UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN ALFABETIZAÇÃO VISUAL DESDE A INFÂNCIA: DESENVOLVENDO A EDUCAÇÃO DO OLHAR E COMPETÊNCIAS PARA PRODUÇÕES VISUAIS ANDREIA MATOS BARREIRA BAURU 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN ALFABETIZAÇÃO VISUAL DESDE A INFÂNCIA: DESENVOLVENDO A EDUCAÇÃO DO OLHAR E COMPETÊNCIAS PARA PRODUÇÕES VISUAIS ANDREIA MATOS BARREIRA Dissertação de Mestrado em Design, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Bauru, linha de pesquisa em Planejamento de Produto. Orientadora: Profa. Dra. Cássia Letícia Carrara Domiciano “Se você pudesse dizer em palavras não haveria necessidade de pintar”. Edward Hopper AGRADECIMENTOS Eu agradeço em primeiro lugar à Deus que me deu e dá forças todos os dias para poder trabalhar e estudar, enfrentando todas as adversidades e me dando saúde e disposição para isso. Agradeço à minha família e amigos que me apoiam e entendem quando não pudemos em alguns momentos dar a atenção que gostaríamos devido ao trabalho. Agradeço muitíssimo a minha orientadora Prof.ª Drª. Cássia Letícia Carrara que me deu plena assistência nesse estudo e pude contar com ela em todos os momentos que precisei de sua orientação. Agradeço a todos os profissionais do Programa de Pós-graduação da FAAC, que sempre cumpriram seu papel e auxiliam com muita eficiência todos os alunos. Sou grata a todos que participam direta ou indiretamente ao meu processo de estudo para obtenção de título de mestre em Design que me abrirá portas e faz com que eu dê um passinho a mais no meu desenvolvimento pessoal e profissional. RESUMO A formação do indivíduo na sociedade contemporânea tem passado por inúmeras transformações e se observa a necessidade de múltiplos letramentos. A alfabetização passa pelo modo verbal de escrita e leitura, entretanto se mostra insuficiente num contexto em que a comunicação também é feita em outros modos, destacando-se o visual. Este trabalho explora os conteúdos necessários à alfabetização visual e a sua importância no contexto atual da comunicação, onde atua o designer gráfico, dentre outros profissionais. Percebe-se, porém, que ainda não há um espaço notável para esse aprendizado no sistema atual de educação. O letramento visual deve ser adquirido desde os primeiros anos da educação, abrangendo um aprendizado gradual sobre o código visual. Tendo em vista essa problemática, esta pesquisa tem o objetivo de levantar quais conhecimentos são necessários para um indivíduo se alfabetizar visualmente e como esse conteúdo está sendo trabalhado nos currículos escolares para crianças do 1º ao 3º ano do ensino fundamental da rede pública estadual paulista. Para atingir tal objetivo realizou-se uma pesquisa qualitativa de teor descritivo e exploratório, analisando o material didático do componente curricular Arte, no qual se encontra o conteúdo sobre a linguagem visual, englobando competências em Arte e Design. Foi verificado que há deficiência de informação nos materiais didáticos nos três anos, em especial no terceiro ano em que somente o elemento visual cor teve aprofundamento dentro do tema. As atividades práticas são bem exploradas, necessitando apenas uma complementação em relação ao escopo do conhecimento proposto nas diretrizes. Como resultado são indicadas diretrizes para melhorias no conteúdo sobre linguagem visual necessário nos materiais didáticos. Palavras-chave: Design da Informação; Alfabetização Visual; Linguagem Visual; Educação Visual; Educação Básica. ABSTRACT The formation of the individual in contemporary society has undergone countless transformations and the need for multiple literacies is evident. Literacy goes through the verbal mode of writing and reading, however that have been proven insufficient in a context in which communication is also done in other ways, mainly with the visual mode. This work explores the contents needed in visual literacy and its importance in the current context of communication, in which graphic designers work on, among other professionals. It is clear that there is not yet a remarkable space for this learning in the current education system. As many quoted authors here say, visual literacy must be introduced in the early years of education for a gradual learning about the visual code. In view of this problem, the research aims to raise what knowledge is necessary for an individual to become visually literate and how this content is being handled in the school curricula for children from the 1st to the 3rd year of elementary school in São Paulo state public system. To achieve this goal, a qualitative research with a descriptive and exploratory content was carried out, with a case study, analyzing the didactic material of the curricular component Art, in which the content on the visual language encompassing skills in Art and Design is found. In this analysis, the gaps in the material on the theme are pointed out, based on the theoretical framework studied here. It was noticed that there is a lack of information in the teaching materials in the three years, especially in the third grade, in which only the visual element color had a deeper understanding of the subject. Practical activities are well explored, requiring only a complementation in relation to the scope of knowledge proposed in the guidelines. Guidelines are indicated for improvements in the content on visual language, very important in teaching materials Keywords: visual literacy; visual language; information design; visual education; basic education. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - triangulação representativa do processo semiótico ...................... 33 FIGURA 2 - Linha formada por pontos ............................................................. 47 FIGURA 3 - retícula de tom contínuo ................................................................ 47 FIGURA 4 - Textura com pontos ...................................................................... 48 FIGURA 5 - Linhas rígidas ............................................................................... 49 FIGURA 6 - Linhas Fluídas ............................................................................... 49 FIGURA 7 - Formas primárias ou fundamentais ............................................... 50 FIGURA 8 - Cores primários pigmento ............................................................. 52 FIGURA 9 - Cores luz primárias ....................................................................... 52 FIGURA 10 - Escala de saturação da cor ......................................................... 53 FIGURA 11 - Escala de luminosidade .............................................................. 53 FIGURA 12 - Disco Cromático .......................................................................... 55 FIGURA 13 - Contraste simultâneo .................................................................. 55 FIGURA 14 - Padrões com formas iguais; cores e atmosferas diferentes ........ 57 FIGURA 15 - Textura ........................................................................................ 58 FIGURA 16 - Objeto em escala não convencional ........................................... 59 FIGURA 17 - ilusões espaciais e relações conceituais de escala .................... 60 FIGURA 18 - Direções visuais básicas ............................................................. 61 FIGURA 19 - Objeto estático e em movimento numa sequência de quadros ... 62 FIGURA 20 - grupo 1 – Elementos primitivos de Horn ..................................... 63 FIGURA 21 - grupo 2 – propriedades dos elementos primitivos ....................... 63 FIGURA 22 - Princípio da simplicidade ............................................................ 65 FIGURA 23 - Nivelamento e Aguçamento ........................................................ 66 FIGURA 24 - Eixo sentido ................................................................................ 67 FIGURA 25 - Equilíbrio - Contrapesos .............................................................. 68 FIGURA 26 - Equilíbrio Simples ....................................................................... 68 FIGURA 27 - Influência da localização no peso visual ..................................... 70 FIGURA 28 - influência da localização no peso visual ..................................... 70 FIGURA 29 - Hierarquia ................................................................................... 72 FIGURA 30 - Hierarquia ................................................................................... 73 FIGURA 31 - Hierarquia ................................................................................... 73 FIGURA 32 - Equilíbrio e Simetria .................................................................... 74 FIGURA 33 - Equilíbrio e Simetria .................................................................... 74 FIGURA 34 - Exemplo de figura e fundo .......................................................... 75 FIGURA 35 - Figura e fundo –Vaso Rubin ....................................................... 75 FIGURA 36 - Figura e fundo - Pássaraos de Maurits C. Escher....................... 75 FIGURA 37 - Figura e fundo: área menor como figura ..................................... 76 FIGURA 38 - Figura e fundo - textura ............................................................... 76 FIGURA 39 - Formas concava e convexa ........................................................ 77 FIGURA 40 - Contraste de Tom ....................................................................... 80 FIGURA 41 - Contraste de cor através das complementares ........................... 80 FIGURA 42 - Contraste de formas .................................................................... 81 FIGURA 43 - Contraste de Escala .................................................................... 82 FIGURA 44 - Contraste de repouso e movimento ............................................ 82 FIGURA 45 - Contraste de localização ............................................................. 83 FIGURA 46 – Contraste de quantidade ............................................................ 84 FIGURA 47 - Técnicas visuais em polardades ................................................. 86 FIGURA 48 - Figura que parte da circunferência .............................................. 87 FIGURA 49 - Composição a partir de um grid .................................................. 