UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – “JÚLIO DE MESQUITA FILHO “ Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética) Dissertação de Mestrado Caracterização molecular da atividade de interação da proteína RPA-1 com os telômeros de Leishmania spp. Gabriel Arantes Galvão Dias dos Santos Botucatu, São Paulo 2018 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – “JÚLIO DE MESQUITA FILHO “ Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética) Caracterização molecular da atividade de interação da proteína RPA-1 com os telômeros de Leishmania spp. Mestrando: Gabriel Arantes Galvão Dias dos Santos Orientadora: Dra. Maria Isabel Nogueira Cano Co-orientadora: Dra Maria Carolina Quartim Barbosa Elias-Sabbaga Dissertação apresentada no Instituto de Biociências, Campus de Botucatu, UNESP, para a obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Genética). Botucatu, São Paulo 2018 Dedicatória A minha mãe, Ruth Arantes Galvão, por todo apoio, amor e educação que me transmitiu durante minha formação pessoal e acadêmica, sem você eu não seria nada do que sou hoje. A minhã avó, Nadua Abrahão Galvão, que mesmo sem nenhuma formação acadêmica, foi a pessoa que mais me ensinou durante minha vida. A minha namorada, Betina Gimenez Madueño Silva, que sempre esteve ao meu lado, durante os bons e maus momentos, me apoiando incondicionalmente. Agradecimentos A minha orientadora, professora Doutora Maria Isabel Nogueira Cano, que me orienta desde a minha iniciação Científica. Agradeço por todos os conselhos, discussões, ensinamentos e broncas. Boa parte do meu conhecimento científico e pensamento critico eu devo à você. Aos meus colegas e amigos do laboratórios de telômeros. Agradeço por todos as conversas, científicas ou não, desabafos, risadas, ensinamentos e colaborações . O convívio diário com vocês foi um grande prazer, que deixou essa árdua jornada mais leve. Afirmo sem demagogia nenhuma que, sem vocês este trabalho não seria o mesmo. Agradeço principalmente a Maria Alejandra Viviescas, pela a ajuda essencial na reta final do meu trabalho. Ao Dr. Carlos Alexandre Henrique Fernandes, por sua colaboração fundamental ao meu trabalho. Não tenho palavras para descreve o quão grato eu sou a você pela sua ajuda. A minha família, que mesmo não estando fisicamente presente, sempre torceu pelo meu sucesso pessoal e profissional. Aos meus amigos, que nunca duvidaram de mim, mesmo quando eu mesmo duvidava. Aos meus irmãos da República Paracetamal, conviver com vocês foi sem dúvidas a melhor coisa que Botucatu me proporcionou. Ao Instituto de Biociências de Botucatu, pelo apoio institucional. A Pós- Graduação em C. Biológicas (Genética), por todo o auxílio. A CAPES, pela concessão da bolsa de estudos. A FAPESP, pelo apoio financeiro ao projeto “O homem em sua arrogância, pensa de si mesmo , como uma grande obra, merecedora da intervenção divina.” Charles Darwin “O que sabemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano.” Isaac Newton “Viver é enfrentar um problema atrás do outro. O modo como você o encara é que faz a diferença.” Benjamin Franklin Sumário 1.Resumo .................................................................................................................................... 1 2.Abstract ................................................................................................................................... 2 3. Introdução .............................................................................................................................. 3 3.1. Leishmania spp. e Leishmaniose ......................................................................... 3 3.2. Ciclo biológico dos parasitos do gênero Leishmania .................................... 6 3.3. Biologia molecular dos parasitos do gênero Leishmania ............................. 7 3.4. Biologia dos telômeros: Estrutura e função ..................................................... 8 3.5. O complexo telomérico de Leishmania amazonensis .................................. 14 3.6. A proteína RPA e suas funções nos telômeros ............................................. 16 3.7. A proteína RPA-1 de Leishmania spp. .............................................................. 18 4. Justificativas e Hipótese .......................................................................................... 22 5. Objetivo ........................................................................................................................ 23 6. Materiais e Métodos .......................................................................................................... 24 6.1. Busca por domínios OB-folds homólogos no genoma de Leishmania major .................................................................................................................................. 24 6.2. Polymerase Chain Reaction (PCR) .................................................................... 24 6.3. Purificação da LaRPA-1 recombinante ............................................................. 24 6.4. Cultura de parasitos selvagens para obtenção de extrato proteico ......... 27 6.5. Obtenção de extratos de frações subcelulares (núcleo e citoplasma) de formas promastigotas de L. amazonensis. ............................................................. 28 6.6. Western blot ................................................................................................ 28 6.7. Espectroscopia de fluorescência ....................................................................... 29 6.8. Digestão com Exonuclease I ............................................................................... 29 6.9. Eletrophoretic mobility shift assay(EMSA) ...................................................... 30 7.Resultados e Discussão.................................................................................................... 32 7.1. Domínios estruturais OB-folds presentes em proteínas teloméricas clássicas não são encontrados no genoma de Leishmania spp. ..................... 32 7.2.Obtenção da LaRPA-1 na forma recombinante ............................................... 34 7.3. A LaRPA-1 tem preferência por interagir com três repetições teloméricas ....................................................................................................................... 36 7.4. A interação entre LaRPA-1 e DNA telomérico não é desfeita com a presença da Exonuclease I com atividade 3’-5’ ..................................................... 43 7.5. Padronização do ensaio de interação proteína-DNA do tipo alteração da mobilidade em gel (EMSA, Electophoretic Mobility Shift Assay). ..................... 48 7.6. A competição entra a LaRPA-1 e a Exonuclease I pelo substrato TEL3- DIG, não é tempo-dependente. ................................................................................... 51 7.7. A competição entra a LaRPA-1 e a Exonuclease I pelo substrato TEL3- DIG é concentração-dependente. .............................................................................. 57 7.8. A LaRPA-1 tem a capacidade de proteger DNA com a sequência telomérica. ........................................................................................................................ 62 8. Conclusão ............................................................................................................................ 67 9. Referências Bibliográficas .............................................................................................. 67 10. Apêndice ............................................................................................................................ 68 1 1.Resumo Entre as espécies do gênero Leishmania estão os protozoários que causam leishmaniose, uma doença tropical negligenciada endêmica em muitos países, incluindo o Brasil. Métodos de controle e tratamento ainda são ineficientes e a resistência a drogas é um desafio. Por isso, pesquisas para entender melhor a biologia molecular desses parasitos são encorajadas. Uma possível estratégia para isso, é o estudo dos telômeros, estrutura fundamental para a homeostase do genoma. Os telômeros são estruturalmente diferentes do resto do cromossomo, e contam com proteínas específicas que realizam sua manutenção. A Replication Protein A subunit 1 (RPA-1) é uma proteína que interage de DNA de simples fita que tem diversas funções relacionadas com o metabolismo do DNA eucarioto, incluindo os telômeros. A RPA-1 é parte de um complexo heterotrimérico conservado nos eucariotos, incluindo Leishmania spp.. Recentemente nós mostramos por modelagem molecular que a estrutura terciária da LaRPA-1 difere dos seus ortólogos em humanos e leveduras, além de mostrar interações específicas nos telômeros dos parasitos, que na ausência de homólogos canônicos para telomere-end binding protein (TEP) elegem a LaRPA-1 como um potencial candidato para essa função. Neste trabalho, avaliamos a capacidade da LaRPA-1 como uma TEP, cujo papel principal é proteger a extremidade 3' dos telômeros de ataques por exonucleases. Uma busca estrutural por proteínas que compartilham com as TEP domínios de interação proteína-DNA, mostrou que no genoma de Leishmania spp. não existem homólogos estruturais para as mesmas. Aqui mostramos por diferentes abordagens que a LaRPA-1 tem a capacidade de interagir com no mínimo uma repetição telomérica e também é capaz de proteger in vitro a simples fita telomérica rica em G (5’ TTAGGG 3’) da digestão por Exonuclease I bacteriana cuja atividade é no sentido 3’-5’. Somando esses dados, com dados anteriores que mostram que a LaRPA-1 tem preferência pela fita telomérica rica em G e o fato dela ter sido co-purificada com a atividade de telomerase sugerem fortemente que ela está diretamente relacionada com a manutenção da maquinaria telomérica, podendo inclusive ser considerada a principal ligante de simples fita telomérica rica em G (3’ G-overhang) em Leishmania spp. Palavras Chave: Leishmania spp., Telômeros, digestão com exonuclease I , interação DNA-Proteína , telomere- end binding protein 2 2.Abstract Among the protozoa parasites of the Leishmania genus are the causative agents of leishmaniasis, a neglected tropical disease endemic in many countries, including Brazil. Disease control and treatment are still inefficient and parasite drug resistance is a challenge. Therefore, efforts for the establishment of intensive research to better understand the molecular biology of these parasites are encouraged. One possible strategy is to study parasite telomeres, a vital chromosome structure important to maintain genome homeostasis. Telomeres are significantly different from the rest of the chromosome and are associated with proteins involved in their maintenance. Replication Protein A subunit 1 (RPA- 1), a single-stranded DNA-binding protein that plays multiple roles in eukaryotic DNA metabolism, including telomeres, is part of a conserved heterotrimeric complex which is present in most eukaryotes including Leishmania spp. Recently, using molecular dynamics simulations we have shown that the tertiary structure of LaRPA-1 differs from human and yeast RPA-1 and that it also shows parasite- specific interactions with telomeric DNA. In the absence of real homologues to telomere-end binding proteins, LaRPA-1 could be considered a potential candidate. If LaRPA-1 is a telomere-end binding protein, one of its main role would be to protect the telomeric 3`-end termini from nuclease attack. A structural search for proteins that share with the TEP domains of protein-DNA interaction, showed that in the genome of Leishmania spp. there are no structural homologues for them. In this work, we show by different methods, that in vitro LaRPA-1 can bind at least one telomeric repeat and it can also protect the telomeric G-rich sequence (5’ TTAGGG 3’) from the bacterial 3’-5’Exonuclease I digestion. These data compiled to previous data showing that LaRPA-1 preferentially binds the G-rich telomeric DNA and that it co-purifies with telomerase activity strongly suggest that LaRPA-1 is directly involved with parasite telomere maintenance and, possibly, is the main G-rich single-stranded (3’ G-overhang) telomere-binding protein in Leishmania spp. Key Words: Leishmania spp., Telomeres, Exonuclease I digestion, DNA-Protein interaction, telomere end-binding proteins. 