UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA REALIZADO JUNTO AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE BAURU/SP, AO BIOPARQUE DE POMERODE/SC E AO CENTRO DE MEDICINA E PESQUISA DE ANIMAIS SELVAGENS (CEMPAS) DE BOTUCATU/SP Revisão de literatura: Principais causas de atendimento de tamanduá- bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre Débora Andrade Quintino JABOTICABAL – S.P. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA REALIZADO JUNTO AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE BAURU/SP, AO BIOPARQUE DE POMERODE/SC E AO CENTRO DE MEDICINA E PESQUISA DE ANIMAIS SELVAGENS (CEMPAS) DE BOTUCATU/SP Revisão de literatura: Principais causas de atendimento de tamanduá- bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre Débora Andrade Quintino Orientador: Prof. Dr. José Mauricio Barbanti Duarte Supervisores: M.V. Lauro Leite Soares Neto, M.V. Rafael Sales Pagani e Profa. Dra. Sheila Canevese Rahal Relatório do Estágio Curricular em Prática Veterinária apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Câmpus de Jaboticabal, Unesp, para graduação em Medicina Veterinária. JABOTICABAL – S.P. 1º SEMESTRE DE 2024 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Q7r Quintino, Débora Andrade RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA REALIZADO JUNTO AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE BAURU, AO BIOPARQUE DE POMERODE E AO CENTRO DE MEDICINA E PESQUISA DE ANIMAIS SELVAGENS DE BOTUCATU : Revisão de literatura: Principais causas de atendimento de tamanduá- bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre / Débora Andrade Quintino. -- Jaboticabal, 2024 83 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal Orientadora: José Mauricio Barbanti Duarte 1. Medicina Veterinária. 2. Animais Selvagens. 3. Tamanduá-bandeira. I. Título. DÉBORA ANDRADE QUINTINO Revisão de literatura: Principais causas de atendimento de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre Relatório de Estágio Curricular em Prática Veterinária apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal, para obtenção do título de Bacharel em Medicina Veterinária. Orientador: Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte Área de Concentração: Clínica e Cirurgia Veterinária Data da defesa: 05/07/2024 (X) Aprovado ( ) Reprovado Banca Examinadora: Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte UNESP – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Campus de Jaboticabal MV Me. Cláudia Maria Herédias Ribas UNESP – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Campus de Jaboticabal MV Me. Ricardo Shoiti Ichikawa UNESP – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – Campus de Botucatu Profa. Dra. Paola Castro Moraes Coordenadora de Estágios (CEGRA) Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Seção Técnica de Graduação Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, s/n CEP 14884-900 Jaboticabal/SP - Brasil Tel (16) 3209 7106 e-mail: graduacao.fcav@unesp.br - www.fcav.unesp.br Câmpus Jaboticabal mailto:graduacao.fcav@unesp.br http://www.fcav.unesp.br/ v LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Foto da entrada do Zoológico de Bauru .................................................. 10 FIGURA 2 - Fotos das estruturas do Setor Veterinário do Zoológico de Bauru. A) Foto da ala de internação B) Foto do Hospital Veterinário………………………………….11 FIGURA 3 - Foto do ambulatório do Zoológico de Bauru ........................................... 11 FIGURA 4 - Foto de um Tigre-siberiano (Panthera tigris tigris), sob contenção química para check up sanitário ..................................................................................... …………13 FIGURA 5 - Foto de um mandril (Mandrillus sphinx) em sessão de treinamento de condicionamento operante .............................................................................................. 13 FIGURA 6 - Foto de necropsia de uma onça-pintada melânica (Panthera onca) ........................................................................................................................ 14 FIGURA 7 - Foto de um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) recebido após atropelamento ................................................................................................................... 15 FIGURA 8 - Foto de uma onça-parda (Puma concolor) em procedimento cirúrgico ............................................................................................................................ 15 FIGURA 9 - Foto da entrada do Zoológico de Pomerode ............................................ 19 FIGURA 10 - Foto da Clínica Veterinária do Zoológico de Pomerode ....................... 19 FIGURA 11 - Foto da área de setor extra do Zoológico de Pomerode ...................... 20 FIGURA 12 - Foto de planilha de planejamento dos enriquecimentos a serem fornecidos aos animais do Bioparque de Pomerode, com organização diária, semanal e mensal, especificando tipo de enriquecimento a ser aplicado para cada grupo de animais… ......................................................................................................... 24 FIGURA 13 - Foto de formas de plástico preenchidas com água e frutas congeladas, fornecidas como sorvetes em forma de enriquecimento alimentar para animais do Bioparque de Pomerode .................................................................................................. 25 FIGURA 14 - Foto de um mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) em seu recinto interagindo com enriquecimento no Bioparque de Pomerode .................................... 26 FIGURA 15 - Foto de estagiárias do Bioparque de Pomerode realizando tratamento de ferida em um tatu-de-rabo-mole (Cabassous unicinctus) .................................... 28 vi FIGURA 16 - Fotos do manejo do serpentário do Bioparque de Pomerode A) Foto de Leitor de microchip e termômetro B) Foto de serpentes que dividem o mesmo recinto dispostas em caixas plásticas para serem alimentadas separadamente C) Foto de Planilha de alimentação do serpentário. ........................................................................ 30 FIGURA 17 - Foto da entrada do CEMPAS ............................................................. 34 FIGURA 18 - Fotos das estruturas físicas do Cempas. A) Foto da Sala Cirúrgica do Cempas B) Foto do Ambulatório 1 do Cempas ........................................................ 34 FIGURA 19 - Foto da bancada de preparação das alimentações dos animais internados no Cempas. ........................................................................................... 36 FIGURA 20 - Foto das alimentações preparadas pelos estagiários para animais internados no Cempas. ................................................................................................... 36 FIGURA 21 - Foto de contenção física demonstrativa de jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) em curso de contenção física de animais selvagens fornecido pelo Cempas ao corpo de policiais ambientais do município de Botucatu/SP ..................................................................................................................... 37 FIGURA 22 - Fotos de filhotes órfãos recebidos pelo Cempas. A) Foto de filhotes de tucano-toco (Ramphastos toco). B) Foto de alimentação de filhote de ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) ............................................................................................. 37 FIGURA 23 - Fotos de coletas de sangue em répteis realizadas por estagiários do Cempas. A) Foto de coleta de sangue de tigre-d 'água (Trachemys dorbigni) em veia cefálica. B) Foto de coleta de sangue de jiboia (Boa constrictor) em veia coccígea ventral ............................................................................................................................... 38 FIGURA 24 - Foto de tratamento de lesão com exposição óssea em membro pélvico com fratura de Seriema (Cariama cristata), que fazia parte do projeto de pesquisa da pós-graduação do Cempas com tratamento de feridas de aves com membrana PRF (plasma rico em fibrina) ............................................................................................ 38 FIGURA 25 - Foto de equipe de Residentes e Estagiários do Cempas em procedimento cirúrgico de tigre-siberiano (Panthera tigris altaica) .......................... 39 FIGURA 26 - Fotos de posicionamento, contenção física e química de animais para exames de Imagem no Cempas. A) Foto de contenção física e posicionamento de ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) para Raio X. B) Foto de posicionamento de Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) em contenção química para Raio X ............... 39 vii FIGURA 27 - Foto de um Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) sob contenção química para Check-up sanitário no Cempas. ........................................ 40 FIGURA 28 - Gráfico representativo da origem (vida livre e pet) dos animais acompanhados na rotina do CEMPAS .......................................................................... 42 FIGURA 29 - Foto de um tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) morto atropelado em beira de rodovia no Mato Grosso do sul ........................................... 51 FIGURA 30 - Foto de membros anteriores e cabeça de um tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) com marcas de ataque de arma branca ..................... 57 FIGURA 31 - Tapete feito com pelagem de tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) em propriedade rural no Paraná ............................................................. 59 FIGURA 32 - Foto de um tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) com lesões causadas por queimaduras.………………………………………………………………65 FIGURA 33 - Foto de um filhote de tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) sendo alimentado sob cuidados humanos .............................................................. 66 FIGURA 34 - Tabela de análises com base na matéria seca do conteúdo estomacal de 24 tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) comparadas com dietas insetívoras comerciais selecionadas, valores da literatura para cupins. .................. 70 viii LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Quadro demonstrativo da quantidade de animais acompanhados nas atividades de rotina veterinária no Zoológico de Bauru .............................................. 16 TABELA 2 - Distribuição das frequências de atendimento por classe de animais do Zoológico de Bauru ......................................................................................................... 16 TABELA 3 - Total dos atendimentos por grupos taxonômicos de mamíferos do Zoológico de Bauru ......................................................................................................... 17 TABELA 4 - Total dos atendimentos dos grupos taxonômicos de répteis realizados no Zoológico de Bauru .................................................................................................... …..17 TABELA 5 - Total dos atendimentos realizados nas diferentes famílias de aves no Zoológico de Bauru ......................................................................................................... 18 TABELA 6 - Relação de animais em tratamento e principal suspeita ou diagnóstico estabelecido ...................................................................................................................... 27 TABELA 7 - Relação de necropsias acompanhadas, principais alterações encontradas e diagnóstico estabelecido ........................................................................ 32 TABELA 8 - Relação entre a quantidade de animais acompanhados nas atividades de rotina veterinária no BioParque de Pomerode ........................................................ 