UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MÚSICA SÉRGIO LUIZ DE SOUSA A PRÁTICA MENTAL COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NA PREPARAÇÃO PARA A PERFORMANCE MUSICAL SÃO PAULO - SP 2020 SÉRGIO LUIZ DE SOUSA A PRÁTICA MENTAL COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA NA PREPARAÇÃO PARA A PERFORMANCE MUSICAL Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Música. Área de Concentração: Música: processos, práticas e teorizações em diálogos Linha de Pesquisa: Criação Musical: Composição e Performance Orientação: Profa. Dra. Sonia Ray SÃO PAULO - SP 2020 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp S725p Sousa, Sérgio Luiz de, 1973- A prática mental como estratégia pedagógica na preparação para a performance musical / Sérgio Luiz de Sousa. - São Paulo, 2020. 118 f. : il. color. Orientadora: Profª Drª Sonia Ray Tese (Doutorado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Musica - Instrução e estudo. 2. Musica - Execução. 3. Prática interpretativa (Música). 4. Didática. 5. Professores de música. I. Ray, Sonia. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 780.7 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) Para minha esposa e filhos AGRADECIMENTOS Aos professores e funcionários do Instituto de Artes da UNESP. À minha orientadora Profa. Dra. Sonia Ray, pela orientação e contribuições que foram imprescindíveis na realização desta pesquisa. Aos professores que participaram de minhas bancas durante o todo o curso de doutorado: Prof. Dr. Antônio Cardoso, Profa. Dra. Beatriz Pavan, Prof. Dr. Eduardo Gianesella, Profa. Dra. Gisela Nogueira, Profa. Dra. Sonia Albano, Prof. Dr. Werner Aguiar e Prof. Dr. Ricardo Kubala. À Profa. Dra. Beatriz Pavan e Profa. Dra. Gisela Nogueira pelas sugestões durante o exame de qualificação que contribuíram na finalização desta pesquisa. Aos amigos que dividiram o palco nos recitais de música de câmara: Diuliano Lucena, Marília Álvares, Fabíola Pinheiro, Henriqueta Mattos e Johnson Machado. À minha amada esposa Ednelma pelo apoio incondicional e por estar sempre presente ao meu lado. Aos meus filhos pelas alegrias de todos os dias. Soli Deo Gloria! RESUMO Esta tese investiga o papel da prática mental no processo de preparação para a performance musical. Adota como referencial teórico o conceito de pedagogia da performance musical de Ray (2015), que propõe uma abordagem interdisciplinar entre a educação e a atuação prática do músico. O objetivo geral desta pesquisa é propor a prática mental como estratégia pedagógica na preparação para a performance musical. A metodologia inclui revisão da literatura disponível, pesquisa de campo (questionário aplicado a estudantes e professores de performance musical de cursos graduação e pós-graduação no Brasil) e discussão dos resultados. O trabalho está estruturado em quatro capítulos: 1. Revisão de literatura, 2. Metodologia e pesquisa de campo, 3. Discussão dos resultados, 4. Estratégias pedagógicas para aplicação da prática mental. As conclusões apontam para a confirmação da tese de que a prática mental pode ser uma importante ferramenta pedagógica no processo de preparação para a performance musical. Palavras-chave: pedagogia da performance musical; prática mental e performance musical; preparação para a performance musical. ABSTRACT This dissertation investigates the role of mental practice in the process of preparation for musical performance. It has as theoretical reference the concept of music performance pedagogy by Ray (2015), who proposes an interdisciplinary approach between the field of education and the practical acting of the musician. The main objective of this research is to propose mental practice as a pedagogical strategy in preparation for music performance. The methodology includes review of available literature, field research (questionnaire applied to students and teachers of music performance of undergraduate and graduate courses in Brazil) and discussion of the results. The dissertation is divided in four chapters: 1. Literature review, 2. Methodology and field research, 3. Discussion of results, 4. Pedagogical strategies for using mental practice. The conclusions point to the confirmation of the thesis that mental practice can be an important pedagogical tool in the process of preparation for musical performance. Keywords: music performance pedagogy; mental practice and music performance; music performance preparation. LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Principais qualidades da performance autoatribuídas pelos participantes .............. 48 Tabela 2 - Principais dificuldades na performance autoatribuídas pelos participantes ............ 48 Tabela 3 - Características da preparação para a performance .................................................. 49 Tabela 4 - Estratégias utilizadas na preparação para a performance ........................................ 50 Tabela 5 - Conceito de prática mental para os participantes .................................................... 50 Tabela 6 - Características da preparação que professores utilizam com seus alunos ............... 58 Tabela 7 - Estratégias na preparação utilizadas por professores com seus alunos ................... 58 Tabela 8 - Características positivas e dificuldades na performance por participante ............... 80 LISTA DE GRÁFICOS Figura 1 - Taxonomia de prática mental na performance musical proposto por Mielke e Comeau ..................................................................................................................................... 34 Figura 2 - Perfil dos participantes............................................................................................. 45 Figura 3 - Representatividade dos estados dos participantes ................................................... 45 Figura 4 - Número de participantes por especialidade ............................................................. 46 Figura 5 - Grau de satisfação com o processo de preparação para a performance musical ..... 47 Figura 6 - Memorização fora do instrumento ........................................................................... 51 Figura 7 - Frequência da utilização da memorização fora do instrumento .............................. 51 Figura 8 - Estudo mental .......................................................................................................... 52 Figura 9 - Frequência da utilização do estudo mental .............................................................. 52 Figura 10 - Visualização da performance ................................................................................. 53 Figura 11 - Frequência da utilização da visualização da performance ..................................... 53 Figura 12 - Ansiedade na performance dos participantes......................................................... 54 Figura 13 - Estratégias para melhorar a ansiedade de palco ..................................................... 55 Figura 14 - Limitações físicas que prejudicaram a performance em algum período ............... 56 Figura 15 - Limitações físicas apresentadas pelos participantes .............................................. 56 Figura 16 - Estratégias utilizadas pelos participantes em períodos de limitação física ............ 57 Figura 17 - Perfil estudantes de graduação ............................................................................... 57 Figura 18 - Perfil estudantes de pós-graduação ........................................................................ 58 Figura 19 - Ansiedade dos alunos na performance musical ..................................................... 59 Figura 20 - Estratégias utilizadas pelos professores para reduzir a ansiedade no palco dos alunos ........................................................................................................................................ 60 Figura 21 - Alunos com alguma limitação física ...................................................................... 61 Figura 22 - Limitações físicas dos alunos ................................................................................ 61 Figura 23 - Estratégias utilizadas com alunos com alguma limitação física ............................ 62 Figura 24 - Gráfico comparativo das características positivas da performance ....................... 66 Figura 25 - Gráfico comparativo das dificuldades na performance ......................................... 67 Figura 26 - Gráfico comparativo da frequência de utilização de prática mental ...................... 76 Figura 27 - Diagrama da aplicação pedagógica da prática mental ........................................... 83 Figura 28 - Modelo PETTLEP ................................................................................................. 87 Figura 29 - L. Fernandez - Suíte das Cinco Notas - Despertar ................................................. 88 file:///C:/Users/Cliente/Documents/Orientação/Tese%20-%20Sérgio%20Sousa%20-%2022Fev2020.docx%23_Toc33486444 Figura 30 - R. Schumann - Kinderszenen................................................................................. 90 Figura 31 - H. Villa-Lobos - Suite Floral - Uma camponeza cantadeira.................................. 91 Figura 32 - Características da prática mental ........................................................................... 96 SUMÁRIO Introdução .......................................................................................................... 13 1. Revisão de Literatura ....................................................................................... 20 1.1 Preparação para a Performance Musical ....................................................... 20 1.2 Prática Mental................................................................................................ 29 1.3 Pedagogia da Performance Musical............................................................... 36 2. Metodologia e Pesquisa de Campo................................................................... 40 2.1 Seleção dos Participantes da Pesquisa........................................................... 40 2.2 Elaboração e Aplicação do Questionário ...................................................... 41 2.2.1 Pré-teste ............................................................................................ 43 2.2.2 Aplicação do questionário ................................................................ 44 2.3 Resultados ..................................................................................................... 45 3. Discussão dos Resultados .................................................................................. 64 3.1 Características e Estratégias na Preparação para a Performance Musical .... 64 3.2 Prática Mental ............................................................................................... 74 3.3 Ensino da Performance Musical .................................................................... 79 4. Estratégias Pedagógicas para a Aplicação da Prática Mental ...................... 85 4.1 Estratégias de Prática Mental ........................................................................ 85 4.1.1 Memorização fora do instrumento .................................................... 87 4.1.2 Memorização com prática mental e no instrumento ......................... 89 4.1.3 Estudo de trechos difíceis com variação de tempo ........................... 90 4.1.4 Estudo com variação de tempo no instrumento e prática mental ..... 92 4.1.5 Revezamento de prática no instrumento e prática mental ................ 92 4.1.6 Visualização da performance ............................................................ 