3 3. Introdução 3.1. Leishmania spp. e Leishmaniose Leishmaniose é uma doença causada pela infecção do protozoário do gênero Leishmania, da ordem Kinetoplastida, família Trypanossomatidae. Tais microrganismos são unicelulares, com ciclo de vida heteroxenos e se reproduzem por divisão binária simples. Possui duas formas de vida protomastigota (flagelada, encontrada no trato digestivo do hospedeiro invertebrado ou em vida livre) e amastigota (flagelo vestigial, parasito intracelular obrigatório). Apesar de ter a capacidade de parasitar diversos hospedeiros mamíferos (como roedores, canídeos e humanos) apresenta somente um hospedeiro invertebrado, a fêmea de insetos hematófagos da família Psychodidae, gênero Lutzomya (popularmente conhecido como mosquito palha). O modo principal de infecção pelo parasito, é pela picada do inseto contaminado, durante a hematofagia (REY, 2001; NEVES, et al. 2005); um outro modo, que tem ganhado muita importância do ponto de vista da saúde pública, é pelo compartilhamento de agulhas infectadas em humanos, o que explica o alto números de co-infecções entre Leishmania e HIV (WHO,2012). A leishmaniose pode se manifestar de 4 formas diferentes, que variam de acordo com a espécie do microorganismo e o estado imunológico da pessoa infectada, sendo elas: Leishmaniose cutânea (provoca lesões na pele, tem uma forte chance de ter cura espontânea, porém em alguns casos mais graves pode deixar cicatrizes permanentes), Leishmaniose cutânea difusa (fortemente relacionada com deficiência imunológica do paciente, caracteriza-se pela presença de lesões difusas não-ulceradas espalhadas por toda a pele, não há cura espontânea e é de difícil tratamento), Leishmaniose cutâneo-mucosa 4 (caracterizada por lesões destrutivas secundárias em cartilagens e mucosas, tais lesões podem desfigurar o paciente, popularmente conhecida como espúria) e, Leishmaniose visceral (é a forma mais grave da doença, onde o período de incubação da doença pode ser de meses a anos, e, diferente das formas cutâneas, envolve órgãos internos, sendo seus principais sintomas: febre irregular, perda de peso, inchaço do fígado e do baço e anemia, popularmente conhecida como “calazar”). As leishmanioses, consideradas zoonoses, são endêmicas em 88 países (inclusive no Brasil) e é principalmente alarmante em regiões de clima tropical, atingindo 12 milhões de pessoas e colocando outras 350 milhões em situação de risco, segundo estimativas(Fig.1). Tem uma incidência de 2 milhões de casos por ano, com 70.000 mortes, evidenciando a importância de novos estudos envolvendo essa parasitose (WHO, 2012). Assim como a doença de Chagas, a dengue, a lepra, e outras, a leishmaniose é considerada uma doença negligenciada, não recebendo muita atenção da indústria farmacêutica, pois atinge principalmente pessoas com condições de vida precária e com poucos recursos financeiros. Este estudo tem como alvo a espécie Leishmania amazonensis que causa principalmente a forma cutânea e cutânea difusa da doença, podendo também causar as outras formas (BARRAL et al., 1991). A leishmaniose é de difícil prevenção e controle, visto que as medidas que são empregadas para a redução da transmissão, o controle dos vetores e o tratamento farmacológico da infecção induzem ao aparecimento de parasitos e vetores resistentes (JOHNSTON et al., 1999). Outro ponto importante, é que os principais agentes quimioterápicos para a doença (compostos antimoniais 5 pentavalentes e diferentes formulações da anfotericina B) apesar de eficazes, apresentam alto grau de toxicidade para o paciente, alto custo, terapias longas, e baixa eficácia em algumas situações de administração parenteral (HERWALDT, 1999; MURRAY et al., 2005). Além disso, como já citado previamente, um grande número de pacientes infectados pelo protozoário, também são portadores do HIV, e, neste caso, a leishmaniose é considerada uma doença oportunista, e a co-infecção piora muito o prognóstico de ambas as doenças, diminuindo a eficácia do tratamento, e acelerando o aparecimento das formas clínicas mais graves (WHO, 2012). Estes fatos justificam mais estudos que ajudem a entender melhor a biologia celular e molecular da Leishmania spp., buscando novos alvos terapêuticos que ajudem no tratamento e erradicação da doença. Figura 1. Distribuição geográfica da leishmaniose cutânea no mundo. A legenda em cores representa os números de novos casos por ano, segundo a OMS (2015), resslatando que o Brasil está incluído entre os países mais afetados pela doença. (WHO,2015). 6 3.2. Ciclo biológico dos parasitos do gênero Leishmania A forma morfológica conhecida como promastigota é flagelada e infectiva e se desenvolve no sistema digestório do vetor (aderidas na parede intestinal). Nesse ambiente, há a diferenciação de promastigotas procíclicos para promastigotas metacíclicos, e a migração desses para o aparelho bucal do inseto. Promastigotas metacíclicos irão se aproveitar dos hábitos hematofágicos do vetor para penetrar no hospedeiro mamífero em momento oportuno (BASU e RAY,2005). Após a infecção, os protozoários são internalizados, principalmente por macrófagos, através de endocitose mediada por receptores de superfície. No interior dessas células, há a diferenciação para a forma amastigota (que apresenta morfologia esférica, flagelo vestigial e capacidade de se desenvolver e multiplicar no meio ácido do vacúolo digestivo) (NEVES,2005). Com a proliferação do microrganismo ocorre a lise da célula hospedeira, que liberta as formas amastigotas, que por sua vez infectarão novas células do sistema fagocitário monocítico. O ciclo é completado quando um mosquito flebotomíneo se alimenta de um hospedeiro infectado, ingerindo por consequência amastigotas que irão novamente se diferenciar em promastigotas (BASU e RAY, 2005; OLIVIER et al., 2005; LANG et al., 2009). A Fig. 2 demonstra o ciclo de vida de maneira esquematizada da Leishmania spp. 7 Figura 2. Ciclo de vida de Leishmania spp: figura esquematizada do ciclo de vida de Leishmania spp., demonstrando de maneira resumida a vida do parasito no hospedeiro invertebrado (flebotomíneo) na forma de promastigota e no hospedeiro mamífero (no caso, humano) na forma de amastigota (adaptado de da Silva et al. 2012). 3.3. Biologia molecular dos parasitos do gênero Leishmania Parasitos do gênero Leishmania spp. são organismos diplóides e assexuados com genoma diferente do genoma típico dos eucariotos. Seu genoma nuclear é de aproximadamente 70 Mb, possuí de 34 a 36 cromossomos lineares com tamanho que variam de 0,35 a 3,0 Mb. Outra característica marcante dos protozoários do gênero Leishmania spp. é a presença de uma organela fusiforme única e especializada rica em DNA mitocondrial (kDNA) conhecida como cinetoplasto (SIMPSON, 1987). Não é possível realizar análises citogenéticas em Leishmania spp., pois seus cromossomos condensados não são visíveis durante a mitose. (WINCKER et al., 1996; JOHNSTON et al., 1999; IVENS et al., 2005). Em condições adversas (como seleção por drogas ou estresse nutricional) tal protozoário pode amplificar segmentos específicos do 8 genoma, transformando-os em minicromossomos. Leishmania spp. possuem o genoma conservado entre suas diferentes espécies, com a maioria dos polimorfismos concentrados nas extremidades dos cromossomos (STILES et al.,1999). Seus genes não apresentam íntrons e são transcritos como precursores policistrônicos (semelhante a bactérias), característica compartilhada por vários protozoários da ordem Kinetoplastida (como por exemplo Trypanossoma cruzi e Trypanossoma brucei). A formação de mRNA maduros individuais por trans-splicing envolve o acréscimo de miniéxons com cap 7-Metilguanosina em sua extremidade 5' e a adição da cauda poli-A na extremidade 3'. Como os promotores gênicos individuais estão ausentes, é provável que a regulação gênica ocorra em nível pós-transcricional (STILES et al., 1999), sendo uma possível evidência dessa regulação, a proximidade dos sítios de transcrição policistrônicos à histonas H3 acetiladas (THOMAS et al.,2009). O sequenciamento dos genomas de Leishmania infantum, Leishmania braziliensis e Leishmania amazonensis demonstrou que a composição genética dessas duas espécies é muito semelhante ao genoma de Leishmania major (IVENS et al., 2005; PEACOCK et al., 2007, REAL F. et al.,2013,), o que sugere que poucos genes do protozoário são importantes na determinação da forma clínica da leishmaniose desenvolvida após a infecção, e talvez, o genoma do hospedeiro infectado tenha um papel importante nas manifestações clínicas da doença (PEACOCK et al., 2007). 3.4. Biologia dos telômeros: Estrutura e função Os telômeros são os principais responsáveis pela integridade e 9 estabilidade do genoma, o que permite um bom funcionamento do organismo como um todo (BLACKBURN, 2001). Telômeros são as extremidades físicas dos cromossomos de eucariotos, formados por complexos DNA-proteína, responsáveis pela proteção dessas extremidades contra degradação, recombinação e fusão com outros cromossomos. Essa estrutura é fundamental para a replicação completa do DNA telomérico durante a divisão celular, estando associado a diversos processos bioquímicos essenciais, como a senescência celular, controle de número de divisões celulares, regulação da transcrição de genes adjacentes e manutenção da estabilidade/integridade genômica e de toda a estrutura do núcleo (CHAN & BLACKBURN, 2004; DMITRIEV et al., 2003). O DNA telomérico é altamente conservado na escala evolutiva dos eucariotos, tendo diversas características comuns como, por exemplo, o fato de serem composto basicamente por repetições, e essa repetições sempre apresentam uma fita rica em Guaninas (fita G) e, por consequência, uma fita complementar rica em Citosinas (fita C). A fita rica em G termina em uma protusão 3' de fita simples (3' G-overhang) que serve como substrato para a elongação dos telômeros pela enzima telomerase, com posterior síntese da fita complementar pela DNA polimerase α. Em espécies como humanos e leveduras a 3' G-overhang pode assumir diferentes conformações como a de t-loops (invasão da fita simples na fita dupla que forma uma estrutura semelhante à de um laço) ou G-quadruplexes de fita simples (G4 DNA), que protegem o telômero de ataques da maquinaria enzimática de reparo ao DNA, e podem participar do controle do acesso da telomerase ao DNA telomérico (CHAN & BLACKBURN, 2004; GILSON & GELI, 2007; GRIFFITH et al., 1999; MUNOZ-JORDAN et al., 2001; SMOGORZEWSKA & DE LANGE, 2004; TEIXEIRA & GILSON, 2005). 