KARINA APARECIDA DE OLIVEIRA APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS INDUSTRIAIS PARA PRODUÇÃO DE COMPÓSITOS TERMOACÚSTICOS Guaratinguetá - SP 2018 Karina Aparecida de Oliveira APROVEITAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS INDUSTRIAIS PARA PRODUÇÃO DE COMPÓSITOS TERMOACÚSTICOS Dissertação de mestrado apresentado ao programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Faculdade de Engenharia do campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Engenharia Mecânica. Orientador: Prof. Dr. Gustavo Ventorim Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Juliana C. Barbosa Guaratinguetá - SP 2018 DADOS CURRICULARES KARINA APARECIDA DE OLIVEIRA NASCIMENTO 31.01.1989 – Itapeva / SP FILIAÇÃO Marlos Almeida de Oliveira Silvana de Jesus Barros Oliveira 2005/2006 Curso Técnico Técnico em informática – ETEC Dr. Demétrio Azevedo Junior 2007/2013 Curso de Graduação Engenharia Industrial Madeireira – UNESP/Itapeva. 2016/2018 Curso de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, nível de Mestrado Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá – UNESP/Guaratinguetá A Deus, pela fé e esperança concedida nos momentos difíceis. Aos meus pais, Silvana e Marlos, pelo amor, carinho e por acreditarem em mim. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, à Deus e à Nossa Senhora Aparecida por estarem comigo em todos os momentos me dando força e coragem para enfrentar os desafios que me trouxeram até aqui. Serei eternamente grata. Ao professor Gustavo Ventorim, pela orientação, ajuda e amizade dados no decorrer da pesquisa. À professora Juliana Cortez, pela coorientação e ajuda na pesquisa e no desenvolvimento do trabalho. Aos técnicos e funcionários da Unesp de Itapeva e de Guaratinguetá, em especial ao técnico Juliano Brito, por toda paciência e auxílio dedicado ao trabalho. E as professoras Marilia Bertolini e Maristela Gava por todas as dicas, conversas e correções durante a fase final do trabalho. Ao professor André Luis Christoforo por toda a ajuda na realização dos ensaios e da análise estatística, muito obrigada por toda a paciência, companheirismo e palavras de animo durante essa caminhada. Aos professores Claudio Cardoso da UFSCar de São Carlos/SP e Juliano Fiorelli da USP de Pirassununga/SP por prontamente aceitarem me auxiliar nos ensaios de acústica e térmica. Aos meus amigos, por aguentarem todas as reclamações e me ajudarem a não perder a cabeça durante as complicações pelo caminho. OLIVEIRA, K. A. Aproveitamento de resíduos sólidos industriais para produção de compósitos termoacústicos. 2018. 75 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2018. RESUMO Com o desenvolvimento das indústrias brasileiras e crescimento do consumo, o aumento na geração de resíduos é inevitável, sendo muitas vezes dispostos inadequadamente no meio ambiente. No entanto, a utilização destes resíduos sólidos como matéria-prima para a produção de compósitos pode reduzir consideravelmente a extração de recursos naturais e a quantidade de material descartado, além de diminuir o impacto sobre o meio ambiente e auxiliar no desenvolvimento sustentável. Neste contexto, o presente trabalho teve como objetivo a produção e caracterização de compósitos formados por matriz de gesso reciclado, proveniente de placas de gesso acartonado, e reforço de polpa celulósica e poliestireno expandido (EPS) para utilização em composições termoacústicas. Foram adotadas cinco variações na proporção de polpa celulósica e EPS, mantendo sempre a mesma proporção de gesso reciclado e água, verificando suas influências no desempenho dos compósitos. Para as análises de isolamento termoacústico foram utilizados os documentos normativos: ASTM E1530-11, para a determinação da condutividade térmica e ISO 10534-2, para a determinação do coeficiente de absorção sonora. Com os resultados obtidos, observou-se que as variações nas quantidades de cada material não causaram diferenças significativas estatisticamente nas propriedades analisadas. Os compósitos apresentaram desempenho satisfatório para uso como isolante térmico, com valores de condutividade menores que os encontrados na literatura para materiais com matriz de gesso. Para a absorção sonora o compósito apresentou resultados abaixo do encontrado na literatura para materiais absorvedores, porém favoráveis ao uso como refletor sonoro. Sendo assim, verificou-se a viabilidade de produção e aplicação do compósito em composições destinadas ao conforto termoacústico. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos. Conforto termoacústico. Absorção sonora. Compósitos. Gesso reciclado. OLIVEIRA, K. A. Use of industrial solid waste for the production of thermoacoustic composites. 2018. 75 f. Dissertation (Master in Mechanical Engineering) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá, 2018. ABSTRACT With the development of Brazilian industries and consumption growth, the increase in waste generation is unavoidable, often inadequately disposed in the environment. The use of solid wastes as raw material for composite production can, considerably, reduce the natural resources extraction and the amount of discarded material, thus reducing the environmental impact. In this outline, the present work has as its objective the production and characterization of composites formed by a recycled plaster matrix from gypsum board, reinforcement of cellulosic pulp and knauf in order to use in thermoacoustic compositions. Five variations were adopted in the proportion of cellulose pulp and knauf, maintaining the same proportion of recycled gypsum and water, verifying their influence on the composites performance. For the analysis of thermoacoustic insulation, the normative documents were used: ASTM E1530-11, for the determination of the thermal conductivity and ISO 10534-2, for the determination of the sound absorption coefficient. With the results obtainment it was observed that the variations in the quantities of each material did not cause statistically significant differences in the analyzed properties. The composites presented satisfactory performance for use as thermal insulation, with conductivity values lower than those found in the literature for materials with gypsum matrix. For the sound absorption the composite presented results below that found in the literature for absorbent materials, but favorable to the use as sound reflector. Therefore, it was verified the feasibility of production and application of the composite in compositions intended for thermoacoustic comfort. KEYWORDS: Solid waste. Thermoacoustic comfort. Sound absorption. Composites. Recycled Plaster. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Esquema de classificação para os tipos de compósitos ........................................... 17 Figura 2 – Resíduos da construção civil ................................................................................... 22 Figura 3 – Resíduos de gesso acartonado ................................................................................. 25 Figura 4 – Antes e depois do material expandido .................................................................... 27 Figura 5 – Processos de reciclagem de resíduos à base de poliestireno expandido ................. 29 Figura 6 – Esquema do tubo de impedância usado no ensaio de absorção sonora segundo a norma ISO 10354-2 .................................................................................................................. 35 Figura 7 – Câmara reverberante sem amostra para ensaio ....................................................... 36 Figura 8 – Esquema de ensaio do método fluximétrico ........................................................... 39 Figura 9 – Esquema de ensaio do método da placa quente ...................................................... 40 Figura 10 – Esquema de ensaio por fluxo de calor protegido .................................................. 41 Figura 11 – Materiais utilizados: (a) gesso acartonado, (b) EPS e (c) polpa celulósica .......... 43 Figura 12 – Secagem inicial dos resíduos ................................................................................ 44 Figura 13 – Etapas de (a) moagem e (b) peneiramento do resíduo de gesso acartonado ......... 45 Figura 14 – Pó de gesso passante pela malha de abertura 0,425 mm ....................................... 45 Figura 15 – Corpos de prova produzidos com (a) gesso comercial e (b) gesso reciclado........ 46 Figura 16 – Corpos de prova da análise preliminar para estudo da interação dos componentes .................................................................................................................................................. 48 Figura 17 – Corpos de prova para ensaios de absorção sonora (a), condutividade térmica (b) e resistência a flexão (c) .............................................................................................................. 50 Figura 18 – Realização do ensaio de absorção sonora ............................................................. 51 Figura 19 – Ensaio de condutividade térmica: (a) amostra com creme térmico e (b) equipamento pronto para a realização do ensaio ............................................................................................ 52 Figura 20 – Ensaio de resistência a flexão ............................................................................... 53 Figura 21 – Resultados da absorção sonora para cada traço (Tr) em função das frequências de medição: 250 Hz (a), 500 Hz (b) e 1000 Hz (c) ....................................................................... 55 Figura 22 – Gráfico de Pareto para análise dos fatores significativos nos valores da absorção sonora ....................................................................................................................................... 56 Figura 23 – Valores da absorção sonora por traço considerando a variação dos níveis da frequência: Tr 1 (a), Tr 2 (b), Tr 3 (c), Tr 5 (d) e Tr 6 (e). ....................................................... 58 Figura 24 – Resultados da condutividade térmica para cada traço (Tr) ................................... 60 Figura 25 – Gráfico de Pareto do modelo de regressão para a estimativa da condutividade térmica dos materiais. ............................................................................................................... 61 Figura 26 – Gráfico de dispersão da relação entre condutividade e densidade ........................ 61 Figura 27 – Gráfico de interação entre os fatores para o modelo de regressão utilizado na estimativa da condutividade térmica ........................................................................................ 62 Figura 28 – Resultados da força máxima de ruptura na flexão estática dos compósitos ......... 64 Figura 29 – Resultados do módulo de resistência na flexão estática dos compósitos .............. 65 Figura 30 – Gráfico de Pareto do modelo de regressão para a estimativa do módulo de resistência na flexão estática dos materiais .............................................................................. 65 Figura 31 – Gráfico de interação entre os fatores para o modelo de regressão utilizado na estimativa do módulo de resistência na flexão estática ............................................................ 66 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Principais produtores mundiais de celulose nos anos de 2015 e 2016 ................... 20 Tabela 2 – Isolamento acústico de diversos materiais .............................................................. 32 Tabela 3 – Coeficientes de absorção acústica de alguns materiais ........................................... 33 Tabela 4 – Densidade e condutividade térmica de alguns materiais da construção civil ......... 