CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA AMÉRICA DO SUL ÂNDREA FRANCINE BATISTA ConsCiênCia e territorialização Contra- -hegemôniCa CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Responsável pela publicação desta obra Bernardo Mançano Fernandes Clifford Andrew Welch Eduardo Paulon Girardi Janaína Francisca de Souza Campos Vinha João Osvaldo Rodrigues Nunes Maria Nalva Rodrigues Araújo Nashieli Cecilia Rangel Loera Noêmia Ramos Vieira Paulo Roberto Raposo Alentejano Pedro Ivan Christoffoli Rafael Litvin Villas Boas Silvia Beatriz Adoue ÂNDREA FRANCINE BATISTA ConsCiênCia e territorialização Contra-hegemôniCa Uma análise das políticas de formação da Via campesina américa do sUl © 2014 Editora Unesp Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.culturaacademica.com.br feu@editora.unesp.br CIP – BRASIL. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ B324c Batista, Andréa Francine Consciência e territorialização contra-hegemônica [recurso eletrônico]: uma aná- lise das políticas de formação da Via Campesina América do Sul / Ândrea Francine Batista. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. recurso digital Formato: ePDF Requisitos do sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-608-4 (recurso eletrônico) 1. Trabalhadores rurais - América do Sul - Condições sociais - História. 2. Econo- mia agrícola - América do Sul - História. 3. Livros eletrônicos. I. Título. 14-18662 CDD: 331.544098 CDU: 32(8) Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) Editora afiliada: À classe trabalhadora. A todos e todas que incondicionalmente entregam suas vidas à causa socialista e acendem fogueiras com mãos de primavera... Yo vengo a ofrecer mi corazón ¿Quién dijo que todo está perdido? yo vengo a ofrecer mi corazón, tanta sangre que se llevó el río, yo vengo a ofrecer mi corazón. No será tan fácil, ya sé qué pasa, no será tan simple como pensaba, como abrir el pecho y sacar el alma, una cuchillada del amor. Luna de los pobres siempre abierta, yo vengo a ofrecer mi corazón, como un documento inalterable yo vengo a ofrecer mi corazón. Y uniré las puntas de un mismo lazo, y me iré tranquilo, me iré despacio, y te daré todo, y me darás algo, algo que me alivie un poco más. Cuando no haya nadie cerca o lejos, yo vengo a ofrecer mi corazón. cuando los satélites no alcancen, yo vengo a ofrecer mi corazón. Y hablo de países y de esperanzas, hablo por la vida, hablo por la nada, hablo de cambiar ésta, nuestra casa, de cambiarla por cambiar, nomás. ¿Quién dijo que todo está perdido? yo vengo a ofrecer mi corazón. (Fito Paez e Mercedez Sosa) AgrAdecimentos A Sérgio e Cecília, faróis de minha vida. Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e à Cloc − Via Campesina por ensinar, nas árduas e diárias batalhas, a convicção da luta socialista. Ao estimado orientador Eduardo Paulon Girardi, à estimada coorien- tadora Leonilde Servolo Medeiros, e a todos os educadores e educadoras que acompanharam este trabalho, contribuindo com importantes reflexões teórico-metodológicas. Aos educadores, educadoras e militantes/dirigentes das organizações so- ciais do campo da Cloc − Via Campesina que gentilmente contribuíram com as entrevistas e reflexões sobre aspectos-chaves deste trabalho. Aos companheiros e companheiras de turma que, de maneira coleti- va, forjaram as condições objetivas e subjetivas para a realização desta pesquisa. sumário Lista de abreviaturas e siglas 13 Apresentação 19 1 Territorialização do capital no campo na América do Sul 23 2 Via Campesina Sudamérica: resistência e territorialização contra-hegemônica 63 3 Políticas de formação da Via Campesina na América do Sul 93 4 Territorialização, organização e consciência 157 5 O papel político-pedagógico da Via Campesina na América do Sul 231 Considerações finais 289 Referências 301 ListA de AbreviAturAs e sigLAs Conceitos e terminologias ABCD – ADM, Bungue, Cargill, Dreyfus ADM – Archer Daniels Midland Agra – Aliança para a Revolução Verde em África Alba –Aliança Bolivariana para las Américas BM – Banco Mundial BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Cafta-RD – Tratado de Livre-Comércio de Centro-América e República Dominicana CCI – Comissão Coordenadora Internacional Codelco – Corporación Nacional del Cobre (Chile) CPP – Coordenação Político Pedagógica Eia/Rima – Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura FMI – Fundo Monetário Internacional Iirsa – Integración de Infra-estructura Regional Sudamérica JBS – José Batista Sobrinho (fundador da JBS) OGM – Organismo Geneticamente Modificado OMC – Organização Mundial do Comércio ONG – Organização não governamental Raom – Reforma Agrária Orientada pelo Mercado 14 ÂNDREA FRANCINE BATISTA TCNs – Corporações Transnacionais TDR – Territorialização – desterritorialização – reterritorialização TLC – Tratado de Livre-Comércio TLCAN – Tratado de Libre Comercio de América del Norte VS – Versus Instituições políticas Fipa – Federación Internacional de Productores Agropecuários Fundayacucho – Fundación Gran Mariscal de Ayacucho (Venezuela) Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MPPES – Ministerio del Poder Popular para la Educación Superior (Venezuela) Organizações sociais e partidos CEBs – Comunidades Eclesiais de Base Cefuria – Centro de Formação Urbano e Rural Irmã Araújo Celam – Consejo Episcopal Latinoamericano CGT – Confederação geral do trabalho (Itália) FSLN – Frente Sandinista de Liberación Nacional (Nicarágua) NEP – Núcleo de Educação Popular PCB – Partido Comunista Brasileiro PCI – Partido Comunista Italiano PSI – Partido Socialista Italiano Organizações sociais do campo, escolas e institutos Acadei – Asociación Campesina de Desarrollo Integrado (Paraguai) Anamuri – Asociación Nacional de Mujeres Rurales e Indígenas (Chile) Anap – Asociación Nacional de Agricultores Pequeños (Cuba) Apenoc – Asociación de Productores Noroeste de Córdoba (Argentina) ATC – Asociación de Trabajadores del Campo (Nicarágua) C-Condem – El Corporación Coordinadora Nacional para la Defensa del Ecosistema Manglar del Ecuador (Ecuador) CAI – Consejo Asesor Indígena (Argentina) CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 15 Canez – Coordenadora Agrária Nacional Ezequiel Zamora (Venezuela) CAPC – Conselho Andino de Produtores de Coca da Bolívia (Bolívia) CCP – Confederação Campesina do Peru (Peru) Cioac – Central Independiente de Obreros Agrícolas y Campesinos (México) Cloc – Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo CNA – Coordenadora Nacional Agrária (Colômbia) CNA-Peru – Confederação Nacional Agrária (Peru) CNC-EA – Coordenadora Nacional Camponesa Eloy Alfaro (Equador) CNMCIOB-BS (Bartolinas) – Confederação Nacional de Mulheres Campesinas, Indígenas e Originárias da Bolívia – Bartolina Sisa (Bolívia) CNPA – Coordinadora Nacional Plan de Ayala (México) Cocitra – Coordenadora de Organizações Camponesas, Indígenas e Traba- lhadores Rurais da Argentina (Argentina) Conamuri – Coordinadora de Organizaciones de Mujeres Trabajadoras Rurales e Indígenas (Paraguai) Confeunassc – Confederación Nacional del Seguro Social Campesino (Equador) Conic – Coordinadora Nacional Indígena e Campesina (Guatemala) CPE – Coordinadora Campesino Europea CPT – Comissão Pastoral da Terra (Brasil) CSCIB – Confederação Sindical de Comunidades Interculturais da Bolívia CSUTCB – Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolivia Ecuarunari – “Ecuador Runakunapak Rikcharimuy” (Kichwa: Movi- miento de los Indígenas del Ecuador). Também chamado Confederação dos Povos de Nacionalidade Kichwa do Equador Elaa – Escola Latino-americana de Agroecologia (Brasil) ENA – Escuela Nacional de Agroecología (Equador) ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes (Brasil) Feab – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil FEI – Confederação de Povos, Organizações Camponesas e Indígenas do Equador Femucarinap – Federação Nacional de Mulheres Campesinas, Artesãs, Indígenas, Nativas e Assalariadas do Peru. 16 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Fenacle – Federação Nacional de Trabalhadores Agroindustriais, Cam- poneses e Indígenas livres do Equador Fenacoa – Federação Nacional de Cooperativas Agropecuárias Fenocin – Confederación Nacional de Organizaciones Campesinas, Indí- genas y Negras del Ecuador Fensuagro – Federación Nacional Sindical Unitaria Agropecuaria (Colômbia) Fipa – Federación Internacional de Productores Agropecuários FMC – Federación de Mujeres Cubanas (Cuba) FNCEZ – Frente Nacional Camponesa Ezequiel Zamora (Venezuela) Iala – Instituto de Agreocologia Latino-americano LVC – La Vía Campesina MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens (Brasil) MAP – Movimiento Agrario y Popular (Paraguai) MCNOC – Mesa Coordinadora de Organizaciones Campesinas (Paraguai) MCP – Movimiento Campesino Paraguayo MMC – Movimento de Mulheres Camponesas (Brasil) MNCI – Movimento Nacional Camponês e Indígena (Argentina) Mocase – Movimiento Campesino de Santiago del Estero (Argentina) MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores (Brasil) MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Brasil) MST-B – Movimento de Trabalhadores Sem Terra Da Bolívia NEP – Núcleo de Educação Popular 13 de Maio (Brasil) OLT – Organización de Lucha por la Tierra (Paraguai) Onai – Organización Nacional de Aborígenes e Indígenas (Paraguai) PJR – Pastoral da Juventude Rural (Brasil) Poriajhu – Unión de Campesinos Poriajhú (Argentina) Ranquil – Confederação Nacional Sindical Camponesa e do Agro Ranquil (Chile) RMRU – Rede de Mulheres Rurais do Uruguai Serpuco – Servicio de Cultura Popular (Argentina) Unag – Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos Unicam-Suri – Universidad Campesina- Sistemas Rurales Indoamericanos VC – Via Campesina CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 17 VCI – Via Campesina Internacional Universidades e instituições de educação e investigação Ceget – Centro de Estudos de Geografia do Trabalho Nera – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária UBV – Universidade Bolivariana de Venezuela UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora UFPA – Universidade Federal do Pará UFPR – Universidade Federal do Paraná UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Unellez – Universidad Nacional Experimental de los Llanos Ocidentales Ezequiel Zamora (Venezuela) Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” ApresentAção O presente livro é fruto de uma investigação de mestrado realizada no programa de pós-graduação em Geografia da Unesp, campus de Presidente Prudente, no período de 2011 a 2013. O tema deste trabalho − a saber, a formação política em organizações sociais do campo − advém de nossa prática militante de acompanhamento e coordenação desses processos, os quais possibilitaram em grande medida as inquietações, indagações e reflexões que se expressam no corpo deste tra- balho. Partindo dessa prática reflexiva, a necessidade de aprofundamento teórico tornava-se cada vez mais provocante e desafiadora. Essa investiga- ção se fundamenta sobre essa práxis. O objetivo central da pesquisa foi analisar a política de formação da Via Campesina Internacional por meio das experiências concretas construídas na América do Sul e considerando essas experiências como parte de um processo de territorialização contra-hegemônica do capital, que se efetiva por meio da luta promovida pela organização dos diferentes sujeitos do campo. Esse processo envolve, sem dúvida nenhuma, o terreno da consciência e da ideologia, o que muitos autores designam como território imaterial, como será desenvolvido nos capítulos que seguem. No Capítulo 1, intitulado "Territorialização do capital no campo na América do Sul", apontamos elementos do desenvolvimento da produção capitalista no campo nos últimos anos, consequências da política neoliberal na região sul-americana. Nesse capítulo, analisamos aspectos do agrone- 20 ÂNDREA FRANCINE BATISTA gócio, do