Adimar Moretti Junior Estudo de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes Dissertação de Mestrado São José do Rio Preto Fevereiro/2012 adimar moretti junior Estudo de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes Orientadora: Profa. Dra. Luci Any Francisco Roberto Co-orientador: Prof. Dr. Claudio Aguinaldo Buzzi INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS, LETRAS E CIÊNCIAS EXATAS São José do Rio Preto Fevereiro/2012 Moretti Junior, Adimar. Estudo de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes / Adimar Moretti Junior. - São José do Rio Preto: [s.n.], 2012. 125 f. : il. ; 30cm. Orientador: Luci Any Francisco Roberto Co-orientador: Claudio Aguinaldo Buzzi Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Matemática. 2. Sistemas dinâmicos. 3. Equações diferenciais. 4. Sistemas lineares por partes. 5. Ciclos limites. I. Roberto, Luci Any Francisco. II. Buzzi, Claudio Aguinaldo. III. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. IV. Tı́tulo. CDU - 517.93 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE Campus de São José do Rio Preto - UNESP adimar moretti junior Estudo de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes Dissertação apresentada para obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática, área de Sistemas Dinâmicos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Matemática do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Luci Any Francisco Roberto Professor Assistente Doutor UNESP - São José do Rio Preto Orientadora Profa. Dra. Ana Cristina Mereu Professor Adjunto UFSCAR - Sorocaba Prof. Dr. Claudio Gomes Pessoa Professor Assistente Doutor UNESP - São José do Rio Preto São José do Rio Preto, 28 de fevereiro de 2012 Aos meus pais, Adimar e Marisa Moretti e meus irmãos, Renan, Thainá e Lara dedico. Agradecimentos Neste momento, gostaria de agradecer a todos que, diretamente ou não, contribúıram para que eu chegasse até aqui e para que este trabalho fosse realizado. Em especial, agradeço: À DEUS, pela minha vida, saúde, sabedoria, por tudo. Aos meus pais: Adimar Moretti e Marisa Ione Gomes Moretti. O primeiro por ser meu maior exemplo de superação, de pessoa batalhadora, e minha mãe por mesmo distante se fazer presente com palavras de apoio nos momentos dif́ıceis. Agradeço pela educação, por todos os sacrif́ıcios que fizeram para que nada faltasse nessa minha caminhada, pelo apoio e por todo o carinho em todas as vezes em que eu estive em Jales, o que quase sempre era motivo para um churrasco! Agradeço também aos meus irmãos Renan Gomes Moretti, Thainá Aparecida Moretti e Lara Gomes Moretti pelos vários momentos descontráıdos, ou como diria nossa avó Ercelina, pelas várias “furrupas”. Muito obrigado, vocês são o meu pilar central, sem o qual eu desabaria em um instante. Amo vocês! Aos meus avós Ercelina e Horácio (in memorian) por disporem de sua casa no momento em que necessitei, e por toda a atenção e carinho que ambos tiveram comigo por todo o tempo em que moramos juntos. A todos os meus familiares que, de alguma forma, me ajudaram durante o peŕıodo de graduação e mestrado. À minha namorada Nayara de Novaes Rezende Villani, pelo amor, carinho, incentivo, compreensão e paciência nos vários momentos em que o stress e o mau- humor me dominaram, pelo ombro amigo nas horas dif́ıceis e de alegria. Agradeço também a sua famı́lia, sua mãe Gláucia, seus irmãos Vińıcius (vulgo Batata) e Bianca, e sua avó Ângela Maria (Vózinha), pelas inúmeras ajudas que me deram e pelos vários momentos de diversão nos churrascos e festinhas. Particularmente, agradeço à Vózinha por também me acolher em sua casa quando precisei, e pelas boas conversas durante o peŕıodo que estive em sua companhia. A todos os meus amigos da turma de graduação e pós-graduação pela agradável convivência, pelas muitas risadas e todas as ajudas com a matemática. Em espe- cial, agradeço à: Daiana Gomes (Daia), Danilo Caprio, Everton Artuso, Gilberto Santos (Rodriguex), Jaime Rezende, Leandro Tavares (Leandrão), Naelson Matheus Junior (Burbs), Rodrigo Andrade e Rodrigo Euzébio. Agradeço também à Éder Fazolli, pelos vários risos e causos em Jales nesses 16 anos de amizade e por toda a consideração mesmo com a distância. Por último, mas não menos importante, agradeço à todos os meus amigos das repúblicas em que morei, pela convivência e pelas inúmeras horas de descontração. Desejo que todos tenham muito sucesso. Aos professores do Departamento de Matemática da UNESP/IBILCE. Em espe- cial, agradeço à Profa. Dra. Luci Any Francisco Roberto, por ter aceito o desafio de me orientar, pelo empenho e paciência com minhas dificuldades durante a elaboração deste trabalho. E também agradeço ao Prof. Dr. Claudio Aguinaldo Buzzi, não só pela imensa ajuda como co-orientador, mas pela confiança e todo o conteúdo matemático transmitido a mim durante o peŕıodo de iniciação cient́ıfica, me dando a base para o desenvolvimento deste trabalho. Ao CNPq, pelo aux́ılio financeiro. “Fé e razão são como a dualidade onda-part́ıcula: pode-se ter as duas coisas, mas nunca ao mesmo tempo.” Alberto Präss Resumo Neste trabalho temos como objetivo estudar o número e a distribuição de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes. Em particular estudamos o número de ciclos limites do sistema diferencial linear por partes planar ẋ = −y − εφ(x), ẏ = x, onde ε �= 0 é um parâmetro pequeno e φ é uma função periódica linear por partes ı́mpar de peŕıodo 4. Provamos que dado um inteiro arbitrário positivo n, o sistema acima possui exatamente n ciclos limites na faixa |x| ≤ 2(n + 1). Consequente- mente, existem sistemas diferenciais lineares por partes contendo uma infinidade de ciclos limites no plano real. Inicialmente obtemos uma quota inferior para o número destes ciclos limites na faixa |x| ≤ 2(n + 1) via Teoria do Averaging. Em seguida, utilizando a Teoria de Campos de Vetores Rodados, verificamos que o sistema acima tem exatamente n ciclos limites na faixa |x| ≤ 2(n + 1). Palavras-chave: Ciclos limites, campos de vetores planares, sistemas lineares por partes. Abstract The main goal of this work aim to study the number and distribution of limit cycles in piecewise linear differential systems. In particular we consider the planar piecewise linear differential system ẋ = −y − εφ(x), ẏ = x, where ε �= 0 is a small parameter and φ is an odd piecewise linear periodic function of period 4. We prove that given an arbitrary positive integer n, the system above has exactly n limit cycles in the strip |x| ≤ 2(n + 1). Consequently, there are piecewise differential systems containing an infinite number of limit cycles in the real plane. First we get a lower bound on the number of limit cycles in the strip |x| ≤ 2(n + 1) via Averaging Theory. In the following, using the Theory of Rotated Vector Fields, we see that above system has exactly n limit cycles in the strip |x| ≤ 2(n + 1). Key words: Limit cycles, planar vector fields, piecewise linear systems. Sumário Lista de Figuras xi Introdução 1 1 Conceitos e resultados preliminares 4 1.1 Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites . . . . . . . . 4 1.1.1 Aplicação de Poincaré para uma órbita periódica . . . . . . . 9 1.1.2 Estudo da estabilidade de um ciclo limite . . . . . . . . . . . . 10 1.2 O Método do Averaging . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.2.1 Demonstração do Teorema do Averaging . . . . . . . . . . . . 16 1.3 Teoria de Campos de Vetores Rodados . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1.4 Função de Bessel do primeiro tipo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 1.5 Regra de Leibnitz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2 Uma quota inferior para o número de ciclos limites 30 2.1 Aplicação do Método do Averaging com φ(x) = sen x . . . . . . . . . 31 2.2 Demonstração do Teorema 2.0.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.3 Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 . . . . . . . . . . . . . . 45 2.3.1 Demonstração do Lema 2.2.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 2.3.2 Demonstração do Lema 2.2.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2.3.3 Demonstração do Lema 2.2.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3 Existência de exatamente n ciclos limites para todo n ∈ N 53 3.1 Demonstração do Teorema 3.0.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.1.1 Existência de um ciclo limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.1.1.1 Demonstração da Afirmação 3.1.2 . . . . . . . . . . 60 3.1.1.2 Demonstração da Afirmação 3.1.3 . . . . . . . . . . 62 3.1.1.3 Demonstração da Afirmação 3.1.4 . . . . . . . . . . 74 3.1.2 Unicidade do ciclo limite encontrado em 3.1.1 . . . . . . . . . 75 3.1.2.1 Demonstração do Lema 3.1.1 . . . . . . . . . . . . . 81 3.1.2.2 Demonstração do Lema 3.1.2 . . . . . . . . . . . . . 86 3.1.2.3 Demonstração do Lema 3.1.3 . . . . . . . . . . . . . 97 3.2 Sistemas com número particular de ciclos limites . . . . . . . . . . . . 109 Apêndice 112 Referências Bibliográficas 113 Lista de Figuras 1.1 Gráfico da função ϕ(t) do Exemplo 1.1.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1.2 Uma órbita γ do sistema (1.1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.3 O fluxo ϕt do sistema (1.1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.4 Ciclo limite estável Γ do sistema (1.3) do Exemplo 1.1.2. . . . . . . . . . 9 1.5 Reta Σ normal à γ em x0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.6 Aplicação de Poincaré para o sistema no Exemplo 1.1.3. . . . . . . . . . . 12 1.7 Representação geométrica do sinal da função J1(z). . . . . . . . . . . . . 27 1.8 Gráficos das funções J0(z), J1(z) e J2(z). . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.1 Gráfico parcial da função linear por partes periódica φ. . . . . . . . . . . 31 2.2 Gráfico do integrando em (2.10) para r = 18.5, tal que 2m−1 < r < 2m+1 com m = 9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 2.3 Gráficos das funções F (r), F ′(r) e F ′′(r) para 2m − 1 < r < 2m + 1 com m ı́mpar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.4 Gráficos das funções F (r), F ′(r) e F ′′(r) para 2m − 1 < r < 2m + 1 com m par. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 3.1 Gráfico da função y = φ(x) no plano xy. . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.2 Possibilidades de interseção da órbita γ−2m para m par. . . . . . . . . . 57 3.3 Possibilidades de interseção da órbita γ−2m para m ı́mpar. . . . . . . . . 57 3.4 Possibilidades de interseção da órbita γ2m para m par. . . . . . . . . . . 57 3.5 Possibilidades de interseção da órbita γ2m para m ı́mpar. . . . . . . . . . 57 3.6 Representação de duas regiões anelares de Poincaré-Bendixson consecuti- vas definidas pelas curvas fechadas Sm−1, Sm e Sm+1 para m par. . . . . 59 3.7 Representação de duas regiões anelares de Poincaré-Bendixson consecuti- vas definidas pelas curvas fechadas Sm−1, Sm e Sm+1 para m ı́mpar. . . . 59 3.8 Situações que a órbita γ−2m não satisfaz. . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 3.9 Arco de órbita intersectando o eixo-x no ponto (2m, 0) para m par. . . . 75 3.10 Gráficos das funções φ(x) e σ(x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 3.11 Aplicação primeiro retorno de Poincaré induzida pelas trajetórias próximas do ciclo limite Γ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 3.12 Notação usada no cálculo da integral do divergente ao longo das duas órbitas periódicas tais que seus pontos mais a direita estão localizados na faixa 2m + 1 ≤ x < 2m + 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 3.13 Comportamento das órbitas do sistema (3.1)k na faixa |x| > 2k + 2 para k ı́mpar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110 Lista de Figuras xii 3.14 Comportamento das órbitas do sistema (3.1)k na faixa |x| > 2k + 2 para k par. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 Introdução Um marco de referência fundamental na evolução dos estudos de equações dife- renciais é o artigo Integral curves defined by differential equations, publicado por Henry Poincaré em 1881, onde são lançadas as bases da então Teoria Qualitativa das Equações Diferenciais Ordinárias e surge pela primeira vez a noção de ciclo limite. Esta teoria visa a descrição da configuração global das soluções e o efeito de pequenas perturbações das condições iniciais (estabilidade) de uma equação diferencial, sendo a pesquisa de ciclos limites, que são soluções (órbitas) periódicas isoladas, umas das partes mais interessantes e dif́ıceis. Após Poincaré, muitos pesquisadores como por exemplo Van der Pol, Lienard, Andronov, Dulac, Bendixson entre outros, produziram vários resultados significa- tivos sobre ciclos limites. Desde então, o estudo sobre as propriedades de ciclos limites, principalmente sobre a existência ou não, a unicidade ou o número máximo de ciclos limites, tem se tornado extensivo entre matemáticos, f́ısicos e até biólogos e engenheiros, devido à presença em tais áreas. O desenvolvimento da teoria matemática é muitas vezes guiado por problemas práticos. Para o campo das equações diferenciais, esta situação é praticamente clara. O estudo da teoria de ciclos limites tem como motivação, em sua maior parte, problemas de ordem prática em várias áreas da ciência e tecnologia, como por exemplo biologia, metereologia e engenharias. Sistemas diferenciais lineares por partes são de grande importância na engenha- ria e aparecem na teoria de controle (veja [1, 4]), na maioria das vezes na forma de sistemas mecânicos ou de circuitos elétricos. Há a sensação de que sistemas diferenciais lineares por partes podem apresentar todas as dinâmicas complexas que pode-se ver nos sistemas diferenciais não-lineares. Por exemplo, ciclos limites, órbitas heterocĺınicas e homocĺınicas, que são os principais ingredientes para a des- crição qualitativa dos retratos de fase de sistemas diferenciais planares, também estão presentes em sistemas diferenciais lineares por partes planares. Em dimensões maiores, até mesmo atratores estranhos aparecem na classe de sistemas diferenciais lineares por partes. Um dos principais problemas no estudo qualitativo das equações diferenciais planares é conhecer o número e a distribuição de seus ciclos limites. Dentre eles, destacamos o mais famoso problema relacionado aos ciclos limites, conhecido como o 16o Problema de Hilbert. Tal problema foi apresentado por Hilbert em 1900 no Congresso Internacional de Matemáticos, e está dividido em duas partes, cuja segunda parte consiste da seguinte indagação: Qual é o número máximo de ciclos limites para o campo de vetores polinomial 1 Introdução 2 ẋ = Pn(x, y), ẏ = Qn(x, y), onde Pn e Qn são polinômios nas variáveis x e y e possuem grau menor ou igual a n, e quais suas posições relativas no plano? Tal problema ainda se encontra em aberto e sua solução é motivo de vários estudos. No que diz respeito ao número e distribuição de ciclos limites em sistemas diferenciais lineares por partes, existem apenas resultados anaĺıticos sobre sistemas com um número baixo de ciclos limites, veja por exemplo [5, 6, 8]. Neste trabalho estudamos sistemas de equações diferenciais contendo um parâ- metro. Duas ferramentas importantes para o estudo destes sistemas são Teoria do Averaging [14] e a Teoria de Campos de Vetores Rodados [2, 16]. De um modo geral, a Teoria do Averaging reduz o problema de encontrar órbitas periódicas de um sistema de equações diferenciais, sob condições convenientes, para encontrar zeros simples de alguma função de dimensão finita. Já com a Teoria de Campos de Vetores Rodados é posśıvel obter informações sobre o comportamento dos ciclos limites quando campos de vetores seguindo a variação do parâmetro sempre giram na mesma direção. O problema proposto é estudar o sistema de equações diferenciais linear por partes ẋ = −y − εφ(x), ẏ = x, (1) onde ε �= 0 é um parâmetro e φ : R → R é uma função periódica linear por partes ı́mpar e de peŕıodo 4, definida em toda a reta e satisfazendo φ(x) = { x , se x ∈ [0, 1], −x + 2 , se x ∈ [1, 2]. (2) Na teoria de controle este sistema é conhecido também como sistema de controle feedback linear por partes. No ano de 1980, Z. Zhang publicou um trabalho (veja [17]) no qual obteve o seguinte resultado particular Teorema 1 Para ε �= 0. O sistema diferencial (1) com φ(x) = sen x tem exatamente n ciclos limites na faixa |x| ≤ (n + 1)π para n = 1, 2, . . . . Além disso, os ciclos limites alternam entre estáveis e instáveis. Em 2003, motivados por esse estudo, J. Llibre e E. Ponce mostraram em [9] que Teorema 2 Seja φ : R −→ R dada por (2). Então para um inteiro positivo arbitrário n , o sistema diferencial linear por partes (1) tem pelo menos n ciclos limites hiperbólicos na faixa |x| ≤ 2n + 2, para ε �= 0 suficientemente pequeno. Em [9], Llibre e Ponce conjecturaram que a quantidade de ciclos limites em cada faixa |x| ≤ 2n+2 é exatamente n. Este resultado, apresentado a seguir, foi provado com a colaboração de X. Zhang em [10]. As idéias principais utilizadas na prova seguem a demonstração do Teorema 1. Introdução 3 Teorema 3 Seja φ : R −→ R definida como em (2). Para ε �= 0 e para um inteiro positivo arbitrário n , o sistema diferencial linear por partes (1) tem exata- mente n ciclos limites na faixa |x| ≤ 2n + 2, alternando entre estáveis e instáveis. Consequentemente, o sistema (1) tem uma infinidade de ciclos limites no plano real. Organizamos este trabalho da seguinte forma. No Caṕıtulo 1 abordamos os pré- requisitos necessários para o estudo proposto: fundamentos da teoria qualitativa das equações diferenciais, Teoria do Averaging e Teoria de Campos de Vetores Rodados. No Caṕıtulo 2 apresentamos a prova do Teorema 2, que nos dá uma quota inferior para a quantidade de ciclos limites do sistema (1) em cada faixa |x| ≤ 2n + 2. Para obtenção de tal resultado, é utilizado o método do Averaging. Como exemplo da aplicação do método, fazemos um estudo dos ciclos limites de um sistema diferencial não-linear qualitativamente semelhante ao (1). Por último é apresentada a prova do Teorema 3, que nos garante em (1) a existência de exatamente n ciclos limites na faixa |x| ≤ 2n+2. Ao contrário da prova do Teorema 2, esta parte do estudo é mais trabalhosa, por se tratar de uma prova construtiva e utilizar vários resultados e teorias. A prova é dividida em dois passos. No primeiro passo utilizamos o Teorema da Região Anelar de Poincaré-Bendixson para garantir a existência dos ciclos limites, e no segundo, por meio da aplicação de Poincaré e a Teoria de Campos de Vetores Rodados, conclúımos a unicidade dos mesmos. Seguindo esta linha de pensamento, apresentamos no final deste trabalho que é posśıvel obtermos um sistema diferencial linear por partes planar com tantos ciclos limites quanto quisermos. Caṕıtulo 1 Conceitos e resultados preliminares A ideia principal deste trabalho é estudar os ciclos limites de campos de vetores lineares por partes. Nesse caṕıtulo apresentamos um resumo dos conceitos e re- sultados utilizados no desenvolvimento deste trabalho, com o intuito de esclarecer e facilitar o entendimento dos racioćınios aplicados para a obtenção dos princi- pais resultados estudados. Inicialmente apresentamos conceitos fundamentais de ciclos limite e de estabildade. Na sequência, é feito um resumo sobre o Método do Averaging (também conhecido como Método da Média), a Teoria de Campos de Vetores Rodados e finalmente apresentamos a função de Bessel de primeiro tipo e a regra de Leibnitz para a derivação de integrais. Ressaltamos que não apresentamos a demonstração de alguns resultados, apesar de todos terem sido estudados com detalhes. Porém são indicadas referências de onde encontrá-las. 1.1 Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites Levando em conta que o sistema estudado neste trabalho é um sistema diferencial planar, o estudo dos conceitos e resultados realizado nesta seção é feito sobre o plano euclidiano R2. Seja Ω um subconjunto aberto do R2. Definimos um campo de vetores de classe Cr, 1 ≤ r ≤ ∞, como uma aplicação X : Ω −→ R2 de classe Cr em Ω. Associamos ao campo de vetores X a equação diferencial ẋ = X(x), (1.1) onde ẋ = dx/dt. As variáveis x e t são chamadas variável dependente (ou espacial) e variável independente (ou temporal) da equação diferencial (1.1), respectivamente. Visto que X = X(x) não depende da variável t, dizemos que a equação diferencial (1.1) é autônoma. Observamos que a equação diferencial planar (1.1) é equivalente 4 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 5 ao sistema de equações diferenciáveis ẋ1 = P (x1, x2), ẋ2 = Q(x1, x2), onde P e Q são funções de classe Cr e x1, x2 e t são variáveis reais. Definição 1.1.1 As soluções da equação diferenciável (1.1) em um intervalo I ⊂ R são aplicações ϕ : I −→ Ω tal que ϕ é diferenciável em I e ϕ′(t) = X(ϕ(t)), para todo t ∈ I. Além disso, se dado x0 ∈ Ω a aplicação ϕ é uma solução da equação diferencial (1.1) satisfazendo ϕ(t0) = x0 para um certo t0 ∈ I, então ϕ é uma solução do problema valor inicial (PVI) ẋ = X(x), x(t0) = x0, (1.2) em I. Tais soluções são chamadas de trajetórias, curvas soluções ou órbitas de (1.1). Sob certas condições sobre a aplicação X, garantimos que o sistema (1.1) possui uma única solução passando por cada ponto x0 ∈ Ω definida em um certo intervalo I ⊂ R. Mais precisamente, temos o seguinte resultado. Teorema 1.1.1 (Teorema de Existência e Unicidade de Soluções) Seja Ω um aberto do R2 contendo x0, e assuma que X ∈ C1(Ω). Então existe um real positivo a > 0 tal que o PVI (1.2) possui uma única solução ϕ(t) no intervalo [t0 − a, t0 + a]. Demonstração: Veja [12], pág. 73, juntamente com a observação da pág. 76. � O Teorema 1.1.1 nos garante que o sistema (1.1) possui uma única solução ϕ definida em um intervalo [t0 − a, t0 + a] satisfazendo a condição inicial ϕ(t0) = x0. Porém, existe um intervalo (α, β) ⊃ [t0 − a, t0 + a] tal que a solução permanece definida e única, conforme nos diz o teorema a seguir. Teorema 1.1.2 Seja Ω um subconjunto aberto do R2 e assuma que X ∈ C1(Ω). Então, para cada x0 ∈ Ω, existe um intervalo (α, β) no qual o PVI (1.2) possui uma única solução ϕ(t), isto é, se (1.2) possui uma solução ϕ∗(t) definida em um intervalo I, então I ⊂ (α, β) e ϕ∗(t) = ϕ(t) para todo t ∈ I. Demonstração: Veja [12], página 88. � O intervalo (α, β) é chamado intervalo maximal de existência da solução do PVI (1.2), e o denotamos por Ix0 visto que α e β geralmente dependem da condição inicial x0, como nos mostra o exemplo abaixo. 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 6 Exemplo 1.1.1 O problema valor inicial ẋ = x2, x(0) = 1, possui a única solução ϕ(t) = (1 − t)−1 definida no intervalo maximal de existência I1 = (−∞, 1). De fato, o gráfico da solução ϕ(t) é dado pela Figura 1.1. Notamos que a função ϕ(t) possui outro ramo definido sobre o intervalo (1,∞), porém esse ramo não é considerado como parte da solução do PVI, já que t0 = 0 /∈ (1,∞). 