dentina apresentou-se escura e dura, e o total de UFCs, bem como a frequência e proporção de lactobacilos foram substancialmente reduzidos. Os autores concluíram que a flora cultivável reduziu substancialmente e que a distribuição das espécies bacterianas remanescentes não representou uma microbiota ! ! "#! cariogênica típica de lesões profundas, confirmando os achados clínicos de inativação do processo carioso. Lesões profundas de cárie foram avaliadas clínica, radiográfica e microbiologicamente imediatamente após a remoção da dentina cariada e 6 a 7 meses após a colocação da restauração provisória por Maltz et al.33 (2002). Os autores observaram que as contagens de bactérias anaeróbias e aeróbias, lactobacilos e Streptococcus mutans diminuíram significativamente ao final do tratamento (6 a 7 meses após restauração provisória). Além disso, verificaram que a coloração e consistência da dentina sofreram modificações após o período de 6 a 7 meses, mudando de amolecida e castanho-claro, para endurecida e castanho-escura. Os autores concluíram que 6 a 7 meses após a remoção incompleta da dentina cariada e colocação da restauração provisória, ocorreram mudanças clínicas na consistência e coloração da dentina remanescente, além da diminuição significativa no total de UFC. O sucesso clínico dos casos apresentados nesse estudo continuaram sendo avaliados por 40 meses34 e 10 anos29, demonstrando, respectivamente, uma taxa de sucesso clínico de 82% e 63%. Ao se realizar o levantamento da literatura científica acerca das características fenotípicas das bactérias que sobrevivem no tecido cariado remanescente, Paddick et al.38 (2005) realizaram um estudo no qual avaliaram o efeito do selamento da cavidade sobre a diversidade fenotípica e genotípica da microbiota que permaneceu no tecido cariado remanescente. Para isto, foi realizado a remoção parcial de tecido cariado em 10 lesões de cárie, sendo os dentes restaurados e reabertos após 5 meses. Na amostra inicial de dentina cariada (antes da restauração) a microbiota foi composta principalmente por Lactobacillus spp., Streptococcus mutans, Streptococcus parasanguinis, Actinomyces israelii e Actinomyces gerencseriae, porém nenhuma desses espécies foram isoladas após a reabertura da cavidade, que consistia apenas de Actinomyces naeslundii, Streptococcus oralis, Streptococcus intermedius, Streptococcus mitis. Além disso, a microbiota recuperada da amostra final apresentaram um aumento significativo na capacidade de produzir enzimas glicosídicas, capazes de clivarem açúcares a partir de glicoproteínas. Os resultados demonstraram uma diminuição na complexidade da microbiota presente no tecido cariado e aumento da capacidade fenotípica de produção de enzimas glicosídicas em função do tempo de selamento da lesão. Pinto et al.39 (2006) realizaram um estudo clínico e microbiológico em 42 molares decíduos com lesão de cárie profunda (com risco de exposição pulpar) capeados com cimento de hidróxido de cálcio (teste) ou guta-percha (controle). A dentina cariada do fundo da cavidade foi parcialmente mantida e avaliada quanto a sua consistência e coloração. Uma amostra desta foi coletada para exame microbiológico e o assoalho da cavidade capeado com um dos materiais. Após 4 a 7 meses de intervalo, os dentes foram ! ! ""! radiografados com o dispositivo acima citado e os materiais restaurador e capeador foram removidos para reavaliação da coloração e consistência. Nova coleta de dentina foi feita na metade oposta da primeira etapa do estudo e os dentes foram restaurados definitivamente. Nos dois grupos a autora observou alterações quanto à coloração e consistência do tecido, que se apresentou inicialmente castanho-claro e amolecido, tornando-se predominantemente castanho-escuro e endurecido. Quanto à avaliação microbiológica, houve redução significativa no número de UFCs em ambos os grupos. A autora concluiu que há possibilidade de inativação do processo carioso através do selamento de lesões profundas de cárie, independentemente do material forrador utilizado. Além do hidróxido de cálcio e óxido de zinco e eugenol, outros materiais foram testados sobre o tecido cariado mantido em cavidades profundas de cárie. Wambier et al.45 (2007) avaliaram ultra estrutural e microbiologicamente o tecido cariado de dentes decíduos antes e após 30 e 60 dias da colocação de restaurações com cimento de ionômero de vidro modificado por resina. Os resultados demonstraram melhor organização ultra estrutural da dentina com redução no número de bactérias analisadas (microrganismos totais, Streptococcus spp, Streptococcus mutans, Lactobacillus spp e Actinomyces spp) nas amostras de 30 e 60 dias quando comparadas com as amostras iniciais (antes da colocação da restauração). Duque et al.11 (2009) também avaliaram clínica e microbiologicamente os efeitos de dois cimentos de ionômero de vidro modificado por resina (CIVMRs) utilizados como forramento, após a remoção incompleta de dentina. 