33 TABELA 9 - Relação entre casuística e porcentagem dos casos recebidos no cempas durante o período de estágio ........................................................................... ………..41 TABELA 10 - Total de distribuição de frequências por classe de animais do Cempas. .................................................................................................................. 41 TABELA 11 - Grupos taxonômicos de mamíferos recebidos pelo Cempas. ........... 42 TABELA 12 - Grupos taxonômicos de aves recebidas pelo Cempas. ....................... 43 TABELA 13 - Grupos taxonômicos de répteis recebidos pelo Cempas. ................. 44 ix SUMÁRIO I. RELATÓRIO................................................................................................. 9 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9 2. Zoológico Municipal de Bauru ........................................................................ 10 2.1 Descrição do local de estágio ..................................................................... 10 2.2 Descrição das atividades desenvolvidas ................................................... 11 2.2.1 Clínica Médica .................................................................................... 12 2.2.2 Inspeção de Recintos ......................................................................... 12 2.2.3 Manejo Preventivo .................................................................................... 12 2.2.4 Treinamento de Condicionamento Operante ..........................................13 2.2.5 Necropsia .................................................................................................... 14 2.2.6 Animais provenientes de vida livre ...................................................... 14 2.2.7 Cirurgias… .................................................................................................. 15 2.3 Casuística ...................................................................................................... 15 3. Bioparque Zoo Pomerode ................................................................................. 18 3.1 Descrição do local de estágio ....................................................................... 18 3.2 Descrição das atividades desenvolvidas ...................................................... 20 3.2.1 Condicionamentos… .................................................................................. 22 3.2.2 Enriquecimentos… ...................................................................................... 23 3.2.3 Clínica Médica ............................................................................................ 27 3.2.4 Nutrição ........................................................................................................ 29 3.2.5 Manejo ........................................................................................................ 29 3.2.6 Animais provenientes de vida livre ...................................................... 31 3.2.7 Inspeção de Recintos. ......................................................................... 32 3.2.8 Necrópsia .................................................................................................... 32 3.3 Casuística ...................................................................................................... 33 4. CEMPAS - Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens da UNESP FMVZ - Campus de Botucatu ................................................................................ 34 x 4.1 Descrição do local de estágio ....................................................................... 34 4.2 Descrição das atividades desenvolvidas ..................................................... 36 4.2.1 Manejo ........................................................................................................ 36 4.2.2 Ambulatório................................................................................................. 38 4.3 Casuística ....................................................................................................... 41 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 45 11 II. REVISÃO DE LITERATURA: Principais Causas de Atendimento de Tamanduás-Bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) de Vida Livre ...................... 47 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 47 2. Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) .......................................... 48 2.1 Distribuição Geográfica ............................................................................. 49 3. AMEAÇAS AO TAMANDUÁ-BANDEIRA (MYRMECOPHAGA TRIDACTYLA) NO BRASIL .................................................................................................................. 51 3.1 Degradação e Fragmentação do habitat natural ......................................... 51 3.2 Rodovias e Colisões Veiculares .................................................................... 52 3.3 Pesticidas e Agrotóxicos ............................................................................... 56 3.4 Caça e Tráfico .................................................................................................. 57 3.5 Queimadas ...................................................................................................... 60 4. CASUÍSTICA ....................................................................................................... 62 4.1 Fraturas e Traumas ......................................................................................... 62 4.2 Queimaduras .................................................................................................. 64 4.3 Filhotes Órfãos ................................................................................................ 65 4.4 Ataque por cães.............................................................................................. 66 5. PARTICULARIDADES E CLÍNICA ..................................................................... 68 6. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 72 12 I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 1. INTRODUÇÃO O estágio curricular supervisionado, que ocorre durante o décimo período da graduação em Medicina Veterinária, desempenha um papel crucial como ferramenta essencial para os estudantes dessa área, por ser o momento de colocar em prática tudo o que foi aprendido durante o curso. Dada a vasta gama de especializações dentro da profissão, esse momento oferece aos graduandos a oportunidade única de aprimorar seus conhecimentos de maneira prática nas áreas que mais despertam seu interesse. O presente estágio obrigatório foi realizado nas áreas de manejo, clínica médica e cirurgia, bem-estar e reabilitação de animais selvagens, sendo dividido em três etapas, que serão descritas a seguir. A primeira etapa do estágio foi realizada no período de 01 a 31 de agosto de 2023, sob supervisão do Médico Veterinário Lauro Leite Soares Neto, chefe do setor de Veterinária do Parque Zoológico Municipal de Bauru, localizado em Bauru, São Paulo. Pude acompanhar as atividades do setor durante cinco semanas, o que totalizou 215 horas. A segunda etapa foi realizada junto ao BioParque Zoo Pomerode, no período de 04 a 29 de setembro de 2023, na cidade de Pomerode-SC, sob supervisão do Médico Veterinário e Responsável Técnico Rafael Sales Pagani, totalizando quatro semanas, equivalentes a 153 horas de trabalho. A última etapa do estágio foi supervisionada pela Profa. Dra. Sheila Canevese Rahal, professora responsável pelo CEMPAS - Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens da FMVZ - UNESP Câmpus de Botucatu/SP. O estágio compreendeu o período de 02 de outubro a 30 de novembro de 2023, totalizando 320 horas de trabalho, divididas em nove semanas. A seguir, serão descritas as atividades realizadas ao longo do estágio supervisionado, bem como uma revisão de literatura sobre o tema “Principais Causas de Atendimento de Tamanduás-Bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) de Vida Livre”. 13 2. Zoológico Municipal de Bauru 2.1 Descrição do local de estágio O Parque Zoológico Municipal de Bauru está localizado no Km 232 na Rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (SP-225), no bairro de Vargem Limpa, na cidade de Bauru, São Paulo, e possui 50.000 m² de área construída, em uma área total de 20 hectares. Com uma localização de vegetação preservada, o Zoo abriga uma variedade de espécies da fauna nativa regional que vivem livremente no local. Figura 1: Foto da entrada do Zoológico de Bauru. Fonte: Zoológico de Bauru, 2023 O Zoo de Bauru teve sua inauguração em 1980, sendo hoje referência nacional de preservação e educação ambiental, contando com um acervo de mais de 700 animais, entre eles 170 espécies diferentes. A equipe do Setor Veterinário conta com três Médicos Veterinários. A estrutura física do Setor conta com um setor extra dividido em 3 alas com recintos maiores e recém reformados, para acomodar animais de grande porte em internação. Hospital veterinário que conta com deposito, escritório, clínica ambulatorial, sala para exames de imagem, laboratório equipado com centrífuga e microscópios para análise de amostras, geladeiras para armazenamento de medicações, carcaças e amostras, ante sala e sala cirúrgica, farmácia, esterilização com estufa, sala de filhotes, cozinha e 2 banheiros. Sala de necropsia com câmara fria onde eram armazenadas carcaças de animais mortos por atropelamentos a -20 °C, que eram de interesse científico, posteriormente enviados para Universidades e/ou 14 projetos de pesquisa, bem como carcaças que iriam para taxidermia também encaminhadas para instituições de ensino e pesquisa interessadas. Na internação havia duas salas com gaiolas e caixas para alojamento dos animais em tratamento, bem como uma outra divisória com um freezer para armazenamento das demais carcaças que iriam para descarte e lixo hospitalar também para descarte. A internação possui sistema de aquecimento mantido a 28 °C. Haviam também duas salas de quarentena para animais que chegassem de vida livre, isolada das demais, evitando assim, riscos de contaminações e doenças. Figura 2: Fotos das estruturas do Setor Veterinário do Zoológico de Bauru. A) Foto da ala de Internação B) Foto do Hospital Veterinário Fonte: Arquivo Pessoal Figura 3: Foto do ambulatório do Zoológico de Bauru. Fonte: Arquivo Pessoal 2.2 Descrição das atividades desenvolvidas Durante o período do estágio, acompanhando as atividades da equipe veterinária, a rotina incluía a ronda diária do Zoológico, manejo preventivo semanal das espécies do plantel, treinamento de condicionamento operante de alguns indivíduos, a parte de clínica médica e cirúrgica e recebimento de animais de vida livre 15 ou vindos de apreensão, além de necropsias, sendo possível participar ativamente de todas as atividades. 2.2.1 Clínica Médica Fazia parte da rotina diária da clínica organizar as fichas, preparar e realizar as medicações dos animais em tratamento, sejam aqueles em internação, e outros indivíduos do plantel que necessitavam de cuidados veterinários diários em seus próprios recintos. Além de alimentar os animais que por algum motivo não o faziam sozinhos, como filhotes, ou indivíduos muito debilitados, e trocar curativos de animais feridos ou em pós cirúrgicos. Essa parte clínica de rotina era realizada tanto no início da manhã, quanto ao final da tarde. 2.2.2 Inspeção de Recintos Logo após realizar as medicações diárias, juntamente com o veterinário chefe, íamos realizar a ronda pelo Zoológico. Atividade rotineira muito importante, de verificar todos os recintos, de plantel e setor extra, fazendo a contagem dos animais, verificando se todos se apresentam bem ou se há algum indivíduo apresentando um comportamento estranho, é nesse momento também verificado se não aparenta ter nenhum objeto estranho em recintos e se estão corretamente cambeados e trancados. Nesse momento era comum encontrarmos algo de errado, como objetos dentro de recintos, ou cambiamentos que não foram fechados adequadamente, e até alterações nos animais, necessitando acionar tratadores ou mesmo intervir clinicamente. 