UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro SÉRGIO LEANDRO VIEIRA DE TOLEDO CARACTERIZAÇÃO E CRONOLOGIA DAS TUFAS CALCÁRIAS DA FAZENDA AURORA, OUROLÂNDIA – BA. Orientador: Prof. Dr. Lucas Verissimo Warren Coorientador: Profa. Dra. Rosimarie Rohn Rio Claro - SP 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro SÉRGIO LEANDRO VIEIRA DE TOLEDO CARACTERIZAÇÃO E CRONOLOGIA DAS TUFAS CALCÁRIAS DA FAZENDA AURORA, OUROLÂNDIA – BA. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geologia. Orientador: Prof. Dr. Lucas Verissimo Warren Coorientador: Profa. Dra. Rosimarie Rohn Rio Claro - SP 2017 Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 552 Toledo, Sérgio Leandro Vieira de T649c Caracterização e cronologia das tufas calcárias da Fazenda Aurora, Ourolândia – BA / Sérgio Leandro Vieira de Toledo. - Rio Claro, 2017 106 f. : il., figs., gráfs., tabs., fots., mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Lucas Verissimo Warren Coorientador: Rosimarie Rohn Davies 1. Petrologia. 2. Tufas calcárias paludais. 3. Eventos Heinrich Stadial 3 e Heinrich Stadial 1. 4. LOE. 5. Isótopos estáveis de oxigênio e carbono. 6. Utraestruturas de carbonatos. I. Título. SÉRGIO LEANDRO VIEIRA DE TOLEDO CARACTERIZAÇÃO E CRONOLOGIA DAS TUFAS CALCÁRIAS DA FAZENDA AURORA, OUROLÂNDIA – BA. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geociências e Meio Ambiente Comissão Examinadora Prof. Dr. Lucas Verissimo Warren Prof. Dr. Paulo César Boggiani Prof. Dr. Rogério Schiffer de Souza Conceito: Aprovado Rio Claro, SP 24 de outubro de 2016 À Ayumi de Aquino Otsuka. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, do Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo - UNESPetro, Instituto de Geociências e Ciências Exatas - ICGE Universidade Estadual Paulista - UNESP, Laboratório de Isótopos Estáveis (LIESP) e do Laboratório de Espectrometria Gama e Luminescência (LEGaL), ambos localizados no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo – USP. RESUMO Este trabalho caracterizou e buscou a compor o quadro paleoambiental em que se formou o depósito paludal de tufas calcárias num pequeno paleovale (72.000 m²) na Fazenda Aurora, em Ourolândia, centro-norte do Estado da Bahia, Brasil. Neste intuito, optou-se por uma abordagem multi-indicadores (multy-proxy), baseada na descrição e análise integrada da petrografia e ultraestruturas das tufas, além de dados de geoquímica isotópica de carbono e oxigênio e cronologia a partir de datações pelo método LOE (Luminescência Opticamente Estimulada). O depósito de Ourolândia é composto por tufas microdetríticas, com idade de 29.293±4.347 anos, desenvolvidas nas margens norte e sul, e tufas fitoermais do tipo boundstone e framestone, com idade de 16.631±4.319 anos, formadas sobre surgências alinhadas ao longo do fundo plano do paleovale. As tufas estudadas contêm moldes de plantas aquáticas, semiaquáticas e terrestres, além de abundantes moldes de cianobactérias das espécies cf. Phormidium incrustatum e cf. Phormidium foveolarum, que indicam evolução do sistema em condições de água rasa, doce e à temperatura ambiente. A excelente preservação de algumas tufas, de acordo com imagens de Microscópio Eletrônico de Varredura, permitiu reconhecer Extracellular Polymeric Substances e a ultraestrutura dos carbonatos (desde nanocristais até microcolunas). Os valores isotópicos de δ 13 C indicam fonte predominante de carbono derivado de matéria orgânica vegetal, com contribuição de plantas C3 ligeiramente maior que de plantas C4 no segundo evento deposicional (-8.52 e -10.40 ‰ VPDB, respectivamente). Já os valores isotópicos de δ 18 O sugerem águas de procedência meteórica e maior incidência de chuvas no segundo evento deposicional (-4,41 e -6,35‰ VPDB, para cada evento). As possíveis condições favoráveis à formação das tufas em ~30.000 e ~16.000 anos provavelmente se deram em resposta às mudanças climáticas ocorridas no nordeste brasileiro, em decorrência dos eventos cíclicos milenares no Hemisfério Norte Heinrich Stadial (HS) 3 e 1, respectivamente, que geraram aumento significativo da umidade da região, interrompendo longos períodos predominantemente semi-áridos, com clara correlação entre a formação das tufas de Ourolândia - BA e o aumento da taxa de crescimento e diminuição dos valores isotópicos de δ 18 O de espeleotemas em cavernas próximas ao depósito. Palavras-chave: Tufas calcárias paludais; Quaternário; LOE; Heinrich Stadial (HS) 3 e 1; isótopos de oxigênio e carbono; Utraestruturas de calcita. ABSTRACT This research characterizes and reconstructs paleoenvironments of paludal tufas in a small paleovalley (72,000 m 2 ) at Ourolândia, State of Bahia, Northeast Brazil, applying a multiproxy approach based on petrography and ultrastructure analyses, in addition to carbon and oxygen isotope geochemistry and tufa geochronology by Optically Stimulated Luminescence -OSL. The deposit consists of 29,293±4,347 microdetritic tufas, formed on the northern and southern margins, and 16,631±4,319 boundstone and framestone tufas, edified on aligned springs along the flat bottom of the paleovalley. The tufas contain aquatic, semi- aquatic and terrestrial plant molds, as well as abundant cyanobacterial molds of cf. Phormidium incrustatum and cf. Phormidium foveolarum, indicating the evolution of the system under shallow, fresh water conditions at ambient temperature. The preservation of some tufas on Scanning Electronic Microscope images enabled clear recognition of Extracellular Polymeric Substances and the ultrastructure of carbonates (from nanocrystals to microcolumns). The isotopic values of δ 13 C indicate a predominant source of carbon derived from organic matter, with a contribution of C3 plants possibly slightly higher than C4 plants in the second depositional event (-8.52 and -10.40 ‰ VPDB, respectively). The δ 18 O isotopic values suggest that the water in the paleoenvironment was mainly of meteoric origin and the pluviometric index was higher in the second depositional period (-4.41 and -6.35 ‰ VPDB, for each event). The favourable conditions for the tufa formation around ~30,000 and ~16,000 years were probably a response to exceptionally humid phases in Northeast Brazil that occurred as brief interruptions of long predominantly semiarid periods. These humid phases were also recognized in speleothems of caves near the tufa deposit, as enhance of growth rate and negative incursion of δ 18 O during Heinrich Stadial (HS) 3 and 1 millenary cyclical events in the Northern Hemisphere. Keywords: Paludal calcareous tufa; Quaternary; OSL; Heinrich Stadial (HS) events 3 and 1; carbon and oxygen stable isotopes; carbonate ultrastructures. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10 1.1 Características gerais do sistema deposicional paludal ................................................11 2 OBJETIVOS .......................................................................................................................13 3 ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................................14 3.1 Localização ........................................................................................................................15 3.2 Aspectos climáticos ..........................................................................................................18 3.3 Vegetação ..........................................................................................................................20 3.4 Caracterização geológica da área ...................................................................................24 3.5 Aspectos geomorfológicos ................................................................................................20 4 MATERIAIS E MÉTODOS .....................................................................................27 4.1 Revisão bibliográfica ...................................................................................................... 27 4.2 Análises laboratoriais ..................................................................................................... 27 4.2.1 Preparação das amostras ................................................................................................ 28 4.2.2 Microscopia óptica ......................................................................................................... 28 4.2.3 Microscopia eletrônica de varredura - MEV .................................................................. 28 4.2.4 Geologia isotópica de carbono e oxigênio ..................................................................... 29 4.2.5 Datação por luminescência opticamente estimulada - LOE .......................................... 29 4.2.5.1 Preparação das amostras para Geocronologia – LOE .............................................. 30 4.2.5.2 Mensuração LOE ........................................................................................................ 30 4.2.5.3 Espectrometria Gama de Alta Resolução ................................................................... 31 5 CARACTERIZAÇÃO DO DEPÓSITO .......................................................................... 33 5.1 Características gerais do depósito ................................................................................. 33 5.2 Características mesoscópicas ......................................................................................... 39 5.3 Características Microscópicas ....................................................................................... 42 5.3.1 Textura das Tufas da Fazenda Aurora ........................................................................... 42 5.4 Tipificação das tufas calcárias da Fazenda Aurora ......................................................47 5.4.1. Tufas Autóctones Fitoermais..........................................................................................47 5.4.1.1 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo retilíneo ......................................... 49 5.4.1.2 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo cônico ............................................ 53 5.4.1.3 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo microterraços ................................ 57 5.4.1.4 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo troncos de vegetais superiores .......61 5.4.1.5 Tufas autóctones fitoermais (framestone) – tipo talos de algas carófitas ...................65 5.4.2 Tufas Alóctones Clásticas ........................................................................................... 68 5.4.1 Tufas alóctones microdetríticas – tipo maciça .............................................................. 68 5.5 Microbiota ........................................................................................................................ 71 5.5.1 Filamentos de Bactérias.................................................................................................. 71 5.5.2 Extracellular Polymeric Substances (EPS) .................................................................... 74 5.6 Características ultraestruturais ..................................................................................... 75 5.6.1 Introdução....................................................................................................................... 75 5.6.2 Ultraestruturas das tufas calcárias da Fazenda Aurora .................................................. 76 6 GEOQUÍMICA ISOTÓPICA DE CARBONO E OXIGÊNIO .................................... 83 6.1 Isótopos estáveis de carbono .......................................................................................... 84 6.2 Isótopos estáveis de oxigênio .......................................................................................... 