93 4.1.7 Estudo longe do instrumento ............................................................ 94 4.2 Aplicações Pedagógicas da Prática Mental na Preparação, Realização e Avaliação da Performance Musical .................................................................... 95 4.2.1 Prática mental na preparação para a performance ............................ 96 4.2.2 Prática mental na realização da performance ................................... 97 4.2.3 Prática mental na avaliação da performance .................................... 97 Considerações Finais ......................................................................................... 98 Referências ......................................................................................................... 100 Anexo 1 - Questionário ....................................................................................... 107 Anexo 2 - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ........................................... 115 13 INTRODUÇÃO A preparação para a performance musical abrange todo o processo de aprendizagem, elaboração e planejamento de uma determinada obra musical que antecede sua realização, ou seja, tudo o que acontece antes da apresentação pública do instrumentista, cantor ou regente. Este processo é de vital importância para o performer uma vez que a sua eficiência será determinante no resultado a ser alcançado. Minha prática musical e pedagógica como pianista e professor de performance musical, sempre me fez refletir sobre a preparação para a performance, e meu interesse por esse campo de pesquisa surge da minha curiosidade e inquietação para compreender melhor esse processo e buscar recursos para uma prática mais efetiva, além de encontrar estratégias que contribuam para a eficiência tanto no ensino quanto na aprendizagem da performance musical. Em levantamento bibliográfico preliminar sobre a preparação para a performance musical uma questão motivou esta pesquisa: o papel da prática mental na preparação para performance musical e como esta estratégia pode ser inserida no cotidiano do performer e ensino. Durante minha formação musical alguns professores abordaram de forma empírica questões relacionadas à prática mental, como por exemplo memorizar fora do instrumento, praticar determinados trechos musicais apenas mentalmente ou estudar a partitura apenas olhando o texto e ouvindo internamente. Tais estratégias foram importantes na minha formação e em várias situações as utilizo em minha prática pedagógica para ajudar algum aluno a vencer determinado objetivo. A pesquisa no campo da performance musical é de grande relevância, pois oferece ao músico ferramentas para compreender e analisar todos os elementos que envolvem sua preparação. É fundamental também no processo de transmissão do conhecimento que o professor de performance musical oferece aos seus alunos. Estratégias eficientes para aprender e ensinar a preparação para a performance são foco de estudos recentes, como o conceito de Pedagogia da Performance Musical apresentado por Ray (2015), que propõe uma abordagem interdisciplinar entre a educação e a atuação prática do músico. Ray (2015) lembra que: 14 Na formação de professores de performance musical, é indispensável que estes sejam capazes de elaborar e disseminar o conhecimento para que a produção artística, sobretudo aquela gerada dentro da academia, não se perca apenas em reproduções ou releituras do passado, mas que aponte as perspectivas para o futuro. (Ray, 2015, p. 7) Desta forma, a pesquisa sobre metodologias para o ensino da performance musical é de fundamental importância, uma vez que a formação do professor de performance musical ainda carece de formalização. Ray lembra ainda que: (...) o conhecimento pedagógico de muitos desses profissionais carece de formalização e adaptação de uma prática pedagógica que é exercida e não regulamentada, prática essa própria da performance musical. (Ibid., p. 8) A prática mental pode ser definida como a "repetição cognitiva de uma habilidade física na ausência de movimentos físicos manifestos" (Magill, 2011, p. 231), ou seja uma pessoa realiza uma determinada atividade física apenas imaginando o movimento, sem nenhum movimento aparente. Jeannerod e Frak (1999) em estudo envolvendo técnicas de mapeamento da atividade cerebral demonstram que durante a realização da prática mental ocorre a ativação de regiões cerebrais similares àquelas que ocorrem em atividades executadas fisicamente. A prática mental tem sido utilizada em diversas áreas e situações onde pesquisas tem demonstrado sua eficácia como em recuperação de pacientes que sofreram AVC (acidente vascular cerebral) (Page, et al., 2001; Bini, et al., 2017), no desenvolvimento de habilidades de cirurgiões (Arora, et al., 2011), além de sua utilização em diversas modalidades esportivas por atletas de elite e treinadores, tendo aplicações em variadas situações no preparo motor (Magill, 2011). Suinn (1997) apresenta várias pesquisas que comprovam a utilização de estratégias mentais entre esportistas. Suinn (1985) apud Suinn (1997) relata que foram entrevistados 11 psicólogos do esporte que foram designados para prestar serviços às equipes olímpicas dos Estados Unidos na preparação para a Olimpíada de 1984, o pesquisador revela que o treinamento mental foi o tipo de treino mais frequente realizado pelos psicólogos. Ungerleider e Golding (1991) apud Suinn (1997) entrevistaram atletas que participaram da Olimpíada de 1988. Segundo eles, 84,7% dos 373 atletas utilizavam imagética. Suinn ainda comenta que Jowdy, Murphy e Durtschi (1989) (apud Suinn, 1997) mostraram que 90% dos atletas de elite e 94% dos treinadores usavam a imagética como parte do treinamento. Weinberg (1982) realizou extensa revisão das pesquisas sobre a prática mental nos esportes e relata que publicações desde 1916 abordam este tema. Segundo o autor, a maioria dos estudos apontam para evidências de que a prática mental melhora a performance, não 15 substitui a prática física, mas pode ser empregada em conjunto com ela, e se utilizada de forma correta pode melhorar a aprendizagem motora e a performance. A prática mental no campo da performance musical pode ser definida como o "uso de imagética (auditiva, sinestésica, motora, visual) em uma execução cognitiva repetida de uma atividade com o objetivo de adquirir ou manter proficiência em um instrumento musical ou voz" 1 (Mielke e Comeau, 2017, p. 11, tradução minha). A imagética pode ser definida como "representações mentais (auditiva, sinestésica, motora e/ou visual) de objetos, eventos ou movimentos." 2 (Ibid., tradução minha). Vários autores (Gieseking e Leimer, 1972; Barry e Hallam, 2002; Jorgensen, 2004; Connolly e Williamon, 2004; Pohl, 2015) apontam a prática mental como uma importante estratégia no processo de preparação para a performance. Connolly e Williamon (2004) lembram que a prática mental tem sido uma importante e eficiente estratégia combinada com a prática física de atletas de elite. Na performance musical, da mesma forma estudos tem apontado para resultados positivos na utilização da prática mental combinada com a prática tradicional (física) (Clark e Williamon, 2011; Fine e Bravo, 2011). A partir da literatura consultada, o presente estudo parte da hipótese que a prática mental seja uma importante estratégia pedagógica no ensino da performance musical e investiga o papel dessa prática no processo de preparação para a performance musical, mais especificamente na prática pedagógica. Embora vários estudos abordem a prática mental, o tema ainda carece de investigação, principalmente no contexto brasileiro e com o foco da pedagogia da performance musical. Para tal adotaremos como referencial teórico o conceito de ‘pedagogia da performance musical’ proposto por Ray (2015), fundamentado pela relação dialética entre música e educação de forma interdisciplinar sob o olhar da música. Espera-se que o estudo permita analisar como esta estratégia é utilizada na preparação e ensino da performance musical no Brasil, bem como oferecer ao performer elementos que possam, de forma segura, orientar este processo. Assim, este trabalho tem como objetivo propor a prática mental como estratégia pedagógica na preparação para a performance musical, examinando como professores e estudantes utilizam esta estratégia em suas atividades musicais, o papel do professor no uso da prática mental, como ela pode melhorar o desempenho no processo de preparação para a 1 Use of imagery (auditory, kinesthetic, motor, visual) in the repeated cognitive execution of an activity in order to acquire or maintain proficiency on a musical instrument or the voice. (Mielke e Comeau, 2017, p. 11) 2 Mental representations (auditory, kinesthetic, motor, and/or visual) of objects, events, or movements. (Ibid., p. 11) 16 performance musical, além de apresentar ferramentas pedagógicas para o desenvolvimento do processo de preparação para a performance musical. A metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho consistiu na revisão de publicações brasileiras e internacionais sobre preparação para a performance, prática mental na performance musical e pedagogia da performance musical, além da realização de pesquisa de campo com a aplicação de questionário a estudantes e professores de performance musical em cursos de graduação e pós-graduação em música no Brasil. A pesquisa de campo investigou como estes sujeitos se preparam para a performance, quais as características desta preparação, as principais dificuldades encontradas no processo de preparação, e se utilizam ou não estratégias de prática mental em suas atividades musicais e pedagógicas. Os dados coletados foram analisados e discutidos tendo como referência a literatura consultada, permitindo situar como a prática mental é utilizada na preparação para a performance no contexto da universidade brasileira, bem como dar suporte para a elaboração de estratégias pedagógicas para sua utilização. O trabalho está estruturado em quatro capítulos a saber: Capítulo 1 - Revisão de literatura: este capítulo apresenta a revisão das principais publicações sobre o tema investigado. Está dividido em três partes: preparação para a performance, prática mental e pedagogia da performance musical. São discutidas publicações brasileiras e internacionais, no sentido de elucidar em que ponto estão as pesquisas sobre o tema da tese. São abordados os principais temas relacionados à preparação para a performance como a prática deliberada, memorização, ansiedade de palco e preparo psicológico, para dar subsídios e compreender como pode ocorrer a utilização da prática mental nestes aspectos. Capítulo 2 - Metodologia e pesquisa de campo: apresenta a metodologia empregada na pesquisa de campo, seleção dos participantes e a elaboração do questionário apresentado. Expõe os resultados e dados obtidos com os questionários aplicados. Capítulo 3 - Discussão dos resultados: apresenta um contraponto entre os resultados obtidos na pesquisa de campo e a revisão de literatura realizada abordando as características da preparação para a performance musical, a utilização de estratégias de prática mental e o ensino. Apresenta a possibilidade de intervenção pedagógica com técnicas de prática mental com estudantes, focando as principais dificuldades apresentadas na performance musical pela pesquisa de campo. 17 Capítulo 4 - Estratégias pedagógicas para a aplicação da prática mental: onde são propostas estratégias pedagógicas de prática mental para contribuir no processo de ensino da performance e preparação para a performance musical, que foram elaboradas a partir das principais dificuldades apresentadas pelos participantes da pesquisa de campo. Aborda sugestões de prática mental na preparação, realização e avaliação da performance musical. 