hidronegócio, da mineração e desmatamento relacionados a me- gaprojetos de infraestrutura para circulação de mercadorias, forjando um domínio hegemônico do capital no campo em tempos de sua própria crise estrutural. Também apontamos algumas das principais consequências que essa hegemonia provoca como a desterritorialização dos sujeitos do campo, seja na forma de expropriação, exploração ou subsunção deles à ordem estabelecida. No Capítulo 2, situamos historicamente o surgimento da articulação internacional de organizações do campo, a Via Campesina Internacional, e a partir de suas linhas políticas, organização e estratégia, analisamos os processos de resistência e construção de uma territorialização contra he- gemonia do capital no campo. Pretendemos evidenciar a existência e o contraste entre dois projetos para o campo. Um deles, nos marcos do desen- volvimento do capital e da produção inconsequente de mercadorias a partir da exploração dos trabalhadores do campo e da subsunção de camponeses, indígenas e afrodescendentes às suas leis (Capítulo 1). Outro, proveniente das contradições e consequências do próprio sistema, no qual os trabalha- dores e trabalhadoras organizados propõem um novo modelo para o campo baseado na soberania alimentar e na agroecologia. No Capítulo 3, com o nome "Políticas de formação da Via Campesina na América do Sul", retratamos a sistematização das experiências de formação organizadas pela Via Campesina América do Sul em sua trajetória de vinte anos de existência. Buscamos, através de um mapeamento inicial, traçar elementos político-pedagógicos singulares que perpassam essas experiên- cias, identificando assim aspectos da política de formação da VCI. Esse mapeamento foi realizado pela identificação das experiências e do agru- pamento delas por características similares, mesmo que a denominação desses agrupamentos não seja utilizada pela VCI. São eles: cursos livres ou informais e atividades de formação política; cursos livres ou informais e ati- vidades de formação político-profissional; escolas e institutos de formação político-profissional em agroecologia. Para a exposição desse capítulo, par- timos do pressuposto de que as políticas de formação da VCI fazem parte da sua estratégia na construção de uma territorialização contra a hegemonia do capital. O Capítulo 4 deste trabalho é denominado "Territorialização, organi- zação e consciência". Nesse capítulo, discutimos os conceitos de território, CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 21 territorialização e territorialidade como conceitos geográficos que perpas- sam pela análise do objeto de investigação, ou seja, a construção hegemôni- ca do capital no campo versus a luta contra-hegemônica da Via Campesina na América do Sul. Também nesse capítulo, abordamos conceitos, como a concepção de Antonio Gramsci sobre: Estado e sociedade civil; hege- monia; organização política como intelectual coletivo; formação política e intelectual orgânico. Esses conceitos aportam para uma leitura crítica dessa luta contra-hegemônica do capital no campo realizada pela Via Campesina Internacional desde o enfrentamento, a organização e a formação. O Capítulo 5 relaciona os aspectos da luta e da organização às políticas de formação da VC como aspectos chaves na construção da consciência de clas- se, pressuposto limiar do avanço para uma luta por mudanças estruturais. Nas Considerações Finais desta obra, apontamos de maneira sintética as principais reflexões a respeito do papel das políticas de formação da VC enquanto elemento estratégico para a luta contra a hegemonia do capital e suas consequências para os sujeitos coletivos do campo. Assinalamos também nessa parte do trabalho algumas inquietações que necessitam ser aprofundadas, as quais seriam bases para outras possíveis investigações. Desde o primeiro momento da realização deste trabalho, desenvolvemos a expectativa de que pudesse aportar, de alguma maneira, para a práxis coletiva da Via Campesina Internacional e seu papel histórico na luta de classes. Compreendemos, entretanto, que ele é insuficiente para uma lei- tura crítica de todo o seu processo, dados os desafios que lhe são colocados. Nesse sentido, deixamos este breve estudo para a crítica da história. 1 territoriALizAção do cApitAL no cAmpo nA AméricA do suL A partir da década de 1980, o capital no campo vem se reterritoriali- zando na América Latina sob as bases dos mesmos critérios: aumento da produtividade para exportação de produtos agrícolas e de recursos naturais. Consequência de uma política neoliberal, consolidou-se a matriz do agro- -hidronegócio1 e da mineração, que, relacionada a gigantescos projetos de infraestrutura, tornou-se hegemônica e, assim, passou a desterritorializar os diferentes sujeitos do campo pela expropriação, exploração e a subsun- ção de formas não capitalistas de produção. Vale recordar de antemão que, para a divisão internacional do trabalho estabelecida, cabe aos países da América Latina exportar matérias-primas (minerais e agrícolas). Mercadorias como minério de ferro, alumínio, gás, petróleo, soja, celulose e etanol, que são altamente demandantes de água e energia, são produzidas em larga escala e estão no centro das prioridades. Uma combinação de exploração e expropriação dos recursos naturais na forma capitalista de produção vem territorializando-se de tal maneira que, nos últimos anos, os antigos latifúndios improdutivos passam a ser grandes propriedades com elevado nível de produtividade sob o domínio de trans- nacionais e multinacionais. Essas características marcam a atuação do capital no campo na forma do agronegócio, da mineração, do chamado hidronegócio e da construção de megaprojetos de integração para circulação de mercadorias. Estas, fun- dadas em processo de crescente desterritorialização dos povos do campo e 1 Conceito utilizado pelo autor Thomaz Junior (2010). 24 ÂNDREA FRANCINE BATISTA das florestas como o caso de camponeses, indígenas e quilombolas. Marca- -se assim um novo momento histórico dos conflitos territoriais causados pelo capital no campo e cuja resposta são processos de resistência e de luta contra-hegemônica. A atual territorialização hegemônica do capital ocorre essencialmente pelo domínio das relações econômicas de produção capitalistas, da polí- tica e da ideologia. Esse processo não é novo, mas encontra novas formas e configurações. Desde a acumulação primitiva de capital, o sistema ex- propriou terra e território de diversos grupos do campo num processo de desterritorialização. Quando não diretamente expropriando, em diferentes circunstâncias, subsumiu camponeses e comunidades tradicionais à lógica do grande capital. A produção capitalista no campo A história da expropriação do homem em relação à natureza está vin- culada à história da separação do produtor ou trabalhador dos meios de produção e das suas condições de trabalho, ou, como afirma Quaini, “em termos geográficos pode ser expressa como progressiva dissociação do homem em relação ao território, após a transformação do território de valor de uso em valor de troca ou mercadoria” (Quaini, 2002, p.66). A produção capitalista no campo se efetivou historicamente a partir da expropriação de recursos naturais e dos sujeitos do campo; da renda da terra; da renda produto e renda trabalho; da extração de mais-valia pela da jornada de trabalho e pelo assalariamento no campo; e da subsunção de for- mas não capitalistas à produção ou ao próprio mercado capitalista. Todas essas formas estiveram diretamente articuladas às diferentes condições naturais, assim como o desenvolvimento de tecnologias que marcaram a acumulação capitalista de maneira desigual e combinada nos mais diferen- tes países e regiões. Nos últimos anos, o capital no campo tem se reconfigurado na forma do agro-hidronegócio (Thomaz Junior, 2010) e da mineração. Em conse- quência, mas também como matriz, estão sendo levados a cabo grandes projetos de integração para circulação de mercadorias. Todos esses setores estão marcados pelo domínio de empresas transnacionais vinculadas à agri- CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 25 cultura e aos diferentes recursos naturais como o caso da mineração, água e biodiversidade, sendo o papel fundamental do Estado no auxílio desse processo de territorialização do capital. Em se tratando do agronegócio, segundo Campos (2009), num primeiro momento, o termo, que vem do inglês agrobusiness, estaria relacionado li- teralmente a negócios que envolvem produtos agrícolas e agropecuários. O termo agrobusiness é advindo da década de 1950, nos Estados Unidos, onde se aprimorou a crescente integração de atividades agropecuárias, agroin- dústrias e setores de serviços. Entretanto, hoje esse conceito representa toda uma política de aperfei- çoamento da exploração capitalista no campo, representa a hegemonia do capital no campo assim como seus fortes impactos aos trabalhadores do campo, camponeses, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Nesse sentido, do “ponto de vista da divisão de classes sociais, o agrone- gócio é atrelado às classes dominantes nas diferentes escalas”, que evi- dentemente “escamoteiam esse caráter” se apresentando como aspectos “meramente econômicos”, quando em verdade atuam também na “esfera política” e ideológica, “incidindo sobre decisões governamentais desde a escala local até a escala nacional” (Campos, 2009, p.28). Assim, podemos afirmar que o agronegócio, como política econômica para o campo, vem se territorializando de maneira incisiva nos diferentes países “destinados” à produção primária na geoeconômia mundial sob a hegemonia do capital. As características gerais dessa territorialização estão relacionadas a um amplo processo de desterritorializaçao de formas não capitalistas de produção. Essa desterritorialização envolve a questão da produção de alimentos, da expropriação e/ou expulsão dos mais diferentes sujeitos do campo, da transferência “de técnicas e tecnologias que se dirigem para os lugares em que o processo de valorização do valor” seja mais acelerado; das “identi- dades socioculturais”, entre outras. Um processo impregnado de conflito, pois o agronegócio “não é apenas uma articulação de capitais, mas também de técnicas associadas aos processos de trabalho dos distintos segmentos capitalistas que compõem”, numa intrínseca relação de poder (Campos, 2009, p.37). 