RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta tese será disponibilizado somente a partir de 29/06/2025. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – CAMPUS DE BOTUCATU PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ZOOLOGIA TESE DE DOUTORADO Qual o impacto da pesca de arrasto sobre a assembleia de camarões em áreas costeiras marinhas? Uma análise temporal de populações a ecossistema no litoral norte de São Paulo Júlia Fernandes Perroca Orientador: Prof. Dr. Rogerio Caetano da Costa BOTUCATU 2023 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – CAMPUS DE BOTUCATU PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS ZOOLOGIA Qual o impacto da pesca de arrasto sobre a assembleia de camarões em áreas costeiras marinhas? Uma análise temporal de populações a ecossistema no litoral norte de São Paulo Júlia Fernandes Perroca Orientador: Prof. Dr. Rogerio Caetano da Costa Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Botucatu, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Ciências Biológicas –Zoologia. BOTUCATU 2023 Palavras-chave: Bycatch; Decapoda; El Niño Southern Oscillation; Pesca artesanal; Pesca de arrastão. Perroca, Júlia Fernandes. Qual o impacto da pesca de arrasto sobre a assembleia de camarões em áreas costeiras marinhas? : uma análise temporal de populações a ecossistema no litoral norte de São Paulo / Júlia Fernandes Perroca. - Botucatu, 2023 Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Instituto de Biociências de Botucatu Orientador: Rogerio Caetano da Costa Capes: 20402007 1. Camarão - População. 2. Pesca de arrastão. 3. Pesca artesanal. 4. Mudanças climáticas. 5. Decápodes. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE-CRB 8/5651 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. “Mas, quando estou fazendo meu trabalho, me sinto viva e eu mesma. É isso que eu faço. Tenho certeza de que existem outras versões de felicidade, mas essa é a minha” - Lynsey Addario Agradecimentos À Deus, pela dádiva da vida e por poder experenciar as maravilhas da natureza. Ao professor Dr. Rogerio Caetano da Costa pela oportunidade de iniciar minha vida científica logo no primeiro ano da faculdade. Obrigada professor, por todos os ensinamentos, confiança e amizade. Nestes dez anos de parceria o LABCAM se tornou um lar para mim! À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro concedido por meio da bolsa de doutorado – FAPESP (Proc. 2019/01308-5). À FAPESP pelos recursos financeiros concedidos por meio do projeto Temático (Proc. 2018/13685-5), o qual foram imprescindíveis para a realização deste trabalho, e aos coordenadores do projeto: Prof. Dr. Fernando L. M. Mantelatto, Prof. Dr. Fernando José Zara, Prof. Dr. Sérgio Bueno e Prof. Dr. Rogerio Caetano Costa. Ao auxílio regular FAPESP (Proc. 95/02833-0) sob a responsabilidade do Dr. Fernando Luis Mantelatto; ao auxílio Biota FAPESP, subprojeto Biodiversidade ambiente não consolidado (Proc. 98/07090-3) sob a responsabilidade do Dr. Adilson Fransozo; auxílio Programa Jovem Pesquisador FAPESP (Proc. 04/07309-8) sob a responsabilidade do Dr. Rogerio Caetano da Costa; às bolsas de doutorado FAPESP processos 97/12108-6, 97/12106-3 e 97/12107-0 supervisionadas pelo Dr. Adilson Fransozo. Ao Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no edital Pesca processo 406006/2012-1. Ao professor Dr. Jorge Luiz Rodrigues Filho, muito obrigada por todos os ensinamentos, pela paciência, sugestões e amizade. Aprendi muito com você nestes anos de parceria!!! Ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) por conceder a licença para coleta de material na área de estudo. À Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Zoologia) da UNESP de Botucatu e ao Departamento de Zoologia (IB Unesp-Botucatu) no qual realizei meu doutoramento. Ao Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru, no qual o Laboratório de Biologia de Camarões Marinhos e de Água Doce está vinculado. Ao Instituto Oceanográfico da USP, base de Ubatuba, e equipe pela gentil recepção, pela disponibilização do espaço para hospedagem e manipulação do material durante as coletas, e pelas deliciosas refeições. Ao ilustre pescador Djalma Rosa, vulgo passarinho, por fazer parte da equipe durante todos os anos de amostragem, por todo o auxílio, ensino e carinho. Ao pescador Oseas Lopes de Oliveira pelo auxílio durante o último ano de coletas e encarar as pescarias “mortais” com nossa equipe. Ao time do arrasto Gabriel de Lucca, Gabriel Gois e Milena pelo companheirismo e resiliência frente as adversidades do campo, sem vocês este trabalho não seria o mesmo. A todos que participaram das amostragens de campo na Enseada de Ubatuba desde 1995, sem o árduo esforço de todos, este trabalho não teria sido realizado. Ao José Fernando Gomes vulgo Sr. Fernando, motorista da Unesp, que nos levou a Ubatuba na maioria das coletas referentes ao último período de amostragem e nos “cuidou” com muito carinho e atenção. Aos membros atuais do LABCAM, Daphine, Regis, Caio, Ana, Milena, Nádia, Sara, Helena, Leo, Sene, e aos ex-membros Rafa, Andrea, Natalia, Lizandra, João, Abner, Chuck, Sara, Woody, de Lucca, pelo companheirismo e troca de conhecimentos e vivências. Um agradecimento especial para Caio, Rafinha, Milena e Gois pelas tardes divertidas e produtivas no cultivo e por toda a amizade. Agradeço aos amigos de Botucatu, Isabela Moraes por sempre me receber em sua casa com muito carinho e ao Alexandre Silva (Dino) pelos conselhos científicos. Às minhas companheiras de “Women in Crustacean Science”, Isabela Moraes, Milena Jaconis e Amanda Horsch pela amizade e suporte emocional. Fazer parte deste projeto com vocês é algo do qual muito me orgulho. Às minhas amigas irmãs Angélica e Nathália por crescerem comigo e me acompanharem em todas as etapas. E por fim, o meu maior agradecimento ao meu bem mais precioso minha Família. Gostaria de agradecer aos meus amados pais José Roberto e Angela por sempre me incentivarem nos estudos e em meus sonhos desde pequena. Sempre escutei que poderia fazer o que eu quisesse contanto que eu desejasse e me esforçasse. A confiança de vocês foi imprescindível para que eu nunca desistisse. Agradeço a minha amada avó Lourdes, por sempre cuidar de mim e me acompanhar desde bebê, sua força e amor me inspiram. À Miu, pelo suporte emocional! Sumário Considerações iniciais ..................................................................................................... 1 Referências ..................................................................................................................... 9 Capítulo 1: The influence of environmental and ocean-climatic drivers in the abundance of shrimps in a shallow subtropical marine area .................................... 16 Abstract ........................................................................................................................ 17 Introduction ................................................................................................................. 18 Material and Methods .................................................................................................. 21 Data collection ......................................................................................................... 21 Data analysis ............................................................................................................ 25 Results .......................................................................................................................... 28 Environmental factors .............................................................................................. 28 Abundance of sampled species ................................................................................ 30 Spatio-temporal models ........................................................................................... 31 Ecological models .................................................................................................... 40 Discussion .................................................................................................................... 