86 6.3 Dados isotópicos de carbono e oxigênio das tufas da Fazenda Aurora ...................... 87 6.3.1 Características Evolutivas do Evento (1) ....................................................................... 90 6.3.2 Características evolutivas do Evento (2) ........................................................................ 92 7 DATAÇÃO POR LUMINESCÊNCIA OPTICAMENTE ESTIMULADA (LOE) ..... 94 7.1 Introdução..........................................................................................................................94 7.2 Seleção de amostras ........................................................................................................ 96 7.3 Resultados ........................................................................................................................ 96 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES.......................................................... 98 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................101 10 1 INTRODUÇÃO Tufas calcárias são formadas a partir da precipitação de carbonato de cálcio em sistemas deposicionais aquáticos continentais de águas frias como vertentes, rios, lagos e pântanos (FORD & PEDLEY, 1996). Vestígios de animais, vegetais e microrganismos, principalmente cianobactérias, são comuns nessa rocha. Para que haja a formação de tufa calcária é necessário a interação entre águas acidificadas e rochas ricas em carbonato de cálcio. As águas são produto das chuvas e se acidificam durante o processo de percolação em solos ricos em CO2, produto da decomposição de matéria orgânica vegetal (Andrews et al., 2000). O contato entre as rochas ricas em cálcio e as águas acidificadas induz a liberação de íons de cálcio na solução percolante. Esta solução ao retornar à superfície perde CO2 (desgaseificação) por fatores físicos e bioquímicos. Os fatores físicos são dominantes e ocorrem devido à diferença da pressão de CO2 entre a solução e a atmosfera, ao choque mecânico das águas contra obstáculos e à alta turbulência em pontos do corpo d’água. Os processos bioquímicos de desgaseificação envolvem principalmente a utilização de CO2 e HCO3 - por plantas, algas e bactérias em processos metabólicos fotossintetizantes. A desgaseificação provoca o aumento do pH da solução e induz a precipitação de carbonato de cálcio. De forma simplificada, as etapas químicas de acidificação da água meteórica, dissolução da rocha parental e precipitação de carbonato de cálcio são expressas pelas equações (1) e (2): (1) H2O(líquido) + CO2(gás) ↔ H2CO3 - (2) Ca2 + + 2HCO3 - ↔ CaCO3(sólido) + H2O + CO2(gás) ↑ O carbonato precipitado fica em solução até que ocorra sua nucleação por processos bióticos e abióticos. Os mecanismos bióticos de nucleação são divididos em nucleação ativa induzida, nucleação ativa controlada e a nucleação passiva influenciada (DUPRAZ et al., 2009). Os pontos de nucleação ativa induzida e passiva influenciada são o Extrcellular Polimeric Substance - EPS, de colônias de bactérias e diatomáceas e as bainhas de cianobactérias (DUPRAZ et al., 2009). Já precipitação ativa controlada ocorre principalmente no interior de algas calcificadoras – i.e. carófitas e determinadas espécies de bactérias. Os processos abióticos de nucleação envolvem principalmente a atração por diferenças de carga elétrica entre o substrato – com carga negativa, e os íons de cálcio – com carga positiva. 11 Tufas calcárias são consideradas promissores arquivos paleoclimáticos e paleoambientais, uma vez que seus isótopos estáveis de carbono e oxigênio podem ser empregados com sucesso na interpretação da temperatura, taxas pluviométricas, tipo de vegetação e espessura de solos vigentes a época de formação do depósito (ANDREWS et al. 2000). Os métodos tradicionais de geocronologia aplicáveis a tufas são datação absoluta por Urânio e Tório ( 234 U/ 230 Th) e radiocarbono ( 14 C). Tais métodos, entretanto, apresentam limitações. No primeiro, erros podem ocorrer devido à contaminação da amostra por terrígenos. O segundo método é pouco preciso para rochas mais antigas que 60 mil anos, já que a meia-vida do isótopo 14 C é relativamente curta. Nesse contexto, um terceiro método, pioneiramente aplicado em tufas no Brasil por Ribeiro et al., (2015), denominado Luminescência Opticamente Estimulada (LOE), apresenta-se como alternativa promissora para a determinação cronológica de depósitos de tufa calcárias. No Brasil o estudo de tufas tem recebido crescente atenção - uma vez levantada à possibilidade de que as rochas-reservatório do Pré Sal brasileiro sejam depósitos de carbonatos continentais, incluindo tufas. Contudo, trabalhos pioneiros de caracterização de depósitos brasileiros remetem ao início do século passado - Branner (1910), seguido por trabalhos realizados por Almeida (1964), com destaque para os sistemáticos trabalhos realizados na Serra da Bodoquena - MS (BOGGIANI & COIMBRA, 1995; UTIDA et al., 2007; OLIVIEIRA, 2009, RIBEIRO et al., 2015), Serra das Araras - MT (CORREA, 2006), Itaboraí – RJ (SANT’ANNA et al., 2004); Bacia Potiguar – RN (REYES-PÉREZ et al., 2003) e Bahia (WANG et al., 2004, AULER, 1999; AULER & SMART, 2001; CRISTALLI, 2006; CRISTALLI et al., 2007; TOLEDO, 2012; ROHN et al., 2015). 1.1 Características gerais do sistema deposicional paludal Entre os quatro ambientes deposicionais propostos por Ford & Pedley (1996), o sistema paludal é o menos retratados pela literatura. Provavelmente as condições ambientais específicas para sua gênese, como a presença de vales com fundo plano com surgências alinhadas em seu interior, fluxo de água lento e contínuo, e o clima favorável ao estabelecimento de vegetação, restrinjam sua formação em comparação aos depósitos fluviais, lacustres e de vertentes. Os depósitos paludais são caracterizados pela ocorrência de edifícios carbonáticos elevados em relação ao terreno e alinhados de forma contínua por longos 12 trechos. Tais edifícios são resultado da precipitação de calcita sobre plantas in situ localizadas sobre surgencias no embasamento de águas subterrâneas ricas em cálcio. O processo de formação dos fitoermas inicia-se com a colonização da superfície externa de plantas submersas por bactérias e diatomáceas que, para fixação, proteção e otimização do ambiente colonizado, produzem um muco composto por polissacarídeos, carboidratos, lipídeos e proteínas denominado Extracellular Polymeric Substance – EPS, que é sucessivamente impregnado por calcita. O desenvolvimento do fitoerma é sazonal e sua estruturação interna reflete mudanças ambientais como temperatura e variação da disponibilidade de água no ambiente, refletindo assim às variações climáticas anuais. Moldes de plantas semiaquáticas e aquáticas, in situ e ex situ como macrófitas e briófitas são comumente preservados em depósitos paludais, além de algas de água doce e cianobactérias, principalmente na forma de moldes externos e internos. As morfologias externas dos fitoermas podem variar em altura e comprimento desde pequenos corpos centimétricos (como na incrustação de seixos, blocos e matacões) até grandes estruturas de alguns metros quadrados. Nesse contexto geológico-ambiental figura o depósito de tufas calcárias da Fazenda Aurora, descoberto em 2010 pelos geólogos Benjamim Bley de Brito Neves da Universidade de São Paulo e Aroldo Misi da Universidade Federal da Bahia (Rohn et al., 2015). As feições macroscópicas do depósito foram descritas em relativo detalhe em Toledo (2012) e Rohn et al., (2015). Todavia trabalhos anteriores abrangeram de forma preliminar as características petrográficas e pouco trataram sobre ultraestruturas, análises geoquímicas para interpretações ambientais e datações. Nessa conjuntura a presente dissertação trata de preencher esta lacuna ao discutir em detalhe as características estruturais e ultraestruturais das tufas calcárias da Fazenda Aurora, bem como seus registros paleoclimáticos, que relatam o desenvolvimento do depósito em consequência de mudanças paleoclimáticas ocorridas no nordeste brasileiro nas últimas dezenas de milhares de anos. 13 2 OBJETIVOS A presente dissertação tem como objetivo caracterizar o depósito de tufas calcárias da Fazenda Aurora, no município de Ourolândia – Bahia e elucidar o conjunto de fatores que condicionaram e influenciaram sua gênese. Em termos específicos, o trabalho visa: - classificar as tufas em distintas escalas, dando ênfase às feições microscópicas, inclusive microfósseis e ultraestruturas utilizando microscopia ótica e eletrônica de varredura; - identificar a variações ambientais ao longo do tempo, que ocorreram durante os processos de precipitação da calcita, por meio de isótopos de oxigênio e carbono; - determinar a idade do depósito por Luminescência Opticamente Estimulada – LOE; - integrar os resultados e os discutir em contexto regional mais amplo, com o seu significado em relação às mudanças climáticas regionais ocorridas no nordeste brasileiro durante o Quaternário. 14 3 ÁREA DE ESTUDO 3.1 Localização O depósito de tufas calcárias da Fazenda Aurora situa-se no município de Ourolândia no centro norte do estado da Bahia a cerca de 400 km da capital Salvador. A entrada da Fazenda Aurora localiza-se a NE da rodovia BR-368, na altura do km 90, aproximadamente 35 quilômetros do centro urbano da cidade de Ourolândia, na coordenada 10º48’32”S e 41º13’07”W (Figura 1). Algumas das maiores cavernas carbonáticas do Brasil ocorrem nas proximidades da área, como Toca da Boa Vista e da Barriguda a 85 km no sentido NW, e a Gruta dos Brejões I e II, a 30 km no sentido SW. Figura 1 – Localização da área de estudo com detalhe para o mapa topográfico da Bahia. Modificado de Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (2015). Dado o tamanho da ocorrência e a escala dos mapas utilizados, a área de estudo encontra-se na área indicada pelo círculo branco. 15 3.2 Aspectos climáticos Com clima atípico em comparação às demais áreas equatoriais brasileiras, onde ocorre à predominância de variações do clima tropical, a área estudada enquadra-se atualmente, segundo a tipologia climática de Köppen-Geiger que considera a sazonalidade, taxa de precipitação e os valores médios anuais e mensais da temperatura do ar, a classificação clima árido quente (BWh), com evapotranspiração potencial anual superior à precipitação, ausência de cursos de água permanentes (B), regime pluviométrico inferiores a 500 mm anuais (W) (Figura 2) e temperatura média anual do ar igual ou superior a 18°C (h) (RAO & HADA, 1990). Figura 2 – Mapa pluviométrico do nordeste brasileiro. Linhas contínuas indicam os índices médios anuais de pluviosidade para o período de 1931 a 1960. Destaque para a cidade de Ourolândia com médias inferiores a 500 mm anuais. Adaptado de Auler & Smart (2001). 