10 Figura 3: (a) Os complexos de proteínas teloméricas protegem os telômeros da maquinaria de reparo do DNA. Em sua ausência eles seriam reconhecidos como quebras de dupla-fita e ativariam proteínas de verificação do ciclo celular bem como processos de junção de terminais cromossômicos através de recombinação homóloga e não homóloga. (b) O DNA telomérico pode assumir conformações alternativas como t-loops e G-quadruplexes, que podem exercer papéis na proteção dos telômeros contra a maquinaria de reparo celular. Figura adaptada de Gilson e Geli (GILSON & GELI, 2007). Em mamíferos e tripanosomatídeos as repetições teloméricas são do tipo 5'-TTAGGG-3'. E como na maioria dos eucariotos o DNA telomérico se associa a complexos protéicos que mantém a estabilidade da região que variam em complexidade de espécie para espécie, podendo inclusive, ocorrer o envolvimento de nucleossomos, como em mamíferos (DMITRIEV et al., 2003; LIRA et al., 2007). Algumas das proteínas teloméricas controlam o acesso e o recrutamento da telomerase (AUBERT e LANSDORP, 2008). Os complexos protéicos não são estáticos, pelo contrário, eles são dinâmicos e variam em composição de acordo com a fase do ciclo celular, idade da célula e como resposta a estímulos externos (STEWART e WEINBERG, 2002; SMOGORZEWSKA e DE LANGE, 2004). Proteínas teloméricas têm diferentes 11 formas de ação podendo interagir diretamente com o DNA, com outras proteínas teloméricas ou ainda com componentes da maquinaria de reparo a danos ao DNA. Essas proteínas apresentam diversas funções, sempre relacionadas à região do telômero com a qual interagem. Complexos de proteínas que se associam à fita simples do DNA telomérico participam do recrutamento da telomerase, influenciando a elongação telomérica. Já os complexos que se associam à fita dupla, estão relacionados com a manutenção do t-loop e regulam a telomerase negativamente (DE LANGE, 2005; AUBERT e LANDSORP,2008). Em mamíferos o principal complexo multiprotéico de interação ao DNA telomérico, é conhecido como shelterin, nome dado pela sua função de proteção ao DNA do telômero (shelter, do inglês: escudo, abrigo) (LIU et al.,2004; DE LANGE, 2005). As proteínas que fazem parte do complexo shelterin possuem três características básicas: 1) são abundantes nos telômeros, mas não se acumulam em outras partes da célula, 2) estão presentes nos telômeros ao longo de todo o ciclo celular e 3) têm função limitada aos telômeros. Não pertencer ao complexo shelterin, no entanto, não indica que a proteína não possua função telomérica, pode significar apenas que a proteína não apresenta alguma das características citadas acima (DE LANGE, 2005). Outro complexo importante para a manutenção telomérica em humanos (e também em outros eucariotos como leveduras, vertebrados e plantas) é o denominado CST, composto pelas proteínas Ctc1, Stn1 e Ten1, que são estruturalmente semelhantes ao complexo heterotrimérico RPA (Replication Protein A), sendo denominadas de RPA-like ou telomeric RPA. Junto ao complexo shelterin, as proteínas do complexo CST (CTC1, Stn1 e TPP1) são responsáveis pela manutenção e estabilidade telomérica. (MIYAKE et al., 2009; 12 SUN, et al., 2009; WELLINGER, 2009). Já está bem estabelecido que o complexo CST se liga ao telômero de forma independente da shelterin POT1, porém a proteína Stn1 é copurificada com outra shelterin, a proteina TPP1, sugerindo uma interação entre esses dois complexos. Ambos os complexos podem proteger os telômeros, porém o CST se limita a interagir com a fita simples enquanto o shelterin pode interagir com ambas as fitas e alguns de seus componentes como as proteínas TRF2 e POT1 estão difretamente envolvidas com a formação de T-loops. Adicionalmente, ambos os complexos podem competir com a RPA na ligação com a fita G. Atualmente, o que é aceito é que ambos os complexos podem regular o recrutamento da telomerase e que eles cooperam para a proteção telomérica (GIRAUD-PANIS et al., 2010 ,RICE et al, 2016) O complexo CST em leveduras, apresenta uma diferença significativa das demais em relação à sua composição, que ao invés de conter a proteína Ctc1 apresenta a proteína Cdc13. Em leveduras, a Cdc13 pode ser encontrada tanto fora do complexo CST, regulando o recrutamento da telomerase no final da fase S do ciclo celular, quanto complexada com as proteínas Stn1 e Ten1, formando o capping telomérico, estrutura responsável pela proteção das extremidades dos cromossomos contra a degradação, principalmente por exonucleases. Em leveduras, o complexo CST interage com os telômeros da seguinte maneira: a proteína Stn1 compete com a Est1 (parceira da Cdc13 no recrutamento da telomerase) na ligação com a Cdc13, ou seja, a Stn1 regula negativamente o recrutamento da telomerase. Já a proteína Ten1 aumenta a capacidade da Cdc13 de ligação com o DNA telomérico, reforçando a formação do capping . A teoria mais aceita acerca da origem do complexo CST é de que ele evoluiu a 13 partir das 3 subunidades de uma RPA ancestral, visto suas semelhanças estruturais e funcionais. (GIRAUD-PANIS et al., 2010; RICE et al, 2016) A visão clássica era que os telômeros eram formados somente por regiões não codificantes, porém recentemente foi identificado que existem certos transcritos teloméricos. Tais transcritos são longos RNAs não codantes, e, provavelmente, tem sua função relacionada com a manutenção telomérica. O mais estudado e conhecido entre eles é o TERRA ( Telomere Repeat contaning RNA), o qual tem origem na região subtelomerica da fita rica em C e cuja função ainda precisa ser completamente elucidada, apesar de já existirem indícios dele interagir diretamente com o telômero e com proteínas teloméricas (AZZALIN et al.,2007) . A Fig.4 ilustra um esquema da estrutura telomérica de humanos. 14 Figura 4: A ação orquestrada dos complexos shelterin e CST na regulação do acesso da telomerase aos telômeros em humanos promove a elongação dos telômeros e o bloqueio do acesso da RPA. Nos terminais dos cromossomos, a telomerase pode ser recrutada pela interação TPP1/POT1 via interação de TPP1 com POT1 e a telomerase (ABREU et al., 2010). A elongação telomérica é finalizada pela telomerase quando o complexo CST se liga ao 3'overhang recém sintetizado (linha vermelha). O complexo CST também interage com a DNA Pol α-primase para promover a síntese da fita C (linha verde pontilhada). O complexo CST inibe o acesso da RPA aos telômeros pela sua alta afinidade com DNA de simples fita rico em G.(GIARDINI et al., 2014). 3.5. O complexo telomérico de Leishmania amazonensis Os telômeros do organismo estudado nesse trabalho, Leishmania amazonensis, apresenta as características básicas dos telômeros, porém com a ausência dos principais complexos proteicos (CST e shelterin). Em vez disso, apresenta três complexos proteicos que se associam à fita simples do telômero (rica em G) in vitro (FERNÁNDEZ et al.,2004,). Nosso grupo de pesquisa identificou, além da enzima telomerase (LaTERT), que elonga os telômeros, três proteínas que são componentes desses complexos (CANO et al., 1999; GIARDINI et al.,2006; FERNÁNDEZ et al.,2004). Tais proteínas são: LaRBP38 (Leishmania amazonensis RNA binding protein 38), a molécula alvo desse estudo, LaRPA-1 (Leishmania amazonensis Replication Protein A 1) e a proteína 15 LaCalA (FERNÁNDEZ et al,.2004; MOREA et al 2017). Embora a identificação dessas proteínas tenha sido in vitro, já foi observado que as três proteínas também interagem e co-localizam-se in vivo com os telômeros do parasito (LIRA et al., 2007b; SIQUEIRA-NETO et al., 2007, da Silveira et al., 2013, ; MOREA et al 2017). Outras proteínas que foram identificadas e caracterizadas por nosso grupo, se associam à fita dupla dos terminais dos cromossomos e são: LaTBP1 (Leishmania amazonensis Telomere Binding Protein 1) e LaTRF (Leishmania amazonensis TTAGGG Repeat Binding Factor) (DA SILVA et al., 2010). Além dessas proteínas já citadas, recentemente foi identificado que em Leishmania spp. está presente o longo RNA não codante conhecido como TERRA (telomeric repeat contaning RNA) cujas funções ainda precisam ser elucidadas.( MOREA et al in preparation). A Fig. 5 apresenta o panorama atual da composição dos telômeros de Leishmania amazonensis. Figura 5. Panorama atual dos telômeros de Leishmania spp. O telômero está formado por regiões subteloméricas (LCTAS), uma região dupla fita e uma protrusão simples fita 3’-G overhang. As proteínas LTBP-1, LTRF e LRBP38 interagem com o DNA dupla fita, as proteínas LRBP38 e LRPA-1 interagem com o DNA simples fita. Ainda nessa imagem temos o TERRA, um longo RNA não codante com funções nos telômeros e as proteínas a LPinx1 e LCala proteínas recém identificadas com funções teloméricas. As interações protéicas afetam a interação do complexo TERT-TER com os telômeros. (imagem adaptada de DA SILVA et al., 2012). 16 3.6. A proteína RPA e suas funções nos telômeros A RPA é uma proteína presente na grande maioria dos eucariotos e tal conservação se da pelo fato dela realizar diversas funções associadas ao metabolismo do DNA, entre elas: participar da maquinaria de replicação, recombinação, reparo, checkpoints do ciclo celular, transcrição e regulação da estrutura telomérica. Todas essas funções se dão principalmente pela capacidade de a proteína interagir com DNA de simples fita,através de domínios OB-folds. Sua composição básica é de três subunidades: RPA-1 (70kDa), RPA- 2 (30kDa) e RPA-3 (14kDa), caracterizando a proteína como um complexo heterotrimérico, mostrado na Fig.6. (LONGHESE et al., 1994, WOLD, 1997, SMITH et al., 2000). Figura 6. Representação da estrutura linear básica das três subunidades do complexo RPA humano, com seus domínios destacados.(LIU. et al, 2016) A proteína RPA-1 apresenta funções vitais para o bom funcionamento telomérico (SMITH et al., 2000, SCHRAMKE et al., 2004, KIBE et al., 2007, KOBAYASHI et al., 2010). Uma função de extrema importância é a de ativação da telomerase, que em leveduras de brotamento e de fissão, é mediada por sua interação com as proteínas yKU e Est1, que junto com a subunidade 1 da RPA 17 (RPA-1), recrutam a enzima na fase S do ciclo celular (SCHRAMKE et al., 2004; LUCIANO et al., 2012). Além disso, a RPA co-imunoprecipita com CDC13, yKU e a telomerase que facilitam a atividade de telomerase nos terminais dos cromossomos (LUCIANO et al., 2012). Em humanos, ocorre o contrário, já que presença e interação de RPA com o DNA simples fita telomérico rico em G é evitada porque a interação de TTP1 com POT1 previne a ativação da quinase ATR que poderia sinalizar um dano nos telômeros ao recrutar RPA (GIRAUD-PANIS et al., 2010, GIARDINI et al, 2014) (Fig. 4). Além disso, a RPA interfere na regulação dos telômeros através de interações com outras proteínas, como as helicases WRN (Síndrome de Wemer) e BLM ( Síndrome de Bloom), que são encontradas em complexos que promovem a desnaturação da dupla fita do telômero complexado com TRF2, um indício de que todas essas proteínas agem na mesma via nos terminais cromossômicos (OPRESKO et al., 2002). Em ensaios com leveduras de fissão mutantes para a RPA, observa-se o encurtamento gradual nos telômeros. Quando essa mutação é combinada com mutação no gene que codifica o homólogo de TRF2 (proteína TAZ1), a erosão telomérica é acelerada (KIBE et al., 2007). Este mesmo fenótipo de instabilidade, com perda abrupta dos telômeros, é observado em mutantes duplos para o gene da POT1. Já a superexpressão de POT1 de vertebrados no mutante de levedura para os genes de RPA e TAZ1 suprime a perda dos telômeros, restabelecendo a estabilidade telomérica, sugerindo alguma ligação entre o mecanismo de ação de POT1 com as proteínas RPA e TAZ1 (KIBE et al., 2007). 