56 References .................................................................................................................... 62 Supplementary material ................................................................................................... 69 Capítulo 2: Long-term trends in shrimp abundance and diversity in a tropical bay ....................................................................................................................................... 101 Abstract ...................................................................................................................... 102 Introduction ............................................................................................................... 103 Material and Methods ................................................................................................ 106 Study area ............................................................................................................... 106 Data collection ....................................................................................................... 106 Data analysis .......................................................................................................... 108 Results ........................................................................................................................ 111 Environmental factors ............................................................................................ 111 Abundance of sampled species .............................................................................. 113 Trends in specie’s abundance: assemblage variation ............................................. 115 Trends in specie’s abundance: temporal models .................................................... 117 Trends in specie’s abundance: ecological models ................................................. 119 Trends in specie’s diversity: temporal models ....................................................... 126 Trends in specie’s diversity: ecological models..................................................... 127 Discussion .................................................................................................................. 130 References .................................................................................................................. 135 Supplementary material ................................................................................................. 141 Considerações finais .................................................................................................... 156 Perroca, J. F. 2023 1 Considerações iniciais Camarões marinhos são commodities amplamente comercializadas, representando mundialmente o segundo recurso pesqueiro em termos de valor (FAO, 2018). As pescarias de camarões ocorrem em uma amplitude de sistemas marinhos e estuarinos ao redor do mundo (Gillet, 2008), sendo que em ambientes tropicais e subtropicais, a atividade se concentra em áreas rasas sobre estoques de organismos da superfamília Penaeoidea (Garcia & Le Reste, 1986). No Brasil, os camarões-rosa Farfantepenaeus paulensis (Pérez Farfante, 1967) e F. brasiliensis (Latreille, 1817), o camarão-branco Litopenaeus schmitti (Burkenroad, 1936) e o camarão-sete-barbas Xiphopenaeus kroyeri (Heller, 1862) constituíam as principais pescarias de camarão nas regiões Sul e Sudeste. No entanto, a tendência decrescente da produção das espécies de camarão-rosa a partir da década de 1990, forçou a adoção de pescarias multiespecíficas. Isto, estimulou a captura do camarão-barba-ruça Artemesia longinaris Spence Bate, 1888 e do camarão-santana Pleoticus muelleri (Spence Bate, 1888), sendo ambas, as espécies consideradas como fauna acompanhante das pescarias tradicionais citadas anteriormente (Dias Neto, 2011). Independentemente da espécie alvo, as pescarias de camarões marinhos são comumente realizadas por arrasto de fundo (Vendeville, 1990), o qual se configura, atualmente, como um dos principais métodos de pesca comercial em nível mundial (Burridge et al., 2006). Se