16 Na área de estudo as estações chuvosas estão concentradas nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e março (RAO & HADA, 1990) com médias acumuladas próximas a 500 mm por ano (Figura 3), deficiência hídrica que varia entre 834 a 1.401 mm e temperaturas entre 21 e 27 °C ao longo do ano. Já o período de seca estende-se entre os meses de maio e outubro. Não há rios perenes na área, com escoamento superficial restrito a raros eventos de chuvas intensas. Figura 3 – Precipitação média anual da área estudada entre os anos de 1964 e 1983, conforme dados coletados em 91 estações pluviométricas localizadas na bacia do rio Salitre e nas suas proximidades. Modificado de Silva et al., (2003). A Zona de Convergência Intertropical, ou ITCZ do consagrado termo em inglês Intertropical Convergence Zone é o principal agente responsável pelas chuvas da área estudada (WANG et al., 2004), com influência direta nas variações interanuais e intersazonais na quantidade e intensidade da chuva. A faixa nebulosa da ITCZ tem posição anual média em 3° N, com variação de posicionamento induzida por mudanças na temperatura da superfície do mar entre as faixas tropicais do oceano Atlântico Norte e do Atlântico Sul (CRISTALLI, 2006). Nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro a ITCZ desloca-se para sul da linha do Equador em decorrência da menor temperatura superficial do Atlântico Norte, provocando as escassas chuvas na região estudada, enquanto nos meses de julho, agosto e setembro a ITCZ desloca-se para norte, em decorrência da menor temperatura superficial do Atlântico Sul, provocando diminuição de chuvas na região (Figura 4 a). Embora relativamente estável nos últimos 10.000 anos, evidências apresentadas por (WANG et al., 2004; CRUZ et al., 2006; CRISTALLI, 2006, STRIKIS, 2011 e BARRETO, 17 2010) indicam que eventos de escala milenar, diretamente associados a mudanças do padrão de circulação e temperatura do oceano Atlântico Norte, modificaram de forma cíclica o clima do nordeste brasileiro, com consequências diretas na área de estudo. Nesse contexto, destacam-se particularmente os Eventos Heinrich (nomeados de 1 a 6), tratando-se de períodos, em média de 1,5 mil anos (STRIKIS, 2011), de frio extremo no hemisfério Norte, com expansões de geleiras, redução da temperatura atmosférica e da superfície do oceano Atlântico Norte, com consequência direta na acentuação do deslocamento da ITCZ para sul, o que provocou períodos de maior umidade na área de estudo – com aumento das taxas e intensidade das chuvas na região (Figura 4 b). Figura 4 - Intertropical Convergence Zone (ITCZ). A) Posições sazonais da ITCZ (linhas tracejadas) no final do inverno austral (setembro) e final do verão austral (março), e principais direções dos ventos na porção leste da América do sul (setas cinza). B) Detalhe da variação sazonal atual da posição da ITCZ entre os meses de setembro e março e provável posição da ITCZ durante o máximo deslocamento para sul em decorrência dos eventos Heinrich Stadial (HS). Adaptado de Wang et al. (2004) e Cristalli (2006). 18 3.3 Vegetação As condições climáticas específicas de determinada região como disponibilidade hídrica, insolação e temperatura média anual determinam as características da vegetação endêmica de uma área. Nesse contexto, as adaptações relacionadas à quantidade de água necessária aos ciclos fotossintéticos da planta definem sua classificação em três categorias: i) C3, ii) C4 e iii) CAM (Tabela 1). Os vegetais do tipo C3 são essencialmente arbóreos e de clima úmido, compreendem aproximadamente 85% de todos os vegetais superiores do globo terrestre, já o tipo C4 abrange apenas 5% do total de vegetais superiores, sendo representados essencialmente por arbustos e gramíneas de clima árido, enquanto os vegetais do tipo CAM são essencialmente cactáceas de climas árido e desértico. Tabela 1- Relação entre produção de CO2 e consumo de H2O por grupo fotossintético de planta. Tipo de Planta Quantidade de CO2 gerado (g) Quantidade de H2O utilizada (g) Temperatura ótima (ºC) C3 1,0-3,0 1000 20-35ºC C4 2,0-5,0 1000 30-45°C CAM 10,0-40,0 1000 30-45°C Fonte: Vieira et al., 2010. A composição isotópica de δ 13 C da matéria orgânica de determinada área está diretamente relacionada à quantidade de vegetais C3, C4 e CAM presentes. Matéria orgânica proveniente de vegetais com ciclo fotossintético C3 apresentam δ 13 C com valores entre -30 e - 24‰, enquanto plantas com ciclo fotossintético C4 & CAM possuem valores de δ 13 C entre - 10 a - 16‰ (PASSENDA et al., 1996). As condições climáticas atuais da área de estudo de caráter predominantemente árido, favorecem a existência predominante de vegetações do tipo C4 e CAM – típicas do bioma Caatinga (Figura 5), plantas adaptadas ao ambiente quente e seco, composta por arbustos, cactáceas e árvores espinhosas de pequeno porte (Figura 6). 19 Figura 5 – Mapa sintético da distribuição da vegetação do Brasil. Simplificado de Wang et al., (2004). Figura 6 – Vegetação atual da área de estudo. A) Vegetação típica do bioma Caatinga nas redondesas do depósito, composta por por arbustos, cactáceas e árvores espinhosas de pequeno porte. B) Detalhe de esparsa vegetação na porção central do depósito de Tufas da Fazenda Aurora, essencialmentearbustos espinhosos e cactaceas. 20 3.4 Caracterização geológica da área Localizada no município de Ourolândia - centro norte do estado da Bahia, a área de estudo encontra-se geologicamente na porção Setentrional do Cráton São Francisco (Figura 7), de idade Arqueno/Paleoproterozóico (ALMEIDA et al., 1977), que foi preservado dos eventos orogênicos que culminaram na estruturação das faixas móveis Brasilianas, Pan- Africanas e na configuração do supercontinente Gondwana Oeste (ALKMIM & MARTINS- NETO, 2001). A porção setentrional do Cráton São Francisco é caracterizada por coberturas sedimentares plataformais metamorfisadas de idade Mesoproterozoico, agrupadas no Supergrupo Espinhaço e coberturas plataformais siliciclásticas de idade Neoproterozoico agrupadas no Supergrupo São Francisco (FIGUEIREDO, 2008). Figura 7 – Mapa geológico do Cráton São Francisco. Simplificado de Alkmim & Martins-Neto, (2001). 21 Na região de estudo, o Supergrupo Espinhaço é representado pela Formação Morro do Chapéu - Grupo Chapada Diamantina, composta por quartzitos feldspáticos, metassiltitos avermelhados, sericita-quartzo xistos e, localmente, conglomerados mono e oligomíticos (BRITO-NEVES et al., 2012). As principais serranias que circundam o depósito de tufas de Ourolândia são sustentadas por quartzitos dessa formação. Figura 8 - Mapa geológico do centro-norte da Bahia conforme Brito-Neves et al,.( 2012). Coluna estratigráfica adaptada e simplificada de Souza et al., (1993). Em contato erosivo e angular com a Formação Morro do Chapéu jazem os litotipos glácio-siliciclásticos de idade Neoproterozoico do Supergrupo São Francisco (BRITO- NEVES et al., 2012) representados na área por rochas do Grupo Una – formações Bebedouro e Salitre. A Formação Bebedouro de 780 Ma é a unidade basal, com origem glácio-marinha, composta por diamictitos maciços e estratificados (BABINSKI et al., 2007), arenitos grossos, médios e finos, e pelitos laminados com seixos dispersos (FIGUEIREDO, 2008). A Formação Salitre de 670 Ma, em contato gradacional com a Formação Bebedouro, é constituída 22 essencialmente por dolomitos e calcários marinhos precipitados sobre rampa carbonática em ambiente raso, com forte influência de ondas e marés (DOMINGUEZ, 1993). Localmente há intercalação de arenitos feldspáticos estratificados (BRITO-NEVES et al., 2012). Na área de estudo as rochas carbonáticas da Formação Salitre mantiveram a disposição original sub-horizontal, sendo compostas por calcilutitos e calcarenitos, finos e bandados (BRITO-NEVES et al., 2012), com frequente a ocorrência de grandes estromatólitos dômicos, não colunares (Figura 9), pequenos estromatólitos colunares e nódulos de evaporitos substituídos (FAIRCHILD et al., 2015). Arenitos da Formação Salitre ocorrem no sul da área (Figura 10). Figura 9 – Exemplos de rochas carbonáticas da Formação Salitre na Fazenda Aurora. A) Detalhe de estromatólito dômico, vista oblíqua. B) Detalhe de estromatólito dômico, vista superior. C) Visão geral de bioerma estromatolítico. 23 Figura 10 – Afloramento de arenitos feldspáticos na Fazenda Aurora. A) visão geral da área de afloramento. B) Detalhe de afloramento. C) Detalhe estratificação plano-paralela de bloco seccionado. A SW da área estudada, a Formação Salitre apresenta um sistema conjugado de falhas na direção N-S como efeito de uma compressão regional, e fraturas de alívio de direção E-W (MAIA et al., 2010). As principais cavernas da região (a SW e NE num raio de até 90 km do depósito) apresentam desenvolvimento preferencial nas direções supracitadas, evidenciando padrão preferencial de dissolução do carbonato nessas estruturas (SILVA, 2015). Além das rochas pré-cambrianas, a região apresenta ainda calcretes vadosos e freáticos da Formação Caatinga, atribuídos ao Quaternário, com espessuras de até 30 m, constituídos por arcabouço micrítico, localmente substituído por dolomita e sílica, além de partículas envelopadas (oncóides e nódulos), rizoides e moldes vegetais (PENHA, 1994). Completam o quadro geológico da área os depósitos Quaternários de tufas calcárias fluviais (Vale dos rios Salitre e Jacaré) e depósitos aluvionares, eluvionares e de tálus (BRITO-NEVES et al., 2012). 24 3.5 Aspectos geomorfológicos Duas superfícies de aplainamento clássicas do Brasil Central e Oriental, conhecidas como Superfície Sul Americana (de possível idade eopaleógena) e Superfície Velhas (de possível idade neógena) são reconhecidas na área (BRITO-NEVES et al., 2012). A Superfície Sul Americana perfaz o topo das várias serranias e elevações topográficas da região como serra de São Maurício, serra de São Lourenço e serra do Vento, suportadas por quartzitos da Formação Morro do Chapéu, Supergrupo Chapada Diamantina, em cotas tipicamente entre 900 e 1.100 m (Figura 13). Já a Superfície Velhas é menos elevada, e caracterizada por extensos platôs com cotas entre 550 e 650 m, predominante sobre os carbonatos da Formação Salitre, Grupo Una (Figura 13). Figura 11 – Perfil esquemático dos principais componentes morfológicos da área. Modificado de Brito-Neves et al, (2012). No platô carbonático (Superfície Velhas) localizam-se os vales dos principais rios da área, rio Salitre e rio Jacaré, caracterizados por leitos efêmeros (ativos apenas em raros eventos de intensa precipitação), com destacada ocorrência de afloramentos de calcretes da Formação Caatinga, além de depósitos coluvionares, de tálus, e de tufas calcárias fluviais (CRISTALLI, 2006). O depósito de tufas de Ourolândi ra também ocorre sobre o platô carbonático (da Superfície Velhas), numa depressão alongada rasa (até cerca de 3 m mais baixa que as áreas vizinhas), de direção aproximada E-W, com 50 m de largura e pelo menos 400 m de comprimento, com leve declive para E (Figura 14). 25 Figura 12 - Modelo de Elevação Digital do Terreno, com ênfase para área de estudo. A coloração verde representa cotas médias de 500 m, enquanto a coloração amarela representa cotas aproximadas de 1000 m. Modificado de Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (2015). Figura 13 – Aspecto morfológico geral da área estudada (vista para norte). As montanhas fazem parte da Serra de São Maurício, cujo topo corresponde à Superfície Sul Americana, cotas médias em torno de 1.000 m. As áreas adjacentes, com cerca de 550 m de altitude, provavelmente correspondem à Superfície Velhas. Na porção inferior esquerda da figura estão localizadas as tufas calcárias da Fazenda Aurora. 26 Nas adjacências da área, ocorrem também feições típicas de relevo cárstico carbonático, como dissoluções (Figura 15), rede de drenagens superficiais restritas, estruturas de desabamento e acomodação, além de cavernas e cânions (LAUREANO & CRUZ, 2002). Figura 14 – Aspecto morfológico geral da área de ocorrência das tufas (vista para sul), caracterizada por depressão rasa com suave declive. Os montículos alinhados na porção esquerda central da imagem são tufas calcárias. Figura 15 – Feições de dissolução em carbonato da Formação Salitre na área da Fazenda Aurora. A) Carbonato da Formação Salitre apresentando dissolução do tipo lapiás. B) Bloco de carbonato da Formação Salitre com feições de dissolução. 27 4 MATERIAIS E MÉTODOS O presente trabalho propôs a aplicação de diferentes técnicas investigativas na compreensão de questões relativas à deposição e gênese de tufas calcárias da Fazenda Aurora, Ourolândia - BA. Nesta perspectiva, a integração dos resultados obtidos permitiu também o refinamento do quadro paleoclimático do Cenozoico do Nordeste brasileiro. Abaixo estão relacionados e detalhados os métodos investigativos aplicados nesta pesquisa. 