18 3.7. A proteína RPA-1 de Leishmania spp. Em Leishmania spp., a subunidade RPA-1 (LaRPA-1, GenBank Acc. AY493356) foi identificada em extratos nucleares positivos para a telomerase e foi isolada em conjunto com a LaRBP38 e a LaCala (em coluna de afinidade ao DNA telomérico simples fita rico em G), (Fig.7.) passando a ser conhecida como LaRPA- 1(FERNANDÉZ et al, 2004). Figura 7. Gel SDS-PAGE mostrando as proteínas LaRPA-1, LaCala e LaRBP38 purificadas a partir de um extrato proteico telomerase positivo, usando coluna de afinidade a simples fita rica em G do DNA telomérico (FERNANDES et al., 2004). LaRPA-1 se associa in vitro e in vivo com os telômeros do parasito (SIQUEIRA NETO et al., 2007) e, apesar de compartilhar características estruturais com a RPA de outros organismos (como a presença de domínios OB- fold), a RPA-1 de Leishmania apresenta algumas características estruturais exclusivas como: não possuir o domínio RPA-70 N (que em outros eucariotos interage com proteínas de maquinaria de recombinação), a interação com o DNA de simples fita se dá apenas via domínio OB-fold 1, presente no N-terminal da 19 proteína, e, os domínios OB-fold 2 e OB-fold 3 não tem capacidade de se ligar ao DNA de simples fitas. Apesar disso, a proteína mantém sua capacidade de ligação com o DNA de forma eficiente (JACOBS et al., 1999; SIQUEIRA NETO et al., 2007, PAVANI et al., 2014). Outro fato interessante, é que se observamos a LaRPA-1 do ponto de vista filogenético ela é uma RPA-1 com características ancestrais(FERNANDES et al, in preparation.)(Fig.8). Figura 8. a) Ensaio de EMSA mostrando que a LaRPA-1 interage com a fita G do DNA via OB-fold 1. b) Ensaio de FISH-IF mostrando a co-localização da LaRPA-1 com os telômeros. c) Comparação da estrutura linear da LaRPA-1, com a RPA-1 de outros organismos, evidenciando a falta do domínio 70N de ligação ao DNA. d) Cladograma construído utilizando inferência baiesiana Mr. Bayes mostrando que a RPA- 1 Leishmania spp. é a mais primitiva entre os organismos estudados(em vermelho). As figuras a) e b) foram retiradas de (SIQUEIRA-NETO et al., 2007), a figura c) de (PAVANI et al., 2014) e a figura d) foi feita por (FERNANDES et al, in preparation.) É importante ressaltar que, cada subunidade da RPA, tem uma correspondente estrutural no complexo CST (Cdc13/Stn1/Ten1 em leveduras e / 20 Ctc1/Stn1/Ten1 em vertebrados e plantas), como ilustradi na Fig.9 (AMY D. et al, 2009, PRICE et al, 2010). As proteínas Cdc13 em leveduras e Ctc1 em vertebrados e plantas compartilham com a RPA-1 um domínio OB-fold que tem alta afinidade para DNA simples fita. A proteína Stn1, tem semelhanças estruturais com a RPA-2, visto que predições de estruturas secundárias e terciárias sugerem que o domínio N-terminal da Stn1 adota uma conformação muito similar ao domínio OB-fold da RPA-2, hipótese esta reforçada pelo fato de que esses domínios podem ser trocados in vivo em Saccharomyces cerevisiae sem perda de função. Já a proteína Ten1 é estruturalmente similar a RPA-3, sendo considerada sua paráloga, pois ambas as proteínas compartilham elementos estruturais secundários e apresentam regiões N-terminais e loops basicamente iguais (AMY D. et al, 2009, PRICE et al, 2010). Ainda em termos de comparação, recentemente outro complexo RPA-like foi identificado em terminais cromossômicos de Tetrahymena termophila. Este complexo é composto pelas proteínas p75, p45 e p19, consideradas subunidades da holoenzima telomerase. Elas são estruturalmente semelhantes aos componentes do complexo CST, principalmente as proteínas p19 e p45 que são estruturalmente homólogas as proteínas Ten1 e Stn1 respectivamente (JIANG et al, 2015). Uma busca aprofundada, utilizando ferramentas de bioinformática, demonstra que o genoma de Leishmania spp. não apresenta homólogos às proteínas que interagem com a simples fita telomérica rica em G, como a CDC13, POT1 e os componentes do complexo CST ou CST-like (proteínas teloméricas). A primeira, é exclusiva de leveduras, porém a POT1 e suas isoformas são conservadas na maioria dos eucariotos (SHAKIROV et al., 2009). Esse fato leva 21 à especular que a LaRPA-1 pode cumprir a função destas proteínas na manutenção telomérica do parasito. Além disso, em Leishmania spp., a LaRPA- 1 foi isolada via métodos bioquímicos, de forma independente das outras duas subunidades, o que levanta a hipótese dela exercer funções fora do trímero que podem ser exclusivas das extremidades cromossômicas, embora genes que codificam para as subunidades RPA2 e RPA3 sejam encontrados no genoma do parasito. Esse fato justifica um estudo minucioso sobre a biologia da LaRPA-1 e seus interatores, visando a melhor compreensão das funções dessa proteína bem como do complexo telomérico de Leishmania spp.. Figura 9. Comparação da LaRPA-1 com os seus homólogos em humanos ( hRPA70 e hCT1) e leveduras ( ScCdc13) evidenciando certo grau de conservação estrutural. 22 4. Justificativas e Hipótese O nosso grupo de pesquisa busca desvendar se a proteína RPA-1 de Leishmania spp. apresenta funções semelhantes às telomere end-binding proteins (ex.: CDC13 e POT1) descritas em outros eucariotos. Para isso ela precisa apresentar algumas características específicas como: ter preferência ao DNA telomérico, apresentar alguma relação com a atividade da telomerase e ter a capacidade de proteção dos terminais cromossômicos (capping telomérico). Como citado anteriormente, em Leishmania spp. homólogos para as proteínas RPAs-like teloméricas não estão presentes no genoma do parasito, o que nos leva a deduzir que a RPA-1 e seus possíveis interatores possam cumprir funções semelhantes. Um estudo recente mostra que a RPA-1 de leveduras consegue proteger DNA simples fita de ataque de exonucleases, porém em leveduras a RPA-1 não tem preferência pela sequência telomérica, onde a CDC13 é a responsável pela proteção dos telômeros (GREETHAM et al.,2015). Em Leishmania spp. não existem homólogos da CDC13, o que reforça nossa hipótese da LaRPA-1 desempenhar as funções dessa proteína neste organismo. Se somarmos os resultados que serão apresentados neste trabalho com os outros já citados anteriormente, aumentam as chances da RPA-1 de Leishimania spp. ser o principal componente de interação com a simples fita rica em G nos terminais teloméricos do parasito. Para comprovar isso, realizamos esse trabalho, onde delimitamos a seguinte hipótese: A RPA-1 de Leishmania spp. tem a capacidade de proteger a fita G do DNA telomérico de ataques de exonucleases. Se a hipótese for verdadeira, a RPA-1 de Leishmania spp. pode apresentar a função biológica de capping telomérico. Isso somado a outras funções teloméricas da RPA-1 de 23 Leishmania spp. já identificadas, como por exemplo, o fato dela interagir preferencialmente com a simples fita telomérica rica em G (SIQUIERA-NETO et al., 2007; PAVANI et al., 2014) e dela ser recrutada em maior quantidade para os telômeros quando é induzido dano ao DNA telomérico (DA SILVEIRA et al., 2013; DA SILVA et al., 2017) poderemos classifica-la como uma telomere end- binding. Como um todo, temos que nos atentar que as telomere end-binding proteins são essenciais para a homeostase dos telômeros e que por sua vez, são fundamentais para a estabilidade e bom funcionamento de toda célula eucariota. O fato de estarmos trabalhando com um microorganismo patogênico, os resultados aqui obtidos poderão auxiliar na identificação de alvos parasito- específico para desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas, além de nos ajudar a compreender melhor os caminhos evolutivos das proteínas teloméricas e da própria biologia dos protozoários. 5. Objetivo O objetivo geral desse trabalho é avaliar a capacidade da LaRPA-1 de proteger a fita G do DNA telomérico do ataques de exonucleases, via diferentes métodos de avaliação , para elegê-la como uma póssivel proteína responsável pelo capping telomérico em Leishmania spp.. 24 6. Materiais e Métodos 6.1. Busca por domínios OB-folds homólogos no genoma de Leishmania major Para identificar homólogos de domínios estruturais do tipo OB-folds nas proteínas do genoma de Leishmania major foram preditos domínios proteicos de todas as proteínas anotadas do genoma do parasito Leishmania major Friendlin obtido no TriTrypDB (version 30), utilizando o algoritmo Jackhammer disponível no banco de dados PFAM. No total foram analisadas mais de nove mil sequências proteicas. Posteriormente, foram realizadas buscas por famílias e clãs de proteínas que apresentam os domínios OB-fold. Para estas buscas foram usados códigos de identificação de PFAM (versão 31) para domínios OB-fold usando um E-value mínimo de 1,0 como um ponto de corte. 6.2. Polymerase Chain Reaction (PCR) A reação de PCR foi realizada utilizando reagentes ( Taq polymerase, DNTPs, MgCl2, PCR Mix buffer) da marca Invitrogen sob as seguintes condições: 94ºC por 30 segundos, 60º C por 30 segunos e 72º C por 30 segundos. Repetiu-se esse procedimento por 40 vezes. Depois da reação, os produtos de amplificação foram fracionados em géis de agarose 0,8% e o resultado visualizado sob luz U.V., utilizando o equipamento G:BOX Chemi XR5. 6.3. Purificação da LaRPA-1 recombinante Para obtermos a LaRPA-1 isolada na forma recombinante, realizamos a purificação da proteína recombinante seguindo o protocolo previamente 25 estabelecido (LIRA et al., 2009). A proteína foi obtida em sistema de expressão bacteriano, utilizando bactérias E. coli BL21DE3 transformadas com o vetor pET28a+-LaRPA-1(Fig. 10). Este vetor de expressão bacteriano permite que a proteína recombinante seja expressa em fusão com um tag de 6xHis no N- terminal, fazendo com que a proteína recombinante tenha um tamanho molecular um pouco maior que a selvagem (a selvagem tem cerca de 51 kDa e a recombinante 53,3 kDa). Figura 10. Gel de agarose 0,8%, corado com brometo de etídio mostrando o plasmídeo pET28a+-LaRPA-1 na forma circular (coluna 2) utilizado na transformação bacteriana. Na coluna 1, vemos o marcador de peso molecular (1kb plus DNA Ladder, invitrogen). As bacterias transformadas foram selecionadas(seleção confirmada na Fig.11) utilizando 50 µg/ml de canamicina e cloranfenicol e após seleção , foram cultivadas à 37º C sob agitação até atingirem a DO 600nm(densidade óptica). Ao atingirem essa DO, a expressão da proteína foi induzida com 1 mM de IPTG (isopropy lthio-b-D-galactopyranoside) por 3 horas. A LaRPA-1 é expressa na 26 fração insolúvel do extrato proteico bacteriano, portanto após a indução as bactérias são centrifugadas à 2600 xg por 15 minutos, e a fração insolúvel é submetido a lise para a obtenção do extrato proteico. Figura 11: Gel de agarose 0,8%, corado com brometo de etídio. Na coluna 1, o marcador de peso molecular (1kb plus DNA Ladder invitrogen). Na coluna 2, a amplificação de um fragmento de aproximadamente 150 pb do gene que codifica a LaRPA-1 amplificado a partir do DNA plasmidial (pET28a+-LaRPA-1) utilizado na transformação. Na coluna 3, o controle negativo da reação de PCR (sem DNA) e na coluna 4, a amplificação de um fragmento de aproximadamente 150 pb do gene que codifica a LaRPA-1 usando como molde DNA de colônias transformantes, demonstrando o sucesso da transformação. A lise é feita com a ressuspenção da fração insolúvel em tampão de lise ( Tris- HCl 50mM, NaCl 50mM, EDTA 10 mM e lisozina 200 µg/ml) e incubação por 30 minutos no gelo, seguido de sonicação. Após a lise o extrato proteico é ressuspenso utilizando tampão A (Glicina 20 mM pH 10, NaCl 20 mM , Uréia 7M 27 e beta mercaptoetanol 1mM), nessa etapa ocorre a desnaturação das proteínas pela alta concentração de uréia. A partir dai, inicia-se o processo de purificação em 2 etapas usando cromatografia líquida em coluna de troca iônica (Q- sepharose GE Healthcare) seguida de cromatografia de afinidade (His- trap GE Healthcare). Na primeira etapa, o tampão inicial é o tampão A, e o tampão de eluição é o tampão B (Glicina 20 mM pH 10, NaCl 1M , Uréia 7M e beta-mercaptoetanol 1mM). Na segunda etapa, o tampão inicial é o tampão C (Tris- HCl 20mM, NaCl 500 mM, Uréia 7 M e beta mercaptoetanol 1mM) e o tampão de eluição é o tampão D (Tris- HCl 20mM, NaCl 500 mM, Imidazol 500 mM, Uréia 7 M e beta mercaptoetanol 1mM). Após a purificação, a proteína é submetida à sucessivas etapas de diálise para a retirada dos sais. A diálise é feita em tampão final (Tris- HCL 20mM e NaCl 20 mM). No processo de diálise são adicionados 100 µg/ml heparina sódica. A heparina funciona como uma chaperona e serve para que o enovelamento da proteína seja feito de forma correta (LIRA et al., 2009). 