1 1 Figura 1.1: Gráfico da função ϕ(t) do Exemplo 1.1.1. Definição 1.1.2 Seja Ω um subconjunto aberto do R2 e X ∈ C1(Ω). Para x0 ∈ Ω, considere a solução ϕ(t, x0) do PVI (1.2) definida sobre seu intervalo maximal de existência I = Ix0 . Então para t ∈ Ix0 , a aplicação ϕt : Ω −→ Ω definida por ϕt(x0) = ϕ(t, x0) é chamada fluxo da equação diferencial (1.1) ou fluxo gerado pelo campo de vetores X(x). Teorema 1.1.3 Seja Ω um subconjunto aberto do R2 e X ∈ C1(Ω). Então o conjunto Λ = {(t, x) : x ∈ Ω, t ∈ Ix} é um subconjunto aberto de R×Ω e ϕt ∈ C1(Λ). Demonstração: Veja [12], página 96. � Se consideramos o ponto inicial x0 fixado e I = Ix0 , então a aplicação ϕ(·, x0) : I −→ Ω define uma órbita do sistema (1.1) através do ponto x0 ∈ Ω. Usualmente, identificamos a aplicação ϕ(·, x0) como um gráfico em I × Ω, e uma órbita é visualizada como um deslocamento ao longo de uma curva γ através do ponto x0 no subconjunto Ω do R2, veja Figura 1.2. Por outro lado, se consideramos o ponto x0 variando em todo K ⊂ Ω, então o fluxo do sistema (1.1), ϕt : K −→ Ω, pode ser visto como o movimento de todos os pontos no conjunto K, veja Figura 1.3. Fazendo uma analogia, se tomamos o sistema (1.1) descrevendo o deslocamento de um fluido, então uma órbita de (1.1) descreve o deslocamento de uma part́ıcula individual do fluido, enquanto que o fluxo de (1.1) descreve o deslocamento do fluido 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 7 por inteiro. Consequentemente, se x0 é uma condição inicial e Ix0 = R, a órbita de x0 é a curva dada por γx0 = {x ∈ Ω | x = ϕ(t, x0), t ∈ R}, definida por (1.1). Nos referimos a γx0 como a órbita passando pelo ponto x0 no tempo t = 0. Logo, definimos a semi-órbita positiva por γ+ x0 = {x ∈ Ω | x = ϕ(t, x0), t ≥ 0}, e a semi-órbita negativa por γ− x0 = {x ∈ Ω | x = ϕ(t, x0), t ≤ 0}, de forma que qualquer órbita γx0 = γ+ x0 ∪ γ− x0 . ( ) Ω ϕ(·, x0) γ x0 α t0 β Figura 1.2: Uma órbita γ do sistema (1.1). Ω ϕt(x0) ϕt(K) K x0 Figura 1.3: O fluxo ϕt do sistema (1.1). Definição 1.1.3 Um ponto x0 ∈ R2 é dito um ponto singular ou ponto de equiĺıbrio do campo de vetores X (ou do sistema (1.1)) se X(x0) = 0 e ponto regular se X(x0) �= 0. Um ponto singular x0 é dito isolado se existe uma vizi- nhança U de x0, tal que X(x) �= 0 para todo x ∈ U−{x0}, isto é, x0 é o único ponto singular em U. Definição 1.1.4 Um ponto singular x0 de um campo vetorial X : Ω ⊆ R2 −→ R2, de classe Cr, r ≥ 1, é dito hiperbólico se todos os autovalores da matriz jacobiana de X em x0, DX(x0), possuem parte real diferente de zero. Definição 1.1.5 Uma órbita periódica do sistema (1.1) é qualquer curva solução fechada de (1.1) que não é um ponto singular de (1.1). Uma órbita periódica é dita estável se para cada ε > 0 existe uma vizinhança V de γ tal que para todo x ∈ V , d(γ+ x , γ) < ε, isto é, se para todo x ∈ V e t ≥ 0, d(ϕ(t, x), γ) < ε. Uma órbita periódica é dita instável se ela não é estável. 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 8 Órbitas periódicas do sistema (1.1) correspondem às soluções periódicas de (1.1), pois ϕ(·, x0) define uma curva solução fechada de (1.1) se e somente se para todo t ∈ R, ϕ(t + T, x0) = ϕ(t, x0) para algum T > 0. O menor tempo T o qual vale a última igualdade, é chamado peŕıodo da órbita periódica ϕ(·, x0). Definição 1.1.6 Um ciclo limite do sistema (1.1) é uma órbita periódica isolada de (1.1), ou seja, se existe uma vizinhança V ⊆ Ω de γ tal que γ é a única órbita periódica contida em V. Seja Γ um ciclo limite. Denotamos por ext(Γ) e int(Γ) os conjuntos dos pontos pertencentes ao exterior e interior, respectivamente, de Γ. Definição 1.1.7 Dizemos que Γ é um ciclo limite estável se existe uma vizinhança V ⊆ Ω de Γ tal que lim t→∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ; Γ é um ciclo limite instável se existe uma vizinhança V ⊆ Ω de Γ tal que lim t→−∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ; Γ é um ciclo limite semi-estável se existe uma vizinhança V ⊆ Ω tal que lim t→∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ∩ ext(Γ) e lim t→−∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ∩ int(Γ), ou lim t→∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ∩ int(Γ) e lim t→−∞ d(ϕ(t, q), Γ) = 0, para todo q ∈ V ∩ ext(Γ). A interpretação geométrica para um ciclo limite estável (instável) Γ, é que dado qualquer ponto x0 próximo à Γ, a solução ϕ(·, x0) passando por x0 se aproxima de (afasta de) Γ conforme o tempo cresce. Exemplo 1.1.2 Consideramos o sistema ẋ = −y + x(1 − x2 − y2), ẏ = x + y(1− x2 − y2). (1.3) Aplicamos a mudança de coordenadas polares x = r cos θ e y = r sen θ, obtemos o sistema ṙ = r(1 − r2), θ̇ = 1. (1.4) Observamos que • θ̇ = 1 > 0, ou seja, a componente angular é crescente; • ṙ = r(1 − r2) e então a componente radial é crescente para 0 < r < 1 e decrescente para r > 1; • (r, θ) = (1, t) e (r, θ) = (0, t) são soluções de (1.4), as quais correspondem em coordenadas cartesianas a um ciclo limite estável Γ representado por γ(t) = (cos t, sen t) e a um ponto singular (origem), respectivamente. A representação geométrica das soluções do sistema (1.3), que denominamos retrato de fase, é esboçada na Figura 1.4. 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 9 0 Γ y x Figura 1.4: Ciclo limite estável Γ do sistema (1.3) do Exemplo 1.1.2. 1.1.1 Aplicação de Poincaré para uma órbita periódica Provavelmente a ferramenta mais básica para se estudar a estabilidade de uma órbita periódica é a aplicação de Poincaré, também conhecida como aplicação primeiro retorno, definida por Henry Poincaré em 1881. A idéia dada por Poincaré é bem simples: Sejam γ = {ϕ(t, x0) : t ∈ R} uma órbita periódica de peŕıodo T do sistema (1.1) passando pelo ponto x0 e Σ uma seção transversal a γ em x0. Então, em virtude da continuidade do fluxo ϕt do sistema (1.1), para todo x ∈ Σ suficientemente próximo de x, a órbita ϕ(t, x) passando por x em t = 0 permanece próxima de γ e cruza novamente Σ no ponto P (x) conforme o tempo cresce. Esta aplicação x −→ P (x) é denominada aplicação de Poincaré. Notamos que para x0 ∈ Σ ∩ γ temos P (x0) = x0, ou seja, x0 é um ponto fixo da aplicação de Poincaré P : Σ −→ Σ e respectivamente, todo ponto fixo de P corresponde a uma órbita periódica de (1.1). Além disso, se consideramos Σ como sendo uma reta normal à γ, então o ponto x0 ∈ Σ ∩ γ divide Σ em dois segmentos Σ− e Σ+, representando os pontos de Σ contidos no interior e exterior de γ, respectivamente, conforme mostra a Figura 1.5. Basicamente, a aplicação de Poincaré se resume a tomar um ponto xs no seg- mento de reta Σ, sendo s a sua distância em relação a x0 (ponto fixo de P ) com s > 0 (respectivamente s < 0) para xs pertencente a Σ+ (respectivamente Σ−), e observar onde a órbita a partir do ponto xs cruza Σ após um peŕıodo Txs , ou seja, analisar se a órbita se aproxima ou se afasta da órbita periódica γ. Dado δ > 0 suficientemente pequeno, seja Σ0 = {x ∈ Σ : |x−x0| < δ} o domı́nio da aplicação P com x0 ∈ Σ0 tal que P está definida em todos os pontos de Σ0. Proposição 1.1.1 Seja ϕt um fluxo de classe Cr com 1 ≤ r ≤ ∞. Então a aplicação de Poincaré P : Σ0 −→ Σ é um difeomorfismo de classe Cr sobre sua imagem Σ1 = P (Σ0). Demonstração: Veja [13], página 227. � 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 10 γ Σ s P (s) x0 Σ+ Σ− Figura 1.5: Reta Σ normal à γ em x0. 1.1.2 Estudo da estabilidade de um ciclo limite Seja Γ um ciclo limite do sistema (1.1). Na sequência mostramos que estabilidade do ciclo limite Γ é determinada pela derivada da aplicação de Poincaré P ′(x). Para isso, definimos a função deslocamento d(x) = P (x) − x. (1.5) Consideramos x0 ∈ Γ ∩ Σ0. Então d(x0) = 0, d′(x) = P ′(x) − 1 e pelo Teorema do Valor Médio segue que para |x − x0| < δ d(x) = d′(x∗)(x − x0), para algum x∗ pertencente ao segmento que liga x a x0. Visto que d′(x) é cont́ınua (pois P ′(x) é cont́ınua), o sinal de d′(x) será o mesmo que o sinal de d′(x0) para |x−x0| suficientemente pequeno de modo que d′(x0) �= 0. Assim, se d′(x0) < 0 segue que d(x) < 0 para x > x0 (x ∈ Σ+ 0 ) e que d(x) > 0 para x < x0 (x ∈ Σ− 0 ), ou seja, as órbitas que passam pelos pontos no exterior e interior de Γ, respectivamente, se aproximam de Γ, o que nos garante que Γ é um ciclo limite estável, conforme ilustra a Figura 1.5. Analogamente, se d′(x0) > 0 então as órbitas se afastam de Γ, ou seja, Γ é um ciclo limite instável. Em particular, por (1.5) temos que para x ∈ Σ+ 0 , se P (x) < x (respectivamente P (x) > x) então o ciclo limite Γ é dito exteriormente estável (respectivamente exteriormente instável), e para x ∈ Σ− 0 , se P (x) < x (respectivamente P (x) > x) dizemos que Γ é interiormente instável (respectivamente interiormente estável). Equivalentemente, segue de (1.5) que se P (x0) = x0 e P ′(x0) < 1 então Γ é um ciclo limite estável e se P (x0) = x0 e P ′(x0) > 1 então Γ é um ciclo limite instável. Portanto, a estabilidade do ciclo limite Γ é determinada pelo derivada da aplicação de Poincaré. 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 11 Consideramos o sistema planar ẋ = P (x, y), ẏ = Q(x, y), (1.6) onde x, y, t são variáveis reais, P e Q são de classe C1 em x e y. Seja X(x, y) = (P (x, y), Q(x, y)) o campo vetorial correspondente ao sistema (1.6). Denotamos por divX(x, y) o divergente do campo X em (x, y), ou seja, divX(x, y) = ∂P (x, y)/∂x+ ∂Q(x, y)/∂y. O resultado a seguir, cuja demonstração pode ser encontrada em [13], nos dá a expressão para P ′(x0). Teorema 1.1.4 Sejam Ω um subconjunto aberto do R2 e X = (P, Q) ∈ C1(Ω) um campo de vetores. Sejam γ uma órbita periódica de (1.6) de peŕıodo T e P : Σ0 −→ Σ a aplicação de Poincaré em uma seção transversal Σ em x0 ∈ γ. Então P ′(x0) = exp (∫ T 0 divX ( γ(t) ) dt ) . Em particular, se ∫ T 0 divX ( γ(t) ) dt < 0, (1.7) então γ é um ciclo limite estável e se∫ T 0 divX ( γ(t) ) dt > 0, (1.8) então γ é um ciclo limite instável. No caso do valor da integral ser zero, podemos ter um ciclo limite estável, instável ou semi-estável, ou pertencer a uma faixa cont́ınua de ciclos. Definição 1.1.8 Seja Γ um ciclo limite. O valor λ = P ′(x0) é chamado de mul- tiplicador caracteŕıstico de Γ. Além disso, se λ �= 1, o que implica a condição (1.7) ou (1.8), dizemos que Γ é um ciclo limite hiperbólico. Exemplo 1.1.3 No exemplo anterior foi verificado que o sistema ẋ = −y + x(1 − x2 − y2), ẏ = x + y(1− x2 − y2), que em coordenadas polares é equivalente à ṙ = r(1 − r2), θ̇ = 1, (1.9) possui um ciclo limite Γ representado por γ(t) = (cos t, sen t). Analisamos então a aplicação de Poincaré de (1.9). Consideramos que no tempo inicial t0 = 0 temos a condição inicial r(0) = r0 e θ(0) = θ0. Resolvendo o sistema (1.9) obtemos r(t, r0) = [ 1 + ( 1 r2 0 − 1 ) e−2t ]−1/2 , θ(t, θ0) = t + θ0. 1.1. Conceitos fundamentais e estabilidade de ciclos limites 12 Se Σ é o raio que passa pela origem com o ângulo θ = θ0, então Σ é perpendicular à Γ e a órbita passando pelo ponto (r0, θ0) em t = 0, cruza o raio novamente em t = 2π, conforme a Figura 1.6. Portanto, a aplicação de Poincaré é dada por P (r0) = [ 1 + ( 1 r2 0 − 1 ) e−4π ]−1/2 . Claramente P (1) = 1 corresponde ao ciclo Γ e segue que P ′(r0) = e−4πr−3 0 [ 1 + ( 1 r2 0 e−4π )]−3/2 , com P ′(1) = e−4π < 1, o que comprova que o ciclo limite Γ é estável. Por outro lado, em coordenadas cartesianas, como γ(t) = (cos t, sen t), segue que divX(γ(t)) = 2 − 4 cos2 t − 4 sen2 t e∫ 2π 0 divX(γ(t)) dt = ∫ 2π 0 (2 − 4 cos2 t − 4 sen2 t) dt = −4π. Assim, pelo Teorema 1.1.4 temos P ′(x0) = e−4π, o que confere com o resultado obtido acima pelo cálculo direto. P (r0) Γ 0 1 y x r0 θ0 Figura 1.6: Aplicação de Poincaré para o sistema no Exemplo 1.1.3. 1.2. O Método do Averaging 13 Com os conceitos de estabilidade fixados, apresentamos a seguir um resultado que nos dá condições para a existência de um ciclo limite, e que será de fundamental importância no estudo abordado no Caṕıtulo 3 deste trabalho. A demonstração do mesmo pode ser vista em [18], Teorema 4.7. Teorema 1.1.5 (Região Anelar de Poincaré-Bendixson) Seja A uma região anelar não contendo pontos singulares de (1.6) tal que ∂A não contém órbitas periódicas e toda órbita cruzando a fronteira de A move-se do exterior para o interior (interior para o exterior). Então existe pelo menos um ciclo limite exteriormente estável (instável) em A, e existe pelo menos um ciclo limite interiormente estável (instável) em A, e é posśıvel que ambos coincidam, de modo a existir um único ciclo limite estável (instável). 