1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE Centro de Estudos de Geografia do Trabalho Centro de Estudos do Trabalho, Ambiente e Saúde MARIA JOSELI BARRETO NOVAS E VELHAS FORMAS DE DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO NAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DE PRESIDENTE PRUDENTE E RIBEIRÃO PRETO (SP) PRESIDENTE PRUDENTE 2018 2 MARIA JOSELI BARRETO NOVAS E VELHAS FORMAS DE DEGRADAÇÃO DO TRABALHO NO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO NAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DE PRESIDENTE PRUDENTE E RIBEIRÃO PRETO (SP) Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia - Área de concentração: Produção do Espaço Geográfico - Linha de Pesquisa: Trabalho, saúde ambiental e Movimentos socioterritoriais, para obtenção do título de Doutora em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior Agência de fomento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Processo FAPESP nº 2014/08022-6 Grupos de Pesquisa Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT - UNESP) Centro de Estudos do Trabalho, Ambiente e Saúde (CETAS - UNESP) PRESIDENTE PRUDENTE 2018 3 4 5 Agradecimentos Desde dezembro de 2006, quando buscamos o primeiro contato com o professor Thomaz para a orientação da Monografia de Bacharelado, foram inúmeras as pessoas que nos ajudaram a chegar nesse momento - a conclusão da Tese de Doutorado. Por isso, nossa eterna gratidão a todos àqueles que, por algum período estiveram ao nosso lado e nos ajudaram a percorrer esse caminho. Primeiramente o professor Thomaz, pela orientação, pela confiança depositada, pelo respeito, pela seriedade e disposição em nos atender sempre que necessário; Ao Fernando, pelo companheirismo, pelo apoio incondicional e pela valorosa ajuda na realização da pesquisa empírica, na cartografia do trabalho e no apoio técnico; Aos meus pais (José e Lourdes), que respeitaram minhas escolhas e sempre estiveram dispostos a ajudar; As minhas irmãs e cunhados (Cidinha/Cícero e Jane/Luciano), que também auxiliaram (direta e indiretamente) na construção deste trabalho; Aos meus adoráveis sobrinhos (Aline, Diogo, Gabriel e Maria Clara), pela afetuosidade e alegria contagiante; A minha avó Josefa (in memória), sempre acolhedora, um exemplo de força e uma grande incentivadora; A todos os companheiros e companheiras, que ao longo dessa trajetória passaram pelo CEGeT/CEMOSI, e certamente contribuíram para minha formação; Primeiramente à Ana Maria, Sônia e Ivanildo que muito contribuíram quando comecei a trilhar os caminhos da pesquisa; Ao Claudemir Mazucheli, Moisés, Gerson, Jaqueline e Zé Roberto companheiros de grupo e de muitos trabalhos de campo; Ao Fernando Heck, Guilherme Marini, Tássio, Daniel, Thiago, Larissa, Robinzon e Diego pelas valiosas discussões de textos, contribuições e sugestões. Ao Messias, Fredi, Gabriel, Sidney, Diógenes, João Pimenta e Rosana pelos trabalhos de campo coletivo (via Cetas), que sempre proporcionaram inúmeros aprendizados; Ao longo dessa trajetória ainda é importante lembrar-se da ajuda valorosa do Juscelino, João Vitor; Cacá, Giovana, Maria, Gustavo, Lucas, Ângela, Ana Terra, Franscisco, 6 Ian e tantos outros, que passaram e/ou fazem parte do (CEGeT/CEMOSI) e que certamente em algum momento nos ajudaram e contribuíram na construção desse trabalho. Ainda agradecemos ao professor José Giacomo Baccarin pela atenção e contribuição no acesso e entendimento dos dados da RAIS/CAGED. Ao Jorge Neves, pela disponibilidade de informações valiosas sobre os processos que cercam as transformações em curso na produção da cana-de-açúcar; Ao Pedro Dias Mangolini Neves, pela disponibilidade em ajudar e fornecimento de material de estudo; Ao Coletivo Cetas de Pesquisadores e suas múltiplas equipes, que a cada encontro e atividade nos proporcionaram momentos valiosos de aprendizados; Ao professor Roberto Mancuzo, pelos preciosos ensinamentos na Oficina de Fotografia; Aos professores da Graduação e Pós-Graduação da FCT/UNESP/, que sempre, com muita seriedade e compromisso, contribuíram na minha formação acadêmica; A todos os funcionários da FCT/UNESP, em especial aos da Seção de Pós- Graduação e da Biblioteca, que sempre foram solícitos em nos ajudar; Ao professor Guilherme Marini Perpétua e a Professora Edvânia Ângela de Souza Lourenço, pelas sugestões e críticas durante a realização do Exame de Qualificação; Ainda agradecemos a todos os trabalhadores e trabalhadoras envolvidos na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, pela atenção, pelo tempo disponibilizado durante a realização das entrevistas e pela confiança depositada; Aos representantes dos Sindicatos visitados, que nos receberam e auxiliaram no desenvolvimento da pesquisa; Aos agentes públicos dos municípios visitados (representantes da Casa da Agricultura, Secretarias de Assistência Social, Secretarias da Saúde e Vigilância Sanitária), que atenciosamente nos atenderam e concederam entrevistas; Aos representantes dos Escritórios de Desenvolvimento Regional - EDR, de Dracena, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Jaboticabal e Ribeirão Preto; aos coordenadores das escolas de qualificação profissional e a representante do GVS de Tupã, que gentilmente nos atenderam e esclareceram nossas dúvidas e questionamentos; A Irmã Marlene e senhor Inácio, ambos da Pastoral do Migrante que mesmo de mudança, nos atenderam de forma atenciosa; 7 Ao agrônomo melhorista do IAC/Centro de Cana, que gentilmente nos atendeu, e além de conceder entrevista, também apresentou o trabalho desenvolvido pelo Centro de Pesquisa; Ainda agradecemos aos representantes das agroindustriais canavieiras, fornecedores de matéria-prima e prestadores de serviços, que nos receberam e também contribuíram para o desenvolvimento do trabalho; Sem a atenção de todas essas pessoas, certamente não teríamos alcançado os resultados apresentados. Por isso, nossa eterna gratidão, pelo respeito ao nosso trabalho e pelo tempo disponibilizados durante a realização das entrevistas, que seguramente foram primordiais para a concretização desse trabalho. Apoio institucional É importante destacar que a pesquisa contou com o apoio institucional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (Processo 2014/080022-6). Por isso, nossos agradecimentos a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pela concessão de bolsa de estudos no período de 01 de setembro a 31 de dezembro de 2014; Nossos agradecimentos a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, que além da bolsa de estudos concedida no período de 01 de janeiro de 2015 a 31 de agosto de 2017, também disponibilizou recursos econômicos por meio da Reserva Técnica, que foram primordiais para o desenvolvimento de diversas etapas da pesquisa (trabalho de campo, participação em eventos, compra de equipamentos e livros) permitindo a dedicação exclusiva para a execução do Doutorado. 8 Novas e velhas formas de degradação do trabalho no agrohidronegócio canavieiro nas Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto (SP) Resumo A pesquisa teve como objetivo analisar as implicações da reestruturação produtiva do capital, no âmbito da reprodução do agrohidronegócio canavieiro, nas Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, situadas no Estado de São Paulo e, nesse contexto, averiguar as formas como esse segmento atua na dinâmica territorial, nos (re)arranjos regionais e nos modos de organização e controle dos processos de produção e trabalho. Em termos de procedimentos metodológicos, buscou-se combinar revisão bibliográfica com levantamento e análise de dados secundários, pesquisa empírica com realização de entrevistas semiestruturadas, diário de campo e análise documental. Os resultados alcançados permitem destacar que as transformações em curso, na produção canavieira, demarcadas pela mecanização da colheita e plantio da cana-de-açúcar, são reflexo das ações e das estratégias do capital, em busca de seu constante processo de reprodução e acumulação. Para o capitalista, a tecnificação do processo produtivo da matéria-prima representa, antes de qualquer coisa, geração de mais-valia. Por isso, entre as estratégias incorporadas nas formas de organização e controle do trabalho, destacam-se os mecanismos que remetem à intensificação e prolongamento da jornada laboral. Também foi evidenciado que a tecnificação dos processos de produção e trabalho, somada às formas de organização e controle intrínseco ao taylorismo, fordismo, toyotismo e acumulação flexível, viabiliza, aos detentores dos meios de produção, mecanismos que conservam a captura da subjetividade e superexploração do trabalho como os principais baluartes da reprodução do agrohidronegócio canavieiro. Na verdade, mudaram-se os modos e os artifícios utilizados nesse processo de exploração. Além disso, foi observado que as máquinas, as inovações tecnológicas invisibilizam as reais condições de trabalho, vivenciadas pelos trabalhadores que atualmente vendem sua força de trabalho nos domínios do agrohidronegócio canavieiro, ao mesmo tempo em que ocultam a realidade vivenciada por grande parte dos trabalhadores que foram excluídos dos canaviais. Palavras-chave: Agrohidronegócio Canavieiro. Reestruturação Produtiva do Capital. Desemprego. Superexploração do Trabalho. 9 New and old forms of degradation of work in the sugar cane agro-business in the Administrative Regions of Presidente Prudente and Ribeirão Preto – São Paulo State Abstract The objective of this research was to analyze the implications of the productive restructuring of capital, in the scope of the reproduction of sugarcane agro-business, in the Administrative Regions of Presidente Prudente and Ribeirão Preto, located in São Paulo State. In this context, it was sought to investigate the ways in which this segment acts in the territorial dynamics, in the regional arrangements and in the modes of organization and control of the processes of production and work. In the methodology, we sought to combine bibliographic review with survey and analysis of secondary data, empirical research with semi-structured interviews, field diary and documentary analysis. The results show that the recent changes in sugarcane production, marked by the mechanization of sugarcane harvesting and planting, are a reflection of the actions and strategies of capital, in search of its constant process of reproduction and accumulation. For the capitalist, the technification of the productive process of the raw material represents, above all, the generation of surplus value. Thus, among the strategies incorporated in the forms of organization and control of work, we emphasize mechanisms that lead to the intensification and prolongation of the working day. It was also evidenced that the technification of the processes of production and work, added to the forms of organization and control intrinsic to Taylorism, Fordism, Toyotism and flexible accumulation, enables the holders of the means of production to maintain mechanisms for subjectivity capture and overexploitation of labor as the main support for the reproduction of sugarcane agro-business. In fact, the ways and the artifices used in this exploration process have changed. In addition, it was observed that the technological innovations invisible the real working conditions, experienced by the workers who currently sell their workforce in the domains of the sugarcane agro-business, while hiding the reality experienced by a large part of the workers who were excluded from the sugarcane plantations. Key-words: Sugarcane agro-business. Productive restructuring of Capital. Overexploitation of Labor. 