2.2.3 Manejo Preventivo A abordagem de medicina preventiva adotada pela instituição destaca-se por sua ênfase na prevenção de doenças antes que se manifestem de maneira significativa. Isso inclui práticas de monitoramento constante, avaliações de saúde regulares e intervenções oportunas para evitar a propagação de condições adversas. Essa abordagem proativa busca não apenas tratar, mas antecipar e prevenir potenciais problemas de saúde. 16 Todas as quartas feiras são realizadas inspeções clínicas de alguma espécie do plantel, sendo escolhidos conforme a necessidade de realização de algum exame, ou em relação a um indivíduo que já fazia mais tempo que não era examinado, os procedimentos eram realizados sob contenção química ou física dependendo da espécie. São avaliados durante o monitoramento anestésico todos os parâmetros fisiológicos, como frequência cardíaca e respiratória. É realizado exame oftálmico, cardíaco e odontológico, feita coleta de amostras de fezes e sangue para exames, os animais são neste momento vacinados e vermifugados, além de serem feitos também exames de imagem (como radiografias ou ultrassonografias) Figura 4: Foto de um Tigre-siberiano (Panthera tigris tigris), sob contenção química para check-up sanitário. Fonte: Arquivo Pessoal 2.2.4 Treinamento de Condicionamento Operante Realizado por uma das veterinárias da equipe, todos os dias dois indivíduos do plantel eram treinados, um Mandril (Mandrillus sphinx) e um Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus), para facilitar o manejo, medicação e realização de exames de rotina, com o menor estresse possível. Apenas esses dois indivíduos eram treinados por motivo de falta de tempo e profissionais no Zoo para a realização do mesmo. Foram escolhidos o mandril, um indivíduo diabético que necessita de cuidados específicos diários, que com o treinamento pode no futuro ter um manejo menos estressante e também mais seguro tanto para ele quanto para a equipe profissional, e no caso do lobo-guará, era um 17 indivíduo jovem, acostumado com a presença humana, e que teria certa facilidade com o treinamento em comparação com outros indivíduos do plantel. Figura 5: Foto de um mandril (Mandrillus sphinx) em sessão de treinamento de condicionamento operante. Fonte: Arquivo Pessoal 2.2.5 Necropsia Quando animais do plantel iam a óbito, necessariamente era realizada a necrópsia pelos Médicos Veterinários do próprio Zoo o quanto antes, a fim de identificar a causa da morte, coletar amostras frescas para análises histopatológicas e poder notar quais alterações esse indivíduo apresentava macroscopicamente. Um caso por exemplo foi a de uma onça-pintada (Panthera onca) que foi encontrada em óbito logo pela manhã no momento de inspeção dos recintos. 18 Figura 6: Foto de necropsia de uma onça-pintada melânica (Panthera onca). Fonte: Arquivo Pessoal 2.2.6 Animais provenientes de vida livre O Zoo de Bauru eventualmente, além dos cuidados com os animais do próprio plantel, também realiza o recebimento e reabilitação de animais selvagens vindos de vida livre que chegam por meio da Polícia Ambiental e do Corpo de Bombeiros. Vítimas das ações humanas no ambiente, como os atropelamentos, queimadas e tráfico, estes animais passam por tratamento veterinário e quando aptos retornam ao ambiente natural. Figura 7: Foto de um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) recebido após atropelamento. Fonte: Arquivo Pessoal 2.2.7 Cirurgias 19 Durante o estágio foi possível acompanhar alguns procedimentos cirúrgicos. Dentre eles, a cirurgia de excisão de neoplasia por sarcoma de aplicação em onça parda (Puma concolor), bem como as cirurgias de 2 pavões-azuis (Pavo cristatus) jovens de amputação de metacarpos. Figura 8: Foto de uma onça-parda (Puma concolor) em procedimento cirúrgico. Fonte: Zoológico de Bauru, 2023 2.3 Casuística O plantel do Zoo é grande, conta com uma vasta variedade de espécies e com muitos animais idosos, muitos indivíduos que recebem tratamento e acompanhamento veterinário diariamente. Tudo isso permitiu que a casuística de atendimento clínico dos animais do plantel fosse alta. Bem como o recebimento de fauna de vida livre e a rotina semanal de manejo preventivo dos animais do plantel. TABELA 1 – QUADRO DEMONSTRATIVO DA QUANTIDADE DE ANIMAIS ACOMPANHADOS NAS ATIVIDADES DE ROTINA VETERINÁRIA NO ZOOLÓGICO DE BAURU Área/Atividade Quantidade de animais acompanhados Animais provenientes de vida livre 15 Cirurgia 3 Clínica 52 Manejo preventivo 16 Necropsia 8 Treinamento condicionamento 2 20 Total de casos 96 Fonte: Zoo de Bauru Durante o estágio supervisionado no Zoológico de Bauru, foram acompanhados 72 pacientes no total. Destes, 17 eram aves, 45 mamíferos e 10 répteis. (TABELA 2). TABELA 2 – DISTRIBUIÇÃO DAS FREQUÊNCIAS DE ATENDIMENTO POR CLASSE DE ANIMAIS DO ZOOLÓGICO DE BAURU Classe Total Frequência relativa (%) Aves 17 23,6 Mamíferos 45 62,5 Répteis 10 13,9 Total 72 100 Fonte: Zoo de Bauru Dentre os mamíferos, a maior prevalência foi de representantes da família Camelidae (camelo, lhama e alpaca), em seguida dos Felídeos (onça-pintada, onça parda, tigre siberiano, gato-do-mato e gato mourisco) e Primatas (mandril, macaco barrigudo, sagui, sauin bicolor, bugio). (TABELA 3). TABELA 3 – TOTAL DOS ATENDIMENTOS POR GRUPOS TAXONÔMICOS DE MAMÍFEROS DO ZOOLÓGICO DE BAURU. Mamíferos Total Frequência relativa (%) Camelídeos (camelo, lhama e alpaca) 14 31,1 Felídeos (onça-parda, gato-mourisco, onça-pintada, gato- do-mato, tigre-siberiano) 6 13,3 Primatas (mandril, macaco-barrigudo, sagui, sauin-bicolor, bugio) 6 13,3 Canídeos (raposa-do-campo, cachorro-do-mato e lobo- guará) 4 8,9 Didelphimorphia (gambá-de-orelha-branca e cuíca) 4 8,9 Cervídeos (cervo-dama e veado-catingueiro) 4 8,9 Mustelídeos (irara) 2 4,4 Rodentia (paca e cutia) 2 4,4 21 Pilosa (tamanduá-bandeira) 1 2,2 Herpestídeos (mangusto-tigrado) 1 2,2 Leporídeos (lebre) 1 2,2 Total 45 100 Fonte: Zoo de Bauru Dentre os répteis atendidos, a prevalência de atendimentos aconteceu em indivíduos da ordem de Squamata (serpentes) (TABELA 4). TABELA 4 - TOTAL DOS ATENDIMENTOS DOS GRUPOS TAXONÔMICOS DE RÉPTEIS REALIZADOS NO ZOOLÓGICO DE BAURU. Répteis Total Frequência relativa (%) Agamidae (pogona) 1 10 Boidae (salamanta) 7 70 Chelidae (cágado-de-barbicha) 1 10 Pythonidae (píton-birmanesa) 1 10 Total 10 100 Fonte: Zoo de Bauru Dentre as aves atendidas, a maior prevalência ocorreu em animais da família Ramphastidae (tucano-toco), seguida de Cathartidae (urubu-de-cabeça-preta) e de Phasianidae (pavão-azul) (TABELA 5). TABELA 5 - TOTAL DOS ATENDIMENTOS REALIZADOS NAS DIFERENTES FAMÍLIAS DE AVES NO ZOOLÓGICO DE BAURU. Aves Total Frequência relativa (%) Ramphastidae (tucano-toco) 4 23,51 Cathartidae (urubu de cabeça-preta) 3 17,64 Phasianidae (pavão) 3 17,64 Nyctibiidae (urutau) 1 5,9 Spheniscidae (pinguim-de-magalhães) 1 5,9 Cuculidae (anu-branco) 1 5,9 22 Falconidae (carcará) 1 5,9 Srigídae (coruja-orelhuda) 1 5,9 Threskiornitídae (coró-coró) 1 5,9 Cracídae (jacutinga) 1 5,9 Total 17 100 Fonte: Zoo de Bauru 3. BioParque Zoo Pomerode 3.1 Descrição do local de estágio O Zoo Pomerode está localizado na Rua Hermann Weege, 180, Centro, Pomerode/SC. Atualmente possui 35.000 m2 de área construída e dispõe de mais 85.000 m2 destinados a futuras ampliações. Ele foi fundado em 1932, sendo inicialmente uma fundação sem fins lucrativos, chamada Fundação Hermann Weege, e somente em 1978 foi classificado como zoológico, sendo a primeira iniciativa privada deste tipo no Brasil. Hoje lá vivem mais de 240 espécies, totalizando aproximadamente 1.000 animais, muitas dessas espécies se encontram ameaçadas de extinção e o Zoo desenvolve e participa de programas de conservação nacionais e internacionais, em parceria com diversas instituições, que auxiliam esses programas, promovendo ações de conscientização, manejo genético, reprodução e abrigo a estas espécies. Figura 9: Foto da entrada do Zoológico de Pomerode. Fonte: Zoológico de Pomerode 23 Para um funcionamento exemplar de bem-estar animal, educação ambiental e conservação das espécies, o Zoo conta com uma equipe de dois Médicos Veterinários, cinco Biólogos, dois Zootecnistas e uma equipe de tratadores que auxiliam na limpeza e manutenção dos recintos, bem como na preparação e distribuição das alimentações dos animais. Figura 10: Foto da Clínica Veterinária do Zoológico de Pomerode. Fonte: Arquivo Pessoal A infraestrutura da Clínica Veterinária conta com um ambulatório, duas salas de internação, uma para mamíferos e outra para aves e répteis, uma sala de enriquecimentos, uma sala de necrópsia e um escritório. Além de setores extras que abrigam animais em tratamento veterinário ou que apenas não estão ainda em exposição por algum motivo. Figura 11: Foto da área de setor extra do Zoológico de Pomerode. Fonte: Arquivo Pessoal 24 3.2 Descrição das atividades desenvolvidas Durante o estágio, as atividades veterinárias incluíam o treinamento diário de condicionamento operante, a administração de medicações e os cuidados com animais em internação ou em seus recintos, quando necessários curativos. Seguimos uma planilha diária para a criação de enriquecimento ambiental adaptado a diferentes grupos de animais. Durante um dia, foi acompanhado o setor de zootecnia, compreendendo os detalhes da nutrição de cada espécie e a organização desse setor dentro do zoológico. Além disso, foi possível participar de atividades realizadas pelos biólogos de manejo. A instituição, com seu foco primordial no bem-estar animal, destaca-se por adotar abordagens inovadoras, centradas no conceito de medicina preventiva e condicionamento operante. O objetivo principal é assegurar o bem-estar físico e psicológico dos animais sob sua tutela, utilizando métodos que minimizem a invasividade e promovam a saúde a longo prazo. O meio não invasivo representa um princípio fundamental dessa instituição, garantindo que as práticas adotadas respeitem a integridade física e emocional dos animais. Isso envolve a implementação de métodos de manejo que minimizem o estresse, promovam a expressão natural de comportamentos e proporcionem um ambiente que atenda às necessidades específicas de cada espécie. Em resumo, a instituição, com sua abordagem centrada no bem-estar, medicina preventiva baseada em condicionamento operante e meio não invasivo, destaca-se como um exemplo de comprometimento com o cuidado ético dos animais sob sua responsabilidade. 