87 FIGURA 50 – Imagens digitais em camadas com uso de computação gráfica 88 FIGURA 51 - Técnica da Transparência ........................................................... 88 FIGURA 52 - Padronagem ............................................................................... 89 FIGURA 53 - Compromissos do Infodesign ...................................................... 98 FIGURA 54 - Teoria das múltiplas Inteligências (MI) ...................................... 116 FIGURA 55 - Sistema Nervoso Central .......................................................... 118 FIGURA 56 - Cérebro humano ....................................................................... 119 FIGURA 57 - Livro didático ............................................................................. 134 FIGURA 58 - Caderno didático ....................................................................... 134 FIGURA 59 - Conteúdo sobre o ponto ............................................................ 136 FIGURA 60 - Obra Amarelo-Vermelho-Azul de Kandinsky ............................. 136 FIGURA 61- Conteúdo sobre a linha .............................................................. 137 FIGURA 62- Atividade Proposta ..................................................................... 137 FIGURA 63 - Atividade com formas livres ...................................................... 137 Figura 64 - Páginas do livro didático com exemplos de obras de arte que exemplificam formas geométricas e formas livres nas artes ........................... 138 Figura 65 - Imagem do material didático Arte da SED, com exemplo de modalidades artísticas diferentes para análise visual ..................................... 139 Figura 66 - Imagem do material didático Arte da SED, com exemplo de modalidades artísticas diferentes para análise visual ..................................... 140 Figura 67 - Conteúdo sobre a cor do livro didático Arte do 2º ano ................. 141 Figura 68 - texturas na natureza e nas obras de arte .................................... 141 Figura 69 - Slide da SEDUC Pernambuco ..................................................... 143 Figura 70 - Imagem “Print” tirado do site indicado no material didático ......... 145 Figura 71 - Conteúdo sobre linguagem visual para o 3º Ano EF .................. 146 Figura 72 - Exemplos das cores primárias e secundárias e como obtê-las ... 147 Figura 73 - Páginas do Livro Didático sobre o elemento visual Cor ............... 148 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE SIGNOS ...................................... 34 QUADRO 2 - Categorias do pensamento em relação aos fenômenos de Pierce ..... 36 QUADRO 3 - Padrões de competência em alfabetização ......................................... 39 QUADRO 4 - Habilidades de leitura e escrita ........................................................... 41 QUADRO 5 - influências do peso no equilíbrio visual .............................................. 69 QUADRO 6 - Princípios da Guestalt: teorias da percepção visual ............................ 95 QUADRO 7 - Teorias de aquisição do conhecimento, no qual situam-se ............... 103 QUADRO 8 - Rsumo metodológico desse trabalho ................................................ 132 QUADRO 9 - Quantidade conteúdo sobre LV nos materiais analisados ................ 150 LISTA DE SIGLAS (ORDEM DE APRARIÇÃO) AV – Alfabetização Visual IVLA – International Visual Literacy Association ACRL – Association of College & Research Libraries ALA - American Library Association CMYK – Cian, Magenta, Yellow and Black RGB – Red, Green and Blue 3D – Três dimensões 2D – Duas dimensões ZDP – Zona de Desenvolvimento Potencial ou Proximal EF – Ensino Fundamental AI – Anos Iniciais EM – Ensino Médio LV – Linguagem Visual EF – Ensino Fundamental MI - Múltiplas Inteligências SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Sistema Nervoso Periférico SEDUC-SP – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16 1.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 19 1.2 OBJETIVO GERAL................................................................................................... 23 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................... 23 1.4. JUSTIFICATIVA...................................................................................................... 23 2 FUNDMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................. 27 2.1 LINGUAGEM, LINGUAGEM VISUAL E SEMIÓTICA ................................................ 27 2.2 ALFABETISMO VISUAL .......................................................................................... 36 2.2.1 Conteúdo do alfabetismo visual ........................................................................ 43 2.3 MORFOLOGIA DA LINGUAGEM VISUAL ............................................................... 44 2.3.1 O ponto .............................................................................................................. 46 2.3.2 Linha .................................................................................................................. 48 2.3.3 FORMA OU PLANO ............................................................................................ 49 2.3.4 Tom .................................................................................................................... 50 2.3.5 Cor ..................................................................................................................... 50 2.3.6 Textura............................................................................................................... 57 2.3.7 Elementos relacionais ....................................................................................... 58 2.4 CONCEITOS FUNDAMENTASI DA LINGUAGEM VISUAL ........................................ 64 2.4.1 Simplicidade ...................................................................................................... 64 2.4.2 Nivelamento e aguçamento .............................................................................. 65 2.4.3 Equilíbrio............................................................................................................ 66 2.4.4 Hierarquia .......................................................................................................... 71 2.4.5 Simetria e assimetria ......................................................................................... 73 2.4.6 Figura e fundo ................................................................................................... 74 2.4.7 Contraste ........................................................................................................... 78 2.5 TÉCNICAS VISUAIS APLICADAS NA COMUNICAÇÃO VISUAL ................................ 84 2.6 PROCESSOS PERCEPTIVOS E TEORIA DA GESTALT ............................................... 89 2.6.1 A teoria da gestalt .......................................................................................... 93 2.7 DESIGN DA INFORMÇÃO ...................................................................................... 97 2.8 A CRIANÇA DE 6 A 8 ANOS E SEU PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO .................... 101 2.8.1 Teorias psicológicas para alfabetização .......................................................... 102 2.8.2 A contribuição da neurociência para a melhoria da aprendizagem. .............. 116 2.8.3 O ensino da arte e os métodos educacionais de Ana Mae Barbosa. .............. 122 3 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 128 3.1 UNIVERSO E AMOSTRA: SUJEITOS DA PESQUISA ............................................... 130 3.2 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS PARA COLETA DE DADOS .................................... 131 3.3 ANÁLISE DOS DADOS .......................................................................................... 131 4 ANÁLISES ........................................................................................................... 134 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................... 150 5.1 DIRETRIZES PARA A ELABORAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS QUE VISAM A AV. ............................................................................................................................. 151 5.2 PROPOSTA DE DIRETRIZ ..................................................................................... 152 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 158 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 162 16 1 I N T R O D U Ç Ã O 17 1 INTRODUÇÃO Atualmente chegamos num ponto em que temos vivenciado o uso cada vez maior e intenso das imagens nos meios de comunicação. Há décadas isso vem sendo colocado em pauta, contudo a ênfase dada à linguagem verbal e a crença de que não se necessita aprender a olhar, entendendo-se como algo automático e que a habilidade de se produzir imagens é fruto de “dons” subjetivos destinados a poucos, fez com que o ensino sobre a linguagem visual fosse sempre deficitário (LITTLE, FELTEN e BERRY apud Kedra, 2018). Essa crença tem diminuído, pois, com a ampliação e abertura das possibilidades de utilização de recursos visuais por um número cada vez maior de pessoas graças às novas tecnologias digitais, fica em evidência a necessidade desse aprendizado. A comunicação atual na era digital, é altamente visual devido à facilidade que as novas tecnologias têm proporcionado na captação de imagens, transmissão e trocas via internet e o uso dos aparelhos celulares que instantaneamente abrem essa comunicação. O advento da câmera fotográfica revolucionou e ampliou as possibilidades dos trabalhos com comunicação visual assim como as técnicas de impressão viabilizaram a expansão da comunicação visual escrita. No mundo contemporâneo o advento da internet e das câmeras dos smartphones, assim como a infinidade de programas de edição de imagens e filmagens, jogos e aplicativos trouxeram uma nova era para a comunicação e para o compartilhamento de conhecimentos. A imagem sempre atraiu o olhar, além de tornar a comunicação mais rápida e de melhor memorização. Seu uso agora é irrestrito e passível de rápida manipulação, portanto a consciência de como utilizá-la e interpretá-la se tornou algo de grande urgência e valor. Averignou e Pettersson fazem a seguinte abordagem sobre essa assimilação da imagem: A memória para imagens é superior à memória para palavras (Branch & Bloom, 1995; Haber e Myers, 1982; Paivio, 1983). Isso é chamado de efeito pictórico de superioridade. A memória para uma combinação de imagem e palavra é superior a memória apenas para palavras ou apenas imagens (Haber & Myers, 1982) (AVGERINOU E PETTERSON, 2016 p. 9, tradução livre). 