38 Tabela 5 – Proporção de materiais para o estudo preliminar ................................................... 47 Tabela 6 – Proporções dos traços delineados na fabricação dos compósitos ........................... 49 Tabela 7 – Modelos de regressão geométricos utilizados na estimativa da absorção sonora α (%) em função da frequência f (Hz) de medição. ..................................................................... 57 Tabela 8 – Coeficientes de absorção sonora de materiais com matriz de gesso ...................... 59 Tabela 9 – Condutividade térmica (k) de compósitos com matriz de gesso ............................ 63 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13 2 OBJETIVOS ......................................................................................................... 15 2.1 GERAL .................................................................................................................. 15 2.2 ESPECÍFICOS ....................................................................................................... 15 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................... 16 3.1 COMPÓSITOS ...................................................................................................... 16 3.2 RESÍDUOS SÓLIDOS .......................................................................................... 18 3.2.1 Resíduos do setor de papel e celulose ................................................................. 19 3.2.2 Resíduos do setor da construção civil ................................................................. 21 3.2.3 Resíduos de poliestireno expandido (isopor®) .................................................. 26 3.3 CONFORTO ACÚSTICO ..................................................................................... 29 3.3.1 Determinação do coeficiente de absorção sonora ............................................. 34 a) Tubo de impedância ............................................................................................... 34 b) Câmara reverberante ............................................................................................. 35 3.4 CONFORTO TÉRMICO ....................................................................................... 36 3.4.1 Determinação da condutividade térmica ........................................................... 39 a) Método fluximétrico ................................................................................................ 39 b) Método da placa quente ......................................................................................... 40 c) Método de fluxo de calor protegido ....................................................................... 41 3.5 ESTUDOS DE COMPÓSITOS COM MATRIZ DE GESSO E RESÍDUOS ...... 41 4 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 43 4.1 RECICLAGEM DO GESSO ................................................................................. 44 4.2 ESTUDO PRELIMINAR ...................................................................................... 46 4.2.1 1ª etapa: Estudo da reciclagem do gesso ............................................................ 46 4.2.2 2ª etapa: Estudo da interação entre os materiais .............................................. 47 4.3 OBTENÇÃO DOS CORPOS DE PROVA ........................................................... 49 4.4 ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO ................................................................... 50 4.4.1 Absorção sonora ................................................................................................... 50 4.4.2 Condutividade térmica ........................................................................................ 52 4.4.3 Resistência à flexão .............................................................................................. 53 4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA .................................................................................... 54 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... 55 5.1 ABSORÇÃO SONORA ........................................................................................ 55 5.2 CONDUTIVIDADE TÉRMICA ........................................................................... 60 5.3 RESISTÊNCIA À FLEXÃO ................................................................................. 64 6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 67 6.1 RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ................................ 68 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 69 13 1 INTRODUÇÃO O crescente desenvolvimento populacional e processo de urbanização nas grandes cidades gera um expressivo aumento de resíduos acarretando vários problemas para a sociedade e o meio ambiente. Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável vem se tornando cada vez mais importante no mundo atual, pois mostra que um serviço ou produto consegue suprir as necessidades do mundo atual sem comprometer o desenvolvimento das gerações futuras, sendo economicamente viável e ambientalmente correto, utilizando os recursos naturais de forma inteligente para evitar escassez futura. A reutilização de resíduos sólidos industriais, buscando diminuir a extração e consumo de recursos naturais, é a base do desenvolvimento sustentável, pois irá proporcionar descarte adequado ao que antes seria disposto na natureza e gerar novos materiais que podem ser utilizados em diversos setores a preços inferiores aos de mercado. O termo “novo material” não se refere apenas a um material recém-descoberto, mas também a materiais conhecidos associados a outros pouco utilizados para aquela finalidade que, ao serem combinados, resultam em materiais com distintas propriedades e novas aplicações, que podem ser utilizados como alternativa aos que são normalmente utilizados pela indústria. Dados divulgados pela Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), apontam o Brasil como o 2º maior produtor de celulose do mundo, gerando em torno de 18,8 milhões de toneladas de polpa celulósica no ano de 2016 nas 220 indústrias espalhadas pelo território nacional. Ao final do processo, a quantidade de resíduos de polpa branqueada descartada é alta, atingindo quase 2% da produção em uma empresa de médio/grande porte podendo, assim, ser considerada uma perda excessiva (IBÁ, 2017; CAMARGO et al. 2016). O setor de construção civil também é um dos maiores geradores de resíduos no Brasil, podendo representar, em peso, de 40 a 60% dos resíduos sólidos urbanos, provenientes de construções, reparos, reformas e demolições, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis, como por exemplo: tijolos, concreto, rochas, solos, gesso, argamassa, fiação elétrica, entre outros demais materiais usualmente denominados como entulhos de obra (COSTA et al., 2007; MARCHI, 2011; PINTO; GONZÁLEZ, 2005; SILVA; FERNANDES, 1993). Segundo resolução nº 307/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, entre esses resíduos da construção civil, os provenientes de gesso eram classificados como 14 classe C, resíduos sem reciclagem e que necessitam de tratamentos especiais, por causa do seu potencial tóxico, liberação de gases inflamáveis, contaminação do lençol freático e do solo quando dispostos irregularmente no meio ambiente, porém a resolução nº 431/2011 alterou sua classificação para classe B, categoria que fala sobre resíduos recicláveis ou reutilizáveis em outras destinações (BRASIL, 2002, 2011). Pensando nesses fatores, o reaproveitamento de materiais antes tratados como resíduos a serem descartados na produção de novos materiais tornou-se uma alternativa para a redução da necessidade de disposição final adequada, reduzindo também os custos operacionais decorrentes de sua remoção, proporcionando aumento da vida útil desses materiais e minimizando os impactos ambientais causados pela extração excessiva de recursos naturais (ÂNGULO et al., 2001; SILVA, 2008). Visando o desenvolvimento econômico e o avanço das indústrias brasileiras em ações que respeitem o meio ambiente, o presente trabalho busca reutilizar alguns desses resíduos sólidos industriais na produção de compósitos alternativos e menos prejudiciais ao meio ambiente e introduzi-los na construção civil como composições termoacústicas. 15 2 OBJETIVOS 2.1 GERAL O objetivo deste trabalho foi estudar a viabilidade técnica da utilização de resíduos sólidos da indústria de gesso, poliestireno expandido e celulose em compósitos termoacústicos. 2.2 ESPECÍFICOS Os objetivos específicos deste trabalho foram: • Analisar a resistência ao manuseio e aparência do material gerado com gesso acartonado reciclado; • Avaliar a influência da utilização dos resíduos de poliestireno expandido e polpa celulósica na absorção sonora do compósito de matriz de gesso reciclado produzido; • Avaliar a influência da utilização dos resíduos de poliestireno expandido e polpa celulósica na condutividade térmica do compósito de matriz de gesso reciclado produzido; • Estudar a influência dos resíduos de poliestireno expandido e polpa celulósica na resistência a flexão do compósito de matriz de gesso reciclado produzido. 16 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A revisão da literatura a seguir abrange os tópicos: compósitos; resíduos sólidos divididos nos setores de papel e celulose, construção civil e de poliestireno expandido. A revisão também faz alusão às propriedades térmicas e acústicas de absorção sonora, citando pesquisas que abrangem produtos comparáveis aos propostos neste trabalho. 3.1 COMPÓSITOS A busca por soluções para os problemas ambientais é cada dia considerada mais urgente para evitar a escassez de alguns recursos naturais, pois, com o avanço tecnológico e o crescimento populacional as explorações desses passaram a ser feitas de forma intensa, pondo em risco a existência de recursos não renováveis. Um dos grandes desafios da humanidade é o desenvolvimento sustentável, baseando-se em um planejamento a longo prazo e no reconhecimento de que os recursos naturais que utilizamos em nossa vida diária possuem um limite final (OLIVEIRA e CASTRO, 2007). Essa crescente preocupação com o meio ambiente aumentou a quantidade de novas pesquisas direcionadas ao uso de materiais sustentáveis e de materiais com combinações incomuns de propriedades que não são encontradas em materiais convencionais, buscando controlar o consumo de energia elétrica na sua obtenção e produção, e substituir materiais tradicionais por materiais alternativos. Essa necessidade causou o surgimento dos compósitos, que são constituídos por, no mínimo, dois materiais ou fases, sendo uma fase matriz que pode ser cerâmica, polimérica ou metálica, e a fase dispersa, normalmente composta por fibras ou partículas que servem como reforço do compósito. Estes materiais são insolúveis entre si, com propriedades mecânicas complementares e propriedades físicas e químicas distintas, que quando combinados formam um material de engenharia útil com propriedades não encontradas nos materiais isoladamente (ASTM D3878, 2016; CALLISTER JR; RETHWISCH, 2016; KALPAKJIAN; SCHMID, 2009; LEVY NETO; PARDINI, 2006). Porém, para que haja transferência de esforços mecânicos da matriz para a carga de reforço é necessária interação química e/ou física entre as duas fases (AGNELLI, 2002). Segundo Callister Jr. e Rethwisch (2016) os compósitos podem ser divididos em três classes principais, sendo eles os compósitos reforçados com partículas, os reforçados com fibras 17 e os compósitos estruturais, existindo ainda pelo menos duas subdivisões classificando segundo a sua geometria, distribuição e orientação da fase dispersa, como mostrado na Figura 1. Figura 1 – Esquema de classificação para os tipos de compósitos Fonte: Callister Jr. e Rethwisch (2016) Um exemplo de compósito reforçado com partículas muito utilizado é o concreto, composto por cimento (fase matriz), areia e brita (os reforços particulados). É no setor da construção civil que o uso de materiais compósitos vem ganhando cada vez mais destaque e inovando. É possível encontrar diferentes eixos de pesquisas práticas que estudam a disponibilidade, o barateamento e melhoramento das propriedades de seus componentes utilizando a combinação de materiais. Além desses fatores, os materiais alternativos são ecologicamente corretos e agregam valor e procura, pois o interesse por habitações sustentáveis é crescente. Portanto, com os compósitos é possível obter materiais com diferentes propriedades, entre os quais é possível citar: leveza, ductilidade, elevada resistência mecânica, resistência a altas temperaturas, à corrosão e ao impacto, entre outras propriedades como isolamento acústico e térmico, fator que torna muitas vezes mais interessante o uso dos compósitos ao invés de um único material (BOUMBIMBA et al., 2014; KATSOULIS et al., 2012). 