27 molares decíduos com lesões de cárie profunda, mas sem sinais e sintomas de pulpite irreversível, foram submetidos a remoção parcial de tecido cariado. O tratamento consistiu de escavação incompleta da dentina cariada, aplicação de uma dos CIVMRs (Vitrebond ou Fuji Lining LC) ou de cimento de hidróxido cálcio cimento de hidróxido. A consistência, cor e umidade da dentina foram avaliadas antes e 3 meses após a colocação da restauração temporária. Além disso, amostras microbiológicas foram cultivadas em meios específicos para avaliação de estreptococcos do grupo mutans (MS) e lactobacilos (LB). Após decorrido o período experimental de 3 meses, a dentina remanescente sofreu alteração clínica quanto a consistência e umidade (mais seca e dura) e houve uma redução significativa no número de MS e LB, em todos os grupos, embora a eliminação completa não foi obtida em 33 % e 26% dos dentes para o MS e LB, respectivamente. Os autores concluíram que a utilização de cimentos de ionômero de vidro modificados por resina, após a remoção a remoção parcial de tecido cariado, assim como um cimento de hidróxido de cálcio, promoveram redução significativa das bactérias cariogênicas residuais viáveis, além de promoverem alterações clínicas favoráveis na dentina cariada remanescente. Ensaios clínicos randomizados e controlados são essenciais para o ! ! "#! embasamento das evidências científicas acerca de determinado assunto. Nesse sentindo, recentes ensaios clínicos foram realizados utilizando metodologias com melhores níveis de evidência. Em um desses ensaios clínicos, Lula et al.27 (2009) avaliaram a microbiota de dentes decíduos tratados pela remoção total ou parcial da dentina cariada. Assim, a amostra foi dividida em dois grupos, com 16 pacientes cada: remoção completa, na qual a dentina cariada foi completamente removida com a ajuda de um corante detector de cárie, e remoção parcial, em que a dentina cariada foi completamente removida da junção amelodentinária e paredes laterais, enquanto que a dentina cariada do assoalho da cavidade só foi removida superficialmente. Amostras de dentina foram coletadas para análise microbiológica de Streptococcus spp., Streptococcus mutans, Lactobacillus spp. e microrganismos totais, logo após a remoção de tecido cariado e 3-6 meses após proteção com cimento de hidróxido de cálcio e restauração das cavidades com resina composta. Os resultados demonstraram que nas amostras coletadas logo após a remoção completa (grupo 1) e parcial (grupo 2) de tecido cariado, foi detectado um maior número de microrganismos em dentes submetidos à remoção parcial em comparação com o grupo de remoção completa. No entanto, após decorridos 3 a 6 meses, o nível de colonização foi semelhante nos dois grupos para todos os microrganismos estudados. Com o mesmo objetivo do estudo acima, Maltz et al.31 (2012) realizaram uma avaliação microbiológica da dentina de dentes submetidos a remoção completa e parcial de tecido cariado. A amostra foi composta por 87 pacientes, entre 12 e 50 anos, em tratamento nas clínicas de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ( UFRGS). Os pacientes apresentaram 90 dentes permanentes posteriores com lesões de cárie ativas envolvendo pelo menos o terço médio da dentina. As lesões foram divididas aleatoriamente em dois grupos experimentais: a remoção completa do tecido cariado com base em critérios de dureza e remoção parcial de tecido cariado. Amostras microbiológicas foram obtidas para análise de bactérias anaeróbias e aeróbias, lactobacilos e Streptococcus mutans e os resultados demonstraram que a quantidade de bactérias detectadas após a remoção completa do tecido cariado foi superior a que permaneceu em lesões de cárie onde foi realizada a remoção parcial. Apesar da vasta literatura sobre redução do número de microrganismos viáveis quando se realiza a técnica de remoção parcial, existe somente um estudo clínico que analisou a capacidade dos microrganismos que permanecem na dentina em continuar apresentando propriedades fenotípicas relacionadas com a sua cariogenicidade, sendo analisado somente a capacidade de produção de enzimas glicosídicas. Assim, novos resultados provenientes de mais estudos que avaliem a influência do procedimento de remoção parcial de tecido cariado sobre propriedades fenotípicas de microrganismos ! ! "#! cariogênicos, como aciduridade e acidogenicidade, podem melhorar o entendimento do processo de paralização da lesão, agregando conhecimento sobre a permanência de microrganismos viáveis na dentina remanescente. ! ! "#! 3 PROPOSIÇÃO O presente trabalho teve como objetivo detectar e quantificar microrganismos viáveis da dentina de molares decíduos submetidos ao tratamento expectante, além de analisar características fenotípicas de aciduridade e acidogenicidade de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus recuperados durante a execução do tratamento expectante. Bem como, analisar mudanças estruturais quanto a cor e consistência da dentina cariada submetida ao tratamento expectante. ! ! "#! 