por um lado este método é eficaz na captura de espécies alvo, por outro apresenta uma ampla e discutida problemática ambiental (Diamond et al., 2004; Hall & Mainprize, 2005), associada à diversos impactos negativos sobre as populações e ecossistemas explotados (Almeida et al., 2017). Dentre seus impactos negativos, destacam-se a captura incidental de organismos não alvo da pesca (bycatch) e a Perroca, J. F. 2023 2 modificação física do fundo oceânico, ocasionadas, respectivamente, pela baixa seletividade das redes (Davies et al., 2009) e pela ação mecânica do petrecho contra o sedimento (Pusceddu et al., 2014). Cerca de 70% do fundo do mar é composto por substratos não consolidados (Snelgroove, 1999), que podem ser altamente heterogêneos devido a variações físicas naturais e à alteração biológica (e.g. conchas, tubos de animais, buracos e tocas), sendo estas variações imprescindíveis aos processos de assentamento de muitos organismos (Thrush et al., 2002; Gray et al., 2006). No entanto, a pesca de arrasto tende a homogeneizar o sedimento, reduzindo a estrutura tridimensional acima e abaixo da interface sedimento água (Gray et al., 2006), e além disso ocasiona a ressuspensão de grandes quantidades de material e alterações nas características físicas e químicas do substrato (Oberle et al., 2016). Os arrastos também acarretam em mortalidade de organismos marinhos por outras formas: muitas espécies bentônicas são esmagadas diretamente pela rede, enquanto outras são capturadas e morrem quando levadas para o convés ou devolvidas ao mar (Jennings et al., 2001). Sobre este grupo de espécies capturados involuntariamente, denominado como bycatch, sabe-se que as pescarias de camarão são as principais geradoras de biomassa (Hall, 2005) em nível mundial (Kelleher, 2005). Dentre os organismos que compõem o bycatch ou a fauna acompanhante de pescarias de camarão-sete-barbas X. kroyeri, um importante recurso pesqueiro no Brasil explorado em toda costa brasileira (Costa et al., 2007; IBAMA, 2011), os crustáceos após os peixes, constituem o segundo maior recurso capturado em termos de biomassa e diversidade de espécies (Severino-Rodrigues et al., 2002). Ainda no caso das pescarias de X. kroyeri, há uma grande captura e por conseguinte mortalidade de juvenis de crustáceos (Rodrigues-Filho et al., 2016), decorrente da atividade ocorrer próximo à costa Perroca, J. F. 2023 3 e em baixas profundidades, áreas que geralmente são habitats de recrutamento de várias espécies (Caley et al., 1996). As espécies de camarões que constituem a fauna acompanhante possuem, em geral, baixo ou nenhum valor comercial (Branco et al., 2015). No entanto, por serem continuamente removidas em elevadas biomassas pela pesca, acabam sendo impactadas de forma similar àquelas que são alvo da atividade. Exemplos destes táxons são os peneideos Rimapenaeus constrictus (Stimpson, 1871) e Sicyonia dorsalis Kingsley, 1878, o camarão Nematopalaemon schmitti (Holthuis, 1950) pertencente à superfamília Palaemonoidea Rafinesque, 1815 e Exhippolysmata oplophoroides (Holthuis, 1948) pertencente à superfamília Alpheoidea Rafinesque, 1815 (Costa et al., 2016; Mantelatto et al., 2016). Além dos mencionados impactos diretos sobre as populações capturadas, a pesca de arrasto acarreta em impactos indiretos, como por exemplo alterações na estrutura das comunidades bentônicas, bem como em interações tróficas entre espécies (NRC, 2002). Os efeitos deletérios sobre as interações entre os indivíduos em áreas de pesca resultam em efeitos que se prolongam por toda teia trófica, diminuindo tanto a diversidade estrutural como a funcional dos ecossistemas, e, presumivelmente, também sua resiliência (Coleman & Williams, 2002). Possivelmente associado aos impactos diretos e indiretos da pesca de arrasto, a Lista Nacional das Espécies de Invertebrados Aquáticos e Peixes de 2004 apontou como espécies ameaçadas de sobre-explotação cinco camarões peneídeos: F. brasiliensis, F. paulensis, F. subtilis (Pérez-Farfante, 1967), L. schmitti e X. kroyeri (Dias Neto, 2011). Entretanto, na avaliação do