18 Para contornar a negatividade, eu visualizo cenários positivos. Às vezes, visualizar uma passagem acontecendo corretamente antes que ela ocorra pode realmente ajudar - assim como um jogador de basquete, que enquanto ele arremessa, imagina a bola passando pela cesta. Estudos da área de psicologia descobriram que passar pelo processo físico de sorrir na verdade faz o corpo se sentir feliz. Parece o carro adiante dos bois, mas li que funciona. Da mesma forma, se você puder projetar uma imagem de confiança no palco, começará a se sentir mais confiante internamente. Joshua Bell, The Strad, novembro de 2015 3 3 To turn around the negativity, I visualize positive scenarios. Sometimes visualizing a passage going correctly before it happens can really help – just like a basketball player, as he takes the shot, imagining the ball going through the net. There have been psychological studies, which have found that going through the physical process of making yourself smile actually tricks your body into feeling happiness. It seems like the cart before the horse, but I have read that it works. So by the same token, if you can project an image of confidence on stage, you will start feeling more confident within yourself. (Joshua Bell, The Strad, November 2015) 19 CAPÍTULO 1 – REVISÃO DE LITERATURA 20 Este capítulo apresenta uma revisão de literatura abordando publicações nacionais e internacionais sobre a performance musical, mais especificamente sobre o processo de preparação para a performance musical e a utilização de estratégias de prática mental na performance musical. Procurou-se abordar os vários aspectos que envolvem a preparação para a performance como a prática, suas características e fases, a memorização e os elementos da performance e a prática mental. Esta revisão priorizou publicações entre os anos de 2000 e 2018 afim de se obter um panorama atual da pesquisa na área possibilitando assim a fundamentação teórica para a discussão desta pesquisa a partir dos conceitos apresentados e proporcionando uma visão global do tema. O capítulo está organizado em três partes. A primeira trata da preparação para a performance musical abordando seus vários aspectos que vão desde a preparação motora e musical à preparação psicológica, bem como questões relacionadas à memorização e ansiedade na performance. A segunda parte trata da prática mental e as principais pesquisas empíricas e experimentais aplicadas à performance musical. A terceira parte refere-se à pedagogia da performance musical onde apresentamos o conceito de pedagogia da performance proposto por Ray (2015) que fundamenta esta pesquisa. 1.1 Preparação para a Performance Musical A performance musical é definida por Ray (2005, p. 41) "como o momento em que o músico (instrumentista, cantor ou regente) executa uma obra musical exposto à crítica de outro ou outros". Todos os aspectos e situações que antecedem e preparam para uma determinada performance musical é definida por Gabrielsson (2003) como planejamento da performance (Performance Planning). Este planejamento ou preparação da performance é caracterizado por todas as escolhas e procedimentos que apontam para o alcance do resultado final. Reid (2002) lembra que o termo mais utilizado para descrever este processo de preparação para a performance é 'prática', que segundo ele, pode significar muitas coisas. Enquanto para os psicólogos pode significar aprender habilidades pela repetição, a prática musical consiste em uma variedade de atividades como memorização, desenvolvimento técnico e interpretativo. A expertise musical e a prática deliberada (Ericsson, Krampe e Tesch-Romer, 1993; Krampe e Ericsson, 1995; Sloboda, Davidson, Howe e Moore, 1996; Williamon e Valentine, 2000; Barry e Hallam, 2002; Reid (2002); Jorgensen, 2004; Galvão, 21 2006), como também todo o processo de preparação e organização que o instrumentista utiliza para construir a performance (Ray, 2005, 2009 e 2015; Chaffin, Imreh e Crawford, 2002; Reid, 2002) têm sido amplamente estudados nos últimos anos. Durante o processo de preparação para a performance de uma obra musical, o performer encontra diversos desafios a vencer. Desafios que vão desde a organização da prática e a definição de seus objetivos ao completo entendimento dos movimentos envolvidos na performance, a compreensão do texto musical e comunicação de uma interpretação expressiva e coerente com seu pensamento musical. No decorrer deste processo questões como a escolha de dedilhados, movimento das mãos e corpo, escolha de andamento, organização dos planos sonoros e dinâmicos, rubatos, alterações do tempo, compreensão da estrutura da obra, dentre outros aspectos refletem a capacidade do intérprete de compreender o texto musical, capacidade esta que se fundamenta em sua experiência musical. Sloboda (2008) define experiência musical como o acúmulo de informações musicais que permitem ao músico a formação de padrões ou habilidades gerais as quais são somadas ao conhecimento específico de cada obra na construção da performance. Assim como o compositor, o performer é um criador, possuindo estratégias específicas que possibilitam sua criação. Estas podem estar relacionadas ao modo como ele compreende e organiza o texto musical. Palmer (1997) sugere: (...) uma considerável liberdade em decidir como interpretar o conteúdo da música. Interpretação se refere à modelagem individual do intérprete de uma peça de acordo com suas próprias ideias ou intenções musicais. As diferenças na interpretação podem esclarecer por que uma mesma partitura musical é interpretada diferentemente por diferentes intérpretes ou por que o mesmo intérprete pode tocar uma peça diferentemente em ocasiões distintas. (Palmer, 1997, p. 119. tradução minha) 4 Estas estratégias são desenvolvidas com a experiência musical e a prática. Barry e Hallam (2002) afirmam que os músicos “praticam para obter proficiência técnica, aprender novo repertório, desenvolver a interpretação musical, memorizar música e preparar para a performance” 5 (Barry e Hallam, 2002, p. 151, tradução minha). Krampe e Ericsson (1995) definem a prática como uma atividade altamente estruturada com o objetivo explícito de melhorar algum aspecto da performance. Vários estudos têm demonstrado a relação entre a 4 "(…) a considerable freedom in deciding how to interpret the music’s content. Interpretation refers to performer’s individualistic modeling of a piece according to their own ideas or musical intentions. Differences in interpretation can account for why the same musical score is performed differently by different performers or why the same performer may perform a piece differently on separate occasions." (Palmer, 1997, p. 119) 5 "(…) practice to gain technical proficiency, learn new repertoire, develop musical interpretation, memorize music, and prepare for performances" (Barry e Hallam, 2002, p. 151). 22 quantidade de horas dedicadas à prática e o alcance da proficiência (Ericsson, Krampe e Tesch-Romer, 1993; Krampe e Ericsson, 1995; Sloboda, Davidson, Howe e Moore, 1996). Williamon e Valentine (2000) complementam esse conceito em estudo que avaliou não só a quantidade de prática, mas também a qualidade da mesma. Segundo os autores o conteúdo e a qualidade da prática são essenciais na avaliação do resultado, e não apenas o acúmulo de horas. Desta forma podemos inferir que a efetividade da prática está diretamente relacionada em como esta prática está organizada a partir dos objetivos e estratégias definidas para alcançá-los. Jorgensen (2004) lembra que a prática efetiva deve incluir três fases: o “planejamento e preparação da prática”, a “execução da prática” e a “observação e avaliação da prática”. Estes três momentos incluem a seleção e organização da atividade, o estabelecimento de metas, a prática propriamente dita, a organização do tempo, a preparação para a performance pública e a avaliação dos resultados e do processo. Estas fases descritas por Jorgensen vão de encontro com três perguntas propostas por Reid (2002) que devem permear uma prática eficiente: "o que eu desejo alcançar? Quais métodos posso empregar para alcançar meu objetivo? Meus métodos são eficazes?" 6 (Reid, 2002, p. 110) Desta forma, é possível monitorar constantemente os objetivos, resultados e o processo envolvido na atividade de modo efetivo realizando uma prática reflexiva, cuidadosamente planejada e com a máxima eficiência para que se alcance os resultados esperados. Uma prática efetiva deve empregar estratégias claras de planejamento, organização, distribuição do tempo e seleção de tarefas e objetivos (Jorgensen, 2004; Barry e Hallam, 2002). Por exemplo, durante um período de prática, a divisão do tempo entre estudos de aquecimento, preparo técnico e repertório, seleção de trechos que serão abordados, enfoque em determinado trecho com maior dificuldade técnica, testes em tocar a obra completa, aumento progressivo da velocidade de determinado trecho e constante avaliação dos resultados e eficiência dos métodos empregados. (Jorgensen, 2004). Barry e Hallam (2002) apontam a metacognição como característica central da prática. As habilidades metacognitivas referem-se ao conhecimento do processo e habilidade em planejar, monitorar sua prática tendo consciência de seus pontos fracos e fortes. A prática deve ser aprendida e constantemente avaliada para que cada vez seja mais eficiente e efetiva. Para Lehmann, Sloboda e Woody (2007), a prática possui fases distintas. A primeira fase é aquela onde o músico tem uma visão geral da obra. Se caracteriza pela leitura da peça, 6 What am I hoping to achieve? What methods ca I employ to achieve my goal? Have my methods been successful? 23 audição ou análise. A segunda fase é aquela onde se realiza o trabalho para o domínio da obra, onde a peça musical é estudada por partes, as dificuldades técnicas são abordadas, a concepção artística da obra é criada. A terceira fase é aquela onde a obra é aperfeiçoada, refinada e preparada na sua totalidade. A memorização é segura e testada em situações de simulação de performance. A quarta e última fase refere-se à manutenção da obra, podendo ocorrer pequenas modificações interpretativas e revisões de aspectos técnicos e de memorização. A eficiência da prática é condicionada por estratégias que funcionam e portanto, as estratégias mais efetivas vão resultar em um aprendizado mais rápido e melhor (Chaffin e Lemieux, 2004). Cinco características fundamentais da prática efetivas são apontadas por Chaffin e Lemieux (2004):  concentração  estabelecimento de metas  autoavaliação  estratégias  imagem global da obra (the big picture) Os autores lembram que a concentração é uma importante característica da prática e essencial para sua qualidade. O estabelecimento de metas, a autoavaliação e estratégias são propriedades que corroboram as fases propostas por Jorgensen (2004) e as perguntas propostas por Reid (2002). A imagem global da obra refere-se à habilidade de ter na mente um cenário claro da obra, seu conteúdo expressivo, emocional e estético, o que irá influenciar as decisões iniciais sobre aspectos técnicos e interpretativos, otimizando o tempo de aprendizagem (Chaffin e Lemieux, 2004). Segundo o eminente professor e pianista russo Neuhaus refere-se à "imagem artística" da obra (Neuhaus, 1973 apud Chaffin e Lemieux, 2004). Outro aspecto frequente na literatura sobre a preparação para a performance refere-se à memorização. Ginsborg (2004) comenta que é muito comum em vários estilos musicais os músicos tocarem de memória. A autora aponta que dentre as vantagens de se tocar de memória pode se destacar a não necessidade de virar páginas, poder