4 MATERIAL E MÉTODO 4.1 Amostra A unidade amostral dessa pesquisa foi o indivíduo e sua amostra foi composta de 20 crianças, entre 4 a 9 anos de idade. Através do exame clínico e radiográfico se constatou a indicação clássica do tratamento expectante nesses pacientes, existindo pelo menos uma lesão ativa de cárie na superfície oclusal de molares decíduos, localizadas em dentina profunda, com risco de exposição pulpar caso todo tecido cariado fosse removido na primeira consulta. O cálculo amostral foi baseado no estudo de Lula et al.26 (2011), onde foi previsto uma necessidade de 16 dentes restaurados por grupo estudado. Adotando-se uma taxa de perda de 20% da amostra, definiu-se um mínimo de 18 pacientes ao final da pesquisa. Esse estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” sob o processo de nº 13823613.5.0000.5416 (ANEXO). 4.2 Critérios de seleção da amostra Para fazer parte da amostra, os 20 pacientes tiveram que apresentar todos os critérios de inclusão listados a seguir: 4.2.1 Em relação aos pacientes Crianças na faixa etária de 4 a 11 anos; Sem comprometimento sistêmico, constatado através de dados obtidos na anamnese; Não utilizou antibiótico durante ou 3 meses antes de iniciar a pesquisa. 4.2.2 Em relação aos dentes 4.2.2.1 Exame clínico Molares decíduos com lesões cariosas cavitadas ativas, em dentina profunda, envolvendo somente a superfície oclusal; Ausência de relato de dor espontânea, de alteração de cor, de mobilidade, de fístula ou edema. 4.2.2.2 Exame Radiográfico Presença de radiolucidez em metade interna de dentina; Ausência de reabsorção dentinária interna e/ou externa e de área radiolúcida na bi/trifurcação. ! ! "#! Além disso, durante o procedimento clínico foram excluídos da amostra os dentes que apresentarem em qualquer fase clínica do estudo, exposição pulpar, assim como aqueles onde não foram possíveis recuperar os microrganismos analisados. 4.3 Procedimento clínico inicial Os procedimentos clínicos foram realizados por um único operador, previamente treinado quanto a consistência e coloração dentinária (Kappa de 0,84 e 0,80 respectivamente), obedecendo a seguinte sequência clínica: 1. Profilaxia com pasta profilática, taça de borracha, escova de Robson e fio dental; 2. Anestesia; 3. Isolamento absoluto do hemi-arco; 4. Remoção do esmalte socavado, quando necessário para permitir o acesso à lesão cariosa, com ponta diamantada esférica estéril em alta rotação sob refrigeração; 5. Remoção completa da dentina cariada das paredes laterais da cavidade, com broca esférica em baixa rotação, seguindo os critérios visuais (coloração, umidade) e tácteis (consistência); 6. Remoção parcial da dentina cariada da parede pulpar nas cavidades oclusais com o auxílio de cureta de dentina compatível com o tamanho da cavidade. Os critérios adotados para a interrupção da curetagem dentinária foram quanto a textura (um pouco mais resistente ao instrumento) associado ao aspecto de sair em lascas ou escamas, de acordo com os critérios adotados por Massara et al.37 (2002); 7. Lavagem da cavidade com soro fisiológico e secagem com bolinhas de algodão estéreis; 8. Análise quanto a coloração e consistência dentinária da amostra; 9. Coleta da amostra de dentina cariada: seguindo uma divisão imaginária (porção mesial e distal da parede pulpar), foi sorteado aleatoriamente uma porção, sendo coletada uma lasca de dentina que foi imediatamente imersa em um microtubo previamente pesado e preenchido com uma solução de PBS; 10. Colocação do material restaurador provisório: cimento de ionômero de vidro restaurador (Ketac Molar Easymix – 3M ESPE) manipulado de acordo com as instruções do fabricante, e proteção com verniz; 10. Ajuste da oclusão. 4.4 Procedimento clínico final Decorridos 3 meses da etapa clínica inicial, os pacientes receberam uma re- intervenção. O paciente foi anestesiado, o hemi-arco isolado e o material restaurador provisório removido com pontas diamantadas em alta rotação. Em seguida, foi realizado ! ! "#! uma nova análise da consistência e coloração da dentina cariada remanescente e uma lasca foi coletada da porção oposta a da coleta inicial e armazenada em microtubo pré- pesado contendo 1 ml de PBS. O remanescente dentinário (hígido) recebeu proteção pulpar com cimento de ionômero de vidro para forramento fotopolimerizável (Vitrebond – 3M ESPE) e subsequentemente foi realizado todos os procedimentos necessários para receber uma restauração definitiva com resina composta Z350 (3M – ESPE). 4.5 Análise da consistência e coloração dentinária Os critérios estabelecidos para a análise quanto a consistência e coloração da dentina cariada remanescente foi realizada por um único pesquisador, previamente treinado quanto as critérios analisados, sendo baseados no estudo de Maltz et al.33 (2002). Os critérios adotados nessa pesquisa, sofreram modificações quanto aos critérios adotados por Maltz et al.33, (2002) somente quanto a coloração, pois não foi possível verificar nenhum caso com coloração castanho-escura. Assim, a dentina cariada remanescente foi classificada quanto a coloração em amarela e castanho-claro, e quanto a consistência em: 1. Amolecida: pouca resistência a remoção, sendo removida facilmente com curetas dentinarias 2. Coriácea: maior resistência a remoção, sendo removida com certa firmeza com o auxílio de curetas dentinárias. 3. Endurecida: consistência semelhante a dentina hígida. 