18 3.2 RESÍDUOS SÓLIDOS A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define na NBR 10.004 (2004) os resíduos sólidos como todos os resíduos provenientes de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição, incluindo lodos e alguns líquidos que possuem características que os tornem inviáveis de serem lançados na rede pública de esgotos ou corpos d’água sem tratamento. E são classificados, de acordo com a sua origem e periculosidade, em (ABNT, 2004): • Resíduos Classe I (perigosos): Materiais com características inflamáveis, corrosivas, reativas, tóxicas ou patogênicas, que podem apresentar riscos à saúde pública e ao meio ambiente quando não dispostos de forma adequada. • Resíduos Classe II A (não perigosos e não inertes): Materiais com características biodegradáveis, combustíveis ou solúveis em água. • Resíduos Classe II B (não perigosos e inertes): Materiais que não oferecem riscos à saúde e ao meio ambiente, pois não se decompõem ao serem dispostos no solo, e que quando submetidos a teste de solubilidade não possuem nenhum de seus componentes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade de água, ou seja, a água em contato com esse resíduo permanecerá potável. Uma parte dos resíduos gerados, perigosos e não perigosos, são depositados em aterros sanitários onde são aplicados métodos e técnicas sanitárias como, impermeabilização do solo, compactação, cobertura e coleta diária do lixo, tratamento do chorume, tratamento e coleta de gases, entre outros procedimentos que ajudam a evitar a contaminação do ambiente (MOTA et al., 2009). Porém, a maior parte são dispostos em lixões a céu aberto, onde são encontrados desde materiais orgânicos e lixo doméstico até resíduos industriais e hospitalares, que podem estar contaminados ou serem tóxicos, sem nenhum tratamento adequado, causando contaminação do solo, lençóis freáticos e prejudicando a saúde dos seres vivos. Em 2010, a aprovação da Lei nº 12.305 que institui Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) marcou o início de uma forte busca de soluções para os problemas na gestão resíduos sólidos que comprometem a qualidade de vida dos brasileiros, abrangendo instrumentos que permitem minimizar e combater os impactos ambientais, sociais e econômicos causados pelo seu manejo inadequado. A lei prevê programas de prevenção e redução na geração de resíduos, seja por meio de melhorias na transformação da matéria-prima em produto final, ou nos hábitos 19 de consumo sustentável e pela implantação de um conjunto de instrumentos que buscam aumentar a reciclagem e reutilização dos resíduos que ainda podem possuir valor econômico, ou na destinação final daqueles resíduos que não podem mais ser reutilizados (BRASIL, 2010). Apesar da existência dessa Lei, o Panorama dos Resíduos Sólidos, divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), mostra que a soma dos resíduos urbanos, resíduos da construção civil e demolição, e resíduos de serviços de saúde produzidos no ano de 2016 corresponde a 117 mil toneladas, onde 41,6% foram destinados de forma inadequada em aterros controlados ou lixões. Esse valor mostra uma piora em relação ao ano de 2015, onde 41,3% dos resíduos foram descartados de maneira inadequada (ABRELPE, 2016). A preocupação com a crescente geração destes resíduos vem sendo amplamente discutida na esfera nacional e internacional, pois a excessiva produção de lixo urbano e industrial, combinada com a falta de locais adequados para a sua disposição final tornou-se um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade atual, onde novas tecnologias que auxiliem no gerenciamento e reaproveitamento é um fator de urgência, podendo ajudar a eliminar ou minimizar os impactos ambientais causados por eles. O reaproveitamento de resíduos é uma alternativa eficiente e segura, sendo uma grande oportunidade de transformação de uma fonte importante de despesa e poluição em uma fonte de faturamento ou, pelo menos, de redução das despesas de disposição final, utilizando-o como matéria-prima para a produção de um novo produto ou como componente de um compósito. 3.2.1 Resíduos do setor de papel e celulose A atividade industrial madeireira no Brasil é altamente geradora de resíduos, independente do setor, sendo resultado direto do processamento primário ou secundário da madeira sólida, onde, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), são aproveitados apenas cerca de 30 a 60% da árvore (IBAMA, 2002). Todo o processo do setor madeireiro, desde o corte da árvore até a concepção do produto final, gera grandes quantidades de resíduo onde apenas uma parcela do volume desses resíduos possui um reaproveitamento econômico, social e/ou ambiental, enquanto a outra parcela geralmente é descartada de forma inadequada, sendo disposta em locais impróprios ou queimados, resultando em danos ambientais e a saúde da população (WIECHETECK, 2009). 20 Segundo dados divulgados pela Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), este setor gerou 47,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos no ano de 2016, sendo que, desse total, 70,5% foram gerados pelas atividades florestais e 29,5% pelas industriais. Dos resíduos gerados pela indústria, grande parte são destinados à geração de energia por meio da queima em caldeiras ou reutilizados como matéria-prima por outras empresas do setor, e cerca de 3,5% são encaminhados para aterros industriais (IBÁ, 2017). Das atividades industriais, o setor de papel e celulose tem grande importância na economia brasileira, a produção nacional de celulose em 2016 foi de 18,80 milhões de toneladas, um crescimento de 8,1% em relação ao ano de 2015. Com esse volume de produção o Brasil subiu duas posições no ranking de produção em relação ao ano de 2015 e consolidou- se no mercado mundial ocupando a vice-liderança da indústria como pode ser visto na Tabela 1 (IBÁ, 2016, 2017). Tabela 1 – Principais produtores mundiais de celulose nos anos de 2015 e 2016 2015 2016 País milhões toneladas País milhões toneladas 1 EUA 48,0 1 EUA 48,5 2 China 17,9 2 Brasil 18,8 3 Canadá 17,7 3 Canadá 17,0 4 Brasil 17,4 4 China 16,8 5 Suécia 11,5 5 Suécia 11,1 6 Finlândia 10,5 6 Finlândia 10,3 7 Japão 9,1 7 Japão 8,7 8 Rússia 7,9 8 Rússia 8,0 9 Indonésia 6,8 9 Indonésia 6,8 10 Chile 5,2 10 Chile 5,1 Fonte: Adaptado de IBÁ (2016, 2017) Esse alto volume de produção, consequentemente, resulta em um alto volume de resíduos, pois para se obter a polpa é preciso separar a celulose dos demais compostos da madeira, sendo um setor altamente dependente de recursos naturais, necessitando de fibras vegetais, energia e água, esse último apresenta um alto consumo pois é utilizado nos processos de lavagem, depuração e limpeza da pasta celulósica, gerando rejeitos em todos os processos. A etapa de 21 branqueamento também é um grande gerador de resíduos, podendo ser considerado uma importante fonte de poluentes do ar, água e solo (MIRANDA, 2008). Um estudo realizado por Camargo et al. (2016) constatou que uma empresa de médio porte da região de Itapeva/SP produzia diariamente 700 toneladas de polpa de celulose branqueada de eucalipto (produto final), onde cerca de 15 toneladas de polpa era descartada diariamente, provenientes das etapas de extração alcalina e branqueamento final. Nessas duas etapas são gerados efluentes alcalinos, que seguem para um decantador onde é retirada a celulose que seguiu junto com o efluente, esse material recuperado é a polpa celulósica residual descartada, correspondente a quase 2% da produção total dessa empresa de médio porte, um valor extremamente alto quando se leva em consideração a grande quantidade de indústrias de papel e celulose espalhadas pelo Brasil. Essa polpa celulósica pode ser classificada pela Legislação Brasileira como Classe II-A, por não ser perigosa nem inerte, porém é preciso levar em consideração a quantidade e a variedade apresentada por ele por causa dos reagentes e processos utilizados. A polpa celulósica descartada pela indústria pode ser incorporada a outros materiais formando compósitos com melhorias nas suas propriedades mecânicas, como: resistência à tração, à flexão, ao impacto, além de melhores propriedades acústicas e térmicas por conta da alta capacidade de absorver energia (OLIVEIRA, 2009). 3.2.2 Resíduos do setor da construção civil A construção civil é uma das atividades mais antigas que se pode reconhecer e desde os primórdios da humanidade foi executada de forma artesanal, gerando como subprodutos grande quantidade de entulho mineral. Este setor também responsável pelo consumo excessivo de recursos naturais provenientes de fontes não-renováveis (LEVY; HELENA, 1995; LINTZ et al., 2012). Atualmente a indústria da construção civil é conhecida como uma das mais importantes atividades para o desenvolvimento econômico e social, porém é uma das grandes geradoras de impactos ambientais (SANTOS et al., 2012), pois além da grande exploração dos recursos naturais, a geração de resíduos da construção e demolição possui índices alarmantes, produto do desperdício nas obras de construções, reformas e demolições (HALMEMAN, 2009). Segundo Ulsen et al. (2010), cerca de 90% da massa total de resíduos de construção civil (RCC) gerada no Brasil e na Europa é composta por concretos, argamassas, solo e gesso. 22 Estudos mostram que este setor consome cerca de 50% dos recursos naturais disponíveis e gera grandes quantidades de resíduos sólidos, que representam de 20 a 30% do fluxo de resíduos sólidos urbanos (RSU) gerados pelas cidades de países desenvolvidos, podendo alcançar de 40 a 60% em outros países (COSTA et al., 2007; MARCHI, 2011; SILVA; FERNANDES, 1993). O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define os RCC como resíduos provenientes de construções, reparos, reformas e demolições, incluindo os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis, como tijolos, concreto, rochas, solos, gesso, argamassa, fiação elétrica, entre outros demais materiais denominados entulhos de obra (Figura 2), que devem ser separados pelo gerador, segundo critérios pré-estabelecidos, e encaminhados para reciclagem ou disposição final, sendo proibido o descarte desses materiais em aterros sanitários, encostas, corpos d’água, terrenos baldios e em áreas protegidas por lei (BRASIL, 2002). Figura 2 – Resíduos da construção civil Fonte: Autoria própria Esses resíduos da construção civil são classificados como Classe II B – Inertes, pela NBR 10.004/2004, pois apresentam em sua composição minerais não poluentes e praticamente inertes quimicamente (ABNT, 2004), porém, dependendo da origem, composição ou armazenagem, estes resíduos podem apresentar altos níveis de contaminantes que podem mudá- los para outra classificação (LIMA, 2005). 