6.4. Cultura de parasitos selvagens para obtenção de extrato proteico Parasitos Leishmania amazonensis, cepa MHOM/BR/73/M2269, na forma promastigota, foram cultivados em fase mid-log de crescimento a 27 oC em meio “199 (Earle)” (Cultilab), pH 7,4, suplementado com 10% de soro fetal bovino (Cultilab) e 1% solução de Antibióticos com antimicótico (penicilina/estreptomicina). 28 6.5. Obtenção de extratos de frações subcelulares (núcleo e citoplasma) de formas promastigotas de L. amazonensis. Os extratos de núcleo foram preparados a partir de culturas de formas promastigotas em fase mid log de crescimento contendo aproximadamente de 1,5 x 109 a 3.0 x 109 células. Os parasitos foram lavados três vezes em 1X PBS por centrifugação (206 g) por 5 minutos a 4° C e incubadas por 10 minutos no gelo em 0,5 ml de tampão de lise I (Hepes 10 mM, pH 7.5, MgCl21.5 mM, KCl 10 mM, DTT 0,5 mM, NP40 0.5%, suplementado com 1X coquetel de inibidores de proteases). Após a incubação, o precipitado foi centrifugado (1.460 g) por 10 minutos a 4° C e o sobrenadante resultante foi coletado e usado como extrato de citoplasma. O precipitado contendo o núcleo foi incubado por 20 min no gelo com 0,05 ml de tampão de lise II (Hepes 20 mM, pH 7.5, MgCl21.5 mM, KCl 840mM, DTT 0,5 mM, glicerol 25%, EDTA 0.2 mM, suplementado com 1X coquetel de inibidores de proteases) e então centrifugado (15.500 g) por 15 minutos. a 4° C. O sobrenadante resultante foi recuperado e usado como extrato nuclear. Os extratos das frações subcelulares (núcleo e citoplasma) foram armazenados a -80 °C. 6.6. Western blot Extratos protéicos provenientes de formas promastigotas e proteína recombinante, foram submetidos à fracionamento em gel 10% SDS-PAGE e após a separação, as proteínas foram transferidas para membranas de nitrocelulose utilizando sistema de transferência semi-seco TE 70 PWR (Amersham, Bioscience). A imunodetecção das proteínas foi realizada utilizando- se soro imune obtido em coelho anti-LaRPA-1 e a detecção quimioluminescente foi com anticorpo secundário marcado com peroxidase produzido em cabra (anti- 29 IgG de coelho) e o kit ECL prime (GE Healthcare). 6.7. Espectroscopia de fluorescência As medidas de espectroscopia de fluorescência estática foram realizadas em um espectrofluorímetro Hitachi F-7000 utilizando-se uma cubeta de caminho óptico de 2 mm, um bandwith de excitação de 5 nm e de emissão de 10 nm. Para a excitação das amostras, foram utilizados os comprimentos de onda 260, 265, 270, 275, 280, 285, 290 e 295 nm e o comprimento de onda emitido foi detectado no intervalo de 300-450 nm na velocidade de 1200 nm.s-1. As amostras de LaRPA-1 recombinante em tampão final ( Tris HCl 20mM, NaCl 20mM) possuíam a concentração de 14 μg ou 440.25 nM (valor obtido calculando-se o coeficiente de extinção). As amostras dos DNAs teloméricos usadas nos ensaios também foram ressuspensas em tampão final na concentração de 32 pmol. Para as medidas na presença da Exonuclease I bateriana (New England Biolabs) a Exonuclease I foi usada na concentração de 3,125 unidades no seu tampão de atividade. O complexo LaRPA-1+TEL3 é incubado por 30 minutos à 37ºC após a adição da Exonuclease I. Por fim, como nessa concentração, a Exonuclease I apresentava sinal fluorescente , este foi subtraído dos espetros que continham RPA, TEL3 e a exonuclease (RPA+TEL3+EXO) e TEL3 e exonuclease (TEL3+EXO) somente. 6.8. Digestão com Exonuclease I Durante a padronização da metodologia foram realizados ensaios na ausência e na presença de LaRPA-1 ligada ao oligonucleotídeo TEL 3 marcado 30 com digoxigenina (TEL 3 DIG) (Tabela 1). Nestes ensaios o oligo TEL3-DIG sozinho e complexado a proteína LaRPA-1 foram submetidos a digestão pela Exonuclease I bacteriana (New England Biolabs). .Aqui foram realizados dois tipos de ensaios, o primeiro com concentração fixa de 2 unidades de Exonuclease I variando o tempo de incubação de 0 a 60 minutos. O segundo, fixou-se o tempo de incubação em 30 minutos e variou-se a concentração de Exonuclease I entre 0,78 a 50 U. Os produtos resultantes da digestão foram fracionados em géis 6% de poliacrilamida (acrilamida 37,5:1 bis-acrilamida). Após a eletroforese as amostras são transferidas para uma membrana de nylon utilizando transferência molhada a 400mA por 40 minutos em tampão TBE 0,25X, A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti-digoxigenina (Roche) e o kit CSPD (GE Healthcare). As imagens dos géis foram visualizadas utilizando o equipamento G:BOX Chemi XR5 e a quantificação da intensidade de sinal do complexo formado e do oligonucleotideo livre (em valores arbitrários), descontando-se o sinal de fundo (background), é feito utilizando o programa GeneTools from Syngene com resultados normalizados sempre considerando o maior sinal como 100%. 6.9. Eletrophoretic mobility shift assay(EMSA) Oligonucleotídieos utilizados são marcados com DIG-11ddUTP por terminal transferase usando o kit Dig Gel Shift kit(Roche). Os EMSA são realizados incubando diferentes concentrações de LaRPA-1, concentrações fixa (1,55 pmol) do oligonucleotídeo, 0,1 μg de poly-L-lisina, 1 μg de poly[d(I-C)] e 1X binding buffer (de um estoque 5X com HEPES 100mM pH 6, EDTA 5mM, 31 (NH4)SO4 50mM, DTT 5 mM, Tween 20 1%, KCl 150mM). As amostras são mantidas por 15 minutos em temperatura ambiente e então são aplicadas em um gel não denaturante de 6% (Acrilamida/Bis-Acrilamida 37,5:1) e fracionados a 80V utilizando TBE 0,25X como tampão de corrida. Após a eletroforese as amostras são transferidas para uma membrana de nylon utilizando transferência molhada a 400mA por 40 minutos em tampão TBE 0,25X, as amostras são fixadas na membrana por exposição a luz UV por 15 minutos. A detecção se dá por quimioluminescencia utilizando o kit Dig Gel Shift( Roche), as imagens são capturadas utilizando o equipamento G:BOX Chemi XR5 e a quantificação do sinal é feito utilizando o programa GeneTools from Syngene com resultados normalizados sempre considerando o maior sinal como 100%. Tabela 1. Lista de oligonucleotídeos utilizados no trabalho. *DIG refere-se a marcação com digoxigenina. Rpa1-iF 5’ GCA ACG GTT TTC AAT GAC GCC 3’ Rpa1-iR 5’ TGG GCG TCC TGC TTG AAG TAA AT 3’ TEL 1 5’ TTA GGG 3’ TEL 2 5’ TTA GGG TTA GGG 3’ TEL 3 5’ TTA GGG TTA GGG TTA GGG 3’ TEL 3 DIG 5’ DIG* TTA GGG TTA GGG TTA GGG 3’ 32 7.Resultados e Discussão 7.1. Domínios estruturais OB-folds presentes em proteínas teloméricas clássicas não são encontrados no genoma de Leishmania spp. Proteínas ligantes de DNA telomérico simples fita rico em G , aqui denominadas telomere-end binding proteins, são consideradas RPA-like por compartilharem com as proteínas RPA domínios estruturais de interação do tipo OB-fold. Elas cumprem funções essenciais na manutenção telomérica, incluindo capping telomérico , regulação da atividade da telomerase e da replicação dos terminais de cromossomos (MIYAKE et al., 2009; SUN, et al., 2009; WELLINGER, 2009). Dados anteriores mostravam que não existem homólogos para estas proteínas teloméricas no genoma de Leishmania spp. (PAVANI et al., 2014). Porém, estas informações foram baseados somente em análises in silico obtidas a partir de alinhamentos múltiplos entre sequências de genoma que codificam proteínas. Neste trabalho realizou-se análise estrutural utilizando-se o algoritmo Jackhammer disponível no banco de dados PFAM, para identificar proteínas no banco de dados de proteínas anotadas no genoma de Leishmania major Friedlin (disponível no Tritryp DB v.30) que apresentavam domínios OB-fold. A análise foi feita em Leishmania major pois essa espécie é a que tem o genoma melhor 33 anotado, porém esse resultado pode ser estendido para outras espécies do parasito e outros tripanosomatídeos. Os resultados apresentados na Tabela 2(feito por FERNANDES et al, in preparation) mostram que realmente não existem ortólogos estruturais para as proteínas teloméricas ligantes de simples fita descritas em outros eucariotos no genoma do parasito (por ex. CDC13 e Pot1). Na tabela 2 só estão compilados os resultados diretamente relacionados com os telômeros, a tabela completa está no apêndice desse trabalho Tabela 2. Ausência de OB-folds teloméricos em Leishmania major. 34 Isso fortalece a idéia que a RPA-1 de Leishmania spp pode ser a principal ligante de DNA simples fita nos telômeros do parasito e ser considerada uma proteína multifuncional que cumpre funções específicas nos telômeros. 7.2.Obtenção da LaRPA-1 na forma recombinante Para iniciar nossas análises da interação da nossa proteína com o DNA telomérico, precisavamos ter a LaRPA-1 isolada, então prosseguimos com o protocolo para sua purificação. A Fig. 12 a seguir resume o processo em etapas, da purificação da proteína recombinante usando dois métodos cromatograficos . Figura 12. Etapas da obtenção da proteína LaRPA-1 recombinante. Gel SDS-PAGE 10% corado com Comassie Blue. Ladder indica o marcador de peso molecular PageRuler (ThermoScientific); NI, extrato bacteriano obtido antes da indução com IPTG; I,extrato bacteriano total após indução com IPTG; Input QFF, extrato bacteriano induzido após a lise e que foi aplicado a coluna Q-Sepharose; Flowtrough QFF, conjunto de proteínas que não interagiram com a coluna Q-Sepharose; Input His Trap representa o conjunto de frações que foram eluídas da Q-Sepharose e aplicada na coluna Histrap; Flowtrough His Trap conjunto de proteínas que não interagiu com a coluna His Trap, e a LaRPA-1 representa o conjunto de frações da eluição da coluna His Trap que que continham a proteína purificada (aproximdamente 53,3 kDa) com alto grau de pureza. 35 Como podemos observar, temos uma proteína isolada de aproximadamente 53,3 kDa, que corresponde ao tamanho molecular da LaRPA-1 recombinante. (figura 12, coluna 8 ou LaRPA-1). Para termos certeza que a proteína purificada era realmente a LaRPA-1, e não outra proteína bacteriana de tamanho molecular parecido, realizamos ensaios de Western Blot com soro imune produzido especificamente para identificar a RPA-1 de Leishmania amazonensis. Figura 13. Identificação da LaRPA-1 recombinante por Western Blot. As amostras de 10 μg extrato proteico nuclear do parasito e 1 μg de proteína recombinante foram fracionadas em gel 10% SDS-PAGE e transferidos para membrana de nitrocelulose. A membrana foi incubada com soro imune que reconhece especificamente a LaRPA-1. Na parte de cima da figura estão indicados a proteína selvagem e recombinante, com seus respectivos pesos moleculares. Como observamos na Fig. 13, a proteína que foi isolada realmente é LaRPA-1 recombinante , o que nos permite utiliza-la em nossos ensaios com segurança. 