4.6 Análise microbiológica Para obtenção do peso das amostras em mg de dentina úmida, os microtubos contendo 1 ml de PBS foram pesados antes e após a colocação das amostras no seu interior. Em seguida, as amostras foram sonicadas durante 5 segundos com 20 W de potência (Disruptor de células ultra-sônico - Unique Indústria Brasileira). Após, procedeu-se com a diluição seriada das amostras em microtubos contendo PBS, sendo posteriormente semeadas alíquotas de 20 ul em placas, contendo os sequintes meios de cultura: Agár sangue, Mitis salivaris Agar (MSA), Mitis Salivaris Bacitracina (MSB) e Lactobacilli MSR Ágar para o cultivo respectivo de microrganismos totais, estreptococos totais, Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus. Em seguida, as placas foram incubadas a 37º C, em ambiente de microaerofilia durante 24 h (Ágar sangue) e 48 h (MSA; MSB e MRS agar). Após o período determinado, as unidades formadoras de colônias foram identificadas através da morfologia e coloração de gram e contadas, sendo os resultados expressos em UFC/mg de dentina úmida. O pesquisador responsável pela contagem de colônias foi ! ! "#! treinado quanto a reprodutibilidade da análise através do índice de correlação intraclasse, apresentando o valor de 0,995. 4.7 Identificação da espécies Para identificação dos isolados bacterianos por PCR convencional foram utilizado primers específicos tanto para o Streptococcus mutans, como para o Lactobacillus acidophilus. As análises foram realizadas seguindo o protocolo de extração do DNA e identificação descrito por Duque et al.11, (2009). Para Streptococcus mutans foram utilizados primers específicos para regiões do gene glicosiltransferase (gtfB) com as seguintes sequências: 5’ – ACT ACA CTT TCG GGT GGC TTG G – 3’ e 5’ – CAG TATA AG CGC CAG TTT CAT C – 3’, amplificando uma sequeência de 517pb. Para Lactobacillus acidophilus foi utilizado primers específicos que amplificam um fragmento do gene codificador do rRNA 16S: 5’ – AGG TAG TAA CTG GCC TTT AT e 3’ – ATT GTA GCA CGT GTG TAG CC – 5’, para amplificar um seqmento de 779 pb. 4.8 Testes fenotípicos Foram utilizados cepas ATCC de cada espécie de microrganismos analisado (Streptococcus mutans ATCC 25175 e Lactobacillus acidophilus ATCC 4356), como controle positivo. Assim, tanto os controles positivos, quanto os microrganismos cultivados, isolados e identificados através do PCR convencional nos dois momentos da coleta clínica foram submetidos aos testes de aciduricidade e acidogenicidade de acordo com Lembo et al.23 (2007) e Arthur et al.3 (2011). Antes de realizar os testes de aciduridade e acidogenicidade, as cepas padrão e as amostras de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus isoladas na etapa clínica e congeladas, foram inoculadas em caldo BHI, sendo incubadas a 37 º C durante 18 h, numa atmosfera de microaerofilia. Para o teste de aciduricidade, todas as amostras tiveram sua densidade ótica (D.O.) ajustada para conter aproximadamente 107 UFC (D.O. Streptococcus mutans = 0,15 a 0,20 e D.O. Lactobacillus acidophilus = 0,50 a 0,60). Em seguida, as suspensões foram centrifugada, e os sedimentos lavados uma vez com tampão glicina 0,1 M (pH 7,0). Posteriormente, os sedimentos foram ressuspendidos em tampões glicina (0,1 M) com diferentes pHs: 3,0, 5,0 e 7,0. Após decorrido os diferentes tempos, como: imediatamente após a ressuspensão (T0), depois de 30 (T30) e 60 (T60) minutos de incubação a 37º C, realizou-se a diluição seriada, sendo as amostras plaqueadas em BHI agar e incubadas a 37º C durante 48 h, numa atmosfera de microaerofilia. A viabilidade das bactérias em cada ! ! "#! tempo foi contada e expressa em UFC/ml, tendo como controle as amostras que cresceram no pH 7,0. Para o teste de acidogenicidade, após o ajuste da densidade ótica, semelhantemente ao realizado no teste de aciduridade, as amostras foram ressuspendidas em PBS (pH 7) e em seguida foi adicionado glicose a 55,6 mM (concentração final no meio). O pH da solução foi mensurado durante 180 minutos (resultados expressos de 60 em 60 minutos), através de eletrodo previamente calibrado (pH meter 3510 – Jenway) com soluções estoques (pH 4,0 e 7,0). 4.9 Análise estatística Todos os dados foram analisados em relação a presença de outliers e quanto aos pressupostos de normalidade (teste de Shapiro-Wilks) e homogeneidade das variáveis (teste de Levene). Após checados esses pré requisitos, utilizou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon para observar diferenças significantes entre os dois momentos de intervenção clínica para as variáveis dependentes: coloração e consistência dentinária; unidades formadoras de colônias (UFC/mg de dentina úmida), depois de serem transformadas em Log (UFC/mg de dentina úmida) com o objetivo de reduzir a variabilidade dos dados e facilitar a visualização dos resultados. Já para analisar os resultados de acidogenicidade e aciduridade das amostras, aplicou-se o teste ANOVA com dois fatores de medidas repetidas, com pós teste de Bonferroni. Todas as análises inferenciais foram executadas com o software SPSS (v.17, SPSS Inc, Chicago, IL), considerando-se estatisticamente significativos os efeitos cujo valor de p foi inferior ou igual a 0,05. ! ! "#! 