23 A resolução CONAMA nº 307/2002, classifica os resíduos de construção e demolição em quatro Classes (A, B, C, D). O Quadro 1 apresenta a classificação dos resíduos de construção de acordo com a resolução CONAMA nº 431/2011, que alterou a classificação do gesso da Classe C para a Classe B, e as formas corretas de destinação destes recomendados pela resolução nº 307/2002 (BRASIL, 2002, 2011). Quadro 1 - Classificação e destinação dos resíduos de construção de acordo as resoluções CONAMA nº 307/2002 e nº 431/2011 Classe Origem Tipo de resíduo Destinação A Resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados. De pavimentação e de outras obras de infraestrutura, inclusive solos provenientes de operações de terraplenagem. Da construção, demolição, reforma e reparo de edificações (componentes cerâmicos, tijolos, blocos, telhas e placas de revestimento, concreto e argamassa). Deverão ser reutilizados ou reciclados na forma de agregados, ou encaminhados a áreas de aterro de resíduos da construção civil, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura. B Resíduos recicláveis com outras destinações. Plásticos, gesso, papel, papelão, metais, vidros, madeiras e outros. Deverão ser reutilizados, reciclados ou encaminhados a áreas de armazenamento temporário, sendo dispostos de modo a permitir a sua utilização ou reciclagem futura. C Resíduos para os quais ainda não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações que permitam reciclagem ou recuperação. Não especificado pela resolução. Deverão ser armazenados, transportados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas. D Resíduos perigosos oriundos de processo de construção. Tintas, solventes, óleos, amianto. Deverão ser armazenados, transportados, reutilizados e destinados em conformidade com as normas técnicas específicas. Contaminados, oriundos de demolições, reforma e reparo, enquadrados como Classe I na NBR 10004. Clínicas radiológicas, instalações industriais e outros. Fonte: BRASIL (2002, 2011) 24 Um estudo publicado pelo Sindicato da Construção Civil (SINDUSCON), realizado em 348 municípios do estado de São Paulo, teve por objetivo verificar a situação dos municípios e das obras civis em relação ao manejo e gerenciamento dos resíduos de construção, e mostra que apenas 20% das empresas separam e reutilizam os resíduos classificados como B, no qual o que mais apresenta dificuldades de manejo e reuso é o gesso com quase 40% das citações (SINDUSCON, 2012). O gesso, inicialmente utilizado em obras de arte e decorações, é um dos mais antigos materiais utilizados pelo homem, conforme confirmam algumas descobertas arqueológicas importantes (PERES et al., 2001), mas devido as suas características e propriedades passou a ser utilizado não apenas em decoração, mas também em acabamentos, argamassas autonivelantes para contra pisos, placas, blocos, cola e gessos acartonados (ROCHA, 2007; SOBRINHO et al., 2001). Segundo pesquisa realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), durante os anos de 2009 e 2012 as obras de acabamento com gesso e estuque foi uma das atividades da construção civil com maior taxa de crescimento ao ano, ficando em 6º lugar com 76%, fato que pode ser explicado pelo baixo custo do gesso e disseminação de sistemas construtivos alternativos (PINHEIRO, 2011; SEBRAE, 2014). Um desses sistemas construtivos alternativos é o drywall, um sistema de forro ou parede constituído por placas de gesso pré-fabricadas (gesso acartonado), parafusadas em uma estrutura metálica ou de madeira, gerando uma superfície apta a receber o acabamento final. A composição típica desse material é complexa, a parcela predominante é de gesso natural hidratado (gipsita), papel, fibras de vidro, vermiculita, argilas, amido, potassa cáustica (KOH), agentes espumantes e dispersantes (LINTZ et al., 2012). As perdas nesse tipo de sistema construtivo são elevadas devido às atividades de corte da chapa, onde estima-se que entre 10 a 12% do gesso acartonado é transformado em resíduos (Figura 3) durante a instalação das chapas de drywall nos EUA (PLACO DO BRASIL1, 2014 apud ERBS et al., 2015) e de 5% no Brasil, onde esse método de sistema construtivo ainda é pouco utilizado (SINIAT, 2012). 1 PLACO DO BRASIL. Mercado de drywall segue em expansão. São Paulo, 2014 apud ERBS, A.; NAGALLI, A.; MYMRINE, V.; CARVALHO, K.Q. Determination of physical and mechanical properties of recycled gypsum from the plasterboard sheets. Cerâmica, São Paulo, v. 61, n. 360, p. 482-487, dez. 2015. 25 Figura 3 – Resíduos de gesso acartonado Fonte: Siniat, 2012 Segundo estudos realizados pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Chapas para Drywall (DRYWALL) é possível reciclar gesso acartonado, produzindo aglomerantes, desde que sejam removidos contaminantes incorporados no processo de geração de resíduos, pois o gesso volta a possuir as características químicas da sua matéria-prima, a gipsita, podendo ser utilizado: na indústria cimentícia, atuando como retardante de pega do cimento; no reaproveitamento nas fábricas de gesso, reincorporando os resíduos em certa quantidade no processo de produção; e no setor agrícola, para melhorar as características do solo e corrigir a acidez, de forma eficaz e economicamente viável (BRASIL, 2009; MARVIN, 2000). A reciclagem do gesso acartonado é um processo simples e pode ser dividida em duas partes, onde o primeiro passo é retirar o revestimento de papel do núcleo de gesso, e depois triturar o núcleo de gesso através de um picador mecânico até que o material apresente a granulometria desejada para a calcinação (BAUER, 2012; PINHEIRO, 2011). A calcinação do material é o responsável pela recuperação da capacidade aglomerante do gesso, pois é durante esse processo que o resíduo de gesso, apresentado como sulfato de cálcio di-hidratado (CaSO4.2H2O), é convertido em gesso reciclado (CaSO4.1,5H2O + 0,5H2O). A calcinação é feita submetendo-se o resíduo de gesso a queima em estufa com temperaturas controladas (SAVI, 2012). 26 Os estudos realizados por Savi (2012) mostram que o gesso reciclado apresenta valores de resistência a flexão entre 0,7 e 3,5 MPa, enquanto o gesso comercial apresenta resistência variando de 4,40 a 10,50 MPa. Porém, seu uso é interessante para produção de materiais que não demandam de resistência elevada ou para ser reutilizado no processo, colocando este produto hoje considerado nocivo ao meio ambiente na esfera sustentável. Uma das primeiras empresas a utilizar o gesso acartonado reciclado em sua produção é a British Plaster Board do Canadá, que afirma utilizar até 22% de gesso reciclado em seu processo produtivo sem perda de desempenho do material final (ISAIA, 2007). Segundo Pinheiro (2009) esse processo de reciclagem é amplamente utilizado na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia, onde eles possuem um sistema para coleta do resíduo e transporte até a usina de reciclagem, onde o material é submetido à remoção do contaminante em excesso, triturado e inserido no beneficiamento das chapas acartonadas. Dentro do setor produtivo da construção civil, o gesso é um material que apresenta grande potencial de contribuição para sustentabilidade da indústria, devido ao baixo consumo energético do processo de produção e da viabilidade de reciclagem dos resíduos gerados ao longo de sua cadeia produtiva (JOHN; CINCOTTO, 2003, 2007). Porém, apesar de todo o potencial de reciclagem, no Brasil ela é quase inexistente, com apenas algumas iniciativas isoladas, sendo necessários estudos que possam indicar novos usos para o material, como por exemplo o desenvolvimento de compósitos utilizando o gesso reciclado como material aglutinante. 3.2.3 Resíduos de poliestireno expandido (isopor®) O poliestireno expandido é um plástico celular rígido expandido por gás e obtido da polimerização do estireno (derivado do petróleo) em água, criado na Alemanha em 1949 pelos químicos Fritz Stastny e Arl Buchholz (ISO 1043, 2011). A sigla internacional do poliestireno expandido é EPS (Expanded PolyStyrene). No Brasil esse material é mais conhecido como “isopor”, marca registrada da Knauf Isopor Ltda. Em seu processo produtivo o plástico é aumentado em até 50 vezes o seu tamanho (Figura 4), onde o processo de transformação da matéria prima é físico, não alterando as suas propriedades químicas. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM) e a Associação Brasileira do Poliestireno Expandido (ABRAPEX) a expansão é causada pela ação de um agente químico chamado pentano, um hidrocarboneto que se deteriora rapidamente 27 pela reação fotoquímica gerada pelos raios solares, sem comprometer o meio ambiente, portanto não contém produtos tóxicos ou perigosos para o meio ambiente e sua produção é isenta de CFC, gás que causa danos a camada de ozônio (ABIQUIM, 2017; ABRAPEX, 2017). Figura 4 – Antes e depois do material expandido Fonte: ABRAPEX (2017) Cerca de 98% do volume do EPS é constituído de ar e apenas 2% de poliestireno, sendo assim, quimicamente o EPS é formado só de dois elementos, o carbono e o hidrogênio. O material granulado expandido é introduzido em moldes (com tamanho e formas desejados) e aquecido por meio da exposição a vapor de água, processo que causa a soldagem dos grãos e forma um material monolítico e rígido, contendo grande quantidade de ar. Segundo a ABIQUIM (2017 – SOUZA 2002) o EPS apresenta muitas vantagens, as principais características são destacadas a seguir: • Baixa condutibilidade térmica: A estrutura de células fechadas, cheias de ar, dificulta a passagem do calor, conferindo ao EPS um grande poder isolante, tendo condutividade térmica de cerca de 0,030 W/m°C; • Exposição a temperaturas extremas: A temperatura mínima de utilização do EPS é correspondente à temperatura de liquefação dos gases do ar contido nas células, portanto não tem limite a exposição a baixa temperaturas. No entanto, como todos os plásticos, o EPS tem um limite superior de exposição à temperatura, podendo suportar até 100ºC em períodos curtos, baixando para 80-85ºC em situações de exposição prolongada e com aplicação de cargas elevadas; 28 • Leveza: O material possui baixo peso específico, onde a densidade varia entre os 10-30 kg/m³; • Resistência mecânica: Tem uma resistência mecânica elevada apesar da sua leveza, permitindo o seu emprego onde esta característica é necessária. A resistência à compressão é de 7.000 kgf/m² a 14.0000 kgf/m²; • Baixa absorção de água: O EPS é um material não higroscópio, absorvendo pequenas quantidades de água mesmo quando imerso, mantendo suas características térmicas e mecânicas mesmo sob a ação da umidade; • Resistente ao envelhecimento: O EPS pode levar até 150 anos para se degradar no meio ambiente, pois suas propriedades não sofrem alteração ao longo da vida do material; • Resistência química: O EPS é compatível com a maioria dos materiais normalmente utilizados na construção civil, tais como cimento, gesso, cal, água, entre outros. Os produtos finais que utilizam o EPS possuem diversas formas geométricas e grande gama de aplicações, sendo muito utilizado pela indústria de embalagens de eletroeletrônicos, alimentos e bebidas, fármacos, utilitários e decorativos (MANO, 1999). Das características desse material, duas têm fortalecido o seu uso: a leveza e capacidade de isolamento térmico. Porém seu emprego pode ir da agricultura a construção civil. E é na construção civil que o EPS tem se destacado devido a adequação de suas propriedades às necessidades das obras, não apenas pelas suas propriedades acústicas e térmicas, mas também pela sua leveza, resistência e fácil manuseio, principalmente se associado ao baixo custo. Apesar de não poluir o meio ambiente e não o contaminar, o EPS causa um grave problema ambiental, pois por ser um material volumoso e com tempo de decomposição elevado ocupa uma área extensa nos aterros e lixões, onde muitas vezes se opta por queimar grandes quantidades, agravando os problemas de aquecimento global e poluição do ar (BALBO; TOSTA, 2012; METAGREEN, 2012). Esse cenário pode mudar com a conscientização da população quanto a importância da reciclagem deste material, que podem ser processados e moldados novamente em forma de blocos; usados como substratos para melhoramento de solo, para drenagens e jardineiras, na aeração de substâncias para melhoria da decomposição; e reutilizados na construção civil na fabricação do concreto leve, para regularização de lajes em geral, painéis de fechamento e 29 isolamento, elementos pré-fabricados, pavimentos, podendo atingir densidades aparentes que variam entre 300 kg/m³ e 1600 kg/m³ (OLIVEIRA, 2013), entre outras possibilidades. A Figura 5 ilustra os processos de transformação dos resíduos em seus usos finais, onde pode-se verificar os variados processos para reciclar o EPS (GROTE; SILVEIRA, 2010). Figura 5 – Processos de reciclagem de resíduos à base de poliestireno expandido (EPS) Fonte: GROTE e SILVEIRA (2010) Uma pesquisa divulgada em 2012 mostra que o Brasil reciclou 34,5% do EPS que consumiu, ou seja, reciclou 13.570 toneladas das 39.340 toneladas de EPS geradas pós- consumo, onde a construção civil é o maior mercado para o EPS reciclado, utilizando cerca de 80%, misturado em argamassa, concreto leve, lajotas, telhas termoacústicas, rodapés e decks de piscinas (PLASTIVIDA, 2012). 