18 Os jovens estão imersos nesse ambiente digital, interagem e criam imagens o tempo todo, porém quando chegam na escola ou na universidade conforme Kedra e Žakevičiūtė (2019) se deparam com informações na maior parte de forma textual escrita, o que os deixam muito desestimulados e alienados sobre o uso dos recursos visuais. É fato, porém que “as gerações contemporâneas do milênio e pós-milênio, embora geralmente experientes tecnologicamente, são frequentemente analfabetas visualmente” (BRUMBERGUER ; EMANUEL, BAKER, & CHALLONS-LIPTON apud KEDRA E ŽAKEVIČIŪTĖ, 2019 p.1). Esta pesquisa trata, em essência sobre a necessidade do aprendizado da linguagem visual e seus processos, portanto versa sobre a alfabetização visual, discorrendo sobre: a definição desse termo; porque e como ela ocorre e quais os principais aspectos verificados na literatura que fazem parte desse universo de modo a serem englobados num sistema de ensino. A alfabetização visual é um dos requisitos primeiros na formação de profissionais que trabalham com toda espécie de produtos visuais como artistas visuais, designers, arquitetos, publicitários, profissionais do cinema, televisão e vídeos de forma geral, dentre outros. Os estudantes de Design chegam na universidade com grande dificuldade de manipular os elementos que compõem a imagem e desconhecem a existências de parâmetros, regras, técnicas e artifícios que possibilitam e viabilizam uma melhor organização visual e, portanto, uma comunicação de melhor qualidade estética e funcional. Da mesma forma existe a carência da habilidade de interpretar e analisar mensagens visuais, visto que infelizmente no Brasil a cultura educacional negligenciou por muito tempo a importância da alfabetização visual. Entende-se, portanto, que é necessário olhar para essa questão e analisar como está sendo abordado o ensino da linguagem visual no ensino básico educacional com o propósito de apontar lacunas nesse sentido. Essa pesquisa visa fazer esta análise e, através da revisão da literatura sobre o tema, detectar o arcabouço de conhecimentos envolvidos nesse processo e quais são os pontos principais a serem introduzidos desde os anos iniciais do ensino fundamental. 19 A formação da pesquisadora em Design e licenciatura em Arte tem permitido uma experiência direta como professora de Arte na rede pública e privada, inclusive nos anos iniciais, permitindo verificar de perto o espaço dado a esse aprendizado, que ainda é pequeno, mas vem surgindo gradativamente em comparação aos conteúdos de décadas atrás. Essa experiência coloca a autora desse trabalho também em contato com os materiais didáticos utilizados para a formação das crianças. Atuando como ilustradora e designer a pesquisador pode perceber como certos conceitos da linguagem visual influenciam na compreensão e na realização de mensagens visuais, se visualizando a importância desse conhecimento desde cedo. Portanto essa pesquisa tem uma relação forte com o trabalho dessa autora e por esse motivo busca-se incentivar o desenvolvimento dessa área de estudo de maneira mais efetiva na formação das pessoas. Imbuída dessa inquietação, a pesquisa propõe responder a seguinte questão: Quais são os conhecimentos necessários para um indivíduo ser alfabetizado visualmente? E o que é importante constar no material didático de alunos do 1º ao 3º ano do ensino fundamental para contribuir com esse processo? 1.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA A sociedade muda constantemente, o comportamento humano seus costumes e maneiras de atuar no mundo vão sendo conduzidos conforme novas descobertas científicas, tecnológicas que facilitam ou modificam as relações entre as pessoas e entre as pessoas e o contexto social. Hoje a alfabetização vai mais além da leitura e escrita, conforme Kedra (2018, p.67) “é determinada por multi-alfabetizações, incluindo digital, visual, multimodal e muitas outras”, e é multidimensional segundo a mesma autora, uma vez que a informação e o conhecimento provêm de várias fontes e de vários lugares distintos. Atendendo a essa dinâmica que se apresenta no cenário atual em termos de letramento, principalmente em relação às novas gerações, essa pesquisa propõe analisar o material didático dos alunos dos anos iniciais da escola pública; observando o que tem sido ensinado aos alunos sobre a linguagem visual e, conforme as descobertas realizadas, verificar as lacunas existentes visando dar diretrizes na introdução desse conhecimentos desde os primeiros anos do ensino regular, colaborando para a formação cada vez mais global do indivíduo. 20 Para analisar o conteúdo sobre linguagem visual para esse público, é importante entender como esse público tem assimilado os conhecimentos nos métodos atuais de alfabetização, discorrendo um pouco sobre como a educação também vem exigindo novos moldes e formas de transmissão do conhecimento e como isso impacta as várias inteligências latentes no ser humano. Esses jovens considerados hoje nativos digitais ou milenares que estão diante de novas formas de aprendizado e compartilhamento de informação são foco para as novas pesquisas na qual se busca fazer com que eles estejam preparados para essa dinâmica da era digital, que chega muito mais rápida do que a capacidade deles de entendê-la e extrair seus significados (METROS & WOOLSEY APUD KEDRA, 2018). A alfabetização visual (AV) vem sendo proposta e discutida há algum tempo, comportando muitas definições que se diferenciam apenas nas especificidades de interesses, segundo o contexto da época e da área relacionada, entretanto, a maioria possui pontos comuns. Destacamos aqui a definição colocada por órgãos e instituições que têm se dedicado ao trabalho de disseminar conhecimentos e informações nesse sentido e que demonstram que o método alfabético apenas baseado na leitura e escrita não é suficiente para a habilidade de leitura global e integral do mundo que o indivíduo deve possuir. Em 1969 surge a Internacional Visual Literacy Association – IVLA - nos EUA com esse propósito. John Debes a presidia na época e assim definiu o termo: Alfabetização visual refere-se a um grupo de competências de visão que um ser humano pode desenvolver vendo e ao mesmo tempo tendo e integrando outras experiências sensoriais. O desenvolvimento dessas competências é fundamental para a aprendizagem humana normal. Quando desenvolvidas, permitem que uma pessoa visualmente alfabetizada discrimine e interprete as ações visíveis, objetos, símbolos, naturais ou artificiais, que encontra em seu ambiente. Através do uso criativo dessas competências, ele é capaz de se comunicar com os outros. Através do uso apreciativo dessas competências, ele é capaz de compreender e apreciar as obras-primas da comunicação visual (IVLA, 2020). A associação foi formada para os seguintes objetivos: “Fornecer educação, instrução e treinamento para indivíduos, grupos e organizações, e para o público em geral, nos modos de comunicação visual e sua aplicação” (IVLA, 2020). 21 No mesmo site também se encontra uma definição mais recente dada por uma organização que estabeleceu padrões de competência em alfabetização visual, a ACRL, que é: Um conjunto de habilidades que permite a um indivíduo encontrar, interpretar, avaliar, usar e criar imagens e mídias visuais com eficácia. As habilidades de alfabetização visual capacitam o aluno a compreender e analisar os componentes contextuais, culturais, éticos, estéticos, intelectuais e técnicos envolvidos na produção e no uso de materiais visuais. Um indivíduo visualmente alfabetizado é um consumidor crítico de mídia visual e um contribuinte competente para um corpo de conhecimento e cultura compartilhados (IVLA, 2020). A Associação de Bibliotecas de Universidades e Pesquisas (ACRL) viu a necessidade de compor um manual diretivo que auxiliasse bibliotecários na tarefa de ensinar e estimular as pesquisas feitas através de imagens, visto que perceberam a grande dificuldade de estudantes e formadores em lidar e interpretar as imagens e informações visuais, surgindo então os “Padrões de competência em alfabetização visual da ACRL para o ensino superior”. Esses padrões são muito úteis e são ferramentas na busca de soluções para a mudança de paradigmas na educação em geral (ALA, 2020). Abordaremos melhor esse assunto no capítulo sobre alfabetização visual. Esses padrões, segundo o site da ACRL foram desenvolvidos da seguinte forma: Os Padrões de Competência de Alfabetização Visual foram escritos de forma colaborativa pelos membros da Força Tarefa de Padrões de Alfabetização Visual (VLTF), usando os Padrões de Competência de Alfabetização em Informação como um documento fundamental. Em março de 2010, o Comitê de Padrões de Alfabetização de Informações da ACRL deu suporte à proposta do Grupo de Interesse em Recursos de Imagens da ACRL (IRIG) para desenvolver Padrões de Competência de Alfabetização Visual. A Força-Tarefa de Padrões de Alfabetização Visual revisou a literatura de alfabetização visual e padrões e desenvolveu uma bibliografia pública em Zotero; nomeou um Grupo Consultivo composto por bibliotecários, tecnólogos, curadores e administradores; criou um blog para comunicação e engajamento da comunidade; conduziu reuniões abertas e grupos de discussão; e engajado na divulgação com várias organizações. A primeira versão pública das Normas foi distribuída em fevereiro de 2011 (ALA, 2020). A IVLA possui uma revista científica onde publica os trabalhos sobre AV, realiza conferências anuais além de outros eventos e debates sobre o tema considerando a interdisciplinaridade nessa área do conhecimento que se expande e se diversifica. Muitos desses artigos citam e se apoiam nos padrões da ACRL, contudo sempre estimulando e revigorando as discussões. 