4.1 Revisão Bibliográfica Foi revisada a literatura relacionada à origem, ambientes genéticos e processos de sedimentação das tufas calcárias. Buscou-se ainda, informações pormenorizadas a respeito das suas características petrográficas e fossilíferas, além da utilização das tufas como indicadores (proxy) para reconstrução paleoclimática, com ênfase na aplicação e interpretação de dados analíticos dos isótopos estáveis de carbono e oxigênio. Concomitantemente, foram revisados os métodos de datação aplicáveis a tufas calcárias, além de levantadas informações bibliográficas sobre a área de estudo, com foco na evolução geológica, climática e da vegetação endêmica da região. 4.2 Análises Laboratoriais As análises laboratoriais envolveram procedimentos de preparação e análise petrográfica, paleontológica, isotópica e geocronológica. O armazenamento, laminação e as análises macro e microscópicas foram realizadas nos Laboratórios do Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo - UNESPetro, Instituto de Geociências e Ciências Exatas - ICGE Universidade Estadual Paulista - UNESP - Câmpus de Rio Claro (SP). A preparação e obtenção de dados isotópicos e de datações foram realizadas respectivamente, no Laboratório de Isótopos Estáveis (LIESP) e no Laboratório de Espectrometria Gama e Luminescência (LEGaL), ambos localizados no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo - USP. 28 4.2.1 Preparação das amostras Ao todo, 40 amostras foram enviadas ao Laboratório de Macrofósseis (UNESPetro), onde ocorreu a catalogação com a sigla AUR, em referência a Fazenda Aurora, seguida por três números. As amostras foram então fotografadas e descritas a partir de suas características macroscópicas como morfologia, textura, estrutura e conteúdo fossilífero. Algumas amostras foram selecionadas e seccionadas por meio de serra diamantada, a fim de produzir fatias polidas (slabs) para a melhor visualização de estruturas internas. 4.2.2 Microscopia óptica Após a análise das amostras seccionadas, foram selecionados 25 exemplares de tufas representativas do depósito para a confecção de lâminas petrográficas. Buscou-se confeccionar lâminas paralelas e perpendiculares às principais estruturas macroscópicas observadas, almejando o detalhamento destas e a definição de sua composição paleontológica e mineralógica. As lâminas foram analisadas e fotografadas no Laboratório de Microfotografia do UNESPetro, utilizando microscópios ótico Carl Zeiss (Axio Imager A1m) acoplado à câmera (Axiocam MRc5). Algumas amostras foram também analisadas e fotografadas por meio de Lupa Zeiss (SteREO Discovery.V20) acoplada à câmera (Axiocam MRc5). Nessa etapa foram delimitadas as porções alteradas e recristalizadas das lâminas, no intuito de pré-selecionar amostras adequadas ao método de análise de isótopos estáveis de carbono e oxigênio, além de amostras com potencial para o método de datação por luminescência opticamente estimulada (LOE). 4.2.3 Microscopia eletrônica de varredura – MEV Para as análises de MEV foram selecionadas 10 amostras de tufas representativas do depósito. As amostras escolhidas foram seccionadas em blocos retangulares de até 5 cm e limpas por jatos de ar. Buscou-se aumentar a eficiência e a resolução das imagens captadas por meio da metalização de 4 amostras com ouro. O equipamento utilizado para a sessão foi o Scanning Eletron Microscope Zeiss EVO MA15 pertencente ao Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura (LMEV) - UNESPetro, operado com filamento de Tungstênio, com voltagem entre 18.00 Kv e 20.0 0Kv e pressão variável entre 0.03Pa e 98Pa . 29 4.2.4 Geologia isotópica de carbono e oxigênio Foram selecionadas 23 amostras para as análises isotópicas de carbono e oxigênio, considerando-se a diversidade morfológica e a representatividade das fácies no depósito. Para cada amostra foram coletadas de 2 a 3 alíquotas, produzindo um total de 61 amostras para análise de isótopos de carbono e oxigênio. O procedimento laboratorial de preparação das amostras envolveu a escolha dos pontos de amostragem por meio de análises petrográficas prévias. Para tanto, buscou-se evitar porções recristalizadas, áreas fraturadas e intemperizadas. Após a etapa de seleção das áreas adequadas, a amostragem foi realizada por meio de extração com broca milimétrica de vídia, produzindo pequenas porções pulverizadas de carbonato que foram então armazenadas em recipientes herméticos individuais do tipo Eppendorff. As análises de carbono e oxigênio foram realizadas segundo procedimento padrão de análise isotópica de elementos leves, com extração inicial do CO2 das amostras a partir da reação com H₃PO₄(100%) à temperatura constante de 25°C, durante 24 horas. Após a extração, o gás foi purificado criogenicamente por meio do uso de armadilha química de nitrogênio líquido e álcool. A amostra de gás foi então analisada em espectrômetro de massa Thermofinnigan Delta Plus Advantage, acoplado a um sistema de preparação online de amostras do tipo Gas-Bench-II, calibrado segundo padrões internacionais e a partir de referencias internas de laboratório. Os resultados apresentados na notação per mil, apresentam referência ao padrão VPDB (Vienna – Pee Dee Belemnite). 4.2.5 Datação por luminescência opticamente estimulada – LOE Foram selecionadas três amostras para datação por luminescência opticamente estimulada – LOE, levando em conta a presença de grãos de quartzo, confirmadas por meio de lâminas petrográficas, abrangência de fácies no depósito e características isotópicas específicas. As técnicas empregadas na preparação e mensuração seguiram o modelo para datação de tufas calcárias proposto por Ribeiro et al., (2014). 30 4.2.5.1 Preparação das amostras para geocronologia LOE Com o intuito de remover as superfícies exteriores previamente expostas à luz, foram retirados utilizando martelo e cinzel dois centímetros superficiais das três amostras selecionadas para datação. Os núcleos das amostras (diâmetro entre de 5 a 10 cm) foram então triturados utilizando pilão e almofariz em porções entre 0,5-2 mm. Posteriormente as amostras foram lavadas com água destilada, para remoção das frações finas (silte e argila) e tratados, por meio da técnica padrão (AITKEN, 1998), para remoção de carbonatos e material orgânico, respectivamente por meio de ataque de HCl (10%) e H2O2 (30%). O material residual produzido foi macerado com ácido HF (38%) por cerca de 40 minutos, para a remoção da camada externa dos grãos de quartzo, e eliminação de possíveis grãos de outros minerais. Os grãos foram então umedecidos e peneirados, para seleção das frações entre 180-250 μm e 63-189 µm. Após essa etapa, as alíquotas selecionadas foram avaliadas em microscópio binocular para garantir a baixa concentração de feldspatos e minerais pesados. 4.2.5.2 Mensurações LOE A alíquota de grãos de quartzo com granulação entre 180-250 μm de cada amostra foi posta em microrecipientes de aço, de modo a formar uma camada única de grãos, com até 4 grãos por recipiente. Estes compartimentos foram encaminhados ao sistema de medição Risø DA-20 OSL/TL, equipado com fonte de radiação beta embutida com taxas de dose de 0.084 Gy/s e 0.119 Gy/s por recipiente. Diodos emissores de luz azul em 470 nm foram empregados para a estimulação óptica e a luminescência foi medida por um filtro Hoya U-340. Posteriormente foram realizadas observações dos grãos ao microscópio óptico, acoplado a filtro de luz vermelha, e foi realizada a estimulação dos mesmos por infravermelho para reavaliar o teor de purezas em quartzo das alíquotas e as possíveis contaminações por feldspato. Os 0.8 s iniciais da curva de decaimento LOE foram utilizados para o cálculo do sinal LOE corrigido e para a estimativa da Dose Equivalente. O teste de recuperação de dose foi realizado nas amostras empregando o protocolo Single Aliquot Regeneration – SAR, com pré- aquecimento de 200°C e doses de 2.5, 33.6 e 84.0 Gy, com estimulação adicional por diodo azul a 280°C ao fim de cada ciclo SAR, no intuito de minimizar a regeneração e aumentar as dose de recuperações, tal como recomendado por Murray & Wintle (2003). 31 Quadro 1 - Protocolo SAR utilizado para calculo da Dose Equivalente nas alíquotas e nos grãos individuais de quartzo. As alíquotas com quociente de reciclagem entre 0,9 e 1,1 foram utilizadas para a estimativa da dose equivalente. A recuperação então foi calculada como a razão entre (%) do Sinal D5 (0 Gy) e a o sinal natural. As doses equivalentes naturais foram calculadas ajustando uma função exponencial saturada única ou uma função linear para amostras com alta (10 a 10² Gy) ou baixa (até 5 Gy) dose equivalente, respectivamente. Adicionalmente, a sensibilidade para o componente rápido LOE foi calculado para alíquotas saturadas utilizando a integral dos primeiros 0.8s do sinal de dose de teste. A sensibilidade foi expressa como porcentagem do sinal do componente rápido relativo ao sinal total (integral dos 40s de estimulação) para evitar vieses devido aos diferentes tamanhos das alíquotas. O cálculo da sensibilidade da componente rápida como porcentagem de sinal total LOE seguiu os procedimentos de Sawakuchi et al., (2011). 4.2.5.3 Espectrometria gama de alta resolução O material exterior residual, aparado previamente das amostras de tufas foi triturado em frações menores que 2mm e utilizado para a espectrometria gama de alta resolução e para o cálculo da Taxa de Dose. As amostras trituradas, em torno de 300g, foram secas e empacotadas em recipientes plásticos selados e armazenadas por 28 dias a fim de permitir o equilíbrio de Radônio. A medição da espectrometria gama foi realizada com detector de Germânio de alto grau de pureza (HPGe), envolto em blindagem de chumbo, resfriado por N2 Etapa Processo 1 Dose (Di) 2 Pré-aquecimento a 220°C por 10s 3 Estimulação óptica por 40s a 125°C (Li) 4 Dose Teste 5 Aquecimento a 60°C 6 Estimulação óptica por 40s a 125°C (Ti) 7 Estimulação óptica por 40s a 280°C 32 líquido, com registro eletrônico de espectro. O detector HPGe possui energia de resolução de 2.1 KeV e eficiência relativa de 55%. O espectro de Raio Gama foi adquirido por um período de 24 horas. As atividades dos nuclídeos 40 K, 238 U e 232 Th foram calculadas por meio do software de calibração de eficiência baseado no ISOCS - In Situ Object Counting System - Canberra Industries, para o detector HPGe. O desequilíbrio das cadeias de decaimento 238 U e 232 Th foram avaliados utilizando as taxas de atividade dos nuclídeos filhos. As taxas de dose de radiação para as amostras de tufas foram calculadas utilizando as concentrações dos nuclídeos 40 K, 238 U e 232 Th combinadas com as taxas de dose cósmicas, estimadas por meio da latitude, longitude, altitude, profundidade de soterramento e densidade do material que recobria as amostras (PRESCOTT & STEPHAN, 1982). 33 5 CARACTERIZAÇÃO DO DEPÓSITO 5.1 Características gerais do depósito A área de estudo esta localizada na porção centro-norte do Estado da Bahia, entre os municípios de Ourolândia e Umburanas, em área pertencente à Fazenda Aurora. A altitude média é de 600 m. O depósito encontra-se sobre carbonatos de idade Neoproterozoico da Formação Salitre, localizados no fundo de um vale com baixa declividade, margens pouco pronunciadas e mergulho suave para leste em direção do rio do rio Salitre (Figura 16). Circundam o depósito as serras de São Maurício (norte), Batista e Vento (respectivamente, oeste e sul), com altitudes médias de 1.000 m. Devido ao clima semiárido da região, há ausência de corpos d’água perenes, sendo o principal rio da região - rio Salitre, ativo apenas em raros eventos de chuvas intensas. Figura 16 – Feições geomorfológicas nas imediações da área de estudo. Destaque para as serranias de São Maurício, Batista e do Vento, e para o leito do rio Salitre (leste da área). Modificado de Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (2015). 