36 7.3. A LaRPA-1 tem preferência por interagir com três repetições teloméricas Proteínas que realizam o capping telomérico (POT1 e CDC13 por exemplo) tem alta especificidade e afinidade com a fita G telomérica, podendo se ligar a até mesmo uma repetição telomérica(ELDRIDGE el al, 2005,LIN et al 2001,LEI et al ,2004). Um estudo feito em Trypanosoma cruzi mostra que a TcRPA-1 tem capacidade de se ligar a uma repetição telómerica ( 5’ TTA GGG 3’), porém a proteína parece interagir preferencialmente com oligonucleotídeos que contém um número maior que três repetições ( PAVANI et al., 2017). Já sabemos que LaRPA-1 consegue interagir com DNA telomérico de três a seis repetições (FERNANDES et al., 2004). Desta forma resolvemos testar a interação da RPA-1 com sequências contendo de uma a três repetições teloméricas da fita rica em G. O objetivo aqui foi o de verificar se a proximidade filogenética entre Leishmania spp. e T. cruzi tambem seria mantida em relação a forma de interação entre os ortólogos da RPA-1 nos dois parasitos. Para observamos a interação da LaRPA-1 com diferentes repetições teloméricas, utilizamos ensaios de espectroscopia de fluorescência. O princípio por trás dessa técnica é utilizar a fluorescência que é um fenômeno onde uma molécula em sua forma excitada (de maior energia) emite luz quando retorna a um estado de menor energia. Como nessa transição de energia, parte é perdida, e assim, a radiação emitida terá menor energia (maior comprimento de onda) que a utilizada a para sua excitação. As propriedades fluorescentes de uma molécula dependem da mesma (fatores intrínsecos) ou do meio em que se encontra (fatores extrínsecos). As proteínas possuem três fluoróforos 37 intrínsecos, os resíduos de triptofano, tirosina e fenilalanina, ainda que o rendimento quântico desse último seja muito pequeno e, portanto, a contribuição para a emissão da fluorescência, desprezível (BROWN & ROYER, 1997). Mudanças no espectro de emissão intrínseco de uma proteína (supressão ou deslocamento do comprimento de onda da fluorescência emitida) são bastante sensíveis à mudança do ambiente intermolecular dos resíduos de triptofano e tirosina, que podem indicar mudanças conformacionais da proteína. Dessa maneira, é possível se obter relevantes dados estruturais acerca da proteína em estudo (BROWN & ROYER, 1997; HOFMANN, 2010). A LaRPA-1 possui 8 triptofanos e 14 tirosinas em sua sequência de aminoácidos. Triptofanos e tirosinas são aminoácidos que possuem anéis aromáticos e por isso podem ser excitados para emitir sinal fluorescente. Já era conhecido que a interação com o DNA telomérico simples fita rico em G altera a estrutura terciaria da LaRPA-1 (PAVANI et al., 2014) Nestes ensaios mostrados nas Figs. 14, 15 e 16 observamos a alteração causada na estrutura terciária da proteína pela presença do DNA simples fita contendo de uma a três repetições teloméricas. 38 Figura 14. Gráfico mostrando a interação entre a LaRPA-1 e oligonucleotídeos teloméricos por espectroscopia de fluorescência com excitação em 265nm. Ensaio realizado com 14 μg LaRPA-1 e 32 pmol das diferentes sequências teloméricas contendo uma (TEL1), duas (TEL2) e três (TEL3) repetições. Neste comprimento de onda são excitados somente os residuos de tirosinas. A curva em preto representa a proteína livre, as curvas coloridas representam a proteína interagindo com os diferentes DNAs. A figura 14 mostra o comportamento da LaRPA-1 com as sequências teloméricas contendo uma (TEL 1), duas (TEL 2) e três (TEL 3) repetições. O que podemos observar é que, ao interagir com qualquer um dos três DNAs o comprimento de onda máximo é deslocado para a esquerda, ou seja, os aminoácidos estão se deslocando para um ambiente mais hidrofóbico. Outra informação importante, é a diminuição do sinal de fluorescência observado somente com três repetições teloméricas, resultado que se repete 39 independentemente da presença ou não de digoxigenina na posição 5’ do oligonucleotideo TEL 3 DIG, que indica a predileção da LaRPA-1 por três repetições teloméricas de fita G. Essa informação também se repete quando excitamos os triptofanos ao usarmos comprimentos de onda em 280 e 290 nm, como mostrado nas figuras 15 e 16 e na Tabela 3 a seguir. Figura 15. Gráfico mostrando a interação entre a LaRPA-1 e oligonucleotídeos teloméricos por espectroscopia de fluorescência com excitação em 280nm. Ensaio realizado com 14 μg LaRPA-1 e 32 pmol das diferentes sequências teloméricas contendo uma (TEL1), duas (TEL2) e três (TEL3) repetições. Neste comprimento de onda são excitados os residuos de tirosinas e triptofanos. A curva em preto representa a proteína livre, as curvas coloridas representam a proteína interagindo com os diferentes DNAs. 40 Figura 16. Gráfico mostrando a interação entre a LaRPA-1 e oligonucleotídeos teloméricos por espectroscopia de fluorescência com excitação em 290nm. Ensaio realizado com 14 μg LaRPA-1 e 32 pmol das diferentes sequências teloméricas contendo uma (TEL1), duas (TEL2) e três (TEL3) repetições. Neste comprimento de onda são excitados somente os residuos de triptofanos. A curva em preto representa a proteína livre, as curvas coloridas representam a proteína interagindo com os diferentes DNAs. Tabela 3. Máximos obtidos em cada comprimento de onda(excitação) Comprimento de onda(nm) RPA RPA+TEL1 RPA+TEL2 RPA+TEL3 RPA+TEL3-DIG 265 339 336 334 334 334 270 339 335 335 334 334 275 339 335 335 335 334 280 340 335 336 337 336 285 341 336 337 336 336 290 339 332 332 331 332 295 337 334 334 334 334 41 O resultado que vemos nas Figs. 14, 15, 16 e Tabela 3, mostrando que os resíduos de aminoácidos se deslocam para um ambiente mais hidrofóbico na presença de DNA, está de acordo com a disposição de triptofanos e tirosinas na estrutura tridimensional da proteína. O modelo mostrado na Fig 17 ilustra este resultado mostrando que estes resíduos se localizam próximos ao domínio de interação ao DNA (OB-fold domain) . Figura 17. Predição estrutural do domínio OB-fold 1 da LaRPA-1 com triptofanos e tirosinas destacados. Imagem gerada a partir do modelo LaRPA-1 delta C-term disponível no banco de dados ModelArchive. Na imagem, vemos o domínio por dois ângulos diferentes. Essa informação ainda indica que a LaRPA-1, a semelhança da TcRPA- 1 (PAVANI et al, 2017) interage com sequencias contendo 1 ou 2 repetições teloméricas embora apresente predileção por interagir com três repetições, evidenciada pela queda do sinal de fluorescência mostrado nas Figs 14, 15 e 16. Apesar de existir similaridades em relação a interação com o DNA simples fita telomérico, entre a TcRPA-1 e da LaRPA-1 elas apresentam diferenças estruturais significativas que podem sugerir funções diferentes para as duas 42 proteínas no metabolismo de DNA, incluindo os telômeros. Por exemplo, a LaRPA-1 só tem um domínio de interação do tipo OB-fold capaz de interagir com o DNA (SIQUEIRA-NETO et al. 2007; PAVANI et al., 2014), enquanto a TcRPA-1 apresenta dois domínios OB fold de interação com o DNA (PAVANI et al., 2017), como ilustrado na Fig. 18 Figura 18. Representação estrutural dos domínios OB-folds da RPA-1 de L. amazonensis e T. cruzi na presença de DNA telomérico simples fita (laranja) O modelo TcRPA1-OBF1/OBF2 foi retirado de (PAVANI et al, 2014) e o modelo LaRPA1- OBF1/OBF2 foi obtido por modelagem e simulações de dinâmica molelular (FERNANDES et al., in preparation). Estes resultados levantam questões evolutivas importantes que devem ser melhor exploradas uma vez que as proteínas teloméricas POT1 e CDC13 também interagem com o DNA telomérico usando um domínio OB-fold. Sendo assim, procuramos verificar se à semelhança de POT1 e CDC13, a LaRPA-1 tem capacidade de proteger os telômeros do parasito contra o ataque de nucleases. 43 7.4. A interação entre LaRPA-1 e DNA telomérico não é desfeita com a presença da Exonuclease I com atividade 3’-5’ Para desvendarmos se a LaRPA-1 consegue proteger o DNA telomérico, nós delineamos o seguinte experimento in vitro: utilizar a Exonuclease I bacteriana, para tentar desfazer a interação entre o complexo formado por LaRPA-1 e o DNA telomérico simples fita rico em G. Se esse complexo não for desfeito na presença de altas concentrações de Exonuclease I, sugere-se fortemente que a LaRPA-1 protege o DNA telomérico, o que a elege como uma das possíveis proteínas responsáveis pelo capping telomérico em Leishmania spp.. A Exonuclease I bacteriana foi escolhida por apresentar atividade catalítica que remove nucleotídeos no sentido 3’→5’ em moléculas de DNA simples fita. Segundo o (BRODY et al.,1986) a Exonuclease I (Exo I) degrada DNA na forma de simples fita na direção 3'→5' e libera deoxyribonucletídeos 5'- monofosfatos em etapas deixando livres e intactos dinucleotideos no terminal 5'. A atividade da Exonuclease I bacteriana é medida em unidades, onde 1 unidade é definida como a quantidade de enzima que vai causar a liberação de 10 nmol de ácidos nucleicos em 30 min a 37 oC. Isto significa que 10 unidades da Exonuclease I bacteriana digere 90% de 1µg de um oligonucleotídeo de 100mer em 20 min a 37 oC(LU et al ,2011) . Extrapolando para o nosso sistema necessitamos de 1,8U de ExoI bacteriana para digerir 90% de 1 µg (172 pmol) do oligonucleotídeo TEL 3 e TEL 3 DIG (18mer) em 20 min a 37 oC. Aqui vale lembrar que as extremidades teloméricas em eucariotos apresentam uma protrusão simples fita rica em G denominada 3’G-overhang que serve de substrato para a telomerase e uma vez elongada é sitio de interação de 44 proteínas que protegem os telômeros do ataque de nucleases, (telomere end- binding proteins) como POT1 em mamíferos e CDC13 em leveduras (LIU et al.,2004; DE LANGE, 2005; GIRAUD-PANIS et al., 2010; ). Além disso, a ressecção realizada pela Exonuclease I (enzima presente em mamíferos, que é uma homóloga da enzima bacteriana usada nesse trabalho) está relacionada com a formação do 3’ G-overhang em mamiferos.( WU et al, 2012) Iniciamos as análises utilizando espectroscopia de fluorêscencia, para verificarmos a interação entre a Exonuclease I e o oligonucleotídeo TEL 3 (Fig. 19). Estas análise serviram para certificar que a Exonuclease I utilizada interage com o oligonucleotídeo TEL 3 e também para fazer as devidas correções no sinal de fluorescência onde nos ensaios com LaRPA-1, foram descontados os sinais da Exo + TEL 3. 45 Figura 19. Gráfico da interação entre a Exonuclease I e oligonucleotideo TEL 3. Foram utilizados 3,125 unidades de Exonuclease I na presença de seu tampão de reação e 32pmol de oligonucleotídeo. A excitação foi realizada em 280nm, excitando tirosinas e triptofanos. A curva em preto representa a ExoI livre, a curva em azul representa a proteína interagindo com o TEL3. Como mostrado no gráfico da Fig 19, a Exonuclease I interage com TEL3, e percebemos isso pela diferença entre os dois espectros (EXO e EXO+TEL3). Sendo assim, a próxima etapa foi avaliar se a presença de Exonuclease I interfere no complexo LaRPA-1+TEL 3. Para isso, primeiramente incubamos LaRPA-1 com o oligonucleotídeo TEL 3 e depois adicionamos Exonuclease I, 46 mais seu tampão de reação à 37º C (temperatura de atividade da enzima) por 30 minutos. . Figura 20. Gráfico da interação entre a LaRPA-1(RPA) e oligonucleotideo TEL 3 e Exonuclease I (EXO). Na reação foi utilizado 14 μg de LaRPA-1, 32pmol do oligonucleotídeo e 3,125 unidades de Exonuclease I. A excitação foi realizada em 280nm, excitando tirosinas e triptofanos. A curva em preto representa a LaRPA-1 livre, a curva em vermelho a interação entra a LaRPA-1 e o TEL3 e a curva em azul representa o resultado LaRPA-1+ TEL 3+ Exonuclease I. Na Fig 20 estão mostrados os espectros da LaRPA-1 livre (RPA), da LaRPA-1 complexada com o DNA telomérico (RPA+TEL3) e da da LaRPA-1 complexada com TEL3 na presença de Exonuclease I (RPA+TEL3+EXO). Se 47 compararmos os perfis dos espectros de fluorescência da LaRPA-1 livre e da LaRPA-1 complexada com TEL3, ocorre dimunição do espectro na presença do DNA com deslocamento do maximo para a esquerda, repetindo os resultados já apresentado anteriormente (Fig. 15). Quando o complexo LaRPA-1+ TEL 3 é incubado na presença de Exonuclease I, vemos que ocorre uma pequena diminuição do sinal de fluorescência comparado ao espectro LaRPA-1 + TEL 3. Este efeito pode ter sido causado pela simples presença da Exonuclease I no sistema, porém o máximo da curva continua se deslocando