monitorar aspectos físicos da performance (como observar as mãos), não dividir o palco com alguém para virar páginas (no caso de pianistas), mas talvez a principal vantagem em tocar de memória seja melhorar a musicalidade e a comunicação musical. A autora lembra ainda que mesmo podendo haver esses benefícios em tocar de memória, o processo de memorizar e tocar de 24 memória pode ser árduo. O medo de lapsos de memória é comum tanto entre músicos profissionais como não profissionais. Por essa razão o processo de memorização deve ser cuidadosamente abordado para que seja eficiente e propicie ao músico a oportunidade de melhorar sua comunicação musical e não se torne mais um elemento de estresse na performance. A memória, segundo o modelo de Atkinson e Shiffrin (1968) citado por Ginsborg (2004), está dividida em três estruturas: memória sensorial, memória de curto prazo e memória de logo prazo. A memória sensorial está relacionada com as diversas informações que recebemos do ambiente por nossos sentidos como visão, tato, audição. A grande parte dessas informações não recebem a nossa atenção e por isso não são retidas, mas quando fixamos a atenção em alguma dessas informações, como por exemplo o local que deixamos o carro no estacionamento, esta é transferida para a memória de curta duração. Segundo a autora, na performance musical, essa memória é fundamental em tarefas como a leitura e improvisação. Com a prática e elaboração da memória de curto prazo esta informação é transferida para a memória de longa duração, que tem características de conhecimento do processo (saber como), conhecimento semântico (saber que) e conhecimento episódico (associações pessoais especificas). Ginsborg (2004) aponta diferentes estratégias de memorização musical: a memorização visual, a auditiva e a tátil ou sinestésica. A memorização sinestésica utiliza as informações motoras, como o movimento das mãos e dedos e consiste, segundo ela na repetição de um determinado trecho até que este possa ser automatizado. A memorização visual consiste em gravar os elementos presentes na partitura musical, e também na visão da posição do instrumento e do corpo. A memorização auditiva consiste em gravar as informações sonoras como por exemplo, uma melodia ou sequencia harmônica. A autora lembra ainda da importância da análise para a memorização, conhecer como frases e seções estão agrupadas, as mudanças de tonalidade e sequências harmônicas, por exemplo, são essenciais para no processo de memorizar uma obra musical. A autora recomenda para uma memorização efetiva:  Analise a música que você vai memorizar para entendê-la e organizá-la, usando a memória conceitual como compreender sua estrutura  Divida a música e pratique-a em pequenas seções, de uma seção a outra, aumentando o tamanho do fragmento à medida que você se familiariza com a música 25  Use memória sinestésica em conjunto com a memória visual ou auditiva, ou ambas 7 (Ginsborg, 2004, p. 137, tradução minha). Ginsborg, Chaffin e Nicholson (2006) lembram que na preparação para a performance é essencial que o performer desenvolva uma representação mental da obra criando um mapa mental com pontos organizados em seções e pontos estruturais que organizam a obra. Chaffin, Imreh e Crawford (2002) explicam que quando memorizamos organizamos as informações em partes (chunking) que formam padrões que tem algum sentindo. Por exemplo, uma determinada palavra forma uma unidade e não várias letras. Segundo os autores, quanto mais experiente for o performer mais associações e padrões ele consegue formar, como por exemplo escalas, arpejos e sequências harmônicas. Esses padrões que podem ser elementos da estrutura da obra, aspectos expressivos ou elementos “artísticos ou inspiracionais” e se constituem em importantes elementos de recuperação da memória. Os Guias de execução (performance cues), (Chaffin, Imreh e Crawford, 2002; Ginsborg, Chaffin e Nicholson, 2006) são pistas para recuperação dos dados na memória e consistem em pensamentos e elaborações do próprio performer sobre determinado trecho da obra. Esses guias são importantes elementos que ajudam o músico a consolidar o processo de memorização. Cardassi (2000) aborda os vários aspectos na preparação para uma performance pública. Além da prática ou preparação artística como descreve a autora, menciona também a preparação organizacional, a preparação psicológica e a preparação física. Segundo a autora, a preparação artística abrange a escolha do repertório e seu estudo, a preparação organizacional envolve os aspectos de produção do recital como confecção de programas e convites e divulgação; a preparação psicológica refere-se ao controle da ansiedade na performance e a concentração e a preparação física envolve elementos de hábitos saudáveis que vão desde uma boa alimentação à prática regular de atividade física. O aspecto emocional e psicológico tem um papel essencial no processo de preparação para a performance, uma vez que o performer musical lida constantemente com a exposição pública no palco ou em situações de bancas de provas ou concursos. Ray (2009b) lembra que a ansiedade, mesmo em casos onde o músico tenha qualidade e uma formação sólida pode impedir que a performance seja bem sucedida. Wilson e Roland (2002) afirmam que a ansiedade está relacionada com o medo de avaliações negativas pelos outros. Os autores 7 Analyze the music you are to memorize in order to understand it and organize it, using conceptual memory as an overarching framework Chunk the music and practice it in small sections, from one structural boundary to the next, increasing the size of chunk as you become more familiar with the music Use rote, kinesthetic memory in conjunction with either visual or aural memory or both (Ginsborg, 2004, p. 137) 26 relacionam a ansiedade com características como o perfeccionismo, que se caracteriza pela alta expectativa não realística de si mesmo e de outros. O comportamento perfeccionista tende a gerar no indivíduo uma alta autocrítica e como consequência baixa autoestima. Outro aspecto de personalidade que os autores relacionam à ansiedade é a necessidade de excessivo controle pessoal, o que leva o indivíduo a se sentir incapaz em circunstâncias não previstas. A performance musical é uma atividade extremamente complexa e administrar todos estes aspectos não é uma tarefa fácil, o que pode gerar ansiedade. Kenny e Osborne (2006) lembram que: A performance musical requer um alto nível de habilidade em uma gama diversificada de áreas, incluindo extrema destreza e coordenação motora fina, atenção e memória, habilidades estéticas e interpretativas. Para alcançar proeminência é requerida a realização próxima da perfeição, exigindo anos de treinamento, prática solitária e constante e intensa autoavaliação. 8 (Kenny e Osborne, 2006 p. 109 - 110, tradução minha) Wilson e Roland (2002) indicam que a percepção de uma situação de ameaça por um indivíduo pode ser o gatilho para a ansiedade, o que pode ser gerado por: 1. superestimar a probabilidade de medo de um evento 2. superestimar a importância do evento temido 3. subestimar os recursos de enfrentamento (o que o indivíduo pode fazer a respeito) 4. subestimar os fatores de ajuda (o que outras pessoas podem fazer para ajudar o indivíduo) 9 (Wilson & Roland, 2002, p. 49, tradução minha). Papageorgi, Hallam e Welch (2007) apresentam uma estrutura conceitual para a ansiedade na performance musical. Segundo os autores alguns fatores contribuem para o aumento da ansiedade: aspectos como gênero, idade, diferenças individuais e características de personalidade, baixa autoestima, sensibilidade à avaliação por outros, expectativa de resultados negativos, desenvolvimento insuficiente de habilidades metacognitivas, experiência de performance limitada, experiências anteriores e estresse são fatores que podem tornar o performer suscetível à ansiedade. Além dos fatores acima os autores destacam que aspectos como: preparação inadequada, abordagem superficial da aprendizagem, motivação para 8 Music performance requires a high level of skill in a diverse range of skill areas including fine motor dexterity and co-ordination, attention and memory, aesthetic and interpretative skills. To achieve prominence requires the attainment of near perfection demanding years of training, solitary practice, and constant, intense self-evaluation (Kenny e Osborne, 2006 p. 109 - 110). 9 1. Overestimating the probability of a feared event 2. Overestimating the severity of the feared event 3. Underestimating coping resources (what you can do about it) 4. Underestimating rescue factors (what other people can do to help you) (Wilson & Roland, 2002, p. 49) 27 realização relacionada ao medo do fracasso e alta dificuldade da tarefa são fatores que podem influenciar a eficiência da tarefa do performer. E finalmente fatores relacionados ao ambiente da performance como: a presença do público, percepção autoexposição e condições de performance insatisfatórias também podem contribuir para o aumento da ansiedade. A estrutura conceitual proposta relaciona as condições de pré-performance (características cognitivas para suscetibilidade à ansiedade, eficiência na preparação, motivação, ambiente da performance) à avaliação cognitiva da situação pelo performer e consequente estado psicológico anterior à performance, o que durante a performance ativa o sistema nervoso autônomo de modo a preparar o performer para lidar com a tarefa produzindo determinado nível de excitação (baixo, médio ou alto). Tanto o alto quanto baixo nível de excitação não são considerados como ideais, enquanto o nível médio de excitação é considerado o ideal para a situação de performance. Os diferentes níveis de excitação podem conduzir a resultados positivos ou negativos na performance e levar a um feedback pós- performance que de acordo com a percepção de sucesso ou não pode gerar autoconfiança ou ansiedade em situações similares futuras (Papageorgi, Hallam e Welch, 2007). Estes aspectos vão além do trabalho realizado na prática para alcançar determinada proficiência técnica ou aprendizado de um determinado repertório, podendo representar motivos de fracasso ou baixo desempenho no momento da performance. A performance musical é uma atividade multifacetada, no sentido que envolve variadas formas e tipos de abordagens em sua construção. A preparação para a performance implica em relações entre várias áreas do conhecimento que são fundamentais na construção da performance musical (Ray, 2005). Ray (2005) expande a visão de performance musical ao propor os Elementos da Performance Musical (EPM). Estes elementos são organizados em seis aspectos: conhecimento do conteúdo, aspectos técnicos, aspectos anato-fisiológicos, aspectos psicológicos, aspectos neurológicos e musicalidade e expressividade. A autora lembra que estes elementos ocorrem simultaneamente durante uma performance musical, ainda que os mesmos possam ser abordados individualmente em pesquisas. O conhecimento do conteúdo é definido por Ray (2015) como o “texto musical, a noção estético-musical e a formação do performer”. (Ibid., p. 40) Os aspectos técnicos abrangem o “domínio do instrumento, a produção musical, a qualidade do material de estudo e a orientação adequada.” (Ibid., p. 41). Os aspectos músculo-esqueléticos referem-se ao uso do corpo com as particularidades de cada parte e a sua preparação para as atividades do 28 performer. Os aspectos psicológicos envolvem o preparo emocional do performer, especialmente em situação de performance pública. A autora recomenda que “a estrutura emocional de um músico precisa ser trabalhada tanto quanto suas habilidades motoras aprofundadas juntamente com o crescimento do seu conhecimento do