26 ÂNDREA FRANCINE BATISTA No seu processo de territorialização o agronegócio se apropria dos espaços que já contam com uma densa configuração territorial, adequando o uso da mesma às suas demandas. Esse é o caso de lugares ou mesmo de regiões que já têm tradição de produção agrícola, mas que, à medida que foram apropriados pelo agronegócio, intensificaram e diversificaram o uso de técnicas, de infor- mação e de métodos científicos nos processos produtivos, [...] ampliaram a integração com segmentos a montante e jusante da produção em escala mun- dial. No caso do Brasil, esse tipo de territorialização é mais comum nas regiões sul e sudeste e parte do centro-oeste que já haviam passado por um processo de modernização da agricultura. Mas o processo de territorialização também inclui a apropriação de espaço com baixa densidade técnica e demográfica, que constituíam “lugares de reserva” de produção e consumo agropecuários globa- lizados. (Campos, 2009, p.39) Para Campos, esses elementos vinculam-se a uma estratégia política, na qual o agronegócio promove “várias ações para obter apoio e criar um am- biente institucional favorável à sua territorialização”, entre os quais, a elei- ção de empresários para cargos públicos, o financiamento de campanhas eleitorais de diferentes partidos formando uma base “de apoio multiescalar – desde o município até a nacional” (Campos, 2009, p.43). Nesses espaços, realizam investimentos com recursos públicos ou impedem aprovação de medidas que contrariam seus interesses. Outra estratégia política promovida pelo agronegócio é a apropriação de espaços da mídia (rádio, televisão, jornais etc.), assim como universida- des e centros de pesquisa (públicas ou privadas) promovendo programas de educação tecnológica, de graduação e pós-graduação em agronegócio, assim como grupos de estudo e laboratórios para desenvolver pesquisas em diferentes áreas do conhecimento de acordo com seus interesses. Esses elementos, Campos (2009) analisa como uma “tríplice aliança entre agronegócio, latifúndio [arcaico] e Estado”, que, de maneira articula- da, efetiva seu domínio em seu processo de territorialização hegemônica do capital, mesmo que este último se encontre num período de crise estrutural. Para Garcia (2013), a intrínseca relação entre capital e Estado é uma ca- racterística da hegemonia capitalista. Afirma a autora que, por trás de uma grande empresa, existe sempre um Estado forte que a financia. CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 27 Detrás de una gran empresa hay siempre un Estado fuerte, que la financia y estructura el campo jurídico y político para que ella actúe. Y detrás de un Estado hegemónico hay siempre empresas multinacionales que actúan dentro y fuera del país, llevando su marca y creando su imagen junto a la imagen del país potencia. En algunos casos, la relación entre empresas y Estado se explicita con la penetración de agentes de las empresas en el aparato estatal, influenciando políticas públicas directamente. Esa relación dinámica entre capital y Estado es característica de la hegemonía capitalista, en la que los intereses de las clases dominantes son presentados como intereses universales. (Garcia apud Zubi- zarreta, 2012, p.189) O agronegócio também se caracteriza pelo controle das transnacionais nos diferentes territórios e territorialidades, onde as empresas atuantes controlam toda a cadeia de produção envolvendo desde sementes, tecnolo- gias, insumos, agrotóxicos, créditos bancários etc., destinados a aumentar a produtividade. Juntamente, segue a especialização e o monocultivo da pro- dução destinados à celulose, agrocombustíveis, soja e milho para produção de ração animal, óleos e farinhas. A produção em larga escala, por consequência, assume a função de destruição da biodiversidade com o crescimento do uso de agrotóxicos, a transgenia, alterações de códigos florestais para expandir a produção, e a compra e venda de créditos de carbono. Na sequência, pretendemos apontar algumas características-chave dessa hegemonia do capital no campo, na forma do agronegócio em pleno momento histórico de crise estrutural do capital. Agronegócio O sistema do agronegócio tem como principais agentes hegemônicos as empresas, grande parte transnacionais, com destaque para Bunge, Louis Dreyfus, Cargill e ADM, na produção de óleos, conservas e farinhas; Mon- santo e Syngenta na produção de adubos, fertilizantes e agrotóxicos; Sadia e JBS na produção de carnes; Cosan e Shell na produção de etanol; Nestlé e Danone em laticínios; Klabin e Fibria na produção de celulose. A revista Exame publicou, em julho de 2012, as cinquenta maiores em- presas com sede no Brasil. A Bunge Alimentos encontra-se em primeiro lugar com cerca de 19.319,9 milhões de dólares em venda (critério conside- rado para classificá-las). Das elencadas nessa revista, catorze são do ramo 28 ÂNDREA FRANCINE BATISTA de produção de óleo, farinha e conservas, e dez de produção de adubos, fer- tilizantes e agrotóxicos. Seguem, na tabela abaixo (Tabela 1), alguns dados quanto ao volume de vendas de algumas das empresas transnacionais do agronegócio no ano de 2011. Tabela 1− Classificação de empresas quanto ao volume de vendas em 20112 Lugar Empresa Sede Segmento Vendas (em US$ milhões) 1o Bunge Alimentos Gaspar (SC) Óleos, farin. e conservas 19.319,9 2o Cargill São Paulo (SP) Óleo, farin. e conservas 19.093,2 3o JBS São Paulo (SP) Carne bovina 13.420,5 4o BRF/Sadia Itajaí (SC) Aves e suínos 12.859,8 5o BRF Itajaí (SC) Aves e suínos 12 831,0 6o ADM São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservas 9.903,0 7o Copersucar Cooperativa São Paulo (SP) Açúcar e álcool 8.000,0 8o Unilever São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservantes 7.295,5 9o Louis Dreyfus São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservas 6.824,4 10o Basf São Paulo (SP) Adubos e defensivos 5.755,1 11o Coamo Campo Mourão (PR) Atacado e com. exterior 5.703,3 12o Souza Cruz Rio de Janeiro (RJ) Fumo 5.675,1 13o Nestlé São Paulo (SP) Leite e derivados 5.240,4 14o Suzano Salvador (BA) Madeira e celulose 4.800,0 15o Heringer Viana (ES) Adubos e defensivos 4.833,5 16o CNH Contagem (MG) Máq., equip. e ferram. 4.824,6 17o Marfrig São Paulo (SP) Carne bovina 4.576,6 18o Bunge Fertilizantes São Paulo (SP) Adubos e defensivos 4.473,6 19o Bayer São Paulo (SP) Adubos e defensivos 4.410,7 20o Amaggi Cuiabá (MT) Atacado e com. Exterior 4 129,7 21o Copersucar São Paulo (SP) Açúcar e álcool 3.969,6 Continua 2 Esta tabela encontra-se no artigo “O agronegócio na América do Sul: movimentos sociais e espacialização das transnacionais do grupo ABCD”, escrito por Ândrea Francine Batista e Julciane Anzilago, publicado no livro digital Ensaios sobre a Questão Agrária. CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 29 Tabela 1 – Continuação 22o Klabin São Paulo (SP) Madeira e celulose 3.888,6 23o Syngenta São Paulo (SP) Adubos e defensivos 3.840,0 24o Fibria São Paulo (SP) Madeira e celulose 3.753,9 25o Aurora Chapecó (SC) Aves e suínos 3.614,1 26o Kraft Foods Curitiba (PR) Óleos, farin. e conservas 3.574,9 27o Frigorífco Minerva Barretos (SP) Carne bovina 3.565,0 28o DuPont Barueri (SP) Adubos e defensivos 3.436,1 29o Mosaic São Paulo (SP) Adubos e defensivos 3.292,4 30o Pepsico São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservas 3.185,4 31o Vale Fertilizantes Uberaba (MG) Adubos e defensivos 2.985,1 32o Cooxupé Guaxupé (MG) Café 2.984,8 33o Duratex São Paulo (SP) Madeira e celulose 2.907,3 34o Yara Porto Alegre (RS) Adubos e defensivos 2.831,6 35o C. Vale Palotina (PR) Aves e suínos 2.754,4 36o Seara Itajaí (SC) Aves e suínos 2.743,5 37o Cosan Açúcar e Álcool Barra Bonita (SP) Açúcar e álcool 2.623,1 38o Ultrafertil Cubatão (SP) Adubos e defensivos 2.328,5 39o Cosan São Paulo (SP) Açúcar e álcool 2.271,3 40o Noble São Paulo (SP) Algodão e grãos 2.106,4 41o Caramuru Itumbiara (GO) Óleos, farin. e conservas 2.039,1 42o Itambé Belo Horizonte (MG) Leite e derivados 1.984,5 43o Camera Santa Rosa (RS) Óleos, farin. e conservas 1.907,6 44o Usaçúcar Maringá (PR) Açúcar e álcool 1.906,6 45o Ajinomoto São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservas 1.900,0 46o Granol São Paulo (SP) Óleos, farin. e conservas 1.889,1 47o Cocamar Maringá (PR) Óleos, farin. e conservas 1.861,1 48o Lar Medianeira (PR) Algodão e grãos 1.849,2 49o M. Dias Branco Eusébio (CE) Óleos, farin. e conservas 1.829,9 50o Bianchini Porto Alegre (RS) Óleos, farin. e conservas 1.791,2 Fonte: Exame (jul. 2012). 30 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Já na edição de julho de 2013, a revista Exame, edição especial 40 anos, aponta as empresas que mais venderam e as que mais lucraram no ano de 2012 (Tabela 2). Mesmo que algumas reportagens apontem a estagnação do desenvolvimento do agronegócio de um ano a outro, o valor em vendas líquidas permanece num alto patamar, assim como o predomínio de muitas delas entre as cinquenta maiores empresas do ramo. Tabela 2 – Classificação das empresas quanto ao volume de venda em 2012 Lugar em 2012 Lugar em 2011 Empresa Sede Segmento Vendas líquidas (em US$ milhões) 1o 2o Cargill São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 11.914,9 2o 1o Bunge Gaspar (SC) Óleos, farinhas e conservantes 11.099,4 3o 3o JBS São Paulo (SP) Carne bovina 8.281,4 4o 5o BRF Itajaí (SC) Aves e suínos 7.193,8 5o 6o ADM Vitória (ES) Óleos, farinhas e conservantes 5.440,0 6o 7o Copersucar- -Cooperativa São Paulo (SP) Açúcar e álcool 4.887,5 7o 9o Louis Dreyfus São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 4.740,7 8o 8o Unilever São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 3.432,5 9o 11o Coamo Campo Mourão (PR) Óleos, farinhas e conservantes 3.395,8 10o 10o Basf São Paulo (SP) Adubos e defensivos 3.302,8 11o 12o Souza Cruz Rio de janeiro (RJ) Fumo 3.071,9 12o 20o Amaggi Cuiabá (MT) Atacado e comércio exterior 2.853,3 13o 19o Bayer São Paulo (SP) Adubos e defensivos 2.774,3 14o 15o Heringer Viana (ES) Adubos e defensivos 2.679,1 15o – Raízen Energia Barra Bonita (SP) Açúcar e álcool 2.649,8 Continua CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 31 Tabela 2 – Continuação 16o 16o CNH/ Cse New Holland Contagem (MG) Máquinas equipamentos e ferramentas 2.628,7 17o 23o Syngenta São Paulo (SP) Adubos e defensivos 2.577,3 18o 14o Suzano Salvador (BA) Madeira e celulose 2.516,6 19o 18o Bunge Fertilizantes São Paulo (SP) Adubos e defensivos 2.398,3 20o 13o Nestlé São Paulo (SP) Leites e derivados 2.322,0 21o 17o Marfrig São Paulo (SP) Carne bovina 2.292,2 22o 21o Copersucar São Paulo (SP) Açúcar e álcool 2.223,9 23o 28o Dupont Barueri (SP) Sementes 2.133,6 24o 25o Aurora Alimentos Chapecó (SC) Aves e suínos 2.097,8 25o 22o Klabin São Paulo (SP) Madeira e celulose 2.038,8 26o 24o Fibria São Paulo (SP) Madeira e celulose 1.931,4 27o – Mondelez Brasil Curitiba (PR) Óleos, farinhas e conservantes 1.913,0 28o 27o Frigorífico Minerva Barretos (SP) Carne bovina 1.897,3 29o 34o Yara Porto Alegre (RS) Adubos e defensivos 1.881,2 30o 29o Mosaic São Paulo (SP) Adubos e defensivos 1.710,3 31o 30o Pepsico São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 1.640,6 32o 33o Duratex São Paulo (SP) Madeira e celulose 1.638,2 33o 35o C. Vale Palotina (PR) Aves e suínos 1.600,6 34o – Fosfertil Uberaba (MG) Adubos e Defensivos 1.539,6 35o 36o Seara Itajaí (SC) Aves e suínos 1.484,1 36o 41o Caramuru Itumbiara (GO) Óleos, farinhas e conservantes 1.373,3 37o 49o M. Dias Branco Eusébio (CE) Óleos, farinhas e conservantes 1.287,3 Continua 32 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Tabela 2 – Continuação 38o 40o Noble São Paulo (SP) Algodão e celulose 1.272,7 39o – Fiagril Lucas do Rio Verde (MT) Atacado e comércio exterior 1.223,5 40o – Goiasfertil Cubatão (SP) Adubos e defensivos 1.186,2 41o 46o Granol São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 1.144,1 42o 48o Lar Medianeira (PR) Algodão e celulose 1.113,4 43o 47o Cocamar Maringá (PR) Óleos, farinhas e conservantes 1.075,3 44o 32 o Cooxupé Guaxupé (MG) Café 1.053,9 45o – Comigo Rio Verde (GO) Algodão e celulose 1.045,1 46o 44o Usaçucar Maringá (PR) Açúcar e álcool 1.003,0 47o – Cooperativa agrária Guarapuava (PR) Algodão e celulose 995,4 48o 42o Itambé Belo Horizonte (MG) Leite e derivados 984,7 49o 45o Ajinomoto São Paulo (SP) Óleos, farinhas e conservantes 961,3 50o – Biosev São Paulo (SP) Açúcar e álcool 902,5 Fonte: Exame (jul. 2013). Entre os anos de 2011 e 2012, houve pouca alteração entre as dez primei- ras colocadas. No ano de 2010, segundo notícia on-line da revista Exame,3 estavam entre as dez primeiras colocadas. Dentre os três últimos anos ana- lisados, as empresas do agronegócio que se mantêm entre as dez primeiras colocadas quanto ao valor de venda em dólares são: Bunge, Cargill, Unile- ver, Copersucar-Cooperativa, BRF, JBS e ADM, empresas atuantes nos segmentos de derivados da soja, açúcar, etanol e carnes. A Bunge, holandesa, está instalada em diversos municípios brasileiros, e também na Argentina, no Paraguai e no Uruguai. Tem fábricas, plantas de processamento, terminais portuários e escritórios, e atua produzindo óleo e farinha de soja, girassol, açúcar e bioenergia. A Cargill, estadunidense, 3 Ou também em reportagem sobre as dez maiores do agronegócio do Brasil, disponível em . Acesso em: 20 set. 2010. CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 33 atua no Brasil desde 1965. Tem fábricas, armazéns, escritórios e terminais portuários em 141 municípios brasileiros (Exame, 2013, p.101). Atua no ramo da