3.2.1 Condicionamentos O condicionamento operante é uma prática que facilita a realização de procedimentos veterinários, de forma segura e sem a necessidade de intervenções anestésicas, tendo-se a colaboração dos animais, que respondem aos comandos necessários aprendidos através de treinamento constante. A prática envolve dar instruções aos animais, e quando estes respondem corretamente, o treinador proporciona reforço positivo na forma de recompensas 25 escolhidas de acordo com as preferências individuais e características da espécie. No final de cada sessão, os animais recebem uma recompensa final mais substancial do que as anteriores. Importante ressaltar que as sessões são voluntárias, permitindo que os animais escolham se desejam ou não responder aos comandos, sem a aplicação de reforço negativo. Durante o período de estágio, foram observadas sessões de condicionamento operante envolvendo cinco animais: elefante-asiático (Elephas maximus), girafa (Giraffa giraffa), hipopótamo (Hippopotamus amphibius), zebra (Equus quagga burchellii) e lobo-guará (Chrysocyon brachyurus). Elephas maximus: As práticas eram realizadas duas vezes ao dia com duas fêmeas dessa espécie, os treinamentos eram realizados separadamente e em momentos distintos. O objetivo era inspecionar e manter as unhas e cutículas, além de facilitar a cooperação para coleta de sangue, curativos, procedimentos na cavidade oral e entrada voluntária em caixas de transporte. O médico veterinário Rafael Pagani conduzia diariamente as atividades, enquanto a estagiária era responsável por oferecer recompensas aos animais, como frutas e legumes cortados. Ao final do condicionamento, uma recompensa maior, como melancia, melão ou abacaxi, era fornecida, juntamente com feno de alfafa espalhado pelo recinto. Os animais respondiam aos comandos, como entrar de frente ou de costas nas caixas de transporte, posicionar a pata para inspeção das unhas e abrir a boca. Giraffa giraffa: O treinamento era realizado uma vez ao dia com uma fêmea de 20 anos, que recebia ração, abóbora e cenoura cortadas como recompensa. Os comandos visavam dessensibilizar a região do pescoço para facilitar a coleta de sangue, uma prática já realizada com sucesso anteriormente. Hippopotamus amphibius: O treinamento da família de hipopótamos, composta por três indivíduos, ocorria duas vezes ao dia, sob a responsabilidade de profissionais de educação ambiental e cuidadores capacitados. O objetivo principal era permitir a inspeção e cuidados na cavidade oral. Equus quagga burchellii: Semelhante aos hipopótamos, o treinamento envolvia toda a família, composta por quatro indivíduos, também realizado duas vezes ao dia, com recompensas como cenouras cortadas. O foco principal era realizar a limpeza de uma lesão no membro posterior esquerdo do macho, além de dessensibilizar o filhote ao toque. 26 Chrysocyon brachyurus: Este treinamento ocorria uma vez ao dia com um macho e uma fêmea dessa espécie. Com a fêmea, devido ao comportamento desconfiado, o objetivo principal era aproximá-la da grade, oferecendo recompensas como pedaços de frango e peixes (Anchoviella lepidentostole). Com o macho, eram realizados comandos básicos, como toque de focinho no objeto alvo (target) e permanência no lugar, sendo recompensado com pedaços de frango. Algumas espécies, como chimpanzés e o casuar, eram condicionadas, mas não diariamente, devido às limitações de tempo da equipe. Essas práticas não apenas promoviam o bem-estar dos animais, mas também facilitavam procedimentos veterinários, contribuindo para uma gestão mais eficiente da saúde e cuidado das espécies sob os cuidados do zoológico. 3.2.2 Enriquecimentos O enriquecimento ambiental para animais em cativeiro era uma prática diária meticulosamente coordenada pela Médica Veterinária (MV) Jaqueline Borégio, responsável pela atividade. A implementação seguia uma planilha semanal elaborada pela MV, na qual eram detalhadas orientações específicas em relação aos tipos de enriquecimento, divididos entre cognitivo, sensorial e alimentar. Uma característica notável desse processo era a inclusão abrangente de todos os animais do zoológico no planejamento. Isso englobava não apenas os animais em exibição, mas também aqueles que não estavam visíveis ao público, como os residentes do biotério e os animais em setores extras. O enriquecimento ambiental não se limitava aos habitantes em exposição, pois se estendia de forma equitativa a todos os animais, garantindo que cada espécie recebesse estímulos adequados para promover comportamentos naturais, estimular a mente e proporcionar desafios físicos. A diversificação dos tipos de enriquecimento, seja estimulando o pensamento cognitivo, explorando os sentidos ou abordando as necessidades alimentares, visava aprimorar a qualidade de vida de todos os residentes do zoológico. Essa abordagem abrangente e organizada demonstra o compromisso em proporcionar um ambiente enriquecido e estimulante para todos os animais mantidos 27 sob cuidados humanos, promovendo não apenas seu bem-estar físico, mas também aspectos comportamentais e mentais cruciais para sua saúde global. Figura 12: Foto de planilha de planejamento dos enriquecimentos a serem fornecidos aos animais do Bioparque de Pomerode, com organização diária, semanal e mensal, especificando tipo de enriquecimento a ser aplicado para cada grupo de animais. Fonte: Arquivo Pessoal 28 Ao aplicar técnicas de enriquecimento, uma análise cuidadosa dos fatores envolvidos era conduzida, considerando tanto a individualidade de cada animal quanto o grupo como um todo. Aspectos cruciais, como a escolha do material, a identificação de um local apropriado e a garantia da segurança tanto das pessoas quanto dos animais, eram avaliados. Erros nesse processo poderiam resultar em fugas do recinto, disputas agressivas no grupo e acidentes. A seleção de materiais era pautada em critérios específicos, priorizando aqueles que ofereciam facilidade de higienização e não representavam riscos para os animais. Prevenindo potenciais problemas, evitava-se o uso de materiais com possíveis toxicidades, que pudessem causar alergias, lesões ou criar situações em que os animais pudessem se prender, resultando em ferimentos. A ênfase estava na segurança e no bem-estar dos animais. A opção por materiais reutilizáveis, plantas e frutas da área do zoológico refletia o compromisso com a sustentabilidade e a utilização consciente dos recursos disponíveis. Quando a reutilização não era viável, optava-se por artefatos que podiam ser descartados de maneira segura e ambientalmente responsável. Essa abordagem na escolha e aplicação dos elementos de enriquecimento destacava a preocupação não apenas com a promoção de comportamentos naturais e saudáveis nos animais, mas também com a prevenção de possíveis impactos negativos que poderiam surgir devido a escolhas inadequadas. Figura 13: Foto de formas de plástico preenchidas com água e frutas congeladas, fornecidas como sorvetes em forma de enriquecimento alimentar para animais do Bioparque de Pomerode. Fonte: Arquivo Pessoal 29 Figura 14: Foto de um mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) em seu recinto interagindo com enriquecimento no Bioparque de Pomerode. Fonte: Arquivo Pessoal 3.2.3 Clínica Médica No manejo veterinário diário, diversas situações foram enfrentadas com o intuito de promover o bem-estar e a saúde dos animais internados ou que precisavam de cuidados, mas em seus próprios recintos. Abaixo, estão registradas algumas dessas ocorrências: TABELA 6: RELAÇÃO DE ANIMAIS EM TRATAMENTO E PRINCIPAL SUSPEITA OU DIAGNÓSTICO ESTABELECIDO. Nome comum Nome científico Suspeita/Diagnóstico Tadorna Tadorna ferruginea Botulismo Tatu-de-rabo-mole Cabassous unicinctus Trauma Maitaca-de-cabeça-azul Pionus menstruus Clamidiose Pomba-de-colar Patagioenas fasciata Trauma Tucano-de-bico-verde Ramphastos dicolorus Neoplasia Arara-canindé Ara ararauna Síndrome de dilatação proventricular Urso-pardo Ursus arctos Artrose Leão-angolano Panthera leo bleyenberghi Miíase Zebra Equus quagga burchellii Tecido de granulação exuberante Elefante-asiático Elephas maximus Abcesso Lobo-guará Chrysocyon brachyurus Clostridiose Fonte: Zoo de Pomerode Essas ações demonstram o comprometimento da equipe veterinária em lidar com uma variedade de situações, aplicando tratamentos específicos e realizando 30 procedimentos preventivos para garantir o bem-estar e a saúde geral dos animais sob seus cuidados. A maior parte das atividades clínicas veterinárias consistiu na administração de medicações, por via intramuscular, subcutânea ou oral. Além de sondagem esofágica de animais debilitados, fluidoterapia, limpeza e tratamento de feridas, uma excisão neoplásica. Além do manejo preventivo das pítons-birmanesas do plantel, coletando sangue e realizando aplicação de antiparasitário e suplementação nutricional injetável. Figura 15: Foto de estagiárias do Bioparque de Pomerode realizando tratamento de ferida em um tatu-de-rabo-mole (Cabassous unicinctus) Fonte: Arquivo Pessoal 3.2.4 Nutrição Durante um dia dedicado ao Setor de Nutrição no zoológico, as atividades iniciavam-se às 7h da manhã com a preparação das dietas específicas para diferentes espécies. A rotina envolveu a organização das alimentações do dia, com uma divisão clara entre as áreas de carnes e verduras. Cuidados rigorosos foram tomados para evitar contaminação cruzada, com bancadas distintas para carnes e verduras. O ambiente contava com uma sala dedicada à ração e outra destinada ao estoque, incluindo câmaras frias para a conservação de verduras e carnes. Um dos profissionais da zootecnia foi responsável por mostrar as instalações e explicar sobre a dinâmica do setor de nutrição, desde a logística de organização das rações, frutas, legumes e carnes, até em relação a como são formuladas as dietas para os animais. 31 Essa abordagem organizada na nutrição reflete o compromisso do zoológico em fornecer dietas balanceadas e adaptadas às necessidades específicas de cada espécie. 3.2.5 Manejo Foram realizados manejos de alguns animais sob orientação dos biólogos de manejo do Zoo. Uma atividade recorrente foi a captura em recintos e contenção física de animais para transferi-los para outros, por motivos variados como alta médica da internação, necessidade de internamento, briga entre indivíduos, entre outros. Houve necessidade de manejo também de serpentes para alimentação. O manejo de 8 pavões envolveu a aplicação de antiparasitários, Frontline e Ivermectina, de forma preventiva, com destinação específica para recintos designados. O monitoramento constante e a observação foram essenciais, especialmente ao introduzir novos indivíduos em duplas nos recintos mistos. Realizamos a transferência de três papagaios peito-roxo da quarentena para um recinto misto de aves, que demandou monitoramento constante. Da mesma forma, quatro maritacas foram transferidas do setor extra para um recinto misto de aves, também sujeitas a monitoramento, isso para garantir que os animais transferidos não fossem vítimas de brigas por motivos de dominância e territorialidade. A alimentação quinzenal das serpentes foi registrada em uma planilha com todos os dados, que incluíam temperatura de cada recinto, e peso da presa oferecida para cada indivíduo. Utilizando termômetro para medir a temperatura do recinto e leitor de microchip para identificação individual. Em recintos compartilhados por vários animais, a estratégia incluiu a alimentação dentro de caixas plásticas para evitar conflitos. O manejo seguro das serpentes e ratos foi realizado com pinças e ganchos. O alimento, proveniente do biotério do zoológico, era abatido no momento da alimentação, pela técnica de deslocamento cervical. Foi realizada também a alimentação de filhotes de salamantas, cada uma em um balde, seguida pelo retorno ao terrário com o uso de ganchos. 32 Figura 16: Fotos do manejo do serpentário do Bioparque de Pomerode A) Foto de Leitor de microchip e termômetro B) Foto de serpentes que dividem o mesmo recinto dispostas em caixas plásticas para serem alimentadas separadamente C) Foto de Planilha de alimentação do serpentário. Fonte: Arquivo Pessoal 3.2.6 Animais provenientes de vida livre O Zoológico, embora não centralize seu foco principal no recebimento de animais de vida livre, desempenha essa responsabilidade quando necessário. Durante o período de estágio, ocorreu o acolhimento de dois exemplares: uma fêmea de tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), encontrada dentro de uma propriedade, o que é considerado como área de risco. Este espécime foi examinado e, após a conclusão do exame veterinário, foi prontamente encaminhado para soltura imediata. Outro caso envolveu um tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus) que apresentava uma massa pendular na asa esquerda, a qual passou por um processo de excisão, seguido por acompanhamento clínico. Após receber os cuidados necessários e alta, o tucano foi liberado para soltura. Essas ações evidenciam o comprometimento do zoológico em contribuir para a conservação da fauna local, mesmo que o recebimento de animais de vida livre não seja sua principal vocação, alinhando-se aos princípios de preservação da biodiversidade. 