10 Nuevas y viejas formas de degradación del trabajo en el agrohidronegocio de la caña de azúcar en las Regiones Administrativas de Presidente Prudente y Ribeirão Preto (SP) Resumen Esta investigación tuvo como objetivo analizar las implicaciones de la reestructuración productiva del capital en el ámbito de la reproducción del agrohidronegocio de la caña de azúcar en la Regiones Administrativas de Presidente Prudente y Ribeirão Preto, localizadas en Estado de São Paulo. En ese contexto indaga las formas como ese sector actúa en la dinámica territorial, en los ajustes regionales y en los modos de organización y control de los procesos de producción y trabajo. Los referentes metodológicos buscaron combinar la revisión bibliográfica con el levantamiento y análisis de datos secundarios, información empírica con realización de entrevistas semiestructuradas, diarios de campo y análisis documental. Los resultados alcanzados permiten destacar que las transformaciones enmarcadas por la mecanización del corte y recolección de la caña de azúcar, son reflejo de las acciones y de las estrategias del capital en busca de su constante proceso de reproducción y acumulación. Para el capitalista, la tecnificación del proceso productivo de la materia prima representa, antes que cualquier otra cosa, generación de plusvalía. Por este motivo, entre las estrategias incorporadas en las formas de organización y control del trabajo, se destacan los mecanismos que remiten a la intensificación y prolongamiento de la jornada laboral. También fue evidenciado que la tecnificación de los procesos de producción y trabajo, sumadas a las formas de organización y control intrínsecos al taylorismo, fordismo, toyotismoy acumulación flexible, viabiliza a los poseedores de los medios de producción, mecanismos para la captura de la subjetividad y la superexplotación del trabajo, como principales bastiones del agrohidronegocio de la caña de azúcar. En este sentido, cambiaron los modos y los artificios utilizados en este proceso de explotación. Asimismo, fue observado que las máquinas como innovaciones tecnológicas impiden observar las condiciones reales del trabajo, vividas por los trabajadores que actualmente venden su fuerza de trabajo a los dominios del agrohidronegocio, al mismo tiempo que ocultan la realidad vivida por gran parte de los trabajadores que fueron excluidos de los cañaduzales. Palabras clave: Agrohidronegocio de la caña de azúcar. Reestructuración productiva del capital. Desempleo. Superexplotación del trabajo. 11 Lista de Siglas ACT - Acordo Coletivo de Trabalho BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CANASAT - Monitoramento da Cana-de-Açúcar via imagens de satélite CATI - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral CCQ - Círculos de Controle de Qualidade CCT - Convenções Coletivas de Trabalho CEGET - Centro de Estudo Geografia Trabalho CEMOSI - Centro de Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical "Florestan Fernandes" CETAS - Centro de Estudo e Pesquisa do Trabalho, Ambiente e Saúde CETESB - Companhia Ambiental do Estado de São Paulo CEO - Chief Executive Officer CIMA - Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool CLT - Consolidação das Leis Trabalhista CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento COOPERSUCAR - Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo CPDA - Comissão de Defesa da Produção de Açúcar CTBE - Ciência e Tecnologia do Bioetanol CTC - Centro de Tecnologia Canavieira CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos EDR - Escritório Desenvolvimento Rural EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ESALQ - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz” ETEC - Escola Técnica Estadual FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador 12 FEAGRI - Faculdade de Engenharia Agrícola FERAESP - Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FIBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística FINAME - Financiamento de Máquinas e Equipamentos IAA - Instituto do Açúcar e do Álcool IAC - Instituto Agronômico de Campinas IBC - Instituto Brasileiro do Café IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEA - Instituto de Economia Agrícola INCT - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia INSS - Instituto Nacional de Serviço Social IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LDC - Louis Dreyfus Commodities MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MTE - Ministério do Trabalho e Emprego OGM - Organismos Geneticamente Modificados ONG - Organização Não Governamental ORPLANA - Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul PASS – Programa de Apoio ao Setor Sucroalcooleiro PL - Participação nos lucros PLANALSUCAR - Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar PLANFOR - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador PLC - Projeto de Lei da Câmara PLR - Participação nos Lucros e Resultados PMR - Participação nas Metas e Resultados PNA - Plano Nacional de Agroenergia PNRAA - Programa Nacional de Racionalização da Agroindústria Açucareira PPR - Programa de Participação nos Resultados PROÁLCOOL - Programa Nacional do Álcool PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica PROJOVEM - Programa Nacional de Inclusão de Jovens 13 PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PRORENOVA - Programa de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais RA - Região Administrativa RAIS - Relação Anual de Informações Sociais SEADE - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SDECTI - Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SER - Sindicato dos Empregados Rurais SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural STAB - Sociedade dos Técnicos Açucareiros e Alcooleiros do Brasil STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais TAC - Termos de Ajustamento de Conduta UDOP - União dos Produtores de Bionergia UFAL - Universidade Federal de Alagoas UFG - Universidade Federal de Goiás UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso UFPI - Universidade Federal do Piauí UFPR - Universidade Federal do Paraná UFRPE - Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFS - Universidade Federal de Sergipe UFSCar - Universidade Federal de São Carlos UFV - Universidade Federal de Viçosa UNICA - União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo VANT - Veículo Aéreo Não Tripulado 14 Lista de Figuras Figura 1: Esquema representativo da metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa ............ 35 Figura 2 - Produtos derivados da cana-de-açúcar ................................................................................. 67 Figura 3 - Primeira variedade de cana-de-açúcar introduzida no Brasil ............................................. 131 Figura 4 - Variedade de cana-de-açúcar produzida a partir do melhoramento genético ..................... 131 Figura 5 - Primeiro modelo de colhedora de cana-de-açúcar em teste no Brasil (1950/1960) ........... 134 Figura 6 - Primeiro modelo de colhedora de cana picada em teste no Brasil (1970) .......................... 134 Figura 7 - Modelo atual de colhedora de cana utilizada nos canaviais brasileiros .............................. 136 Figura 8 - Projeto da “máquina estrutura de tráfego controlado” (colhedora de cana do futuro) ....... 136 Figura 9 - Etapas no processo de produção da cana-de-açúcar no contexto da tecnificação agrícola 148 Figura 10 - Canavial na RA de Ribeirão Preto (trajeto entre Luís Antônio e Pradópolis/SP) ............ 151 Figura 11- Canavial na RA de Presidente Prudente (Município de Martinópolis/SP) ........................ 151 Figura 12 - Plantadeira de cana-de-açúcar com cabine para Auxiliar Agrícola no município de Caiabu/SP ............................................................................................................................................ 157 Figura 13 - Plantadeira de cana-de-açúcar sem cabine, para Auxiliar Agrícola Município de Caiabu/SP ............................................................................................................................................ 157 Figura 14 - Demonstração das qualidades da cana-de-açúcar melhoradas no Programa Cana/IAC ... 161 Figura 15 – Produção em série da Cotesia Flavipes (município de Lucélia/SP) ................................ 164 Figura 16- Formas de pulverizações utilizadas nas lavouras de cana-de-açúcar ................................ 167 Figura 17 - Reservatório de vinhaça sem revestimento (município de Santo Anastácio/SP) ............. 174 Figura 18 - Reservatório e canal de vinhaça com revestimento (Município de Pauliceia/SP) ............ 174 Figura 19 - Canal de escoamento de vinhaça sem proteção e proliferação de insetos (Margem da Rodovia entre os Municípios de Narandiba e Nantes/SP) .................................................................. 176 Figura 20 - Trabalhadores canavieiros em assembleia no município de Marabá Paulista (RA de Presidente Prudente) ............................................................................................................................ 224 Figura 21 - Colheita mecânica da cana-de-açúcar município de Teodoro Sampaio ........................... 224 Figura 22 - Cursos e treinamentos oferecidos por Centro de Capacitação Profissional (Município de Pitangueiras) ........................................................................................................................................ 240 15 Figura 23 – O discurso do emprego - Escola Centro Paula Souza (Município .................................. 240 Figura 24 – (Parte) da estrutura de produção e trabalho na produção da cana-de-açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto .................................................................................................. 265 Figura 25 - O processo de produção e trabalho da cana-de-açúcar no contexto de mecanização do plantio e colheita da cana-de-açúcar ................................................................................................... 271 Figura 26 - Prolongamento da jornada do trabalhador canavieiro nas RA de Presidente e Ribeirão Preto .................................................................................................................................................... 295 Figura 27 - Funções, metas e exposição dos trabalhadores aos riscos na colheita mecânica da cana-de- açúcar ................................................................................................................................................... 333 Figura 28 - Conjunto de atividades na produção de cana-de-açúcar, cujo processo de trabalho envolve manuseio direto de agroquímicos ........................................................................................................ 338 16 Lista de Gráficos Gráfico 1- Distribuição das operações contratadas na forma direta e indireta não automática no território nacional .................................................................................................................................. 71 Gráfico 2- Produção de Cana-de-Açúcar no Brasil (2004 a 2016) ....................................................... 87 Gráfico 3 - Área e produção de cana-de-açúcar na RA de Presidente Prudente (2004 a 2016) .......... 104 Gráfico 4 - Área e produção de cana-de-açúcar na RA de Ribeirão Preto (2004 a 2016) .................. 105 Gráfico 5 - Admissão e desligamento do trabalhador da cultura da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (2004 a 2016) ............................................................................................................................ 202 Gráfico 6 - Admissão e desligamento trabalhador da mecanização agrícola no Estado de São Paulo (2004 a 2016) ...................................................................................................................................... 