soja, açúcar, cacau, etanol, amidos e adoçantes, algodão, trigo e milho. Está também na Argentina, na Bolívia, no Paraguai, noUruguai, na Colômbia, no Peru, na Venezuela. A Unilever é anglo-holandesa e atua no Brasil, na Argentina, no Chile e na Colômbia. A Copersucar-Cooperativa, brasileira, exporta etanol para Trinidad e Tobago e açúcar para Venezuela, Colômbia, Peru, Chile, Ar- gentina e Uruguai. O grupo JBS, brasileiro, tem instalações no Brasil, na Argentina, no Paraguai, no Chile e no Uruguai, com unidades de abate de bovinos, unidades de carnes em conserva, unidade de vegetais, confina- mentos, plantas industriais de laticínios, indústrias de couro, unidade fabril de colágeno e unidade de biodiesel. Segundo a revista Carta Capital (Ri- beiro, 2013), numa reportagem de março de 2013, o grupo JBS, presidido por Joesley Batista, entrou também no ramo da mídia comprando o Canal Rural do grupo gaúcho de comunicação RBS, dono do diário Zero Hora de Porto Alegre e das transmissoras da Rede Globo no sul do país. O Canal Rural é um grupo especializado em transmissões de leilões de gado. A empresa ADM, americana, atua no Brasil, na Argentina, na Bolívia e no Paraguai na produção de derivados da soja, girassol e insumos. A em- presa BRF (Brasil Foods) atua no Brasil e na Argentina nos segmentos de carnes (aves, suínos e bovinos), alimentos processados de carnes, lácteos, margarinas, massas, pizzas e vegetais congelados, com as marcas Sadia, Perdigão, Batavo, Elegê, Qualy, entre outras. Dentre outras empresas que estão entre as primeiras cinquenta coloca- das, está a Dreyfus, que atua na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Peru, no Uruguai e no Brasil na produção de grãos e oleaginosas, café, fertilizan- tes, biosev e sucos. Também a Syngenta, atuando no Chile e Brasil no ramo de sementes e cana-de-açúcar. Em Holambra, São Paulo, encontra-se o Seed Care Institute, considerado o mais moderno laboratório de tratamento de sementes da América Latina, de propriedade da Syngenta. No ramo do etanol, a Raízen, controlada pela Consan-Shell, segundo reportagem de março de 2013 disponibilizada no site da Brasilagro (Batis- ta, 2013), tem previsão de investimento em etanol celulósico, e irá instalar sua primeira usina em Piracicaba (São Paulo). A perspectiva da empresa é um crescimento de moagem de cana em toda a região centro-sul do Brasil. 34 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Ainda referindo-se ao agronegócio, a revista Exame (2013) aponta que, em relação às dez empresas que mais lucraram no ano de 2012 estão a Souza Cruz, a JBS, Klabin, Bayer, Cargill, entre outras. Baseados nos dados en- contrados na referente revista, reproduzimos a seguir (Tabela 3) os princi- pais dados das dez empresas que mais lucraram nesse ano. Tabela 3 – Classificação das empresas quanto ao lucro líquido em 2012 Ordem de lucro Entre as 400 maiores empresas do agronegócio Empresa Segmento Controle acionário Lucro líquido ajustado U$ 1o 11o Souza Cruz Fumo Inglês 789,5 2o 3o JBS Carne bovina Brasileiro 374,4 3o 25o Klabin Adubos e celulose Brasileiro 328,8 4o 13o Bayer Adubos e defensivos Alemão 231,2 5o 1o Cargill Óleo, farinhas e conservantes Estadunidense 187,1 6o 23o Duppont Sementes Estadunidense 179,4 7o 32o Duratex Madeira e celulose Brasileiro 172,7 8o 9o Coamo Atacado e comércio exterior Brasileiro 145,7 9o 37o M. Dias Branco Óleo farinhas e conservas Brasileiro 141,2 10o 72o Alto Alegre Açúcar e álcool Brasileiro 126,1 Fonte: Exame (jul. 2013). A empresa Souza Cruz, com sede no Rio de Janeiro, foi considerada, em 2012, a mais produtiva do setor. Destas empresas, seis são brasileiras, duas estadunidenses, uma alemã, e uma inglesa. Duas estão no ramo de adubos e defensivos; três no ramo de óleos, farinhas e conservantes; um no ramo de madeira e celulose; um no ramo de açúcar e álcool; um no ramo de carnes; um no ramo de fumo. A Klabin, por exemplo, atuante na área de papel e celulose, somente na fábrica de Telêmaco Borba (Paraná) teve um lucro de 200 milhões de reais (Exame, 2013, p.103). Se analisarmos a totalidade das empresas que mais lucraram no ano passado no Brasil, para além do agronegócio, observa- -se que a Petrobras ficou em primeiro lugar e em segundo ficou a Ambev (Exame, 2013, p.65). Como esses rankings levam em consideração o lucro, CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 35 devemos lembrar que, quanto maior o lucro, também maior será a extração da mais-valia. Sendo assim, quanto maior o lucro das empresas, maior a exploração do homem e da natureza exercido por ela. No setor do agronegócio, o investimento em tecnologias pelas empresas e estabelecimentos capitalistas para aumentar a lucratividade é um impera- tivo. Um exemplo do investimento em inovações tecnológicas é a empresa de gestão de colheitas Enalt, que vem desenvolvendo um sistema de co- lheitas acompanhadas por GPS, no qual os sensores de precisão acoplados à maquinaria agrícola dos setores de cana-de-açúcar, papel e celulose rece- bem em tempo real as informações – agricultura de precisão. Essa empresa tem sua sede em São Carlos (São Paulo) e entre seus principais clientes estão outras, como a Odebrecht (Exame, 2013, p.223). Em relação a investimentos e inovações tecnológicas, a revista Exame (2013) menciona também as principais empresas que investiram alto em 2012 para ampliação de suas estruturas e operações no Brasil para aumentar as vendas e o lucro. Dentre as cem empresas com maiores investimentos, mencionamos como destaque: Petrobras, Vale, Suzano, JBS, BRF, Klabin, Duratex, Mineração Paragominas, Bunge, Souza Cruz e Cargill (Exame, 2013, p.410-3). O Quadro 1 a seguir sintetiza os investimentos por empresa e sua colocação por ordem de valor de investimento. Quadro 1 – Classificação das empresas quanto aos investimentos realizados em 2012 Ordem por valor de investimento Empresa Segmento Controle Acionário Investimento 1o Petrobras Energia Estatal Exploração e produção de campos do pré-sal e pós-sal, e, melhora de infraestrutura, logística e tecnologia. 2o Vale do Rio Doce Mineração Brasileiro Expansão das operações integradas de minério de ferro em Carajás (PA). 5o Suzano Papel e celulose Brasileiro Construção de fábrica em Imperatriz (MA) e manutenção de reserva florestal no Piauí, parte do projeto de expansão no Nordeste. Continua 36 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Quadro 1 – Continuação 18o JBS Bens e consumo Brasileiro Não informado. 35o BRF Aves e suínos Brasileiro Expansão da capacidade do complexo industrial em Lucas do Rio Verde (MT) e construção de fábrica em Vitória de Santo Antão (PE). 44o Klabin Papel e celulose Brasileiro Máquinas para fabricação de papéis para sacos industriais com capacidade de 80.000 toneladas por ano, na cidade de Correia Pinto (SC). 47o Duratex Madeira Brasileiro Implantação de fábrica de placas de MDF em Itapetininga (SP), e aquisição de unidade de fabricação de válvulas industriais de bronze Lupatech em Jacareí (SP). 67o Mineração Paragominas Mineração Norueguês Infraestrutura para armazenagem de resíduos de minério na cidade de Paragominas (PA). 68o Bungue Bens de consumo Holandês Ampliação de canaviais, melhorias de técnicas agrícolas e de sistemas de irrigação e aumento da capacidade de moagem das usinas de cana-de-açúcar. 75o Souza Cruz Bens de consumo Inglês Modernização do parque industrial, substituição de equipamentos de informática e renovação de frota de veículos de distribuição. 77o Cargill Bens de consumo Estadunidense Construção de unidade de processamento de milho em Castro (PR) para produção de amidos e adoçantes. Fonte: Exame (jul. 2013). Desde o último quadro anteriormente mencionado, percebemos que, ao agronegócio, acrescentam-se empresas de exploração e expropriação de recursos naturais vinculadas à energia e à mineração. Ampliando os dados CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 37 das empresas do agronegócio, mineração e energia que mais venderam no ano de 2012, segundo a revista Exame (Exame, 2013, p.342), seguem abai- xo alguns dados sistematizados na Tabela 4: Tabela 4– Classificação de empresas quanto ao volume de vendas em 2012 Lugar Empresa Segmento Capital acionário Vendas (em US$ Milhões) 1o Petrobras Energia Estatal 109.713,3 2o BR distribuidora Atacado Estatal 39.024,5 3o Vale Mineração Brasileiro 28.989,4 6o Cargill Bens de Consumo Estadunidense 11.914,9 10o Bunge Bens de consumo Holandês 11.099,4 11o Braskem Química Brasileiro 10.416,0 14o JBS Bens de consumo Brasileiro 8.281,4 17o BRF Bens de consumo Brasileiro 7.193,8 21o Ambev Bens de consumo Belga 6.584,7 29o Cosan Atacado Brasileiro 5.526,6 31o ADM Produção agropecuária Americano 5.440,0 39o AES Eletropaulo Energia Americano- brasileiro 5.027,3 41o Copersucar Energia Brasileiro 4.887,5 46o Louis Dreyfus Produção agropecuária Francês 4.740,7 52o Itaipu binacional Energia Estatal 3.797,9 Fonte: Exame (jul. 2013). Como já mencionado anteriormente, muitas dessas empresas possuem operações ou instalações em diferentes países da América do Sul. O Qua- dro 2 elenca as duzentas maiores empresas transnacionais em 2012 e que mantêm operações na América do Sul relacionadas ao agronegócio, hidro- negócio e mineração. Importante destacar que a maioria das empresas atua em dois ou mais setores, assim como a diversidade de empresas controladas e coligadas aos grupos. Percebe-se também que muitas delas têm controle acionário brasileiro (Exame, 2013, p.418-22): 38 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Q ua dr o 2 – C la ss if ic aç ão d as m ai or es e m pr es as e m 2 01 2 qu e m an tê m o pe ra çõ es n a A m ér ic a do S ul L ug ar G ru po pr iv ad o C on tr ol e ac io ná ri o Se to re s d e at ua çã o e pa rt ic ip aç ão A lg um as d as p ri nc ip ai s e m pr es as c on tr ol ad as e c ol ig ad as P aí se s o nd e o gr up o m an té m op er aç õe s n a A m er ic a do S ul 2o V al e B ra si le ir o M in er aç ão (8 9% ), T ra ns po rt e (3 % ) , O ut ro s ( 8% ) C on tr ol ad as : C om pa ñi a M in er a M is ky , P er u Fe rt ili za nt es , F er ro vi a C en tr o- -a tlâ nt ic a, B ra si l L og ís tic a, F er ro vi a N or te -s ul , M in er aç ão C or um ba en se R eu ni da s, B ra si l m in ér io d e fe rr o e m an ga nê s, P T In te rn ac io na l, N ic ke l I nd on és ia T bk , I nd on és ia N íq ue l, M in er a T rê s V al le s, C hi le C ob re , V al e (A us tr ál ia , Á us tr ia h ol di ng G m bH , C an ad á, C ol ôm bi a, fe rt ili za nt es , I nt er na tio na l, m an ga nê s, M in as d o A zu l, M oç am bi qu e, N ou ve lle -C al ed on ie , O m an P el le tiz in g, S hi pp on g H ol di ng ). A rg en tin a, B ra si l, C hi le , C ol ôm bi a, Pe ru . 3o J & F In ve st im en to s B ra si le ir o B en s d e co ns um o (9 9% ), F in an c. (1 % ) C on tr ol ad as : J B S, E ld or ad o B ra si l. J& F F lo re st a A gr op ec uá ri a, F lo ra , J& F O kl ah om a, B an co O ri gi na l, V ig or , J & F In fr ae st ru tu ra . B ra si l, A rg en tin a, U ru gu ai , Pa ra gu ai . 4o O de br ec ht B ra si le ir o Q uí m ic a e Pe tr oq uí m ic a (5 0% ), In d. C on st ru çã o (3 7% ), T ra ns p. (2 % ), O ut ro s ( 11 % ) C on tr ol ad as : C on st ru to ra N or be rt o O de br ec ht , B ra sk em , O de br ec ht (ó le o e gá s, re al iz aç õe s i m ob ili ár ia s, tr an sp or te , p ar tic ip aç õe s, in ve st im en to s, e ne rg ia , d ef es a e te cn ol og ia , a gr oi nd us tr ia s, am bi en ta l). A rg en tin a, B ra si l, C hi le , C ol ôm bi a, E qu ad or , P ar ag ua i, Pe ru , U ru gu ai , V en ez ue la . 12 o V ot or an tim B ra si le ir o Si de r. e M et ar lu rg . (3 7% ), In d. d a co ns tr uç ão (2 9% ), Fi na nc . ( 25 % ), Pa pe l e ce lu lo se (5 % ), Pr od . A gr op ec uá ri a (3 % ), A ut oi nd .