5 RESULTADO A amostra foi composta de 20 pacientes, havendo a seguinte distribuição em relação ao gênero: 9 do sexo masculino e 11 feminino. A faixa etária englobou crianças de 4 a 9 anos de idade, sendo que a média e o desvio-padrão da amostra em relação a faixa etária foi de 5,7 ±1,4. Em relação a distribuição dos dentes que compuseram a amostra, 13 foram segundos molares decíduos (5 superiores e 7 inferiores), enquanto 7 foram primeiros molares decíduos (3 superiores e 4 inferiores). O tempo médio compreendido entre a primeira e segunda intervenção foi de 93 ± 7,6 dias. Com relação a técnica do tratamento expectante, não houve qualquer indício clínico, durante o período compreendido entre a primeira e segunda intervenção, que sugerisse alteração pulpar irreversível, como também não ocorreu nenhum tipo de nenhuma perda da restauração provisória ou exposição pulpar durante a reabertura da cavidade. As alterações estruturais observadas quanto a coloração e consistência da dentina cariada remanescente podem ser observados na Tabela 1. Os resultados expressos na Tabela 1 demonstram que o tratamento expectante promoveu alterações significativas quanto a consistência e coloração dentinária, 3 meses após a remoção da restauração provisória. Assim, a dentina cariada adquiriu, no período analisado, uma coloração mais escurecida e uma consistência mais endurecida. Tabela 1 – Distribuição dos dentes analisados quanto a coloração e consistência dentinária imediatamente após a remoção incompleta dentina cariada e 3 meses após a remoção da restauração provisória. Araraquara, 2014. Período analisado Consistência Coloração !"#$%& Amarela Castanho-clara Imediatamente após a remoção parcial de tecido cariado Mole 17 (85%) 0 (0%) !"#$%&'()# Coriácea 3 (15%) 0 (0%) *#$!&'()# Dura 0 (0%) 0 (0%) +#$+'()# Total 20 (100%)A 0 (0%)A ## 3 meses após a restauração provisória Mole 0 (0%) 0 (0%) +#$+'(,# Coriácea 13 (65%) 4 (20%) !"#$%&'(,# Dura 0(0%) 3 (15%) *#$!&'(,# !"#$%& 13 (65%)B 7 (35%)B ## Letras maiúsculas indicam diferença estatisticamente significante entre os períodos analisados para cada característica dentinária analisada (coloração e consistência) - teste de Wilcoxon, com p<0,05.! ! ! "#! O Gráfico 1 demonstra os resultados dos microrganismos viáveis analisados em relação a contagem de unidades formadoras de colônia por miligrama de dentina úmida nos dois momentos de intervenção clínica e observou-se que houve uma diminuição estatisticamente significante de todos os microrganismos cultivados entre a primeira intervenção e 90 dias após. Gráfico 1 – Boxplot da mediana e percentis de 25 e 75 do Log (UFC/mg de dentina úmida) de microrganismos totais (MT), estreptococos totais (ET), Streptococcus mutans (EM) e Lactobacillus acidophilus (LA) para as amostras coletadas nos dois momentos de intervenção clínica (1C e 2C). Araraquara, 2014 Letras diferentes indicam diferença estatisticamente significante entre os dois momentos de coleta (1C e 2C) para cada microrganismo analisado (teste de Wilcoxon, com p<0,05%). Em relação aos testes fenotípicos de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus, os Gráficos 2 e 3 expressam os resultados do teste de acidogenicidade dessas espécies. Obteve-se um pH neutro semelhante para todas as espécies no baseline (0 minutos) e se observou que o pH de todas as espécies apresentou uma queda significativa Lo g (U FC /m g de nt in a ú m id a) 8,0 6,0 4,0 2,0 0,0 2C 1C 2C 1C2C1C2C1C Momentos de coleta e microrganismos a b a b a b a b MT ET EM LA Page 23 ! ! ""! a partir de 60 minutos de mensuração. Além disso, as espécies coletadas dos pacientes apresentaram um pH menor que o da cepa padrão, diferindo estatisticamente desta, independentemente do momento que a amostra foi coletada (1º ou 2º coleta). Entretanto, não houve diferença estatisticamente significante durante todo o tempo analisado (0 a 180 minutos) entre as espécies de Lactobacillus acidophilus coletadas na primeira intervenção e 90 dias após a primeira intervenção. Já para os Streptococcus mutans, a amostra coletada na segunda intervenção apresentou um pH estatisticamente maior no tempo de 60 minutos do que a coletada na primeira, fato este não observado nos demais tempos de mensuração. Gráfico 2 – Média e desvio-padrão do pH das amostras de Streptococcus mutans analisadas em função do tempo. Araraquara, 2014! ! Valores seguidos de símbolos (* ou &) indicam diferença estatisticamente significante entre as espécies analisadas para o mesmo tempo indicado (ANOVA de medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, p<0,05).! !! !!#! ! $! $! $! 4,2 4,4 4,6 4,8 5 5,2 5,4 5,6 5,8 6 6,2 6,4 6,6 6,8 7 7,2 Baseline 60 min 120 min 180 min !" # Streptococcus mutans ATCC 25175 Streptococcus mutans 1º coleta Sstreptococcus mutans 2º coleta ! ! "#! Gráfico 3 – Média e desvio-padrão do pH das amostras de Lactobacillus acidophilus analisadas em função do tempo. Araraquara, 2014 Valores seguidos de símbolos (*) indicam diferença estatisticamente significante entre as espécies analisadas para o mesmo tempo indicado (ANOVA com dois fatores de medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, p<0,05).! Os resultados obtidos sobre aciduridade podem ser visualizados na Tabela 2 e 3, respectivamente para Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus. Observou-se que em 30 e 60 minutos, tanto para o pH 5 como para o 3, as cepas padrão apresentaram