para a esquerda o que pode significar que mesmo na presença de Exonuclease I a associação entre LaRPA-1 e TEL3 se mantém. Em relação a forma dos espectros RPA+TEL3 e RPA+TEL3+EXO, eles são praticamente idênticos, com exceção de uma pequena “perturbação” que se apresenta por volta de 315nm no espectro RPA+TEL3+EXO. Essa alteração se deve provavelmente a manipulação aritimética do dado: o efeito de TEL 3+Exo foi descontado do espectro, e exatamente nesse comprimento de onda nós temos o pico do espectro (ver Fig 19). Ou seja, a diferença entre os espectros se deve mais a um viés da técnica em si, do que um fenômeno biológico. Esse resultado sugere fortemente que LaRPA-1 quando associada a TEL 3, é capaz de protegê-lo da ação de degradação pela Exonuclease I. Além disso, durante a obtenção dos espectros não observou-se nenhum indício que na presença de Exonuclease I a LaRPA-1 se torna livre no sistema. Porém essa informação sozinha é insuficiente,primeiramente, por tratar- se de uma observação indireta, visto que estamos observando o comportamento da proteína e não do DNA (TEL 3). Segundo, neste ensaio é provável que ocorra uma competição entre a LaRPA-1 e a Exonuclease I pela interação com o DNA. 48 Pois já é conhecido que a Exonuclease I se mantém associada ao DNA até o fim da digestão (BRODY et al., 1986). Importante ressaltar que esses resultados foram obtidos nas condições ensaiadas onde no experimento RPA+TEL3+EXO usamos 14 µg (440,25 nM) de LaRPA-1, 32 pmol TEL 3 e 3,125 unidades de Exonuclease I. Ou seja a LaRPA- 1 foi utilizada em excesso em relação a Exonuclease I, devido a uma limitação da técnica, pois diminuir a quantidade de LaRPA-1 pode resultar em um sinal de fluorescência insuficiente, e de difícil interpretação, enquanto que aumentar a quantidade de Exonuclease I no sistema, poderia interferir na obtenção do espectro LaRPA-1+TEL 3, dificultando nossas análises. Por isso, para melhor entender a dinâmica dessas reações, utilizamos outros ensaios como mostrado a seguir. 7.5. Padronização do ensaio de interação proteína-DNA do tipo alteração da mobilidade em gel (EMSA, Electophoretic Mobility Shift Assay). Para validarmos bioquimicamente o resultado anterior, nós utilizamos uma versão modificada do ensaio de EMSA. O ensaio de EMSA consiste em avaliar in vitro a formação de complexos formados entre proteínas e ácidos nucleicos pela alteração da migração do complexo (shift) em relação ao ácido nucleico livre, utilizando eletroforese em gel não denaturante. A Fig. 21 ilustra essa tipo de ensaio. 49 Figura 21. Esquema básico de um ensaio de EMSA. Foi mostrado anteriormente por nosso grupo que tanto a LaRPA-1 nativa obtida de extratos semi-purificados do parasito quanto a proteína obtida na forma recombinante e seu dominio OB-fold 1 individualizado interagem com o DNA simples fita telomérico rico em G e que essa interação pode ser observada utilizando-se ensaios EMSA (FERNANDEZ et al., 2004; SIQUEIRA-NETO et al., 2007; PAVANI et al., 2014). Porém ainda não foi avaliada a capacidade da LaRPA-1 de proteger os terminais dos cromossomos do ataque de nucleases, função que pode sugerir fortemente que ela tenha ação de capping telomérico à semelhança de POT1 e CDC13, como mencionado anteriormente (ELDRIDGE el al, 2005,LIN et al 2001,LEI et al ,2004). Mostramos por espectroscopia de fluorescência um resultado que sugere que a LaRPA-1 protege o DNA 50 telomérico(Fig. 20) e para validarmos esse resultado, padronizamos uma modificação do ensaio EMSA que permite visualizar a ação da Exonuclease I tanto sobre o DNA livre (TEL 3 DIG) e o complexo LaRPA-1+TEL 3 DIG. . Para iniciar a padronização desse ensaio definimos a quantidade de LaRPA-1 recombinante capaz de formar complexos com TEL 3 DIG, utilizando ensaios in vitro de interação proteína-DNA onde variamos a concentração de proteína (0,3 µg ~ 2,5 µg) e mantivemos a mesma quantidade de TEL 3 DIG (1,55 pmol). Figura 22. Titulação da LaRPA-1 recombinante usado no ensaio de EMSA. As colunas de 1 a 8 representam reações com a LaRPA-1 que variam sua concentração absoluta de 0,3 µg ~ 2,5 µg. A quantidade do oligonucleotídeo TEL 3 DIG está marcada na imagem. A coluna 9 representa a reação somente com o oligonucleotídeo. As amostras foram fracionadas em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti- digoxigenina (Roche) e CSPD (GE Healthcare) Como podemos obeservar, na Fig.22 a proteína LaRPA-1 recombinante é 51 capaz de se associar ao oligonucleotídeo TEL 3 DIG formando um complexo proteína-DNA que migra de forma diferente do oligonucleotídeo TEL 3 DIG livre. Para os ensaios seguintes escolhemos trabalhar com a combinação mostrada na coluna 3, ou seja 1,5 µg de LaRPA-1 e 1,55pmol TEL 3 DIG, onde é possível observar claramente a formação do complexo entre LaRPA-1 e TEL 3 DIG e diferenciar a migração do mesmo em relação ao oligo TEL 3 DIG livre. 7.6. A competição entra a LaRPA-1 e a Exonuclease I pelo substrato TEL 3 DIG, não é tempo-dependente. No próximo passo avaliamos a ação da Exonuclease I sobre o oligonucleotídeo TEL 3 DIG usando migração em gel não denaturante (37,5 acrilamida:1 bis-acrilamida). Já mostramos que ocorre interação entre Exonuclease I e TEL 3 DIG usando espectroscopia de fluorescência (Fig 19). Porém, por essa metodologia não foi possível mostrar o efeito direto dessa interação. Existem dois paramêtros que podem influênciar a atividade da Exonuclease I na presença do substrato: a concentração da enzima e o tempo de incubação da reação. Nesta seção iremos considerar primeiro o tempo de incubação realizando reações de cinética de digestão no tempo. 52 Figura. 23 Cinética de digestão de tempo do oligonucleotídeo TEL 3 DIG usando Exonuclease I bacteriana com variação de tempo de incubação da reação enzimática. O ensaio foi realizado usando concentração fixa de 1,55 pmol do oligonucleotídeo e 2 unidades da Exonuclease I (NEB) em diferentes períodos de tempos( de 0 a 60 minutos). As amostras foram fracionadas em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti-digoxigenina(Roche) e kit CSPD (GE Healthcare) Como mostrado na Fig 23., a Exonuclease I bacteriana é capaz de digerir o oligonucleotídeo TEL 3 DIG causando a sua degradação a qual é diretamente proporcional ao tempo de incubação. A análise semi-quantitativa dos resultados mostrados na Fig. 23 estão apresentados na Fig.24. 53 Figura 24. Gráfico mostrando a intensidade do sinal do oligonucleotídeo telomérico TEL 3 DIG após incubação com 2 unidades de Exonuclease I em ensaio de cinética de digestão. No eixo Y temos a média da intensidade do sinal (média por pixel em porcentagem) do oligonucleotídeo que está sendo degradado em relação ao tempo. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. No eixo X estão representados os diferentes tempos de reação de digestão pela Exonuclease I. Para obter estes dados foram realizadas medidas de dois ensaios individuais e obteve-se a média desses resulatados que estão plotados no gráfico. Como é possível observar no gráfico mostrado na Fig 24, quase 80% de 1,55 pmol do oligonucleotídeo TEL3-DIG é digerido em 60 minutos de incubação a 37ºC na presença de 2 unidades de Exonuclease I. Isto demonstra que a Exonucelase I além de interagir com TEL3-DIG, é capaz de digerir o oligonucleotídeo, retirando nucleotídeos a partir da sua extremidade 3’. No 54 ensaio seguinte, o experimento mostrado na Fig. 25 foi realizado na presença de LaRPA-1 ligada a TEL3-DIG. Figura. 25 Avaliação da manutenção do LaRPA-1+TEL 3 DIG na presença de Exonuclease I. O ensaio foi realizado com 1,5 µg da LaRPA-1 recombinante e 1,55 pmol do oligonucleotídeo. Depois da interação entre a proteína e o oligonucleotídeo o complexo foi incubado com 2 unidades de Exonuclease I (NEB) por diferentes períodos de tempo (5 min na coluna 6 , 10 min na coluna 5, 15 min na coluna 4, 30 min na coluna 3 e 60 min na coluna 2) em tampão da enzima a 37oC. Ensaios realizados na ausência de Exonuclease I foram usados como controle (colunas 8 e 9). A coluna 7 representa o DNA livre. A coluna 1 mostra o resultado da digestão de TEL 3 DIG por Exonuclease I após 60 min de incubação. O complexos foram separados em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e foram transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimoluminescência utilizando soro anti-digoxigenina (Roche) e kit CSPD (GE Healthcare) Os resultados apresentados na Fig 25 mostra que o TEL 3 DIG continua complexado com a LaRPA-1 mesmo após 60 minutos de incubação com 55 Exonuclease I. A análise semi quantitativa será realizada nas Figs. 26 e 27 considerando 2 variavéis: a atividade de ligação(binding activity) da proteína LaRPA-1 e a intensidade dos DNAS livres. Figura 26. Gráfico mostrando a intensidade do sinal do oligonucleotídeo TEL 3 DIG livre em cada reação mostrada na figura 25. No eixo Y temos média da intensidade do sinal do oligonucleotídeo que sobra após cada ensaio, representado em porcentagem. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. Figura 27. Gráfico mostrando a atividade de ligação da LaRPA-1 com o oligonucleotídeo TEL 3 DIG em cada reação mostrada na figura 25 mais a barra de Média que representa a média dos sinais do complexos LaRPA-1:TEL 3 DIG que foram incubados com a Exonuclease I. No eixo No eixo Y temos atividade de ligação representado em porcentagens. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. No eixo X as diferentes reações. 56 Se nós levarmos em conta a Fig.26 vemos que a digestão com a Exonuclease I funcionou e ela é diretamente proporcional ao tempo de incubação(colunas 6 a 2 da Fig.26). O ensaio da coluna 1, teve mais de 80% de degradação do oligonucleotídeo. Se considerarmos a Fig. 27, temos um resultado interessante: as reações que avaliam a atividade protetiva da LaRPA-1 (colunas 6 a 2 da Fig.26) formam complexos similares e com atividade de ligação muito parecidos, independentemente do tempo de incubação, inclusive, a pequena diferença entre os resultados não tem uma correlação com o tempo de incubação(por exemplo o maior sinal é na reação de 60 minutos). Foi feito a média dos sinais do complexos é obtivemos o valor de 66,5%, ou seja, podemos inferir que quase 70% do complexo LaRPA-1:TEL 3 DIG não foi perturbado pela interferência da Exonuclease I. Isso nos mostra que, independentemente do tempo de reação, 1,5 µg da LaRPA-1 conseguiu proteger mais de 65% do DNA mesmo na presença de 2 unidades da Exonuclease I, e sugere que a LaRPA-1 tem a capacidade de proteger o DNA com a sequência telomérica. Esse resultado é coerente com o dado da espectroscopia de fluorescência, e nos sugere que realmente a LaRPA- 1 e a Exonuclease I estão competindo pela interação com o DNA. Para confirmarmos esse fenômeros iremos fixar o tempo de reação em 30 minutos e faremos a reação de digestão com quantidades variavéis de enzima. 57 7.7. A competição entra a LaRPA-1 e a Exonuclease I pelo substrato TEL 3 DIG é concentração-dependente. Para confirmar o resultado mostrado na Fig 25, repetimos o ensaio fixando o tempo de digestão da Exonuclease I em 30 minutos, porém variamos a concentração de Exonuclease I , realizando uma cinética de digestão que variou entre 0,78 a 50 unidades de enzima. Antes avaliamos o efeito de Exonuclease I somente sobre o oligonucleotídeo TEL 3 DIG na ausência de LaRPA-1 como mostrado na Fig 28. Figura. 