(1 % ) C on tr ol ad as : A ca ri úb a M in er aç ão , I nt er av ia T ra ns po rt es , Si lc ar E m pr ee nd im en to s, V ot or an tin C im en to s, V ot or an tin M et ai s C om pa nh ia B ra si le ir a de A lu m ín io , V ot or an tim M et ai s C aj am ar qu ill a, C ia M in er ad or a A ta co ch a, C om pa nh ia M in er a M ilp o, Fi br ia C el ul os e, C itr ov ita A gr oi nd us tr ia l, C itr ov ita A gr op ec uá ri a, C itr os uc o, S an ta C ru z ge ra çã o de e ne rg ia , V ot or an tin In ve st im en to s L at in o- am er ic an os , V ot or an tin C or re to ra d e Se gu ro s e tc . A rg en tin a, B ol ív ia , B ra si l, C hi le , C ol ôm bi a, P er u, U ru gu ai . C on tin ua CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 39 Q ua dr o 2 – C on tin ua çã o 13 o A m be v B el ga B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : A m be v (L ux em bu rg o, P er u, E qu ad or , b eb id as ), A sp en , B ra hm a co , P am pa , M us a, In ke e, IT B , A gr eg a, A ne p, D is ba n, N C A Q , A ro su co , C R B S, S ko l e tc . A rg en tin a, B ol ív ia , B ra si l, C hi le , E qu ad or , P ar ag ua i, Pe ru , U ru gu ai . 15 o B R F B ra si le ir o B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : B R F B ra si l F oo ds Á fr ic a, B R F S uí no s d o Su l, Pe rd ig ão In te rn at io na l, PS A L ab or at ór io V et er in ár io , 4 9- Q ua ly , S ad ia A lim en to s, S ad ia C hi le , S ad ia U ru gu ai . A rg en tin a, B ra si l, C hi le , U ru gu ai V en ez ue la . 17 o C on sa n B ra si le ir o Q uí m ic a e pe tr oq uí m ic a (7 5% ), Pr od . A gr op ec uá ri a (1 5, 51 % ), V ar ej o (2 ,8 3% ), T ra ns po rt e (2 ,2 9% ), ou tr os (4 ,2 7% ) C on tr ol ad as : R um o, C os an L ub ri fi ca nt es , R ad ar , C os an A lim en to s. C ol ig ad as : R aí ze n E ne rg ia , R aí ze n C om bu st ív ei s. B ol ív ia , B ra si l, Pa ra gu ai e U ru gu ai . 18 o C ar gi ll E st ad un i- -d en se B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : I nn ov at ti In d. e c om . d e és te re s s in té tic os ; C ar gi ll (A gr o. co m er c. d e en er gi a, H ol di ng P ar tic ip aç õe s, L ec iti na , N as sa u L im ite d) ; A rm az én s G er ai s C ar gi ll, C as a & B SL , T E A G – T er m in al de E xp or ta çã o de A çú ca r d e G ua ru já . C ol ig ad as : T E A S – T er m in al E xp or ta do r d e Á lc oo l d e Sa nt os . B ra si l, A rg en tin a, B ol ív ia , P ar ag ua i, U ru gu ai , C ol ôm bi a, P er u, V en ez ue la . 30 o U ni le ve r B ra si l A ng lo - -h ol an dê s B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : U ni le ve r B ra si l I nd us tr ia l, U ni le ve r B ra si l G el ad os d o N or de st e, U ni le ve r B ra si l N or de st e Pr od ut os d e L im pe za . B ra si l, A rg en tin a, C hi le , C ol ôm bi a. 38 o C op er su ca r B ra si le ir o A ta ca do (9 9% ), Se rv iç os (1 % ) C on tr ol ad as : C ia . A ux ili ar d e A rm az én s G er ai s, C op er su ca r A rm az én s G er ai s, C op er su ca r I nt er na tio na l N V , C op er su ca r T ra di ng A V V , C op er su ca r E ur op e B V , S ug ar E xp re ss T ra ns po rt es . C ol ig ad as : U ni du to L og ís tic a, L og um L og ís tic a, C op a Sh ip pi ng C om pa ny L im ite d. B ra si l, C ol ôm bi a, Pe ru . C on tin ua 40 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Q ua dr o 2 – C on tin ua çã o .4 0o L ou is D re yf us Fr an cê s Pr od . a gr op ec uá ri a (1 00 % ) C on tr ol ad as : L ui s D re yf us (c om m od iti es a gr oi nd us tr ia l, ar m az én s g er ai s e C itr us N V ), C oi nb ra In ve st im en t a nd T ra di ng , C oi m br a Fr ut es p co m . e p ro ce ss am en to d e cí tr ic os , C og ep ar so c. de e m pr ee nd . I m ob ili . e p ar tic ., A m ag gi & L D c om m od iti es , A m bu ra na In v. e P ar tc ., L D C G ea rb ul k T er m in al P or tu ár io s e Pa rt ic ., N ST T er m in ai s e lo gí st ic a, T E G T er m in al E xp . Po rt uá ri os e P ar tic ., So ci ed ad e A m er ic an a de In ve rs io ne s, P or to Pa ra ty S oc ie da d de E m pr ee nd ., Im ob . e P ar tic , G og es t S oc . d e E m pr ee nd ., Im ob . e P ar tic ., M ac ro fe rt il In d. e C om er ci o de Fe rt ili za nt es , F er tib ra si l L og . d e Fe rt ili za nt es , C am bu cá in ve st . e pa rt ic ., A ve na T er m in ai s p or tu ár io s, L is ia nt o In ve st . e P ar tic ., H éd er a In ve st . e P ar tic . L D c om m od iti es In te rn at io na l. B ra si l, A rg en tin a, C hi le , P ar ag ua i, Pe ru , U ru gu ai . 57 o B as f A le m ão Q uí m ic a e pe tr oq uí m ic a (1 00 % ) C on tr ol ad as : B as f P ol iu re ta no s, B as f P er fo rm an ce P lu m er s I nd ús tr ia de P ol ím er os e P lá st ic os d e E ng en ha ri a. B ra si l. 60 o N at ur a B ra si le ir o B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : I nd . e C om ér ci o de C os m ét ic os N at ur a, N at ur a C os m ét ic os (C hi le , P er u, A rg en tin a, M éx ic o, C ol ôm bi a, E sp an ha ), In ov aç õe s e T ec no lo gi a de P ro du to s, E ur op a SA S D is tr ib . d e M éx ic o, C os m et ic s ( E U A ), In te rn at io na l B V (H ol an da ). A rg en tin a, B ra si l, C hi le , C ol ôm bi a, Pe ru . 64 o A nd ré M ag gi B ra si le ir o A ta ca do (8 5% ), Pr od . a gr op ec uá ri a (1 1, 23 % ), T ra ns po rt e (3 ,1 2% ), E ne rg ia (0 ,4 2% ) C on tr ol ad as : A nd ré M ag gi p ar tic ip aç õe s, A m ag gi E xp or ta çõ es e Im po rt aç õe s, A m ag gi In te rn at io na l, M ag gi E ne rg ia , A m ag gi A rg en tin a, Il ha C om pr id a E ne rg ia , A gr op ec uá ri a M ag gi , A m ag gi C on st ru çã o de R od ov ia s, A gr op ec uá ri a M or ri nh os , A gr o- Sa m A gr ic ul tu ra e P ec uá ri a, H er m as a N av eg aç ão d a A m az on ia , A m ag gi T ra ns po rt es . C ol ig ad as : T er m in al d e G ra né is d o G ua ru já . A rg en tin a, B ra si l. C on tin ua CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 41 Q ua dr o 2 – C on tin ua çã o 72 o Su za no H ol di ng B ra si le ir o Pa pe l e c el ul os e (1 00 % ) C on tr ol ad as : S uz an o (p ap el e c el ul os e, A m er ic a, T ra di ng , E ur op e, E ne rg ia R no vá ve l), B ah ia S ul H ol di ng s, C om l e a gr ic P ai ne ir as , St en fa r, S un P ap er , A sa pi r, O nd ur m an , N em on or te , N em op ar , F ut ur ag en e PL C , A m ul ya , P ai ne ir as L og ís tic a, P re m es a, A ai sa n e E pí ca re s. A rg en tin a, B ra si l. 83 o Fr ig or ífe ro M in er va B ra si le ir o Pr od . a gr op ec uá ri a (1 00 % ) M in er va (a lim en to s, O ve rs ea s, M id dl e E as t, B ee f, D aw n Fa rm s) , E ur om in er va C om er ci o, F ri as a, T ra ns m in er va , B ra sc as in g, P ul , Fr ig om er c. B ra si l, C hi le , C ol ôm bi a, Pa ra gu ai , U ru gu ai . 88 o K la bi n B ra si le ir o Pa pe l e c el ul os e (9 3% ), Pr od . ag ro pe cu ár ia (7 % ) C on tr ol ad as : K la bi n (A rg en tin a, T ra de lt da , F or es t P ro du ct os C om pa ny d o Pa ra ná P ro du to s F lo re st ai s, F lo re st al ), Ik ap ê E m pr ee nd im en to s, C en ta ur us H ol di ng . C ol ig ad as : e m pr es a de c on tr ol e pa rt ill ha do , F lo re st al V al e do C or is co (5 1% ). B ra si l, E qu ad or . 10 4o M os ai c A m er ic an o Q uí m ic a e pe tr oq uí m ic a (9 8, 20 % ), Se rv iç os (1 ,8 0% ) C on tr ol ad as : F os pa r, M os ai c Fe rt ili za nt es . C ol ig ad as : I F C In dú st ri a de F er til iz an te s C ub at ão . B ra si l. 10 5o A L L – A m ér ic a la tin a B ra si le ir o T ra ns po rt e (1 00 % ) C on tr ol ad as : A L L A m ér ic a L at in a L og ís tic a (R ai l T E C e R itm o L og ís tic a, S er vi ci os In te gr al es , A rg en tin a, M al ha S ul , I nt er m od al , O ve rs ea s, S er vi ço s, E qu ip am en to s, P ar tic ip aç õe s, A rm az én s G er ai s, M al ha P au lis ta , M al ha N or te , M al ha O es te ), PG T G ra in s T er m in al , Po rt of er T ra ns po rt e Fe rr ov iá ri o, B os w el ls , A L L (M es op ot am ic a ce nt ra l, R ai si l M an ag em en t) , T er m in al X X X IX d e Sa nt os , B ra do H ol di ng , B ra do L og . e p ar tic ip aç õe s, B ra do L og ís tic a, V ét ri a, T ra ck L og ís tic a. C ol ig ad as : R ha ll te rm in ai s, T em ag , T G G – T er m in ai s d e G ra né is d o G ua ru já . A rg en tin a, B ra si l. C on tin ua 42 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Q ua dr o 2 – C on tin ua çã o 10 8o M . D ia s B ra nc o B ra si le ir o B en s d e co ns um o (1 00 % ) C on tr ol ad as : I nd ús tr ia d e al im en to s B om go st o, T er ga n T er m in al de G rã os d e Fo rt al ez a, M D ia s B ra nc o (I nt er na ci on al T ra di ng , In te rn ac io na l T ra di ng U ru gu ay , A rg en tin a) . B ra si l, A rg en tin a, C hi le , P ar ag ua i. 13 1o C am il B ra si le ir o B en s d e co ns um o (1 00 % ) C am il In te rn ac io na l A rg en tin a, e C ic lo L og ís tic a C ol ig ad as : M ol in os A rr oc er os N ac io na le s ( Sa m an ), C am il C hi le SP A , C am il al im en to s P er u, A rr os ur , T ac ua , A ge nc ia m ar íti m a Su r, G al of er , C om is ac o, M er ca nt il U ru gu ay a (S am u) , E m pr es as T uc ap el , Se rv ic io s E xt er no s, C os te ño A lim en to s, O rm us , B us ko y. A rg en tin a, B ra si l C hi le , P er u, U ru gu ai . Fo nt e: E xa m e ( ju l. 20 13 ). CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 43 Já desde a perspectiva dos maiores grupos da América Latina (Tabela 5) – e não somente que mantêm operações na América do Sul – podemos observar que as empresas brasileiras, mexicanas, colombianas e venezuela- nas estão entre as dez primeiras que mais venderam no ano de 2012 e estão relacionadas a bens de consumo, mineração, energia e indústria química e petroquímica. O Brasil concentra o maior número de empresas e respecti- vas vendas (Exame, 2013, p.494). Tabela 5 – Classificação dos maiores grupos em 2012 da América Latina Lugar Empresa País Setor Vendas líquidas (em US$ milhões) em 2012 1o Petrobras Brasil Energia 14.2036,3 2o Pemex México Energia 12.6367,7 3o PDVSA Venezuela1 Energia 12.4459,0 4o America Movil México Telecomunicações 59.778,0 5o Vale Brasil Mineração 47.203,1 6o J&F Investimentos Brasil Bens de consumo 39.537,1 7o Odebrecht Brasil Química e petroquímica 38.584,1 8o Ecopetrol Colômbia Energia 37.735,2 9o Walmart do México e Centro América México Varejo 32.077,1 10o Ultrapar Brasil Diversos 27.217,8 13o COPEC Chile Papel e celulose 22.761,0 23o Codelco Chile Mineração 15.860,4 26o BRF Brasil Bens de consumo 14.395,2 29o YPF Argentina Energia 13.639,4 52o Medellín Colômbia (empresa pública) Energia 7.145,4 54o Unilever Brasil Bens de consumo 6.856,3 59o Anfogasta Chile Mineração 6.740,1 65o Louis Dreyfus Brasil Produção agropecuária 5.697,6 69o Petro Peru Peru Energia 5.248,7 78o Refinariade Pampilla Peru Energia 4.840,7 80o CMPC Chile Papel e celulose 4.759,3 Continua 44 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Tabela 5 – Continuação 102o Basf Brasil Química e petroquímica 4.759,3 108o Natura Brasil Bens de consumo 3.203,2 122o Carbones de Cerrejón Colômbia Mineração 2.910,0 127o Heringer Brasil Química e petroquímica 2.608,8 129o Suzano Holding Brasil Papel e celulose 2.622,2 162o Minera Cerro Verde Peru Mineração 2.127,0 163o Klabin Brasil Papel e celulose 2.101,8 Fonte: Exame (jul. 2013). Podemos afirmar, a partir desses dados, que a presença das empresas multinacionais é a chave para compreender o processo de reterritorialização do capital no campo, e, por conseguinte, a consolidação de uma hegemo- nia sob os aspectos econômicos, políticos e ideológicos. Também ficam evidentes as principais áreas de atuação e investimentos dessas empresas, que estão vinculadas à produção de soja e milho; papel e celulose; açúcar e etanol; mineração, energia e indústria química e petroquímica. Essa hegemonia do capital no campo está também intrinsecamente vin- culada ao acaparamiento de tierras, processo que não é novo, mas toma uma nova dimensão na busca desenfreada dos capitalistas por investimentos em seus capitais. No Brasil, em 2010, cerca de 4,2 milhões de hectares de terra já eram propriedades estrangeiras (de