34 O depósito estudado é composto por tufas calcárias fitoermais, que afloram acima do substrato perfazendo uma exposição relativamente contínua (Figura 18), de aproximadamente 600 m de extensão na direção aproximada E-W e um pouco mais de 100 m de largura na parte baixa do vale ou 150-200 m de largura considerando as tufas que ocorrem diretamente sobre rochas carbonáticas pré-cambrianas nas margens do vale (Figura 19). Figura 17 – Aspecto geral da porção leste do depósito de tufas da Fazenda Aurora, vista para Norte. Notar baixa declividade da área. Seta indica posição do afloramento de tufas. Figura 18 – Aspecto geral da porção leste do depósito de tufas da Fazenda Aurora. Vista para Sul. Notar baixa declividade área e afloramento alinhado das tufas (seta indica o início do depósito). 35 A forma de ocorrência mais frequente das tufas é o alinhamento de fitoermas em faixas de 1-3 m de largura, predominantemente na direção E-W e ENE-WSW (Figuras 19, 20 a), apresentando algumas mudanças abruptas para a direção quase ortogonal à primeira. Na parte oeste da área, diversos fitoermas constituem pares paralelos de longos alinhamentos com largura aproximada de 2 m (Figura 20 b). Também são observadas algumas aglomerações semicirculares de vários fitoermas (Figura 20 c). Figura 19 – Mapa esquemático do depósito de tufas calcárias da Fazenda Aurora. Modificado de Rohn et al. (2015). Em menor frequência e majoritariamente próximo ao alinhamento principal e na parte sudoeste da Fazenda Aurora, no interior de pequenas depressões, há grandes concentrações de talos algas carófitas incrustados por calcita. No vale, entre os fitoermas e por vezes encobrindo-os, ocorrem sedimentos inconsolados finos. Alguns fitoermas ocorrem a sudoeste da rodovia BR-368, em posição topográfica um pouco mais alta, porém não puderam ser descritos em detalhe por estarem muito mal preservados. Embora o depósito seja composto essencialmente por fitoermas, foram utilizados critérios para a classificação dessas estruturas em grupos com características semelhantes, conforme a morfologia externa, dimensões, conteúdo fossilífero, além de tramas e texturas. A classificação do depósito foi realizada sensu Pedley (1990) com adaptações da nomenclatura de modo a abranger as particularidades e 36 singularidades dos fitoermas do depósito estudado, uma vez que a morfologia externa de alguns exemplares é incomum a outros depósitos descritos na literatura. Figura 20 - Forma de ocorrência das tufas calcárias da Fazenda Aurora. A) Alinhamento de fitoermas do tipo cônico. B) Corredores formados por alinhamentos paralelos de fitoermas do tipo retilíneo (parcialmente fragmentados) e alguns cônicos; notar, ao fundo, que o alinhamento muda abruptamente para a esquerda numa direção quase ortogonal à primeira (seta). C) Aglomeração circular formada por fitoermas do tipo cônico. Os seis tipos de tufas que ocorrem na Fazenda Aurora são classificados sensu Pedley (1990) nas categorias de tufa autóctone fitoermal – tipos boundstone e framestone, e de tufa clástica microdetrítica – do tipo micrítica. A primeira categoria engloba as estruturas carbonáticas cuja principal característica é a presença de plantas preservadas in situ como suporte para desenvolvimento das tufas (Figura 28). A segunda categoria – clástica microdetrítica, é formada pela cimentação de carbonato sobre elementos detríticos, principalmente fragmentos rochosos, restos de vegetais e bioclastos. As características das tufas da Fazenda Aurora são apresentadas de forma sumarizada no Quadro 2. 37 Tipos de tufa Características gerais Tipo Retilíneo Edifícios retilíneos (até 1m de altura e 0,3m de largura), essencialmente verticais, apresentam moldes de caules de micro e macrófitas em posição de vida (Figura 21 a); a estrutura interna é acamadada, marcada pela intercalação de camadas densas e porosas de carbonato. Petrograficamente expõem texturas laminadas e dendrolítica (composta por abundantes moldes de filamentos de cianobactérias). Possuem alta porosidade. Tipo Cônico Edifícios cônicos assimétricos (até 1m de altura, diâmetro de até 1 m), essencialmente verticais, apresentam moldes de caules de Thypa em posição de vida (Figura 21 b); a estrutura interna é levemente acamadada, marcada por camadas densas e porosas de carbonato. Petrograficamente apresentam texturas laminadas e dendrolítica (composta por abundantes moldes de filamentos de cianobactérias incrustados). Possuem alta porosidade. Microterraços Edifícios de pequeno porte (até 0,1m de altura e diâmetro métrico), essencialmente horizontais, apresentam moldes de caules de micro e macrófitas em posição de vida e fragmentos de conchas de gastrópodes (Figura 21 c); a estrutura interna é laminada, marcada por alternância de camadas densas e porosas de carbonato. Petrograficamente apresentam texturas laminadas e dendrolítica (composta por abundantes moldes de filamentos de cianobactérias incrustados). Possuem alta porosidade. Troncos de vegetais superiores Incrustação de carbonato em torno de caules individuais de plantas superiores (até 0,5 m de altura e 0,4 m de diâmetro) em posição de vida (Figura 21 d); possuem estrutura interna concêntrica, com alternância cíclica de camadas de carbonato densas e porosas. Petrograficamente apresentam texturas dendrolítica e laminadas. Possuem alta porosidade. Talos de algas carófitas Incrustação de talos de algas carófitas em posição de vida. Afloramentos métricos, essencialmente horizontais (Figura 21 e). Mesoscopicamente apresentam estruturas crostiformes, densas e homogêneas. Possuem alta porosidade. Maciço Incrustação de carbonato diretamente sobre material detrítico – clastos rochosos e fragmentos vegetais (Figura 21 f). Estrutura interna maciça a levemente acamadada. Petrograficamente apresentam textura micrítica/peloidal. Não possuem porosidade visível a olho nu. Quadro 2 – Nomenclatura proposta e características gerais das tufas da Fazenda Aurora. 38 Figura 21 – Exemplares dos seis tipos de tufas calcárias que ocorrem no depósito da Fazenda Aurora, Ourolândia, BA. A) Fitoerma do tipo retilíneo. B) Fitoermas do tipo cônico. C) Fitoerma do tipo microterraço. D) Fitoerma do tipo tronco de vegetais superiores. E) Fitoerma do tipo talos de algas carófitas. F) Tufa clástica do tipo maciço (porção superior) sobre bloco de carbonato da Formação Salitre. 39 5.2 Características mesoscópicas As características mesoscópicas apresentadas neste capítulo refletem os elementos arquitetônicos e os principais padrões internos presentes nas tufas calcárias da Fazenda Aurora. Nesse contexto são exibidos, independentemente do tipo de tufa apresentado, os três padrões básicos de estruturas internas reconhecidas no depósito, a estrutura crostiforme, a estrutura acamadada e a estrutura maciça (Figuras 22 a 24). Figura 22 – Estrutura crostiforme. Tufas calcárias do depósito da Fazenda Aurora, Ourolândia, BA. A) Estrutura crostiforme centimétrica na forma de moldes de caules de variados dimensões, tufa do tipo retilíneo. B) Estrutura crostiforme milimétrica sobre talo de alga carófita em tufa do tipo talos de algas carófitas. C) Estrutura crostiforme centimétrica na forma de moldes de folhas alongadas (porções escuras), tufa do tipo cônico. 40 A estrutura crostiforme é composta essencialmente por lâminas milimétricas de calcita com aspecto denso, escuro e homogêneo a olho nu (Figura 22). Ocorre na forma de moldes de caules e folhas de dimensões variadas, frequentemente centimétricas, e na forma de lâminas retilíneas intercaladas a camadas porosas (ver estrutura acamadada). Ocorre em tufas do tipo retilíneo, cônico, troncos e microterraços. Nas tufas do tipo talos de algas carófitas, esta estrutura ocorre como moldes milimétricos de algas do gênero Chara, sendo a estrutura mesoscópica principal deste tipo de tufa (Figura 22 b). Figura 23 – Estrutura acamadada – tufas calcárias do depósito da Fazenda Aurora, Ourolândia, BA. A) Estrutura acamadada com padrão elíptico (similar a estromatolítico), marcada pela alternância de camadas crostiformes densas e camadas porosas em tufa do tipo retilíneo. B) Estrutura acamadada com padrão concêntrico, formada pela alternância de camadas crostiformes densas e camadas porosas centimétricas em tufa do tipo tronco de vegetais superiores. C) Estrutura acamadada com padrão paralelo, formada pela alternância de camadas crostiformes densas e camadas porosas centimétricas em tufa do tipo retilíneo. 41 Após a decomposição da matéria orgânica, a estrutura crostiforme conserva a forma original do arcabouço vegetal, conferindo a tufa a alta porosidade móldica e alta permeabilidade (Figura 22 c). A estrutura acamadada ocorre em íntima associação à estrutura crostiforme. É constituída pela alternância cíclica de níveis crostiformes densos, milimétricos e níveis porosos, frequentemente centimétricos (Figura 23). O padrão da estrutura acamadada pode ser elíptico (estromatolítico) (Figura 23 a), concêntrico ou planar e varia de acordo com a estrutura que o precedeu. É a estrutura mais comum nas tufas do tipo retilíneo, cônico, troncos e microterraço. Não ocorre, nas tufas do tipo talo de algas carófitas e tufas do tipo maciça. Figura 24 – Estrutura maciça – tufas calcárias do depósito da Fazenda Aurora, Ourolândia, BA. A) Estrutura maciça com porções levemente laminada em tufa do tipo maciça. B) Estrutura maciça em amostra com clastos em tufa do tipo maciça. C) Padrão típico de ocorrência da estrutura maciça, homogênea e sem porosidade aparente em tufa do tipo maciça. 42 A estrutura maciça é essencialmente homogênea, localmente apresenta laminação incipiente (Figura 24 a). A calcita é distribuída de forma uniforme sobre substratos inorgânicos, como blocos e seixos de carbonatos e arenitos da Formação Salitre (Figura 24 b) e em menor frequência, sobre restos orgânicos de vegetais e animais. É constituída por carbonato fino e friável, não apresenta porosidade visual aparente. Ocorre majoritariamente em tufas do tipo maciço. 5.3 Características Microscópicas Por definição, tufas calcárias são constituídas essencialmente por carbonato de cálcio com baixo teor de magnésio. O principal elemento mineralógico desta rocha é a calcita, que petrograficamente ocorre como micrita, microesparita e esparita (PEDLEY & ROGERSON, 2010). As tramas e texturas que ocorrem nas tufas calcárias são, portanto, função direta da associação e organização espacial dos componentes petrográficos supracitados que, por sua vez, refletem as condições ambientais e os processos durante seu período de formação do depósito (PENTECOST, 2005). 5.3.1 Texturas das Tufas calcárias da Fazenda Aurora Com intuito que analisar os componentes petrográficos associados ao depósito de tufas calcárias da Fazenda Aurora e assim estabelecer parâmetros para sua gênese e evolução, foram empregadas técnicas de análises petrográficas por meio de lâminas delgadas e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Os principais componentes petrográficos das tufas calcárias da Fazenda Aurora são a micrita (m) - com hábito anédrico, majoritariamente opaca em lâmina delgada, com cristais inferiores a 4 μm (Figura 25 a), a microesparita (mesp), que exibe hábito subédrico a euédrico, com cristais claros de tamanho entre 5 e 15 μm (Figura 25 b) e a esparita (esp), com hábito euédrico, formada por cristais claros com tamanho superior a 15 μm (Figura 25 c). As interações e os diferentes graus de organização entre a micrita (<4 μm), a microesparita (entre 5 e 15 μm) e a esparita (>15 μm) conformam as texturas microscópicas mais comuns do depósito de tufa da Fazenda Aurora, classificadas sensu Perri et al., (2012) como textura laminar (L), textura dendrolítica (D), textura grumosa (G), textura adensada (A) e a textura micrítica (M) (Figuras 26 a 28). A esparita ocorre também, como crostas em superfícies que outrora foram substratos orgânicos, principalmente em talos de algas carófitas. 