menor viabilidade estatisticamente significante do que as cepas coletadas dos pacientes na primeira e segunda intervenção. Entretanto não houve diferença estatística entre a viabilidade no pH 5 e 3 das espécies coletadas na primeira intervenção com as coletadas 90 dias após. Além disso, houve um decréscimo significativo da viabilidade das cepas padrão de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus proporcionalmente em função do período de incubação. Porém, para os Lactobacillus acidophilus coletados dos pacientes esse decréscimo significativo pode ser observado somente a partir do período de 60 minutos de incubação, independentemente do pH analisado e da coleta da espécie. Para os Streptococcus mutans esse decréscimo ocorreu de modo semelhante ao Lactobacillus acidophilus no pH 5, porém para o pH 3, a viabilidade foi decrescendo significantemente a partir de 30 minutos de incubação, tanto para a espécie coletada na primeira intervenção quanto para segunda. ! ! ! $! !!!$! $! 4,2 4,4 4,6 4,8 5 5,2 5,4 5,6 5,8 6 6,2 6,4 6,6 6,8 7 7,2 Baseline 60 min 120 min 180 min !" # Lactobacillus acidophilus ATCC 4356 Lactobacillus acidophilus 1º coleta Lactobacillus acidophilus 2º coleta ! ! "#! Tabela 2 – Média (desvio-padrão) de Streptococcus mutans (SM) viáveis nos pH 5 e 3 em função do tempo de incubação (0, 30 e 60 minutos). Araraquara, 2014 A média (desvio-padrão) foi obtida a partir da razão de bactérias viáveis nos pH 5 e 3 em relação ao pH 7 para cada período de incubação analisado. Letras maiúsculas indicam diferença estatisticamente significante entre colunas e letras minúsculas entre linhas (ANOVA com dois fatores de medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, p<0,05). Tabela 3 – Média (desvio-padrão) de Lactobacillus acidophilus (LA) viáveis nos pH 5 e 3 em função do tempo de incubação (0, 30 e 60 minutos). Araraquara, 2014 Microrganismo pH Período de incubação (minutos) 0 30 60 LA ATCC 4356 5 0,96 (0,04)Aa 0,82(0,01)Ab 0,68 (0,02)Ac LA 1º coleta 0,93 (0,02)Aa 0,9 (0,03)Bab 0,83 (0,07)Bb LA 2º coleta 0,96 (0,06)Aa 0,89 (0,01)Bab 0,84 (0,05)Bb LA ATCC 4356 3 0,81 (0,01)Ba 0,47 (0,05)Cb 0,21 (0,04)Cc LA 1º coleta 0,90 (0,02)Aa 0,91 (0,03)Ba 0,76 (0,06)Bb LA 2º coleta 0,92 (0,02)Aa 0,88 (0,05)Ba 0,77 (0,02)Bb A média (desvio-padrão) foi obtida a partir da razão de bactérias viáveis nos pH 5 e 3 em relação ao pH 7 para cada período de incubação analisado. Letras maiúsculas indicam diferença estatisticamente significante entre colunas e letras minúsculas entre linhas (ANOVA com dois fatores de medidas repetidas, com pós-teste de Bonferroni, p<0,05). Microrganismo pH Período de incubação (minutos) 0 min 30 min 60 min SM ATCC 25175 5 0,94 (0,01)Aa 0,80 (0,01)Ab 0,73 (0,02)Ac SM 1º coleta 0,97 (0,04)Aa 0,91 (0,04)Bab 0,86 (0,03)Bb SM 2º coleta 0,95 (0,02)Aa 0,89 (0,04)Bab 0,84 (0,06)Bb SM ATCC 25175 3 0,92 (0,02)Aa 0,34 (0,09)Cb 0,13 (0,05)Cc SM 1º coleta 0,93 (0,05)Aa 0,74 (0,08)ABb 0,58 (0,05)Dc SM 2º coleta 0,95 (0,02)Aa 0,78 (0,09)ABb 0,61 (0,07)Dc ! ! "#! 6 DISCUSSÃO O tratamento de dentes que apresentam lesões de cárie profundas, localizadas próximas a polpa, sem ainda apresentar envolvimento pulpar, têm sido amplamente discutido pela literatura científica. Com o intuito de preservar ao máximo as estruturas dentais, evitando danos irreversíveis à polpa, foram propostas algumas técnicas conservadoras no quesito de remoção da dentina cariada e um dos tratamentos propostos, é o tratamento expectante, que consiste na remoção parcial da dentina do fundo da cavidade na primeira consulta e decorrido um período de tempo, o dente é reaberto e toda a dentina cariada remanescente é removida5,6. Assim, o tratamento expectante está inserido numa proposta de mínima intervenção para dentes portadores de lesões ativas de carie profunda em dentina, visto que ao conservar o remanescente de tecido cariado, preserva-se a estrutura dentária, mantendo a vitalidade pulpar e limitando procedimentos mais complexos, como o capeamento pulpar direto, a curetagem pulpar e a pulpotomia6. Apesar de diversos estudos demonstrarem uma alta taxa de sucesso clínico quando se realiza o tratamento expectante, ainda se constata uma resistência dos profissionais em adotarem esse procedimento como tratamento de eleição42,46, devido a permanência de microrganismos na dentina remanescente, mesmo após decorrido um período de tempo do selamento dessas lesões, culminando em um receio de que ocorra uma progressão da lesão em decorrência dos microrganismos remanescentes 42. A análise de alterações estruturais, como consistência, coloração e umidade dentinária após a realização do procedimento de remoção parcial de tecido cariado é uma constante nos artigos publicados sobre esse assunto. Os autores observam, de modo geral, que após o selamento da cavidade ocorrem alterações na coloração e textura da dentina remanescente, resultando em uma dentina mais escurecida e endurecida, sendo associadas à paralização da progressão da lesão9,33. Nesse estudo, a dentina remanescente, após 3 meses do tratamento expectante, apresentou-se mais resistente ao corte e mais escurecida, semelhantemente ao observado por diversos estudos4,5,9,33. Umas das hipóteses