empresas transnacionais ou gover- nos), concentrados principalmente nos estados de Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Bahia. Paraná e Rio Grande do Sul também são estados com expansão desse tipo de comercialização de terras. Segundo Borras (2011), a China, Coreia do Sul e nações do Golfo Pérsi- co têm comprado terras no Brasil e na Argentina. Os Estados Unidos e al- guns países europeus têm investido em compras de terras na Colômbia, no México, no Peru e no Uruguai. Terras do Brasil, da Colômbia e do Equador são compradas pelo Japão. E ainda, dentro do próprio continente, países como México, Brasil, Chile e Argentina têm comprado terras em outros países da região. Fernandes (2009) afirma em seu artigo que o “agronegócio e a agri- cultura camponesa disputam territórios em quase todo o mundo” e que “empresas e governos de diversos países estão arrendando ou comprando” CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 45 gigantescas áreas para produção de soja e agrocombustível (Fernandes, 2009, p.2). O mapa a seguir (Figura 1), elaborado também por Fernandes (2009), demonstra em termos geopolíticos três principais grupos: os países arrendatários e compradores, os países que oferecem terra para arrenda- mento ou compra, e países que são ao mesmo tempo arrendatários e arren- dadores de terra. Figura 1 − Arrendamentos e/ou compra de terras para produção de alimentos e agroenergia. Fonte: Grain − Via Campesina − The Economist Elaboração: Bernardo Mançano Fernandes. Outro aspecto marcante da territorialização do capital no campo é o patenteamento de sementes, em especial as geneticamente modificadas, que são geralmente vinculadas ao uso de determinados defensivos. Além de serem amplamente difundidas na produção capitalista, essas sementes chegam também às pequenas comunidades camponesas que buscam fazer de seu território um espaço de manutenção do grupo ou da família – formas não capitalistas de produção. Essas comunidades passam a ser cada vez mais subalternas ao capital quando são movidas a produzir mercadorias que possibilitem uma renda maior com base em pacotes tecnológicos deter- minados pelo capital. Ou seja, o capital também determina quais territórios produzem que tipos de mercadorias, influenciando os preços por meio das commodities agrícolas que passam a ser reguladas por uma média universal 46 ÂNDREA FRANCINE BATISTA de preço (desde a oferta, a procura e o desenvolvimento tecnológico das mercadorias). Outra característica do agronegócio nos tempos atuais é a compra e venda de títulos de propriedade de áreas de oxigênio, chamados créditos de carbono. A não emissão de poluentes na atmosfera gera créditos que podem ser comercializados na bolsa de valores ou diretamente entre empresas. Hidronegócio Segundo Thomaz Junior (2010), a água é um dos focos dos empreen- dimentos produtivos capitalistas no campo, de forma que o autor utiliza o termo agro-hidronegócio para enfatizar esse caráter. Podemos tomar como exemplo o fato de o Aquífero Guarani, terceiro maior do mundo e que com- preende áreas do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, ser uma região altamente utilizada pelo agronegócio. Nessa região, são cultivadas culturas do agronegócio e estão instaladas plantas processadoras da cana- -de-açúcar, (açúcar e álcool), soja, milho e celulose. Exemplos dessas trans- nacionais são Bunge, Cargill, Dreyfus e ADM (Batista, e Anzilago, 2013). Outro exemplo é a própria transnacional Nestlé. Segundo reportagem do jornal Brasil de Fato, de abril de 2013 (Francisco Neto, 2013), o empresário austríaco Peter Brabeck-Letmathe, presidente da Nestlé desde 2005, afirma a necessidade de privatização do fornecimento da água, afirmando que os governos deveriam garantir 5 litros diários de água para beber e 25 litros diários para higiene pessoal por indivíduo, mas que o resto do consumo deveria ser gerido de acordo com critérios empresariais. O grupo Nestlé é uma das líderes mundiais em venda de água engarrafada, como qualquer outro setor alimentício e tem um valor de mercado. Também é parte do hidronegócio a construção das grandes hidrelétricas para fornecimento de energia. Apesar de no Brasil ter sido um setor cons- truído pelo Estado, passou às mãos do capital na onda de privatização dos anos 1990. Algumas hidrelétricas, como é o caso da Itaipu, ainda são esta- tais, mas são base de um sistema de produção de energia para a produção de mercadorias. Outro exemplo é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída no rio Xingu (Pará). Tem a previsão de ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás da chinesa Três Gargantas e da Itaipu (Brasil-Paraguai). Segundo reportagem de Monteiro (2012), em um estu- CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 47 do sobre o impacto ambiental de Belo Monte, este projeto também prevê direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu, onde há dezoito empresas que estão fazendo requerimento para mineração de ouro, dentre elas a Vale. A região em questão é um território indígena, onde, nos últimos anos, foram descobertas jazidas de bauxita, manganês, ouro, cassiterita, cobre, urânio, entre outros minerais. Para Monteiro (2012), a implantação do projeto hidrelétrico de Belo Monte é a única forma de viabilizar defini- tivamente a mineração em terras indígenas. É importante recordar também que a mineração utiliza grande quantidade de água para o processamento da mercadoria final, o que impacta também na qualidade das águas super- ficiais e subterrâneas. Nessa região do Xingu, nos últimos meses, vêm se intensificando os conflitos territoriais entre indígenas, mineradoras e empresas hidrelétricas, como o caso de Belo Sun Mining Corporação. Podemos citar, por exemplo, o bloqueio da ferrovia de Carajás pelos indígenas das etnias Guajajara e Awá-Guajá, em outubro de 2012. Mineração Os impactos socioambientais da mineração e do garimpo são imensos. Por exemplo, segundo reportagem do jornal Brasil de Fato (2013), a mi- neração consumiu no ano de 2012 cerca de 5 quatrilhões de litros de água. A extração de recursos minerais como matéria-prima para indústrias siderúrgicas, metalúrgicas, químicas e petroquímicas e de construção civil, ou ainda do carvão mineral e petróleo para fontes energéticas e indústrias químicas e petroquímicas, é também foco de grandes transnacionais e/ ou multinacionais do ramo, como é o caso da Vale, Petrobras, Odebrecht, Ecopetrol, Codelco, Anfogasta, Petroperu, Refinaria de Pampilla, Basf, Heringer, Minera Cerro Verde, entre outras da América do Sul. No caso da empresa Odebrecht, conforme o Quadro 2 anteriormente mostrado, ela mantém operações comerciais na construção de hidrelétricas e na indústria química/petroquímica em países como Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Peru. Segundo reportagem no jornal Brasil de Fato (2013), a empresa Ode- crecht é considerada por alguns analistas como a principal construtora de obras de integração econômica capitalista no continente latino-americano. 48 ÂNDREA FRANCINE BATISTA A empresa de capital acionário brasileiro realizou nos últimos trinta anos somente no Peru, obras de hidrelétricas, infraestrutura de portos, gasodu- tos, vias urbanas e rodovias, conectando o país a outros. No caso de projetos de integração entre países, a empresa conduz as obras da construção intero- ceânica sul e norte, da rodovia Sisa Cuñunbuque, interligando os principais portos do Peru a outros países. Outra obra da empresa é a construção de hi- drelétrica entre os Andes e a entrada da Amazônia Peruana no rio Huallaga. Segundo Garcia e Mendonça (2009), as construtoras Odebrecht e Ca- margo Corrêa, além da Petrobras, Vale e Votorantin, foram apontadas como empresas que se internacionalizam com financiamento público, tornando- -se agentes de conflitos entre países. O caso emblemático foi o conflito entre Brasil e Bolívia por conta da nacionalização do petróleo arrancada pela Bolívia em 2006. Ou mesmo as denúncias sobre a empresa Petrobras em sua atuação no Equador, onde ela pratica extração de petróleo no Par- que Nacional de Yasuni, uma área de diferentes comunidades indígenas e de grande biodiversidade. Ou ainda as denúncias à empresa Odebrecht por conta da construção da Hidrelétrica São Francisco com recursos do BNDES no Equador ao não cumprir leis ambientais e destruição de comu- nidades ribeirinhas. O Equador, nos últimos anos, tem investido, por exemplo, em ativi- dades mineiras em larga escala. Segundo Acosta (2011) em seu estudo referente ao tema, para se produzir uma tonelada de cobre se requer e se contaminam entre 10 mil e 30 mil litros de água. No caso do ouro, “uma onza de oro requiere 8 mil litros de água”. Geralmente as minas a céu aberto secam as vertentes ao seu redor. Existem estudos de caso em que se regis- traram que as minas têm baixado o nível das águas dos lençóis freáticos em trezentos metros, pois necessitam “bombear cerca de 100 millones de ga- lones de água diariamente para acceder al material mineralizado”. O autor ainda cita a enorme contaminação produzida pelos gases, como o caso do cobre, que contém arsênico e outros metais pesados. No caso da planta de Oroya, no Peru, 99% das crianças apresentam chumbo no organismo acima das normas da Organização Mundial de Saúde. Ainda cita o deslocamento forçado ocorrido na Colômbia entre os anos de 1995 a 2002 em áreas minei- ras (Acosta, 2011,p.59-60). O autor ainda comenta que: CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 49 Aunque parezca paradójico, este tipo de Estado, que muchas veces delega parte sustantiva de las tareas sociales a las empresas petroleras o mineras, abandona, desde la perspectiva del desarrollo, amplias regiones, tal como se ha visto en la Amazonia ecuatoriana. Y en estas condiciones de desterritorializacion del Estado, se consolidan respuestas propias de un Estado policial que reprime a las víctimas del sistema al tiempo que declina el cumplimiento de sus obligaciones sociales y económicas. (Acosta, 2011, p.59-60) Mesmo que o extrativismo petroleiro e mineiro tenha uma larga tra- jetória na América Latina, ele assume nova característica nesse momento histórico. Gudynas (2011), baseado na reflexão de práticas estatais de uso do extrativismo para programas contra a pobreza, o define como neoex- trativismo progressista. Esses processos, segundo o autor, mesmo que progressistas, são práticas de alto impacto socioambiental, além de serem completamente dependentes de “circuitos económicos globales” (Gudy- nas, 2011, p.76). Considera o autor que, na América do Sul, uma nova esquerda vem forjando os governos nos últimos anos, e estes, mesmo com características distintas, compartem uma crítica ao reducionismo de mercado e às políticas pela redução da pobreza como uma das tarefas prioritárias. La nueva izquierda ha logrado conquistar varios gobiernos sudamericanos en los últimos anos. Su presencia ha sido clara bajo las administraciones de Nestor Kirchner y Cristina Fernandes de Kichner en Argentina, Evo Morales en Bolivia, Rafael Correa en Ecuador, Luis Inacio Lula da Silva en Brasil (y su actual sucesora Dilma Roussef), Tabaré Vasquez en Uruguay (y su sucesor, José Mujica), Hugo Chávez en Venezuela. A esa corriente se la ha sumado el gobierno Michele Bachelet de Chile (que sin embargo fue reemplazado por una administración conservadora), mientras que Fernando Lugo en Paraguay muestra una vocación progresista pero enfrenta una base partidaria muy débil. De distintas maneras se ha llegado a que al menos ocho países se encontraran bajo la nueva izquierda en los últimos años. (Gudynas, 2011, p.76) Nesse sentido, o extrativismo contemporâneo, ou neoextrativismo pro- gressista, é um dos pilares estratégicos de projetos desenvolvimentistas e de combate à pobreza sob a gestão dos governos acima mencionados. Para 50 ÂNDREA FRANCINE BATISTA Gudynas (2011), essa contradição neoextrativismo/governos progressis- tas é marcada por uma série de