1.2 O Método do Averaging Consideramos o sistema diferencial da forma ẋ = εf(t, x) + ε2g(t, x, ε), (1.10) com x ∈ D ⊂ Rn, D um domı́nio aberto limitado, ε é um parâmetro real e t ≥ 0. Além disso, assumimos que f(t, x) e g(t, x, ε) são funções T-periódicas em t. Denominamos por sistema médio de (1.10), o sistema definido por ẏ = εF (y), (1.11) com F (y) = 1 T ∫ T 0 f(t, y)dt. (1.12) O Método do Averaging se resume em estudar a existência de órbitas periódicas de um sistema do tipo (1.10), analisando os pontos singulares de seu sistema médio (1.11), ou seja, investigando os zeros simples de F . Em outras palavras, o método garante que sob certas condições, os pontos singulares do sistema médio correspon- dem às soluções T -periódicas do sistema (1.10), mais precisamente temos o seguinte resultado. Teorema 1.2.1 (Averaging) Consideramos o sistema (1.10) e suponhamos que as funções f, g, ∂f/∂x, ∂2f/∂x2 e ∂g/∂x estão definidas, são cont́ınuas e limitadas por uma certa constante M (independente de ε) em [0,∞)×D e ε ∈ (0, ε0], com ε0 uma constante fixa. Além disso, assumimos que f e g são T-periódicas na variável t, com T independente de ε. Então valem as seguintes afirmações. (a) Se p é um ponto singular do sistema (1.11) tal que det ( ∂F (y) ∂y )∣∣∣∣ y=p �= 0, (1.13) 1.2. O Método do Averaging 14 então existe uma solução T-periódica φ(t, ε) do sistema (1.10) próxima de p tal que lim ε→0 φ(t, ε) = p. (b) Se o ponto singular p do sistema (1.11) é hiperbólico então, para um ε su- ficientemente pequeno, a solução periódica correspondente φ(t, ε) do sistema (1.10) é hiperbólica e do mesmo tipo de estabilidade que p. Notamos que as condições sobre f , g e suas derivadas, nos garantem a existência e unicidade de soluções satisfazendo (1.10) e (1.11) com condições iniciais x(0) = x0 e y(0) = y0, respectivamente. Além disso, a T -periodicidade da f na variável t nos permite trabalhar apenas com valores de t ∈ [0, T ]. Antes de realizar a prova do Teorema 1.2.1, apresentamos a seguir alguns con- ceitos e resultados necessários e de grande importância para o entendimento da prova. Consideramos agora o sistema linear não autônomo ẋ = A(t)x, (1.14) com x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, A(t) uma matriz n×n T -periódica cont́ınua, isto é, A(t+ T ) = A(t), t ∈ R. Tomamos n soluções linearmente independentes x1(t), . . . , xn(t) do sistema (1.14). A matriz Φ(t) cujas colunas são as soluções x1(t), . . . , xn(t), Φ(t) = ( x1(t)x2(t) . . . xn(t) ) , é chamada matriz fundamental do sistema (1.14). Mais precisamente, temos a seguinte definição. Definição 1.2.1 Uma matriz fundamental para o sistema (1.14) é qualquer matriz n × n não-singular Φ(t), isto é, det Φ(t) �= 0, tal que para todo t ∈ R, satisfaz Φ̇(t) = A(t)Φ(t). Notamos que adicionando a condição inicial x(t0) = x0 ao sistema (1.14), as soluções do PVI são dadas por x(t) = Φ(t)Φ−1(t0)x0. A seguir, apresentamos um importante resultado para sistemas com coeficientes periódicos como (1.14), que nos diz que a matriz fundamental de (1.14) pode ser escrita como o produto de uma matriz T -periódica e uma matriz (geralmente) não-periódica. Teorema 1.2.2 (Floquet) Consideramos o sistema (1.14) com A(t) uma matriz n × n T -periódica cont́ınua . Cada matriz fundamental Φ(t) desse sistema pode ser escrita como o produto Φ(t) = Q(t)eBt com Q(t) uma matriz n × n T -periódica e B uma matriz constante. 1.2. O Método do Averaging 15 Demonstração: A matriz fundamental Φ(t) de (1.14) é composta de n soluções independentes satisfazendo Φ̇(t) = A(t)Φ(t). Como A(t) é T -periódica temos Φ̇(t + T ) = A(t + T )Φ(t + T ) = A(t)Φ(t + T ). Assim, Z(t) = Φ(t + T ) também é matriz fundamental de (1.14). Além disso Φ(t + T ) = Φ(t)Φ(T ), (1.15) onde Φ(T ) é chamada matriz monodromia do sistema (1.14). De fato, verificamos que Y (t) = Φ(t)Φ(T ) é solução do sistema (1.14) Ẏ (t) = Φ̇(t)Φ(T ) = A(t)Φ(t)Φ(T ) = A(t)Y (t). Logo, assumindo que na condição inicial t = 0 temos Φ(0) = I, como Z(0) = Φ(T ) = Y (0) segue pela unicidade das soluções que Z(t) = Y (t). Portanto, segue de (1.15) que existe uma matriz constante B tal que Φ(T ) = eBT . Tomando Q(t) = Φ(t)e−Bt, para completar a prova basta provar que a matriz Q(t) é T -periódica Q(t + T ) = Φ(t + T )e−B(t+T ) = Φ(t)Φ(T )e−BT e−Bt = Φ(t)e−Bt = Q(t). � Observamos que os autovalores da matriz monodromia C = eBT são chamados multiplicadores caracteŕısticos (ou de Floquet) de C e denotamos por ρ = eλT . Cada número complexo λ é chamado de expoentes caracteŕısticos (ou de Floquet). É posśıvel escolher os expoentes λ tal que eles coincidem com os autovalores de B. Teorema 1.2.3 Consideramos o sistema em Rn ẋ = A(t)x + f(t, x) (1.16) com A(t) uma matriz cont́ınua T-periódica e a função f(t, x) cont́ınua em t e em x e Lipschitz-cont́ınua em x para t ∈ R, com x numa vizinhança de x = 0. Além disso, temos lim ||x||→0 ||f(t, x)|| ||x|| = 0 uniformemente em t. (esta última condição implica também que x = 0 é uma solução da equação (1.16)). Se as partes reais dos expoentes caracteŕısticos do sistema periódico linear ẏ = A(t)y são negativas, a solução x = 0 do sistema (1.16) é estável e a atração é exponencial numa δ-vizinhança de x = 0. 1.2. O Método do Averaging 16 Demonstração: Veja [14], Teorema 7.2, página 86. Teorema 1.2.4 Consideramos o sistema em Rn ẋ = Ax + B(t)x + f(t, x) (1.17) onde t ≥ t0, A é uma matriz n × n constante com pelo menos um autovalor com parte real positiva, B(t) é uma matriz n × n cont́ınua com a propriedade lim t→∞ ||B(t)|| = 0 e a função vetor f(t, x) é cont́ınua em t e em x e Lipschitz-cont́ınua em x numa vizinhança de x = 0. Se além disso, tivermos lim ||x||→0 ||f(t, x)|| ||x|| = 0 uniformemente em t então a solução x = 0 do sistema (1.17) é instável. Demonstração: Veja [14], Teorema 7.3, página 88. 1.2.1 Demonstração do Teorema 1.2.1 (a) Consideramos u(t, x) = ∫ t 0 [f(s, x) − F (x)] ds, (1.18) onde F (x) é a função média de f(t, x) dada por (1.12). Como f(t, x) é limitada, então ||u(t, x)|| = ∣∣∣∣ ∣∣∣∣ ∫ t 0 f(s, x) − F (x)ds ∣∣∣∣ ∣∣∣∣ ≤ ∫ t 0 ||f(s, x)||ds − ∫ t 0 ||F (x)||ds ≤ Mt + ||F (x)||t ≤ 2MT, para t ∈ [0, T ] e x ∈ D. Introduzimos agora a seguinte perturbação da identidade1 x(t) = z(t) + εu(t, z(t)), (1.19) com z ∈ D. Derivamos (1.19) e substitúımos em (1.10) e temos ż + ε ∂u(t, z) ∂t + ε ∂u(t, z) ∂z ż = εf(t, z + εu(t, z)) + ε2g(t, z + εu(t, z), ε). 1Entende-se uma famı́lia de transformações dependendo de ε que se reduz à identidade quando ε = 0. 1.2. O Método do Averaging 17 Usando (1.18), reescrevemos essa equação na forma( I + ε ∂u(t, z) ∂z ) ż = −ε ∂u(t, z) ∂t + εf(t, z + εu(t, z)) + ε2g(t, z + εu(t, z), ε) = εF (z) − εf(t, z) + εf(t, z + εu(t, z)) + ε2g(t, z + εu(t, z), ε) := εF (z) + R(t, z, ε), (1.20) com I sendo a matriz identidade n × n. Denotamos por S(ε) = ( I + ε∂u(t,z) ∂z )−1 . A expansão em série de Taylor de S(ε) em torno de ε = 0 é dada por S(ε) = S(0) + dS(0) dε ε + d2S(0) dε2 ε2 2 + · · · = I − ∂u(t, z) ∂z ε + O(ε2), (1.21) onde O(ε2) representa os termos de ordem ε2. Como ∂f/∂z é cont́ınua e limitada ||f(t, z + εu(t, z)) − f(t, z)|| ≤ Lε||u(t, z)|| ≤ Lε 2MT, onde L é a constante de Lipschitz. Além disso, g também é limitada para t ≥ 0 e z ∈ D. Assim temos a seguinte estimativa ||R(t, z, ε)|| = || ε [f(t, z + εu(t, z)) − f(t, z)] + ε2g(t, z + εu(t, z), ε)|| ≤ ε ||f(t, z + εu(t, z)) − f(t, z)|| + ε2||g(t, z + εu(t, z), ε)|| ≤ ε22MTL + ε2M := ε2C. A estimativa acima nos garante que R = R(t, z, ε) é de ordem ε2. Assim, por (1.20) e (1.21) obtemos o seguinte sistema em z ż = [ εF (z) + R ] S(ε) = εF (z) + R − ε2F (z) ∂u(t, z) ∂z − R ε ∂u(t, z) ∂z + εF (t, z)O(ε2) + RO(ε2) = εF (z) + R − ε2F (z) ∂u(t, z) ∂z + O(ε3) = εF (z) + ( ε [f(t, z + εu(t, z)) − f(t, z)] + ε2g(t, z + εu(t, z), ε) ) − ε2F (z) ∂u(t, z) ∂z + O(ε3). (1.22) Denotamos por f 0(ε) = f(t, z + εu(t, z)) − f(t, z) e G(ε) = g(t, z + εu(t, z), ε). Suas respectivas séries de Taylor em torno de ε = 0 são dadas por: f 0(ε) = f 0(0) + df 0(0) dε ε + d2f 0(0) dε2 ε2 2 + · · · = ∂f(t, z) ∂z u(t, z) ε + O(ε2), (1.23) 1.2. O Método do Averaging 18 e G(ε) = G(0) + ∂G(0) ∂ε ε + ∂2G(0) ∂ε2 ε2 2 + · · · = g(t, z, 0) + O(ε). (1.24) Substitúımos (1.23) e (1.24) em (1.22) e o sistema em z pode ser reescrito como ż = εF (z) + ε2∂f(t, z) ∂z u(t, z) + ε2g(t, z, 0) − ε2F (z) ∂u(t, z) ∂z + O(ε3) = εF (z) + ε2 ( ∂f(t, z) ∂z u(t, z) − F (z) ∂u(t, z) ∂z + g(t, z, 0) + O(ε) ) := εF (z) + ε2 R∗(t, z, ε), (1.25) com R∗(t, z, ε) continuamente diferenciável com respeito a z e T -periódica em t, já que por hipótese f e g são T -periódicas e temos u(t, z) T -periódica, pois u(t + T, z) = ∫ t+T 0 [f(s, z) − F (z)] ds = ∫ t 0 [f(s, z) − F (z)] ds + ∫ t+T t [f(s, z) − F (z)] ds = ∫ t 0 [f(s, z) − F (z)] ds + (∫ T 0 f(s, z)ds − ∫ T 0 F (z)ds ) = ∫ t 0 [f(s, z) − F (z)] ds + [F (z)T − F (z)T ] = u(t, z). Portanto, uma solução T -periódica z(t) de (1.25) produz uma solução T -periódica x(t) de (1.10). Integramos o sistema (1.25) e obtemos a seguinte solução integral z(t) = z(0) + ε ∫ t 0 F (z(s))ds + ε2 ∫ t 0 R∗(s, z(s), ε)ds. (1.26) Como para uma solução T -periódica z(t) vale z(t + T ) = z(t), para todo t ≥ 0, temos z(T ) = z(0) e pela equação (1.26) vale z(T ) = z(0) + ε ∫ T 0 F (z(s))ds + ε2 ∫ T 0 R∗(s, z(s), ε)ds, donde conclúımos que h(z(0), ε) = ∫ T 0 F (z(s))ds + ε ∫ T 0 R∗(s, z(s), ε)ds = 0. (1.27) Por hipótese, sendo p um ponto singular do sistema (1.11) satisfazendo (1.13), segue de (1.27) que h(p, 0) = 0 e det ( ∂h(z, 0) ∂z )∣∣∣∣ z=p �= 0. 1.2. O Método do Averaging 19 Assim, pelo Teorema da Função Impĺıcita, para cada ε numa vizinhança de ε = 0, existe uma única solução zε tal que h(zε, ε) = 0. Segue de (1.27) que zε = z(0) e z(0) −→ p quando ε −→ 0, visto que h(p, 0) = 0. Dáı, por (1.26) temos que z(t) −→ p quando ε −→ 0. Portanto, considerando z(t) uma solução T -periódica de (1.25) temos que a solução x(t) de (1.10) é T -periódica e pela perturbação (1.19), conclui-se que x(t) −→ p quando ε −→ 0, o que prova o item (a). (b) Suponhamos inicialmente que todos autovalores do ponto singular y = p do sistema médio (1.11) possuem parte real negativa. Sendo φ(t, ε) uma solução periódica do sistema (1.10), aplicamos a mudança de variável x = z + φ(t, ε), (1.28) e obtemos que ż = εf(t, z + φ(t, ε)) + ε2g(t, z + φ(t, z + ε), ε) − φ̇(t, ε) = ε [f(t, z + φ(t, ε)) − f(t, φ(t, ε))] + ε2 [g(t, z + φ(t, ε), ε) − g(t, φ(t, ε), ε)] . (1.29) Denotamos por f1(z) = f(t, z +φ(t, ε))− f(t, φ(t, ε)) e g1(z) = g(t, z +φ(t, ε), ε)− g(t, φ(t, ε), ε). Dáı, expandindo f1 e g1 em série de Taylor com respeito a z em torno de z = 0, e omitindo os termos não-lineares, segue que f1(z) = f1(0) + df1(0) dz z + d2f1(0) dz2 z2 2 + · · · = ∂f(t, φ(t, ε)) ∂z z, e g1(z) = g1(0) + dg1(0) dz z + d2g1(0) dz2 z2 2 + · · · = ∂g(t, φ(t, ε), ε) ∂z z. Logo, substitúımos em (1.29) e obtemos o seguinte sistema ż = εA(t, ε)z, (1.30) com A(t, ε) = ∂ ∂z [f(t, φ(t, ε))− εg(t, φ(t, ε), ε)] uma matriz T-periódica, pois f e g o são por hipótese. O sistema obtido acima é uma linearização, com coeficientes T-periódicos, do sistema (1.10) numa vizinhança da solução periódica φ(t, ε). Con- sideramos a seguinte matriz B(t) = ∂f ∂z (t, p). Como f é T-periódica em t, segue também que B(t) é T-periódica. Pelo item (a) temos que φ(t, ε) −→ p quando ε −→ 0, consequentemente A(t, ε) −→ B(t) quando ε −→ 0. Utilizamos também as matrizes B0 = 1 T ∫ T 0 B(t)dt e C(t) = ∫ t 0 [ B(s) − B0 ] ds. Notamos que B0 é a matriz constante do sistema médio (1.11) linearizado. De fato, expandimos a função F (y) de (1.11) em série de Taylor em torno de seu ponto 1.2. O Método do Averaging 20 singular y = p e consideramos a parte linear da expansão F (y) = F (p) + dF (p) dy (y − p) + · · · = 1 T ∫ T 0 ∂f(t, p) ∂y dt (y − p) = B0(y − p). (1.31) Assim, considerando a translação w = y − p para a origem, o sistema médio (1.11) linearizado é da forma ẇ = εF (w + p) = εB0w. Por (1.31) temos B0 = dF (p)/dy, segue por hipótese que todos autovalores de B0 possuem parte real negativa. Além disso, a matriz C(t) é T-periódica e possui média zero pois C(t + T ) = ∫ t+T 0 B(s)ds − ∫ t+T 0 B0ds = (∫ t 0 B(s)ds + ∫ t+T t B(s)ds ) − (∫ t 0 B0ds + ∫ t+T t B0ds ) = ∫ t 0 [B(s) − B0]ds + ∫ T 0 B(s)ds − ∫ T 0 B0ds = ∫ t 0 [B(s) − B0]ds + B0T − B0T = C(t), e 1 T ∫ T 0 [B(s) − B0]ds = 1 T ∫ T 0 B(s)ds − 1 T ∫ T 0 B0ds = B0 − B0 = 0, o que garante, respectivamente, a T-periodicidade e a média zero da matriz C(t). Agora, aplicando no sistema (1.30) a seguinte perturbação da identidade z −→ y com y = (I − εC(t))z, (1.32) e o fato de (I − εC(t))−1 = I + εC(t) + · · · em torno de ε = 0 temos o sistema na variável y ẏ = −εĊ(t)z + (I − εC(t))ż = −ε(B(t) − B0)z + (I − εC(t))εA(t, ε)z = [εB0 + ε(A(t, ε) − B(t)) − ε2C(t)A(t, ε)](I − εC(t))−1y = εB0y + ε(A(t, ε) − B(t))y + ε2R(t, ε)y, (1.33) 1.3. Teoria de Campos de Vetores Rodados 21 onde R(t, ε) = B0C(t) + (A(t, ε) − B(t))C(t) − C(t)A(t, ε) − εC(t)A(t, ε)C(t) é T-periódica e limitada, visto que as matrizes C(t), B(t) e A(t, ε) são T-periódicas e cont́ınuas. Então, como (A(t, ε)−B(t)) −→ 0 quando ε −→ 0 e os expoentes caracte- ŕısticos da parte linear do sistema (1.33) dependem continuamente do parâmetro ε. Para ε suficientemente pequeno, o sinal da parte real dos expoentes caracteŕısticos da parte linear de (1.33) é igual o sinal da parte real dos autovalores da matriz B0. Do mesmo modo, os expoentes caracteŕısticos do sistema (1.30) dependem continuamente de ε, e pela perturbação da identidade (1.32), para ε suficientemente pequeno, o sistema (1.33) está próximo do sistema (1.30), e consequentemente o sinal da parte real dos expoentes caracteŕısticos de (1.30) é igual o sinal da parte real dos autovalores da matriz B0, ou seja, parte real negativa. Logo, aplicamos o Teorema 1.2.3 no sistema (1.30) com f(t, x) ≡ 0 e obtemos que a solução trivial z = 0 é estável, ou seja, z(t) −→ 0 quando t −→ ∞. Portanto, pela mudança de variável (1.28), segue que x(t) −→ φ(t, ε) quando t −→ ∞, o que implica que a solução periódica φ(t, ε) do sistema (1.10) é estável. Suponhamos agora que pelo menos um dos autovalores do ponto singular y = p do sistema médio (1.11) possui parte real positiva. Logo, a matriz B0 tem pelo menos um autovalor com parte real positiva. Como para ε suficientemente pequeno, temos que a matriz (A(t, ε) − B(t)) está próxima da matriz nula e o limite de ||ε2R(t, ε)y||/||y|| está próximo de zero. Aplicamos o Teorema 1.2.4 no sistema (1.33) e obtemos que a solução trivial y = 0 é instável, ou seja, y(t) −→ 0 quando t −→ −∞. Dáı, pela perturbação (1.32) e visto que a matriz C(t) é T -periódica, segue que z(t) −→ 0 quando t −→ −∞ e consequentemente, pela mudança de variável (1.28), temos que x(t) −→ φ(t, ε) quando t −→ −∞, o que implica que a solução periódica φ(t, ε) de (1.10) é instável. Com isso, está completa a prova da parte (b) e conclúımos a demonstração. � 1.3 Teoria de Campos de Vetores Rodados A teoria de campos de vetores rodados foi inicialmente estabelecida por Duff em 1953 [2]. Apresentamos a seguir alguns conceitos e resultados da Teoria de Campos de Vetores Rodados seguindo como referência o trabalho de Duff [2] e [3]. Consideramos o sistema de equações diferenciais dx dt = P (x, y, α), dy dt = Q(x, y, α), (1.34) com o parâmetro α. Suponhamos que quando o parâmetro α é perturbado por valores próximos de α0, a estrutura topológica do sistema (1.34)α0 não se altera. Então, α0 é chamado valor regular de α, e o sistema (1.34)α0 é dito estruturalmente estável com respeito a perturbação de α. Se para uma perturbação pequena arbitrária α1 próximo de α0, a estrutura topológica do retrato de fase do sistema (1.34)α1 se modifica, então dizemos que α0 é um valor de bifurcação e a mudança ocorrida na estrutura topológica é chamada bifurcação. Como exemplos de bifurcações, temos 1.3. Teoria de Campos de Vetores Rodados 22 que quando o parâmetro α varia, um ciclo limite pode surgir ou desaparecer próximo de um ponto singular, ou então dividir-se em vários outros ciclos limites. Nesta seção estudamos equações diferenciais com um parâmetro e o que ocorre com ciclos limites quando tal parâmetro varia. É nesta linha que surge a teoria de campos de vetores rodados. Assumimos que o campo de vetores (1.34) possui somente pontos singulares isolados e que P (x, y, α) e Q(x, y, α) são funções de classe C1 em Ω × I, onde I = [0, T ] ou I = R e Ω ⊂ R2 é uma região aberta. Definição 1.3.1 Suponhamos que quando α varia em [0, T ], os pontos singulares de (1.34) permanecem inalterados e em todos os pontos regulares temos∣∣∣∣∣∣∣ P Q ∂P ∂α ∂Q ∂α ∣∣∣∣∣∣∣ > 0 (1.35) e além disso P (x, y, α + T ) = −P (x, y, α), Q(x, y, α + T ) = −Q(x, y, α). (1.36) Então dizemos que o sistema (1.34) forma uma famı́lia completa de campos de vetores rodados para 0 ≤ α ≤ T . Observamos por (1.36) que P (x, y, α) e Q(x, y, α) também são funções periódicas de α com peŕıodo 2T . Para uma melhor interpretação desta definição fazemos a seguinte análise. Seja θ = θ(x, y, α) o ângulo entre o campo (P, Q) e o eixo-x, isto é θ = arctan ( Q P ) . (1.37) Então temos ∂θ ∂α = ∂ ∂α [ arctan ( Q P )] = 1 P 2 + Q2 ∣∣∣∣∣∣∣ P Q ∂P ∂α ∂Q ∂α ∣∣∣∣∣∣∣ . (1.38) Logo, segue pelas condições (1.35) e (1.36) que ∂θ ∂α > 0 e θ(x, y, α + π) = θ(x, y, α) + π. Isto implica que em todos os pontos regulares p = (x, y), quando o parâmetro α aumenta, o campo de vetores (1.34) gira no sentido anti-horário no ponto p, e pela condição (1.36), quando o parâmetro muda de α para α + T , o vetor (P, Q) gira exatamente π radianos no sentido anti-horário no ponto p, e o comprimento do vetor permanece o mesmo. Assim, quando α muda para α+2T , o campo de vetores (P, Q) gira 2π radianos no sentido anti-horário e volta a sua posição inicial. Este é o significado geométrico do termo “rodado e completo”apresentado na definição acima e introduzido por Duff. 1.3. Teoria de Campos de Vetores Rodados 23 Como o parâmetro α varia, a mudança dos ciclos limites em campos de vetores rodados é relativamente sistemática, porém as restrições na definição da famı́lia completa de campos de vetores rodados são bastante fortes. Tais restrições podem ser substancialmente reduzidas se retermos somente os requisitos fundamentais. Um exemplo disso é o conceito de campos de vetores rodados generalizados, onde os ciclos limites variam da mesma forma conforme o parâmetro varia. Fazemos agora uma abordagem sobre este conceito. Definição 1.3.2 Suponhamos que quando α varia no intervalo (a, b) (limitado ou ilimitado), os pontos singulares do campo de vetores (1.34) permanecem inalterados, e para qualquer ponto regular p = (x, y) e quaisquer parâmetros α1 < α2 em (a, b) temos ∣∣∣∣ P (x, y, α1) Q(x, y, α1) P (x, y, α2) Q(x, y, α2) ∣∣∣∣ ≥ 0 (ou ≤ 0), (1.39) onde a igualdade não ocorre sobre uma órbita periódica inteira de (1.34)αi , i = 1, 2. Então dizemos que (1.34) é um campo de vetores rodados generalizado. Se para um ponto regular (x0, y0) e parâmetro α0, existir um valor δ = δ(x0, y0, α0) positivo tal que para todo α ∈ [α0 − δ, α0 + δ] vale a igualdade em (1.39), então α0 é chamado ponto de parada para (x0, y0). Caso contrário, α0 é chamado ponto de rodagem. O significado geométrico da condição (1.39) é que em qualquer ponto p = (x, y), o ângulo orientado entre (P (x, y, α1), Q(x, y, α1)) e (P (x, y, α2), Q(x, y, α2)) tem o mesmo (ou oposto) sinal conforme o sign(α2 − α1). Isto é, em qualquer ponto p = (x, y), conforme o parâmetro α aumenta, o vetor (P (x, y, α), Q(x, y, α)) só pode girar em uma direção. Além disso, o ângulo de rotação não pode exceder π radianos. Observação 1.3.1 Notamos que se o sistema (1.34) forma uma famı́lia de campos de vetores rodados completo então ele também forma uma famı́lia de campos de vetores rodados generalizados. De fato, se o sistema (1.34) satisfaz a Definição 1.3.1 então por (1.38) temos ∂θ ∂α > 0. Portanto, a função θ = θ(x, y, α) é crescente em relação a variável α. Nesse caso, dados quaisquer parâmetros α1, α2 com α1 < α2 temos θ(x, y, α1) < θ(x, y, α2). Logo, por (1.37) obtemos arctan ( Q(x, y, α1) P (x, y, α1) ) < arctan ( Q(x, y, α2) P (x, y, α2) ) . Usando que a função arctangente é crescente, segue que Q(x, y, α1) P (x, y, α1) < Q(x, y, α2) P (x, y, α2) . Ao multiplicar esta última desigualdade por P (x, y, α1)P (x, y, α2) temos dois casos: • Se P (x, y, α1)P (x, y, α2) > 0 então P (x, y, α2)Q(x, y, α1) < P (x, y, α1)Q(x, y, α2), 1.3. Teoria de Campos de Vetores Rodados 24 o que implica ∣∣∣∣ P (x, y, α1) Q(x, y, α1) P (x, y, α2) Q(x, y, α2) ∣∣∣∣ > 0. • Se P (x, y, α1)P (x, y, α2) < 0 então P (x, y, α2)Q(x, y, α1) > P (x, y, α1)Q(x, y, α2), o que implica ∣∣∣∣ P (x, y, α1) Q(x, y, α1) P (x, y, α2) Q(x, y, α2) ∣∣∣∣ < 0. Ou seja, toda famı́lia de campos de vetores que satisfaz a Definição 1.3.1, também satisfaz a Definição 1.3.2. A rećıproca porém não é verdadeira, conforme mostra o exemplo à seguir. Exemplo 1.3.1 Consideramos o sistema de equações diferenciais dx dt = −αy, dy dt = αx − αyf(αx), (1.40) onde 0 < α < ∞ e f é C1 monótona crescente conforme |x| aumenta. Temos que a origem é o único ponto singular do sistema. Suponhamos que α1 < α2 com α1, α2 ∈ (0,∞). Pela condição (1.39) temos que∣∣∣∣ P (x, y, α1) Q(x, y, α1) P (x, y, α2) Q(x, y, α2) ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ −α1y α1x − α1yf(α1x) −α2y α2x − α2yf(α2x) ∣∣∣∣ = α1α2y 2[f(α2x) − f(α1x)] ≥ 0. Assim, segue que o sistema (1.40) forma uma famı́lia de campos de vetores rodados generalizados. Porém, não é uma famı́lia completa de campos de vetores rodados, pois dado 0 < α ≤ T temos P (x, y, α + T ) = −(α + T )y = −αy − Ty �= −αy = −P (x, y, α). Na sequência, apresentamos alguns resultados importantes sobre bifurcação de ciclos limites em campos de vetores rodados generalizados, e que também se apli- cam naturalmente às famı́lias completas de campos de vetores rodados. O próximo teorema estabelece uma relação entre as órbitas periódicas de dois sistemas distintos. Na demonstração desse teorema utilizamos o seguinte lema. Lema 1.3.1 Consideramos o sistema dx dt = Xi(x, y), dy dt = Yi(x, y), (1.41) onde Xi e Yi com i = 1, 2 são funções cont́ınuas num aberto Ω ⊂ R2, e satisfazem as condições de unicidade de soluções. Suponhamos que para (x, y) ∈ Ω∣∣∣∣ X1(x, y) Y1(x, y) X2(x, y) Y2(x, y) ∣∣∣∣ 1.3. Teoria de Campos de Vetores Rodados 25 não muda de sinal. Então as órbitas fechadas de (1.41)1 e (1.41)2 ou coincidem ou não se cruzam. Demonstração: Veja [18], página 207. Teorema 1.3.1 Suponhamos que (1.34) são campos de vetores rodados generaliza- dos. Então para parâmetros distintos α1 e α2, as órbitas periódicas dos sistemas (1.34)α1 e (1.34)α2 não se interceptam. Demonstração: Sejam α1 �= α2. Pela definição de campos de vetores rodados generalizados temos que ∣∣∣∣ P (x, y, α1) Q(x, y, α1) P (x, y, α2) Q(x, y, α2) ∣∣∣∣ nunca muda de sinal. Pelo Lema 1.3.1, as órbitas fechadas de (1.34)α1 e (1.34)α2 ou coincidem ou não se interceptam entre si. O determinante acima não é identicamente nulo ao longo de uma órbita fechada inteira de (1.34)αi para i = 1, 2. Portanto as órbitas fechadas de (1.34)α1 e (1.34)α2 não coincidem, o que completa a demonstração do teorema. � Por último, apresentamos duas propriedades em relação a mudança nos ciclos limites conforme o parâmetro α varia no sistema (1.34). As demonstrações de tais propriedades e outros detalhes podem ser encontrados em [16]. Propriedades 1.3.1 Consideramos (P (x, y, α), Q(x, y, α)) um campo de vetores rodados generalizado. (i) Seja γα0 um ciclo limite estável ou instável do sistema (1.34)α0 . Segue que, conforme o parâmetro muda monotonicamente, o ciclo limite γα0 não desa- parece, ele se expande ou se contrai monotonicamente. Quando o campo de vetores rodado generalizado satisfaz a condição (1.39) com o determinante ≥ 0, a evolução de um ciclo limite γα conforme α aumenta é dada pela Tabela 1.1. (ii) Seja γα0 um ciclo limite semi-estável. Quando o parâmetro varia, o ciclo limite γα0 se bifurca em pelo menos um ciclo limite estável e um instável. Além disso, tais ciclos estão em lados distintos de γα0 , um no interior e outro no exterior. Quando o parâmetro varia na direção oposta o ciclo limite semi-estável γα0 desaparece. As posśıveis mudanças de um ciclo limite γα, de acordo com a direção de seu movimento quando o parâmetro varia, é dada pela Tabela 1.2. Direção Anti-horário Anti-horário Horário Horário Estabilidade Estável Instável Estável Instável Evolução Contrai Expande Expande Contrai Tabela 1.1: Comportamento do ciclo limite γα conforme α varia. 