22 Conforme Wong (2001) há princípios, regras e conceitos sobre a organização visual que se impõem no momento de se planejar uma imagem como uma diretriz para o seu êxito. Muitas vezes uma pessoa segue sua própria intuição ou preferências nas escolhas e no uso dos elementos visuais, contudo, se tivesse um aparato conceitual e lógico de como funciona a percepção dos elementos visuais, a capacidade de organização visual seria ampliada. Com esse enfoque, detalhar as ferramentas, técnicas, recursos que se utilizam na linguagem visual, assim como os processos da percepção e da análise formal são assuntos de relevância neste trabalho. Entender como funciona a comunicação através dos signos visuais é parte desse processo, o que leva a necessidade de se conhecer os princípios básicos da Semiótica, visando a elaboração e leitura de mensagens visuais. Muitos desses princípios foram se perdendo na pós-modernidade segundo Lupton e Phillips (2008), pelo advento da computação gráfica que possibilitou o acesso fácil a muitos recursos visuais que são manipulados através de softwares. Os softwares gráficos oferecem muita liberdade e rapidez na produção de conteúdos visuais e ampliam também as possibilidades criativas e ousadas na produção da imagem, contudo se observa que pela exigência da produção cada vez mais urgente não se tem, em muitos casos, o embasamento dos princípios da linguagem visual e nem o tempo e estudo suficiente para o pensamento criativo, o qual exige testes, experimentações e buscas por soluções pensadas e elaboradas. “Chegar a territórios mais interessantes requer a persistência de selecionar, organizar e assimilar temas e soluções até que uma nova fagulha surja e se sobressaia” (LUPTON E PHILLIPS, 2008 p. 10). Portanto esta investigação visita todo um compêndio de conhecimentos e princípios visuais que se tornaram clássicos na aquisição da inteligência visual, uma vez que retomam as bases que alicerçam o pensamento visual ditados por experientes profissionais como aqueles que conduziram a Bauhaus, primeira escola de design, como Wassaly Kandinsk, Josef Albers, Walter Gropius e da Nova Bauhaus em Chicago podemos citar Maholy Nagy e Gyorgy Kepes, Johannes Itten, Max Bill e Gui Bonsiepe da Escola de Ulm e pioneiros da educação formal em design como Armim Hofmann, Emil Huder dentre tantos outros ” (LUPTON E PHILLIPS, 2008). 23 A esse estudo une outras ciências relacionadas a linguagem visual como os estudos da percepção feitos pela Gestalt, os signos visuais abordados pela Semiótica e as técnicas de leitura de imagem abordadas por tantos teóricos na busca da melhor interpretação da imagem. 1.2 OBJETIVO GERAL Levantar na literatura quais conhecimentos são necessários para um indivíduo se alfabetizar visualmente e como esse conteúdo está sendo trabalhado nos currículos escolares para crianças do 1º ao 3º ano do ensino fundamental da rede pública estadual através de uma análise dos materiais didáticos da disciplina de Arte, que englobam o campo das artes e do design no currículo oficial. 1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Levantar os conhecimentos sobre AV abordados na literatura, elencando, discriminando e discorrendo sobre cada tópico em relação à aprendizagem. • Obter conhecimentos sobre a criança de 6 a 8 anos que frequenta os anos iniciais do ensino básico no que concerne às suas capacidades cognitivas e o que tem sido valorizado nos métodos de aprendizagem, para que a AV seja introduzida de maneira adequada para a criança dessa fase; • Traçar uma ferramenta de análise para os materiais didáticos no conteúdo sobre linguagem visual dos primeiros anos do ensino básico das escolas públicas frente às teorias abordadas e compiladas no referencial teórico e com ela detectar nesses materiais pontos falhos ou lacunas, sugerindo melhorias necessárias. 1.4. JUSTIFICATIVA A Alfabetização Visual é um campo de pesquisa muito vasto e se tem buscado estruturá-lo para melhor compreendê-lo, fornecendo dados para a continuação e refinamento dos seus propósitos, objetivos e indagações. Pensando nisso muitos estudiosos têm se debruçado sobre a questão da definição da área de estudo que corresponde a Alfabetização Visual, cunhada inicialmente por John Debes em 1969, e que foi sendo complementada, alterada e atualizada ao longo do tempo e que será tratada no corpo deste trabalho. Também está sempre em pauta a viabilidade da sua prática; os métodos de ensino e 24 aprendizagem, as competências e habilidades a serem alcançadas nesse processo; seu impacto social, dentre outros aspectos. A pesquisa em AV é de grande importância visto que é uma necessidade eminentemente percebida em várias áreas do conhecimento, não só nas disciplinas específicas das artes, design, arquitetura, cinema e vídeo, mas em muitas outras que também necessitam utilizar recursos visuais para a comunicação, principalmente na era digital atual em que o uso do material visual é tão intenso através das redes sociais, dos sites, canais do youtube, aplicativos para celular e softwares em geral. Para tanto esse estudo visa contribuir para uma área que, segundo Brumberger (2019), é multidisciplinar e que busca se definir mais claramente para estabelecer direções e categorias de pesquisa, determinando áreas específicas, que por sua vez conversam com outras disciplinas. É um campo de pesquisa em constante crescimento e que acompanha as mudanças dos “modus operandis” da sociedade em relação a sua forma de atuar no mundo e principalmente de se comunicar. Esse crescimento acontece realmente, conforme Brumberger (2019) pôde verificar na sua pesquisa referente à artigos publicados no Journal of Visual Literacy, o jornal mais antigo e de maior destaque nesse campo, de 1981 a 2017, no qual analisa as questões de pesquisa, visando definir melhor o campo. A autora comprovou que nas últimas duas décadas a quantidade de artigos publicados praticamente dobrou de volume, e trouxe à tona os aspectos que hoje se tornaram mais relevantes no processo de alfabetização visual e o que as mais novas pesquisas tem destacado e classificado como tópicos e áreas de concentração pertinentes, obtendo uma melhor compreensão e atenção para estruturar o conhecimento. Esse estudo se justifica ao se perceber e comprovar em exercícios de aula, Conforme Tobio (2012) - com experiência de mais de 10 anos lecionando na FADU (Facultad de Arquitectura, Diseno y Urbanismo de la Universidad de Buenos Aires) na disciplina de fotografia, e em muitos outros relatos de educadores de cursos universitários que se baseiam no visual, que os alunos não percebem muitas nuances e características das imagens porque não têm o hábito de analisar com profundidade, pois não receberam treinamento sobre a linguagem visual. Esse autor aponta que existe uma supervalorização da imagem no sentido do seu uso abundante e ao mesmo tempo uma sub valorização desta, pois é utilizada e 25 consumida, sobretudo, de forma indiscriminada, sem interpretações adequadas e atribuições de significados, o que pode inclusive, segundo Thompsom (2019) conduzir o leitor de uma imagem a falsas interpretações, tornam-se vítima de sabotagens visuais, uma vez que na mídia em geral, mas principalmente na publicidade, se utiliza a imagem para persuadir o espectador o induzindo a uma ideia, ao consumo de produtos, a crenças e modismos, que ele absorve sem reflexão por também não possuir ferramentas de análise e não ter possuído instrução para isso. Nota-se também que os educadores precisam desse treinamento, visto que os recursos visuais estão muito mais disponíveis e precisam ser utilizados de forma adequada para não prejudicar a comunicação e o ensino, assim como para analisar as produções dos alunos, que muitas vezes usam desses recursos sem um parâmetro adequado para organização da imagem. Visa-se, portanto, nessa pesquisa atender essas prerrogativas que colaboram em muitas instâncias para o ensino do design e procura atender a uma necessidade de cunho socioeducativo na contemporaneidade. 26 1 F U N D A M E N T A Ç Ã O T E Ó R IC A 27 2 FUNDMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 LINGUAGEM, LINGUAGEM VISUAL E SEMIÓTICA De acordo com a Real Academia Española apud Tobio (2012 p. 132) Alfabetização vem da palavra alfhabetum (união do símbolo alfa e do símbolo Beta) e significa o “conjunto dos símbolos empregados num sistema de comunicação”. Esta definição tem inteira relação com o conceito da própria linguagem, e essas duas expressões serão utilizados ao longo do estudo com uma significação muito próxima. Conforme Rodrigues (2008), todo conhecimento sobre linguagem, produzido e difundido no século XX, tem como base e referência o importante estudo iniciado por Ferdnand Saussure, linguista suíço, divulgado em sua obra póstuma “Curso de Linguística Geral”. A partir dessa obra o campo tem se ampliado e desenvolvido e outras definições partem principalmente dos seus conceitos. Saussure dedicou toda a sua vida à produção de uma obra que implantasse nos estudos linguísticos um modelo metodológico capaz de imprimir a tais estudos o rigor científico almejado. A precisão na delimitação do objeto dessa ciência é parte fundamental desse processo de constituição. É exatamente por isso que ele é considerado o linguista cujas elaborações teóricas propiciaram o desenvolvimento da linguística científica e estabeleceram a base do pensamento sobre a linguagem no século XX. Seja ao desenvolver o pensamento saussuriano, seja ao questioná-lo, ou ambos, a produção teórica sobre língua e linguagem durante todo o século passado esteve relacionada, de alguma maneira, à obra do linguista genebrino (RODRIGUES, 2008, p. 7). Linguagem, conforme Joly (2007), é um instrumento de expressão e comunicação formado por signos que são percebidos pelos órgãos dos sentidos. Bagno (2004) traz a seguinte definição: “todo e qualquer sistema de signos empregados pelos seres humanos na produção de sentido, isto é, para expressar sua faculdade de representação da experiência e do conhecimento”. O estudo científico da língua, inaugurado por Ferdnand Suassure, é chamado de linguística. A linguagem sendo um sistema de signos que produz sentido não se configura apenas na forma da língua falada ou escrita, mas em qualquer outra forma de comunicação que se utiliza de signos. De acordo com Joly (2007, p. 32) “o conceito de signo é muito antigo e designa algo que é percebido – cores, calor, formas, sons e a que atribuímos uma significação”. Segundo ela signo só pode ser assim denominado quando exprime ideias e requer daquele que o recebe uma atitude interpretativa. Nesse sentido tudo 28 pode ser signo, visto que o homem sendo um ser social é capaz de interpretar tudo o que o rodeia, sejam artefatos culturais ou naturais. O conceito de signos provém dos estudos da linguagem feitos por Ferdinand Suassure que foi mencionado no início desse tópico. Dentro