28 Cinética de digestão na concentração do oligonucleotídeo TEL 3 DIG usando Exonucelase I bacteriana. O ensaio foi realizado usando concentração fixa de 1,55 pmol do oligonucleotídeo e concentrações crescentes (0,78~50 unidades) da Exonuclease I (NEB) por 30 minutos. As amostras foram fracionadas em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti-digoxigenina (Roche) e kit CSPD (GE Healthcare) 58 A Fig. 28 mostra a digestão do oligonucleotídeo TEL 3 DIG pela Exonuclease I , e esta é diretamente proporcional a quantidade de enzima na reação. Para avaliar semi-quantitativamente este resultado montamos um gráfico onde foi calculada a média da intensidade de sinal do oligonucléotideo digerido e não digerido, usando dados obtidos de 2 ensaios, e os mesmos foram plotados em um gráfico. Figura 29. Gráfico mostrando a intensidade do sinal do oligonucleotídeo telomérico TEL 3 DIG após a incubação com concentrações crescentes de Exonuclease I(0,78 a 50 unidades) por 30 minutos. No eixo Y temos média da intensidade do sinal do oligonucleotídeo que sobra após cada ensaio de digestão, representado em unidades arbitrarias. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. No eixo X estão representados as diferentes concentrações de Exonuclease I. 59 O gráfico da Fig 29, nos mostra que com apenas 0,78 unidades, quase 20% do DNA já é digerido. Se considerarmos uma concentração intermediária, de 3,125 unidade de enzima, vemos que cerca de 65% do oligonucleotídeo é degradado. Em 12,5 unidades, mais de 75% do DNA é digerido e com 50 unidades da Exonuclease I mais de 85% do DNA é digerido . Em seguida repetimos o ensaio na presença de LaRPA-1 e diferentes concentrações de Exonuclease I (Fig 30) seguido de analises semi-quantitativas (Figs 31 e 32). Figura 30. Avaliação da manutenção do LaRPA-1+ TEL 3 DIG na presença de Exonuclease I. O ensaio foi realizado com 1,5 µg da LaRPA-1 recombinante e 1,55 pmol do oligonucleotídeo. Depois da interação entre a proteína e o oligonucleotídeo o complexo foi incubado com quantidades crescentes de Exonuclease I (NEB) por 30 minutos em tampão da enzima a 37oC(coluna 5 com 0,78 unidades, coluna 4 com 1,56 unidades, coluna 3 com 3,125 unidades, coluna 2 com 6,25 unidades e coluna 1 com 12,5 unidades) Na coluna 9 vemos o complexo na ausência de Exonuclease I. Na coluna 10 vemos o DNA livre. Na coluna 8 a degradação do oligonucleotídeo na ausência da LaRPA-1. Na colunas 6 e 7 vemos que a LaRPA-1 desnaturada perde sua atividade de ligação ao DNA e deixa o oligonucleotídeo livre para a ação da Exonuclease I.O complexos foram separados em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e foram transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti-digoxigenina(Roche) e kit CSPD (GE Healthcare) 60 Figura 31. Gráfico mostrando a intensidade do sinal do oligonucleotídeo TEL 3 DIG livre em cada reação mostrada na figura 30. No eixo No eixo Y temos média da intensidade do sinal do oligonucleotídeo que sobra após cada ensaio, representado em porcentagem. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. Figura 32. Gráfico mostrando a atividade de ligação da LaRPA-1 com o oligonucleotídeo TEL 3 DIG em cada reação mostrada na figura 30. No eixo Y temos atividade de ligação representado em porcentagens. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. No eixo X as diferentes reações 61 A primeira coisa que nos chama a atenção na Fig. 30 é que se a LaRPA- 1 é desnaturada por calor, ela perde a capacidade de ligação com o DNA e não mais consegue proteger o DNA da degradação pela Exonucelase I(colunas 6 e 7 das figuras 30, 31 e 32 respectivamente). Isso nos confirma que a ligação da LaRPA-1 com o DNA telomérico é especifico e a proteína necessita estar enovelada para exercer qualquer função de interação com o DNA. O resultado da análise da Fig. 31 mostra a digestão que a Exonuclease I causa no oligonucleotídeo TEL 3 DIG, com sinais diretamente proporcionais à concentração de enzima. Quando analisamos a Fig. 32, o resultado está coerente com o que vemos na Fig 30, e nela vemos um fenômeno importante: ao aumentarmos a concentração de Exonuclease I, aumenta-se a perturbação do complexo LaRPA- 1: TEL 3 DIG. Isso está de acordo com a competição entre a Exonuclease I e a LaRPA-1. Por exemplo, com uma quantidade baixa de Exonuclease I (0,78 u) a pertubação do complexo é desprezível, numa concentração intermediária (3,125 u) 45% do complexo é protegido, e numa concentração mais alta(12,5 u) somente cerca de 5% do complexo se mantém íntegro. De qualquer maneira, nesse ensaio estamos utilizando uma concentração fixa de somente 1,5 µg de LaRPA-1 e mesmo assim, em todos os caso, vemos um certo grau de proteção, o que está de acordo com os resultados anteriores. 62 7.8. A LaRPA-1 tem a capacidade de proteger DNA com a sequência telomérica. Para concluirmos nossas análises, mais um ensaio foi feito. Até esse ponto nós analisamos a estrutura da proteína ( ensaios de espectroscopia de fluorescência) e o complexo DNA:proteína ( ensaios de EMSA com LaRPA- 1+TEL 3 DIG+ Exonucelase I), a partir daqui nós vamos avaliar o efeito direto que as proteínas causam no DNA livre. Resultados anteriores (Fig 30.) nos mostram que se a LaRPA-1 for desnaturada ela perde a capacidade de interagir com o DNA, característica compartilhada pela Exonuclease I que perde a atividade se for desnaturada a pelo menos 80º C por 20 minutos ( informação fornecida pelo o fabricante). Baseado nisso, delineamos o seguinte experimento: incubar o oligonucleotídeo TEL 3 DIG com a LaRPA-1 e depois adicionarmos a Exonuclease I( assim como fizemos nos tópicos anteriores) mas antes de aplicarmos nossas amostras no gel, desnaturaremos as duas proteínas incubando-as a 90º C por 20 minutos. Essa temperatura, desnaturará as proteínas(fazendo com que elas percam qualquer interação com o oligonucleotídeo), e não terá efeito no DNA, e com isso conseguiremos observar o DNA livre para nossas análises. Além disso, fixaremos o DNA(1,55 pmol) e a Exonuclease I( 2 unidades) para titularmos 3 concentrações de LaRPA-1: respectivamente 0,7 µg, 1,4 µg e 2,1 µg, para avaliar se concentrações maiores de LaRPA-1 influenciam na 63 capacidade protetiva da proteína. O resultado é mostrado na Fig. 33. Figura 33. Efeito que as proteínas causam no DNA livre. O ensaio foi realizado com concentrações crescentes de LaRPA-1 recombinante(de 0,7 µg, 1,4 µg e 2,1 µg) e 1,55 pmol do oligonucleotídeo. Depois da interação entre a proteína e o oligonucleotídeo o complexo foi incubado com 2 unidades de Exonuclease I (NEB) por 30 minutos em tampão da enzima à 37oC seguido de incubação à 90º C de todo o sistema por 20 minutos. As amostras foram separados em um gel não desnaturante PAGE (37,5:1) e foram transferidos para uma membrana de nylon. A revelação se da por quimioluminescência utilizando soro anti-digoxigenina (Roche) e kit CSPD (GE Healthcare). 64 Figura 34. Gráfico mostrando a intensidade do sinal do oligonucleotídeo TEL 3 DIG (após a incubação com as proteínas LaRPA-1 Exonuclease I seguido de desnaturação) em cada reação mostrada na figura 33. A coluna 1 representa o oligonucleotídeo íntegro, as colunas 2, 3 e 4 representam a incubação com concentrações crescentes de LaRPA-1(de 0,7~2,1 µg) mais 2 unidades da Exonuclease I. No eixo Y temos média da intensidade do sinal do oligonucleotídeo que sobra após cada ensaio, representado em porcentagem. As intensidades dos sinais foram medidas utilizando o programa GeneTools from Syngene, descontados o background. No Eixo X temos as diferentes reações. Nas Figs 33 e 34 mostramos que aumentar a quantidade de LaRPA-1 no sistema , aumenta a quantidade de DNA integro no final da reação. Esse dado além de condizente, valida todos os resultados anteriores. Esse resultado nos mostra que 2,1 µg de LaRPA-1 consegue proteger quase 80% do DNA telomérico da ação de 2 unidades da Exonuclease I, o que demonstra a eficiência da proteção. Com esses valores, podemos fazer uma relação aproximada de DNA íntegro versus DNA digerido. 65 Tabela 4. Proporção entre DNA íntegro e DNA digerido pelo efeito da concentração da LaRPA-1 Com todos esses dados, podemos afirmar categoricamente que a RPA-1 de Leishmania spp. tem a capacidade bioquímica de proteger DNA com sequência telomérica de digestão por exonucleases. Isso sozinho não significa que ela realiza essa função dentro da célula, mas temos que levar em consideração todas as informações que já foram citadas no texto como por exemplo: abundância da RPA-1 de Leishmania spp. nos telômeros do parasito, a preferência da proteína a fita G telomérica, a relação filogénetica entre o complexo da RPA com outras proteínas teloméricas e a ausência de proteínas teloméricas com domínios OB-fold no genoma do protozoário. (FERNANDEZ et al., 2004; SIQUEIRA-NETO et al., 2007; PAVANI et al., 2014 ,LUE 2018) Um trabalho de (LUE 2018) discuti que o Complexo RPA é o OB-fold mais antigo e que ele provavelmente deu origem a diversas proteínas associadas com a manutenção telomérica. Esse dado recente, corrobora nossa idéia que a RPA- 1 de Leishmania spp. tem funções específicas para a manutenção telomérica. Nesse trabalho, nós mostramos que a LaRPA-1 tem a capacidade bioquímica DNA íntegro DNA digerido TEL 3 DIG 100% 0% TEL 3 DIG+RPA 0,7 µg+ Exo I 60,94% 39,06% TEL 3 DIG+RPA 1,4 µg+ Exo I 71,31% 28,69% TEL 3 DIG+RPA 2,1 µg+ Exo I 77,45% 22,55% 66 necessária para realizar o capping telomérico, o que nos deixa mais próximos de defini-la como uma telomere end-binding protein. Vale ressaltar que o capping telomérico é essencial para a viabilidade de uma célula eucariota, visto que mantém a estabilidade dos cromossomos e consequentemente o genoma (SUI et al 2015), e que, no caso de um organismo patogênico, poderá ser utilizado como um possível alvo terapêutico, visto a ineficiência dos tratamentos atuais (RAJASEKARAN et al 2015). A Fig. 35 mostra um modelo esquemático da relação entre o DNA telomérico de fita G, da LaRPA-1 e da Exonuclease I e pode ser extrapolado para a atividade de proteção telomérica da LaRPA-1 contra ataques de nucleases. Figura 35. Modelo de competição entre a LaRPA-1 e a Exonuclease I pelo DNA telomérico. Aqui mostramos que a concentração das proteínas influência no resultado final e que a Exonuclease I não consegue digerir o DNA que fica ligado a LaRPA-1. 67 8. Conclusão Começamos confirmando a ausência de proteínas teloméricas com domínios OB-folds no genoma do parasito. Isso por si sí já sugere que a RPA-1 do organismo possa cumprir a funções dessas proteínas, na ausência das mesmas. Esse trabalho também nos mostra que a LaRPA-1 consegue se ligar a uma repetição telomérica, porém tem uma clara preferência por três repetições teloméricas. Além disso, com nossos resultados, confirmamos que a RPA-1 de Leishmania spp. pode proteger o DNA com sequência da fita G telomérica da ação de exonucleases. Essa proteção depende da concentração da proteína versus a concentração da enzima, mas independentemente da situação testada, sempre há um grau de proteção. Isso nós deixa mais próximos de afirmarmos que a LaRPA-1 desempenha funções específicas nos telômeros do parasito(como por exemplo capping telomérico), e que provavelmente se encaixa na categoria de uma telomere end-binding protein, proteínas fundamentais para a estabilidade telomérica. Para realizarmos esse trabalho, delineamos várias novas metodologias baseadas em ensaios clássicos. Essas ferramentas podem ser utilizadas para futuras análises de interação DNA-proteína. 9. Referências Bibliográficas . ABREU, E., ARITONOVSKA, E., REICHENBACH, P., CRISTOFARI, G., CULP, B., TERNS,R.M., LINGNER, J., AND TERNS,M.P. TIN2-tethered TPP1 recruits human telomerase to telomeres in vivo. Mol. Cell. Biol. 30, 2971–2982.(2010). 68 .AUBERT, G. e LANSDORP, P.M. Telomeres and Aging. Physiol. Rev. 88, 557- 579. (2008). .AMY D. GELLNAS, MARGHERTTA PASCHINI, FRANCIS E. REYES, ANNIE HÉROUX, ROBERT T. BATEY, VICTORIA LUNDBLAD, DEBORAH S. 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