1.4. Função de Bessel do primeiro tipo 26 Direção Anti-horário Anti-horário Horário Horário Externamente Externamente Externamente Externamente Estabilidade estável, instável, estável, instável, internamente internamente internamente internamente instável estável instável estável Divide em Divide em α aumenta Desaparece dois ou dois ou Desaparece mais ciclos mais ciclos Divide em Divide em α diminui dois ou Desaparece Desaparece dois ou mais ciclos mais ciclos Tabela 1.2: Comportamento do ciclo limite semi-estável γα conforme α varia. 1.4 Função de Bessel do primeiro tipo Funções de Bessel são de grande importância na f́ısica matemática e aparecem em uma ampla variedade de problemas f́ısicos. Exemplos que envolvem tais funções são: problemas em eletricidade, hidrodinâmica, elasticidade, propagação de ondas, etc. A função de Bessel é usualmente definida como uma solução particular y = y(z) da equação z2ÿ + zẏ + (z2 − n2)y = 0, (1.42) com n ∈ Z. Tal equação é chamada equação de Bessel de ordem n, n ∈ Z. Denomi- namos por função de Bessel do primeiro tipo de ordem n, e denotamos por Jn(z), a solução de (1.42) representada pela série Jn(z) = ∞∑ k=0 (−1)k z2k+n k!(n + k)! 22k+n . (1.43) Para mais detalhes sobre a obtenção de (1.43), veja [13] página 186. A função de Bessel do primeiro tipo satisfaz as seguintes propriedades: (i) J−n(z) = (−1)nJn(z) (ii) d dz [znJn(z)] = znJn−1(z) (iii) J ′ n(z) = 1 2 [Jn−1(z) − Jn+1(z)] Por outro lado, a expressão de Jn(z) pode ser representada também na forma de integral, veja [7] página 912, dada por Jn(z) = 1 π ∫ π 0 cos(nθ − z sen θ)dθ, (1.44) n = 0, 1, 2, . . . . Os zeros das funções de Bessel também tem sido bastante investigados, devido as várias classes de problemas os quais estão associados. Um exemplo destes problemas envolvendo tais zeros será visto na Seção 2.1. 1.4. Função de Bessel do primeiro tipo 27 Proposição 1.4.1 Para todo n ≥ 0, Jn(z) tem um número infinito de zeros na reta positiva. Demonstração: Veja [13], página 187. Estes zeros são calculados numericamente e tabulados, porém é posśıvel obter uma interpretação geométrica da localização destes valores. Em particular, anali- samos na sequência a localização geométrica dos zeros da função de Bessel do primeiro tipo de ordem um, J1(z). Em 1908, C. Moore provou em [11] que sign[J1(z)] = (−1)n, (1.45) para z ∈ [(n + 1 2 )π, (n + 1)π]. Assim, segue de (1.44) e (1.45) que J1(0) = 0 e a localização dos zeros de J1(z) é observada na Figura 1.7. Mais precisamente, o gráfico da função J1(z) é dado pela Figura 1.8. z y +++ −−− π 3π 2 2π 5π 2 3π 7π 2 4π 9π 2 5π 11π 2 6π Figura 1.7: Representação geométrica do sinal da função J1(z). 0 1 5 10 15 20 J0(z) J1(z) J2(z) Figura 1.8: Gráficos das funções J0(z), J1(z) e J2(z). Particularmente, é posśıvel verificar que J1(z) possui exatamente n zeros simples no intervalo [0, (n+1)π]. A simplicidade dos zeros da função J1(z) segue do seguinte fato: Se z0 �= 0 é um zero de J1(z) então J1(z0) = 0. Para z0 ser simples devemos 1.5. Regra de Leibnitz 28 ter J ′ 1(z0) �= 0. Suponhamos que J ′ 1(z0) = 0. Sabemos que a função J1(z) é solução da equação (1.42). Logo, segue que J ′′ 1 (z0) = 0. (1.46) Derivando a equação (1.42) e usando (1.46) obtemos que J ′′′ 1 (z0) = 0. Prosseguindo com o mesmo racioćınio temos que J (4) 1 (z0) = 0, J (5) 1 (z0) = 0, . . . . Por outro lado segue de (1.43) segue que J1(z) é anaĺıtica. Portanto, para todo z0 zero da função de Bessel temos J ′ 1(z0) �= 0, ou seja, todos os zeros de J1(z) são simples. O leitor inte- ressado em uma leitura mais precisa e ampla, pode obter em [15] mais detalhes sobre as funções de Bessel, bem como suas particularidades, propriedades e a obtenção das expressões (1.43) e (1.44) apresentadas acima. Por último apresentamos uma tabela com os dez primeiros zeros da função de Bessel do primeiro tipo de ordem um. Por meio do software Mathematica2 e usando a propriedade (iii) da função Jn(z) é posśıvel obter tais valores. k Zeros zk de J1(z) J ′ 1(zk) 1 3.831706 −0.402759 2 7.015588 0.300115 3 10.173468 −0.249705 4 13.323692 0.218359 5 16.470630 −0.196465 6 19.615859 0.180063 7 22.760085 −0.167184 8 25.903672 0.156725 9 29.046829 −0.148011 10 32.189680 0.140606 Tabela 1.3: Os dez primeiros zeros simples da função J1(z). 1.5 Regra de Leibnitz Sejam f : R2 −→ R e a, b ∈ R constantes. Consideramos a integral como função de um parâmetro t ∈ R I(t) = ∫ b a f(x, t)dx. A derivada de I(t) é baseada no seguinte resultado. 2Para obter os zeros da função de Bessel, basta utilizar o comando “N[BesselJZero[n, k], m]”, onde n é a ordem da função, k é o seu k-ésimo zero e m é o número de algarismo em que será apresentado o valor. Os valores de J ′ n (z) são dados por “ 1 2 (BesselJ[n− 1, z] - BesselJ[n + 1, z])” e o gráfico de Jn(z) pode ser obtido usando “Plot[BesselJ[n, z], {z, z1, z2}]”. 1.5. Regra de Leibnitz 29 Proposição 1.5.1 (Regra de Leibnitz) Seja f(x, t) uma função real definida num retângulo R = [a, b] × [c, d] ∈ R2, integrável em x para cada valor de t e com ∂f(x, t) ∂t cont́ınua em x, t ∈ R. Consideramos a função integral I(t) = ∫ b a f(x, t)dx. A derivada de I em relação a t é dada por I ′(t) = ∫ b a ∂f(x, t) ∂t dx. Observamos que no enunciado acima os limites de integração são constantes. No caso em que os limites são funções u = u(t) e v = v(t) I(t) = L(u, v, t) = ∫ v(t) u(t) f(x, t)dx, (1.47) segue pela regra da cadeia I ′(t) = dI dt = ∂L ∂t dt dt + ∂L ∂v dv dt + ∂L ∂u du dt . (1.48) Como consequência do Teorema Fundamental do Cálculo temos d dw ∫ w a f(z)dz = f(w) e d dw ∫ b w f(z)dz = − d dw ∫ w b f(z)dz = −f(w). (1.49) Portanto, segue de (1.48) e (1.49) que I ′(t) = ( ∂ ∂t ∫ v u f(x, t)dx ) dt dt + ( ∂ ∂v ∫ v u f(x, t)dx ) dv(t) dt + ( ∂ ∂u ∫ v u f(x, t)dx ) du(t) dt = ∫ v(t) u(t) ∂f(x, t) ∂t dx + f(v(t), t)v′(t) − f(u(t), t)u′(t). (1.50) Caṕıtulo 2 Uma quota inferior para o número de ciclos limites Um dos principais problemas no estudo qualitativo de equações diferenciais planares é saber o número e a distribuição de seus ciclos limites. O principal sistema abordado não somente neste caṕıtulo mas no trabalho todo é o sistema diferencial linear por partes ( ẋ ẏ ) = ( 0 −1 1 0 )( x y ) − φ(x) ( ε 0 ) , (2.1) onde ε �= 0 e φ : R → R é uma função periódica linear por partes ı́mpar e de peŕıodo 4, satisfazendo φ(x) = { x , se x ∈ [0, 1], −x + 2 , se x ∈ [1, 2]. (2.2) Na sequência do nosso estudo, consideramos φ definida em toda a reta, considerando sua periodicidade 4 e o fato de ser ı́mpar. O gráfico da função φ é então dado pela Figura 2.1. Embora no Caṕıtulo 3 é verificado que o sistema (2.1) pode ter exatamente tantos ciclos limites quanto quisermos, utilizando a Teoria do Averaging é posśıvel obter uma quota inferior para o número destes ciclos limites na faixa |x| ≤ 2n + 2, n ∈ N. Neste caṕıtulo fazemos uma prova anaĺıtica, apresentada inicialmente por Llibre e Ponce em [9], de que o sistema (2.1) possui pelo menos n ciclos limites na faixa |x| ≤ 2n + 2. Mais especificamente, é feita a prova do seguinte resultado Teorema 2.0.1 Seja φ : R −→ R dada por (2.2). Então para um inteiro positivo arbitrário n , o sistema diferencial linear por partes (2.1) tem pelo menos n ciclos limites hiperbólicos na faixa |x| ≤ 2n + 2, para ε �= 0 suficientemente pequeno. Notamos que o sistema (2.1) é o centro linear (ẋ = −y, ẏ = x) quando ε = 0. Além disso, o sistema é invariante sob a simetria (x, y, t, ε) −→ (−x, y,−t,−ε). Usando esta simetria e o Teorema 2.0.1 segue o resultado a seguir, que nos mostra uma bifurcação pouco usual de infinitos ciclos limites para o sistema (2.1) em ε = 0. Corolário 2.0.1 Todos os ciclos limites do sistema (2.1) para ε < 0 suficientemente pequeno, se tornam órbitas periódicas do centro linear para ε = 0, e novamente passam a ciclos limites para ε > 0 suficientemente pequeno, invertendo a estabilidade com a mudança do sinal de ε. 30 2.1. Aplicação do Método do Averaging com φ(x) = sen x 31 1 1 2 3 4 5 6 2m 2m+1 2m+2 x y y=φ(x) -2m-2 -2m-1 -2m -6 -5 -4 -3 -2 -1 -1 Figura 2.1: Gráfico parcial da função linear por partes periódica φ. 2.1 Aplicação do Método do Averaging com φ(x) = sen x Reescrevemos o sistema diferencial linear por partes (2.1) como ẋ = −y − εφ(x), ẏ = x. (2.3) A demonstração do Teorema 2.0.1 se baseia na aplicação do Método do Averaging. Como exemplo da aplicação de tal método, antes de realizar a prova do Teorema 2.0.1, provamos o caso onde o sistema em questão é um sistema diferencial não-linear qualitativamente semelhante ao sistema (2.3). Proposição 2.1.1 Seja o sistema diferencial anaĺıtico ẋ = −y − ε sen x, ẏ = x. (2.4) Para um número inteiro positivo arbitrário n, tal sistema possui pelo menos n ciclos limites hiperbólicos na faixa |x| ≤ (n + 1)π para ε �= 0 suficientemente pequeno. Demonstração: Tomamos um disco fechado D centrado na origem e de raio R > (n + 1)π. Passando o sistema (2.4) para coordenadas polares (r, θ) dadas por x = r cos θ e y = r sen θ, obtemos ṙ = −ε cos θ sen(r cos θ), θ̇ = 1 + ε sen θ sen(r cos θ) r . Denotando por T (ε) = dr dθ = −εr cos θ sen(r cos θ) r + εsen θ sen(r cos θ) , 2.1. Aplicação do Método do Averaging com φ(x) = sen x 32 a expansão em série de Taylor em torno de ε = 0 é dada por T (ε) = T (0) + dT (0) dε ε + d2T (0) dε2 ε2 2 + · · · = −ε cos θ sen(r cos θ) + ε2 cos θ sen θ sen2(r cos θ) r + · · · . Assim, o sistema obtido em coordenadas polares é equivalente à equação diferencial dr dθ = −ε cos θ sen(r cos θ) + ε2g(θ, r, ε). (2.5) Observamos que o sistema (2.5) com f(θ, r) = cos θ sen(r cos θ) satisfaz todas as hipóteses do Teorema 1.2.1. Além disso, visto que a função f é 2π-periódica, o sistema médio de (2.5) é definido por dr dθ = −εF (r), com F (r) = 1 2π ∫ 2π 0 cos θ sen(r cos θ) dθ (θ �→ θ+π) = 1 2π ∫ π −π cos θ sen(r cos θ) dθ = 1 2π [∫ π 0 cos θ sen(r cos θ) dθ + ∫ 0 −π cos θ sen(r cos θ) dθ ] = 1 π ∫ π 0 cos θ sen(r cos θ) dθ = 1 π [∫ π π/2 cos θ sen(r cos θ) dθ + ∫ π/2 0 cos θ sen(r cos θ) dθ ] = 2 π ∫ π/2 0 sen θ sen(r sen θ) dθ. (2.6) Observamos que a última igualdade de (2.6) é obtida pelas mudanças de variável θ −→ π/2+θ e θ −→ π/2−θ nas integrais ∫ π π/2 e ∫ π/2 0 , respectivamente. Notamos que F (r) coincide com a função de Bessel do primeiro tipo J1(r). De fato, por (1.44) J1(r) = 1 π ∫ π 0 cos(θ − r sen θ) dθ = 1 π ∫ π 0 [cos θ cos(r sen θ) + sen θ sen(r sen θ)] dθ = 1 π ∫ π 0 sen θ sen(r sen θ) dθ = 2 π ∫ π/2 0 sen θ sen(r sen θ) dθ, (2.7) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 33 e segue de (2.6) e (2.7) que a equação média associada à (2.5) é dr dθ = −εJ1(r). (2.8) Vimos na Seção 1.4 que a função de Bessel J1(r) possui exatamente n zeros simples no intervalo [0, (n + 1)π], pelo Teorema 1.2.1 obtemos que para cada zero da função J1(r) existe um ciclo limite do sistema (2.4), ou seja, o sistema (2.4) possui pelo menos n ciclos limites hiperbólicos em D para ε > 0 suficientemente pequeno. O caso ε < 0 suficientemente pequeno segue usando o fato que o sistema (2.4) é invariante sob a simetria (x, y, t, ε) −→ (−x, y,−t,−ε). Com isso, completamos a prova do teorema. � Notamos que se omitimos a hiperbolicidade dos ciclos limites na Proposição 2.1.1, então a mesma pode ser considerada como um caso particular do seguinte resultado provado por Z. Zhang em [17]. Teorema 2.1.1 Para ε �= 0. O sistema diferencial (2.4) tem exatamente n ciclos limites na faixa |x| ≤ (n + 1)π para n = 1, 2, . . . . Além disso, os ciclos limites alternam entre estáveis e instáveis. Na seção a seguir demonstramos o Teorema 2.0.1 utilizando um racioćınio análogo à demonstração da Proposição 2.1.1. 