da linguística surge então uma especialização no estudo do sistema de signos a qual foi batizada na sua origem de Semiótica ou Semiologia. Joly (2007) aponta que essa ciência: [...] serviria para estudar os diferentes tipos de signos que interpretamos, integrando-os numa tipologia e encontrando as leis de funcionamento das diferentes categorias de signos, essa ideia é recente e remonta ao princípio do nosso século. Os seus grandes precursores foram o linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), na Europa e o cientista Charles Sanders Peirce (1839-1914), nos Estados Unidos (JOLY, 2007 p. 32). Na etimologia, os termos Semiótica e Semiologia, de acordo com a mesma autora, não são sinônimos. O termo semiótica é de origem americana e se refere à filosofia das linguagens, todavia o termo semiologia é de origem europeia e se entende como o estudo de linguagens específicas como a imagem, o gesto, o teatro, a música, dentre outros. As duas denominações têm origem na palavra “semeion” que significa signo. A Semiótica existe desde a antiguidade grega e está presente tanto na medicina quanto na filosofia da linguagem. Existia na antiguidade uma disciplina médica chamada semiologia que se dedicava a estudar a interpretação dos signos, contudo no sentido de sintomas das doenças. Saussure (apud JOLY, 2007) percebeu que a língua não era o único sistema de signos que exprime sentidos, o qual utilizamos para nos comunicar. Conceituou, portanto, a semiologia como a ciência geral dos signos tendo a linguística, estudo sistemático da língua, o domínio e destaque sobre ela. Contudo, conforme Joly (2007), quase um século depois, as investigações levaram notadamente a uma mudança nesse paradigma sobre a “supremacia do modelo linguístico” em detrimento de outros sistemas de signos, que como está sendo aqui estudado, na atualidade estão se mostrando de muito valor e uso frequente. Conforme Aguiar (2004), a linguagem é um fenômeno social por ser o homem um ser social, o qual necessita se comunicar para sobreviver e se organizar socialmente. Desta forma o homem criou códigos e regras para que a comunicação 29 acontecesse, como sinais que possuíssem significados para aquele grupo, por isso a distinção tão grande de línguas pelo planeta. Conforme esta autora, como são múltiplas e variadas as formas de vida social, os códigos inventados pelos grupos para se expressarem e se comunicarem também são variados. Contudo pode-se dividi-los em duas formas de linguagem: a verbal e a não verbal. A linguagem verbal se realiza através do uso da língua falada e escrita, ou seja, do verbo, termo que é de origem latina e significa “palavra” conforme Bagno (2004) e é o sistema mais complexo, completo, flexível e adaptável. A linguagem não verbal se configura por imagens sensoriais variadas como visuais, auditivas, olfativas, cinestésicas e gustativas, presentes em todas as formas de expressão humana como nas pinturas, desenhos, no cinema, na música, nos gestos, na dança, no teatro, na arquitetura, na fotografia, na culinária, dentre outras. Segundo Aguiar (2004), a linguagem acontece de duas maneiras: de forma racional, precisa, analítica, lógica, científica, configurando a linguagem falada e escrita - linguagem verbal, com exceção da poesia. A outra maneira, segundo ela, é difícil de definir porque é a linguagem das imagens, das metáforas, dos símbolos, as quais se expressam de forma total e não podem ser decompostas analiticamente, se configuram como linguagem não verbal, como os gestos, as cores, a música, as formas, que se mostram de forma global e instantânea. Essas duas linguagens também são definidas como digital e analógica. A digital seria a linguagem verbal que é mais precisa e analítica e a analógica a linguagem não verbal. Na comunicação muitas vezes o emprego de um código não verbal ou analógico expressa o mesmo sentido de maneira mais rápida e total, empregando “signos que têm relação direta com o significado de analogia ou semelhança como os mapas, os sinais de trânsito, as onomatopeias” (AGUIAR, 2004 p. 28). Conforme Santaella (1983), o uso da língua materna ou pátria na forma falada e escrita está tão evidente e integrada ao ser humano que ele se esquece que essa não é a única e exclusiva forma de linguagem que ele é capaz de produzir, reproduzir, ler, consumir, transformar para a comunicação entre seus pares. Segundo a autora: É tal a distração que a aparente dominância da língua provoca em nós que, na maior parte das vezes, não chegamos a tomar consciência de que o nosso estar- no-mundo, como indivíduos sociais que somos, é mediado por uma rede intrincada e plural de linguagem, isto é, que nos comunicamos também através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, 30 movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas, traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e nos orientamos através de imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes...Através de objetos, sons musicais, gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma espécie animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres de linguagem (SANTAELLA, 1983 p. 7). Segundo a autora, em todos os tempos, grupos humanos espalhados no mundo, sempre recorreram a outras formas de linguagem para expressarem seus saberes, suas ideias, numa comunicação social diversa da linguagem falada ou escrita. Se expressam desde desenhos inscritos nas cavernas, passando por cerimoniais ritualísticos, jogos, encenações, produção de objetos, arquitetura e as diversas expressões artísticas que conhecemos até os dias atuais. “Essas outras linguagens também constituem sistemas sociais e históricos de representação do mundo” (SANTAELLA,1983 p. 8). Segundo a ciência, o cérebro possui dois hemisférios e a linguagem verbal está ligada ao hemisfério esquerdo que governa os processos lógicos, analíticos e exatos e a não verbal ao hemisfério direito que governa as sensações, emoções, criatividade, intuição, percepção. Uma função interessante do hemisfério direito diz respeito a apreensão global da realidade, que pode ser percebida baseada em uma de suas partes como por exemplo quando o perfume de uma flor evoca uma lembrança vivida em sua totalidade ou quando se reconhece um ambiente apenas por um detalhe observado, esse hemisfério é responsável pela capacidade humana de generalização e formação de conceitos abstratos (AGUIAR, 2004). Segundo a autora: Outro aspecto importante é o de que esse hemisfério detém os processos primários, atemporais, de associações livres expressos em uma linguagem arcaica, em que a gramática lógica está ausente, como, por exemplo, acontece nos sonhos. Por isso ele supera o esquerdo na capacidade de conceber o espaço e as imagens que o habitam. Por intermédio do hemisfério direito, “pensamos” não em conceitos, mas em imagens, figuras, mitos, paisagens, cores, fenômenos da natureza. Estamos diante da linguagem não verbal, muito anterior na história da humanidade e de cada homem em particular, à linguagem verbal (AGUIAR, 2004 p. 31). Além desses dois modos de linguagem, ou códigos, existe também a linguagem artificial que constitui sistemas elaborados intencionalmente com objetivos de desenvolver uma área do saber. As linguagens artificiais são por exemplo as da matemática, da lógica e da computação (Bagno, 2004). 31 A linguagem visual pertence a esse domínio do não verbal, tão bem explorado por Vera Teixeira Aguiar e pelo qual os estudos da Semiótica se ocupam também. A Semiótica, sendo uma ciência de toda e qualquer linguagem (SANTAELLA, 1983), vem colaborar para o entendimento dos processos de significação da mensagem visual, o que auxilia na sua interpretação, leitura e análise, visto que a alfabetização visual tem o propósito de revelar, na forma de análise das imagens e na sua produção, organizações tais que transmitam significados claros, e propiciem também que se identifique a má qualidade de uma informação ou ainda se ela tem a função de persuadir seu leitor. Estudar um fenômeno visual sobre a lente da semiótica é perceber seu modo de produção de sentido (JOLY, 2007). A Semiótica, como estudo da linguagem expressa em signos revela que significados podem ser identificados nas mais variadas situações, fatos e eventos da vida em que o homem tira significados ao observar e sentir as impressões que o mundo lhe proporciona desde a linguagem binária dos computadores à linguagem das flores, dos ventos, do seu corpo e de sua energia e até mesmo a linguagem do silêncio (SANTAELLA, 1983). Ou seja, este estudo abarca tudo, porém se limitando a averiguar e especificar a maneira como os fenômenos significam. O interesse desse estudo se destina a compreender o funcionamento de uma mensagem visual como signo capaz de transmitir um significado, e que desencadeia interpretações, para tanto é preciso entender as principais ideias e postulados da Semiótica, a qual é uma teoria que auxilia na compreensão desse processo. Dentre seus teóricos, Charles Sanders Pierce, que viveu no século XIX e início do século XX nos Estados Unidos, fez uma contribuição de maior envergadura, ainda que comparada a seus contemporâneos, como Ferdinand Suassure. Os dois teóricos pesquisadores buscaram decifrar o funcionamento dos signos, entretanto Suassure se deteve mais nas questões da língua e da linguística em geral, enquanto Pierce veio propor ao longo de um trabalho de mais de 30 anos uma ciência que pudesse explicar e sintetizar um sistema de significação que abarcasse todas as áreas do conhecimento humano, visto que era um cientista muito ligado às ciências exatas e naturais, como a lógica, a física, a química, a biologia e a astrologia, mas também ao campo da cultura e ciências humanas, como a psicologia, filosofia, linguística, literatura, dentre outras. É considerado um “Leonardo Da Vinci” das 32 ciências modernas (SANTAELLA, 1983). Conforme essa autora Peirce buscou elaborar uma teoria geral dos signos que atendesse não só a questão da língua, mas que se estendesse a setores mais amplos do conhecimento. Não vamos aqui nos estender na história nem em todo o propósito desta ciência, mas vamos nos ater no que ela contribui para o entendimento das funções sígnicas existentes numa expressão visual, nos limitando às imagens fixas e bidimensionais, embora algumas abordagens que veremos sobre a linguagem visual abranja as expressões tridimensionais e colaborem para análises de imagens sequenciais também. O