programas de combate à pobreza a partir da definição de um Estado mais ativo e com regras claras. Entretanto, ao mesmo tempo incentivam setores como a mineração, petróleo e produção de monocultivos para exportação, independente de suas consequências, e possibilitam, em grande medida, a pacificação dos protestos sociais. En efecto, desde la Venezuela de Hugo Chavez al moderado Lula da Silva en Brasil, persistió la apuesta a sectores como minería y petróleo. El porcentaje de productos primarios sobre las exportaciones totales supera el 90% en Vene- zuela, Ecuador y Bolívia, y es más del 80% en Chile y Perú; en Brasil de Lula creció hasta llegar al 60% (según datos de Cepal). En este sesgo el papel clave no juegan la minería, hidrocarburos y monocultivos de exportación. (Gudynas, 2011, p.77) Outra tese defendida pelo autor é que esse neoextrativismo é funcional na globalização comercial-financeira e mantém a América do Sul numa inserção subordinada. Nesse proceso: “persiste la fragmentación territo- rial, en áreas desterritorializadas, generándose un entramando de encla- ves y sus conexiones a los mercados globales, que agravan las tensiones territoriales”(Gudynas, 2011, p.80-1). Megaprojetos de infraestrutura Para possibilitar melhor viabilidade para a circulação e a comercializa- ção dessas mercadorias e recursos naturais, estão desenvolvendo-se dife- rentes megaprojetos de corredores logísticos. Alguns destes enfatizando a viabilidade da escoação da produção de soja e seus derivados no Brasil para exportação, como o caso da rota exportadora no Norte, entre outras, enfati- zando a integração entre países da América do Sul. No caso dessa rota exportadora na região Norte, segundo Freitas Jr. (2013), esta é capaz de escoar até 20 milhões de toneladas de grãos do estado do Mato Grosso (municípios de Sinop, Sorriso, Nova Mutum e Lucas do Rio Verde) até a região Norte. O plano dessa rota de investimento contem- pla a construção de transbordos, armazéns e terminais portuários. Parte dos recursos investidos no Município de Itaituba (Pará), no distrito de Miritu- CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 51 ba (à margem do rio Tapajós) é privada e pretende transformar o município numa referência capaz de receber a produção do Mato Grosso para, em seguida, distribuir aos portos de Santarém e Vila Rica no Pará e ao porto de Santana, no Amapá. Empresas como Bungue e Cargill (que já opera no terminal graneleiro do Porto de Santarém-Pará) já adquiriram terrenos em Mirituba. Um estudo realizado por Ceceña, Aguilar e Motto (2007), no Observa- tório Latinoamericano de Geopolítica, aponta os principais megaprojetos de integração de infraestrutura na América do Sul para a construção de um projeto de territorialização hegemônica do capital. Entre estes se destacam o Projeto Hidrovia Paraná-Paraguai, o Eixo Mercosul-Chile, Eixo Peru- -Brasil-Bolívia, Eixo Interoceânico Central e o Eixo Amazonas. O projeto Hidrovia Paraná-Paraguai pretende agilizar o transporte e o aproveitamento dos recursos naturais e integra a região central da América do Sul ao largo dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e rio da Prata, fazendo contato entre Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Também está projetado para realizar o transporte de trigo, soja, madeira, minérios, ferti- lizantes e combustíveis na extensão navegável de 3.422 km desde Cárcere, no estado de Mato Grosso. O projeto de integração Eixo Mercosul-Chile tem uma extensão de cerca de 3,1 milhões de km² integrando os estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul com Uruguai, a região ocidental do Paraguai, até regiões da Argentina. Nessa região menciona- da encontram-se os territórios agrícolas mais produtivos do mundo e as cidades mais importantes economicamente, conformando um eixo de um PIB estimado em 469,7 bilhões de dólares. Segundo informação oficial, compreende 62% da economia argentina, 63% da economia brasileira, 52% da chilena e a totalidade da uruguaia. Os principais produtos destacados são: cereais, oleaginosas, hortaliças, frutas, carnes, soja, couro, madeira, pescados, minerais metálicos, papel, alimentos, bebidas, sucos, laticínios, vinhos, petroquímica, materiais de construção, alumínio, borracha, plásti- co, entre outros. O Eixo Peru-Brasil-Bolívia encontra-se numa região de grande biodi- versidade, abrindo possibilidades à indústria farmacêutica e biotecnoló- gica. É também uma região de grande capacidade para energia elétrica, e de produção de soja, cana-de-açúcar, gado, madeira, piscicultura, papel, 52 ÂNDREA FRANCINE BATISTA fertilizantes, gás natural, ouro, diamante, entre outros. Uma superfície de 3,5 milhões de km², dos quais 82% encontram-se no Brasil, 10% no Peru e 8% na Bolívia. O projeto do Eixo Interoceânico Central compreende os países da Bolí- via, Brasil (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo), Chile, Paraguai e Peru. Calcula-se que corresponde a uma superfície equivalente a 19% da América do Sul. Região de produção de soja e cana-de- -açúcar para agrocombustíveis, oleaginosas, laticínios e com disponibilidade de recursos naturais como carvão, cobre, estanho, ferro, lítio, potássio, ouro, prata e zinco. Também é uma região que possui reservas de recursos energéticos, como gás na Bolívia. O projeto Eixo Amazonas cruza uma região de imensa biodiversidade (40% da biodiversidade do planeta) abrindo uma fissura no continente desde sua parte mais larga. Estima-se que nessa região encontra-se de 15 a 20% da água doce não congelada do planeta. Uma região de produção de biotecnologia, química, farmacêutica, de alumínio, fertilizantes e de produção de cana-de-açúcar, algodão, tabaco, café, soja. A região também contempla atividades de extração de recursos naturais como petróleo, me- tais, urânio, ferro, ouro e esmeraldas. Esses megaprojetos de integração em infraestrutura, de mineração, construção de hidrelétricas e de produção de gado, soja, celulose e cana-de- -açúcar estão vinculados intrinsecamente a altos níveis de desmatamento de florestas nativas. A aprovação do novo código florestal no Brasil facilita a viabilização desses empreendimentos transnacionais. A região amazônica do Brasil, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, com sede em Belém, Pará) (Ma- chado, 2013), perdeu cerca de 184 km de floresta de junho de 2012 a junho de 2013, um declínio de 437%. O desmatamento totalizou 1.838 km² no período de agosto de 2012 a junho de 2013, e ocorreu principalmente no es- tado do Pará (42%), no estado do Amazonas (32%), no Mato Grosso (18%) e em Rondônia (5%). No caso do estado do Mato Grosso, praticamente metade da madeira retirada entre agosto de 2010 e julho de 2011 foi ilegal, segundo reportagem do Estadão (2013), com dados do Imazon. CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 53 Crise estrutural do sistema capitalista As informações já apresentadas neste capítulo demonstram o caráter hegemônico da territorialização do capital no campo, desde o domínio de transnacionais/multinacionais nos aspectos econômicos, políticos (finan- ciamentos e consentimentos do poder político) e ideológicos (mídia, escolas e outros). Nessa base, está assentada a história da América Latina, mas o processo atual demonstra uma intensidade jamais vista. A produção em larga escala para exportação de agrocombustíveis, derivados da soja, papel/ celulose, a extração de recursos naturais pela mineração e o hidronegócio se integram a megaprojetos de infraestrutura para facilitar a circulação e comercialização dessas mercadorias. O estabelecimento dessa hegemonia provocou e provoca a desterritorialização dos povos do campo, como comu- nidades indígenas, quilombolas e camponeses. Essa territorialização hegemônica é colocada em prática pela aliança entre empresas transnacionais/multinacionais4 (sejam elas latino-ameri- canas ou não, estatais ou privadas) e os Estados Nacionais, explorando a 4 Há autores que distinguem as características de empresas multinacionais e das empresas transnacionais, como o caso de Zubizarreta (2012). Nesse caso, as transnacionais fixam-se em estratégias de produção com base internacional, ultrapassando suas fronteiras para atuar no mercado exterior, mas não mantendo vínculo com qualquer país. Não têm seu capital originá- rio especificamente de um país e não domina necessariamente a totalidade da cadeia produtiva de uma mercadoria. Instala filiais em diferentes países, a partir do critério de mercado consu- midor, infraestrutura, matéria-prima, mão de obra barata e isenção de impostos para adquirir maior lucratividade. Já o conceito de multinacional aparece pela primeira vez nos anos 1960, em uma palestra de David E. Lilienthal, em que ele as define como empresas que tem sede em um país, mas operam e funcionam pelas leis de outros países (Zubizarreta, 2012, p.18). Entretanto, a maioria dos autores não coloca diferença entre as multinacionais e transnacionais. Segundo o Novíssimo Dicionário de Economia (Sandroni, 1999), as multinacionais são estrutu- ras empresariais básicas do capitalismo nos países altamente industrializados. “Caracteriza-se por desenvolver uma estratégia internacional a partir de uma base nacional, sob uma coorde- nação de uma direção centralizada”, e são conhecidas também “pela denominação de empresas internacionais ou transnacionais”. Estas resultam “da concentração do capital e da internacio- nalização da produção capitalista” (Sandroni, 1999, p.415). Assim, o fato é que empresas de caráter transnacionais e/ou multinacionais estão circunscritas na lógica capitalista de produção de mercadoria, de extração de mais-valia e expropriação dos recursos naturais, e estão atuando em todos os países da América do Sul, independentemente dos governos de caráter progressista, como o caso da Venezuela, ou governos de centro-esquerda ou ainda neodesenvolvimentistas como o caso do Equador, Bolívia, Uruguai, Argentina e Brasil. Essas empresas têm uma forte atuação em plena época de crise estrutural do sistema capitalista. 54 ÂNDREA FRANCINE BATISTA natureza também pela expansão de um modelo baseado na exploração do homem como fundamento – o capitalismo. Milton Santos (2003) e István Mészarós (2009) convergem na interpre- tação de que o período histórico vivido é um período de crise permanente, estrutural, global do sistema capitalista e que se manifesta em diferentes aspectos, países ou setores de produção. Para Santos (2003), a relação entre a “tirania do dinheiro” e a “tirania da informação” é a base estrutural da globalização do capital. Uma associação que forja hegemonia e pressiona pro- cessos não hegemônicos a desaparecer tanto fisicamente quanto pelo processo de subordinação destes à totalidade hegemônica. O autor afirma que: O processo da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas. Na ver- dade, trata-se de uma crise global, cuja evidência tanto se faz por meio de fenômenos globais como de manifestações particulares, neste ou naquele país, neste ou naquele momento, mas para produzir o novo estágio de crise. […]. A tirania do dinheiro e a tirania da informação são pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. [...]