contexto musical das obras que ele executa” (Ibid., p. 45). Os aspectos neurológicos fazem referência a todas as nossas ações, que são governadas pelo cérebro. A musicalidade e expressividade estão relacionadas com a interpretação do texto musical e a imaginação. A autora ressalta que este elemento composto (musicalidade e expressividade) é melhor observado em simultaneidade com os demais, uma vez que estes aspectos dificilmente serão observados se o conteúdo, o corpo e a mente não estiverem bem preparados (Ray, 2005). Todos estes elementos demonstram a complexidade do fazer musical e sua preparação. Esta abordagem interdisciplinar revela que estes vários aspectos devem ser estrategicamente pensados e organizados para que o músico possa ser capaz de desenvolver as habilidades necessárias para a preparação da performance musical, possibilitando assim alcançar o melhor resultado possível. As pesquisas relacionadas com a preparação para a performance abordam diferentes aspectos relevantes na rotina do performer e vão muito além da preparação técnica ou interpretativa de uma determinada obra. A performance musical envolve vários fundamentos como explica Ray: Toda performance musical envolve pelo menos um agente (instrumentista, cantor ou regente) e quatro fundamentos: 1) o domínio da manipulação física do instrumento; 2) o amplo conhecimento do texto a ser interpretado, bem como as considerações estéticas a ele relacionadas; 3) condições de interagir com os aspectos psicológicos envolvidos no exercer da profissão e 4) condições de reconhecer os limites do seu corpo constantemente e prioritariamente no contato com o instrumento. (Ray, 2005 p. 39) A literatura consultada deixa claro que a preparação para a performance é parte essencial no trabalho do performer musical e apresenta grande variedade de aspectos que são demandados em uma performance musical de sucesso. A preparação técnica e musical, os aspectos psicológicos neurológicos e físicos, a memória e todos os aspectos abordados são parte de um todo complexo que culmina com o objetivo final que é a performance musical. 29 1.2 Prática Mental Dentre os vários aspectos que envolvem a preparação para a performance musical a prática mental é apontada como uma importante estratégia neste processo (Barry e Hallam, 2002; Jorgensen, 2004). Connolly e Williamon (2004) definem a prática mental como um ensaio cognitivo ou imaginário de uma habilidade física sem movimento muscular visível. Os autores lembram ainda que os sentidos (auditivo, visual e sinestésico) podem ser usados para criar ou recriar uma experiência que é similar ao evento físico. É evidente que a prática mental não substitui a prática física no instrumento, mas esta pode ser uma importante estratégia para complementar a prática tradicional. Jorgensen (2004) comenta que o pianista húngaro Sandor Kovacs, publicou em 1916 o primeiro estudo sobre a prática individual. Neste estudo ele investigava os problemas que seus alunos tinham em preparar peças difíceis memorizadas e concluiu que os músicos deveriam realizar prática mental, principalmente no processo inicial de aprendizagem de nova obra. Gieseking e Leimer (1972) em sua obra Piano Technique de 1932, lembram da necessidade de se desenvolver o ouvido interno e praticar mentalmente a obra antes mesmo de iniciar o trabalho no instrumento. Seu método é baseado na memorização da partitura pela prática mental, por meio da descrição dos elementos da partitura musical. Jorgensen (2004) lembra que a prática com objetivo de aprendizagem pode ser dividida em “playing practice” (prática no instrumento) e “nonplaying practice” (prática fora do instrumento). O autor ainda sugere equilibrar o tempo da prática no instrumento e fora do instrumento, e lembra que a prática mental concentrada pode ser uma maneira de prevenir o uso exagerado da musculatura. O professor e pianista Christian Pohl (2015) apresenta a prática mental como uma maneira de melhorar a performance musical. Segundo o autor, com o desenvolvimento do treinamento mental é possível melhorar a qualidade da prática, tornando-a mais eficiente, adquirir mais segurança técnica na performance musical, intensificar a expressão musical e realizar performances mais seguras. Define prática mental como “praticar algo somente na imaginação” e para isso o autor ressalta a necessidade de três habilidades: “concentração (focalização da atenção), poder de imaginação e poder de sugestão” (Pohl, 2015, p. 96). Segundo ele, a primeira fase da prática refere-se à elaboração mental da obra, que consiste na análise do texto musical e memorização. A segunda fase refere-se à elaboração instrumental onde segundo o autor, transformamos nossas noções da obra em som real. Após essa fase o 30 autor sugere a aplicação da prática mental de maneira diversificada: treinamento mental para o aprofundamento do conhecimento do texto musical, para intensificação de nossa vontade de nos expressarmos musicalmente, para estabilização da técnica instrumental. A prática mental pode ser utilizada e desenvolvida em diversas situações do processo para preparação da performance. Connolly e Williamon (2004) explicam que esta estratégia pode ser empregada para desenvolver a concentração, como rotina de preparação pré- performance, simulação de performances ideais, dentre outros. Barry e Hallam (2002) comentam que a prática mental é o ensaio cognitivo de determinada atividade sem a atividade física, e que esta é mais eficaz nas condições: • Se o indivíduo tiver alguma experiência anterior com a tarefa ou com uma tarefa similar • Durante os estágios iniciais do aprendizado, quando o indivíduo está começando a formular ideias sobre a tarefa e, nas fases posteriores, quando estratégias mais complexas se desenvolveram • Se o indivíduo puder expressar a tarefa verbalmente • Se o indivíduo aprendeu técnicas apropriadas de prática mental, como concentração e visualização • Quando usado em combinação com a prática física • Se as sessões de prática mental forem curtas • Quando os indivíduos também imaginam respostas nos músculos que realmente executam o movimento. 10 (Barry e Hallam, 2002, p. 153 - 154, tradução minha) Connolly e Williamon (2004) também apontam alguns princípios gerais que podem tornar a prática mental mais eficiente:  prática regular, principalmente pela manhã (May, et al., 1993; Yoon, et al., 2000; Hasher, et al., 2002 apud Connolly e Williamon, 2004);  prática mental por períodos curtos e regulares (Weinberg, 1982 apud Connolly e Williamon, 2004);  utilização de relaxamento antes de iniciar a prática mental para que a comunicação entre mente e corpo seja clara; 10 • If the learner has some prior experience with the task or with a similar task • During the early stages of learning when the student is just beginning to formulate ideas about the task and during later stages when more complex strategies have developed • If the learner can express the task verbally • If the learner has been taught proper techniques of mental practice such as focused concentration and visualization • When used in combination with physical practice • If mental practice sessions are brief • When individuals also imagine responses in the muscles that would actually perform the movement (Barry e Hallam, 2002, p. 153 - 154) 31  prática mental focada nas habilidades ou qualidades que se está trabalhando no estudo técnico;  atitude positiva e focada em aspectos que podem melhorar a performance;  uso de todos os sentidos, de forma a acreditar que está na situação, praticando para que cada vez as imagens mentais sejam mais claras;  observar como se visualiza, se externamente (vendo a situação como expectador) ou internamente (vendo a situação como se realmente estivesse realizando) (Connolly e Williamon 2004). Várias pesquisas experimentais têm abordado a prática mental e demonstrado que esta estratégia pode melhorar vários aspectos da preparação para a performance musical. Bernardi et al. (2012) realizaram experimento comparando a prática mental e a prática física de pianistas na preparação de trechos memorizados de sonatas do compositor Domenico Scarlatti. O estudo concluiu que o grupo que utilizou a prática mental combinada com pequeno período de prática física obteve resultados similares ao grupo que utilizou apenas a prática física. O grupo que utilizou apenas a prática mental apresentou resultados inferiores ao grupo que utilizou a prática física. Os resultados apontam vantagens como: otimizar o tempo disponível para a prática, ter uma compreensão mais profunda e sólida representação mental das peças que está praticando, evitar o excesso de prática e prevenir lesões. Cahn (2008) também aponta que a prática mental pode ser efetiva quando combinada com a prática física. Fine e Bravo (2011) examinaram o uso e a percepção do significado dos termos prática mental e análise da partitura. Os resultados mostraram que os participantes neste estudo consideram a prática mental importante para ampliar a familiaridade com a música e para a preparação para a performance. Setenta por cento dos participantes responderam que a prática mental é muito útil ou vital, enquanto quarenta e oito por cento dos participantes consideraram a análise da partitura muito útil. Clark e Williamon (2011) realizaram estudo examinando o papel de um programa de treinamento mental para músicos. O programa avaliou durante um período de nove semanas estudantes de conservatório na Inglaterra. Os objetivos do programa foram: (...) facilitar o aprimoramento e a compreensão dos participantes de sua própria prática e atividades de preparação para performance, como eles respondem às várias situações de performance e como estes comportamentos 32 e respostas podem influenciar suas habilidades de aprendizagem e performance.(Ibid., p. 349) 11 O programa de treinamento consistiu em uma sessão de 60 minutos em grupo e 30 minutos de sessão individual por semana. Foram oferecidos treinamentos de prática mental com relevância para a preparação para a performance, em aspectos como por exemplo: motivação, prática efetiva, estratégias de relaxamento, concentração e aperfeiçoamento da performance. Os participantes relataram aumento de autoconsciência da preparação efetiva para a performance, segurança e efetiva melhora em habilidades musicais e proficiência técnica. Os resultados demonstraram ainda significante aumento na habilidade imagética. Allan (2016) realizou entrevistas com estudantes de performance musical para avaliar como eles utilizam estratégias de prática mental. A maioria dos entrevistados mostraram que não estão familiarizados com estratégias mentais. Revelaram que enfrentam desafios como medo, ansiedade na performance, falta de confiança, dentre outros. Parte deles (40,4%) afirmam não saber como utilizar a prática mental para melhorar suas performances. Mielke e Comeau (2017) realizaram extenso levantamento da literatura sobre a utilização da terminologia em prática mental. Segundo os autores, a literatura apresenta inconsistências e falta de clareza no uso da terminologia. Os autores prepararam um glossário, com base na literatura de termos relacionados com o assunto em questão. A terminologia e diagramas apresentados elucidam todos os termos que frequentemente são utilizados quando se refere à prática física e mental e oferece o suporte teórico necessário para a discussão sobre o tema. No diagrama apresentado pelos autores, a técnica de prática mental está relacionada com os conceitos de: modelagem, imagética, e análise da partitura. A modelagem (modeling) consiste na utilização de um modelo no ensino. O professor demonstra (tocando, cantando ou mesmo uma gravação) e o estudante imita. Esta técnica pode ser utilizada para demonstrar os mais variados aspectos da performance musical (Dickey, 1992). Woody (1999) explica: No ensino da performance musical expressiva, os professores geralmente usam a estratégia instrucional da modelagem. Um professor pode executar um trecho musical para que os alunos imitem o estilo ou a expressão do modelo dado em sua própria performance. Supõe-se que a capacidade de imitar a expressividade de um modelo de alta qualidade seja um pré- 11 (...) to facilitate increased refinement and understanding in the participants of their own practice behaviors and performance preparation activities, how they respond to various performance related situations, and how such behaviors and responses could influence their abilities to learn and perform. 