signo pode ser percebido com um ou mais de nossos sentidos. Pode ser visto, pode transmitir um odor, uma sensação térmica, pode ser apalpado ou degustado e ouvido (SANTAELLA, 1983, JOLLY, 2007). Isto que percebemos como signo, contudo, sempre designa ou significa uma outra coisa, que está ausente, essa é sua particularidade, remete a uma interpretação. Conforme Santaella (1983), o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. O signo, conforme essa autora não é o objeto, ele está no lugar do objeto, o representando de certa maneira. Como exemplo, tomamos a palavra casa: o desenho de uma casa, a pintura de uma casa, a fotografia ou a planta baixa dela são signos do objeto casa, não são a casa em si. Outros exemplos que se pode citar: uma pessoa corada ou pálida é um sinal de doença ou de emoção; o cheiro de fumaça é sinal de fogo; a luz vermelha num cruzamento é sinal de impedimento de seguir com o carro; o cinza das nuvens é um sinal de possível chuva; e assim tudo que significa outra coisa é um signo e isto abrange muitas coisas, em vários níveis e situações. O signo mantém uma relação com o objeto que representa de três formas conforme Joly (2007): a face perceptível do signo é o “representamen” ou significante (St); o objeto que representa é o referente e aquilo que significa é o “interpretante” ou significado (Sd). No processo semiótico de todo signo está presente essa triangulação representada na figura 1, a interpretação dependerá tanto do contexto que ele se encontra quanto da expectativa de quem o recebe: 33 Os significados dos signos podem variar conforme o contexto que estão inseridos, isso acontece não só na língua falada e escrita, como as metáforas, mas também com signos naturais e visuais ou qualquer outro. No caso de uma fotografia em que temos uma mulher saltando livremente, pode-se interpretar que ela está feliz, ganhou algum prêmio, mas se o contexto for uma propaganda de absorvente higiênico o significado muda para a liberdade que o absorvente proporciona (JOLY, 2007; SANTAELLA, 1983). Cada signo tem sua especificidade e Pierce (apud Eco, 1991) propôs uma classificação para os diversos tipos de signos. Conforme Eco (1991), essa classificação distingue os signos em função da relação entre o significante, que é aquilo que percebemos, e o referente, que é o objeto representado. Segundo Pierce (apud JOLY, 2007) os signos são múltiplos e variados, mas possuem uma estrutura comum presente nessa triangulação entre significante, referente e significado, mas eles não são idênticos. Como afirma Joly (2007) uma nuvem não é a mesma coisa que uma palavra ou do que uma fotografia ou que uma postura e todas essas coisas podem significar uma outra coisa. Pierce agrupou os signos em ícone, índice e símbolo, os quais são amplamente utilizados na literatura semiótica, visto que Segundo Santaella (1995), é de grande importância no arcabouço teórico-filosófico de Pierce e estão exemplificados no quadro 1. St significante Objeto referente Sd significado Fonte: JOLY, 2007 p. 36 – dinâmica do signo enquanto processo semiótico FIGURA 1 - triangulação representativa do processo semiótico 34 Fonte: JOLY, (2007 p. 39) Adaptado pela autora QUADRO 1 - CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE SIGNOS No que se refere a categoria das imagens, Pierce (apud JOLY, 2007), classifica como signos analógicos por se assemelharem ao seu objeto representado, mas há muitas formas de serem análogas e, portanto, fez uma subdivisão dentro da categoria dos ícones e a imagem ficou sendo um ícone visual que se apresenta de três formas: imagem, diagrama e metáfora, esses estudos mais específicos abrem especialidades como a semiologia da imagem, semiologia do cinema e daí por diante em várias áreas. Nesse estudo se aborda as mensagens visuais e verifica-se como ela é complexa visto que é heterogênea em si mesma, reunindo num espaço diferentes categorias de signos: signos icônicos (imagens), signos plásticos (cor, textura, formas) e signos linguísticos muitas vezes. E o sentido da mensagem visual como um todo TIPOS DE SIGNOS RELAÇÃO ENTRE SIGNIFICANTEE REFERENTE ÍCONE É a classe de signos cujo significante tem uma relação de analogia com o referente, semelhança. Exemplo: uma fotografia ou um desenho figurativo que se assemelha ao objeto representado como o ícone do gato representado ao lado. ÍNDICE É a classe de signos que mantém uma relação causal de contiguidade física com aquilo que representa, como é o caso de signos naturais. Exemplo: palidez para a fadiga, fumaça para o fogo, nuvem para a chuva ou o som do miado de um gato. SÍMBOLO É a classe de signos que mantém com seu referente uma relação de convenção, nesta categoria entra a linguagem que é um sistema de signos convencionais. Exemplo: Bandeira de um país, a pomba para a paz, cruz para ambientes hospitalares, dentre outros. MIAU! (SOM) GATO (PALAVR A ESCRITA) Fonte: Joly (2007). Elaborado pela autora. 35 também depende da relação e interação entre essas partes (JOLY, 2007). Ela pode conter em seu interior ainda todos os tipos de signos como o ícone, o índice e o símbolo, e se verifica com isso, segundo Pierce apud Joly (2007) a força de comunicação de uma imagem. De acordo com Santaella (1995) Pierce fundamenta essa tricotomia sígnica num fenômeno mais amplo ainda. De fato. ele dedicou uma boa parte de seus escritos ao esclarecimento preciso dos três modos de funcionamento do signo por ele batizados de ícone, índice e símbolo. Esses três modos, contudo, assim como todas as outras tricotomias sígnicas, não surgiram do nada. Estão fundadas nas distinções tripartites da sua fenomenologia e, mais especificamente nas três categorias que vieram à luz no seu ensaio, de 1867, "Por uma nova lista das categorias". Quando já no final de sua vida, em um daqueles momentos em que, como pensador, pôs os pesos na balança buscando verificar a medida de sua contribuição para o pensamento humano, Peirce afirmou que suas três categorias eram a pedra preciosa que ele deixava para a história da filosofia. Estava consciente de que sua contribuição não se constituía numa descoberta óbvia. Os três elementos já estavam dispersamente espalhados em obras científicas e filosóficas de autores os mais diversos, no tempo e no espaço. Seu esforço, autonomamente encetado em busca das categorias mais universais de toda experiência o fez chegar exatamente a esses três elementos. Por isso mesmo para ele, não se tratava aí de uma simples coincidência, mas de uma comprovação de que as categorias tinham alguma validade. Nesse contexto, sua contribuição foi dar estatuto científico ao que estava disperso e que continuamente aparecia e reaparecia, mas quase sempre inadvertidamente, na história do pensamento (SANTAELLA, 1995 p. 141). As categorias expressas por esta autora se referem as três categorias universais de toda experiência e de todo pensamento formuladas por Pierce, as quais ele batizou de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Também aparecem com a denominação: “1 2 3, Categorias do Pensamento e da Natureza”, como título em um de seus artigos. Essas categorias funcionam na consciência quando se está diante de um fenômeno (SANTAELLA, 1983). Para se ter uma ideia da amplitude e abertura máxima dessas categorias, basta lembrarmos que, em nível mais geral, a 1° corresponde ao acaso, originalidade irresponsável e livre, variação espontânea; a 2° corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes e reais, enquanto a 3ª categoria diz respeito à mediação ou processo, crescimento contínuo e devir sempre possível pela aquisição de novos hábitos. O 3º pressupõe o 2º e 1°; o 2° pressupõe o 1º; o 1º é livre. Qualquer relação superior a três é uma complexidade de tríades (SANTAELLA, 1983 p. 25). As categorias fundamentais do pensamento foram descobertas pela análise reflexiva dos fenômenos e através de muitas investigações em todos os campos do conhecimento feitas por Charles Sanders Pierce e estão presentes na natureza básica de todas as coisas, sendo elas físicas ou psicológicas. 36 Esses conceitos são importantes e necessários nos processos de análise de uma mensagem visual auxiliando no reconhecimento dos tipos de signo e seu potencial de significação ou produção de sentido, é um instrumento de valor para o alfabetismo visual. 2.2 ALFABETISMO VISUAL A alfabetização visual (AV) pode parecer para muitos ainda algo um pouco inconsistente, visto que a maioria de nós tem o sentido da visão - exceto aqueles com essa deficiência - pode enxergar e tem um entendimento razoável do que vê. Essa é uma ideia que permeia as mentes das pessoas, entretanto é cada vez mais evidente que as mensagens visuais povoam nosso cotidiano de várias formas e existe uma comunicação que acontece através delas e não se pode captá-las integralmente se não houve um aprendizado ou intimidade com suas estruturas e funcionamento. Conforme Dondis (2015), Alfabetismo visual vai além de simplesmente enxergar e além da simples criação de artefatos visuais, implica compreensão e maneiras de ver e compartilhar significados de forma universal. Para isso é necessário transpor as 1.q uali qualidad e 2. sin existência 3. legi lei PRIMEIRIDADE Sensações; Primeira impressão sem análise. Exemplo: Ao olhar um céu azul - é a sensação da cor azul. SECUNDIDADE Factual; Registro da sensação. Exemplo: Ao olhar um céu azul analisar que o azul é do céu pois não há nuvens TERCEIRIDADE Interpretação; Reflexão; Exemplo: Ao olhar um céu azul interpretar que não irá chover. Fonte: Santaella (1983). Adaptado pela autora. QUADRO 2 - Categorias do pensamento em relação aos fenômenos de Pierce 37 capacidades visuais inatas do ser humano, de certas decisões intuitivas em relação ao visual e de preferências e gostos pessoais. As pesquisas sobre AV começaram nos Estados Unidos no final da década de 60, onde surgia a Associação Internacional de Alfabetização Visual que tinha como os principais pesquisadores: John Debes, Williams, Ross, Turbayne, Wendt y Nibeck. Inicialmente formaram um grupo para discutir posições sobre diferentes aspectos da educação e principalmente da comunicação visual tais como: 1) a linguagem visual existe, 2) as pessoas podem pensar visualmente, 3) as pessoas podem e devem expressar-se visualmente. Foram postulados que marcaram todos os estudos que se seguiram (FLORY, J. apud ORREGO, 2008). Na Europa os estudos sobre AV foram antecedidos por vários trabalhos sobre a imagem