204 Gráfico 7 - Admissão e Desligamento do trabalhador da cultura da cana-de-açúcar nas RA de Ribeirão Preto e Presidente Prudente ................................................................................................................. 207 Gráfico 8 - Admissão e Desligamento do trabalhador da mecanização agrícola nas RA de Ribeirão Preto e Presidente Prudente ................................................................................................................. 207 17 Lista de Mapas Mapa 1- Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto/SP ................................... 31 Mapa 2 - Municípios visitados durante a pesquisa de campo na RA de Presidente Prudente/SP. ........ 43 Mapa 3 - Municípios visitados durante a pesquisa de campo na RA de Ribeirão Preto/SP. ................ 45 Mapa 4 - Fluxos de capitais: a internacionalização do capital agroindustrial canavieiro no Brasil ...... 79 Mapa 5 - Espacialização dos grupos internacionais no Brasil no âmbito do agrohidronegócio canavieiro .............................................................................................................................................. 84 Mapa 6 - Área cultivada com cana-de-açúcar nos municípios da RA de Presidente Prudente (Hectares) ............................................................................................................................................................. 117 Mapa 7 - Área cultivada com cana-de-açúcar nos municípios da RA de Ribeirão Preto (Hectares) .. 119 Mapa 8: Índice de mecanização da colheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo (por EDR) . 180 Mapa 9 - Índice de mecanização da colheita da cana-de-açúcar na RA de Presidente Prudente ano de 2016/2017 ............................................................................................................................................ 184 Mapa 10 - Índice de mecanização da colheita da cana-de-açúcar na RA de Ribeirão Preto no ano de 2016/2017 ............................................................................................................................................ 188 Mapa 11 - Admissão de trabalhadores da cultura da cana-de-açúcar na RA de Presidente Prudente (2004 a 2016) ...................................................................................................................................... 212 Mapa 12 - Admissão de trabalhadores da cultura da cana-de-açúcar na RA de Ribeirão Preto (2004 a 2016) ................................................................................................................................................... 216 Mapa 13 - Admissão de trabalhadores da mecanização agrícola na RA de Presidente Prudente (2004 a 2016) ................................................................................................................................................... 219 Mapa 14 - Admissão de trabalhadores da mecanização agrícola na RA de Ribeirão Preto (2007 a 2016) ............................................................................................................................................................. 221 18 Lista de Quadros Quadro 1 - Leis, Decretos e Projetos criados em benefício do setor canavieiro ................................... 59 Quadro 2- Relação de Unidades Canavieiras na RA de Ribeirão Preto/SP .......................................... 96 Quadro 3 - Relação de unidades agroindustriais canavieiras na RA de Presidente Prudente/SP .......... 99 Quadro 4 - Inovações tecnológicas na reprodução do capital agroindustrial canavieiro .................... 139 Quadro 5 - Panorama de controle mecânico e biológico de pragas .................................................... 165 Quadro 6 - Relação de produtos (agrotóxicos) e pragas no controle químico em canaviais ............... 170 Quadro 7 - Síntese dos depoimentos relatados na pesquisa de campo ................................................ 251 Quadro 8 - Apresentação das ocupações desenvolvidas na produção canavieira a partir da mecanização da colheita/plantio da cana-de-açúcar, conforme a CBO e o relato dos trabalhadores entrevistados. 269 Quadro 9 - Depoimentos relativos às experiências do trabalho na produção da cana-de-açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto. ............................................................................................ 273 Quadro 10 - Exemplos de jornadas de trabalho no agrohidronegócio canavieiro nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto .................................................................................................................... 289 Quadro 11- As ocupações presentes na produção da cana-de-açúcar no contexto de mecanização agrícola e as metas estabelecidas no processo de produção e trabalho (segundo relato dos trabalhadores) ...................................................................................................................................... 310 Quadro 12 - Depoimentos dos trabalhadores sobre as metas na produção da cana-de-açúcar, nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto .................................................................................................. 321 Quadro 13 - Depoimentos referenciados à exposição aos riscos e agravos na de produção da cana-de- açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto ..................................................................... 323 19 Lista de Tabelas Tabela 1- Área cultivada e produção canavieira no Brasil entre os anos de 2004 e 2016..................... 82 Tabela 2 - Área cultivada com cana-de-açúcar nas Regiões Centro-Sul e Norte/Nordeste entre os anos de 2004 e 2016 (em mil hectares) ......................................................................................................... 82 Tabela 3- Área cultivada com a lavoura da cana-de-açúcar nos Estados da Região Centro-Sul entre os anos de 2004-2016 (mil hectares) ......................................................................................................... 85 Tabela 4 - Relação entre a área de cultivo e produção da cana-de-açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto .................................................................................................................... 106 Tabela 5 - Municípios incorporados ao circuito do agrohidronegócio canavieiro a partir de 2005 (RA de Presidente Prudente) (Hectares) ..................................................................................................... 112 Tabela 6 - Municípios com agroindústrias desativadas (RA de Presidente Prudente) (Hectares) ..... 114 Tabela 7 - Municípios com unidades agroprocessadoras desativadas (RA de Ribeirão Preto) (Hectares) ............................................................................................................................................................. 121 20 S U M Á R I O INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 26 1 - A DINÂMICA TERRITORIAL DO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL ...................................... 51 1.1 - A reestruturação produtiva capital e as transformações na reprodução agroindustrial canavieira ............................................................................................................................................. 51 1.2 – Estado: elemento fundante para as mudanças no agrohidronegócio canavieiro.................. 56 1.3 - De sucroalcooleiro a sucroenergético – o mote do agrohidronegócio canavieiro .................. 64 1.4 – Territorialização de monopólios nos domínios do agrohidronegócio canavieiro no Brasil . 75 1.5 - A dinâmica do agrohidronegócio canavieiro nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto (SP) ............................................................................................................................................. 94 1.5.1 - A dinâmica produtiva da cana-de-açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto.... 102 2- INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NOS DOMÍNIOS DO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO: AS TRANSFORMAÇÕES NO PROCESSO DE PRODUÇÃO E DE TRABALHO ...................................................................................................................................... 124 2.1 – A relevância da ciência e da tecnologia na reprodução do agrohidronegócio canavieiro .. 124 2.2 - A tecnificação na agricultura brasileira: a gênese da mecanização agrícola na produção canavieira ........................................................................................................................................... 140 2.3 – As inovações e as transformações técnicas na reprodução da cana-de-açúcar................... 145 2. 4 - Os índices de mecanização na lavoura de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto ........................................................................................ 179 3 - A INSERÇÃO DA MÁQUINA NA PRODUÇÃO DE CANA-DE-AÇÚCAR: UMA ENCRUZILHADA NA TRAJETÓRIA DO TRABALHADOR CANAVIEIRO........................ 191 3.1- Os argumentos e os artifícios que sustentam a inserção das máquinas na colheita e plantio da cana-de-açúcar ............................................................................................................................. 192 3.2 – As determinações da qualificação profissional como artifício para consolidação da mecanização agrícola ........................................................................................................................ 231 4 – AS TRANSFORMAÇÕES DO TRABALHO NA PRODUÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR: A REALIDADE ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL ................................................................... 258 4.1 - As transformações na organização do trabalho nos domínios do agrohidronegócio canavieiro ........................................................................................................................................... 258 21 4.2 - As novas e velhas formas de organização e controle do trabalho: pressupostos da superexploração do trabalho nos domínios do agrohidronegócio canavieiro .............................. 278 4.3 - O trabalho por metas: a face “moderna” do trabalho por produção .................................. 305 4.3.1 - As condições de trabalho e a exposição dos trabalhadores aos riscos na produção da cana-de- açúcar 315 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 343 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 352 22 APRESENTAÇÃO Esta Tese de Doutorado se propôs aprofundar questionamentos que surgiram a partir das pesquisas que realizamos ainda na Graduação, passando pela Iniciação Cientifica (IC) e Mestrado.1 No desenvolvimento da pesquisa de IC, entre os anos de 2007 e 2008, tínhamos como objetivo dimensionar as facetas do processo expansionista do capital canavieiro, na região do Pontal do Paranapanema (SP), que se pautavam no discurso do desenvolvimento econômico e da geração de novos empregos2, tendo como recorte territorial a Destilaria Decasa e a Usina Alvorada do Oeste, unidades agroprocessadoras de cana-de-açúcar sediadas nos municípios de Marabá Paulista e Santo Anastácio, respectivamente. Naquele período, as referidas empresas foram reativadas, sob o comando de novos grupos, após um longo período desativadas. Ao concluirmos essa pesquisa foi possível averiguar que a dinâmica canavieira e as relações estabelecidas pelo agrohidronegócio não se restringiam necessariamente aos limites do município em que a unidade agroprocessadora estava instalada. Isto é, as relações de produção e trabalho estão além das fronteiras municipais e regionais, pois o capital canavieiro, assim como todas as esferas do sistema capitalista, atua no sentido de construir redes de relações que possibilitem sua existência e reprodução (BARRETO, 2008). Essa constatação, por sua vez, nos motivou a prosseguir pesquisando a temática em questão. Por isso, na pesquisa de Mestrado, nós nos dedicamos a compreender as estratégias que o setor agroindustrial canavieiro adotou, para territorializar-se na região do Pontal do Paranapanema/SP, e os impactos desse processo para os municípios e trabalhadores da região envolvidos no processo de produção da cana-de-açúcar. 