3.3 CONFORTO ACÚSTICO A poluição sonora é uma das formas de poluição que tem crescido nos últimos anos, fator que causa necessidade de controle sobre seus efeitos sobre o meio ambiente e qualidade de vida das pessoas, pois diferente da poluição química da água e do ar que podem ter seus efeitos 30 identificados facilmente, os efeitos da poluição sonora são sentidos a longo prazo (NORONHA et al., 2005). O excesso de ruídos e as elevadas intensidades dos sons provocam desconforto, fadiga, perturbação do sono, perdas auditivas, falta de concentração, além de afetarem o sistema nervoso causando irritabilidade, estresse, entre outros, prejudicando a saúde mental e psíquica, afetando o desempenho humano nas atividades cotidianas (HENNING2, 1993 apud NORONHA, 2005). As principais fontes de ruído urbano provêm da grande quantidade de carros e ônibus e obras de construção civil, causados pelo crescimento populacional, e os ruídos no interior das edificações, são provenientes dos sistemas de ventilação, equipamentos mecânicos coletivos, equipamentos eletrônicos, utensílios domésticos, trafego de pessoas entre outros. Uma das maneiras de minimizar os efeitos da poluição sonora é se preocupar mais com o tratamento acústico das edificações, através da aplicação de materiais adequados que isolem ou absorvam estes ruídos sonoros de tal forma que o ambiente se torne confortável do ponto de vista acústico. O conforto acústico de um ambiente é um dos aspectos mais importantes em um projeto arquitetônico, sendo considerado desde a antiguidade com os teatros ao ar livre dos gregos e romanos, e abrange conceitos de isolamento, que se refere ao confinamento de ambientes por meio de barreiras utilizando, geralmente, materiais densos, e condicionamento acústico, que consiste na redução ou eliminação dos níveis de reverberação em um ambiente, garantindo um bom nível de compreensão das palavras, por meio da absorção sonora (OLIVEIRA, 2010). Segundo a NBR 12.179 “som é toda e qualquer vibração ou onda mecânica que se propaga longitudinalmente através de um meio elástico produzindo no homem a sensação de ouvir” (ABNT, 1992). Esse som ao atravessar um material perde intensidade, portanto existem superfícies em que o som perde mais ou menos intensidade, pois ocorrem três comportamentos diferentes quando uma onda sonora incide sobre uma superfície: a transmissão, a absorção e a reflexão. Isso significa que parte do som é refletida, fenômeno conhecido como eco, parte é absorvida e outra parte é transmitida através da superfície. Esses três efeitos estão interligados e acontecem simultaneamente, mas conforme o tipo de material, um dos três comportamentos ocorre com 2 HENNING, E. Von Gierk; KENNETH, Mck. Elderd. Efeitos do ruído no homem, Noise/News Internacional (NNI), 1993, traduzido para a Revista de Acústica e Vibrações nº19, 1997 apud NORONHA, E.H.; TRAVAGLIA FILHO, U.J.; GARAVELLI, S.L. Quantificação dos níveis de ruídos num estande de tiros da PM do Distrito Federal. Humanitates, Brasília, DF, v. 1, n. 3, 2005. 31 maior intensidade, podendo-se dividir os materiais em refletores, absorventes ou isolantes (BISTAFA, 2011; SOUZA, 2006). Um dos meios mais eficazes de melhorar o conforto acústico em um espaço é utilizar materiais com boa absorção sonora. A absorção sonora é uma propriedade dos materiais que permite dissipar parte da energia que o atinge, e depende do tipo de superfície, do ângulo de incidência, da frequência da onda (o número de oscilações de onda, por um certo período de tempo) e das condições de aplicação do sistema no qual o material está sendo utilizado (DOMINGUES, 2005). Essa capacidade de absorção do som pode ser definida como o quanto o material pode dissipar ou absorver a energia sonora que incide sobre ele, por meio da transformação da energia mecânica vibratória em energia térmica (NAKAMURA, 2006). A relação entre essa quantidade de energia dissipada ou absorvida e a energia incidente é chamada de coeficiente de absorção sonora (α), que pode ser expresso em número decimal ou em porcentagem, e varia de 0 a 1, portanto, se um material tem um coeficiente de absorção sonora de 0,50 pode-se dizer que o material absorve 50% da energia incidente nessa frequência (EGAN, 2007; SIMÕES, 2011). Os materiais podem ser classificados pelo valor do seu coeficiente de absorção sonora. A bibliografia sugere valores superiores a 0,5 para que os materiais sejam considerados absorventes. Materiais com coeficientes de absorção sonora inferiores a 0,2 são geralmente considerados refletores sonoros (EGAN, 2007). Deve-se tomar cuidado para não confundir isolamento com absorção acústica, pois isolamento é a maneira como o som atravessa o material e está diretamente relacionado à capacidade de determinados materiais formarem uma barreira que impede, por meio da reflexão, que o som ou ruído, passe de um ambiente para outro, reduzindo a intensidade sonora transmitida para outro ambiente. Usualmente emprega-se para esta finalidade materiais densos como o concreto, vidro ou chumbo, enquanto para a absorção sonora devem ser utilizados materiais de grande porosidade (SOUZA, 2006). Os coeficientes de absorção sonora são usualmente determinados utilizando as frequências sonoras, que significa o número de vezes que a molécula do ar oscila em um segundo (Hz). As bandas de oitavas de 125 Hz, 250 Hz, 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 4000 Hz são as que estão dentro da faixa audível pelo ser humano, ou seja, são as frequências percebidas pelo ouvido de forma não linear, portanto são as mais utilizadas para expressar esse coeficiente (FERNANDES, 1993). 32 A Tabela 2 apresenta os valores de isolamento acústico de alguns elementos utilizados em edificações, valores na frequência de 500Hz e expressos em decibéis, especificados pela NBR 12.179 (ABNT, 1992). Tabela 2 – Isolamento acústico de diversos materiais Material Isolamento acústico em decibéis (500 Hz) Alvenaria de tijolo maciço (espessura de 10 cm) 45 Alvenaria de tijolo maciço (espessura de 20 cm) 50 Alvenaria de tijolo maciço (espessura de 30 cm) 53 Alvenaria de tijolo maciço (espessura de 40 cm) 55 Alvenaria de tijolo furado (espessura de 25 cm) 10 Chapas ocas de gesso (espessura de 10 cm) 24 Compensado de madeira (espessura de 6,0 mm) 20 Compensado de madeira (espessura de 6.0 mm) duas placas com camada de ar intermediária de 10 cm 25 Concreto - laje entre pavimentos 68 Vidro de janela (espessura de 2.0 a 4.0 mm) 20 a 24 Vidro grosso (espessura de 4,0 a 6,0 mm) 26 a 32 Vidro de fundição (espessura de 4 a 6 mm) duas placas com camada de ar intermediária 36 Fonte: ABNT (1992) A norma também apresenta alguns coeficientes de absorção, mostrados de maneira resumida na Tabela 3, onde o coeficiente varia conforme a frequência utilizada, e tem seus valores expressos entre 0 e 1, sendo que 0 significa ausência de absorção (toda a energia incidente é refletida) e 1 significa absorção total da energia (ABNT, 1992). 33 Tabela 3 – Coeficientes de absorção acústica de alguns materiais Material Frequência (Hz) 125 250 500 1K 2K 4K Reboco liso 0,02 0,02 0,02 0,02 0,03 0,06 Superfície de concreto 0,02 0,03 0,03 0,03 0,04 0,07 Lã de rocha 0,42 0,66 0,73 0,74 0,76 0,79 Lã de vidro solta 0,29 0,55 0,64 0,75 0,80 0,85 Feltro 0,02 0,55 0,64 0,75 0,80 0,85 Piso de tábuas de madeira sobre vigas 0,15 0,11 0,10 0,07 0,06 0,07 Placas de cortiça sobre concreto 0,02 0,02 0,03 0,03 0,04 0,04 Carpete tipo forração 0,10 - 0,25 - 0,4 - Tapete de lã 0,20 0,25 0,35 0,40 0,50 0,75 Concreto aparente 0,01 0,01 0,02 0,02 0,02 0,03 Parede de alvenaria 0,02 0,02 0,03 0,04 0,05 0,07 Vidro 0,18 0,06 0,04 0,03 0,03 0,02 Cortina de algodão com dobras 0,07 0,31 0,49 0,81 0,61 0,54 Reboco áspero, Cal 0,03 0,03 0,03 0,03 0,04 0,07 Tapete 5mm sobre feltro (5mm) 0,07 0,21 0,57 0,66 0,81 0,72 Madeira compensada de 3mm a 50mm. 0,25 0,34 0,18 0,10 0,10 0,05 Forro de gesso c/manta de lã de vidro 0,68 0,90 0,78 0,65 0,50 0,45 Cortina de veludo 0,14 0,35 0,55 0,72 0,70 0,65 Gesso acartonado (13mm) c/ caixa de ar de 10cm 0,30 0,12 0,08 0,06 0,06 0,05 Gesso acartonado (13mm) c/ caixa de ar de 10cm e lã mineral 0,08 0,11 0,05 0,03 0,02 0,03 Madeira (9,5 – 12,7mm) c/ caixa de ar de 5 – 10cm 0,30 0,25 0,20 0,17 0,15 0,10 Placa de gesso maciço (2cm) 0,30 0,33 0,31 0,38 0,48 0,53 Fonte: Adaptado de ABNT (1992) 34 Analisando os dados da Tabela 3 pode-se notar que os materiais com melhor absorção acústica normalmente são os que possuem baixa densidade e estrutura porosa ou fibrosa, como lã, fibras cerâmicas, tecidos, carpetes, espuma, cortiça, que permitem a passagem de fluxo de ar para que as ondas sonoras penetrem e dissipem a energia acústica em energia térmica (BISTAFA, 2011; SOUZA, 2006; OLIVEIRA, P.D.P.S. 2009). 3.3.1 Determinação do coeficiente de absorção sonora O coeficiente de absorção sonora dos materiais pode ser determinado através de vários métodos, os mais conhecidos e utilizados são: tubo de impedância ou tubo de ondas estacionárias e câmara reverberante. a) Tubo de impedância O método do tubo de impedância é realizado segundo metodologia estabelecida pela norma ISO 10534-2 (Determination of sound absorption coefficient and impedance in impedance tubes-Part 2: Transfer-function method) e permite a determinação do coeficiente de absorção sonora para uma incidência normal de um material, através da determinação da resistência da passagem de som, conhecida como impedância acústica, de um meio de características específicas para outro com características diferentes (ISO, 1998). A realização das medições utilizando o tubo de impedância tem como vantagem necessitar de amostras de menores dimensões, facilitando a pesquisa e desenvolvimento de materiais absorventes. O equipamento também apresenta certa facilidade de transporte, pois consiste em um tubo de pequeno diâmetro (10 cm) de parede rígida, pois a norma específica que as paredes do tubo devem ser rígidas de forma que modos de vibração na faixa de frequências de operação do tubo não sofram excitação de fontes externas e nem sejam absorvidas pelas paredes, onde em uma extremidade deve ser colocada a amostra do material a ensaiar e na outra um alto-falante, que emite uma excitação com um ruído branco de banda larga (sinal de banda larga com sons constantes e emitidos de forma aleatória), captado por 2 microfones que medem a pressão sonora em seu interior em duas posições distintas (COX.; D’ANTONIO, 2004; MELO et al.,2010). A Figura 6 apresenta um esquema do tubo de impedância usado no ensaio de absorção sonora. 