33 3.2.7 Inspeção de recintos Pela manhã, com o Veterinário Chefe, é realizada uma rotina de monitoramento dos animais em exposição e em setores extras, visando avaliar minuciosamente as condições dos animais e seus respectivos recintos. Essa atividade desempenha um papel crucial na avaliação da condição física, emocional e comportamental dos animais, abrangendo observações detalhadas de padrões alimentares, níveis de atividade física, interações sociais e possíveis sinais de doença. O objetivo principal é identificar precocemente quaisquer sinais de doenças ou condições médicas, permitindo aos veterinários intervir antes que a situação se agrave. Essa abordagem preventiva não apenas contribui para a manutenção da saúde da população animal, mas também desempenha um papel essencial na prevenção de surtos de doenças. Ao acompanhar de perto, é possível garantir que os animais recebam cuidados adequados e personalizados, ajustando dietas conforme necessário e implementando estratégias para minimizar o estresse no ambiente de cativeiro. Além disso, a colaboração entre a equipe de veterinários e outros profissionais, como biólogos e zootecnistas, promove uma abordagem integrada para o bem-estar dos animais e a promoção da conservação de espécies. Essa prática não apenas cumpre as regulamentações rigorosas relacionadas ao bem-estar animal e à segurança dos zoológicos, mas também contribui para a educação pública sobre a importância da preservação da biodiversidade, com a interação com os visitantes, ao passo em que nesse momento sempre eram tiradas dúvidas dos visitantes em relação aos animais. 3.2.8 Necrópsia No Zoológico, é estabelecido como protocolo a realização de necropsias em animais do plantel que venham a óbito. Foram acompanhados 2 procedimentos de necropsia, em ambos os casos foi possível estabelecer o diagnóstico aliando a clínica dos animais com os achados necroscópicos. 34 TABELA 7: RELAÇÃO DE NECROPSIAS ACOMPANHADAS, PRINCIPAIS ALTERAÇÕES ENCONTRADAS E DIAGNÓSTICO ESTABELECIDO. Nome comum Nome científico Principais alterações Diagnóstico estabelecido Tadorna Tadorna ferruginea Alterações em fígado e baço Botulismo Arara-canindé Ara ararauna Alterações em ventrículo e proventrículo Síndrome de dilatação do proventrículo Fonte: Zoo de Pomerode Os processos de necropsia foram conduzidos conforme os padrões estabelecidos, visando uma análise minuciosa das condições e características patológicas dos animais. Amostras representativas foram coletadas durante esses procedimentos e, posteriormente, encaminhadas para o laboratório parceiro, em Blumenau/SC. Essa prática sistemática de necropsia não apenas cumpre com as diretrizes do zoológico em avaliar as causas de óbito dos animais sob seus cuidados, mas também contribui para o avanço do conhecimento científico e colabora com pesquisas que visam a compreensão e prevenção de doenças que afetam a fauna silvestre sob cuidados humanos. 3.3 Casuística As atividades durante o estágio supervisionado no Zoo de Pomerode foram bastante variadas, abrangendo áreas múltiplas dentro da Medicina Veterinária e conhecendo também outros setores. Foi importante e interessante aprender tanto sobre o conceito e prática de bem-estar animal diariamente. Notavelmente, a maior parte das atividades desenvolvidas foram os treinamentos de condicionamento e as confecções e aplicações de enriquecimentos aos animais. 35 TABELA 8: RELAÇÃO ENTRE A QUANTIDADE DE ANIMAIS ACOMPANHADOS NAS ATIVIDADES DE ROTINA VETERINÁRIA NO BIOPARQUE DE POMERODE Área/Atividade Quantidade Clínica Médica 20 Condicionamento 100 Enriquecimento 200 Manejo 36 Necropsia 2 Animais provenientes de vida livre 2 Total 360 Fonte: Zoo de Pomerode 4. CEMPAS - Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens da UNESP FMVZ - Campus de Botucatu 4.1 Descrição do local de estágio O CEMPAS está localizado na cidade de Botucatu/SP, no Campus FMVZ da Unesp. O Centro de Medicina de Animais Selvagens, conhecido como CEMPAS, foi estabelecido em 2005 pelo Professor Carlos Roberto Teixeira. Após dois anos de operação, o CEVAP (Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos) foi transferido para o campus do Lageado, o que possibilitou a utilização das instalações pelo CEMPAS. O Centro foi recém reformado, com um novo prédio que conta com uma nova recepção, dois novos ambulatórios, sala aquecida para filhotes, sala resfriada para armazenamento dos alimentos, sala de estoque e nova internação. Também foi construído um novo hospital com centro cirúrgico para o CEMPAS, inaugurado durante o período de estágio. 36 Há também, ao fundo do novo prédio principal, diversos recintos externos que abrigam espécies de grande porte e o plantel do CEMPAS. E a quarentena, também externa, com dois recintos grandes e 12 baias menores. Figura 17: Foto da Entrada do CEMPAS. Fonte: Arquivo Pessoal Figura 18: Fotos das estruturas físicas do CEMPAS. A) Foto da Sala Cirúrgica do CEMPAS B) Foto do Ambulatório 1 do CEMPAS. Fonte: Arquivo Pessoal O CEMPAS realiza, em média, 2.000 atendimentos anualmente, destacando- se como um importante centro de referência no campo da medicina veterinária voltada para a categoria. Atualmente, o CEMPAS concentra seus esforços em diversos objetivos essenciais. Primariamente, busca prestar atendimento nas áreas de clínica, cirurgia e diagnóstico a animais selvagens em situação de risco, os quais são resgatados e encaminhados por autoridades como a polícia ambiental, bombeiros, agentes de monitoramento e a população em geral. Adicionalmente, o centro tem como meta qualificar os profissionais envolvidos em operações de resgate, como a polícia militar ambiental e civil, guarda municipal e bombeiros, visando aprimorar suas habilidades 37 e conhecimentos específicos. A realização de procedimentos de soltura de animais selvagens também integra as atividades do CEMPAS. O centro mantém uma abordagem proativa em relação à pesquisa, contando com diversos projetos ativos realizados no local, a partir de espécies mantidas no plantel. Ainda, o CEMPAS desempenha um papel relevante na promoção da educação ambiental. Este esforço é concretizado por meio de cursos, visitas técnicas, palestras e outros eventos científicos, buscando disseminar conhecimento e conscientização sobre a importância da preservação da fauna. Além do atendimento dedicado aos animais selvagens tanto de vida livre, quanto de zoológicos da região, o CEMPAS também presta serviços à comunidade, oferecendo atendimento a animais de estimação não convencionais, como coelhos, calopsitas, hamsters, porquinhos-da-índia, jabutis e outros. Este aspecto amplia o alcance do centro, proporcionando cuidados veterinários abrangentes e contribuindo para o bem-estar animal em diferentes contextos. A equipe do CEMPAS conta diariamente com 4 residentes de Medicina Veterinária, dois tratadores, uma zeladora e diversos estagiários temporários (curricular obrigatório, curricular não obrigatório, da vivência) além de pós-graduandos que auxiliam nos procedimentos de rotina. Em todos os ambientes é possível ter acesso à EPI, como luvas de raspa de couro, luvas de látex, pano e máscaras, visando maior segurança para os pacientes e para os funcionários. 4.2 Descrição das atividades desenvolvidas Os estagiários eram divididos pelos Médicos Veterinários Residentes em dois grupos, de manejo e ambulatório, seguindo uma escala. 4.2.1 Manejo Nos dias de manejo os estagiários escalados eram responsáveis pela limpeza de recintos, gaiolas e caixas de transporte e de contenção, eram retirados todos os 38 bebedouros e comedouros para se proceder com sua limpeza completa, e após, deixados em molho de água com hipoclorito de sódio por trinta minutos. Depois, a preparação da alimentação de todos os animais internados era feita, respeitando fichas indicando como a dieta de cada espécie deveria ser preparada em cada dia da semana, com quantidade de cada alimento e suplementações. Após o término da preparação das alimentações, elas eram respectivamente distribuídas, verificava se todos os animais tinham água para beber em seus recintos ou baias, e em seguida, fazia-se a limpeza, organização e acondicionamento das sobras de alimentos nas geladeiras e prateleiras da sala de alimentos. Figura 19: Foto da bancada de preparação das alimentações dos animais internados no CEMPAS. Fonte: Arquivo Pessoal Figura 20: Foto das alimentações preparadas pelos estagiários para animais internados no CEMPAS. Fonte: Arquivo Pessoal Durante uma semana, no mês de outubro, os pós-graduandos do CEMPAS ministraram um curso de contenção física de animais selvagens que foi oferecido ao corpo de policiais ambientais do município de Botucatu. Os estagiários puderam 39 acompanhar a parte prática do curso, que incluiu contenção de répteis, aves e mamíferos. Figura 21: Foto de contenção física demonstrativa de jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) em curso de contenção física de animais selvagens fornecido pelo CEMPAS ao corpo de policiais ambientais do município de Botucatu/SP. Fonte: Arquivo Pessoal 4.2.2 Ambulatório Na escala ambulatorial, a rotina consistia na administração de medicamentos conforme os protocolos estabelecidos, respeitando os horários prescritos e seguindo a organização das fichas de cada animal. As formas de administração abrangiam nebulização, aplicação por via intramuscular, oral, subcutânea ou intravenosa, medicações tópicas oftálmicas, fluidoterapia e tratamento de feridas. Eram feitas também as alimentações, monitoramento e cuidados necessários com todos os filhotes mantidos no local ao longo do dia, que eram alojados na UTA ou na sala aquecida. Figura 22: Fotos de filhotes órfãos recebidos pelo CEMPAS. A) Foto de filhotes de tucano-toco (Ramphastos toco). B) Foto de alimentação de filhote de ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis). Fonte: Arquivo Pessoal 40 Durante esse período, foram acompanhadas além de emergências de animais de vida livre, consultas envolvendo animais de estimação, como galos, coelhos, jabutis, entre outros, na presença de seus tutores. A equipe atuava no suporte aos procedimentos de rotina, incluindo exames físicos e coletas para análises laboratoriais. Figura 23: Fotos de coletas de sangue em répteis realizadas por estagiários do CEMPAS. A) Foto de coleta de sangue de tigre-d 'água (Trachemys dorbigni) em veia cefálica. B) Foto de coleta de sangue de jiboia (Boa constrictor) em veia coccígea ventral. Fonte: Arquivo Pessoal Havia ainda a participação e acompanhamento de projetos de pesquisa em andamento no CEMPAS e de terapias alternativas, tais como fisioterapia, acupuntura, ozonoterapia, hemoterapia e laserterapia. Figura 24: Foto de tratamento de lesão com exposição óssea em membro pélvico com fratura de Seriema (Cariama cristata), que fazia parte do projeto de pesquisa da pós-graduação do CEMPAS com tratamento de feridas de aves com membrana PRF (plasma rico em fibrina). Fonte: Arquivo Pessoal Outras responsabilidades incluíam preparo de fichas para triagem, e encaminhamento de amostras para os laboratórios da faculdade especializados em parasitologia, microbiologia e patologia. 41 Além disso, foi possível acompanhar procedimentos cirúrgicos, exames de raio- X e ultrassom, realizados no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), atividades fora da estrutura física do CEMPAS. Figura 25: Foto de equipe de Residentes e Estagiários do CEMPAS em procedimento cirúrgico de tigre-siberiano (Panthera tigris altaica). Fonte: Arquivo Pessoal Figura 26: Fotos de posicionamento, contenção física e química de animais para exames de Imagem no CEMPAS. A) Foto de contenção física e posicionamento de ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) para Raio X. B) Foto de estagiária posicionando um Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) sob contenção química para Raio X. Fonte: Arquivo Pessoal Eventualmente, eram realizados check-ups dos animais mantidos no plantel do CEMPAS, e antes de serem encaminhados para soltura. Durante o período de estágio, alguns dos animais que passaram por atendimento e internação foram encaminhados para soltura na natureza. Deste modo, foi possível acompanhar todo o processo desde o recebimento até a soltura. 