2.2 Demonstração do Teorema 2.0.1 Seja D um disco fechado centrado na origem e de raio R > 2n + 2. Consideramos o sistema (2.3) em coordenadas polares e obtemos ṙ = −ε cos θ φ(r cos θ), θ̇ = 1 + ε sen θ φ(r cos θ) r . Tomando θ a variável independente temos dr dθ = −ε cos θ φ(r cos θ) + ε2g(θ, r, ε). (2.9) Observamos que as funções f(θ, r) = cos θ φ(r cos θ) e g(θ, r, ε) satisfazem as hipóteses do Teorema 1.2.1 exceto quando r cos θ assume um valor inteiro ı́mpar, pois notamos que em tais valores o campo não é diferenciável. Porém, vemos na demonstração do Teorema 1.2.1 que as descontinuidades na derivada de f e g nestes valores inteiros isolados não são um obstáculo para que o teorema continue a ser válido para o sistema (2.9)(veja apêndice). Calculamos agora o sistema médio de 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 34 (2.9). Como f é 2π-periódica e φ(x) é uma função ı́mpar, a função média associada à equação diferencial (2.9) é dada por: F (r) = 1 2π ∫ 2π 0 cos θ φ(r cos θ) dθ (θ �→ θ+π) = 1 2π ∫ π −π cos θ φ(r cos θ) dθ = 1 2π [∫ π 0 cos θ φ(r cos θ) dθ + ∫ 0 −π cos θ φ(r cos θ) dθ ] = 1 π ∫ π 0 cos θ φ(r cos θ) dθ = 1 π [∫ π π/2 cos θ φ(r cos θ) dθ + ∫ π/2 0 cos θ φ(r cos θ) dθ ] = 2 π ∫ π/2 0 sen θ φ(r sen θ) dθ. (2.10) Notamos que a última igualdade de (2.10) é obtida pelas mudanças de variável θ −→ π/2 + θ e θ −→ π/2 − θ nas integrais ∫ π π/2 e ∫ π/2 0 , respectivamente. Observamos que F (r) é C1 mas não é C2. Suponhamos, inicialmente, que 0 ≤ r ≤ 1. Então, para θ ∈ [0, π/2] temos 0 ≤ r sen θ ≤ 1 e como φ(x) = x para x ∈ [0, 1], segue de (2.10) que F (r) = 2 π ∫ π/2 0 r sen2 θ dθ = 2r π ∫ π/2 0 1 − cos(2θ) 2 dθ = r 2 . (2.11) Consideramos agora 2m − 1 ≤ r ≤ 2m + 1 com m ∈ {1, 2, . . . , n}. Para k = 1, 2, . . . , 2m + 1, seja βk = βk(r) = k r . (2.12) Consequentemente, sempre que βk(r) ≤ 1 definimos por αk = αk(r) = arcsen βk(r). (2.13) Tomamos l = 1, 2, . . . , m − 1 e notamos que φ(x) = (−1)l(x − 2l) para x ∈ [2l − 1, 2l + 1], sendo positiva(negativa) para x∈(2l−2, 2l) quando l é ı́mpar(par), veja Figura 2.1. Com isso, temos φ(r sen θ) = ⎧⎨ ⎩ r sen θ , para θ ∈ [0, α1], (−1)l(r sen θ − 2l) , para θ ∈ [α2l−1, α2l+1], (−1)m(r sen θ − 2m) , para θ ∈ [α2m−1, π/2]. (2.14) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 35 Segue de (2.10), (2.12) e (2.14) que F (r) = 2 π (∫ α1 0 r sen2 θ dθ + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ α2l+1 α2l−1 sen θ(r sen θ − 2l) dθ + (−1)m ∫ π/2 α2m−1 sen θ(r sen θ − 2m) dθ ) = r π (∫ α1 0 2 sen2 θ dθ + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ α2l+1 α2l−1 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ + (−1)m ∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ ) . (2.15) Calculamos as integrais obtidas em (2.15). Na primeira integral, usando (2.12) e (2.13) obtemos ∫ α1 0 2 sen2 θ dθ = ∫ α1 0 (1 − cos(2θ)) dθ = α1 − sen (2α1) 2 = α1 − cos α1 r = α1 − β1 √ 1 − β2 1 . (2.16) Reescrevemos a integral do somatório em (2.15) como∫ α2l+1 α2l−1 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ = ∫ α2l+1 α2l−1 2 sen2 θ dθ − ∫ α2l+1 α2l−1 2β2l sen θ dθ. (2.17) Denotamos por A = ∫ α2l+1 α2l−1 2 sen2 θ dθ e B = ∫ α2l+1 α2l−1 2β2l sen θ dθ. Calculamos primeiro A. Assim como feito em (2.16), obtemos A = ∫ α2l+1 α2l−1 (1 − cos(2θ)) dθ = (α2l+1 − α2l−1) − ( sen (2α2l+1) 2 − sen (2α2l−1) 2 ) = (α2l+1 − α2l−1) − β2l+1 √ 1 − β2 2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l−1. (2.18) Continuamos com o cálculo de B. Temos que B = 2β2l(− cos(α2l+1) + cos(α2l−1)) = 2β2l ( − √ 1 − β2 2l+1 + √ 1 − β2 2l−1 ) . (2.19) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 36 Logo, por (2.18) e (2.19) a integral de (2.17) pode ser reescrita como∫ α2l+1 α2l−1 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ = α2l+1 + (2β2l − β2l+1) √ 1 − β2 2l+1 − α2l−1 − (2β2l − β2l−1) √ 1 − β2 2l−1 (2.12) = α2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l+1 − α2l−1 − β2l+1 √ 1 − β2 2l−1. (2.20) Reescrevemos a última integral de (2.15) como∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ = ∫ π/2 α2m−1 2 sen2 θ dθ − ∫ π/2 α2m−1 2β2m sen θ dθ, (2.21) e de maneira análoga às equações (2.18) e (2.19) obtemos∫ π/2 α2m−1 2 sen2 θ dθ = (π 2 − α2m−1 ) + β2m−1 √ 1 − β2 2m−1 (2.22) e ∫ π/2 α2m−1 2β2m sen θ dθ = 2β2m √ 1 − β2 2m−1. (2.23) Dáı, por (2.22) e (2.23) a integral em (2.21) é dada por∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ = π 2 − α2m−1 − (2β2m − β2m−1) √ 1 − β2 2m−1 (2.12) = π 2 − α2m−1 − β2m+1 √ 1 − β2 2m−1. (2.24) Utilizando (2.16), (2.20) e (2.24) reescrevemos o lado direito da igualdade (2.15) como F (r) = r π [ α1 − β1 √ 1 − β2 1 + m−1∑ l=1 (−1)l ( α2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l+1 − α2l−1 − β2l+1 √ 1 − β2 2l−1 ) + (−1)m ( π 2 − α2m−1 − β2m+1 √ 1 − β2 2m−1 )] . (2.25) Para l = 1, 2, . . . , m − 1 denotamos por μ∗ l = α2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l+1, μ∗∗ l = −α2l−1 − β2l+1 √ 1 − β2 2l−1, μ1 = α1 − β1 √ 1 − β2 1 , μm = − α2m−1 − β2m+1 √ 1 − β2 2m−1. 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 37 Assim, agrupando os pares de termos similares em (2.25) obtemos F (r) = r π [ α1 − β1 √ 1 − β2 1 + m−1∑ l=1 (−1)l ( α2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l+1 − α2l−1 − β2l+1 √ 1 − β2 2l−1 ) + (−1)m ( π 2 − α2m−1 − β2m+1 √ 1 − β2 2m−1 )] = r π [ μ1 + m−1∑ l=1 (−1)l (μ∗ l + μ∗∗ l ) + (−1)m π 2 + (−1)mμm ] = r π [ (μ1 − μ∗∗ 1 ) + (−μ∗ 1 + μ∗∗ 2 ) + (μ∗ 2 − μ∗∗ 3 ) + · · · · · · + ( (−1)m−2μ∗ m−2 + (−1)m−1μ∗∗ m−1 ) + ( (−1)m−1μ∗ m−1 + (−1)mμm ) + (−1)mπ 2 ] = r π [ (μ1 − μ∗∗ 1 ) + m−1∑ l=1 (−1)l(μ∗ l − μ∗∗ l+1) + (−1)mπ 2 ] = r π [ 2α1 + (β3 − β1) √ 1 − β2 1 + m−1∑ l=1 (−1)l ( 2α2l+1 + (β2l+3 + β2l−1) √ 1 − β2 2l+1 ) + (−1)m π 2 ] (2.12) = r π [ 2α1 + 2β1 √ 1 − β2 1 + m−1∑ l=1 (−1)l ( 2α2l+1 + 2β2l+1 √ 1 − β2 2l+1 ) + (−1)m π 2 ] . (2.26) Consideramos a função auxiliar g(x) = arcsen x + x √ 1 − x2, para x ∈ [0, 1]. Quando 2m − 1 ≤ r ≤ 2m + 1 com m ∈ {1, 2, . . . , n}, usamos a função g e obtemos de (2.26) uma expressão mais concisa para F (r) dada por F (r) = r π [ 2g ( 1 r ) + m−1∑ l=1 (−1)lg ( 2l + 1 r ) + (−1)mg(1) ] , (2.27) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 38 uma vez que g(1) = π/2. Numericamente, temos evidências de que F possui um zero simples em cada um dos intervalo [2m − 1, 2m + 1] para m = 1, 2, . . . , n. Além disso, estes zeros parecem ter propriedades semelhantes aos zeros da função de Bessel J1, veja Tabela 2.1 juntamente com a Tabela 1.3. m Zeros r∗ de F F ′(r∗) 1 2.475414 −0.470516 2 4.503811 0.356924 3 6.514715 −0.299112 4 8.520468 0.262579 5 10.524033 −0.236825 6 12.526457 0.217415 7 14.528211 −0.202109 8 16.529540 0.189638 9 18.530581 −0.179224 10 20.531419 0.170356 Tabela 2.1: Os dez primeiros zeros simples de F (r) com 2m − 1 < r < 2m + 1. Para mostrar rigorosamente que todos os zeros da função F (r) são simples, anali- samos cada região triangular formada pelo gráfico do integrando da F em (2.10), veja Figura 2.2. 1 0.5 −0.5 −1 0.25 0.5 0.75 1 1.25 1.5 Figura 2.2: Gráfico do integrando em (2.10) para r = 18.5, tal que 2m − 1 < r < 2m + 1 com m = 9. Assumimos novamente que 2m − 1 ≤ r ≤ 2m + 1 com m ∈ {1, 2, . . . , n}. Para l = 1, 2, . . . , m − 1, denotamos 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 39 η∗ l = ∫ α2l α2l−1 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ, η∗∗ l = ∫ α2l+1 α2l 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ, η1 = ∫ α1 0 2 sen2 θ dθ, ηm = ∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ. Por (2.15) reescrevemos F (r) da seguinte maneira F (r) = r π [∫ α1 0 2 sen2 θ dθ + m−1∑ l=1 (−1)l (∫ α2l α2l−1 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ + ∫ α2l+1 α2l 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ ) + (−1)m ∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ ] = r π [ η1 + m−1∑ l=1 (−1)l (η∗ l + η∗∗ l ) + (−1)mηm ] = r π [ (η1 − η∗ 1) + (−η∗∗ 1 + η∗ 2) + (η∗∗ 2 − η∗ 3) + · · · · · · + ( (−1)m−2η∗∗ m−2 + (−1)m−1η∗ m−1 ) + ( (−1)m−1η∗∗ m−1 + (−1)mηm ) ] = r π [ (η1 − η∗ 1) + m−2∑ l=1 (−1)l(η∗∗ l − η∗ l+1) + (−1)m−1(η∗∗ m−1 − ηm) ] = r π [(∫ α1 0 2 sen2 θ dθ − ∫ α2 α1 2 sen θ(sen θ − β2) dθ ) + m−2∑ l=1 (−1)l (∫ α2l+1 α2l 2 sen θ(sen θ − β2l)dθ − ∫ α2l+2 α2l+1 2 sen θ(sen θ − β2l+2)dθ ) + (−1)m−1 (∫ α2m−1 α2m−2 2 sen θ(sen θ − β2m−2)dθ − ∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m)dθ ) . (2.28) Identificamos por T0(r) = ∫ α1 0 2 sen2 θ dθ − ∫ α2 α1 2 sen θ(sen θ − β2) dθ, Tl(r) = ∫ α2l+1 α2l 2 sen θ(sen θ − β2l) dθ − ∫ α2l+2 α2l+1 2 sen θ(sen θ − β2l+2) dθ, Tm−1(r) = ∫ α2m−1 α2m−2 2 sen θ(sen θ − β2m−2) dθ − ∫ π/2 α2m−1 2 sen θ(sen θ − β2m) dθ, 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 40 onde Tm−1(r) corresponde à última região triangular (incompleta) se r < 2m, à última região triangular completa quando r = 2m, e à última região triangular completa mais uma região triangular incompleta no caso de 2m < r < 2m + 1 (este é o caso da Figura 2.2). Utilizamos a função auxiliar g e com racioćınio análogo ao utilizado no cálculo das integrais (2.16), (2.20) e (2.24), segue que T0(r) é dada por T0(r) = α1 − β1 √ 1 − β2 1 − [ α2 + β2 √ 1 − β2 2 − α1 − β3 √ 1 − β2 1 ] = 2α1 + 2β1 √ 1 − β2 1 − ( α2 + β2 √ 1 − β2 2 ) = 2g ( 1 r ) − g ( 2 r ) . Para l = 1, 2, . . . , m− 2, a função Tl(r), associada à (l + 1)−ésima região triangular da Figura 2.2, é igual a (−1)l vezes Tl(r) = [ α2l+1 + β2l−1 √ 1 − β2 2l+1 − α2l − β2l √ 1 − β2 2l ] − [ α2l+2 + β2l+2 √ 1 − β2 2l+2 − α2l+1 − β2l+3 √ 1 − β2 2l+1 ] . = − ( α2l + β2l √ 1 − β2 2l ) + 2 ( α2l+1 + β2l+1 √ 1 − β2 2l+1 ) − ( α2l+2 + β2l+2 √ 1 − β2 2l+2 ) = −g ( 2l r ) + 2g ( 2l + 1 r ) − g ( 2l + 2 r ) , e a última contribuição a considerar de (2.28) é igual à (−1)m−1 vezes Tm−1(r) = [ α2m−1 + β2m−3 √ 1 − β2 2m−1 − α2m−2 − β2m−2 √ 1 − β2 2m−2 ] − [ π 2 − α2m−1 − β2m+1 √ 1 − β2 2m−1 ] = − ( α2m−2 + β2m−2 √ 1 − β2 2m−2 ) + 2 ( α2m−1 + β2m−1 √ 1 − β2 2m−1 ) − π 2 = −g ( 2m − 2 r ) + 2g ( 2m − 1 r ) − g(1). (2.29) Logo, de acordo com (2.28) temos F (r) = r π [ T0(r) + m−1∑ l=1 (−1)lTl(r) ] , (2.30) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 41 que é equivalente à (2.27). Consideramos a mudança de variável θ −→ z = sen θ em (2.28) e introduzimos a função h : [0, 1) −→ R definida por h(z) = 2z√ 1 − z2 . (2.31) Como dθ = 1 cos θ dz = 1√ 1 − z2 dz, (2.32) usando (2.13) segue que T0(r) = ∫ β1 0 2z2 1√ 1 − z2 dz − ∫ β2 β1 2z(z − β2) 1√ 1 − z2 dz = ∫ β1 0 zh(z)dz − ∫ β2 β1 (z − β2)h(z)dz. (2.33) Da mesma forma obtemos Tl(r) = ∫ β2l+1 β2l (z − β2l)h(z)dz − ∫ β2l+2 β2l+1 (z − β2l+2)h(z)dz, (2.34) para l = 1, 2, . . . , m − 2, e Tm−1(r) = ∫ β2m−1 β2m−2 (z − β2m−2)h(z)dz − ∫ 1 β2m−1 (z − β2m)h(z)dz. (2.35) Com as expressões de T0(r), Tl(r) e Tm−1(r) dadas por (2.33), (2.34) e (2.35), respectivamente, obtemos o seguinte resultado que nos dá os zeros da F . Lema 2.2.1 Para a função F dada em (2.10) e m = 1, 2, . . . , n valem as seguintes afirmações. (a) sign[F (2m)] = (−1)m−1. (b) sign[F (2m + 1)] = (−1)m. Segue desse lema que F possui sinais opostos em 2m e 2m + 1. Portanto existe r∗ ∈ (2m, 2m + 1) tal que F (r∗) = 0. Na sequência, mostramos que r∗ é o único zero de F em [2m − 1, 2m + 1] e que este zero é simples, isto é, F ′(r∗) �= 0. Inicialmente estudamos o sinal da primeira derivada da F . Sabemos por (2.11) que para 0 ≤ r ≤ 1 a derivada é constante, ou seja, F ′(r) = 1/2. Consideramos 2m − 1 ≤ r ≤ 2m + 1 com m ∈ {1, 2, . . . , n} e aplicamos a mudança de variável θ −→ z = sen θ na equação (2.15). Usando (2.12), (2.13), (2.31) e (2.32) segue que 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 42 F (r) = r π [∫ β1 0 zh(z) dz + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ β2l+1 β2l−1 (z − β2l)h(z) dz + (−1)m ∫ 1 β2m−1 (z − β2m)h(z) dz ] = 1 π [∫ β1 0 rzh(z) dz + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ β2l+1 β2l−1 (rz − 2l)h(z)dz + (−1)m ∫ 1 β2m−1 (rz − 2m)h(z)dz ] . (2.36) Para calcular F ′(r) aplicamos a regra de Leibnitz em cada integral da equação (2.36) e obtemos F ′(r) = 1 π [∫ β1 0 zh(z) dz + β ′ 1(r)rβ1h(β1) + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ β2l+1 β2l−1 zh(z) dz + m−1∑ l=1 (−1)l[β ′ 2l+1(r)(rβ2l+1 − 2l)h(β2l+1)] − m−1∑ l=1 (−1)l[β ′ 2l−1(r)(rβ2l−1 − 2l)h(β2l−1)] + (−1)m (∫ 1 β2m−1 zh(z) dz − β ′ 2m−1(r)(rβ2m−1 − 2m)h(β2m−1) )] . (2.37) Por (2.12) temos que rβk = k e a soma dos termos não-integrais em (2.37) se cancelam. Para 0 ≤ z < 1, definimos a função u(z) = zh(z) = 2z2 √ 1 − z2 , (2.38) e então a igualdade (2.37) pode ser reescrita por F ′(r) = 1 π [∫ β1 0 u(z)dz + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ β2l+1 β2l−1 u(z)dz + (−1)m ∫ 1 β2m−1 u(z)dz ] . (2.39) De maneira análoga à demonstração Lema 2.2.1, apresentamos o seguinte resultado. Lema 2.2.2 Para a função F dada em (2.10) e m = 1, 2, . . . , n valem as seguintes afirmações. (a) sign[F ′(2m)] = (−1)m. (b) sign[F ′(2m + 1)] = (−1)m. 