35 Figura 6 – Esquema do tubo de impedância usado no ensaio de absorção sonora segundo a norma ISO 10354-2 Fonte: Engenharia Acústica (2017a) Os sinais obtidos no ensaio são processados no analisador e a função transferência medidas pelos dois microfones é calculada. Com o valor da função transferência e distância entre os microfones, é possível calcular três variáveis: o coeficiente de reflexão, a impedância de superfície e o coeficiente de absorção. Esse método apresenta algumas limitações, pois apenas determina o coeficiente de absorção sonora para uma incidência normal, isto é, perpendicular à amostra, diferente da realidade onde as incidências são aleatórias. Há também uma limitação de faixa de frequências associada às dimensões da secção transversal do tubo, sendo muitas vezes necessário construir diferentes tubos de impedância para faixa de baixas e altas frequências. b) Câmara reverberante O método de ensaio da câmara reverberante é regido pela norma ISO 354 (Measurement of sound absorption in a reverberation room) e, diferente do tubo de impedância, permite a determinação do coeficiente de absorção sonora para ondas de incidência aleatória (campo difuso), que é realizada através da medição de dois tempos de reverberação em uma câmara reverberante. Segundo a norma ISO 354 (2003), o tempo de reverberação (T60) é o tempo de decaimento do nível da pressão sonora num decréscimo de 60 dB após interrupção da fonte sonora. Esse ensaio é realizado em uma sala com baixa absorção acústica onde se coloca uma grande porção do material a ser analisado e, a partir da redução do tempo de reverberação, se inicia a incidência de ondas sonoras aleatórias separadas em frequências. 36 O tempo de reverberação destas salas é muito longo, o que torna a medida muito precisa (EVEREST, 2001). O primeiro tempo de reverberação é medido sem a presença da amostra a ser caracterizada (Figura 7), e a segunda com a amostra posicionada no chão da câmara, preenchendo uma área especificada pela norma. Com os dois valores obtidos é realizado o cálculo do coeficiente de absorção por incidência difusa (ENGENHARIA ACÚSTICA, 2017b). Figura 7 – Câmara reverberante sem amostra para ensaio Fonte: Engenharia Acústica (2017b) Essa câmara reverberante necessita de alto volume, sendo necessário que a amostra possua área satisfatoriamente grande, a fim de que os dois tempos de reverberação medidos (com e sem a amostra na câmara) sejam diferentes (ENGENHARIA ACÚSTICA, 2017b), sendo muitas vezes inviável para ensaios de materiais que estão em desenvolvimento. 3.4 CONFORTO TÉRMICO O conforto térmico de um ambiente é essencial para a sensação de bem-estar, humor e bom desenvolvimento das atividades de seus usuários. Trata-se do equilíbrio do calor produzido pelo corpo e o calor que ele perde para o ambiente ao seu redor. O equilíbrio da temperatura do corpo humano depende de sete parâmetros: metabolismo, temperatura da pele, temperatura da roupa usada, temperatura do ar, umidade relativa, 37 temperatura da superfície dos elementos do local envolvente e velocidade do ar (ESFEROVITE, 2007; FROTA; SCHIFFER, 2001; RUAS, 1999). O desconforto causado por temperaturas extremas, falta de ventilação, umidade excessiva, entre outros fatores, pode ser prejudicial à saúde, causando efeitos físicos como sonolência, alteração dos batimentos cardíacos e suor em excesso, e psicológicos como apatia e desinteresse pelo trabalho (FROTA; SCHIFFER, 2001). A preocupação com o conforto térmico é um item de grande importância nas construções atuais, pois, um isolamento térmico adequado proporciona benefícios para eficiência energética nos edifícios. Por muitos anos, o conforto térmico de edificações era proporcionado por sistemas de ventilação e climatização artificiais, que funcionavam a base de consumo de energia elétrica. Para Lamberts et al. (2014), as edificações são responsáveis por 42% do consumo de energia elétrica, onde grande parte é causado pelos sistemas de climatização. Esse cenário pode ser alterado utilizando sistemas construtivos com resistência térmica, que diminuem a carga térmica nas edificações e a necessidade do uso da energia elétrica para climatização. Por esse motivo é importante conhecer as propriedades térmicas dos materiais de construção, pois a escolha de um material adequado para vedação é capaz de diminuir a carga térmica solar transmitida para o interior das habitações. A resistência térmica de um material é definida como a capacidade que ele tem em se opor ao fluxo de calor devido a uma diferença de temperatura. A transferência de calor através de um material pode ocorrer por condução, convecção ou radiação térmica. Neste trabalho, o mecanismo mais relevante é a condução de calor, onde a condutividade térmica (K) é a medida da taxa de fluxo de calor que atravessa perpendicularmente uma superfície de área unitária, por um determinado tempo, ou seja, quantifica a habilidade dos materiais de conduzir energia térmica (PIEDADE, 2000). Materiais com alta condutividade térmica conduzem energia térmica de forma mais rápida e eficiente, sendo utilizados em dissipadores térmicos. Materiais com baixa condutividade térmica conduzem a energia de forma mais lenta e são utilizados para promover isolamento térmico (ÇENGEL, 2009). A baixa condutividade térmica dos materiais isolantes é causada pela grande quantidade de ar presente entre as fibras ou nas pequenas células formadas no processo de expansão das espumas e dos isolantes granulares (AQUILINO et al., 2003). A norma brasileira ABNT NBR 15220-2 (Desempenho térmico de edificações – Parte 2: Métodos de cálculo da transmitância térmica, da capacidade térmica, do atraso térmico e do 38 fator solar de elementos e componentes de edificações) estabelece algumas características térmicas dos materiais para satisfazer as exigências de conforto de uma edificação por meio de ensaios específicos para determinar a resistência térmica e a condutividade térmica em composições utilizando um equipamento de construção especificado (ABNT, 2005). A Tabela 4 apresenta parte da tabela da NBR 15220-2, onde consta a condutividade térmica e densidade de massa de alguns materiais utilizados na construção civil (ABNT, 2005). Tabela 4 – Densidade e condutividade térmica de alguns materiais da construção civil Material Densidade de massa (kg/m3) Condutividade térmica (W/mK) Aço,ferro fundido 7800 55 Pedra - granito 2300 – 2900 3,0 Vidro Comum 2500 1,0 Concreto normal 2200 – 2400 1,75 Argamassa comum 1800 – 2100 1,15 Tijolos cerâmicos 1300 – 1600 0,90 Argamassa de gesso 1200 0,70 Placa de gesso (gesso acartonado) 750 – 1000 0,35 Concreto com vermiculite (espessura de 3 a 6 mm) 600 – 800 0,31 Madeiras (pinho, cedro e pinus) 600 – 750 0,23 Lã de rocha 20 – 200 0,045 Poliestireno expandido 15 – 35 0,040 Fonte: Adaptado de ABNT (2005) Analisando os dados da tabela pode-se notar que a condutividade térmica está diretamente relacionada à densidade de massa do material, portanto quanto menor a densidade de massa menor a condutividade térmica. Conhecer essas características é essencial para manter a temperatura de uma parede isolante a níveis adequados, mantendo o conforto térmico do local. Porém um material isolante 39 também precisa apresentar boa resistência mecânica, ser imperecível e inatacável por pragas, não combustível, não higroscópico, possuir baixa porosidade e penetração de vapor d’água (COSTA, 2008). 3.4.1 Determinação da condutividade térmica Existem vários métodos normatizados para determinar as propriedades térmicas dos materiais. Para a condutividade térmica os mais utilizados são: método fluximétrico, método da placa quente, e método da medição de fluxo de calor protegido. a) Método fluximétrico O método do fluximétrico é normatizado pela ABNT NBR 15220-5 (Desempenho térmico de edificações – Parte 5: Medição da resistência térmica e da condutividade térmica pelo método fluximétrico). Nesse procedimento, o resultado da medição é a resistência térmica do corpo de prova, onde os fluxímetros medem o fluxo de calor que os atravessa, que é o mesmo que atravessa a amostra, considerando que não ocorram fugas laterais. Com os dados de área, espessura, fluxo de calor que atravessa a amostra e as temperaturas das faces da mesma, é possível calcular a condutividade térmica da amostra através da Lei de Fourier. O dispositivo de medição compreende uma placa aquecedora, um ou dois fluxímetros, um ou dois corpos de prova e uma placa de resfriamento. O método mais utilizado é o com dois fluxímetros e um corpo de prova (Figura 8). Figura 8 – Esquema de ensaio do método fluximétrico Fonte: Adaptado de ABNT (2003) 40 b) Método da placa quente O método da placa quente é normatizado pela ABNT NBR 15220-4 (Desempenho térmico de edificações – Parte 4: Medição da resistência térmica e da condutividade térmica pelo princípio da placa quente protegida). A determinação da condutividade térmica é realizada por meio da medição do gradiente de temperatura médio estabelecido sobre o corpo de prova, a partir de uma quantidade de fluxo de calor e em condições de regime permanente. Dois corpos de prova idênticos, com superfícies planas e paralelas, são dispostos em cada lado entre uma placa quente central e uma placa fria isotérmica (Figura 9) e a diferença de temperatura através dos corpos de prova é determinada usando-se os termopares montados nas suas superfícies. Figura 9 – Esquema de ensaio do método da placa quente Fonte: Adaptado de ABNT (2005) Com os dados do ensaio, a condutividade térmica é obtida diretamente da equação da condução em regime permanente em parede plana. Esse método pode ser utilizado em: materiais homogêneos e isotrópicos, onde o calor é transmitido somente pelo sólido como em plásticos densos, borrachas e vidros; materiais porosos termicamente homogêneos, onde o calor pode ser transmitido por uma combinação dos processos de condução, convecção e radiação, como no caso de materiais fibrosos, celulares e granulares; materiais termicamente não homogêneos, onde o calor pode ser transmitido por condução ou uma combinação de modos. 