1 O contato com a pesquisa científica teve início no Estágio Não Obrigatório, no ano de 2007, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Thomaz Junior. No ano de 2008, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, realizamos a pesquisa em nível de Iniciação Científica, que resultou em nosso Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Dinâmica geográfica para a expansão da agroindústria canavieira no Pontal do Paranapanema e os desdobramentos para o trabalho: os casos da Usina Alvorada do Oeste e da Destilaria Decasa”. No Mestrado, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, desenvolvemos a pesquisa denominada “Territorialização das Agroindústrias Canavieiras no Pontal do Paranapanema e os Desdobramentos para o Trabalho”, quando buscamos compreender as estratégias utilizadas pelos representantes do agrohidronegócio canavieiro para territorializar, na região em destaque. 2 O discurso do capital agroindustrial canavieiro foi amplamente debatido por Souza (2011), em sua Tese de Doutorado intitulada “Emergência do discurso do agronegócio e a expansão da atividade canavieira: estratégias discursivas para ação do capital no campo”. 23 Ao final dessa pesquisa, constatamos que, amparado no discurso do emprego e nas fragilidades empregatícias da região, o agrohidronegócio canavieiro tem concretizado seus projetos de expansão, os quais estão cada vez mais direcionados para a territorialização do monopólio canavieiro nas terras agricultáveis dessa região, via aquisição e/ou arrendamento das terras, sobretudo as griladas ou com pendências jurídicas, além de controlar o mercado regional de trabalho (BARRETO, 2012). Essa especificidade do processo de expansão do setor agroindustrial canavieiro3, na região em destaque, tem relevância política, porque as áreas que deveriam ser direcionadas para a constituição de assentamentos rurais vêm sendo gradativamente dominadas por canaviais, sob o aval do Estado, o qual atua como avalista de latifundiários/grileiros e do capital canavieiro (THOMAZ JUNIOR, 2009, 2013a). Os resultados desse processo refletem diretamente nos trabalhadores que vendem força de trabalho a esse segmento do capital.4 Diante disso, neste trabalho, buscamos problematizar dúvidas e questionamentos que compareceram durante o Mestrado e que nos estimularam a novos aprofundamentos. Nossa intenção foi dimensionar os desdobramentos das transformações ora observadas no processo de produção da monocultura da cana-de-açúcar, seja do ponto de vista técnico, seja gerencial e das condições de trabalho. Desse modo, almejamos, ao longo de nossa investigação, refletir e ponderar sobre as implicações da mecanização agrícola nos domínios da produção canavieira, bem como acerca das condições de vida e trabalho vivenciadas pelos trabalhadores absorvidos e pelos trabalhadores excluídos por esse processo. A Tese está dividida em quatro capítulos, incluindo a introdução, na qual procuramos mostrar que, a fim de viabilizar maior produtividade, lucro e, logicamente, sua reprodução pelo território nacional, o agrohidronegócio canavieiro transformou o processo de produção e trabalho, sem necessariamente transformar os pilares que sustentam sua reprodução. A inserção do aparato tecnológico (máquinas, automação e tantas outras inovações tecnológicas) não alterou a essência do processo produtivo, que permanece sustentado na expropriação do território, degradação ambiental e superexploração do trabalho. 3 Thomaz Junior (2002) oferece reflexões detalhadas a respeito do processo de territorialização do capital agroindustrial canavieiro, no Estado de São Paulo. Já em seu estudo de 2009 (obra citada), o pesquisador apresenta reflexões específicas sobre o avanço do agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema. 4 Cabe ressalvar que essas questões também estão referenciadas no Projeto Temático "Mapeamento e Análise do Território do Agrohidronegócio Canavieiro no Pontal do Paranapanema - São Paulo-Brasil: Relações de trabalho, conflitos e formas de uso da terra e da água, e a saúde ambiental", ao qual estamos vinculados, sob a coordenação do professor Antonio Thomaz Junior, e que está diretamente ligado ao CETAS (Centro de Estudos e Pesquisas do Trabalho, Ambiente e Saúde). 24 No primeiro capítulo, buscamos apresentar reflexões sobre os processos gerais que permeiam as modificações na produção da cana-de-açúcar, no contexto da reestruturação produtiva do capital. O objetivo foi evidenciar que as mudanças ora observadas na produção canavieira, demarcadas pelo adensamento técnico nos processos de colheita e plantio da cana- de-açúcar, não é um fato isolado, mas um processo de transformação característico da lógica estrutural do capital, em seu processo de acumulação. No segundo capítulo, objetivamos refletir sobre os processos gerais que cercam a inserção da máquina, na produção agrícola canavieira, sobretudo nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar. Nessa perspectiva, procuramos mostrar que, apesar de os avanços tecnológicos na produção da cana-de-açúcar serem marcantes, a inclusão da máquina não está restrita a procedimentos técnicos, plantar e colher a cana, mecanicamente, mas situada num conjunto de mudanças que têm transformado a produção canavieira, a esfera técnico- produtiva e o sistema de trabalho. Ademais, visamos a trazer para o debate a gênese desse processo: as origens, as justificativas e os índices de mecanização, nesse contexto geral de mudança, resguardado pela reestruturação produtiva do capital. Por sua vez, no terceiro capítulo, reunimos reflexões sobre os argumentos, as justificativas e as estratégias que permeiam a inserção da máquina nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar e, nesse contexto, as consequências dessas mudanças para os trabalhadores e trabalhadoras que atuaram e ainda atuam na reprodução do agrohidronegócio canavieiro. Diante de um cenário marcado pelo desemprego, questionamos: quem são os trabalhadores que foram e ainda são excluídos dos canaviais, em detrimento da inserção das máquinas, das inovações tecnológicas nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar? Qual o perfil desse trabalhador e o que tem feito, em face das mudanças estabelecidas nos canaviais, da redução significativa do corte manual da cana-de-açúcar? Os trabalhadores que perderam o emprego no corte manual passaram pelos cursos de capacitação e qualificação profissional e foram (re)inseridos nesse novo sistema de produção e trabalho? Ou foram absorvidos pelo mercado formal em outras atividades econômicas ou ainda permanecem desempregados, flutuando entre a informalidade e o subemprego? Por fim, no quarto capítulo, apresentamos as reflexões sobre a organização, as condições e as relações sociais de trabalho diariamente enfrentadas pelos trabalhadores que estão inseridos na produção da cana-de-açúcar, no contexto de mudança do processo produtivo, isto é, a ampliação da tecnificação/mecanização dos sistemas de colheita e plantio 25 da cana-de-açúcar. Partindo da premissa de que a inclusão das máquinas e da tecnologia nos processos de produção e trabalho tende a invisibilizar as reais condições de trabalho, procuramos desvendar a aparência do visível e a essência do invisível, nesse “novo” ambiente de trabalho promovido pelo agrohidronegócio canavieiro. Ademais, tentamos evidenciar que, para além das máquinas inseridas nos processo de colheita e plantio da cana-de-açúcar, se reproduzem formas de organização e controle que remetem à superexploração do trabalho, à captura da subjetividade, à ampliação da exposição dos trabalhadores aos riscos e agravos no ambiente de trabalho. 26 INTRODUÇÃO O setor agroindustrial canavieiro está entre os principais segmentos do capital, no agrohidronegócio no Brasil. Amparados pelo discurso da geração de emprego, renda e desenvolvimento local-regional, tem-se beneficiado, ao longo de sua trajetória, de fartos recursos estatais, os quais têm historicamente garantido seus múltiplos processos de reestruturação e expansão por grande parte do território nacional. Entretanto, embora tenha passado por vários processos de mudança, seja do ponto de vista técnico, seja gerencial e na gestão e controle do trabalho, nas duas últimas décadas, as transformações se tornaram muito mais amplas e muito mais profundas, compreendendo todo o processo de acumulação, isto é, a produção, a circulação e a venda de mercadorias. No contexto de mundialização do capital monopolista, o agrohidronegócio canavieiro segue as tendências ditadas pela agricultura capitalista brasileira. Apoiados no discurso de que o “etanol é uma fonte de energia limpa e renovável”, os capitalistas têm intensificado a produção, nos últimos tempos, por meio de amplos investimentos em inovações tecnológicas, com vistas a acelerar o processo de reprodução. Baseados num modelo de produção histórico, que se sustenta na expropriação e exploração da terra, da água e da força de trabalho, os representantes do agrohidronegócio canavieiro, nas duas últimas décadas, têm adotado recursos da ciência e da tecnologia, a fim de intensificar os processos de produção e trabalho. O incremento tecnológico na produção agrícola (tecnificação dos processos de colheita e plantio da matéria-prima, investimentos em biotecnologia, melhoramento genético das mudas, intensificação no consumo de agroquímicos (fertilizantes sintéticos e agrotóxicos), incorporação da prática da agricultura de precisão e tantas outras inovações, como uso de vants, drones etc.) pode ser pautado como exemplo dessa realidade. Estrategicamente implementadas, as referidas mudanças têm permitido aos detentores dos meios de produção ampliar a produtividade, intensificar o processo de trabalho e, por conseguinte, acelerar processo de acumulação. Não por acaso, o setor, o qual está territorializado em grande parte do território brasileiro e cultivou, na safra de 2016/2017, mais de 10 milhões de hectares de cana-de- açúcar, produziu mais de 765 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, que foram transformadas em açúcar e etanol, as principais mercadorias produzidas pelo segmento (sendo cerca de 38 milhões de toneladas de açúcar e aproximadamente 27 mil m³ de etanol), negociados tanto no mercado interno como externo. 