42 Figura 27: Foto de um Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) sob contenção química para Check up sanitário no CEMPAS. Fonte: Arquivo Pessoal 4.3 Casuística A casuística clínica do local foi marcada pelo elevado número de recebimentos de filhotes hígidos, depois por casos de fraturas, adultos hígidos, traumas cranioencefálicos e outras alterações, geralmente vítimas de caça e ataque por animais domésticos. Após receberem o atendimento veterinário, a maioria dos animais foi mantida em internação para posterior soltura e reintrodução na natureza. Enquanto isso, outros casos foram a óbito, ou submetidos à eutanásia. Quanto ao atendimento de animais silvestres de vida livre e pets não convencionais, os casos acompanhados foram de imensa maioria de vida livre, com apenas 7% do total sendo pets não convencionais. 43 Figura 28: Gráfico representativo da origem (vida livre e pet) dos animais acompanhados na rotina do CEMPAS. Fonte: CEMPAS, 2023 TABELA 9: RELAÇÃO ENTRE CASUÍSTICA E PORCENTAGEM DOS CASOS RECEBIDOS NO CEMPAS DURANTE O PERÍODO DE ESTÁGIO Casuística Frequência relativa (%) Adulto hígido 50,3 Outros 17,8 Fratura 16,6 Filhote órfão 8,3 Trauma cranioencefálico 7,1 Total 100% Fonte: CEMPAS Durante o estágio supervisionado no CEMPAS, foram acompanhados 446 pacientes. Dos quais, 213 eram aves, 213 eram mamíferos e 20 eram répteis. (TABELA 10). TABELA 10: TOTAL DE DISTRIBUIÇÃO DE FREQUÊNCIAS POR CLASSE DE ANIMAIS DO CEMPAS. Classes Total Frequência relativa (%) Aves 213 47,75 Mamíferos 213 47,75 Répteis 20 4,5 44 Total 446 100% Fonte: CEMPAS Dentre os mamíferos, a maior variedade de espécies atendidas eram representantes da família Felídae (gato-do-mato-pequeno, onça-parda, gato- mourisco, tigre-siberiano). (TABELA 11). TABELA 11 - GRUPOS TAXONÔMICOS DE MAMÍFEROS RECEBIDOS PELO CEMPAS. Ordem/Família Espécies Canidae cachorro-do-mato, lobo-guará, raposinha-do- campo Cavídeos capivara, porquinho-da-índia Cervidae veado-catingueiro Didelfidae gambá-de-orelha-branca, gambá-de-orelha-preta Erinacidae ouriço-cacheiro Felídae gato-do-mato-pequeno, onça-parda, gato- mourisco, tigre-siberiano Leporidae lebre-europeia, coelho Mustelidae irara Procyonidae quati Xenarthra tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim, tatu- galinha, tatu-mirim Fonte: CEMPAS Dentre as aves, a maior variedade de espécies atendidas eram representantes da família Psitacidae (papagaio-verdadeiro, periquito-do-encontro-amarelo, maritaca, calopsita). (TABELA 12). 45 TABELA 12 – GRUPOS TAXONÔMICOS DE AVES RECEBIDAS PELO CEMPAS. Família Espécies Psitacidae papagaio-verdadeiro, periquito-do-encontro- amarelo, maritaca, calopsita Strigidae coruja-buraqueira, suindara, coruja-orelhuda, coruja-do-mato Columbidae avoante, pomba-doméstica Mimidae sabiá-poca, sabiá do campo Anatidae ganso Phasianidae galinha Tinamidae perdiz Threskiornitidae curicaca Charadriidae quero-quero Cathartidae urubu-de-cabeça-preta Cariamidae seriema Passeridae pardal-doméstico Caprimulgidae bacurau-de-cauda-curta Cuculidae anu-preto Hirundinidae andorinha-pequena-de-casa Cardinalidae azulão Traupidae sanhaço-cinzento Trochilidae beija-flor-tesoura Emberizidae canário-da-terra Tiranidae bem-te-vi Falconidae carcará Acipitridae gavião-carijó Cuculidae alma-de-gato Ralidae frango-d'água-azul Ramphastidae tucano-toco Fonte: CEMPAS 46 Em relação aos répteis atendidos durante o período de estágio no CEMPAS, a maior variedade de espécies eram representantes da família Viperidae (urutu- cruzeiro, jararaca, cascavel). (TABELA 13). TABELA 13 – GRUPOS TAXONÔMICOS DE RÉPTEIS RECEBIDOS PELO CEMPAS. Família Espécies Boidae jibóia Chelidae cágado, cágado-cabeça-de-cobra Teiidae teiú Testudinidae jabuti-piranga, jabuti-tinga Viperidae urutu-cruzeiro, jararaca, cascavel Fonte: CEMPAS 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência de estágio em prática veterinária foi fundamental para a formação acadêmica da discente, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento de competências pessoais. A seleção dos locais de estágio proporcionou experiências enriquecedoras, caracterizadas pela diversidade das atividades propostas. As diversas vivências proporcionaram um aprofundamento significativo no conhecimento relacionado à medicina veterinária, especificamente no contexto de animais selvagens. Além disso, a exposição a uma variedade de atividades contribuiu para a expansão de uma rede de contatos profissionais. Ao enfrentar os desafios ao longo do período de estágio curricular, foi possível explorar diversas áreas da atuação do médico veterinário, consolidando assim uma compreensão abrangente da profissão. Essa experiência não apenas a preparou para o mercado de trabalho, mas também capacitou para contribuir de maneira significativa com a sociedade por meio da futura atuação profissional. Em suma, o estágio curricular foi um elemento fundamental durante a graduação em Medicina Veterinária, proporcionando uma boa transição para a inserção do aluno no cenário profissional. 47 II - REVISÃO DE LITERATURA: Principais Causas de Atendimento de Tamanduás-bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) de Vida Livre 1. INTRODUÇÃO A revisão da literatura sobre as principais causas de atendimento de tamanduás-bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) em vida livre proporciona uma análise das complexas interações e desafios enfrentados por essa espécie. Revelando uma série de fatores que contribuem para a necessidade de intervenção humana, essas causas abrangem diversas áreas que vão além do contexto ecológico e se estendem para questões relacionadas à saúde, antropização do ambiente e interações com as comunidades humanas. A situação vulnerável do tamanduá-bandeira destaca a urgência de compreender e abordar as diversas ameaças que impactam essa espécie. A degradação do habitat, impulsionada pela expansão humana, emerge como uma preocupação crítica, contribuindo para a fragmentação e perda dos ambientes naturais desses animais. Nesse contexto, a revisão da literatura visa expor as complexas inter-relações entre esses fatores e os impactos resultantes sobre a biodiversidade. A revisão além identificar ameaças específicas também busca compreender as nuances das interações entre ecologia, saúde e atividades humanas. Desta maneira, é possível estabelecer um entendimento mais abrangente dos desafios enfrentados pelos tamanduás-bandeiras, permitindo a proposição de estratégias de conservação mais eficazes e direcionadas. Busca unir informações e fornecer uma base sólida para a implementação de políticas de conservação. 2. Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) No território brasileiro, habitam três espécies de tamanduás: o tamanduá- bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o tamanduá mirim (Tamandua tetradactyla) e o tamanduaí (Cyclopes didactylus). O tamanduá-bandeira está classificado na classe 48 Mammalia, superordem Xenarthra, ordem Pilosa e família Myrmecophagidae. Estão listados como "Vulneráveis" na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2014). Esses mamíferos placentários não possuem dentes, apresentam focinho e língua alongados, o que facilita a captura de alimentos, especialmente formigas, que compõem 96% da dieta, e cupins, responsáveis por 4% (Redford, 1985). Assim, desempenham um papel importante nos ecossistemas ao controlar populações de insetos, contribuindo para o equilíbrio ambiental (Cubas; Silva; Catão-Dias, 2014). Suas glândulas salivares bem desenvolvidas secretam uma saliva abundante e espessa com papel fundamental na captação e digestão do alimento, uma vez que oferece proteção contra os insetos ingeridos (Nowak; Paradiso, 1983; Miranda, 2012; Superina, 2012). No entanto, há um registro de um tamanduá-bandeira explorando colmeias de Apis mellifera no Brasil, e os pesquisadores concluem que os produtos apícolas, como o mel e as larvas de abelhas, provavelmente constituem uma fonte satisfatória de energia para os tamanduás na vida livre (Miranda et al., 2003). Possui olhos e orelhas pequenos, enquanto seus membros anteriores são robustos, apresentando garras protegidas durante o apoio plantar (Reis et al., 2010). Estas desempenham um papel crucial tanto na defesa quanto na busca por alimentos. As patas dianteiras possuem três dígitos, apresentando garras longas e poderosas no segundo e terceiro, enquanto as patas traseiras apresentam 5 garras mais curtas (Miranda et al., 2014). O tamanduá-bandeira adulto pode pesar até 45 Kg, alcança aproximadamente 1,2 metros de comprimento corporal, com uma cauda que pode medir até 90 centímetros (Miranda et al., 2014). Demonstrando hábitos solitários, o tamanduá-bandeira atinge a maturidade sexual aos três anos, e busca a companhia da fêmea exclusivamente para o acasalamento (Carvalho; Luz, 2008). O ciclo reprodutivo dos tamanduás-bandeiras dura o ano todo (Patzl et al., 1998 apud Braga, 2010; Silva, 2004) havendo, geralmente, o nascimento de um filhote por gestação (Braga, 2010), que tem duração de cerca de 190 dias. O filhote permanece nas costas da mãe até completar seu primeiro ano de vida (Carvalho; Luz, 2008). Essa espécie é naturalmente rara e tem baixa capacidade reprodutiva, o que 49 resulta em baixas densidades populacionais em toda a sua área de distribuição. No entanto, regiões com poucos indivíduos que tenham disponibilidade de habitat e alimento, com fatores limitantes reduzidos, têm potencial para incremento populacional (Fonseca et al., 1994). A crescente modificação dos seus ambientes naturais para o desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris, a caça predatória e o ataque por cães são alguns dos principais fatores que contribuíram para o declínio das suas populações (Fonseca et al., 1994). Além disso, é o mamífero de grande porte mais afetado pelas queimadas (Silveira et al.,1999). Segundo o Relatório Técnico dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) coordenados pelo Ibama, o tamanduá-bandeira foi o mamífero ameaçado de extinção com maior número de entradas no período de 2002 a 2014. Dados do Sistema de Gestão dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (sisCetas) do Ibama apontam a entrada de 130 indivíduos da espécie no período de outubro de 2019 a fevereiro de 2022. 2.1 Habitat e Distribuição Geográfica São excelentes nadadores e escaladores de árvores, encontrados em diversos habitats (Miranda et al., 2014). Encontravam-se originalmente desde a América Central, da Guatemala até a América do Sul, na Argentina, podendo ser encontrado com frequência em áreas de campos e cerrados. No Brasil, atualmente, o Tamanduá- bandeira ocorre nos Estados do Pará, Tocantins, Goiás, Distrito Federal, Amapá, Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Acre, São Paulo e também no Paraná (Medri & Mourão, 2008; Fonseca-Alves et al., 2011; Hack & Kruger, 2013; Sanches et al., 2013). Nos biomas de Cerrado e Mata Atlântica, nas últimas duas décadas, suas populações sofreram uma diminuição notável “em função da conversão de hábitats para a agricultura e ampliação da infraestrutura” (Miranda et al., 2014). A devastação desses ambientes provocou a provável modificação de comunidades de formigas e cupins, sua principal fonte de alimento (Medri; Mourão, 2005). 