33 requisito para incorporar a expressividade "original" nas próprias performances. 12 (Woody, 1999, p. 331, tradução minha) A modelagem é essencial no desenvolvimento dos recursos necessários para a prática mental. No diagrama de Mielke e Comeau (2017), a modelagem se relaciona com a formação da imagem sonora do que se está praticando, mas pode-se acrescentar que também está relacionado com a modelagem, os aspectos motores e visuais. Quando o professor demonstra no instrumento determinado dedilhado ou posição da mão, ele está ajudando o estudante a formar uma imagem motora e visual daquela situação. Outro conceito que Mielke e Comeau (2017) relacionam com a prática mental é a análise da partitura, que definem como "estudo dos elementos e/ou estrutura de uma representação de obra musical escrita ou impressa" 13 (Ibid., p. 12, tradução minha). A prática mental é frequentemente relacionada também ao conceito de imagética (imagery), que significa a representação mental de determinada atividade ou objeto (Ibid.). A habilidade de imaginar a performance musical em seus detalhes visuais, sonoros, sinestésicos e motores é condição fundamental para a prática mental. Segundo Keller (2012): A imagética musical é considerada um processo multimodal pelo qual um indivíduo gera a experiência mental de características auditivas de sons musicais, e / ou visuais, proprioceptivo, sinestésico e propriedade táteis de movimentos relacionados à música, que não estão (ou ainda não) necessariamente presentes no mundo físico. Tais imagens mentais podem ser geradas através de pensamento deliberado ou respostas automáticas a sinais endógenos e exógenos. 14 (Keller, 2012, p. 206, tradução minha) Haddon (2007) afirma que a imagética musical tem variadas aplicações (memorização, melhor compreensão de aspectos musicais, interpretação, melhor preparação para a performance, melhor compreensão técnica, dentre outros aspectos) e apresenta consideráveis 12 In teaching expressive musical performance, music educators commonly use the instructional strategy of modeling. A teacher might perform a musical excerpt in order for students to imitate the style or expression of the modeled performance in their own playing or singing. It is assumed that the ability to imitate the expressivity of a high-quality model is prerequisite to incorporating "original" expressivity into one's own performances. (Woody, 1999, p. 331) 13 Study of the elements and/or structure of a written or printed representation of a musical work. (Mielke e Comeau, 2017, p.13) 14 Musical imagery is assumed to be a multimodal process by which an individual generates the mental experience of auditory features of musical sounds, and/or visual, proprioceptive, kinesthetic, and tactile properties of music-related movements, that are not (or not yet) necessarily present in the physical world. Such mental images may be generated through either deliberate thought or automatic responses to endogenous and exogenous cues. (Keller, 2012, p. 206) 34 benefícios em todos os tipos de atividades musicais. Mielke e Comeau (2017) definem os tipos de imagética como: Imagética auditiva: representação acústica mental de um objeto ou evento. Imagética sinestésica: representações mentais relacionadas com sensação de movimento sem a execução do movimento: um tipo de imagética motora. Imagética motora: representações mentais relacionadas com o movimento, mas sem a execução do movimento. Imagética visual: representações mentais visuais de objetos, eventos ou movimentos. 15 (Mielke e Comeau, 2017, p. 11-12, tradução minha) Abaixo o diagrama apresentado por Mielke e Comeau (2017) que expõe as estratégias de prática na performance musical: 15 Auditory imagery: Acoustic mental representations of objects or events Kinesthetic imagery: Mental representations related to the feeling of movement without actual movement execution: a type of motor imagery Motor imagery: Mental representations related to movement but without movement execution Visual imagery: Optical mental representations of objects, events, or movements (Mielke e Comeau, 2017, p. 11 - 12) Performance Musical Prática Estratégias da Prática Prática física feedback feedback auditivo feedback motor Prática mental Técnica de prática mental análise da partitura modelo / modelagem modelo auditivo imagem / imagética modalidade de imagética imagem auditiva / imagética imagética motora imagética sinestésica imagética visual habilidade de imaginação Figura 1 - Taxonomia de prática mental na performance musical proposto por Mielke e Comeau 35 Holmes e Collins (2001) desenvolveram um modelo chamado PETTLEP para ser utilizado como um guia para utilização de imagética na performance de esportistas, tornando a experiência mental mais próxima da prática física. O acrônimo PETTLEP compreende a sete aspectos 16 : físico, ambiente, tarefa, timing, aprendizagem, emoção e perspectiva. Wright, Wakefield e Smith (2014) propuseram uma aplicação deste modelo para a performance musical. O elemento físico refere-se à imagética de todo o movimento da performance o mais próximo possível do movimento real, as sensações de tocar o instrumento, o som, a visualização do instrumento sendo tocado. Os autores recomendam inclusive se utilizar a mesma posição utilizada para tocar e segurar o instrumento. O elemento ambiente refere-se à imagética do local onde a atividade é realizada. Quando isso não é possível Holmes e Collins (2001) sugerem utilizar imagens como fotos ou vídeos do local onde a performance ocorrerá. O elemento tarefa está relacionado com a ideia da imagética ser específica do individuo associada a situação particular. Os autores lembram que incorporando o significado pessoal à imagética é possível fornecer maior acesso a caminhos neurais ativos durante a performance. O elemento timing refere-se à velocidade que a imagética deve ser executada. Neste modelo a imagética deve ser executada no tempo real. Wright, Wakefield, e Smith (2014) afirmam que este aspecto é especialmente importante na performance musical uma vez que a precisão do timing é fundamental. O elemento aprendizagem refere-se à adaptação pessoal ao nível de desempenho na habilidade. Dependendo do nível de habilidade do performer, se iniciante ou experiente a imagética do movimento é diferente e será mais refinada a medida que o nível de habilidade avança. O elemento emoção faz referência a recriar as emoções que ocorrem durante a performance. Segundo os autores esse elemento pode abranger imaginar sensação de entusiasmo, concentração durante a performance e envolver também emoções positivas com relação à performance. O elemento perspectiva refere-se a como a imagética ocorre, se em primeira pessoa, ou seja se o performer está se visualizando fazendo a tarefa, ou se em terceira pessoa, ou seja se o performer está visualizando a sua tarefa do ponto de vista de outra pessoa. 16 PETTLEP: Physical, Environment, Task, Timing, Learning, Emotion, and Perspective (Holmes e Collins, 2001) 36 Wright, Wakefield e Smith (2014) assinalam que a pesquisa sobre imagética demonstra que esta é uma técnica efetiva para melhorar aspectos da performance musical e que o modelo PETTLEP tem se mostrado eficaz em estudos na área do esporte, mas sua eficácia no campo da performance musical ainda carece de estudos. A prática mental pode ser utilizada no processo de preparação para a performance e também como estratégia didática na aula de performance musical, desde que orientada e treinada. Estudos mostram que a prática mental pode se constituir numa importante ferramenta para o músico melhorar vários aspectos de sua performance (Cahn, 2008; Fine e Bravo, 2011; Bernardi, et. al., 2012). Connolly e Williamon (2004) destacam que as respostas de entrevistas com estudantes de conservatórios apontam que a prática mental pode:  melhorar a aprendizagem e memória,  tornar a prática mais eficiente,  vencer dificuldades técnicas e desenvolver habilidades,  desenvolver a consciência sensorial,  ganhar mais interesse pela música,  focar a atenção durante a performance,  melhorar a confiança e resistência no palco,  conseguir maior controle sobre emoções negativas,  alcançar seu melhor desempenho (peak experience). Os dados sugerem uma vasta aplicação de estratégias de prática mental, e a partir deste treinamento pode-se acrescentar estratégias eficientes no processo preparação e realização da performance musical. 1.3 Pedagogia da Performance Musical A pedagogia da performance musical representa uma fascinante interface do fazer musical e a formação específica do professor de performance musical ainda encontra muitos desafios. Borém e Ray (2012) ressaltam a necessidade de se repensar o ensino da performance: Na interface entre Performance e Pedagogia da Performance, se assim nomearmos este segmento da Educação Musical mais voltado para um ensino e aprendizagem instrumental de excelência, os instrumentistas e cantores tem um amplo campo de ação para discutir, experimentar e veicular estratégias pedagógicas. A partir de uma herança que caminha para 5 séculos 37 de existência (se considerarmos que a sistematização dos métodos instrumentais e vocais começam a se consolidar no Barroco), há uma necessidade contínua de repensar a aprendizagem de conteúdos musicais e técnicos em função dos avanços teóricos no ensino de música. (Borém e Ray, 2012, p. 146) O ensino da performance musical nos diversos níveis é ainda hoje muitas vezes fundamentado na própria formação do professor, que é repetida com seus alunos. Borém (2006) chamou a atenção para a questão ao afirmar que: (...) parece que ainda ignoramos esse que é um dos problemas mais graves no ensino e pesquisa na área de performance musical, o qual se traduz na tradição, herdada dos conservatórios, dos professores de não documentarem suas reflexões sobre a experiência de fazer e ensinar música. No mundo da performance musical, grandes instrumentistas e cantores permanecem como uma memória inacessível às gerações posteriores que não tiveram a oportunidade de ouvi-los enquanto eram ativos como intérpretes e professores. (Borém, 2006, p. 46) A aprendizagem musical baseada apenas na transmissão oral ou em concertos pode ser frágil, podendo se perder (Borém, 2006). Por essa razão é importante que o ensino da performance musical seja documentado e frequentemente reavaliado. Além disso, as pesquisas tanto no campo da performance musical quanto de outras áreas correlatas tem sido importantes para o avanço de novas técnicas e metodologias. Lima (2015) lembra que: Não se devem ignorar os avanços introduzidos na educação musical alicerçados na pedagogia, psicologia, psicopedagogia, ciências da cognição, psicomotricidade e na interdisciplinaridade para lidar com a complexidade deste aprendizado. Em determinado período eles são de fundamental importância, pois irão acionar e consolidar meios sensibilizadores para a compreensão musical numa perspectiva corporal, psíquica e intelectual. Áreas importantes