estado de conservação dos crustáceos brasileiros de 2010 a 2014, chegou-se à conclusão que dados biológicos ainda são insuficientes para um prognóstico fidedigno dos Penaeoidea (Boos et al., 2016) e de E. oplophoroides Perroca, J. F. 2023 4 (Christoffersen, 2016). Em uma tentativa de compensar a mortalidade dos indivíduos pela sobrepesca, e para prevenir a explotação de camarões pequenos com pouco valor comercial, uma medida de ordenação amplamente adotada na pesca nas regiões tropicais e subtropicais é o período do Defeso (Gulland, 1989; Ye, 1998). Nas pescarias brasileiras de camarão, a normativa de instrução IBAMA nº 189/2008 proibia a pesca no período de recrutamento de juvenis de camarão-rosa de 1º de março a 31 de maio na área marinha entre as paralelas 21º18'04,00 "S (fronteira dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro) e 33º40'33,00 "S (Foz do Arroio Chuí, RS). No entanto, havia uma extensa discussão sobre a assertividade deste defeso, visto que que o período não contemplava todas as espécies de camarões (Simões et al., 2017), sobretudo àquelas que não são alvo das pescarias. A partir de 2023, a portaria SAP/MAPA nº 656 alterou a vigência do defeso para 28 de janeiro a 30 de abril, contemplando a mesma extensão geográfica da normativa anterior, buscando adequar o fechamento da pesca com o período de recrutamento dos camarões-rosa. Ações que levam em consideração apenas a biologia de um grupo especifico são possivelmente equivocadas e não asseguram a manutenção do sistema, visto que há evidências robustas que considerar um maior grupo de espécies (e.g Ecosystem-Based Fisheries Management) é uma opção mais efetiva de manejo (FAO, 1995). No entanto, manejos multiespecíficos demandam uma elevada quantidade de informações, sendo uma situação rara quando se trata de espécies descartadas como bycatch (Dell et al., 2009), sobretudo em países sem legislação pesqueira restritiva para a pesca de arrasto como o Brasil (Guanais et al., 2015). Neste sentido, há uma elevada demanda por estudos que busquem avaliar ao máximo as espécies capturadas na pesca de arrasto, compreendendo suas relações com variáveis ambientais, ecológicas e pesqueiras (Soykan et al., 2008; Lewison et al., 2011). Perroca, J. F. 2023 5 Tais estudos servem como base para compreender e eventualmente manejar o impacto da atividade camaroeira sobre o sistema (Sboutzuski et al., 2001). Alguns estudos de curto prazo foram realizados na área para as espécies citadas previamente, a saber: X. kroyeri (Costa et al., 2007; Carvalho et al., 2015; Castilho et al., 2015), A. longinaris (Costa et al., 2005a; Castilho et al., 2007), L. schmitti (Capparelli et al., 2011; Bochini et al., 2014; Carvalho et al., 2015), P. muelleri (Costa et al., 2004; Lopes et al., 2014), F. paulensis e F. brasiliensis (Costa & Fransozo, 1999; Costa et al., 2016), R. constrictus (Costa & Fransozo, 2004a,b), S. dorsalis (Costa et al., 2005b; Castilho et al., 2008b), N. schmitti (Almeida et al., 2011, 2012), e E. oplophoroides (Fransozo et al., 2005). Heckler (2014) avaliou a variação temporal da abundância e distribuição de X. kroyeri na Enseada de Ubatuba e a sua relação com a temperatura e salinidade num período de 13 anos. Entretanto, recentemente descobriu-se que X. kroyeri tratava-se de um complexo de espécies, e uma outra espécie foi registrada ocorrendo na área de estudo, Xiphopenaeus dincao (Carvalho-Batista, Terossi, Zara, Mantelatto, Costa, 2020). Ademais, ainda não se estudou as variações a longo prazo da abundância das demais espécies de camarões a fim de explicar temporalmente o que causa estas variações e qual o papel dos fatores ambientais e climáticos nos ecossistemas marinhos brasileiros a longo prazo, bem como a influência da pesca no ecossistema como um todo. Considerando que a dinâmica dos fatores ambientais varia no tempo e no espaço, e que a variação de fatores ambientais importantes como a temperatura, salinidade, tipo e estrutura do sedimento podem afetar a abundância e ocorrência de camarões (Dall, 1990; Castilho et al., 2008), o estudo a longo prazo