sobre o endurecimento dentinário do tecido cariado remanescente, consiste na remineralização através da deposição de cálcio e flúor, provenientes do próprio material restaurador utilizado, que no caso desse estudo, foi o cimento de ionômero de vidro10,37. Porém, alguns estudos demonstraram que a remineralização do tecido cariado ocorre independentemente do material forrador utilizado, sendo observada também nos casos onde foi utilizado materiais considerados inertes, como a cera odontológica9 e a guta-percha39. Assim, o endurecimento ! ! "#! dentinário pode estar associado a própria resposta pulpar, caracterizada pela obliteração dos túbulos dentinários e formação de dentina reacional. A mudança na coloração dentinária observada nesse estudo e em outros que também analisaram a dentina cariada remanescente5,9,11,33, parece ser decorrente de reações bioquímicas, como a reação de Maillard, que tem sido proposta como responsável pelo escurecimento dentinário observado em lesões cariosas. O escurecimento da dentina remanescente poderia estar associada não somente à oxidação dos produtos iniciais da reação de Maillard, como ainda associada à reação de pequenos aldeídos derivados de bactérias com proteínas formando polímeros com coloração mais acastanhada20. Na literatura parece não existir um consenso sobre a relação entre coloração e consistência dentinária com número de microrganismos detectados na lesão, embora o presente estudo tenha apresentado a ocorrência de alteração na consistência e coloração da dentina remanescente, promovendo seu endurecimento e escurecimento, juntamente com a diminuição no número de microrganismos viáveis. Enquanto alguns investigadores relacionam o aspecto mais escurecido e endurecido da dentina com menor proporção de bactérias4,5,33; outros não encontraram essa associação26. Vários estudos também têm demonstrando uma redução significativa na quantidade e na diversidade da microbiota da dentina coletada antes e após o tratamento expectante11,38,45. Considerando que um dos objetivos desse estudo foi quantificar relativamente os microrganismos presentes na dentina antes e após o tratamento expectante, foi possível observar uma redução significativa de todos os microrganismos analisados, confirmando os dados da literatura que demonstraram essa redução drástica no número de microrganismos viáveis após decorrido um período do selamento da cavidade. Essa redução da microbiota pode estar relacionada com o fato desses microrganismos que permanecem na dentina estarem isolados do biofilme da superfície do dente, em função do material restaurador utilizado, o que promove uma redução drástica de nutrientes e os torna incapazes de continuar com o processo de cárie. Alguns estudos demonstraram que a inativação do processo carioso independe da ação antibacteriana do material forrador utilizado, sugerindo que a paralização do processo carioso seja mais dependente do adequado selamento marginal do que do material forrador utilizado9,11,14,39. Assim, é possível verificar que na grande maioria dos estudos a redução é tão grande que não é possível recuperar Streptococcus mutans e Lactobacillus spp na segunda intervenção clínica decorrida após um período de 3 a 6 meses11,26,31,38, contrariando os achados desse estudo, onde mesmo após 3 meses de selamento da cavidade, tais microrganismos foram recuperados, porém em menor número quando comparados com a amostra inicial. Sugere-se que a diminuição ou a ausência da recuperação de Streptococcus mutans e Lactobacillus spp, espécies consideradas extremamente acidúricas e acidogênicas, ! ! "#! deve-se a uma mudança no microambiente dentinário devido a restrição nutricional e as propriedades antibacterianas dos materiais forradores, configurando um ambiente menos ácido, o que consequentemente o torna menos propício para sobrevivência dessas espécies38. Sabe-se que os resultados apresentados nesse estudo subestimam a quantidade de microrganismos viáveis, pois o método de cultura de microrganismos adotado nesse estudo apresenta uma taxa de recuperação microbiológica menor quando comparado com a reação em cadeia da polimerase (PCR). Porém, mesmo apresentando uma menor sensibilidade e especificidade, ainda é o método amplamente utilizado em pesquisas microbiológicas quando é necessário avaliar a viabilidade de determinados microrganismos. Além disso, foi necessário recuperar espécies de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus dos pacientes para que os testes fenotípicos fossem realizados. Apesar das limitações do método empregado nesse estudo, foi possível quantificar e recuperar bactérias viáveis em todas as amostras estudadas, viabilizando a realização dos testes fenotípicos de acidogenicidade e aciduridade. Ainda que a literatura científica apresente diversos estudos que quantificaram Streptococcus mutans e Lactobacillus spp antes e após a execução da remoção parcial de tecido cariado, há somente um artigo clínico-laboratorial que analisou a capacidade da microbiota remanescente quanto a produção de enzimas glicosídicas38. Como citado anteriormente, a permanência de microrganismos viáveis na dentina após o selamento da cavidade, mesmo que em menor quantidade, ainda