43 Figura 25 – Componentes mineralógicos das tufas calcárias da Fazenda Aurora, Ourolândia-BA. A) Micrita (mic) sobre grão de quartzo (qtz) em tufa tipo maciça. B) Microesparita (mesp) em tufa tipo cônico. C) Esparita (esp) em tufa tipo cônico. Todas as imagens obtidas por MEV. A textura laminar (L) consiste na alternância entre lâminas delgadas de micrita, planas ou levemente enrugadas, com 10 a 50 μm de espessura, e lâminas de microsparita, por vezes, esparita, com espessura similar ou superior (Figura 26). Esta textura (alternância entre micrita e microesparita/esparita) ocorre frequentemente paralela aos moldes de vegetais e, por vezes, intercalada entre lâminas porosas compostos por textura dendrolítica. A textura dendrolítica (D) consiste em filamentos de cianobactérias (no depósito, majoritariamente representadas pelas espécies cf. Phormidium incrustatum e cf. Phormidium foveolarum), mineralizados por micrita e microesparita (Figura 27). 44 Figura 26 – Textura laminar de tufas do depósito da Fazenda Aurora, Ourolândia – BA. A) Incrustação de pequeno caule vegetal (agora preservado como molde) por carbonato com textura laminar (L) – intercalação entre lâminas de micrita (castanho escuro) e de microesparita (castanho claro), localmente com trama grumosa (G). Polarizador paralelo em tufa tipo retilíneo. B) Incrustação carbonática sobre fino eixo caulinar (agora molde) exibindo textura laminar com porções micríticas (mic) de 20 a 50 μm, alternadas a porções de microesparita (mesp) e esparita (esp) com 30 a 50 μm de espessura. Imagem obtida por MEV. C) Trama laminar, composta por alternância de lâminas de micrita (mic) e microesparita (mesp) em tufa do tipo retilíneo. Imagem obtida por MEV. A disposição dos filamentos na trama dendrolítica (D), indicada pelos respectivos moldes, varia entre o arranjo caótico e o arranjo organizado (com filamentos paralelos a subparalelos) (Figura 27 c). Nas porções com grande densidade de filamentos, a trama dendrolítica (D) pode passar (em lâmina delgada) à textura adensada (A) (Figura 27 a). 45 Figura 27 – Textura dendrolítica nas tufas da Fazenda Aurora, Ourolândia – BA. A) Visão geral de textura dendrolítica (D) intercalada à textura adensada (A) em tufa tipo microterraço, porções claras representam poros. Lâmina delgada, polarizador paralelo. B) Detalhe de filamentos de cianobactérias (cf. Phormidium incrustatum) conformando a textura dendrolítica em tufa do tipo microterraço. Imagem obtida por MEV. C) Trama dendrolítica conformada por filamentos de cianobactérias distribuídos de forma caótica em tufa do tipo microterraço. Imagem obtida por MEV. É comum a alternância de intervalos milimétricos com textura laminar (L) e intervalos centimétricos com textura dendrolítica (D), que em escala mesoscópica constitui a estrutura acamada (Figura 23). A textura micrítica (M) é composta por densas e contínuas porções homogêneas de micrita (Figura 28). Pequenas variações nessa textura, como laminações incipientes (marcadas principalmente pela existência de faixas ricas em grãos siliciclásticos e fragmentos detríticos), ocorrem de forma pontual. Outra situação é a gradação de textura micrítica para a textura grumosa, essencialmente composta por pelóides com franja de esparita (Figura 26 a). 46 Figura 28 – Textura micrítica – depósito de tufas da Fazenda Aurora, Ourolândia – BA. A) Aspecto geral homogêneo da trama micrítica (M). Notar presença de grãos siliciclásticos dispersos. Polarizador paralelo. B) Detalhe de micrita (mic) e grãos de quartzo (qtz) em tufa do tipo maciça. Imagem obtida por MEV. C) Detalhe de textura micrítica (mic). Imagem obtida por MEV. O padrão de porosidade associado as textura micrítica (M) e grumosa (G) é muito baixo, uma vez que poros são praticamente ausentes (Figura 28 a), já a textura laminada (L), quando formada sobre o que outrora foram substratos orgânicos, apresenta porosidade média a alta (Figura 26 a), enquanto a textura dendrolítica (D) exibe porosidade alta, localizada entre os moldes mineralizados de cianobactérias e por vezes também em seu interior (Figura 27 a e b). As texturas laminada (L), dendrolítica (D) e grumosa (G) ocorrem preferencialmente nas tufas dos tipos retilíneo, cônico, troncos e microterraços. A textura micrítica ocorre preferencialmente nas tufas do tipo maciço. 47 5.4 Tipificação das tufas calcárias da Fazenda Aurora 5.4.1. Tufas autóctones fitoermais Segundo Pedley (1990) as tufas autóctones fitoermais se dividem nos tipos boundstone (ou estromatolíticas) e no tipo framestone. No depósito da Fazenda Aurora o primeiro tipo é o mais comum e consiste nos fitoermas clássicos - estruturas vegetais in situ cimentadas por sucessivas camadas de micrita e esparita, com íntima associação a cianobactérias. O segundo tipo, framestone compreende estruturas carbonáticas formadas a partir de hidrófitas, onde a precipitação de carbonato de cálcio se dá majoritariamente no interior do organismo a partir de processos metabólicos, seguidos por nucleação externa associada à cianobactérias e processos inorgânicos. No depósito da Fazenda Aurora as hidrófitas mais comuns são algas do gênero Chara. Os processos relacionados à formação dos fitoermas do tipo boundstone são importantes nesta dissertação, uma vez que essas estruturas perfazem grande parte do depósito de tufas estudado. Segundo Pedley (1992), de forma generalizada, para que haja a formação dos fitoermas do tipo boundstone deve ocorrer inicialmente à submersão (ou ao menos a constante umidificação) de estruturas vegetais in situ como caules, ramos e folhas, que servirão de anteparo para o desenvolvimento da tufa (Figura 29 a). A superfície vegetal externa submergida é então colonizada por cianobactérias e diatomáceas que, ao produzirem EPS para fixação e proteção da colônia, fornecem substrato para as primeiras nucleações de carbonato. A sequência de formação de fitoermas dá-se frequentemente por uma primeira lâmina heterogênea de micrita, cuja deposição ocorreria sob influência orgânica (PEDLEY, 1992), seguida por uma lâmina homogênea de esparita, geralmente relacionada a processos abióticos de precipitação (Figura 29 c). O padrão de incrustação é policíclico, relacionado a variações climáticas no decorrer do ano, e as incrustações se repetem enquanto as condições ambientais permanecem favoráveis. No decorrer da formação do fitoerma, logo após as primeiras incrustações, é comum a decomposição do anteparo vegetal (Figura 29 b), no entanto as camadas/lâminas carbonáticas inicialmente precipitadas são suficientemente rígidas para evitar o colapso do edifício carbonático. 48 Figura 29 – Esquema de formação de fitoermas (tipo boundstone). A) esquema geral de formação dos fitoermas (1– primeira cimentação por micrita, 2, 3 e 4 alternância de camadas esparíticas, micríticas e esparíticas, respectivamente e 5 – porção externa, porosa, rica em filamentos de cianobactérias mineralizados – típica textura dendrolítica). Adaptado de Pedley (1990). B) Fragmento basal de fitoerma com moldes vegetais in situ. Retângulo amarelo indica a posição de (c). C) Lâmina delgada evidenciando padrão de precipitação típico de fitoermas (comparar com sequência de 1 a 5 do item a). Notar textura dendrolítica (D) na porção superior da imagem. Entre os caules é comum a ocorrência de peloides, conchas de gastrópodes, folhas e ramos que são cimentados e incorporados posteriormente ao fitoerma (PEDLEY, 1992). 49 5.4.1.1 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo retilíneo Os fitoermas do tipo retilíneo, designados como Muros em Rohn et al., (2015) ocorrem majoritariamente sobre o eixo principal do depósito (paralelos à elongação do paleovale). Conformam alinhamentos métricos de vários fitoermas, de forma paralela (Figura 30 a) ou simples (Figura 30 b), que em alguns pontos ultrapassam 10 m de extensão. Figura 30 – Visão geral das principais formas de ocorrência do fitoermas (boundstone) do tipo retilíneo. A) Alinhamentos paralelos. B) Alinhamentos simples. Os fitoermas retilíneos são verticais, possuem altura média de 0,7 m, espessura máxima de 0,3 m e comprimento entre 0,8 e 4 m (Figura 31). Um fitoerma do tipo retilíneo pode ocorrer isolado, porém mais comumente encontra-se paralelo a vários fitoermas do tipo cônico alinhados ou paralelo a um outro fitoerma do tipo retilíneo à distância de 1,5 a 2 m. Neste caso, a face vertical do fitoerma voltada para o fitoerma paralelo é aqui designada como face “interna” e sua face oposta como “externa”. Figura 31 – Visão geral de fitoermas (boundstone) do tipo retilíneo. A) Face externa. B) Face interna. Na porção basal da face externa, os fitoermas do tipo retilíneo exibem inúmeros moldes de vegetais in situ, dispostos de forma organizada, com formato circular e interiores 50 ocos (Figura 32 a e b). Os moldes são pouco abundantes ou ausentes no interior do fitoerma. A face interna do fitoerma apresenta padrão acamadado e ausência de moldes vegetais (Figura 32 c). Figura 32 – Visão geral de fitoerma (boundstone) do tipo retilíneo. A) Vista superior da porção mediana de fitoerma quebrado. Notar presença de moldes circulares de vegetais na face externa (setas). B) Detalhe de molde de vegetal – porção basal da face externa. C) Detalhe de textura homogênea, levemente acamada - da porção basal da face interna. Em amostras seccionadas horizontalmente, os moldes exibem cimentação por camadas de carbonato muito finas, escuras, circulares e homogêneas a olho nu (Figura 33). Pontualmente entre os moldes, ocorrem vazios não preenchidos por carbonato, provavelmente produto da decomposição de anteparos vegetais (Figura 33 a). A partir dos moldes circulares ocorre o desenvolvimento de camadas alternadamente densas e porosas com espessura milimétrica, em direção à face interna do fitoerma. Na porção proximal aos moldes, estas camadas originaram estruturas elipsoides horizontais, divergentes, lembrando estromatólitos colunares horizontais (Figura 33 b). No sentido distal, as estruturas elipsoides são substituídas por um padrão ondulado similar ao estromatolítico pseudocolunar, ainda no sentido da face 51 interna do fitoerma. Os pares de carbonato denso e poroso se repetem de forma cíclica até a superfície oposta do fitoerma. Figura 33 - Fitoerma (boundstone) do tipo retilíneo – amostra seccionada. A) Visões perpendicular e paralela as aos moldes vegetais. B) Detalhe de poção perpendicular aos moldes vegetais. C) Aspecto geral paralelo aos moldes vegetais. Microscopicamente os fitoermas do tipo retilíneo apresentam moldes milimétricos circulares (caules) (Figura 34 d) e alongados (folhas) (Figura 34 c), raros grãos siliciclásticos (quartzo), moldes de cianobactérias e raros bioclastos como conchas de moluscos. A textura próxima aos moldes é laminada (L) (Figura 34 a e d), marcada pela alternância entre lâminas de micrita (até 50 μm) e lâminas de esparita até (50 μm). Sobre a textura laminada ocorre textura dendrolítica (D), composta por filamentos de cianobactérias (cf. Phormidium sp.) 52 (Figura 34 b). Entres os moldes vegetais, é comum a presença de peloides cimentados por esparita, conformando textura grumosa (G) (Figura 34 d). Alguns moldes vegetais apresentam em seu interior material castanho indiferenciado (matéria orgânica?) (Figura 34 c). A porosidade é muito alta (maior que 25%) dos tipos móldica (caules, folhas e bactérias) e fenestral (Figura 34 a). Figura 34 – Lâmina delgada - fitoerma (boundstone) do tipo retilíneo. A) Visão geral. Polarizador paralelo. Retângulos indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. B) Detalhe de textura dendrolítica (D). Polarizador paralelo. C) Detalhe de textura laminada (L) sobre molde alongado de folha. Seta indica material indiferenciado, provável resquício de matéria orgânica vegetal. Polarizador paralelo. D) Detalhe de textura laminada (L) sobre molde de caule e textura grumosa (G) em porção distal. Polarizador paralelo. 