27 Mas não é somente isso. O agrohidronegócio canavieiro também tem angariado recursos financeiros (via financiamentos públicos) em projetos infraestruturais para o armazenamento e escoamento das mercadorias produzidas.5 Além disso, realiza diversos investimentos em pesquisas (também por meio de financiamentos públicos e privados) para a produção de novos produtos, além do açúcar e do etanol. Paralelamente aos investimentos em novas tecnologias e tantos outros incrementos da ciência incorporados no processo produtivo e na infraestrutura para escoamento e armazenamento das mercadorias, o agrohidronegócio canavieiro também tem buscado ampliar o leque de mercadorias produzidas. O setor já produz energia elétrica, plástico verde, leveduras, novos açúcares etc. Além de investir em tecnologia no processo produtivo, sobretudo na produção agrícola para urgir o processo de reprodução, os capitalistas ainda têm investido em infraestrutura e novos produtos, com vistas a ampliar o mercado consumidor. No cenário internacional, tais apontamentos despertam o interesse dos países centrais, e o Brasil desponta no topo dos interesses comerciais, sobretudo pela quantidade de terras agricultáveis e recursos hídricos disponíveis, elementos amplamente explorados pela agricultura capitalista e indissociáveis no processo de acumulação do capital (ÁVILA; ÁVILA, 2006; THOMAZ JUNIOR, 2008, 2009, 2010, 2013, 2017b). Nesse cenário de transformações da composição técnica do capital, da ampliação dos meios de produção e da exploração da força de trabalho, a terra e a água comparecem como elementos indispensáveis na reprodução da agricultura capitalista. Não por acaso, o agrohidronegócio, personificado nos produtores de monocultivos agrícolas, tem-se expandido para grande parte do território brasileiro, sobretudo, para as áreas planas, férteis e com vasta disponibilidade hídrica, como as chapadas ou áreas elevadas do Cerrado. 5 Nesse caso, o desenvolvimento do projeto de transportes multimodal, o qual vem sendo desenvolvido para o escoamento de etanol produzido nas principais regiões produtoras do país, pode ser apontando como um dos exemplos dessa realidade. O projeto envolve desde a logística, carga, descarga, armazenamento até a circulação das mercadorias, a partir de um conjunto de ações que perpassa a operação de portos, terminais terrestres e aquaviários, com transportes multimodais composto por dutos, hidrovias (barcaças), rodovias (caminhões- tanques) e cabotagem (navios). Isto é, para além dos investimentos e da inclusão de inovações tecnológicas na produção, principal etapa do processo de acumulação do capital, o capital agroindustrial canavieiro tem igualmente investido nos processos de circulação e venda das mercadorias, haja vista as atuações do setor para a conquista de novos mercados. A Logum Logística S.A. é a empresa responsável pela construção e operação do Sistema Logístico de Etanol. Para maiores detalhes, ver . Acesso em: 04 dez. 2017. 28 Estamos diante de um cenário em que o processo de territorialização dos monopólios e a monopolização dos territórios nas terras agricultáveis pelas principais commodities produzidas no país superpõem-se ao controle dos acessos e exploração dos recursos hídricos disponíveis, denominado agrohidronegócio. Esse modelo econômico e político é constituído a partir da exploração da terra, da água e do trabalho, tendo sido historicamente amparado pelos benefícios estatais (MENDONÇA, 2003; THOMAZ JUNIOR, 2008, 2009, 2010; MESQUITA, 2009; CUNHA, 2014; PERPÉTUA, 2016). De acordo com Thomaz Junior (2010), a terra e da água são elementos indissociáveis para o capital, estando historicamente vinculados à produção de commodities agrícolas, tais como soja, milho, algodão, celulose/papel, açúcar e, mais recentemente, o etanol, a mineração etc. Para o autor, “[...] a vinculação entre a expansão das áreas de plantio das principais commodities agrícolas produzidas no Brasil com a disponibilização de terra e água tem sido imprescindível para as estratégias do capital.” (p. 08). Nesse aspecto, Oliveira (2016) assevera que a mundialização do capital e o neoliberalismo transformaram a agricultura capitalista no Brasil, desde os anos de 1990, quando esta passou a se estruturar com base na produção de commodities, preços cotados em bolsas de valores e pela formação de empresas monopolistas. A partir desse período, as principais commodities agrícolas produzidas no país (soja, trigo, milho, arroz, algodão, café, açúcar e etanol, suco de laranja, carnes (bovinos, suínos e aves) entre outras, passaram a ser comercializadas nas “[...] bolsas de mercadorias e futuro, o centro regulador dos preços mundiais das commodities” (OLIVEIRA, 2016, p. 124), o que aguçou os interesses dos detentores dos meios de produção. O resultado foi a intensificação do processo produtivo, que passou a ser ainda mais devastador, com a ampliação dos monocultivos sobre áreas de comunidades tradicionais, com pendências jurídicas, produtoras de alimentos, além do aumento no consumo de agroquímicos, contaminação de recursos hídricos e da população rural e urbana que se encontra ilhada pelos monocultivos, pela inserção de maquinários de alta tecnologia, utilização de sementes e mudas geneticamente modificadas. No âmbito do setor agroindustrial canavieiro, não é diferente. Assim como na reprodução de outras monoculturas, a terra, a água, a degradação ambiental e a exploração da força de trabalho, somadas aos benefícios estatais são elementos indissociáveis do processo de acumulação (MENDONÇA, 2003; THOMAZ JUNIOR, 2008; MESQUITA, 2009; CUNHA, 29 2014). Dessa forma, no desenvolvimento de nosso trabalho, procuraremos utilizar o referido conceito como elemento norteador para nossa discussão.6 Embora o agrohidronegócio canavieiro compareça na atual conjuntura sob nova roupagem, com grande parte do processo produtivo reestruturado por múltiplas transformações na composição técnica e do trabalho, sua estrutura fundante permanece a mesma. Por trás de todo o aparato tecnológico incorporado no processo produtivo, sobretudo as máquinas nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar, mantém-se a mesma estrutura produtiva, baseada na expropriação e concentração de terras; cultivo da monocultura; desrespeito aos Acordos Coletivos, às Normas Regulamentadoras, à Legislação Trabalhista, à degradação ambiental; a superexploração do trabalho7 e o protecionismo estatal, via facilidades creditícias (ALVES, 1991; THOMAZ JUNIOR, 2002, 2009, 2017b; SILVA, 2004, 2006, 2014; OLIVEIRA, 2009; SOUZA, 2011; AZEVEDO, 2013; PERPÉTUA, 2016). Por isso, procuramos, ao longo deste trabalho, trazer reflexões sobre as implicações da reestruturação produtiva do capital, no âmbito da reprodução do agrohidronegócio canavieiro, nas Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, situadas no Estado de São Paulo. Isto é, buscamos averiguar as formas como esse segmento atua na dinâmica territorial, nos (re)arranjos regionais e nas formas de organização e controle dos processos de produção e trabalho. Nesse contexto, ainda buscamos: i) analisar a dinâmica produtiva do agrohidronegócio canavieiro, nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, no contexto da reestruturação produtiva do capital e suas relações territoriais; ii) apreender os processos gerais que cercam a inserção da máquina nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar e as transformações estabelecidas na esfera técnico-produtiva; apreender os artifícios e as justificativas que amparam transformações estabelecidas no processo de produção e trabalho; iii) averiguar a tendência de redução do corte manual na cana-de-açúcar, contrapondo-a ao discurso da qualificação profissional, e apreender a mobilidade espacial do trabalhador migrante inserido no processo produtivo da cana-de-açúcar, em face dos avanços da mecanização da colheita da cana, nas regiões em análise; iv) compreender as transformações 6 Embora não seja objetivo desse trabalho discutir o uso da água na reprodução do setor agroindustrial canavieiro, é elementar observar que o recurso está presente em praticamente todo processo de produção, desde o cultivo da cana-de-açúcar no campo até o processamento industrial, quando, para cada 15 litros de água usados se produz um litro etanol e 14 de vinhaça. 7 Quando abordamos superexploração do trabalho, fazemos referência à categoria desenvolvida por Ruy Mauro Marine, a qual será aprofundada no capítulo 4. 30 no processo de produção e trabalho, no âmbito das agroindústrias canavieiras, com o intuito de dimensionar as condições e as relações de trabalho estabelecidas no contexto da reestruturação produtiva do capital e as implicações na saúde do trabalhador; e, por fim, v) entender a dimensão do desemprego nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto e as consequências desse processo para os trabalhadores que perderam o emprego e, nesse contexto, investigar a posição dos sindicatos frente a esse processo de mudança. A pesquisa teve como recorte espacial as Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto (Mapa 1), regiões historicamente distintas, tanto em relação ao processo de ocupação e formas de uso da terra, ou mesmo à dinâmica territorial, como nos aspectos econômicos, sociais, políticos e tecnológicos que circundam o setor agroindustrial canavieiro. Mesmo que o histórico de ocupação e exploração das terras pela monocultura da cana-de-açúcar, nas regiões em análise, perpassem processos semelhantes, de expropriação e domínio territorial, as formas e o período em que aconteceram são diferentes.8 Na RA de Ribeirão Preto, as lavouras de cana-de-açúcar foram inseridas nas primeiras décadas do século XX, se expandiram de forma mais expressiva, após o declínio da cultura do café, no início da década de 1930, e se intensificaram na primeira fase do PROALCOOL, após 1980. Importante enfatizar que, no começo da década de 1970, a região já se destacava no cenário paulista como grande produtora de cana-de-açúcar e por protagonizar elevados investimentos em tecnologia agrícola (THOMAZ JUNIOR, 1989). A infraestrutura local, em especial nos setores de transporte e energia, somada à alta concentração de terras férteis e disponibilidade hídrica, atraiu e concentrou grandes investidores do setor canavieiro, na referida região (VEIGA FILHO, 1998; ELIAS, 2003; CARVALHO, 2011). A produção do café trouxe, para a região de Ribeirão Preto, a energia, a construção de estradas de ferro, armazéns e a implantação e ampliação de atividades terciárias, que mais tarde serviram como infraestrutura para o desenvolvimento e fortalecimento da produção canavieira, na região (VEIGA FILHO, 1998). 8 Além disso, vale ressaltar que as regiões em análise também apresentam extensão territorial e contingente populacional distintos. Enquanto a RA de Ribeirão Preto conta com 25 municípios, extensão territorial de 9.301,20 km² e população de 1.340.050, a RA de Presidente Prudente é composta por 53 municípios, extensão territorial de 23.779,11 km² e população de 852.023. 