. A associação entre a tirania do dinheiro e a tirania da informação conduz desse modo, à aceleração dos processos hege- mônicos, legitimados pelo pensamento único, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se adaptam passiva ou ativamente, tornando-se hegemonizados. Em outras palavras, os processos não hegemônicos tendem a desaparecer fisicamente, seja a permanecer, mas de forma subordinada, exceto em algumas áreas da vida social e em certas frações do território onde podem manter-se relativamente autônomos, isto é, capazes de uma reprodução pró- pria. [...] Na verdade, porém, a única crise que os responsáveis desejam afastar é a crise financeira e não qualquer outra. Aí está, na verdade, uma causa para mais aprofundamento da crise real – econômica, social, política, moral – que caracteriza o nosso tempo. (Santos, 2003, p.35-6) Mészáros (2009) aponta que o capitalismo entra numa crise estrutural e sistêmica depois de vivenciar uma era de crises cíclicas. Essa crise estrutural é marcada por uma continuidade depressiva e duradoura, embora possa haver alternância em seu epicentro. Ao contrário de outros momentos his- tóricos, que alteravam ciclos de expansão em crise, desde o final dos anos 1960 e início dos 1970, o capitalismo entra numa crise crônica e permanen- te. Crise estrutural que exige uma mudança estrutural de seu núcleo central CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 55 estabelecido pelo trio capital, trabalho assalariado e Estado para uma real superação. Segundo o autor, é necessária a precaução com a falsa ilusão sobre o declínio dos EUA como potência hegemônica, como é o caso de análises realizadas por alguns autores. Essa potência hegemônica se estabelece em processos de “extraterritorialidade”, como reivindicando para si o controle de exportação de sistemas de alta tecnologia (como o caso da indústria de computação), e que, articulada a uma forte atuação ideológica que oculta seu agressivo expansionismo e intervencionismo, atua deslegitimando qualquer processo de revolta social ou de construção de sociedades de cará- ter socialista. Mészáros afirma: [...] Com efeito não há nenhum indício sério do ansiosamente antecipado declí- nio dos Estados Unidos como potência hegemônica, apesar do aparecimento de numerosos sintomas de crise no sistema global. As contradições que pudemos identificar dizem respeito ao conjunto interdependente do sistema do capital global no qual o capital norte-americano ocupa, mantém e, na verdade, con- tinua a fortalecer sua posição dominante de todos os modos, paradoxalmente até mesmo por meio de suas práticas de imperialismo de cartão de crédito – à primeira vista bastante vulneráveis, até o presente momento, implantadas com sucesso e sem muita oposição. (Mészáros, 2009, p.41) O capitalismo também se apropriou de maneira tão intensa das forças da natureza que acelera irremediavelmente sua destruição e sua autodestrui- ção, com vistas à crescente produção de mercadorias de maneira alienada e reificada, impulsionando cegamente ao consumismo e à descartabilidade (obsolescência planejada) desenfreada. A questão da ecologia, que alguns anos atrás era de certa forma ignorada, passa a ser uma questão central e de sobrevivência da própria humanidade. Mészáros aponta também que a crise estrutural tem como caracterís- tica uma crise de dominação, em que a crescente concentração do capital articulada à ciência e a tecnologia abala a subordinação socioestrutural do trabalho ao capital. Alguns indicativos comprovam essa questão como, por exemplo, a progressiva vulnerabilidade da organização industrial, a inter-relação econômica dos diferentes ramos da indústria em forma de oligopólios e superconglomerados, a crescente necessidade de controle dos 56 ÂNDREA FRANCINE BATISTA trabalhadores, a religião, a educação e a crise considerada mais importante pelo autor, a desintegração da forma atual da família, uma célula da socie- dade de classes. O autor aponta que, para uma crise estrutural, é necessário uma mu- dança estrutural e, consequentemente, aponta que a transformação socia- lista continua sendo a radical superação do próprio capital. Para Mészàros (2009), as conquistas imediatas não podem oferecer saídas para esse dilema. Segundo ele: O objetivo estratégico real de toda transformação socialista é, e continua sendo, a radical transcendência do próprio capital, em sua complexidade global e na totalidade de suas configurações históricas dadas e potenciais, e não meramente dessa ou daquela forma particular de capitalismo mais ou menos desenvolvida (subdesenvolvida). (Mészáros, 2009, p.80) O único caminho para esse momento histórico seria uma mudança radi- cal econômica e política que fosse orientada pela massa como precondição. Entretanto, Mészàros (2009) afirma que há necessidade de uma teoria da transição, que em experiências anteriores de construção socialista houve problemas, como o caso da Revolução Russa na era stalinista, mas que já teve importantes contribuições teóricas na busca de caminhos alternativos, como o caso das contribuições de Antonio Gramsci. Nesse sentido, a revolução bolivariana, em seu espírito de determinação radical e da crítica radical da política, repercute positivamente em todo o continente latino-americano. Faz-se necessária a construção de uma nova ordem hegemônica como alternativa histórica, com um caminho hegemônico alternativo em que a base da reprodução social seja o controle dos produtores, ideia que sempre foi parte da luta socialista. Esse processo necessita de uma articulação in- trínseca à construção de uma consciência social, o que envolve, inclusive, a importância estratégica do planejamento na busca da “igualdade subs- tantiva” (Mészáros, 2009; 2012), que nasce da necessidade de pôr fim à desigualdade de classes. Nesse sentido, a chave histórica encontra-se no desenvolvimento de uma “autoconsciência positiva da humanidade”, na busca de encontrar “essa dimensão positiva” (Mészáros, 2009; 2012). CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 57 Consequências da hegemonia do capital no campo: territorialização e desterritorialização Como consequências dessa territorialização hegemônica do capital, são nitidamente visíveis os impactos socioambientais com bruscas alterações de ecossistemas. Podemos citar o aumento da concentração de terras, o alto desmatamento em regiões de florestas com expansão pecuária em áreas de reserva e possivelmente com posterior produção de celulose, a diminuição da biodiversidade, o aumento de concorrência por áreas férteis e logistica- mente bem localizadas no ímpeto de extrair maior renda da terra. Essa hegemonia do agronegócio no campo se territorializa de diferentes formas, construindo, destruindo e reconstruindo no ímpeto de manter sua dominação e superar suas diferentes expressões de crise. O fato de impul- sionar o trabalho assalariado desde as grandes processadoras dos produtos agrícolas, de integrar comunidades inteiras ao processo produtivo de al- guma empresa (por exemplo, no caso da produção de leite e carnes), acaba também subordinando e submetendo a essa lógica a agricultura camponesa e outras formas não capitalistas de produção (indígenas, quilombolas etc.). Sobre a crescente desterritorialização dos povos do campo e a destruição da agricultura campesina, François Houtart afirma que: Hemos asistido los últimos 40 anos una aceleración de la destruición de la agricultura campesina en la que han intervenido muchos factores. El uso de la tierra para actividades agrícolas ha disminuido ante la rápida urbanización e industrialización. Por lo tanto, la población rural ha disminuido de forma relativa. En el año de 1970 había 2400 millones de personas en las zonas rurales frente a 1300 millones en las urbanas. En 2009, eran 3200 millones frente a 3500 millones, respectivamente […]. Al mismo tiempo la adopción de tipos de agricultura basadas en el monocultivo ha provocado enorme concentración de tierras, una verdadera contrarreforma agraria, que se ha visto acelerada en estos últimos años por el nuevo fenómeno de apropiación de tierras, estimado entre los 30 y los 40 millones de hectáreas en los continentes del hemisferio sur, con 20 millones en África solamente. (Acosta et al., 2011, p.158) Conforme o autor, outros fatores que possibilitam a destruição da agricultura campesina são os monocultivos, a introdução de defensivos 58 ÂNDREA FRANCINE BATISTA químicos e organismos geneticamente modificados, que, assim como a apropriação das sementes pelas empresas transnacionais, fortalecem um modelo produtivista de agricultura e acumulação de capital. “La agricul- tura se convierte una nueva frontera del capitalismo, especialmente con la caída de la rentabilidad del capital productivo y la crisis del capital finan- ciero” (Acosta et al., 2011, p.162). O capital produz a lógica da descartabilidade e do consumo exacerbado, produzindo inclusive a necessidade artificial para estimular o consumo de mercadorias. No caso do campo, essas questões podem nitidamente ser visualizadas (desde os diferentes dados já mencionados) na apropriação dos recursos naturais como a água,5 na mineração (base da indústria bélica e de eletrônicos) e nos monocultivos para agrocombustíveis, celulose e soja. Em tempos que apontam uma grave crise estrutural do sistema capi- talista, muitos são os mecanismos que buscam amenizar ou reverter suas consequências, se reconfigurando numa reterritorialização de dominação que envolve aspectos econômicos, militares, ideológicos e culturais. Essa premissa foi, nos últimos anos, se aprimorando, conforme aponta Ceceña (2007), com os acordos de livre-comércio na América Latina,6 os já men- cionados megaprojetos de infraestrutura integrada para transporte de pro- dutos, de modo que diminua o custo e acelere a circulação,7 e a constituição e ampliação do número de bases militares estadunidenses no continente latino-americano com a finalidade de reprimir, vigiar e controlar os pos- síveis levantes e insurgências em contraposição ao desenvolvimento do capital. Entretanto, há diferentes resistências camponesas e dos povos do campo, um exemplo dessas resistências está sendo levado a cabo pela Via Campesina. Esses aspectos nos remetem à necessidade de refletir sobre as formas de organização da produção camponesa e do trabalho na América do Sul, re- gião na qual se foca o tema desta pesquisa. Essa questão está vinculada aos conceitos de trabalho-classe-consciência na dinâmica da luta de classes no 5 Ver o filme La Guerra del Agua. 6 Por exemplo, Tratado de Livre-Comércio na América do Norte (TLCAN), Plan Colombia, Plan Puebla-Panamá, Tratado de Livre-Comércio de Centro-América e República Domi- nicana (Cafta-RD). 7 Como a Integração da Infraestrutura Regional Sul-América (Iirsa). CONSCIÊNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA 59 campo, conceitos estes que, de uma forma ou de outra, estão relacionados intrinsecamente. É o trabalho, ou força de trabalho como mercadoria, o motor do siste- ma. Essa força, sob a “gerência territorial” do capital, é dinamizada numa “plasticidade” ampla e sem precedentes, movendo-se e instalando-se nas mais diferentes formas. No caso do campo, pode expressar-se na forma de trabalho assalariado (na colheita, preparo da terra ou trabalho em agroin- dústrias etc.), ou na subsunção de formas de trabalho camponês, familiar ou comunitário à sua gestão (inclusive impondo ou introduzindo sutilmen- te o que o pequeno produtor deve plantar para o “satisfazer o mercado”). E mesmo na subsunção quase naturalizada do trabalho ao capital produzindo alienação e estranhamento,8 reside também no trabalho toda a potenciali- dade da emancipação humana. A subsunção de formas não capitalistas de produção ao capital que citamos acima não é a única forma de subsunção. Poderíamos citar outro exemplo, que é o trabalho doméstico da mulher9 como um trabalho que não produz diretamente mercadoria com extração de mais-valia, mas é realizado para manter e reproduzir a força de trabalho assalariada, ou seja, um trabalho subsumido ao trabalho assalariado, submetido à lógica de pro- dução e reprodução social da força de trabalho comprada pelo capitalista. No campo, o trabalho doméstico inclui, além do cuidado com a casa, as crianças e os idosos, também a produção de hortaliças, raízes e pequenos animais para subsistência da família. Esse debate remete indubitavelmente à discussão da conformação das classes sociais no campo. Nesse campo, há muito debate realizado e muito ainda a ser feito.10 Somente para situar de maneira breve esse tema, mencio- na-se aqui duas questões que permearam e ainda permeiam os debates na esquerda: seria então o camponês uma classe, ou parte da classe universal trabalha