41 c) Método de fluxo de calor protegido O método de medição de fluxo de calor protegido é normatizado pela ASTM E1530 (Evaluating the Resistance to Thermal Transmission of Materials by the Guarded Heat Flow Meter Technique). O ensaio é realizado colocando uma amostra e um transdutor de fluxo de calor intercalados entre duas placas planas a diferentes temperaturas, para produzir um fluxo de calor através da amostra (Figura 10). Uma carga é aplicada para garantir o contato entre as placas e a amostra, e a diferença de temperatura entre as superfícies da amostra é medida por sensores de temperaturas embutidos nas placas junto com a saída elétrica do transdutor de fluxo de calor. Este método de teste foi projetado para medir e comparar propriedades térmicas dos materiais sob condições controladas e sua capacidade de manter os níveis de condutividade térmica requeridos (ASTM, 2011). Figura 10 – Esquema de ensaio por fluxo de calor protegido Fonte: Adaptado de ASTM E1530 (2011) 3.5 ESTUDOS DE COMPÓSITOS COM MATRIZ DE GESSO E RESÍDUOS Macedo et al. (2011) realizou um estudo referente às propriedades de condutividade térmica de compósitos à base de gesso convencional e poliestireno expandido, nas composições 1.5:1, 1:1, 1:1,5, a fim de substituir os tijolos tradicionais de cerâmicos convencionalmente utilizados. O autor constatou que a mistura com proporção maior para o isopor mostrou menor condutividade, apresentando um melhor conforto térmico. Além disso, o custo de fabricação dos tijolos alternativos foi inferior ao do tijolo convencionalmente utilizado. Cunha et al. (2013) desenvolveu um compósito de matriz de gesso e reforço de fibra vegetal (Cocos nucifera) destinado à fabricação de placas para forração de coberturas e painéis de vedação. A partir dos resultados, Cunha et al. observou vantagens do compósito em relação 42 ao tradicional, se mostrando adequado ao uso como elemento de vedação em edificações situadas em localidades de baixas latitudes. Além das vantagens citadas, o compósito proporcionou mais leveza e economia de material, possibilitando a produção de elementos construtivos mais esbeltos. Oliveira et al. (2012) avaliaram as propriedade físico-mecânicas de compósitos de gesso com resíduos de EVA (etileno vinil acetato) e com vermiculita para aplicação em elementos de revestimento para proteção térmica de alvenarias. Oliveira determinou que os teores de vermiculita de 20 % e EVA de 12,5 % foram os mais adequados à confecção dos elementos. Azevedo (2017) desenvolveu um compósito a base de gesso e vermiculita para uso como material de isolamento térmico, com vermiculita nas proporções 5, 10, 15 e 20%. Com os resultados obtidos observou-se que o compósito apresentou menor massa especifica, redução de condutividade térmica e aumento da resistividade térmica em função do aumento no teor de vermiculita adicionado, melhorando assim a sua capacidade isolante. Haselein et al. (2002) confeccionou chapas aglomeradas utilizando gesso como matriz, e papel reciclável dissociado (jornal e offset) e partículas de madeira de pinus como reforços. Em todos os tratamentos, a razão madeira (ou fibras) para gesso foi mantida em 0,25 (base seca) e duas dosagens de água (w) foram empregadas: 0,4 e 0,8, correspondendo à razão água:gesso. E teve como resultado melhorias nas propriedades das chapas com a adição das fibras, onde diferenças estatísticas significativas em relação à testemunha (gesso puro) foram encontradas para resistência à flexão estática (MOR), dureza e arrancamento de parafusos em relação a alguns dos tratamentos estudados. Já a inclusão de fibras de papel reciclável, com w = 0,4, não apresentou diferenças significativas em relação à testemunha para absorção d’água e inchamento em espessura. Os melhores resultados foram encontrados com papel jornal, com um coeficiente w = 0,4. Macieira (2011) produziu um compósito de gesso com polímero para aplicação na fabricação de painéis externos para edificações, e constatou que a adição de estireno resultou na obtenção de um material hidrófobo, com propriedades superiores às propriedades do gesso puro. E Gencel et al. (2014) estudaram a adição de vermiculita expandida e polipropileno de baixa condutividade térmica ao gesso leve, e verificaram que as propriedades físicas e mecânicas sofreram redução da condutividade térmica em função do aumento do teor de vermiculita, redução da resistência à compressão com o aumento do percentual de vermiculita e aumento da resistência à compressão com o aumento do percentual de fibras de polipropileno. 43 4 MATERIAIS E MÉTODOS Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizados os seguintes materiais: • Gesso acartonado residual: Coletado em obras da cidade de Itapeva/SP, resultante das perdas causadas pelos recortes da placa ao serem instaladas na construção em woodframe ou steelframe (Figura 11a); • Poliestireno expandido: Placas de EPS proveniente de embalagens de eletrodomésticos e eletrônicos das lojas da cidade (Figura 11b); • Polpa celulósica: Polpa celulósica residual (Figura 11c), fornecida pelo Laboratório de Celulose e Papel da UNESP de Itapeva/SP. Figura 11 – Materiais utilizados: (a) gesso acartonado, (b) EPS e (c) polpa celulósica Fonte: Autoria própria Estes materiais foram preparados antes de serem utilizados na produção do compósito, sendo que o gesso acartonado residual passou pela etapa de reciclagem, conforme procedimento descrito no item 4.1. O EPS foi picado em liquidificador para redução de sua dimensão em partículas mais adequadas para utilização e a polpa celulósica foi seca em temperatura ambiente. Os processos de reciclagem do gesso acartonado, a produção dos compósitos e o ensaio de resistência foram executados nos laboratórios do campus da UNESP de Itapeva, e os ensaios de caracterização de isolamento acústico e térmico foram realizados no laboratório da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de São Carlos/SP e no laboratório da Universidade de São Paulo (USP), campus de Pirassununga/SP, respectivamente. (a) (b) (c) 44 4.1 RECICLAGEM DO GESSO Para este trabalho foi realizada a reciclagem dos resíduos de gesso acartonado através das seguintes etapas: Separação do papel cartão do núcleo de gesso, secagem dos resíduos de gesso em estufa, moagem, peneiramento e calcinação em alta temperatura, conforme descrito por Bardella e Camarini (2011). Primeiramente foi realizada a separação do papel cartão do núcleo de gesso da placa acartonada, procedimento realizado manualmente buscando não deixar resíduos de papel. Após essa separação o gesso precisou passar por uma etapa de secagem, pois os resíduos coletados apresentavam grande variação no teor de umidade, fator que poderia prejudicar o processo de moagem. O gesso foi então fragmentado e disposto uniformemente em bandejas de alumínio, e a secagem foi realizada pelo período de 24 horas em temperatura de 60 ± 2ºC (Figura 12) em estufa. Figura 12 – Secagem inicial dos resíduos Fonte: Autoria própria Após essa etapa o gesso passou pela moagem em moinho (Figura 13a) e peneiramento (Figura 13b) onde foram obtidas três granulometrias: material retido na malha de abertura 1 mm, material passante na malha de 1 mm e material passante na malha de 0,425 mm. 45 Figura 13 – Etapas de (a) moagem e (b) peneiramento do resíduo de gesso acartonado Fonte: Autoria própria O material passante na malha de abertura 0,425 mm (Figura 14) foi espalhado sobre bandejas de alumínio, controlando-se a espessura da camada para que esta não ficasse com valor superior a 5 mm, de modo a assegurar uniformidade no processo, e colocado em estufa com temperatura de 180 ± 2ºC pelo período de 24 horas para calcinação. Figura 14 – Pó de gesso passante pela malha de abertura 0,425 mm Fonte: Autoria própria Ao final desse período de calcinação, a estufa foi desligada e o gesso desidratado foi deixado para esfriar no interior da mesma até atingir temperatura ambiente, sendo em seguida retirado e armazenado até a sua utilização. (a) (b) 46 4.2 ESTUDO PRELIMINAR Esse estudo preliminar foi realizado com o objetivo de analisar se o processo de reciclagem do gesso acartonado havia sido o suficiente para reutilização do material como matriz no compósito. E ainda, analisar o comportamento dos materiais em conjunto, identificando as proporções que apresentassem as melhores características físicas aparentes para dar continuidade ao trabalho, uma vez que estudos deste compósito de gesso reciclado, polpa celulósica e EPS ainda não foram realizados, e suas proporções ideais e propriedades não são conhecidas. O estudo preliminar foi realizado em duas etapas, descritas a seguir, por meio da produção de corpos de prova com dimensões 10x10x3 cm, onde o processo de mistura dos componentes foi o mesmo para todos os tratamentos. 4.2.1 1ª etapa: Estudo da reciclagem do gesso Nessa etapa foram produzidos dois corpos de prova, um utilizando gesso comercial (Figura 15a) e outro utilizando o gesso reciclado (Figura 15b). A proporção de água utilizada foi de 1:1, seguindo as especificações de hidratação utilizada para o gesso comercial. A mistura após transferida para os moldes secou durante 24 horas em ambiente aberto para a cura do gesso, sendo desmoldada e levada para secagem em estufa a 80±2ºC por mais 24 horas. Figura 15 – Corpos de prova produzidos com (a) gesso comercial e (b) gesso reciclado Fonte: Autoria própria (a) (b) 47 Analisando de forma empírica, verificou-se que o processo de reciclagem é satisfatório, produzindo um corpo de prova resistente ao manuseio e de aparência semelhante ao produzido com gesso comercial, porém pode-se observar que o corpo de prova de gesso acartonado apresentou redução de aproximadamente 55% do peso, pois o gesso reciclado possuía maior granulometria do que o pó de gesso comercial, sendo possível notar maior porosidade no material, como o observado no estudo de Camarini et al. (2013) O corpo de prova de gesso reciclado também apresentou uma coloração diferenciada, que pode ser explicada pela presença de resíduos de papel contido nas placas de gesso acartonado e que foram moídos no processo. 4.2.2 2ª etapa: Estudo da interação entre os materiais A fim de verificar se a mistura de gesso reciclado, polpa celulósica e EPS iriam gerar um compósito com interação adequada entre os componentes foram produzidos 4 corpos de prova, com diferentes proporções, conforme disposto na Tabela 5. Tabela 5 – Proporção de materiais para o estudo preliminar Amostra Gesso reciclado Polpa celulósica Poliestireno expandido Água 1 1 1 1 1 2 1 0,5 1,5 1 3 1 1,5 0,5 1 4 1 2 2 1 Fonte: Produção do próprio autor. Após a mistura e moldagem, o material foi deixado secando em temperatura ambiente por 24 horas para a cura do gesso, sendo desmoldado e levado para a estufa por mais 24 horas a 80 ± 2ºC para a secagem. As amostras 1, 2 e 3 (Figura 16) apresentaram boa interação entre os componentes, produzindo um material resistente ao manuseio. No entanto, a amostra 4 (Figura 16) resultou em um material quebradiço, pois a quantidade menor de gesso e água utilizado não foi o suficiente para dar liga a mistura, dificultando a transferência e conformação do material no molde. Foi então decidido retirar a amostra 4 do estudo, e acrescentar dois novos corpos de 48 provas, um com gesso e poliestireno expandido e outro com gesso e polpa celulósica, ambos na proporção 1:1. Figura 16 – Corpos de prova da análise preliminar para estudo da interação dos componentes Fonte: Autoria própria. Outro fator a ser corrigido foi a temperatura de secagem em estufa, pois mesmo o EPS suportando temperaturas de 80ºC até aproximadamente 100ºC, a temperatura de secagem utilizada danificou o EPS da superfície da amostra, deixando-o com aspecto de queimado por conta da exposição prolongada. Portanto, para a produção dos corpos de prova a temperatura da estufa foi reduzida para 40ºC. A temperatura foi adotada segundo o documento normativo ABNT NBR 12129 (Gesso para construção – Determinação das propriedades mecânicas). Amostra 1 Amostra 2 Amostra 3 Amostra 4 49 4.3 OBTENÇÃO DOS CORPOS DE PROVA Os traços delineados para gesso reciclado (GR), polpa celulósica (PC), poliestireno expandido (Ip) e água (A) estão apresentados na Tabela 6. Tabela 6 – Proporções dos traços delineados na fabricação dos compósitos Traço GR PC Ip A 1 1 1 1 1 2 1 0,5 1,5 1 3 1 1,5 0,5 1 5 1 0 1 1 6 1 1 0 1 Fonte: Produção do próprio autor. A moldagem dos corpos de prova de absorção sonora foi realizada de acordo com a Norma ISO 10534-2, que especifica as dimensões de 97 mm de diâmetro e 50 mm de espessura. Já os corpos de prova para o ensaio de condutividade térmica foram moldados seguindo a Norma ASTM E1530, que especifica as dimensões de 50 mm de diâmetro e menos de 25 mm de espessura, portanto para este estudo foi adotado a espessura de 20 mm para os corpos de prova. O ensaio de flexão foi realizado de acordo com a norma NBR 14715-2, que especifica as dimensões de 30 cm de largura, 40 cm de comprimento e 1,5 cm de espessura. Primeiramente os moldes foram untados com uma camada de óleo desmoldante para facilitar a retirada do corpo de prova após o período de cura. A mistura dos componentes foi a mesma para todas as dimensões de moldes e traços, sendo o gesso reciclado e a água misturados em um recipiente separado para que a dissolução do gesso fosse completa, e depois derramado em outro recipiente com polpa celulósica e/ou EPS para serem misturados até que formassem uma pasta homogênea. O preenchimento dos moldes foi realizado imediatamente após a homogeneização, pressionando levemente a mistura sobre as paredes do molde para evitar o aprisionamento de ar. Logo após foram deixados para secar em temperatura ambiente. Decorridas 24h após a moldagem, os corpos de prova foram desmoldados e permaneceram secando em temperatura ambiente por mais 6 dias. Ao final desse período, os corpos de prova foram identificados e levados para secagem em estufa por mais 24h em temperatura de 40 ± 2ºC, e armazenados para a realização dos ensaios (Figura 17). 