que abarcaram toda década de 1970. Em 1973 Ane Marie Thibault-Laulan criou na França a Escola de Alfabetização Visual, porém estava dirigida à recompilação de estudos sobre a teoria da imagem, na qual encontrou apoio de vários teóricos interessados nesse assunto, ela tinha como eixos temáticos: a leitura da imagem; a imagem didática; a semiótica visual e a alfabetização visual. (DIAS, ORTEGA, ZUNZUNEGUI, apud ORREGO, 2008). Em 1974 sob a coordenação de Nazareno Taddei surgiu a escola italiana sobre teoria cinematográfica da imagem em que sugeria um esquema metodológico de análise dela. De acordo com Orrego (2008) o postulado que explica claramente os objetivos da alfabetização visual é: “a pessoa alfabetizada visualmente não só é capaz de identificar os elementos constitutivos das imagens, mas também o que as imagens representam, o sistema simbólico usado e a descrição de uma experiência - o evento visual” (ORREGO, 2008 p.209). Conforme Thompson (2019) de uma maneira geral alfabetização visual é o conjunto de competências de leitura, escrita e pensamento visual. Muitas foram as definições até hoje formuladas sobre esse tema, mas atualmente a que mais se recorre é a que foi mencionada na introdução deste trabalho formulada pela ACRL. A ACRL é uma divisão da ALA (American Library Association) que criou de forma colaborativa uma Força Tarefa de Padrões de Alfabetização Visual (VLTF) com profissionais como bibliotecários, tecnólogos, curadores, professores e 38 administradores, os quais formularam os padrões de competência de alfabetização visual para o ensino superior, baseados num outro documento: os padrões de competência de alfabetização em informação, e vieram a complementá-los visto que o material visual também é informação, contudo, além disso, são objetos estéticos e criativos, exigindo níveis adicionais de interpretação e análise (ALA, 2020). Essa instituição verificou que os estudantes ao longo da sua educação se envolvem com imagens e materiais visuais, e se espera que eles entendam, usem e criem materiais visuais, entretando comumente não estão preparados para isso, então surgiu a necessidade de nortear esse processo, visto que habilidades de pesquisa, interpretação, análise e avaliação, segundo eles precisam ser ensinadas, apoiadas e integradas ao currículo no nível superior (ALA, 2020). Sinema Conforme a ACRL, em todas as fases da educação a alfabetização visual é considerada uma das várias alfabetizações essenciais na sociedade atual. Ao se falar sobre transliteracia, metaliteracia e alfabetização multimodal se inclui igualmente a alfabetização visual como uma das importantes alfabetizações para os alunos de hoje. Esse órgão criou “Os padrões de alfabetização visual” para preencher uma lacuna observada no ensino superior, sobre o qual existe uma ampla e variada literatura sobre o assunto, porém não havia uma sistematização da educação visual com vistas a resultados da aprendizagem de forma interdisciplinar. O foco está no uso e criação de mídia visual de maneira crítica, fornecendo ferramentas para educadores de todas as disciplinas, que são úteis de várias formas e visam um aprendizado consistente e mensurável (ALA, 2020). Se entende que o conhecimento desses padrões, constituem um direcionamento para o trabalho nos anos iniciais da escolaridade. Essas normas também preveem a acessibilidade a pessoas com deficiências visuais e estipula: A acessibilidade de materiais visuais e as necessidades de indivíduos com deficiências diferentes, incluindo alunos com deficiência visual, é uma consideração importante na instrução sobre alfabetização visual e na implementação de normas. Tecnologias adaptativas ou assistenciais, como descrições em áudio de materiais visuais ou acesso multimodal a mídias visuais, podem ser componentes de uma estratégia de acessibilidade para materiais visuais (ALA, 2020). São 7 padrões que estão especificados no quadro 3. O uso desses padrões no aprendizado sobre a linguagem visual não segue uma sequência exata e são adaptados conforme a necessidade, usados no todo ou em parte dependendo dos 39 Fonte: ALA (2020). Adaptado pela autora. Fonte: ALA (2020). Adaptado pela autora. QUADRO 3 - Padrões de competência em alfabetização objetivos de um programa ou instituição. O uso dos padrões pode ser em alguns casos de forma simultânea ou de forma individual e específica (ALA, 2020). Cada padrão ainda estipula indicadores de desempenho e resultados de aprendizagem que podem ser conferidos no site em que se encontram (ALA, 2020). De acordo com Kedra (2018), organizações educacionais e associações acadêmicas como a Associação Internacional de Sociologia Visual, a Associação Internacional de Sociologia, o Grupo de Trabalho Temporário 'Culturas Visuais' da Associação Europeia de Pesquisa em Comunicação e Educação e a Associação Internacional de Comunicação recentemente têm realizado workshops, fóruns e 40 conferências em todo o mundo, tendo como pauta a pedagogia visual. A AV aparece de forma flexível, adaptada para cada disciplina e como uma competência pertencente à alfabetização midiática, alfabetização digital ou alfabetização multimodal. Para essa autora a AV merece um espaço único no meio educacional, defendendo uma prática educacional no ensino superior. R. Pettersson (apud KEDRA, 2018) fez uma ampla revisão cronológica das definições de AV (visual literacy, no original) nas disciplinas e campos. Cobriu 44 anos de trabalhos em que elas aparecem, “mostra principalmente a multidisciplinaridade da AV como um campo e sua diversidade interna como um conceito. Como tal, a revisão é suficiente para o avanço da teoria, mas insuficiente para profissionais de educação visual” (KEDRA, 2018 p. 68), visto que para esta autora há uma falta de coerência sobre as definições e isso é uma característica marcante da área e, portanto, se deve colocar foco mais precisamente na aplicação prática da teoria da AV na educação, “penso na educação universitária e na melhoria dos currículos básicos em todas as áreas de estudo, adicionando a AV como um dos objetivos de aprendizagem” (KEDRA, 2018 p.68, tradução nossa). Infelizmente, segundo Kedra (2018) não existe um consenso claro sobre a definição de AV, o que dificulta um pouco explicar o que significa ser alfabetizado visualmente e assim obter avanços na pesquisa em avaliação de AV, entretanto essa mesma autora, através de um estudo amplo sobre as definições de AV já realizadas e nos pressupostos dessas definições, chegou a estabelecer um conjunto de habilidades necessárias para a leitura e a escrita visual que podem ser resumidas e estão indicadas no quadro 4, e que se considera uma resposta para a pergunta sobre o que significa ser alfabetizado visualmente. 41 Um dos pontos de convergência entre os teóricos da AV é a relação de paralelismo entre a linguagem verbal e a visual, muitos abordam a AV nos mesmos termos da alfabetização alfabética, como a expressão “leitura e escrita visual”. Essa analogia entre as duas linguagens, porém, não é absoluta, visto que elas se processam de formas diferentes na percepção humana e requerem competências e habilidades distintas, embora em alguns momentos ocorra esse paralelismo no que concerne a questões de interpretação; funções do texto ou da imagem, como por exemplo função narrativa, descritiva, simbólica, estética, dentre outros paralelismos. Há um lado positivo nessa abordagem, visto que auxilia a igualar o status e a importância da AV em relação à alfabetização convencional (KEDRA 2018, DONDIS, 2015, SANTAELLA, 2012). É possível verificar que essas habilidades elencadas por Kedra e recorrentes no corpo teórico de vários autores sobre o tema também está presente nos padrões de competência em alfabetização visual (PCAV) da ACRL apresentados do quadro 3. Na habilidade de escrita visual no tópico “uso de imagens”, encontramos ressonância nos padrões 1, 2 e 5. Nas habilidades de leitura visual nos tópicos interpretar, compreender e analisar, se encontra ressonância no padrão 3 e 4. Fonte: kedra (2018). Adaptado pela autora. QUADRO 4 - Habilidades de leitura e escrita HABILIDADE DE LEITURA VISUAL VISUAL HABILIDADE DE ESCRITA VISUAL VISUAL ➢ INTERPRETAR ➢ ANALISAR ➢ COMPREENDER ➢ PERCEPÇÃO ➢ AVALIAÇÃO ➢ COMUNICAÇÃO VISUAL ➢ CRIAÇÃO VISUAL ➢ PRODUÇÃO DE IMAGENS ➢ USO DE IMAGENS 42 Em escrita visual as habilidades de criação visual e produção de imagens estão relacionadas ao padrão 6. Para se alcançar essas habilidades que são necessárias no processo de alfabetização visual, são necessários conhecimentos variados, no entanto assim como na alfabetização alfabética se vai desenvolvendo e atingindo níveis mais altos da inteligência visual gradualmente, conforme se vai apropriando de todo esse aparato cognitivo e do seu uso prático também. A expressão visual é um organismo complexo, conforme Dondis (2015), e que se tem compreensões rudimentares sobre ela. É necessário se ter uma noção clara sobre a complexidade da manifestação visual, visto que no ensino sobre a linguagem visual, ela persiste como um ponto a se considerar, evitando assim métodos e fórmulas definitivas como soluções para a produção e leitura de tais manifestações. Sobre isso Fayga Ostroyer (1991) nos dá ótima contribuição. A noção de complexidade deve ser bem entendida: não se trata de um estado de complicação maior, mero acúmulo de dados, e sim da complexidade como uma qualificação estrutural e significativa. Justamente por se tornar significativa, a complexidade é uma qualidade essencial que caracteriza certos fenômenos. Reduzida em complexidade a arte deixaria de ser arte, assim como a vida orgânica deixaria de ser vida. Como artista, a questão da qualidade artística é de ordem prioritária. Perdendo a noção de qualidade ou de complexidade na arte, não valeria a pena dar um curso de linguagem artística. Na verdade, nem se falaria sobre arte; está no caso, já teria deixado de existir (OSTROWER, 1991 p. 22). Diante dessa complexidade, no entanto, Dondis (2015) aponta que, ao se fazer um paralelo com a alfabetização verbal, sistema estruturado e organizado com regras e métodos de ensino, a alfabetização visual parece ser de difícil alcance, uma vez que se tem noções muito idealizadas sobre essa linguagem e nada práticas. Existem mais de três mil línguas usadas no mundo e, segundo esta autora, a linguagem visual tem um caráter mais universal que a linguagem verbal, portanto sua complexidade não pode ser impossível de superação. A complexidade da expressão visual pode ser superada e isso só é possível encarando-a de forma intelectual e não apenas como fruto do acaso ou da intuição, mas sim de estudo, conhecimento e utilização de seus elementos, componentes e recursos. 