31 Mapa 1- Regiões Administrativas de Presidente Prudente e Ribeirão Preto/SP 32 Já na RA de Presidente Prudente, esse processo é recente, se compararmos sua temporalidade com a produção/expansão das áreas de cultivo da cana-de-açúcar, no Brasil ou no Estado de São Paulo. A expansão do agrohidronegócio canavieiro na referida região aconteceu em dois momentos distintos. Inicialmente, através dos recursos do PROALCOOL, a partir de 1979, quando grandes latifundiários, atraídos pelos incentivos fiscais e financeiros advindos do Governo Federal e motivados pela possibilidade de legitimação e valorização de suas terras, se inseriram no circuito da produção canavieira. A título de exemplo, no ano de 1981, um consórcio de 10 latifundiários constituiu a Destilaria Alcídia, no município de Teodoro Sampaio. Ainda no ano de 1981, no município de Regente Feijó, ocorreu a instalação da Destilaria Laranja Doce. Posteriormente, desde o ano de 2005, impulsionado por mais um momento de reestruturação do setor canavieiro, em escala nacional (BARRETO, 2012). O processo de decadência das poucas unidades implantadas na RA de Presidente Prudente, juntamente com a concentração de terras baratas (griladas e tomadas por pastagens degradadas), com perfil topográfico favorável à mecanização e disponibilidade de recursos hídricos atraíram novos investidores. Assim, unidades até então desativadas foram reformadas e, simultaneamente, novas agroindústrias mais modernas e mais produtivas foram construídas, ampliando a produção cana-de-açúcar e, mais tarde, introduzindo a mecanização agrícola, sobretudo na colheita da cana (THOMAZ JUNIOR, 2009; BARRETO, 2012). Ademais, a RA de Presidente Prudente apresenta outras particularidades. A expansão do agrohidronegócio canavieiro tem contribuído para a legitimação do grilo das terras com pendências jurídicas, já que grande parte das terras agricultáveis da região, aproximadamente 450.000 ha, é devoluta e deveria ser destinada para a reforma agrária (THOMAZ JUNIOR, 2009; 2014; SOUZA, 2011; BARRETO, 2012). No que tange aos níveis de inovações tecnológicas, observa-se que a RA de Ribeirão Preto é sempre pioneira, embora a RA de Presidente Prudente também apresente elevados índices de mecanização. Em Ribeirão Preto, o processo de tecnificação da atividade canavieira teve início nas décadas de 1970 e 1980, enquanto as primeiras áreas de cultivo de lavouras de cana-de-açúcar eram introduzidas na RA de Presidente Prudente (questões que serão aprofundadas posteriormente). Nossa hipótese é que o avanço da tecnologia e a intensificação da mecanização agrícola na produção canavieira têm criado um mito de que as condições de trabalho, no processo produtivo da cana-de-açúcar, melhoraram. Ao contrário, partimos do pressuposto de 33 que as modificações incorporadas ao processo produtivo, por meio da intensificação tecnológica dos sistemas de plantio e colheita da cana-de-açúcar, acompanhados por novas formas de organização e controle do processo de produção e trabalho, têm, na realidade, agravado o processo de exploração, a exposição aos riscos e, consequentemente, a saúde dos trabalhadores inseridos nesse setor. O que sinalizamos é uma combinação de novas e velhas práticas de degradação do trabalho, nos domínios do agrohidronegócio canavieiro – ou, como denomina Thomaz Junior (2017a), de degradação sistêmica. Com essa hipótese, nós nos pautamos em algumas questões norteadoras, tais como: a mecanização agrícola na lavoura de cana-de-açúcar tornou o trabalho menos degradante, como discursam os representantes do agrohidronegócio canavieiro? Os avanços da mecanização no plantio e na colheita da cana-de-açúcar têm extinguido a migração de trabalhadores de outras regiões brasileiras para as RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, a fim de laborar na colheita da cana-de-açúcar? Os trabalhadores que atuavam na colheita manual da cana-de-açúcar foram (re)inseridos nesse novo sistema de produção e trabalho, agora mecanizado? Em virtude do adensamento tecnológico nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar, ainda questionamos: quem são os trabalhadores que laboram nos sistemas de colheita e plantio mecanizado da cana-de-açúcar, nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto? Quais as reais condições e as relações de trabalho enfrentadas pelos trabalhadores que laboram nos sistemas de colheita e plantio mecânico da cana-de-açúcar, no contexto da reestruturação produtiva do capital? Qual a posição dos Sindicatos frente às ações e estratégias do capital agroindustrial canavieiro, junto aos trabalhadores, nesse processo de mudança? Nesse sentido, para desvendar a aparência do visível e a essência do invisível, nesse “novo” ambiente de trabalho promovido pelo agrohidronegócio canavieiro, buscamos, no desenvolvimento do trabalho, traçar um plano metodológico que nos ajudasse a responder a tais questionamentos e, assim, entender os processos que permeiam e sustentam a reprodução desse segmento, nas RA de Ribeirão Preto e Presidente Prudente, no contexto de reestruturação produtiva do capital, tomando como parâmetro a mecanização agrícola nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar. Os caminhos percorridos para a construção da Tese 34 Entendemos os procedimentos metodológicos como um conjunto de ações que nos possibilitam compreender nosso objeto de pesquisa, pelo viés quantitativo, qualitativo ou quanti-qualitativo, já que uma técnica não exclui a outra. Todavia, é importante ter consciência de que não existe metodologia perfeita, pois todos os procedimentos podem apresentar pontos negativos e positivos. Por isso, compete ao pesquisador construir as metodologias e as estratégias que melhor o auxiliem, no transcorrer da investigação. Seu conhecimento sobre o objeto é que evidenciará suas necessidades e indicará quais sãos os melhores caminhos a serem percorridos (MARRE, 1991). O aprofundamento teórico e a consulta a banco de dados de fontes secundárias (quantitativos), documentos (jornais, revistas, boletins, leis, processos, Acordos Coletivos, Termos de Ajuste de Condutas etc.), além da realização de trabalho de campo, seja para observar, seja para aplicar questionários, realizar entrevistas etc., são procedimentos que podem auxiliar o pesquisador a desenvolver a pesquisa. Para Marre (1991) a construção da metodologia é o momento de transformar o problema formulado em uma sequência de atos operacionais, a qual permita a materialização e a viabilidade de desenvolvimento da pesquisa. Contudo, admite-se, “[...] não é uma tarefa fácil, experimentar, demonstrar através de técnicas e procedimentos um objeto de raciocínio ascendente.” (MARRE, 1991, p. 16). Por isso, para o desenvolvimento da pesquisa, procuramos construir uma metodologia estruturada em revisão bibliográfica, levantamento de informações em fontes secundárias e levantamento de informações em fontes primárias (pesquisa empírica), isto é, uma pesquisa amparada em procedimentos metodológicos quanti-qualitativos. Na Figura 1, apresentamos a síntese dos procedimentos metodológicos adotados na Tese, no intuito de demonstrar os caminhos percorridos para a construção do trabalho, por meio dos referenciais que nos dão sustentação teórica, o levantamento de informações em fontes secundárias (que não se restringe a bancos de dados quantitativos) e que nos possibilitam maior entendimento sobre a realidade estudada, subsidiando-nos a fazer afirmações mais contundentes, pelas observações e análises dos levantamentos realizados no trabalho de campo. Por fim, tem-se o levantamento de informações em fontes primárias, em função da concretização dos trabalhos de campo. 35 Figura 1: Esquema representativo da metodologia utilizada no desenvolvimento da pesquisa Levantamento de informações em fontes secundárias Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho/ INSS Banco de dados da produção de cana-de- açúcar Metodologia de pesquisa Levantamento de informações em fontes primárias Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS/CAGED) Banco de dados referente à produção derivados da cana IBGE - Produção Agrícola Municipal Banco de dados referente a trabalho/emprego Observatório digital de Saúde e Seg. do Trabalho/MPT Trabalho de campo - realização de entrevistas semiestruturadas Banco de dados atinente à saúde do trabalhador Fornecedores Leitura de livros relativos às temáticas e conceitos abordados Busca e leitura de Teses e Dissertações sobre as temáticas que envolvem a pesquisa Revisão Bibliográfica Busca e leitura de periódicos e artigos sobre as temáticas que envolvem a pesquisa Acompanhamento e leitura de Boletins diários do setor canavieiro Levantamento e leitura de TAC, CCT e ACT Secretaria M. Assistência Social Trabalhadores Secretaria M. de Saúde Resp. pela Casa da Agricultura Dirigentes sindicais Agentes locais Centro de Vigilância Sanitária Escritório de Desenv. Regional Vigilância Sanitária Prestadores de serviço Repres. do setor canavieiro Especializado em CCT: Corte, Carregamento e Transporte STR/SER Sindicato dos Químicos Sindicato dos Transportes Sindicato da Alimentação Trabalhador “permanente” (contrato direto) Trabalhador sem vínculo empregatício (avulso) Trabalhador safrista (terceirizado) Trabalhador “permanente” Trabalhador (safrista) (contrato direto) Transporte de trabalhadores Turmeiro de avulso Gerente Industrial Gerente Agrícola Supervisor Organização: Maria Joseli Barreto (2018). Busca e leitura de Monografias e TCC sobre as temáticas que envolvem a pesquisa Levantamento de leis e projetos; emendas para atender o setor canavieiro Banco de dados do BNDES relativo a financiamentos estatais Leitura e análise da: PEC nº 287/2016; PEC nº 241/2016; Lei nº 13.467/2017; 36 Quanto à revisão bibliográfica, concebemos o aprofundamento teórico como primeiro elemento na construção da pesquisa científica, porque visa a fundamentar e subsidiar a construção do conhecimento sobre a temática em questão, proporcionando debate e reflexões mais aprofundadas e críticas (MARRE, 1991; TURRA NETO, 2013). Para Oliveira (1998), a identificação do pesquisador com o tema é um fator importante, pois o estimula a dedicar-se e impregnar-se do seu objeto de pesquisa, aspecto que o levará a um conhecimento profundo. Nesse sentido, o autor destaca que “[...] promover a consonância entre pesquisa e biografia é altamente estimulante, pois atribui vida ao estudo, retirando da produção intelectual poeiras de artificialismo, que recobrem parte das pesquisas acadêmicas [...]” (OLIVEIRA, 1998, p. 19). Como o levantamento bibliográfico é primordial, porque almeja aprofundar o debate em torno de temas e conceitos que norteiam a construção do trabalho, buscamos efetuar a revisão e o embasamento teórico por todo o período de desenvolvimento da Tese, por intermédio da leitura de livros, teses, dissertações, monografias, periódicos especializados, revistas, jornais etc., os quais foram acessados junto à biblioteca da FCT/UNESP, demais bibliotecas da rede UNESP, nos repositórios de outras Universidades, no acervo do CEGeT-Laboratório, CEMOSi (Centro de Memória, Documentação e Hemeroteca Sindical “Florestan Fernandes”), organizações sociais, ONGs, no âmbito da internet, entre outros. Além da revisão bibliográfica, fizemos um levantamento de informações em fontes secundárias, pela elaboração do banco de dados, como mais uma etapa relevante para o desenvolvimento da investigação, pois favorece maior entendimento e compreensão dos resultados que estamos obtendo, sobretudo no trabalho de campo. A análise do banco de dados, associada à pesquisa empírica, tem-nos permitido vislumbrar a dimensão dos impactos que a produção da monocultura da cana-de-açúcar e os avanços da mecanização agrícola têm proporcionado aos municípios canavieiros, principalmente para os trabalhadores que atuam em seu processo de produção. Por isso, buscamos fazer um levantamento de informações secundárias, a partir de bancos de dados quantitativos referentes à dinâmica da produção canavieira (área cultivada e produtividade) e à dinâmica do trabalho (empregos, desemprego, qualificação profissional e saúde do trabalhador). 