50 O tamanduá-bandeira é uma espécie que se adapta a uma diversidade de habitats, que vão desde campos limpos, cerrados e florestas até áreas agrícolas em diferentes altitudes. Sua escolha de habitat tem sido associada principalmente à temperatura ambiental, refletida em suas atividades diurnas e noturnas como parte de um comportamento de termorregulação. Esse padrão de atividade permite ao tamanduá-bandeira evitar as horas mais quentes e mais frias do dia, otimizando sua eficiência em diferentes ambientes (Camilo-Alves; Mourão, 2006, Mourão; Medri, 2007). No entanto, esses estudos foram conduzidos no Pantanal, um ambiente caracterizado por menores perturbações antrópicas em comparação com áreas protegidas próximas a assentamentos humanos e extensas regiões agrícolas (Versiani, 2016). O comportamento da espécie em uma região com intensa interferência humana, como o nordeste do Estado de São Paulo, pode ser afetado não apenas por adaptações fisiológicas, mas também por perturbações induzidas pelo homem (Versiani, 2016). Em 1983, o tamanduá-bandeira já era considerado uma espécie rara, com exceção de sua presença em áreas afastadas ou protegidas na Colômbia, Venezuela, Suriname e Brasil (Lubin, 1983). Atualmente é considerado “quase-ameaçado” em nível global (IUCN, 2008) e “vulnerável” no Brasil (IUCN, 2014). A espécie é categorizada como "provavelmente extinta" nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, classificada como "criticamente em perigo" nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, considerada "em perigo" em Minas Gerais e "vulnerável" nos Estados do Pará e São Paulo (Fontana et al., 2003; Margarido e Braga, 2004; Medri e Mourão, 2009; Bressan et al., 2009). 3. Ameaças ao Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) no Brasil A pressão de caça, o aumento de queimadas em áreas destinadas à agropecuária na gestão da cana-de-açúcar, os atropelamentos e a predação por cães domésticos estão intrinsecamente ligados à presença humana e são identificados como as principais ameaças à sobrevivência do tamanduá-bandeira (Miranda et al., 2014). 51 3.1 Degradação e Fragmentação do habitat natural Ao passo em que centros urbanos e atividades agrícolas estão em processo de expansão de maneira contínua e desordenada, os biomas brasileiros seguem o sentido contrário, tendo suas paisagens transformadas em pequenos fragmentos (Araújo et al., 2012; Zanirato, 2017) A falta de organização e planejamento para a exploração de recursos naturais pode causar incontáveis problemáticas ambientais, dentre elas, temos a super- exploração de recursos, destruição de habitat e desequilíbrio ecológico, e assim, percebe-se que o meio é alterado à medida que o fluxo de ações antrópicas ultrapassa o fluxo de ações naturais (Araújo et al., 2012). As alterações ambientais resultantes das atividades humanas têm grandes consequências para o equilíbrio natural das espécies, o aumento do desmatamento, especialmente devido à expansão da agricultura e pecuária, que modifica ambientes naturais e coloca em risco a flora e fauna nativas (Petrazzini, 2018) A maior densidade de tamanduás-bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) no Brasil está nas áreas do Cerrado (Diniz, 2001), e com o intenso processo de destruição de vegetação nativa nesse bioma, a espécie vem sofrendo perda e fragmentação de seus habitats naturais (Petrazzini, 2018). A proporção de vegetação nativa savânica é a variável mais importante para a ocupação de uma paisagem pelo tamanduá-bandeira, provavelmente pela heterogeneidade do hábitat e abundância alimentar (Petrazzini, 2018). A destruição e perda da área de vegetação natural de um ambiente reflete na fauna nativa, colocando em risco diversas espécies de animais (Gregorini et al., 2007). Por ser uma espécie que apresenta baixas taxas de densidade populacional e de reprodução, com alta demanda por espaço e especialista alimentar, pode-se dizer que o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) está em potencial ameaça (Zanirato, 2017). O tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) é uma espécie que vem sendo constantemente ameaçada em toda sua área de ocorrência, fato identificado pela extinção da espécie em determinadas regiões e pela redução de populações ainda existentes, principalmente em consequência da destruição ou degradação de seu hábitat (Medri; Mourão, 2005). 52 Foi relatado que a ocupação pela espécie é maior em áreas de fragmentos maiores, com mais cobertura de vegetação nativa ao redor (Zanirato, 2017) Portanto, a conservação de fragmentos maiores e de fragmentos com maior porcentagem de vegetação nativa ao redor é fundamental para a conservação da espécie em questão, tais fatores aumentam as chances de persistência de populações presentes (Zanirato, 2017). Essas condições permitem a migração dos indivíduos entre fragmentos, proporcionando aumento na quantidade de recursos quando associados com os disponíveis apenas no fragmento ocupado originalmente (Gálvez et al., 2013). 3.2 Rodovias e Colisões Veiculares Figura 29: Foto de um tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) morto atropelado em beira de rodovia no Mato Grosso do sul. Fonte: Projeto Bandeiras e Rodovias A mortalidade direta causada por atropelamentos representa uma das principais ameaças à vida selvagem associada às rodovias. No Brasil, a estimativa anual de mortalidade de animais selvagens nas estradas varia entre 14 e 475 milhões de indivíduos. Além disso, o Banco Mundial prevê a construção de pelo menos 25 milhões de quilômetros de novas rodovias nos próximos 30 anos, com foco principalmente em países em desenvolvimento de regiões tropicais. Diante desse cenário, a expectativa é que a mortalidade por atropelamento se torne uma séria ameaça à biodiversidade, a menos que as estradas sejam adaptadas ambientalmente, por meio de medidas como cercas, passagens inferiores e viadutos (Suarez, 2022). 53 Apesar de possuir uma das maiores extensões de rede rodoviária do mundo, o Brasil enfrenta desafios na manutenção devido à escassez de recursos, resultando em estradas de baixa qualidade e com mínima adequação ambiental em algumas áreas. Além disso, a legislação ambiental é relativamente recente, começando a ser aplicada na década de 80. Atualmente, diversas rodovias, sejam concessionadas ou federais/estaduais, reconhecem os impactos ambientais e implementaram programas de mitigação e compensação. No entanto, persistem projetos rodoviários que representam potenciais riscos para a biodiversidade (Suarez, 2022) Em um estudo avaliando animais encontrados mortos em região de desmatamento na Caatinga, em 400 hectares, foi realizada necropsia dos indivíduos a fim de encontrar os principais acometimentos das carcaças. Com a avaliação macroscópica das lesões foi possível apontar que as alterações observadas são resultantes de traumas, fraturas e mutilações foram as lesões predominantes neste trabalho. Lesões traumáticas equivalem a aproximadamente 54% das lesões observadas, e corresponderam a fraturas, mutilações e politraumatismos (Melo et al, 2023). Considerando-se as fraturas e traumatismos, observou-se que aproximadamente 80% dessas categorias acometiam as regiões abdominal, pelve, membros posteriores e cauda, categorizando-se como traumatismo espinhal-medular. Essas lesões podem ser observadas decorrentes do atropelamento (Melo et al, 2023). O diagnóstico morfológico, nesses casos, é suficiente para estabelecer a causa da morte dos animais, não sendo necessários exames complementares para a elucidação da causa de óbito. Os resultados do presente estudo são condizentes com a literatura, que apontam as escoriações, abrasões e as lesões no sistema esquelético como os principais achados macroscópicos observados em animais atropelados (Navas-Suárez et al., 2019; Kles e Sutton, 2021). O acidente automobilístico, sendo um evento dinâmico, resulta em uma diversidade de lesões, cuja natureza é influenciada pela velocidade do veículo, pela região do impacto e pela distância percorrida após a colisão (Merck et al., 2013). Um estudo de cães atropelados em regiões urbanas (Kolata et al., 1975), demonstrou fraturas e rupturas em médias de 5,16% e 59,9%, respectivamente. Semelhantes aos Xenarthra no Brasil, javalis e corças na Espanha (Rodriguez-Moralez et al., 2013) e coalas na Austrália (Gonzalez-Astudillo et al., 2017) também são exemplos de fauna 54 afetada por acidentes com veículos. No estado de São Paulo, foram avaliados atendimentos clínicos de 42 tamanduás-mirins (Tamandua tetradactyla) de vida livre e relataram que 36,96% dos casos estavam relacionados com atropelamentos (Bernegossi et al., 2018). Os incidentes de atropelamento de animais selvagens representam uma questão global em ascensão, resultando não apenas na perda de vidas animais, mas também em impactos na saúde humana e em prejuízos econômicos (Weir, 2002). Os atropelamentos em rodovias persistem como uma preocupação duradoura, representando uma ameaça constante para a vida selvagem em todo o mundo e contribuindo para a mortalidade acidental dos animais nativos (Haugen, 1944; Gonzalez-Prieto et al., 1993; Do Prado; Ferreira; Guimarães, 2007). Na cidade de Botucatu, estado de São Paulo, ocorreram seis casos de atropelamento de tamanduás-bandeira na mesma rodovia ao longo de um ano, destacando a necessidade de iniciativas que promovam a conscientização da população sobre esse problema (Camargo; Pinto, 2023). O elevado número de atropelamentos pode ser atribuído ao andar letárgico dos tamanduás, tornando-os presas fáceis para motoristas em alta velocidade que estão distraídos (Miranda, 2012). A espécie é considerada a quarta maior vítima de atropelamentos nas estradas de Mato Grosso, sendo o trauma crânio encefálico a lesão mais comum (Ribeiro et al, 2023). O Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE, 2013; Scheffer, 2018) publicou uma estimativa de que mais de 15 animais silvestres vertebrados são mortos por segundo nas estradas brasileiras, resultando em 475 milhões de atropelamentos durante o período de um ano ao longo dos 1,7 milhão de quilômetros da malha rodoviária do Brasil. Dentro desse cálculo, 5 milhões referem- se a animais selvagens vertebrados de grande porte, incluindo capivaras, antas, onças, lobos-guarás e tamanduás (CBEE, 2013; Scheffer, 2018). Além disso, os animais silvestres ainda precisam disputar seu espaço, alimento e abrigo com as espécies exóticas inseridas em seus habitats (Ferreira; Saraiva; Vale, 2017). A movimentação de animais silvestres configura-se como uma estratégia de sobrevivência, para propósitos reprodutivos, busca por alimentos e fuga de predadores (Ferreira; Saraiva; Vale, 2017). A industrialização e urbanização têm 55 resultado em um significativo aumento na incidência de atropelamentos de animais, devido ao intenso tráfego de veículos (Vale, 2017). Certos componentes podem exercer atração sobre a fauna silvestre, aumentando a presença desses animais em áreas próximas a rodovias. Um exemplo é o derramamento de grãos, sementes, frutas e outros durante o transporte por caminhões de carga (Coffin, 2007; Pracucci; Da Rosa; Bager, 2012). Um estudo de caso em uma dissertação de mestrado da UFSCar – Lagoa do Sino mostrou que no período de um ano (julho/ 2016 a junho/2017), foram atropelados 158 animais selvagens na região, dentre estes, 44 mamíferos, sendo 3 tamanduás- bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) (Cravo, 2018). A construção de estradas é vista como uma forma de fragmentação do bioma, uma vez que modifica a vegetação nativa (Rosa; Mauhs, 2004). Essa alteração específica gera repercussões adicionais na fauna de vertebrados, especialmente devido aos acidentes associados aos processos naturais de deslocamento para superar as rodovias, as quais representam barreiras artificiais à dispersão, resultando no aumento nos índices de mortalidade (Peña; Drummond, 1999). Os impactos primários das estradas na vida selvagem incluem a formação de barreiras, onde os indivíduos enfrentam dificuldades para atravessar a rodovia, e o efeito de borda, caracterizado pela alteração na biologia e ecologia dos organismos nas proximidades das estradas (Rosa; Bager, 2013). O efeito de borda se refere a uma modificação na disposição ou na quantidade de espécies presentes nas bordas de um determinado fragmento do ambiente (Forman; Gordan, 1986 apud Lagos, 2017). Assim, as áreas adjacentes às infraestruturas rodoviárias experimentam uma diminuição na diversidade de espécies devido à perda de seu habitat (Fraga, 2018). Adicionalmente, a fragmentação de habitats é marcada pelo desmatamento da vegetação, resultando na divisão da região florestal em pequenas porções (Santos, 2009), que não suportam a fauna da mesma maneira que a vegetação original, possibilitando e facilitando a ocorrência da extinção de espécies nativas (Lagos, 2017; Prado; Ferreira; Guimarães, 2006). Foi notado que a presença de tamanduás-bandeiras é influenciada pela distância em relação as margens de rodovias, a ocorrência de indivíduos da espécie é maior quanto mais distante das margens de estradas, o que demonstra como as 56 atividades humanas impactam negativamente a espécie e seus hábitos (Petrazzini, 2018). 