50 Figura 17 – Corpos de prova para ensaios de absorção sonora (a), condutividade térmica (b) e resistência a flexão (c) Fonte: Autoria própria. Foram produzidos 5 corpos de prova de cada tratamento para cada ensaio realizado, totalizando 75 corpos de prova. 4.4 ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO 4.4.1 Absorção sonora A câmara reverberante e o tubo de impedância são os dois métodos de obtenção de coeficiente de absorção sonora mais utilizados, ambos descritos por normas internacionais. O ensaio com câmara reverberante é realizado seguindo a norma ISO 354 (Measurement of sound absorption in a reverberation room) e necessita de uma grande porção do material a (a) (b) (c) 51 ser analisado para preencher uma sala com baixa absorção acústica, acarretando em alto custo para sua realização. Por esse motivo foi utilizado neste trabalho o ensaio por tubo de impedância, que necessita de corpos de prova reduzidos, ou seja, mais viável economicamente. O ensaio com o tubo de impedância foi realizado no Laboratório de Acústica Aplicada do Departamento de Engenharia Física da UFSCar, seguindo a norma internacional ISO 10534- 2 (Determination of sound absorption coefficient and impedance in impedance tubes. Part 2: Transfer-function method). O ensaio é realizado excitando o tubo com um ruído branco de banda larga, sinal sonoro aleatório com igual intensidade em diferentes frequências, e medindo a pressão sonora no seu interior em dois pontos de captação previamente determinados ao longo do comprimento do tubo, utilizados para diferenciar as ondas incidentes e refletidas na amostra. Para cada amostra foram realizadas duas medidas e a leitura feita através do microfone foi transferida pelo analisador portátil de ruídos e vibrações conectado ao notebook para o software dBFA do fabricante 01dB (Figura 18). Figura 18 – Realização do ensaio de absorção sonora Fonte: Autoria própria. O software dBFA realiza os cálculos da função de transferência entre os dois pontos de captação, e transfere os dados para o MatLab que calcula o índice de reflexão e o coeficiente de absorção sonora. Após esta etapa foi plotado um gráfico da média do coeficiente de absorção por banda de frequência. 52 4.4.2 Condutividade térmica Para a avaliação da condutividade térmica o ensaio foi realizado de acordo a norma ASTM E1530 (Standard Test Method for Evaluating the Resistance to Thermal Transmission of Materials by the Guarded Heat Flow Meter Technique) no Laboratório de Construções Rurais e Ambiência da USP. A transferência de calor por condução é regida pela Lei de Fourier, que define que a condutividade térmica (k) equivale à quantidade de calor (Q) transmitida por um intervalo de tempo (Δt) através de uma espessura (L), numa direção normal a área da superfície (A), devido a uma variação de temperatura (ΔT). Assim, a medição da condutividade térmica foi baseada na Equação (1): 𝑘 = ∆𝑄 ∆𝑡 𝑥 𝐿 𝐴 𝑥 ∆𝑇 (1) Para o procedimento foi utilizado o equipamento Thermal Conductivity Tester DTC-300 da marca Discovery que opera com medidores de fluxo de calor e em estado estacionário com fluxo de calor descendente. Para iniciar o ensaio foram inseridos no software os dados de espessura do corpo de prova (m) e tempo de realização das leituras (min) necessários para a realização dos cálculos, e os corpos de prova foram impregnados com um creme térmico (Figura 19a), elaborado com elementos com boas propriedades de condução de calor, usado para diminuir a resistência térmica entra a superfície do corpo de prova e os pratos do equipamento. Para garantir o fluxo de calor pela amostra, o prato superior estava a 45ºC e o prato inferior a 15ºC, com uma pressão de compressão de 0,28 MPa entre os pratos e o corpo de prova (Figura 19b). Figura 19 – Ensaio de condutividade térmica: (a) amostra com creme térmico e (b) equipamento pronto para a realização do ensaio Fonte: Autoria própria (a) (b) 53 4.4.3 Resistência à flexão A avaliação da resistência a ruptura na flexão foi realizada de acordo com a norma ABNT NBR 14715-2 (Chapas de gesso para drywall - Parte 2: Métodos de ensaio) no Laboratório de Propriedades Mecânicas da UNESP. Para o procedimento foi utilizado a máquina universal de ensaios EMIC, colocando os corpos de prova sobre duas bases paralelas, de igual dimensão, espaçadas 350 mm e com altura livre de 50 mm entre o topo dos apoios e a base do equipamento. Aplicou-se uma carga progressiva à velocidade de 250 ± 10 N/min no centro do vão, sobre um suporte idêntico ao dos apoios, até a ruptura do corpo de prova (Figura 20). Figura 20 – Ensaio de resistência a flexão Fonte: Autoria própria Com os valores da carga de ruptura (P), espaçamento entre os apoios (l), base (b) e espessura (h) do corpo de prova calculou-se a resistência à flexão (MOR) de acordo com a Equação (2): 𝑀𝑂𝑅 = 3 𝑥 𝑃 𝑥 𝑙 2 𝑥 𝑏 𝑥 ℎ² (2) 54 4.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA Para a análise estatística foram utilizados modelos de regressão multivariáveis baseados na análise de variância (ANOVA) para estimativa das propriedades de absorção sonora (Equação 3), condutividade térmica, MOR e Fmáx (Equação 4) sendo βi os coeficientes obtidos pelo Método dos Mínimos Quadrados e ε o erro aleatório. A qualidade dos ajustes foi medida pelo coeficiente de determinação (R2). α = β0 + β1∙PC + β2∙Ip + β3∙Fr + β4∙PC∙Ip + β5∙PC∙Fr + β6∙Ip∙Fr + β7∙PC∙Ip∙Fr + ε (3) k, MOR e Fmáx= β0 + β1∙PC + β2∙Ip + β3∙PC∙Ip + ε (4) Cabe destacar que os fatores GR (gesso reciclado) e A (água) não são considerados por não variarem nos tratamentos, e que na Equação (3) a frequência (Fr) de medição da absorção sonora (250, 500 e 1000 Hz) foi considerada como fator nesse modelo. O modelo de regressão geométrico (Equação 5) foi utilizado para relacionar os valores da absorção sonora em função das frequências de medição para cada tratamento delineado, e a qualidade dos ajustes foi medida pelo coeficiente de determinação (R2). 1 0 f   =  + (5) A análise de variância (ANOVA) dos modelos de regressão foi avaliada ao nível de 5% de significância, considerando a não significância (P-valor < 0.05) dos modelos e dos coeficientes como hipótese nula e da significância como hipótese alternativa. Tal abordagem possibilita compreender e identificar os fatores e interações que afetam nos valores na absorção sonora e na condutividade térmica de forma significativa. O teste de comparações múltiplas de Tukey, também avaliado ao nível de 5% de significância, foi utilizado para contrastar as médias dos níveis dos fatores, permitindo identificar os níveis de maior e menor valor médio, assim como, os possivelmente equivalentes. Do teste de Tukey, “A” denota o grupo de maior valor médio, “B” o de segundo maior valor médio, e assim sucessivamente, e letras iguais implicam em níveis com médias estatisticamente equivalentes. 55 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Este capítulo apresenta os resultados obtidos na caracterização acústica, térmica e de flexão do compósito estudado, onde os traços delineados na fabricação foram apresentados na Tabela 6 do item 4.3. 5.1 ABSORÇÃO SONORA A Figura 21 ilustra os valores médios, os intervalos de confiança das médias (ao nível de 95% de confiabilidade), os valores extremos dos coeficientes de variação (CV) e os resultados do teste de Tukey da absorção sonora para cada tratamento em função de cada uma das frequências de medição consideradas. Figura 21 – Resultados da absorção sonora para cada traço (Tr) em função das frequências de medição: 250 Hz (a), 500 Hz (b) e 1000 Hz (c) (a) 250 Hz (b) 500 Hz Tr GR PC Ip A 1 1 1 1 1 2 1 0,5 1,5 1 3 1 1,5 0,5 1 5 1 0 1 1 6 1 1 0 1 (c) 1000 Hz Fonte: Produção do próprio autor 65321 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0.0 Tr α (% ) - 2 5 0 H z 65321 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 Tr α (% ) - 5 0 0 H z 65321 0.16 0.14 0.12 0.10 0.08 0.06 0.04 0.02 0.00 Tr α (% ) - 1 0 0 0 H z CV = (4.43; 39.94%) CV = (7.70; 39.27%) A A A A A B A B B A CV = (5.06; 10.21%) B A B C B 56 Através da Figura 21 pode-se observar que o traço com maior teor de PC (Tr 6) apresentou o maior coeficiente de absorção para as frequências 250 Hz (0,32%) e 500 Hz (0,16%) e o segundo maior para a frequência 100 Hz (0,12%). Mas comparando os valores obtidos entre si com o teste de Tukey, verificou-se que a absorção dos materiais fabricados nos cinco traços idealizados resultou em valores médios equivalentes estatisticamente para as frequências de 250 Hz. Para a frequência de 500 Hz, os maiores valores da absorção sonora consistiram nos traços 2 ou 6 (equivalentes entre si), e os menores foram provenientes dos traços 1, 3 ou 5 (equivalentes entre si). Para a frequência de 1000 Hz, o maior valor da α foi advindo do traço 2, e o menor valor foi proveniente do traço 5. O modelo de regressão para a estimativa da absorção sonora em função dos fatores PC, Ip e Fr juntamente com o coeficiente de determinação é expresso pela Equação (6), e o gráfico de Pareto é ilustrado na Figura 22. α (%) = 0.264 + 0,055∙PC + 0,004∙Ip - 0.000088∙Fr – 0,091∙PC*Ip -0,000128∙PC∙Fr - 0,000110∙Ip∙Fr + 0,000186∙PC∙Ip∙Fr [R2 = 44,43%] (6) Figura 22 – Gráfico de Pareto para análise dos fatores significativos nos valores da absorção sonora Fonte: Produção do próprio autor Da Figura 22, constata-se que apenas a frequência influenciou de forma significativa nos valores da absorção sonora, não sendo significativos os demais fatores e interações. Da Equação 6, mesmo sendo o valor do coeficiente de determinação de 44,43%, a ANOVA acusou ser significativo o modelo, o que evidencia que a frequência impacta de forma significativa nos valores da absorção sonora, com aumentos da frequência implicando em redução da propriedade, assim também como encontrado no teste de Tukey. 57 Excluídos os termos não significativos da Equação (6), a absorção sonora dos materiais pode ser estimada pela Equação (7), cujo valor do coeficiente de determinação resultou em 40,35%. A redução de apenas quase 4% no valor do R2 do modelo da Equação 6 para o R2 do modelo da Equação (7) evidencia ser pequena a influência dos fatores exclusos. α (%) = 0,2741 - 0.000182∙Fr [R2 = 40,35%] (7) Na Tabela 7 são apresentados os resultados dos modelos de regressão geométricos utilizados na estimativa da absorção sonora (α) em função das frequências (Fr) de medição para cada traço de material fabricado. Tabela 7 – Modelos de regressão geométricos utilizados na estimativa da absorção sonora α (%) em função da frequência f (Hz) de medição. Tr Ajuste R2 (%) 1 0,32831,0076 Fr −=  92,99 2 0,30580,9981 Fr −=  92,93 3 0,33041,0056 Fr −=  93,79 5 0,34781,0125 Fr −=  93,41 6 0,29751,0251 Fr −=  92,48 Fonte: Produção do próprio autor Nota-se da Tabela 7 que os modelos para ambos os traços de materiais apresentaram excelente precisão pelos coeficientes de determinação serem ambos superiores a 90%, evidenciando que a frequência tem impacto significativo no coeficiente de absorção. Na Figura 23 são apresentados os valores médios, os intervalos de confiança das médias (ao nível de 95% de confiabilidade), os valores extremos dos coeficientes de variação (CV) e os resultados do