de populações é imprescindível para a obtenção de informações e para o manejo dos estoques. Estas mudanças na ocorrência e abundância de espécies, bem como a alteração nos fatores abióticos do ambiente podem acarretar em variações temporais na composição específica de comunidades (Magurran Perroca, J. F. 2023 6 & Henderson, 2010). Outros fatores ambientais, como os eventos atmosféricos-oceânicos de larga escala (e.g Oscilação Sul El Niño) são conhecidos por afetar a pluviosidade no Sul e Sudeste do país, controlando a entrada de F. paulensis na lagoa dos Patos (RS) (Pereira & D’Incao, 2012), e estimulando o recrutamento na Enseada de Ubatuba durante períodos de El Niño (Perroca et al., 2022). Ainda, a dinâmica de massas d’água marinhas, como a Água Central do Atlântico Sul (ACAS), é notadamente conhecida por alterar a dinâmica populacional de X. kroyeri quando ressurge, ou em áreas próximas a ressurgência (Davanso et al., 2017). Desta maneira, presume-se que as variáveis e os fatores ambientais, bem como eventos climáticos atuem sobre as populações de camarões, gerando padrões específicos de variação. Por exemplo, no caso de Artemesia longinaris e Pleoticus muelleri, que são espécies que apresentam distribuição subtropical e temperada em relação às outras aqui mencionadas, reputa-se a respeito de que maneira os eventos de ENOS influenciariam a variação da abundância e biomassa de tais espécies. Espera-se que a entrada da ACAS (massa d’água caracterizada por baixas temperaturas) influencie temporalmente estas espécies, aumentando a captura das mesmas na primavera e verão. Quanto a X. kroyeri e R. constrictus, espera-se que a escassez de chuvas gere uma maior salinidade na área e, consequentemente, uma maior produção destas espécies. Relativizando pela assembleia de camarões, indaga-se o efeito deletério da pesca ao longo dos anos de monitoramento. A pesca contínua de arrasto nas localidades de estudo pode ter acarretado em homogeneização do sistema, o que consequentemente torna o sistema menos diverso entre seus habitats constituintes. De forma a complementar as hipóteses acima, foram formuladas as seguintes questões: (i) Há um padrão na influência das variáveis ambientais sobre a abundância das populações acompanhantes ao longo do Perroca, J. F. 2023 7 tempo? (ii) Existem tendências temporais que indiquem depleções das populações não alvo da pesca? (iii) A pesca tradicional alterou a diversidade no ecossistema explotado ao longo dos anos? O resultado desta investigação foi organizado em dois capítulos. O primeiro capítulo “The influence of environmental and ocean-climatic drivers in the abundance of shrimps in a shallow subtropical marine area” buscou avaliar a influência temporal dos fatores ambientais e oceano-climáticos na distribuição espaço-temporal dos camarões na Enseada de Ubatuba. O segundo capítulo foi intitulado “Long-term trends in shrimp abundance and diversity in a tropical bay” avaliou a associação entre as espécies que compõem a Assembleia de camarões na Enseada de Ubatuba, e se a abundância das espécies capturadas diminuiu ou aumentou ao longo dos anos. No segundo capítulo também foi avaliada a variação temporal da diversidade de camarões para a área de estudo. Perroca, J. F. 2023 8 Figura 1 – (A) Artemesia longinaris Spence Bate, 1888; (B) Farfantepenaeus brasiliensis (Latreille, 1817); (C) Farfantepenaeus paulensis (Pérez Farfante, 1967); (D) Litopenaeus schmitti (Burkenroad, 1936); (E) Pleoticus muelleri (Spence Bate, 1888); (F) Rimapenaeus constrictus (Stimpson, 1871); (G) Sicyonia dorsalis Kingsley, 1878; (H) Xiphopenaeus spp. – Penaeoidea; (I) Exhippolysmata oplophoroides (Holthuis, 1948); (J) Nematopalaemon schmitti (Holthuis, 1950) – Caridea. Photographs by J. Perroca (A-D, I-J) and M.S. Jaconis (H). Photographs by R.C. Buranelli (E-G) – in Mantelatto et al. 2022 (doi.org/10.11646/zootaxa.5121.1.1). Perroca, J. F. 2023 156 Considerações finais Os resultados nos permitiram observar a variação temporal e espacial da abundância das espécies que compõem a assembleia de camarões da Enseada