do conhecimento tem trabalhado nesse sentido. Entretanto o estudo da performance musical exige condições técnicas que também devem ser trabalhadas. Um estudo sensibilizador tem um tempo para atuar, mas não pode ser o único modelo de ensino musical a ser seguido, outras formas de aprendizado devem ser incluídas no ensino musical. (Lima, 2015 p. 107) Ray (2015) apresenta o conceito de pedagogia, cuja compreensão é fundamental para o estudo da Pedagogia da Performance Musical. A autora explica que o termo pedagogia, que muitas vezes é utilizado como sinônimo de ensino, tem uma abrangência maior. Segundo ela “pedagogia diz respeito tanto ao ensino quanto às bases filosóficas que norteiam sua teoria e prática” (Ray, 2015, p. 27). Após extensa revisão de termos e levantamento sobre a pedagogia da performance musical, Ray (2015) propõe o seguinte conceito: 38 Pedagogia da Performance Musical é um campo de conhecimento que emerge da relação dialética entre educação e conhecimentos musicais fundamentado nas teorias e práticas formadoras do músico que necessariamente atua em público ou com a expectativa de estar em público em sua atividade principal. Não é campo independente, posto que o fazer musical é interdisciplinar por natureza, envolvendo aspectos múltiplos sempre orientados pela disciplina música. (Ray, 2015, p. 8) Este conceito defende que a pedagogia da performance musical está fundamentada na prática musical. Desta forma a prática da performance é fundamental também no processo de ensino musical. Ray lembra que "um professor de música parte da experiência de ser músico antes de ser professor, quer dizer, de vivenciar, em alguma dimensão, o contato com o fazer musical...” [Assim,] o “fazer musical, se coloca cada vez mais como o suporte para a docência.” (Ray, 2015 p. 60) Os conceitos acima levam à questão de como o professor de instrumento, a partir de sua experiência como performer, pode auxiliar o estudante a organizar todos esses elementos durante a preparação de sua performance. É fundamental que o performer seja capaz não somente de reproduzir de forma automática uma determinada performance, mas aprender a lidar com todos os elementos que envolvem a performance musical. Estas decisões vão refletir sua capacidade de compreender corretamente o processo no qual está envolvido, fundamentado em sua experiência musical. A literatura consultada apresenta a performance musical como uma complexa e elaborada atividade onde vários aspectos atuam de maneira interligada para que ela aconteça. Por ser atividade tão complexa, seu processo de preparação também apresenta variadas abordagens para que o resultado final seja eficiente e bem sucedido. No processo de ensino da performance musical todos estes aspectos envolvidos devem ser abordados afim de oferecer ao estudante as ferramentas necessárias para uma preparação segura e eficiente que tenha seus objetivos alcançados na realização musical. 39 CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E PESQUISA DE CAMPO 40 Este capítulo apresenta a metodologia e as estratégias utilizadas no decorrer da pesquisa de campo e os resultados alcançados. A partir da revisão de literatura realizada foi elaborado um questionário (ANEXO 1) para investigar a prática de preparação para a performance e a utilização da prática mental com professores, estudantes de graduação e pós- graduação na área de performance musical em universidades brasileiras selecionadas. O capítulo está organizado em três partes: a primeira parte apresenta os critérios para seleção dos participantes da pesquisa, a segunda expõe como o questionário foi construído, seus objetivos e sua aplicação, e a terceira parte apresenta os resultados obtidos com a aplicação dos questionários. 2.1 Seleção dos Participantes da Pesquisa 17 Os participantes desta pesquisa são professores e estudantes de graduação e pós- graduação vinculados à área de performance musical durante o ano de 2019, nas universidades selecionadas. As universidades foram selecionadas a partir do seguinte critério: universidades brasileiras que possuem programa de pós-graduação em música (mestrado ou doutorado) com área de pesquisa que contemple a performance musical. A partir deste critério foram selecionadas quinze universidades: Universidade de Brasília - UNB, Universidade de São Paulo - USP, Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, Universidade Federal da Bahia - UFBA, Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Universidade Federal de Goiás - UFG, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, Universidade Federal do Paraná -UFPR, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. O questionário foi elaborado e disponibilizado para preenchimento online. Optou-se pela utilização de um formulário online pela facilidade de aplicação, uma vez que o universo selecionado para este estudo compreende um grande número de instituições em diferentes estados brasileiros. O formulário foi enviado por e-mail contendo o link para acesso. 17 Esta pesquisa, uma vez que envolve a participação de seres humanos, foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa e registrado no sistema Plataforma Brasil, número de registro 99178218.4.0000.5400, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara- UNESP pelo parecer número 3.068.296. 41 2.2 Elaboração e Aplicação do Questionário O instrumento escolhido para coleta de dados neste estudo foi a aplicação de questionário para os sujeitos participantes. Este instrumento foi escolhido pela facilidade de aplicação e alcance, uma vez que o universo pesquisado abrange todo o país. O questionário possibilita que o participante o preencha em qualquer horário de acordo com sua disponibilidade e ainda garante o anonimato evitando qualquer exposição dos sujeitos. Gil (2011) define o questionário como: (...) técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou passado, etc. (Gil, 2011, p. 121) A elaboração do questionário deve ser cuidadosa com a observação de vários aspectos. A linguagem utilizada deve ser clara e simples para evitar qualquer dúvida em relação ao sentido e objetivo das questões, a extensão não deve ser muito longa para que o participante não se canse e desista de terminar a pesquisa. (Mucchielli, 1979; Laville e Dionne, 1999; Lakatos e Marconi, 2003; Gil, 2011). Lakatos e Marconi (2003) recomendam ainda que a ordem das questões é outro aspecto que merece atenção: o questionário deve iniciar por questões mais abrangentes e gerais conduzindo aos poucos para as questões mais específicas, o que é chamado de "técnica do funil". O questionário pode apresentar diferentes tipos de questões. As questões fechadas, onde o entrevistado tem uma lista de opções de respostas para escolher, as questões abertas, onde o entrevistado tem liberdade para dar sua resposta sem opções predeterminadas, e ainda as questões dependentes, onde determinada resposta pode levar a outra questão que só faz sentido de acordo com a resposta da questão anterior (Gil, 2011). Mucchielli (1979) apresenta também questões no formato "cafeteria" que combina respostas fechadas com possibilidade de complementação pelos participantes. O questionário utilizado neste estudo foi elaborado utilizando questões fechadas, abertas e tipo "cafeteria" de acordo com o conteúdo e objetivos de cada questão. A partir da revisão de literatura, o questionário foi elaborado com o objetivo de verificar como é realizada a preparação para a performance musical, a utilização da prática mental, bem como a prática pedagógica entre professores e alunos de graduação e pós- graduação em música que atuam no campo da performance musical. Para a aplicação do 42 questionário foi escolhido a plataforma "Google Forms" para preenchimento online pelos participantes. Inicialmente, elaborou-se a apresentação do questionário onde são expostos o tema da pesquisa e os objetivos, além dos dados do pesquisador e vinculação institucional. O participante é esclarecido que as respostas são anônimas e os dados serão utilizados apenas para a pesquisa em questão. As seis questões iniciais situam os participantes dentro da área de performance musical, sua vinculação com a instituição (se aluno ou professor) e no caso de alunos se atuam como professores particulares ou em outra instituição. Estas questões iniciais partem da premissa que a maioria dos sujeitos atuam como professores de performance musical em níveis distintos. A quinta pergunta com opção de resposta 'sim' ou 'não' refere-se à atuação do participante na área de performance musical, uma vez que a atuação na área é condição para participação na pesquisa, os participantes que respondem a opção 'não' tem sua participação encerrada e não continuam a responder as demais questões. As questões que se seguem partem da premissa que a preparação para a performance musical é multidisciplinar envolvendo vários aspectos que juntos proporcionam o resultado esperado numa performance bem sucedida. O objetivo destas questões é de verificar como ocorre a preparação para performance e suas características, além de sua aplicação no ensino da performance musical. As questões 12 a 19 abordam a prática mental e sua utilização na preparação para a performance e nas aulas de performance. A premissa que norteia estas questões é que a utilização de estratégias de prática mental são importantes ferramentas no processo de preparação para a performance. Nestas questões procurou-se não utilizar o termo prática mental, mas sim as estratégias de prática mental para que as respostas dos participantes não sejam influenciadas por qualquer conceito que os mesmos já possuam do tema. As questões seguintes abordam a prática durante períodos de eventual limitação física, seguindo a premissa de que a prática mental é uma importante estratégia em situações onde ocorre alguma limitação física temporária. Também foi incluída uma questão que aborda a ansiedade de palco, tendo como premissa que estratégias de prática mental, como a visualização da performance é uma importante estratégia no preparo psicológico para vencer a ansiedade de palco na performance musical. Finalmente é apresentada uma questão para verificar a familiaridade com o conceito de prática mental pelos participantes. 