37 No que diz respeito aos dados concernentes à produção canavieira, consultamos dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e CANASAT. Como se trata de fontes de dados com metodologias diferenciadas e séries históricas descontínuas, foram selecionados quatro bancos de dados para o confrontamento das informações e resultados, a partir dos quais optamos por trabalhar com as informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE), por apresentar série histórica contínua. Quanto à temática do trabalho, buscamos analisar fontes de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tais como: Relação Anual de Informações Sociais (RAIS); Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Para verificar a contratação de trabalhadores, índices de desemprego (desligamentos e admissões), índices salariais, mudanças no âmbito dos empregos formais, empregamos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Também fizemos coleta de dados junto à Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) e ao IBGE, para averiguar informações regionais e municipais. No que tange à apreciação documental, consideramos informações específicas, através de boletins técnicos referentes à conjuntura e produção canavieira, tais como: União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (UNICA); União dos Produtores de Bionergia (UDOP); Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (COOPERSUCAR); Jornal Cana; Informativo “Nova Cana.Com”; e, Revista da Sociedade dos Técnicos Açucareiros e Alcooleiros do Brasil (STAB), Revista Canavieiros, além de acompanharmos diariamente os jornais locais/regionais e de grande circulação. Procuramos igualmente analisar Convenções Coletivas de Trabalho (CCT), Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC). De maneira geral, essas informações nos possibilitaram um maior entendimento sobre a dinâmica da produção de cana-de-açúcar e a dinâmica do trabalho e emprego, no Estado de São Paulo, sobretudo nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, recorte territorial da pesquisa. Somado a este, também realizamos levantamento de informações primárias, através da execução de trabalho de campo nas RA de (Presidente Prudente e Ribeirão Preto), com o objetivo de apreender e dimensionar as ações dos sujeitos, os trabalhadores que venderam e os trabalhadores que ainda vendem sua força de trabalho para o agrohidronégocio 38 canavieiro, nas regiões em análise. Nosso objetivo foi compreender as transformações e as contradições que permeiam o capital agroindustrial canavieiro, nas duas regiões indicadas, e como se expressam territorialmente, por meio da relação capital x trabalho. Da preparação à realização do trabalho de campo: o princípio de novas descobertas Entendemos o trabalho de campo como componente basilar na realização da pesquisa, sobretudo no âmbito da Geografia. O trabalho de campo, o contato com os interlocutores sujeitos da pesquisa e o acúmulo de informações primárias possibilitam ao pesquisador não apenas o contato real com o objeto e sujeitos da pesquisa, mas estar diante da realidade concreta. Thomaz Junior (2005, p. 21) afirma que a realização do trabalho de campo é uma “[...] alternativa concreta de viabilizar teoricamente o propósito de ultrapassar a reflexão intra- sala de aula, como forma de executar e ‘praticizar’ a ‘leitura’ do real, sendo assim, um momento ímpar do exercício da práxis teórica.” Conforme o autor, quando propomos o desenvolvimento de uma pesquisa, devemos adotar como primeira atividade a necessária reflexão teórico-conceitual, a fim de que se possa penetrar na realidade a ser estudada/pesquisada, de maneira a [...] entender o movimento de entrecruzamento e (re)definição da paisagem, mediatizada pelas relações sociais de trabalho e de produção, como momento definido do movimento contraditório de construção da espacialidade brasileira, ou da espaço-temporalidade da concretização do capital - das mais diversas formas em que se territorializem. (THOMAZ JUNIOR, 2005, p. 21). Contudo, o trabalho de campo, o qual se apresenta como instrumento de grande relevância para a construção do conhecimento científico, nem sempre é debatido na sua compreensão teórico-conceitual. Pelo contrário, vem sendo deixado de lado por grande parte dos pesquisadores, quando não reduzido a explicações genéricas na introdução do trabalho (PIRES DO RIO, 2011). Ademais, não se trata de uma prática exclusiva dos geógrafos, mas uma ferramenta de trabalho necessária para muitas áreas de estudos, que cobre um campo vasto do conhecimento, diferenciada por suas doutrinas, métodos e objetivos (KAISER, 2006). Ou seja, o trabalho de campo pode ser efetivado com base em diferentes matrizes conceituais, cujas escolhas vão ao encontro do objetivo da área de conhecimento e do pesquisador. 39 Alentejano e Rocha-Leão (2006) apontam que o trabalho de campo na Geografia é parte fundamental do método de trabalho, e que sua sistematização enquanto ciência deve muito ao conjunto de pesquisas e relatórios de campo organizados pelos viajantes naturalistas. Todavia, ao mesmo tempo em que a herança do trabalho de campo foi fundamental para a consolidação da Geografia como ciência, também deixou uma forte marca empirista, tornando-se mais tarde um ponto de discordância entre os geógrafos. Nesse sentido, os autores acrescentam que o trabalho de campo não pode se reduzir ao mundo do empírico, mas ser essencialmente um momento de articulação entre teoria-prática. Além disso, o trabalho de campo desarticulado da teoria torna-se inútil, do mesmo modo que tentar compreender as transformações do espaço sem trabalho de campo é tarefa praticamente impossível (ALENTEJANO; ROCHA-LEÃO, 2006). Portanto, a teoria nos prepara para o trabalho de campo e este reforça a teoria, no processo de construção do conhecimento. Ademais, o trabalho de campo nos leva para além dos muros da universidade e nos apresenta a realidade, dinâmica e contraditória, permeada por conflitos e disputas, nos mais diversos campos e níveis. Quando restringimos nosso pensamento a uma única vertente, corremos o sério risco de estarmos nos limitando apenas à reprodução teórica e acadêmica, sem os avanços necessários para o conhecimento científico. Outra questão importante e recorrente, a ser assinalada, são as dicotomias: Geografia Física/Geografia Humana, sociedade/natureza, cidade/campo. A articulação entre teoria e prática ainda se entrecruza com o problema das dicotomias, sendo ainda um desafio a ser superado (THOMAZ JUNIOR, 2005; ALENTEJANO; ROCHA-LEÃO, 2006). Tratar sociedade-natureza de forma dissociada, separada, é deixar de lado parte da realidade apresentada. Por essa razão, a prática do trabalho de campo não pode estar restrita apenas ao exercício de observação da paisagem: é preciso observar as transformações do espaço, a partir das ações dos sujeitos sociais. Para entender as transformações do espaço, da paisagem, é necessário observar também a sociedade, compreender a dinâmica dos processos e as múltiplas intervenções sociais, os conflitos (KAISER, 2006). Thomaz Junior (2005) sublinha que precisamos agir além da observação da diversidade paisagística, não podendo nos prender exclusivamente a ela. Ao contrário, é preciso ampliar nossos horizontes de investigação para além do imediato, do aparente, do empírico. É importante apreender a paisagem como manifestação exterior da sociedade que a transforma e a redefine. 40 Desse modo, quando nos propomos analisar a reestruturação produtiva do capital, no âmbito do setor agroindustrial canavieiro, estamos tentando compreender as transformações implantadas no processo de produção de cana-de-açúcar, a partir dos interesses de exploração e dominação da terra e da água, nas regiões em que a monocultura está territorializada. Logo, realizar o trabalho de campo representa estar in loco. Caminhar, observar, ouvir, refletir, anotar, fotografar e analisar empiricamente o objeto e os sujeitos da pesquisa nos permite apreender a dinâmica dos processos que transforma não apenas o espaço, mas a paisagem e a sociedade (ALENTEJANO; ROCHA-LEÃO, 2006). Em virtude disso, o trabalho de campo foi uma ferramenta importante, a qual, somada à revisão bibliografia e análise das informações de fonte secundária, nos ajudou a apreender os meandros que permeiam a dinâmica territorial do capital agroindustrial canavieiro, no contexto de reestruturação produtiva do capital, quando a implantação da mecanização agrícola (colheita e plantio da cana-de-açúcar) comparece como seu principal atributo, num processo de redefinição dos territórios ocupados. Para além do exercício de observação da paisagem, das transformações do espaço, o trabalho de campo nos oportuniza utilizar outras ferramentas que podem colaborar na abrangência e aprofundamento das informações obtidas (ALENTEJANO; ROCHA-LEÃO, 2006; THOMAZ JUNIOR, 2005). São inúmeros os instrumentos empregados no desenvolvimento de pesquisa em outras áreas da ciência, sobretudo as sociais (sociologia, antropologia, etnografia etc.), que podem trazer grandes contribuições para as investigações desenvolvidas no âmbito da Geografia. Enriquecer o trabalho de campo com técnicas que nos aproximem dos sujeitos nos possibilita ir além do entendimento das transformações do meio explícito na paisagem, apreender os conflitos, a dinâmica e as consequências de tais processos para a sociedade como um todo, principalmente para os sujeitos expostos à realidade posta. Assim, para o desenvolvimento da pesquisa, optamos por trabalhar com a realização de entrevistas, com base em roteiros semiestruturados, que favorecem o diálogo mais aberto entre pesquisador e entrevistado. Colognese e Mélo (1998) salientam que a técnica da entrevista pode ser entendida como um processo de interação social entre entrevistador-entrevistado; com efeito, requer a construção de um roteiro prévio, mas permite que o entrevistador possa trazer questionamentos adicionais para melhor contextualizar os objetivos propostos. 41 Quanto à escolha do local para realização da entrevista, Colognese e Mélo (1998) e Thompson (1992) chamam atenção para a importância de se evitar as interferências externas, no momento da entrevista, na construção do pensamento e do diálogo estabelecido entre entrevistador e entrevistado. Com base nos apontamentos dos autores, optamos por fazer as entrevistas em locais nos quais os entrevistados se sentissem confortáveis e seguros. Em razão disso, as entrevistas junto aos agentes públicos dos municípios visitados (representantes da Secretaria Municipal de Saúde, Assistente Social, Vigilância Sanitária e Casa da Agricultura - CATI) foram feitas a partir de agendamento prévio, via contato telefônico, e concretizadas nas sedes das respectivas instituições. A mesma estratégia foi adotada para as entrevistas com os representantes e dirigentes sindicais. Com relação às entrevistas dos trabalhadores, procuramos conversar com aqueles que mantêm ou tiveram algum vínculo empregatício no setor canavieiro (trabalhadores com vínculo formal ou informal; trabalhadores que mudaram de atividade ou mesmo se encontravam desempregados). Todas as entrevistas ocorreram fora do ambiente de trabalho, a fim de evitar constrangimento, desconfiança e possíveis abusos, por parte dos gerentes, supervisores e empregadores. Por isso, todas as entrevistas com os trabalhadores ocorreram de forma aleatória, geralmente em suas residências. Como a escolha dos trabalhadores entrevistados foi aleatória (sem especificar função, empresa ou forma de contrato de trabalho), não tivemos maiores problemas para efetivá-la. As empresas canavieiras operam, geralmente, em três turnos de trabalho, o que possibilitou conversarmos com trabalhadores de várias funções e que atuam nos turnos da manhã, tarde e noite. Essa opção metodológica foi importante, porque nos auxiliou a apreender a intensidade da reestruturação produtiva do capital, personificada e representada pela expansão da mecanização agrícola (colheita e plantio), nas lavouras da cana-de-açúcar. O trabalho de campo ensejou o diálogo com os sujeitos envolvidos na temática estudada/pesquisada, de maneira a notar quão dinâmica são as transformações do espaço, da paisagem e da sociedade inserida e explorada pela relação capital-trabalho, levando-nos a compreender que todos esses processos estão além das aparências. Evidenciou a mudança no perfil do trabalhador que atua nas empresas agroprocessadoras de cana-de-açúcar nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, nas ocupações e funções exercidas pelos trabalhadores inseridos no processo de produção, além de evidenciar os retrocessos estimulados pelos altos 42 índices de desemprego, sinalizando uma mescla de novas e velhas formas de degradação do trabalho, em que o espectral e o regressivo caminham lado a lado. Assim, a pesquisa de campo nos municípios canavieiros das RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, o diálogo estabelecido com a população local e a realização das