de Ubatuba durante os meses do ano e sua relação com os fatores ambientais (capítulo 1), e a variação da abundância e diversidade entre os anos amostrais, ao longo de nove anos entre um intervalo de 27 anos de coleta (capítulo 2). Pudemos observar que a distribuição espacial das espécies na Enseada está intrinsecamente ligada ao seu ciclo de vida. Espécies com dependência do estuário em seu ciclo de vida foram encontradas em maior abundância nas áreas mais rasas, ao passo que as espécies que não dependem de tal habitat para seu desenvolvimento foram encontradas nas porções mais profundas da Enseada. Temporalmente, foi possível observar uma variação da presença de algumas espécies ao longo dos meses. Esta variação temporal está ligada tanto aos ciclos reprodutivos bem como a variação nos fatores ambientais. Eventos de ENSO influenciaram a abundância dos camarões. Períodos de neutralidade favoreceram o aumento na abundância de A. longinaris, P. muelleri, R. constrictus, S. dorsalis e N. schmitti. Em La Niña, houve aumento na abundância de P. muelleri e S. dorsalis. Já o El Niño, favoreceu a abundância de L. schmitti e R. constrictus. A variável ambiental Phi esteve presente nos modelos de todas as espécies avaliadas, sendo um fator preponderante na presença dos camarões. Também foi possível observar que não houve variação significativa da abundância F. brasiliensis, F. paulensis, R. constrictus, Xiphopenaeus spp., e E. oplophoroides entre os anos amostrais. No que se refere aos camarões-rosa, o período de defeso estipulado para as espécies que esteve vigente até 2022 (i.e., 1º março a 31 de maio), aparentou estabilizar as populações ainda que cobrindo parcialmente o recrutamento juvenil na Enseada. O novo período de defeso a partir de 2023 ocorre de 28 de janeiro a 30 de abril. Perroca, J. F. 2023 157 Espera-se que a inclusão de janeiro seja benéfica para as populações, uma vez que é a partir deste mês que os juvenis entram na Enseada para completar seu desenvolvimento. No entanto a retirada de maio pode potencialmente ser prejudicial para as populações, sendo o período no qual os juvenis recrutam para a população adulta. Dessa forma, o monitoramento contínuo na área se faz necessário para a avaliação da eficácia deste novo período. A abundância de Xiphopenaeus spp. provavelmente não se alterou devido a abundância dos juvenis ocorrer no ponto 3, local onde a pesca é proibida. As espécies que variaram em sua abundância ao longo do período amostral foram A. longinaris, P. muelleri, L. schmitti e S. dorsalis. As primeiras duas espécies ocorreram em maior abundância nos períodos 4 (jul/2001-jun/2002), 5 (jul/2002-jun2003) e 7 (jul/2013-jun/2014), e as duas últimas apenas para o período 7. O período 7 também foi o período no qual a maior diversidade foi registrada. A variação da abundância destas espécies e da diversidade na Enseada de Ubatuba entre os anos esteve intrinsecamente relacionada com a variação da temperatura. Os períodos de maior abundância e diversidade foram aqueles que apresentaram menores valores de temperatura de fundo. Considerando que não ocorreu variação significativa de F. brasiliensis, F. paulensis, R. constrictus, Xiphopenaeus spp., e E. oplophoroides ao longo dos anos, e que as abundâncias de A. longinaris, P. muelleri, L. schmitti e S. dorsalis são influenciadas pela variação ambiental, com cautela, podemos deduzir indiretamente que a assembleia de camarões está estável na Enseada de Ubatuba. Devemos considerar também que este é um estudo realizado com dados independentes da pesca. Uma vez que nosso esforço amostral se manteve constante ao longo dos anos, os fatores ambientais e períodos amostrais são as principais variáveis explicativas consideradas. Sugerimos paralelamente o estudo com dados dependentes da pesca para avaliar se estes resultados se repetem. Também podemos concluir que estudos Perroca, J. F. 2023 158 de longo prazo são essenciais para o monitoramento de espécies impactadas pela atividade pesqueira, e para a avaliação da eficácia de medidas de mitigação de tal atividade econômica.