43 2.2.1 Pré-teste Segundo Mucchielli (1979 p. 60) o pré-teste consiste no "ato de colocar a prova o questionário como instrumento." O autor lembra ainda que o objetivo do pré-teste não é de obter algum resultado relacionado com os objetivos do questionário, mas avaliar o questionário como instrumento para se obter estes resultados. Gil (2011) salienta que o pré- teste tem por objetivo assegurar a validade e precisão do instrumento de coleta de dados, principalmente com relação a "clareza e precisão dos termos, forma de questões, desmembramento de questões, ordem das questões e introdução do questionário." (Gil, 2011 p. 134) Após a conclusão do questionário, realizou-se um estudo piloto com 4 (quatro) sujeitos não participantes da pesquisa, sendo 2 (dois) professores, 1 (um) estudante de graduação e 1 (um) estudante de pós-graduação durante o período de 4 a 9 de outubro de 2019. Os participantes relataram um tempo médio para responder o questionário de 12 minutos. Relataram ainda que o questionário apresenta linguagem clara e direta e que não tiveram dúvidas com relação ao preenchimento. Foram apontadas três observações relacionadas ao conteúdo das perguntas e respostas. Um dos professores participantes relatou que duas questões, segundo sua percepção abordavam o mesmo assunto. As questões apontadas pelos participantes foram as seguintes: a. Você acredita que estudos de uma peça fora do instrumento seja uma estratégia eficiente na preparação para a performance? b. Você acredita que o estudo de uma peça visualizando os movimentos corporais e imaginando o som apenas mentalmente seja uma estratégia eficiente na preparação para a performance? Outro participante relatou que as opções de respostas da questão sobre a memorização fora do instrumento não abrangiam todas as possibilidades. A questão apontada é a seguinte: Você acredita que a memorização da partitura sem execução, apenas estudo mental, seja uma estratégia eficiente na preparação para a performance? As opções de respostas são: a. não acredito que esta seja uma estratégia eficiente b. acredito que esta estratégia possa ser eficiente, mas não sei como utilizá-la c. acredito que esta estratégia seja eficiente em alguns aspectos d. tenho utilizado esta estratégia e tenho visto bons resultados A terceira colocação apontada sobre o questionário foi que as opções de respostas das questões sobre as estratégias de prática mental, as quais abordam se o participante acredita ou 44 não que estas estratégias são eficientes na preparação para a performance musical, deveriam incluir a opção "não sei", uma vez que o participante relatou não conhecer determinada estratégia, e desta forma não teria como responder se a mesma é eficiente ou não. Em função destes relatos foram feitos alguns pequenos ajustes no questionário. O primeiro foi suprimir a questão: você acredita que o estudo de uma peça visualizando os movimentos corporais e imaginando o som apenas mentalmente seja uma estratégia eficiente na preparação para a performance? O segundo ajuste foi incluir a opção "não sei" nas questões sobre as estratégias de prática mental e manter o mesmo padrão de respostas para todas as estratégias, inclusive a questão sobre a memorização fora do instrumento. 2.2.2 Aplicação do questionário Após os ajustes necessários apontados no pré-teste o formulário online foi disponibilizado para ser respondido pelos participantes. Os participantes das instituições selecionadas para este estudo foram convidados a participar da pesquisa por mensagem enviada via e-mail. Os endereços de e-mail dos professores de performance musical foram obtidos através dos sites dos cursos de graduação e pós-graduação de suas respectivas universidades. Foram enviados 301 e-mails para professores de performance musical. Os estudantes de graduação e pós-graduação foram contatados por meio dos coordenadores de curso. Foram enviados e-mails a todos os coordenadores dos cursos de graduação e pós- graduação das universidades selecionadas, solicitando que os mesmos encaminhassem os convites para participação na pesquisa. Foram enviados 30 e-mails para coordenadores de graduação e pós-graduação. Foi solicitado a cada instituição que informasse ao pesquisador o número de estudantes para os quais foram enviados os convites. Segundo as informações enviadas pelas instituições foram enviados 376 e-mails para estudantes de pós-graduação e 889 e-mails para estudantes de graduação. Os e-mails foram enviados entre o dias 18 e 30 de outubro de 2019. Foram registradas respostas durante o período de 18 de outubro a 20 de novembro de 2019. Participaram voluntariamente deste estudo 159 sujeitos, dos quais 13 participantes foram excluídos por não atuarem na área de performance musical (condição obrigatória estabelecida anteriormente), portanto foram consideradas válidas 146 participações, sendo 31 estudantes de graduação, 58 estudantes de pós-graduação e 57 professores. 45 2.3 Resultados A seguir são apresentados todos os resultados obtidos pelas respostas dos questionários. Dentre as 146 respostas válidas, 21,2% são estudantes de graduação; 39,7% estudantes de pós-graduação e 39% professores. A especialidade dos participantes e representatividade dos estados brasileiros neste estudo são apresentadas nos gráficos abaixo (Figuras 2, 3 e 4): Figura 2 - Perfil dos participantes Figura 3 - Representatividade dos estados dos participantes 39% 21% 40% Professores Alunos de Graduação Alunos de Pós- Graduação 6% 7% 3% 22% 2% 3% 9% 7% 6% 10% 25% Bahia Distrito Federal Goiás Minas Gerais Paraíba Paraná Rio de Janeiro Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul Santa Catarina São Paulo 46 Figura 4 - Número de participantes por especialidade 0 5 10 15 20 25 30 Bateria Canto Clarineta Contrabaixo Elétrico Contrabaixo Cravo/Fortepiano Flauta Doce Flauta Guitarra Oboé Órgão Percussão Piano Regência Saxofone Trombone Trompete Tuba Viola Violão Violino Violoncelo 4 13 4 1 5 1 3 8 6 1 2 8 28 8 2 3 6 1 5 20 13 4 Especialidade dos Participantes 47 Os participantes relataram em uma escala de 1 a 5, seu grau de satisfação com sua preparação para a performance musical. Os estudantes de graduação apresentaram as seguintes respostas: 1 - 3,2%; 2 - 35,5%; 3 - 35,5%; 4 - 22,6%; e 5 - 3,2%. Os estudantes de pós-graduação: 1 - 0%; 2 - 6,9%; 3 - 46,6%, 4 - 41,4% e 5 - 5,1%. Os professores: 1 - 0%; 2 - 0%; 3 - 15,8%; 4 - 59,5% e 5 - 24,7%. O gráfico a seguir apresenta estes resultados (Figura 5): Figura 5 - Grau de satisfação com o processo de preparação para a performance musical As tabelas abaixo (Tabelas 1 e 2) apresentam os resultados das principais características positivas da performance musical dos participantes e as principais dificuldades na performance musical. Dentre as características citadas pelos participantes na opção "outros" pode-se destacar dentre as características positivas: sensibilidade e originalidade na performance musical; e dentre as principais dificuldades: timidez, falta de tempo de preparo, conciliar atividades de performer com a carreira acadêmica, logística de ensaios, não amadurecimento do repertório e poucas oportunidades de performance. Três participantes relataram ainda não apresentarem nenhum tipo de dificuldade na performance musical. 1 2 3 4 5 3,1% 35,5% 35,5% 22,6% 3,2% 0% 6,9% 46,6% 41,4% 5,1% 0% 0% 15,8% 59,5% 24,7% Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores 48 Tabela 1 - Principais qualidades da performance autoatribuídas pelos participantes Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores Sou seguro e tenho confiança em minhas habilidades 19,4% 29,3% 54,4% Consigo administrar bem a ansiedade durante a performance 38,7% 41,4% 61,4% Sou focado e consigo manter a concentração durante a performance 22,6% 44,8% 64,9% Não tenho falhas de memória em minha performance 22,6% 24,1% 21,1% Consigo manter o foco mesmo após algum erro ocasional 35,5% 62,1% 78,9% Tenho uma técnica eficiente 35,5% 43,1% 70,2% Consigo expressar meus pensamentos musicais em minha performance 61,3% 66,5% 89,5% Tenho uma atitude positiva em relação à minha performance 35,5% 44,8% 68,4% Respondo bem em situações de stress 19,4% 29,3% 43,9% Não me preocupo com opiniões e críticas dos outros durante minha performance 22,6% 24,1% 36,8% Tabela 2 - Principais dificuldades na performance autoatribuídas pelos participantes Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores Sou inseguro e tenho medo de falhar em minha performance 54,8% 37,9% 15,8% Algumas vezes acontecem falhas técnicas em minha performance 61,3% 74,1% 64,9% Tenho dificuldades em expressar minhas ideias musicais em minha performance 22,6% 12,1% 5,3% Em algumas situações apresento falhas de memória na performance 25,8% 31% 29,8% Meu desempenho, algumas vezes é prejudicado pela ansiedade no palco 67,7% 56,9% 33,3% Tenho dificuldades para lidar com situações de stress 51,6% 31% 7% Tenho dificuldades para me concentrar e focar em minha performance 48,4% 17,2% 8,8% Quando acontece algum erro tenho dificuldades em me manter concentrado na performance 25,8% 12,1% 5,3% Me preocupo muito com o que as pessoas vão pensar de minha performance 45,2% 37,9% 21,1% 49 As características e estratégias utilizadas na preparação para a performance dos participantes são apresentadas nas tabelas a seguir (Tabelas 3 e 4). Os participantes responderam como se preparam para a performance musical (Tabela 3) e dentre as opções acrescentadas na opção "outros" destacamos as estratégias: automatizar a execução para concentrar nos aspectos musicais, identificar os trechos difíceis, entender o motivo da dificuldade e desenvolver estratégias variadas para estudar os trechos específicos, compreensão motora de trechos com digitação difícil e detecção objetiva das dificuldades e exercícios específicos para a resolução das mesmas. Estas opções, são estratégias de prática que estão implícitas na primeira opção de resposta "pratico diariamente focando em vencer os desafios técnicos e musicais do repertório". Outras respostas acrescentadas referem-se à preparação psicológica: simular performances e simular o sentimento do dia da performance antecipando a ansiedade. E outras estratégias: autocrítica construtiva das gravações de estudo e de apresentações, técnicas de respiração e solfejo. A Tabela 4 apresenta a utilização de estratégias específicas de preparação, incluindo estratégias de prática mental. Tabela 3 - Características da preparação para a performance Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores Pratico diariamente focando em vencer os desafios técnicos e musicais do repertório 80,1% 74,1% 86% Memorizo o repertório 58,1% 69% 47,4% Estudo e analiso o texto musical 51,6% 56,9% 87,7% Realizo audições críticas de gravações 61,3% 56,9% 56,1% Faço preparo físico (alongamento, atividade física, etc.) 25,8% 50% 52,6% Faço preparo psicológico (por exemplo preparo emocional para vencer a ansiedade no palco) 32,3% 44,8% 38,6% Tenho expectativa positiva e otimista em relação à performance 41,9% 48,3% 61,4% Falo comigo mesmo de forma positiva durante a prática 35,5% 25,9% 26,3% 50 Tabela 4 - Estratégias utilizadas na preparação para a performance Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores Memorização da partitura fora do instrumento 41,9% 65,5% 70,2% Audição de gravações com diferentes interpretações 90,3% 86,2% 82,5% Visualização apenas na mente dos movimentos físicos da performance musical 35,5% 50% 54,4% Estudo mental de determinado trecho musical complexo 45,2% 56,9% 70,2% Visualização mental da situação de performance 41,9% 60,3% 63,2% Análise da partitura 66,7% 72,4% 91,2% A Tabela 5 apresenta o conceito de prática mental pelos participantes, dentre as opções acrescentadas destacamos: solfejar, solfejar mentalmente, fazer os movimentos técnicos sem emitir o som, estudar tocando e cantando, narrar os fatos que ocorrem na partitura à medida que ocorrem em voz alta, solfejar e fazer os movimentos sem o instrumento. Tabela 5 - Conceito de prática mental para os participantes Estudantes Graduação Estudantes Pós- Graduação Professores Realizar uma determinada tarefa apenas na mente sem o movimento físico 67,7% 81% 82,5% Memorizar a partitura fora do instrumento 67,7% 77,6% 84,2% Ouvir gravações com diferentes interpretações 45,2% 53,4% 42,1% Ouvir internamente 58,1% 84,5% 78,9% Visualizar movimentos físicos da performance na mente 61,3% 72,4% 77,2% Estudar um trecho musical sem se movimentar 48,4% 55,2% 52,6% Visualizar uma situação de performance bem sucedida 48,4% 55,2% 59,6% Analisar uma partitura 54,8% 56,9% 71,9% Estudar tocando e pensando ao mesmo tempo 22,6% 36,2% 22,8% Estudar possibilidades interpretativas apenas na mente 48,4% 67,2% 57,9% 51 Os gráficos a seguir apresentam a percepção dos participantes sobre a eficácia de estratégias de prática mental. Foi perguntado se eles acreditam que estas estratégias são eficientes na preparação para a performance e a frequência em que estas estratégias são utilizadas pelos participantes. A Figura 6 mostra as respostas sobre a eficácia da memorização fora do instrumento e a Figura 7 a frequência de utilização desta estratégia. Figura 6 - Memorização fora do instrumento Figura 7 - Frequência da utilização da memori