entrevistas junto aos agentes públicos municipais, representações sindicais e trabalhadores canavieiros nos revelou o quão profundas são as transformações que os rearranjos da acumulação do capital trazem para os trabalhadores que vivem da venda da força para o setor agroindustrial canavieiro. Começamos o trabalho de campo no primeiro semestre de 2015, com a concretização de ações de cunho exploratório, em municípios da RA de Presidente Prudente. Nessa atividade, buscamos inicialmente visitar os municípios de Pauliceia, Adamantina, Mirante do Paranapanema e Tupi Paulista, sendo que os três primeiros abrigam, em seus limites territoriais, unidades agroprocessadoras de cana-de-açúcar. O objetivo dessas primeiras atividades foi entender previamente as relações do município com as referidas unidades de produção. Outrossim, buscamos verificar a dinâmica dos municípios, as relações entre a produção da cana-de-açúcar e situação de emprego e desemprego, junto ao segmento. Essa primeira etapa, mesmo que dialogando informalmente com a população local e trabalhadores, foi primordial, uma vez que nos possibilitou entendimentos prévios sobre o nível de interferência que esse segmento do capital exerce sobre gestores municipais e as consequências dessa influência para a população, especialmente para quem labora ou já laborou em alguma etapa do processo produtivo. Em segundo lugar, porque nos direcionou quanto à escolha dos municípios nas RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto para a pesquisa de campo e dos agentes e sujeitos sociais para a realização das entrevistas, contribuindo igualmente para a elaboração dos roteiros de entrevistas. Quanto à escolha dos municípios, é relevante destacar que, diante da extensão territorial do recorte e do interesse em verticalizar alguns posicionamentos, os quais permeiam o processo de transformação na produção canavieira, priorizamos fazer as entrevistas nos municípios que abrigam em seus limites territoriais unidades agroprocessadoras de cana-de- açúcar ativas e, eventualmente, em municípios que apresentaram particularidades referentes à temática em questão, como, por exemplo, localidades em que unidades agroprocessadoras de cana-de-açúcar foram recentemente desativadas, ou municípios que são “fornecedores em potencial de mão de obra ou matéria-prima” para o setor canavieiro (Mapa 2). 43 Mapa 2 - Municípios visitados durante a pesquisa de campo na RA de Presidente Prudente/SP. 44 Na RA de Presidente Prudente, efetuamos trabalhos de campo nos municípios que abrigam unidades canavieiras em funcionamento: Pauliceia, Junqueirópolis, Adamantina, Lucélia, Martinópolis (incluindo os distritos de Vila Escócia e Teçaindá), Presidente Prudente (abarcando os distritos de Ameliópolis, Eneida e Floresta do Sul), Narandiba, Sandovalina e Mirante do Paranapanema. Também realizamos entrevistas em municípios cujas unidades agroprocessadoras se encontram desativadas: Teodoro Sampaio (incluindo o distrito de Planalto do Sul), Santa Mercedes, Dracena, Flórida Paulista (abrangendo o distrito de Indaiá do Aguapeí), Regente Feijó, Santo Anastácio e Marabá Paulista). Além destes, fizemos entrevistas nos municípios de Tupi Paulista, Ouro Verde e Mariápolis, por se tratar de localidades que se destacam como fornecedores de mão de obra e matéria-prima ao setor canavieiro.9 Nesses municípios, buscamos entrevistar agentes e sujeitos sociais envolvidos com as temáticas que permeiam a pesquisa. Com vista a apreender o processo de transformação na produção canavieira, entrevistamos agentes vinculados às estruturas de poder (representantes da Secretaria de Assistência Social, Secretaria Municipal de Saúde, Vigilância Sanitária, Casa da Agricultura, Coordenadores de Escolas de Qualificação Profissional (públicas e privadas), Representações Sindicais e, eventualmente, outros agentes ligados direta ou indiretamente à reprodução do capital agroindustrial canavieiro, tais como: Representantes de Unidades Agroprocessadoras, Representante do Centro de Cana/Instituto Agronômico de Campinas – IAC, Prestadores de Serviços, Fornecedores de matéria-prima, entre outros. Aproveitamos para dialogar com trabalhadores e ex-trabalhadores canavieiros, sujeito social da pesquisa. Na RA de Ribeirão Preto, utilizamos a mesma estratégia. Percorremos os municípios de Pitangueiras, Pontal e seu distrito (Cândia), Sertãozinho e seu distrito (Cruz das Posses), Jaboticabal e seu distrito (Córrego Rico), Serrana, Guariba, Pradópolis e Luís Antônio, os quais abrigam, em seus limites territoriais, unidades agroindustriais canavieiras ativas (Mapa 3). 9 Com relação aos municípios “fornecedores de mão de obra e matéria-prima”, é relevante notar que a região apresenta outros que se destacam tanto no fornecimento de mão de obra quanto de matéria-prima, mas, em face da extensão territorial da região, optamos por estes, porque reúnem outras particularidades além das mencionadas, tais como assentamentos rurais, produção de agricultura familiar/camponesa (Tupi Paulista), empresas terceirizadas e trabalhadores atuando no setor canavieiro pela via da informalidade (Ouro Verde) e concentração de trabalhadores canavieiros ainda atuando na colheita manual da cana-de-açúcar (Mariápolis). 45 Mapa 3 - Municípios visitados durante a pesquisa de campo na RA de Ribeirão Preto/SP. 46 Destaque para os municípios de Pitangueiras e Pontal, que sediam três unidades em operação, e Sertãozinho, com quatro unidades agroprocessadoras de cana-de-açúcar em pleno processamento. Também realizamos trabalhos de campo nos municípios de Jardinópolis (e distrito de Jurucê), Santa Rosa de Viterbo e Ribeirão Preto, os quais contavam com unidades agroprocessadoras, mas que, no momento do trabalho de campo, estavam desativadas. Vale ressaltar que outras unidades foram desativadas na região, porém, em municípios que abrigam unidades em operação, tais como Serrana, Jaboticabal e Sertãozinho. Durante os trabalhos de campo, nos trajetos percorridos entre os municípios canavieiros nas RA de Ribeirão Preto e Presidente Prudente, a caminhada pelos bairros de cada município e distritos visitados, as tantas idas e vindas nos permitiram conhecer pouco da realidade dos municípios canavieiros, dos bairros, a rotina dos trabalhadores, os diferentes horários de saída e chegada dos ônibus que transportam os trabalhadores (tanto aqueles que atuam com jornadas laborais organizadas em dois e três turnos, como aqueles que laboram em jornada única). A pesquisa de campo e as entrevistas nos ajudaram a apreender a dinâmica territorial do setor agroindustrial canavieiro, assim como entender os efeitos que as transformações incorporadas nos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar têm trazido, tanto para os municípios quanto para os trabalhadores e trabalhadoras (regionais e migrantes) que venderam e que ainda vendem sua força de trabalho para esse segmento do capital. Com relação às entrevistas junto às entidades sindicais, buscamos ouvir representantes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, Sindicato dos Condutores e Sindicato dos Trabalhadores Rurais, os quais representam trabalhadores que laboram na produção e reprodução do capital agroindustrial canavieiro no setor agrícola, transporte e agroindustrial. Essas entrevistas foram de grande relevância para a pesquisa, visto que auxiliaram a apreender a dimensão das mudanças estabelecidas na produção canavieira, no contexto de reestruturação produtiva do capital, e os reflexos desse processo para a organização sindical. Da mesma forma, as entrevistas dos agentes públicos municipais foram importantes, porque nos possibilitaram verificar o nível de influência que o setor agroindustrial canavieiro exerce sobre os municípios visitados e, ao mesmo tempo, mensurar a dimensão do controle que o capital exerce sobre esses municípios, personificados na figuras 47 de seus governantes e da sociedade em geral, os quais enxergam o segmento como única alternativa para o desenvolvimento econômico local/regional. Ademais, as entrevistas demonstraram que a atuação dos agentes (representantes da Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Saúde, Vigilância Sanitária, Casa da Agricultura e outras), frente às necessidades da população local, em especial dos trabalhadores e trabalhadoras que laboram ou laboraram na reprodução do setor e pequenos produtores rurais/camponeses, é o reflexo do nível de influência que tais capitalistas exercem sobre o poder público local. Ou seja, como o capital, personificado nos representantes do setor canavieiro (unidade processadora de cana-de-açúcar instalada no município) tem grande influência sobre os governantes do município/região/Estado (prefeitos/deputados/governadores), os agentes tendem a negligenciar nos serviços, sobretudo nos setores de Saúde, Vigilância Sanitária e Extensão Rural, para atender aos desmandos políticos e econômicos do capital. A respeito das entrevistas com os trabalhadores, procuramos dialogar com aqueles que vendem sua força de trabalho para o agrohidronegócio canavieiro, independentemente da ocupação que desenvolvem, no processo de produção e do contratante. Dessa maneira, dialogamos tanto com trabalhadores que laboram nas unidades canavieiras presentes no recorte espacial de nossa pesquisa quanto com aqueles que são contratados por prestadores de serviço e/ou fornecedores de matéria-prima, formal e informal, isto é, trabalhadores terceirizados, quarteirizados e “trabalhadores avulsos”. Também conversamos com ex-trabalhadores canavieiros que mudaram de emprego e função, aposentados por tempo de serviço ou invalidez e desempregados, excluídos desse mercado de trabalho em virtude da tecnificação do processo de produção. As entrevistas com os trabalhadores foram reveladoras, no sentido de nos ajudar a dimensionar a intensidade dos impactos que a reestruturação produtiva do capital pode acarretar para a saúde e a vida dos trabalhadores. Na verdade, é relevante observar que, durante o trabalho de campo, procuramos dialogar não apenas com os agentes e sujeitos sociais estabelecidos previamente, mas com aqueles que apresentaram elementos e informações as quais podiam nos ajudar a compreender nosso objeto de estudo. Por isso, entrevistamos igualmente coordenadores de Escolas de Qualificação Profissional, Representantes de Empresas Prestadoras de Serviços (empresas terceirizadas), Fornecedores de matéria-prima, Representante da Pastoral do Migrante 48 (Guariba), Representante do Escritório Desenvolvimento Rural (EDR), de Dracena, Jaboticabal, Presidente Venceslau e Presidente Prudente, Representante do Instituto Agronômico de Campinas/Centro de Cana, sediado na cidade de Ribeirão Preto, Representante da ORPLANA - Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil, sediada na Cidade de Sertãozinho etc. Diante disso, é importante considerar que o aprofundamento teórico e a pesquisa empírica e documental demonstraram que as transformações em curso, na reprodução do agrohidronegócio canavieiro, demarcada, sobretudo pela tecnificação dos sistemas de colheita e plantio da cana-de-açúcar, nos canaviais das RA de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, estão muito além da substituição do homem pela máquina. Trata-se de um processo amplo, inerente ao processo de acumulação do capital, que transformou a dinâmica territorial e do trabalho, mas que tem sido estrategicamente invisibilizado pela inserção das máquinas no processo de produção e trabalho. Por trás da imagem das colhedoras efetuando os processos de colheita da cana-de- açúcar, existe uma série de transformações e consequências que estão muito além do visível. A concepção de moderno, limpo, ambientalmente e socialmente correto se perde nas contradições. Quando nos propomo