53 5.4.1.2 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo cônico Os fitoermas do tipo cônico, correspondentes aos Cones e Semicones de Rohn et al., (2015) afloram majoritariamente sobre o eixo principal do depósito (paralelos à elongação do paleovale), com raras estruturas isoladas (Figura 19). São os fitoermas mais abundantes na Fazenda Aurora. Ocorrem comumente em alinhamentos de dezenas de metros compostos por vários fitoermas (Figura 35 a) e por vezes paralelos a fitoermas do tipo retilíneo (Figura 19 a). Ocorrem também, de forma menos expressiva, em aglomerações circulares (Figura 35 b). Figura 35 – Forma de ocorrência dos fitoermas (boundstone) do tipo cone. A) Fitoermas cônicos alinhados (seta). B) Agrupamento circular (visão parcial). Os fitoermas do tipo cone são assimétricos e essencialmente cônicos, com abertura no topo e interior sem preenchimento. Exibem altura entre 0,3 e 0,7 m, paredes com espessura entre 0,15 e 0,3 m e diâmetro entre 0,5 e 1,2 m. Frequentemente apresentam a parede voltada para E com menor espessura ou mesmo ausente (Figura 36). Figura 36 – Visão geral dos fitoermas (boundstone) do tipo cone. A) Ausência de parede voltada para E. B) Detalhe de interior oco, rico em moldes vegetais. Notar assimetria na espessura das paredes. 54 As paredes internas do fitoerma do tipo cônico são ricas em moldes vegetais, frequentemente organizados em posição vertical (Figura 37). Alguns fitoermas apresentam moldes vegetais dispostos de forma caótica na porção basal interna. A superfície da parede exterior apresenta textura homogênea, localmente acamada (Figura 36 a). Figura 37 – Vista perpendicular de paredes dos fitoermas (boundstone) do tipo cone. A) Moldes circulares de Typha (porção externa). Notar presença de poros e cavidades na parede. B) e C) Detalhe de moldes circulares de Typha. Segundo Rohn et al., (2015), os moldes vegetais presentes nestes fitoermas representam as porções basais das bainhas foliares de plantas do gênero Typha - monocotiledônea quase cosmopolita de habitats aquáticos e úmidos. Caules finos não identificados, raízes e conchas de pequenos gastrópodes plano-espirais perfazem as estruturas fossilíferas preservadas no interior deste fitoerma. Em amostras seccionadas horizontalmente, os fitoermas do tipo cônico apresentam estrutura crostiforme nas imediações do molde vegetal, seguida pela estrutura acamadada, levemente organizada concentricamente que se estende em por toda a parede até a face interna (Figura 38). 55 Figura 38 – Fitoerma (boundstone) do tipo cone. A) Detalhe de parede de fitoermas (boundstone) do tipo cone seccionada horizontalmente. B) e C) Visão lateral e transversal de moldes de Typha. Microscopicamente os fitoermas do tipo cone apresentam moldes alongados (folhas) e circulares (caules), raros grãos siliciclásticos (quartzo) e raros bioclastos, frequentemente conchas de moluscos (Figura 39). A textura próxima aos moldes é laminada (L), marcada pela alternância entre lâminas de micrita (até 50 μm) e lâminas de esparita (até 50 μm). Sobre a textura laminar ocorre textura grumosa (G), composta essencialmente por pelóides cimentados por esparita e textura dendrolítica (D), composta por filamentos de cianobactérias. Algumas amostras, nas porções distais dos moldes, podem apresentar intercalação entre níveis com textura laminada (L) e níveis com textura dendrolítica (D), com os filamentos frequentemente perpendiculares às laminações. A porosidade é muito alta (maior que 25%) dos tipos móldica (caules, folhas e cianobactérias), vugular e fenestral (Figura 38). 56 Figura 39 – Lâmina delgada - fitoerma (boundstone) do tipo cone. A) Visão geral. Polarizador paralelo. Retângulos indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. B) Detalhe de textura laminada (L) sobre molde de folha, e textura grumosa (G). Polarizador paralelo. C) Detalhe de textura dendrolítica (D) intercalada à textura laminada (L) e textura grumosa (G). Polarizador paralelo. D) Detalhe de porosidade (porções claras) associada à textura dendrolítica. Polarizador paralelo. Imagens c e d rotacionadas em relação à imagem a. 57 5.4.1.3 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo microterraço Os fitoermas do tipo microterraço, denominados como Barragens em Rohn et al. (2015), ocorrem comumente próximos ao eixo principal do depósito (frequentemente perpendiculares à elongação do paleovale) em áreas com um pequeno declive (Figura 19). Conformam afloramentos pontuais, frequentemente compostos por conjuntos de pequenos canais (Figura 40 a) e terraços escalonados (Figura 40 b). Nas porções mais baixas da área de estudo, estes fitoermas também parecem ocorrer, porém estão parcial ou totalmente recobertos por sedimentos inconsolidados (Figura 42 a). Figura 40 – Forma de ocorrência dos fitoermas (boundstone) do tipo microterraço. A) Pequenos canais formado entre fitoermas tipo microterraço. B) Fitoermas escalonados, seta indica fitoerma em posição elevada do terreno. Os fitoermas do tipo microterraço são caracteristicamente horizontais (Figura 39 a), com alturas não superiores a 0,15 m (Figura 40 b). Em planta apresentam formato circular a semicircular ou alongado (comprimentos geralmente inferiores a 2 m) (Figuras 40 a 41). As paredes externas são convexas, sinuosas, pouco espessas e ricas em protuberâncias (Figuras 41 b e c). A porção interna dos microterraços é preenchida por emaranhados de talos de algas carófitas dispersas de forma aleatória ou levemente orientadas (Figura 41 a e Figura 43 b), além de fragmentos carbonáticos detríticos, sedimentos inconsolidados, moldes vegetais aleatoriamente distribuídos e conchas de gastrópodes. 58 Figura 41 – Fitoermas (boundstone) do tipo microterraço. A) Detalhe de dois fitoermas paralelos conformando pequeno canal. Notar preenchimento do fitoermas inferior por talos de algas ligeiramente orientados e presença de sedimentos inconsolidados encobrindo fitoerma superior. B) e C) Detalhe de protuberâncias na face externa dos fitoermas. Figura 42 – Fitoerma (boundstone) do tipo microterraço. A) Detalhe de fitoerma com parede fragmentada. Notar intercalação entre camadas densas, milimétricas e camadas porosas, centimétricas. B) Detalhe de preenchimento do fitoerma por talos de algas dispostos de forma aleatória. Amostras fragmentadas de fitoermas do tipo microterraço exibem moldes circulares e alongados de pequenos caules e finas raízes, e intercalações entre camadas densas, milimétricas e porosas, centimétricas (Figura 42 a). A porção interna da parede (voltada para 59 o interior do fitoerma) é frequentemente repleta de fragmentos de algas e pequenos moldes vegetais (Figura 43 b e c). Figura 43 – Fitoerma (boundstone) do tipo microterraço. A) Detalhe da porção externa de fragmento de fitoerma microterraço. Notar aspecto grumoso, levemente sinuoso e a presença de moldes de pequenos caules e finas raízes (porção superior direita). B) Detalhe da porção interna de fragmento de fitoerma microterraço. C) Detalhe de (b). Notar presença de porosidade associada. Microscopicamente as seções delgadas das paredes externas dos microterraços revelam a presença de textura laminada (L) composta por cíclicas laminações milimétricas de micrita e esparita, intercaladas entre lâminas com textura dendrolítica (D) composta por filamentos de cianobactérias orientados em posição ortogonal à laminação. A análise petrográfica do material carbonático contido no interior de um microterraço (Figura 44) revelou a presença de moldes de vegetais, possivelmente musgos (Figura 44 c), algas com diâmetro médio de 200 μm (provavelmente da ordem Zygnematales) (Figura 44 b), fragmentos de bioclastos (concha de moluscos) (Figura 44 d), pelóides e raros grãos siliciclásticos (quartzo). Os moldes vegetais apresentam cimentação com intercalação entre 60 lâminas de micrita e lâminas de esparita, e exibem nas porções distais pelóides cimentados por esparita – textura grumosa (G). Moldes de filamentos de cianobactérias ocorrem de forma pontual. A porosidade é muito alta (acima de 25%) dos tipos, móldica, interpartícula e intercristalina. Figura - 44 Lâmina delgada de material contido no interior de fitoerma (boundstone) do tipo microterraço. A) Visão geral. Polarizador paralelo. Retângulos indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. B) Detalhe de algas provavelmente da ordem Zygnematales (setas). Polarizador paralelo. C) Detalhe moldes, em corte transversal, de musgos (seta). Polarizador paralelo. D) Detalhe de fragmento de gastrópode (seta) e textura grumosa (G) na porção inferior da imagem. Polarizador cruzado. Imagens c e d rotacionadas em relação à imagem a. 61 5.4.1.4 Tufas autóctones fitoermais (boundstone) – tipo troncos de vegetais superiores Os fitoermas do tipo tronco de vegetais superiores, denominados como Incrustação em tronco vegetal em Rohn et al., (2015), ocorrem de forma pontual na margem norte do paleovale, em área ligeiramente elevada e fora do eixo principal do depósito (Figura 18). É o fitoerma de menor ocorrência em todo o depósito estudado. Os fitoermas ocorrem frequentemente truncados próximo à base (Figura 45 b), sendo comum a ocorrência de fragmentos rolados e possivelmente afastados de suas respectivas origens (Figura 45 a). Figura 45 – Fitoerma (boundstone) do tipo tronco de plantas superiores. A) Visão geral da área de ocorrência dos fitoermas fragmentados. B) Detalhe de fitoerma in situ. Notar moldes circular possivelmente de raiz. Os fitoermas deste tipo são constituídos essencialmente por um tronco de vegetal superior, incrustado por sucessivas camadas concêntricas de carbonato (Figura 46). Os exemplares coletados apresentam base com até 0,4 m de diâmetro, sendo comum sua ramificação em moldes menores, circulares, provavelmente raízes (Figura 46 a). A porção superior, a partir da base, apresenta forma cilíndrica, com altura de até 0,7 m e diâmetro uniforme, que não ultrapassa 0,2 m (Figura 46 c). As camadas de carbonatos que constituem as paredes desse fitoerma são levemente assimétricas, com espessuras variando em um mesmo fitoerma entre 0,05 a 0,1 m (Figura 47 b e c). A porção exterior do fitoerma é lisa ou levemente enrugada (Figura 46 a). Não há preservação do vegetal no interior do fitoerma, o que confere o formato cilíndrico e frequentemente oco de seu interior. Por vezes pode ocorre o preenchimento do interior do fitoerma por carbonato (Figura 47 b e c). 62 Figura 46 – Fitoerma (boundstone) do tipo tronco de plantas superiores. A) Aspecto longitudinal. Notar base ramificada (porção da esquerda) com diâmetro maior que no topo da amostra (porção da direita). B) Aspecto da superfície basal (aproximadamente transversal) da amostra. Notar o molde cilíndrico de tronco na porção central da estrutura. C) Aspecto da superfície superior (aproximadamente transversal) da amostra. Notar assimetria das paredes e o molde cilíndrico no centro. Amostras em corte transversal exibem estrutura acamadada, com padrão concêntrico (Figura 47 c), formado pela alternância de camadas milimétricas/centimétrica porosas e delgadas lâminas densas (Figura 47 c). Estas últimas, por sua vez, são constituídas por lâminas porosas submilimétricas de micrita e lâminas densas submilimétricas esparíticas (estrutura crostiforme). As camadas porosas possuem poros submilimétricos, homogêneos e perpendiculares às laminações. Entre as camadas pode haver à ocorrência de poros centimétricos, alongados e irregulares. O material que preenche o molde central de alguns fitoermas apresenta textura homogênea, com poros arredondados, sendo comum a ocorrência de grãos siliciclásticos (Figura 47 c). 