3.3 Pesticidas e Agrotóxicos A vida selvagem continua a enfrentar ameaças decorrentes do uso descontrolado de agentes tóxicos na agricultura. Animais em seu habitat natural podem ser expostos a intoxicações causadas por uma variedade de substâncias químicas. Entre elas, destacam-se os agrotóxicos organofosforados, carbamatos e organoclorados, representando as principais causas de ocorrência de quadros toxicológicos agudos e crônicos (Cubas et al., 2006). O Livro vermelho de espécies ameaçadas de extinção cita a atividade agropecuária como o principal fator de pressão dentre os vetores de ameaças para a fauna silvestre nativa (ICMBio/MMA; 2018). Destaca-se que os agroquímicos são amplamente utilizados no Brasil, entretanto, ainda faltam conhecimentos sobre o real impacto desses produtos para animais silvestres (ICMBio/MMA; 2018). No projeto TamanduASAS, cujo objetivo é a reabilitação e soltura monitorada de tamanduás bandeiras (Myrmecophaga tridactyla) em Minas Gerais, uma das preocupações com os animais translocados tem sido o contato com agroquímicos. O sinal de alerta para o problema veio a partir do óbito de um dos animais translocados, localizado em uma plantação de soja. Durante a inspeção do local, foram encontrados galões de pesticidas vazios descartados indevidamente. A necropsia revelou a presença de organofosforados nos tecidos coletados. Outro caso de óbito no projeto foi de um filhote em fase de reabilitação que apresentou sintomatologia nervosa aguda, após oferecimento de cupins retirados de um pasto em área periurbana. Também foram colhidas amostras para exame toxicológico, com resultado positivo para a presença de organofosforado (Silva, et al, 2023). No geral, agroquímicos autorizados para comercialização são considerados seguros para seres humanos, entretanto, muitos princípios ativos proibidos ainda são utilizados no Brasil (Guida et al, 2018). Uma pesquisa realizada com carcaças de antas (Tapirus terrestris) atropeladas no Cerrado detectou a presença de carbamatos, organofosforados e piretróides, bem como cádmio e chumbo, em 90% das amostras, algumas com concentrações 57 suficientes para gerar sinais clínicos de intoxicação, o que levantou preocupações com a possibilidade de um grande impacto populacional da espécie em eminência (Medici et al., 2021). É preciso levar em consideração as características ambientais, das áreas de soltura dos tamanduás, para avaliar o risco de intoxicação por agroquímicos. Em muitas regiões será difícil selecionar áreas de soltura onde não haja atividades agropecuárias no entorno, entretanto, as necropsias nesses casos devem prever análises toxicológicas ligadas a agroquímicos. Esses dados podem fornecer informações importantes para subsidiar a criação de legislações para controle do uso de agroquímicos no Brasil, como medida para reduzir o impacto das atividades agropecuárias na biodiversidade do país (Silva et al., 2022). Foi relatado e publicado por Amaral et al., (2015) o atendimento emergencial, no Hospital Veterinário da Regional Jataí, UFG, de um tamanduá-bandeira adulto. Após exame clínico e físico, constatou-se que os sinais clínicos apontavam para um quadro de intoxicação por agrotóxicos organoclorados. A possível fonte de intoxicação do tamanduá pode ter sido via oral, cutânea ou respiratória, durante sua presença em uma área onde o agente tóxico foi utilizado. Com base nos sintomas observados e no histórico de exposição ao endossulfam, foi concluído que o tamanduá estava intoxicado por organoclorados. O tratamento sintomático desempenhou um papel crucial na sobrevivência do animal, uma vez que não existe um tratamento específico para intoxicações por organoclorados (Amaral et al, 2015). A autorização legal para o uso desses inseticidas na luta contra vetores de doenças humanas, como malária, febre amarela e dengue, além de sua aplicação em diversos países como formicidas, cupinicidas e acaricidas, pode resultar em impactos ambientais substanciais e casos de intoxicação em animais selvagens, persistindo até os dias atuais (Cubas et al., 2006). 3.4 Caça e Tráfico 58 Figura 30: Foto de membros anteriores e cabeça de um tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) com marcas de ataque de arma branca Fonte: Vlamir J. Rocha O comércio ilegal de animais silvestres figura como a terceira maior atividade ilícita global, ficando atrás apenas do tráfico de armas e drogas. Estima-se que essa prática movimente aproximadamente US$20 bilhões por ano em escala mundial, com o Brasil contribuindo com uma parcela que varia entre 5% e 15% do total global (RENCTAS, 2002). No Brasil, a questão do tráfico ilegal de animais é motivo de grande preocupação. Devido à diversidade da fauna nacional, o Brasil destaca-se como uma fonte significativa de animais para o tráfico internacional (Laçava et al., 2000). É fundamental ressaltar a postura tolerante da sociedade diante desse delito ambiental, a presença ou venda de animais silvestres em feiras, estabelecimentos não autorizados e criadouros clandestinos é uma prática comum, incentivando o comércio ilegal (Lima, 2007; Pereira; Brito, 2005). De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas, 2002), o comércio ilegal da fauna está ligado a questões culturais, educacionais, econômicas, como a pobreza e a falta de alternativas, além do desejo de obter lucros de forma rápida e fácil, do status social e da satisfação pessoal associada à posse de animais silvestres como animais de estimação. Animais comercializados de forma ilegal são submetidos a condições inadequadas no que diz respeito a transporte, alimentação e higiene, sem passar por qualquer controle sanitário. Após a captura, são frequentemente confinados em grande quantidade em pequenas gaiolas, onde as condições higiênicas são precárias, resultando em desequilíbrios fisiológicos, como o estresse, e propiciando o desenvolvimento ou disseminação de doenças preexistentes (Hidasi, 2010). 59 Para muitas espécies, uma parte significativa da taxa de mortalidade é influenciada por práticas de caça (Nores et al., 2008). Ademais, o estresse e o temor provocados pela prática da caça podem resultar em alterações no padrão de uso do espaço, comportamento, seleção de habitat e padrões de atividade das populações caçadas (Ohashi et al., 2013). A interferência resultante das atividades diárias humanas associadas à agricultura e ao transporte de pessoas ou cargas nas proximidades de áreas protegidas possui o potencial de causar impactos significativos na vida selvagem, vários estudos têm documentado respostas comportamentais a essas perturbações devido ao encontro com seres humanos (Ohashi et al., 2013). Estes distúrbios humanos relacionados apenas à presença, tem sido predominantemente vinculada à diminuição do sucesso reprodutivo, que pode induzir o declínio da população a longo prazo (Phillips; Alldredge, 2000). Entretanto, há escassa informação sobre mudanças nos padrões de uso do espaço e atividade relatados em resposta a essas perturbações para espécies crípticas, como o tamanduá-bandeira. (Versiani, 2016). Os principais predadores naturais de tamanduá-bandeira são a onça-pintada (Panthera onca) e o puma (Puma concolor) (Parera, 2002; Candido Jr et al., 2003). Além disso, em algumas regiões de sua atual distribuição, o homem o utiliza como fonte de consumo. Uma pesquisa de manejo de fauna realizada na Reserva Xavante Rio das Mortes, no Estado de Mato Grosso, analisou o impacto da pressão de caça sobre as populações de mamíferos e chegou à conclusão de que há uma superexploração do tamanduá-bandeira devido à caça, uma vez que a taxa de exploração observada ultrapassou significativamente a taxa máxima de reprodução (Fragoso et al., 2000). Uma das razões para a caça desses animais é a facilidade com que são avistados, rastreados e abatidos. Os Xavantes representam uma das raras populações humanas no Brasil que consome a carne do tamanduá-bandeira (Fragoso et al, 2000). No Paraguai, devido ao tamanho, comportamento e velocidade de movimento, os tamanduás-bandeira tornam-se atrativos para populações tradicionais, facilitando o processo de abate, e passam a integrar a dieta de diversos grupos indígenas (Cartes, 2007). Certos grupos, contudo, abstêm-se de utilizar a espécie para consumo 60 devido a razões religiosas, como é o caso dos índios Chamacocos no Departamento do Alto Paraguai (Neris et al., 2002). Em determinadas situações, a pele de animais abatidos é empregada na produção de tapetes e diversos artefatos de couro, incluindo relhos, laços e maneadores, podendo ocorrer a caça exclusivamente com o propósito de obter esses materiais (Chebez, 1994). Na década de 80, no estado do Mato Grosso do Sul, ocorria o atropelamento intencional do tamanduá-bandeira devido à crença popular local de que cruzar seu caminho traria má sorte. (Margarido e Braga, 2004). Figura 31: Tapete feito com pelagem de tamanduá-bandeira (Myrmechophaga tridactyla) em propriedade rural no Paraná. Fonte: Braga, 2009 Existem relatos de munícipes de Piraí do Sul, no Paraná, de que há pouco mais de 15 anos os tamanduás-bandeiras ainda eram avistados regularmente e mortos por caçadores. Até a década de 1990, esses indivíduos eram “laçados”, como o gado, pelos fazendeiros e peões para serem fotografados junto às suas famílias. Essa prática se perdeu pela dificuldade de localização dos indivíduos remanescentes (Miretzki; Braga, 2014). Nos dias de hoje, em estudos recentes foi visto que a percepção de mau agouro do tamanduá-bandeira permanece enraizada em populações do estado do Mato Grosso do Sul, existe a superstição de que cruzar com um tamanduá ou com suas pegadas é sinal de má sorte, e a maioria das pessoas apenas mudam de caminho, mas uma pequena porcentagem chega a agredir ou até mesmo matar o animal (Catapani, 2023). Ao longo da área de distribuição original, há sugestões de que a caça tenha desempenhado um papel significativo no declínio das populações do tamanduá- 61 bandeira (Drumond, 1992; Fonseca et al., 1994). Apesar de não ser uma carne amplamente apreciada, os animais jovens eram comumente abatidos na Argentina para fins alimentícios, aproveitando também a pele para diversas finalidades, como a confecção de laços, montarias e acessórios, além do uso da língua no processo de doma de equinos (Chebez, 1994). Na Argentina, o consumo da carne do tamanduá- bandeira ocorre de forma esporádica, ou seja, a espécie não é caçada especificamente para consumo, mas se for encontrada, é abatida para esse fim (Jimeno et al., 2003). 3.5 Queimadas As queimadas representam um dos principais elementos que causam impactos significativos na conservação ambiental, sendo que parte da sociedade não está ciente dos efeitos adversos dessa prática. Além disso, há indivíduos que, mesmo conscientes dos riscos associados, deliberadamente realizam queimadas, indicando uma atitude negligente em relação à preservação dos biomas (Carvalho, 2009). No contexto brasileiro, os órgãos responsáveis pela concessão de licenças permitem a realização de queimadas, desde que conduzidas de maneira apropriada e segura, em áreas que não prejudiquem locais de relevância ambiental (Carvalho, 2009). Contudo, a maioria dos incêndios s