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 43 Para verificar que os zeros da função F (r) são simples, também precisamos saber o sinal de sua segunda derivada. Por (2.11) temos que F ′′(r) = 0, (2.40) para 0 ≤ r < 1. Quando r ≥ 1, consideramos que 2m − 1 ≤ r ≤ 2m + 1 para um certo inteiro positivo m. Assumimos primeiramente que 2m − 1 < r < 2m + 1. Aplicamos a regra de Leibnitz em cada integral de (2.39) e obtemos F ′′(r) = 1 π [ β ′ 1(r)u(β1) + m−1∑ l=1 (−1)l [ β ′ 2l+1(r)u(β2l+1) − β ′ 2l−1(r)u(β2l−1) ] − (−1)mβ ′ 2m−1(r)u(β2m−1) ] . (2.41) Identificamos por ζ∗ l = β ′ 2l+1(r)u(β2l+1), ζ∗∗ l = −β ′ 2l−1(r)u(β2l−1), ζ1 = β ′ 1(r)u(β1), ζm = −β ′ 2m−1(r)u(β2m−1). Assim, a igualdade (2.41) pode ser reescrita da seguinte maneira F ′′(r) = 1 π [ ζ1 + m−1∑ l=1 (−1)l[ζ∗ l + ζ∗∗ l ] − (−1)mζm ] = 1 π [ (ζ1 − ζ∗∗ 1 ) + (−ζ∗ 1 + ζ∗∗ 2 ) + (ζ∗ 2 − ζ∗∗ 3 ) + · · · · · · + ( (−1)m−2ζ∗ m−2 + (−1)m−1ζ∗∗ m−1 ) + ( (−1)m−1ζ∗ m−1 + (−1)mζm ) ] = 1 π [ 2β ′ 1(r)u(β1) + 2 m−1∑ l=1 (−1)lβ ′ 2l+1(r)u(β2l+1) ] . (2.42) Definimos a função v(z) = zu(z) = 2z3 √ 1 − z2 , (2.43) para 0 ≤ z < 1. Segue de (2.12) que β ′ k(r) = −βk(r)/r e então reescrevemos (2.42) como F ′′(r) = 2 π [ −β1(r) r u(β1) + m−1∑ l=1 (−1)l ( −β2l+1(r) r ) u(β2l+1) ] = 2 πr [ −v(β1) + m−1∑ l=1 (−1)l+1v(β2l+1) ] = 2 πr m∑ l=1 (−1)lv(β2l−1). (2.44) 2.2. Demonstração do Teorema 2.0.1 44 Utilizamos a expressão (2.44) de F ′′(r) para obter o seguinte resultado. Lema 2.2.3 A função F dada em (2.10) é de classe C2 exceto nos inteiros positivos ı́mpares. Para os valores 2m − 1 < r < 2m + 1 com m = 1, 2, . . . , n, temos sign[F ′′(r)] = (−1)m. Pelos Lemas 2.2.1−2.2.3, temos que os gráficos qualitativos das funções F ,F ′ e F ′′ no intervalo (2m − 1, 2m + 1) são dados pelas Figuras 2.3 e 2.4, de acordo com a paridade de m. Com isso, é quase imediata a prova do seguinte resultado 2m−1 2m+1 F (r) F ′(r) F ′′(r) Figura 2.3: Gráficos das funções F (r), F ′(r) e F ′′(r) para 2m − 1 < r < 2m + 1 com m ı́mpar. 2m−1 2m+1 F (r) F ′(r) F ′′(r) Figura 2.4: Gráficos das funções F (r), F ′(r) e F ′′(r) para 2m − 1 < r < 2m + 1 com m par. Proposição 2.2.1 Para 2m−1 ≤ r ≤ 2m+1 com m = 1, 2, . . . , n, a função F dada em (2.10) possui um único zero r∗. Além disso, esse zero satisfaz 2m < r∗ < 2m+1, e é simples. 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 45 Demonstração: Consideramos m ı́mpar, o caso m par é análogo. Pelo Lema 2.2.1, temos que F (2m − 1) > 0, F (2m) > 0 e F (2m + 1) < 0. (2.45) Então, pelo Teorema do Valor Intermediário, conclúımos a existência de pelo menos um valor r∗ ∈ (2m, 2m + 1) tal que F (r∗) = 0. Segue do Lema 2.2.2 que F ′(2m − 1) > 0, F ′(2m) < 0 e F ′(2m + 1) < 0, (2.46) enquanto que pelo Lema 2.2.3 temos F ′′(r) < 0 para 2m−1 < r < 2m+1. Portanto, temos que F ′ é estritamente decrescente para 2m − 1 < r < 2m + 1, o que implica F ′(r∗) < 0. Ou seja, r∗ é um zero simples da função F . A unicidade segue de um argumento usual. Assumimos que F possui um outro zero simples r∗∗ com 2m − 1 < r∗∗ < 2m + 1. Então, visto que F (r) é C2 em (2m − 1, 2m + 1), pelo Teorema de Rolle temos que existe r ∈ (r∗, r∗∗) tal que F ′(r) = 0. Como F ′(r) é sempre negativa para 2m < r < 2m + 1, temos 2m − 1 < r∗∗ < r < 2m. (2.47) Observamos que necessariamente devemos ter r∗∗ < 2m, pois caso contrário, se r∗∗ = 2m segue de (2.45) que F (r∗∗) > 0, o que contradiz a hipótese de r∗∗ ser um zero da função F . Por outro lado, se r∗∗ > 2m, segue do Teorema de Rolle que para algum valor entre r∗∗ e r∗ a derivada de F se anula, contrariando o fato de F ′(r) ser sempre negativa em 2m < r < 2m + 1. Por (2.47), sendo F ′ monótona decrescente, segue que F ′(r∗∗) > F ′(r) = 0 e além disso, por (2.46) e (2.47) temos também que F ′(r) > 0 para 2m− 1 ≤ r ≤ r∗∗, ou seja, F (r) é crescente para 2m − 1 ≤ r ≤ r∗∗. Portanto, conclúımos que F (r∗∗) > F (2m − 1) > 0, o que é uma contradição. Com isso, segue que r∗ é único. � Finalmente, pela Proposição 2.2.1 temos que para cada intervalo (2m−1, 2m+1) com m = 1, 2, . . . , n, existe um único rm tal que F (rm) = 0 e F ′(rm) �= 0. Dáı, aplicamos o Teorema 1.2.1 e conclúımos que o sistema (2.1) possui pelo menos n ciclos limites hiperbólicos na faixa |x| ≤ 2n + 2, o que finaliza a prova do Teorema 2.0.1. � 2.3 Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 2.3.1 Demonstração do Lema 2.2.1 (a) Por (2.30) temos que para r > 0 sign[F (r)] = sign [ T0(r) + m−1∑ l=1 (−1)lTl(r) ] . (2.48) 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 46 Para r = 2m, por (2.12) e (2.33) temos T0(2m) = ∫ 1 2m 0 zh(z)dz + ∫ 1 m 1 2m ( 1 m − z ) h(z)dz > 0, pois ambos integrandos são positivos. Analogamente, por (2.34) e (2.35) segue que Tl(2m) = ∫ l m + 1 2m l m ( z − l m ) h(z)dz + ∫ l+1 m l m + 1 2m ( l + 1 m − z ) h(z)dz > 0, para l = 1, 2, . . . , m − 1. Além disso, a função h é estritamente crescente em (0, 1). Visto que os intervalos de integração nas integrais de T0(2m) e Tl(2m) têm sempre o mesmo comprimento, 1/2m, segue que 0 < T0(2m) < T1(2m) < T2(2m) < · · · < Tm−2(2m) < Tm−1(2m), e então, por propriedade elementar de soma alternada de sequência monótona, segue de (2.48) que o sinal de F (2m) é dado pelo sinal do último termo da soma, ou seja, (−1)m−1. (b) A prova deste item é um pouco mais trabalhosa. Consideramos primeiro m ≥ 2. Assim como no item (a), por (2.33) e (2.34), temos que T0(2m + 1) = ∫ 1 2m+1 0 zh(z)dz + ∫ 2 2m+1 1 2m+1 ( 2 2m + 1 − z ) h(z)dz > 0, e Tl(2m + 1) = ∫ 2l+1 2m+1 2l 2m+1 ( z − 2l 2m + 1 ) h(z)dz + ∫ 2l+2 2m+1 2l+1 2m+1 ( 2l + 2 2m + 1 − z ) h(z)dz > 0, para l = 1, 2, . . . , m − 2. Porém, o sinal de Tm−1(2m + 1) = ∫ 2m−1 2m+1 2m−2 2m+1 ( z − 2m − 2 2m + 1 ) h(z)dz + ∫ 1 2m−1 2m+1 ( 2m 2m + 1 − z ) h(z)dz, não é tão claro, pois na segunda integral a função passa de valores positivos a valores negativos. Mesmo assim, como estamos considerando m ≥ 2, podemos assegurar novamente que 0 < T0(2m + 1) < T1(2m + 1) < T2(2m + 1) < · · · < Tm−2(2m + 1), pois os intervalos de integração possuem o mesmo comprimento, 1/(2m + 1), e a função h é estritamente crescente em (0, 1). Consideramos a seguinte afirmação Afirmação 2.3.1 Tm−1(2m + 1) < 0 para m = 1, 2, . . . , n. 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 47 Antes de provar a Afirmação 2.3.1 notamos que para m = 1, T0(3) < 0 o que implica por (2.48) que F (3) < 0. Assim, pelo mesmo argumento do item (a), para m ≥ 2 segue por (2.48) e pela Afirmação 2.3.1 que sign[F (2m + 1)] = sign[ T0(2m + 1) − T1(2m + 1) + · · · · · · + (−1)m−2Tm−2(2m + 1) + (−1)m−1Tm−1(2m + 1)] = sign[ T0(2m + 1) − T1(2m + 1) + · · · · · · + (−1)m−2(Tm−2(2m + 1) − Tm−1(2m + 1))] = (−1)m−2 = (−1)m, o que prova o item (b). Provamos agora a Afirmação 2.3.1. Sabemos por (2.29) que Tm−1(2m + 1) = −g ( 2m − 2 2m + 1 ) + 2g ( 2m − 1 2m + 1 ) − g(1) = ( −g ( 2m − 2 2m + 1 ) + g ( 2m − 1 2m + 1 )) + ( g ( 2m − 1 2m + 1 ) − g(1) ) . Então, a desigualdade a ser provada é equivalente à g(1) − g ( 2m − 1 2m + 1 ) > g ( 2m − 1 2m + 1 ) − g ( 2m − 2 2m + 1 ) . (2.49) Fixamos δ = 1/(2m + 1) e reescrevemos a desigualdade (2.49) como g(1) − g(1 − 2δ) > g(1 − 2δ) − g(1 − 3δ). Como g′(x) = 2 √ 1 − x2, pelo Teorema Fundamental do Cálculo basta mostrar que∫ 1 1−2δ √ 1 − x2 dx > ∫ 1−2δ 1−3δ √ 1 − x2 dx. (2.50) Como o valor máximo de δ é 1/3, é suficiente provar que a desigualdade (2.50) vale para 0 < δ ≤ 1/3, mas sem custo adicional mostramos que a desigualdade vale para 0 < δ ≤ 2/3, pois isso facilita a interpretação geométrica em termos de área. Consideramos para 0 ≤ δ ≤ 2/3 a função ρ(δ) = ∫ 1 1−2δ √ 1 − x2 dx − ∫ 1−2δ 1−3δ √ 1 − x2 dx. (2.51) Denotamos por ρ1(δ) = ∫ 1 1−2δ √ 1 − x2 dx e ρ2(δ) = ∫ 1−2δ 1−3δ √ 1 − x2 dx. 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 48 Notamos que ρ(0) = 0. Para calcular ρ′ 2(δ) aplicamos a regra de Leibnitz em ρ2(δ) = ∫ v(δ) u(δ) f(x, δ)dx, onde u(δ) = 1 − 3δ, v(δ) = 1 − 2δ, f(x, δ) = √ 1 − x2 e por (1.47) e (1.50) obtemos ρ′ 2(δ) = ∫ v(δ) u(δ) ∂f(x, δ) ∂δ dx + f(v(δ), δ)v′(δ) − f(u(δ), δ)u′(δ) = −2 √ 1 − (1 − 2δ)2 + 3 √ 1 − (1 − 3δ)2 = −4 √ δ − δ2 + 3 √ 6δ − 9δ2. (2.52) Analogamente, obtemos ρ′ 1(δ) = 4 √ δ − δ2. (2.53) Assim, para 0 < δ < 2/3 segue de (2.51),(2.52) e (2.53) que ρ′(δ) = 8 √ δ − δ2 − 3 √ 6δ − 9δ2 = 3 √ 3δ − 9δ2 ( 4 √ 6 √ 1 − δ 9 √ 1 − 3δ/2 − 1 ) > 0. Logo, temos que ρ(δ) é crescente e como ρ(0) = 0, segue que ρ(δ) > 0 para 0 < δ ≤ 2/3. Dáı, a desigualdade (2.49) é válida e conclúımos que Tm−1(2m + 1) < 0, já que 0 < ρ(1/(2m + 1)) < · · · < ρ(1/7) < ρ(1/5) < ρ(1/3), o que implica T0(3) < T1(5) < T2(7) < · · · < Tm−1(2m + 1) < 0, para m = 1, 2, . . . , n. Com isso, está completa a prova do Lema 2.2.1. � 2.3.2 Demonstração do Lema 2.2.2 Provamos inicialmente o item (b). Por (2.39) e usando (2.12) temos F ′(2m + 1) = 1 π [∫ 1 2m+1 0 u(z)dz + m−1∑ l=1 (−1)l ∫ 2l+1 2m+1 2l−1 2m+1 u(z)dz + (−1)m ∫ 1 2m−1 2m+1 u(z)dz ] . (2.54) Denotamos por T ∗ 0 (2m + 1) = ∫ 1 2m+1 0 u(z)dz, T ∗ m(2m + 1) = ∫ 1 2m−1 2m+1 u(z)dz, 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 49 e para l = 1, 2, . . . , m − 1 T ∗ l (2m + 1) = ∫ 2l+1 2m+1 2l−1 2m+1 u(z)dz. Reescrevemos então a igualdade (2.54) como F ′(2m + 1) = 1 π [ T ∗ 0 (2m + 1) + m−1∑ l=1 (−1)lT ∗ l (2m + 1) + (−1)mT ∗ m(2m + 1) ] . (2.55) Notamos que a função u(z) é positiva e monótona crescente em (0, 1). Além disso, todas as integrais de (2.54), exceto ∫ 1/(2m+1) 0 , possuem o mesmo comprimento de intervalo: 2/(2m + 1). Logo 0 < T ∗ 0 (2m + 1) < T ∗ 1 (2m + 1) < · · · < T ∗ m−1(2m + 1) < T ∗ m(2m + 1). Portanto, em (2.55) obtemos uma soma alternada de termos que aumentam em magnitude, de modo que o seu sinal coincide com o sinal do último termo, ou seja sign[F ′(2m + 1)] = sign[T ∗ 0 (2m + 1) − T ∗ 1 (2m + 1) + T ∗ 2 (2m + 1) · · · · · · + (−1)m−1T ∗ m−1(2m + 1) + (−1)mT ∗ m(2m + 1)] = (−1)m, o que prova o item (b). Provamos agora o item (a). Denotamos por ξ∗l = ∫ β2l β2l−1 u(z)dz, ξ∗∗l = ∫ β2l+1 β2l u(z)dz, ξ1 = ∫ β1 0 u(z)dz, ξm = ∫ 1 β2m−1 u(z)dz, e reescrevemos a equação (2.39) da seguinte maneira F ′(r) = 1 π [∫ β1 0 u(z)dz + m−1∑ l=1 (−1)l (∫ β2l β2l−1 u(z)dz + ∫ β2l+1 β2l u(z)dz ) + (−1)m ∫ 1 β2m−1 u(z)dz ] = 1 π [ ξ1 + m−1∑ l=1 (−1)l (ξ∗l + ξ∗∗l ) + (−1)mξm ] 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 50 = 1 π [ (ξ1 − ξ∗1) + (ξ∗2 − ξ∗∗1 ) + (−ξ∗3 + ξ∗∗2 ) + · · · · · · + (−1)m−1 ( ξ∗m−1 − ξ∗∗m−2 ) + (−1)m ( ξm − ξ∗∗m−1 ) ] = 1 π [ −(ξ∗1 − ξ1) + m−1∑ l=2 (−1)l(ξ∗l − ξ∗∗l−1) + (−1)m(ξm − ξ∗∗m−1) ] = 1 π [ (−1) (∫ β2 β1 u(z)dz − ∫ β1 0 u(z)dz ) + m−1∑ l=1 (−1)l (∫ β2l β2l−1 u(z)dz − ∫ β2l−1 β2l−2 u(z)dz ) + (−1)m (∫ 1 β2m−1 u(z)dz − ∫ β2m−1 β2m−2 u(z)dz )] . (2.56) Logo, segue de (2.56) e (2.12) que F ′(2m) = 1 π [ (−1) (∫ 2 2m 1 2m u(z)dz − ∫ 1 2m 0 u(z)dz ) + m−1∑ l=1 (−1)l (∫ 2l 2m 2l−1 2m u(z)dz − ∫ 2l−1 2m 2l−2 2m u(z)dz ) + (−1)m (∫ 1 2m−1 2m u(z)dz − ∫ 2m−1 2m 2m−2 2m u(z)dz )] = 1 π m∑ l=1 (−1)lal(m), (2.57) onde al(m) = ∫ 2l 2m 2l−1 2m u(z)dz − ∫ 2l−1 2m 2l−2 2m u(z)dz > 0, (2.58) para l = 1, 2, . . . , m, pois temos que a função u(z) é positiva, monótona crescente em (0, 1) e as duas integrais possuem o mesmo comprimento de intervalo 1/(2m). Por (2.57) e (2.58) temos que F ′(2) < 0. Assim pelo mesmo argumento usado no item anteior, para encerrar a prova de (a), é suficiente mostrar que para m ≥ 2 a1(m) < a2(m) < · · · < am−1(m) < am(m). (2.59) Fixamos δ = 1/(2m) e consideramos a função G(x) = ∫ x+δ x u(z)dz − ∫ x x−δ u(z)dz, 2.3. Demonstração dos Lemas 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 51 para δ ≤ x ≤ 1 − δ. Observamos que para l = 1, 2, . . . , m al(m) = G ( 2l − 1 2m ) , (2.60) e que se a função G é crescente, então (2.59) é válida. Calculamos a primeira derivada de G utilizando a regra de Leibnitz e obtemos G′(x) = (∫ x+δ x ∂u(z) ∂x dz + u(x + δ) − u(x) ) − (∫ x x−δ ∂u(z) ∂x dz + u(x) − u(x − δ) ) = u(x + δ) − 2u(x) + u(x − δ), (2.61) para δ ≤ x < 1 − δ. Notamos que lim x→(1−δ)− G′(x) = +∞, pois quando x −→ (1− δ)− temos que (x+ δ) −→ 1− e por (2.38) u(x+ δ) −→ +∞, o que implica que G não possui derivada c