63 Figura 47 – Fitoerma (boundstone) do tipo tronco de plantas superiores. A) Detalhe do exterior do fitoerma com aspecto enrugado (parte superior da imagem). B) Detalhe da porção superior do fitoerma em corte transversal. Notar assimetria da espessura das paredes e molde cilíndrico (centro) preenchido por carbonato. C) Corte transversal da amostra ilustrada em b, detalhe da estrutura acamadada (constituída pela alternância cíclica de níveis crostiformes densos e milimétricos, e níveis porosos, frequentemente centimétricos). Microscopicamente os fitoermas do tipo tronco de vegetais superiores apresentam padrão planar (Figura 48 a). A textura próxima ao molde vegetal é laminada (L), marcada pela alternância entre lâminas de micrita (até 50 μm) e lâminas de esparita até (50 μm) (Figura 48 d). Sobre a textura laminada ocorrem porções com textura dendrolítica (D), composta por filamentos de cianobactérias (cf. Phormidium sp.). Nas porções distais dos moldes, ocorre a intercalação entre níveis com textura laminada e níveis com textura dendrolítica, com os moldes dos filamentos frequentemente perpendiculares às laminações (Figura 48 b). A 64 porosidade é muito alta (maior que 25%) dos tipos móldica e fenestral (entre os moldes de filamentos). Alguns fitoermas apresentam o molde central preenchido por peloides, grãos siliciclásticos (quartzo) e raras conchas de gastrópodes; nestes locais as texturas predominantemente são grumosa (G) e micrítica (M) (Figura 48 d). Figura 48 – Lâmina delgada - fitoerma (boundstone) do tipo tronco de vegetais superiores. A) Visão geral. Polarizador paralelo. Retângulos indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. B) Detalhe de textura laminada (L). Polarizador paralelo. C) Detalhe de intercalação entre texturas laminada (L) e dendrolítica (D). Polarizador paralelo. D) Detalhe de textura laminada (L) e porção interna do molde preenchido por carbonato com textura grumosa (G). Polarizador paralelo. Imagens b e c rotacionadas em relação à imagem a. 65 5.4.1.5 Tufas autóctones fitoermais (framestone) – tipo talos de algas carófitas Os fitoermas do tipo talos de algas carófitas, já apresentados com esta denominação por Rohn et al., (2015), ocorrem majoritariamente sobre o eixo principal do depósito e em pequenas depressões subcirculares (com 4-5 m de diâmetro) nas margens norte e sul do paleovale (Figura 14). Conformam afloramentos planos e contínuos, comumente no interior de fitoermas do tipo microterraço (Figura 49). Ocorrem também próximos a fitoermas dos tipos retilíneo e cônico. Os afloramentos são frequentemente encobertos por sedimentos inconsolidados (Figura 49 c). Figura 49 – Visão geral das principais formas de ocorrência do fitoermas (framestone) do tipo talos de algas carófitas. A) Ocorrência em pequena depressão localizada na margem sudoeste do paleovale; seta indica posição de imagem b. B) Detalhe de emaranhado de talos de algas carófitas. C) Fitoerma do tipo microterraço com fitoermas do tipo talo de alga carófita (seta) em seu interior. Notar parcial soterramento por sedimentos inconsolidados. As algas carófitas, formalmente designadas como Chara, são macrófitas de ambientes límnicos rasos, atados por rizoides a substrato lamoso, vivendo totalmente 66 submersos, caracterizados por um eixo caulinar principal (“talo”), ramos que emergem de nós e estruturas reprodutivas masculinas e femininas também emergentes dos nós. Estas últimas (oogônios) possuem longas células externas espiraladas com carbonato de cálcio, mas inclusive os talos podem ficar revestidos por esta substância quando as algas vivem em águas carbonatada. No caso da Fazenda Aurora, preservaram-se principalmente moldes de eixos caulinares, formados devido à incrustação por esparita e posterior decomposição do material orgânico. Estas estruturas são relativamente retilíneas, com diâmetro médio de 200 μm e comprimento centimétrico, e ocorrem em posição aproximadamente horizontal, distribuídas de forma levemente orientada ou caótica (Figura 50 a). Entre os talos há abundantes espaços vazios (Figura 50 b e c), por vezes preenchidos por carbonato, fragmentos vegetais e carapaças de ostracodes e conchas de gastrópodes. Figura 50 – Fitoerma (framestone) do tipo talo de alga carófita, caracterizando-se pela incrustação de carbonato de cálcio nos talos. A) Talos de algas carófitas preservados em posição horizontal, com leve orientação; a estrutura subvertical representa a incrustação de provável caule de Typha preservado in situ, demonstrando a íntima associação entre as duas macrófitas aquáticas. B) Detalhe porção lateral dos talos de carófitas. C) Detalhe de porção transversal dos talos – amostra seccionada. 67 Figura 51 – Lâmina delgada - fitoerma (framestone) do tipo talo de alga carófita. A) Visão geral, com destaque para porosidade muito alta característica deste fitoerma. Polarizador paralelo. Quadrados indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. B) Detalhe de corte transversal (oogônio) de algas carófitas do gênero Chara. Polarizador paralelo. C) Corte longitudinal e transversal de talos de carófita com fina e irregular camada de micrita (seta). Polarizador paralelo. D) Detalhe dois talos de algas carófitas cimentados por calcita subédrica (cristalino médio e fino, seta). Polarizador paralelo. Microscopicamente os fitoermas do tipo talos de algas carófitas são compostos essencialmente por moldes de algas carófitas (Chara sp.) (Figura 51 a), peloides, raros grãos siliciclásticos (quartzo) e raras conchas de gastrópodes. A textura próxima aos moldes é maciça, composta essencialmente por esparita. Sobre a textura maciça ocorrem delgadas e irregulares camadas com textura micrítica/peloidal (Figura 51 c). Raros filamentos de cianobactérias (Phormidium sp.) ocorrem nessa camada. Sobre esta camada é comum também, a cimentação por calcita subédrica, de tamanho cristalino médio, que por vezes une 68 dois ou mais talos (Figura 51 d e c). Estruturas fusiformes, interpretadas como oogônios (Figura 51 b) são encontradas pontualmente. A porosidade é muito alta (maior que 25%) do tipo móldica e intermóldica. 5.4.2 Tufas Alóctones Clásticas 5.4.2.1 Tufa alóctone microdetrítica – tipo maciça Este grupo é o único representante das tufas alóctones microdetríticas, sensu Pedley (1990) no depósito da Fazenda Aurora. Os afloramentos de tufa do tipo maciça ocorrem majoritariamente fora do eixo principal do depósito (Figura 18), nas margens norte (Figura 52 a) e sul do paleovale (Figura 52 b). Conformam afloramentos de dimensões e espessuras variadas, de finas incrustações pontuais sobre blocos (Figura 52 a) a grandes e espessos afloramentos (Figura 52 b) diretamente sobre o embasamento. Os afloramentos das tufas do tipo maciça frequentemente são encobertos por sedimentos inconsolidados. Figura 52 – Visão geral das principais formas de ocorrência das tufa microdetrítica do tipo maciça. A) Afloramento de pequenas dimensões de tufas maciças sobre bloco de carbonato da Formação Salitre (porções mais esbranquiçadas), parcialmente encoberto por sedimentos inconsolidados modernos. B) Afloramento de grandes dimensões de tufas maciças, parcialmente encoberto por sedimentos inconsolidados modernos. A tufa do tipo maciça ocorre como crostas irregulares milimétricas a centimétricas, dependendo da superfície original do substrato incrustado (até sobre seixos a matacões rolados, Figuras 53 b e c), e nos locais em que possui maiores espessuras (até algumas dezenas de centímetros) sua geometria tende a ser tabular com superfície plana horizontal (Figura 52 b). As tufas maciças podem ocupar áreas de alguns metros quadrados de extensão, quando ocorrem diretamente sobre o embasamento carbonático. A porção superior dos 69 afloramentos é frequente irregular, com reentrâncias e saliências e por vezes com padrão levemente laminado (Figura 52 a). Figura 53 – Tufa microdetrítica tipo maciça. A) Porção interna de amostra fragmentada - textura maciça (centro) a levemente laminada (borda). B) Detalhe de delgada cobertura de tufa maciça (seta) sobre bloco de arenito da Formação Salitre. C) Tufa micrítica englobando seixos. Amostras seccionadas nas posições horizontal e vertical de tufas do tipo maciça revelam estrutura homogênea à levemente acamadada a olho nu (Figura 53 a), por vezes com clastos arredondados e angulosos de composição carbonática e arenítica (Figura 53 c), além de moldes de fragmentos vegetais e conchas, dispostos de forma caótica. Os moldes e clastos presentes apresentam incrustação por massas homogêneas de micrita. Este tipo de tufa apresenta baixíssima porosidade, com poros não visíveis a olho nu. 70 Microscopicamente as tufas microdetríticas tipo maciça são compostas por pelóides, grãos siliciclásticos (quartzo) (Figura 54 a), e conchas de gastrópodes. As texturas presentes são maciça (M) e grumosa (G) (Figura 54 c). Os pelóides ocorrem coalescidos e dispersos. Grãos siliciclásticos ocorrem de forma abundante, distribuídos de maneira caótica e, em algumas amostras, intercalados entre camadas micríticas/peloidais (Figura 54 d). Não há porosidade visual aparente. Figura 54 – Lâmina delgada - tufa microdetrítica tipo maciça A) Visão geral. Polarizador paralelo. Notar ausência de poros. Retângulos Quadrados indicam a posição das imagens de detalhe b, c e d. Imagens. B) Detalhe de grãos siliciclásticos distribuídos de forma dispersa (seta). Polarizador paralelo. C) Detalhe de textura maciça (M) e grumosa (G). Polarizador paralelo. D) Detalhe de textura maciça (M) e abundantes grãos siliciclásticos distribuídos de forma aleatória. Imagens c, b e d rotacionadas em relação à imagem a. 71 5.5 Microbiota A análise de lâminas delgadas por meio de microscopia óptica e a análise de amostras de tufas submetidas à microscopia eletrônica de varredura (MEV) revelaram evidências de microrganismos em todos os tipos de tufas estudados. Os principais elementos encontrados são estruturas cilíndricas, retilíneas, não ramificadas, alongadas e mineralizadas, interpretadas como moldes externos de filamentos de cianobactérias. Outros elementos detectáveis, majoritariamente por meio de MEV, são feixes de estruturas irregulares, ramificadas e alongadas, interpretadas como resquícios de substância polimérica extracelular ou, como referidas nesta dissertação, pelas iniciais do consagrado termo em inglês extracellular polymeric substances (EPS). 5.5.1 Filamentos de Bactérias Dentre os elementos microbiais, os moldes externos das bainhas de filamentos de cianobactérias não ramificadas são as estruturas orgânicas mais comuns encontradas em todo depósito. A identificação dessas estruturas foi realizada por meio da medida do diâmetro e caracterização dos aspectos morfológicos dos moldes em comparação à literatura concernente ao tema (GOLUBIC et al., 1994; FREYTET & VERRECCHIA, 1994; PENTECOST, 2005). Os moldes encontrados comumente ocorrem em camadas de carbonato maciço e como emaranhados de filamentos isolados em camadas porosas. A distribuição e o arranjo dos cristais sobre os moldes dos filamentos sugerem que os filamentos forneceram superfícies para a nucleação dos cristais, embora em alguns raros casos, foram observados filamentos envolvidos por cristais euédricos a subédricos sem aparente relação direta com nucleação superficial (Figura 55 b). Dois morfótipos principais de filamentos, caracterizados por diferenças no diâmetro, comprimento, morfologia e a forma de carbonato incrustante, foram observados nas tufas da Fazenda Aurora. Embora a taxonomia de bactérias em tufas calcárias seja considerada controversa, as características dimensionais e microestruturais dos filamentos encontrados indicam afinidade com cianobactérias do gênero Phormidium. A primeira espécie apresenta moldes de filamentos sem ramificações, com diâmetro entre 1 e 2 μm e comprimento de algumas centenas de micrômetros (Figura 55). O interior das estruturas filamentosas apresenta parede lisa, sem traços de segmentação (Figura 55 a). Em lâminas petrográficas