é considerado um dilema, tanto pela aceitação da técnica, como pelos mecanismos de permanência desses microrganismos, o que inclui a dúvida se suas características fenotípicas de cariogenicidade, como aciduridade e acidogenicidade, são alteradas devido a restrição do meio. Dessa forma, além de analisar quantitativamente essas bactérias, esse estudo empregou testes de aciduridade e acidogenicidade para as espécies de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus recuperadas entre os dois momentos de intervenção clínica, sendo comparadas entre si, além de serem comparadas com suas cepas-padrão. Assim, a partir dos dados obtidos nesse estudo foi possível observar que as propriedades acidúricas e acidogênicas das espécies de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus coletadas antes e após o tratamento expectante não diferiram estatisticamente entre si, sendo, entretanto, espécies mais acidúricas e acidogênicas somente quando comparadas com suas cepas-padrão. Esses resultados não podem ser comparados com os achados por Paddick et al.38 (2005), onde além dessas espécies não terem sido recuperadas na segunda amostra dos pacientes, os testes fenotípicos aplicados por esses autores foram somente quanto a capacidade de produção de enzimas glicosídicas. ! ! "#! Talvez, o aumento na capacidade de produção de enzimas glicosídicas pelas bactérias remanescentes ao final do tratamento, observado por Paddick et al.38 (2005), podem ser capazes de explicar o fato de recuperar espécies viáveis após decorrido um período tempo de selamento das lesões, como também podem ser capazes de explicar a ausência de diferença quanto a aciduridade e acidogenicidade entre as espécies analisadas no início e ao final do tratamento expectante. Essas enzimas são capazes de obter açúcares a partir de glicoproteínas para serem utilizadas no metabolismo bacteriano, fazendo com que as espécies estejam aptas a permanecer na dentina, mesmo com restrição nutricional, conservando suas propriedades acidúricas e acidogênicas em função da metabolização de açúcares provenientes de outras fontes. Para fins comparativos, as espécies isoladas nesse estudo, independentemente do momento em que foram coletadas, apresentaram uma menor acidogenicidade e uma maior aciduridade, quando comparadas com os testes fenotípicos realizados em Streptococcus mutans isolados de biofilme dental submetidos a alto desafio cariogênico3. Apesar de se observar uma tendência de diminuição da acidogenicidade das espécies coletadas após a realização do tratamento expectante, a ausência de diferença estatística pode estar vinculada ao tempo compreendido entre a primeira e a segunda intervenção, provavelmente considerado pouco para se observar a perda das características fenotípicas estudadas. Com relação a aciduridade, as espécies coletadas nos dois momentos, foram mais acidúricas quando comparadas com suas cepas-padrão por um tempo igual ou superior a 30 minutos de incubação em um pH igual ou menor que 5. Assim, considerando que as espécies analisadas continuaram a apresentar as mesmas características fenotípicas dos microrganismos coletados no início do tratamento, a presença de infiltração marginal pode propiciar a progressão da lesão de cárie em ritmo acelerado e por se tratar de cavidade próximas a polpa, o risco de envolvimento pulpar será alto13. Esses resultados podem demonstrar que na presença de micro infiltração marginal, uma recolonização da dentina com espécies acidúricas e acidogênicas parece ser desnecessária, sendo necessário somente a chegada de nutrientes para que as espécies que permaneceram, reiniciem o processo carioso. Diante dos resultados expostos, sugere- se que um bom selamento marginal deve ser requisito obrigatório para o sucesso da técnica a longo prazo, visto que ao mesmo tempo em que há redução de microrganismos viáveis, os que ainda permanecem, apresentam capacidade de fermentar e de sobreviver em meio ácido semelhante aos microrganismos coletados no momento inicial. ! ! "#! 7 CONCLUSÃO Diante dos dados apresentados, conclui-se que o tratamento expectante promoveu alteração na coloração e consistência dentinária, na redução no número de microrganismos viáveis analisados, porém não foi capaz de alterar as características fenotípicas, como aciduridade e acidogenicidade, de Streptococcus mutans e Lactobacillus acidophilus durante o período compreendido de 90 dias. ! ! "#! REFERÊNCIAS* 1. Al-Zayer MA, Straffon LH, Feigal RJ, Welch KB. Indirect pulp treatment of primary posterior teeth: a retrospective study. Pediatr Dent .2003; 25(1): 29-36. 2. Aponte AJ, Hartsook JT, Crowley MC. Indirect pulp capping success verified. J Dent Child. 1966; 33(3): 164-6. 3. Arthur RA, Cury AA, Graner RO, Rosalen PL, Vale GC, Paes Leme AF, et al. Genotypic and phenotypic analysis of S. mutans isolated from dental biofilms formed in vivo under high cariogenic conditions. Braz Dent J. 2011; 22(4): 267-74. 4. Bjørndal L, Larsen T. 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"#! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Autorizo a reprodução deste trabalho. (Direitos de publicação reservado ao autor) Araraquara, 11 de Março de 2014. Marília Ferreira Correia