43 A sintaxe visual existe. Há linhas gerais para a criação de composições. Há elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados em conjunto com técnicas manipulativas, para a criação de mensagens visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhor compreensão das mensagens visuais (DONDIS, 2015 p. 18). Esses conhecimentos serão abordados no próximo tópico desse capítulo e são resultado de um consenso entre os teóricos e profissionais da comunicação visual e das artes visuais da sua importância dentre os requisitos na obtenção da inteligência visual. Dentre esses conhecimentos se destaca o conhecimento das características das mensagens visuais, os principais elementos visuais, as técnicas e estratégias de elaboração da imagem, a dinâmica do contraste, processos psicológicos que influenciam a percepção da imagem e que podem ser usados para manipulá-la e criar ou controlar efeitos visuais. 2.2.1 Conteúdo do alfabetismo visual Para a alfabetização visual ser possível, requer tempo e organização assim como no alfabetismo verbal, uma vez que são muitos pontos a serem tratados e vivenciados. Uma mensagem visual é composta por formas, cores, traços, pontos, planos e as relações entre esses elementos que de alguma forma se orientam no espaço através de uma composição, expressando algo, significando e dizendo alguma coisa, de forma não verbal (OSTROWER, 1991). Apontar um corpo de conhecimentos formadores de uma epistemologia da linguagem visual não é tarefa simples. Essa intenção surgiu principalmente com o surgimento das escolas de design, notadamente a Bauhaus na Alemanha nos anos de 1920, onde surge a necessidade de se ensinar como funciona a linguagem visual e traçar regras e métodos para se atingir bons resultados. A Bauhaus “explorava o design como uma ‘linguagem da visão, universal e baseada na percepção” (LUPTON E PHILLIPS, 2008 P.8). Muitos dos professores que ali estiveram, compartilhavam dessa ideia. Wassily Kandinsky em seu livro “Ponto e linha sobre o plano” propôs a criação de um “dicionário de elementos” e de uma gramática visual universal. (LUPTON E PHILLIPS, 2008). Houve posteriormente, no pós-modernismo, correntes de pensamento contrárias à Bauhaus no tocante à ideia de comunicação universal, pois se acreditava 44 que as pessoas carregam muito de sua história, cultura, vivência, educação no seu modo de receber e interpretar uma imagem. Contudo entende-se que isso não modifica o fato de que certos princípios formais sejam compartilhados por quase todos na produção de obras visuais e que auxiliam o produtor nas suas escolhas compositivas. Ou seja, conforme Lupton e Phillips (2008) a Bauhaus queria descrever e não interpretar de maneira universal a linguagem da visão. Se percebe essa descrição nos programas de produção e tratamento de imagens, como por exemplo o Photoshop e tantos outros aplicativos que hoje existem, que lidam exatamente com os aspectos formais descritos por essas escolas de design. O interessante da proposta das primeiras escolas de arte e design como a Bauhaus é mostrar que existe uma linguagem a ser aprendida e ela é possível de ser destrinchada e articulada da melhor maneira com disciplinas formais e hoje se sabe que é propício aliar essa disciplina formal com as idiossincrasias do pensamento livre e criativo sobre uma produção visual. Além dessa descrição ainda fica o desafio de ordenar todos esses recursos numa composição. Para isso se fala da sintaxe da linguagem visual. Na linguagem verbal, sintaxe significa disposição organizada das palavras segundo uma maneira de ordenação adequada; existem regras definidas para isso e basta aprendê-las e utilizá- las. Na AV, a sintaxe tem esse aspecto de disposição ordenada das partes, contudo não existem regras absolutas, é necessário ter em mente o resultado que se quer e o conhecimento de como os elementos compositivos poderão ser trabalhados para trazer os significados desejados de forma eficiente e clara (DONDIS, 2015). É necessário num primeiro momento ter claro quais são os elementos compositivos numa expressão visual e assim poder reconhecê-los e relacioná-los entre si para a avaliação e interpretação da imagem. Há, portanto uma morfologia da linguagem visual, a qual se configura o próximo tópico dessa pesquisa. 2.3 MORFOLOGIA DA LINGUAGEM VISUAL Neste tópico serão apresentados os conceitos de alguns teóricos sobre os aspectos que configuram a linguagem visual, a maneira como classificam, organizam e definem a estrutura de uma mensagem visual. 45 Cada teórico tem uma maneira de explicar essa morfologia, contudo observa-se a presença de pontos principais e elementares em todos eles, que serão destacados aqui resumidamente. Um dos primeiros teóricos sobre o assunto foi o russo e professor da Bauhaus Wassaly Kandinsky que elaborou o ensaio “Ponto e linha sobre o plano”, em que aborda a constituição da obra visual a partir de elementos básicos que devem ser entendidos e estudados para a compreensão da expressão visual (SARRASQUEIRO, 2017). Segundo Kandinsky (1997) as imagens são portadoras da sua própria linguagem, com características distintas de outras linguagens e que estão baseadas e estruturadas nos elementos plásticos que constituem o ponto, a linha, o plano, a textura, a cor etc. Para ele deve-se separar os elementos básicos do restante, visto que sem eles nenhuma obra é criada em qualquer que seja o domínio da arte. Da mesma forma que Kandinsky (1997), outros teóricos vieram legitimar as bases da morfologia visual nos elementos visuais elementares como Rudolf Arnheim, 1969, Donis A. Dondis, em 1973, Vucius Wong em 1979, Fayga Ostrower em 1983, Robert Horn em 1998, Bruno Munari em 1989 e Gomes Filho em 2000. Mais recentemente esses princípios foram revisitados em Ellen Lupton e Jennifer Phillips no ano de 2008, com alguma ampliação, pensando nas novas tecnologias da imagem disponíveis nos nossos dias1. Donis A. Dondis (2015) discorreu e classificou com certa precisão os elementos visuais básicos que são: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala ou proporção, a dimensão e o movimento, segundo ela “ Os elementos visuais constituem a substância básica daquilo que vemos” (DONDIS, 2015 p. 51), e são a matéria prima de toda informação visual, são sua estrutura e pode haver uma ênfase de determinados elementos sobre outros, dependendo do significado e expressão pretendidos pelo criador. 1 Arnheim (2005), Wong (1998), Dondis (2015), Gomes Filho (2004), Ostrower (1991), Horn (1998), Lupton e Phillips (2008), Bruno Munari (1997). 46 A base teórica da Gestalt, conforme a autora, diz que para se analisar e compreender um sistema (objeto, acontecimento etc.) é preciso reconhecer que esse sistema como um todo é formado por partes interatuantes e que podem ser isoladas e observadas de forma independente e após reunidas no todo. Não é possível modificar umas das partes do sistema sem que o todo não seja igualmente alterado. Para se analisar qualquer obra visual existem muitas formas, uma delas é decompô-la em seus elementos constitutivos para uma compreensão melhor do todo. Segundo Dondis essa é uma maneira que possibilita profunda compreensão de um meio visual e que auxilia também no processo de criação de uma manifestação visual. Na criação, a escolha dos elementos visuais que serão enfatizados e manipulados com vistas a um significado compete ao artista, designer ou artesão; ele é o visualizador. Elementos visuais simples podem ser usados com grande complexidade e expressividade, como o ponto por exemplo. Conhecer profundamente os componentes da linguagem visual propicia ao visualizador liberdade e diversidade de opções para compor. Da mesma forma ao fazer uma análise de uma manifestação visual, se concentrando nos elementos individuais, compreende-se melhor suas propriedades. Julga-se primordial esse conhecimento desde os anos iniciais do ensino regular adaptando-o à idade da criança. Segue breves definições dos principais elementos que elucidam essas ideias. Cada autor aqui estudado classifica a seu modo os elementos visuais e alguns os separam em subclasses ou nomeiam certos parâmetros da linguagem visual de outra forma. A autora deste trabalho traz o seu entendimento com relação a essas propriedades separando os elementos visuais básicos e formais que independem de qualquer coisa, têm sua própria força e característica que são: o ponto, a linha, o plano, o tom, a cor, a textura dos elementos relacionais que configuram aspectos dados aos elementos básicos em especial à forma, como: movimento, direção, escala e dimensão. Detalharemos os elementos por serem fundamentais em AV. 2.3.1 O ponto O ponto pode ser um conceito como coloca Wong (1998), indicando uma posição no espaço, em termos geométricos a intersecção das coordenadas x e y, como poder ter uma forma e ser graficamente representado, sendo um sinal, uma marca visível (LUPTON E PHILLIPS, 2008). 47 FIGURA 2 - Linha formada por pontos O ponto é a unidade de comunicação visual mais simples e irredutível. Tem grande poder de atração visual sobre o olho, tenha sido ele de fonte natural ou produzido pelo homem para algum objetivo. Dessa forma, é considerado ponto qualquer elemento que atraia o olhar dentro de uma estrutura visual, seja uma composição ou um objeto. Quando os pontos estão próximos e alinhados dirigem o olhar e quanto mais próximos estiverem um após o outro passam a representar uma linha, figura 34. Quando os pontos se apresentam em grande número criam a ilusão de tom ou de cor; Num texto, cada caráter é considerado um ponto que, alinhados em uma sequência, formam uma linha e a massa de linhas e pontos formam um plano que também pode se definir como uma textura visual. Fonte: Dondis (2015, p. 55) Fonte: Dondis (2015, p. 55) Fonte: Clube do Design (2014) disponível em: https://clubedodesign.com/2014/producao-grafica-4-reticula-meio-tom-e-traco/ Fonte: Clube do Design (2014) disponível em: https://clubedodesign.com/2014/producao-grafica-4-reticula-meio-tom-e-traco/ FIGURA 3 - retícula de tom contínuo 48 2.3.2 Linha A linha se constitui por uma sucessão de pontos que estão tão próximos que perdem a individualidade, aumentando o efeito de direcionamento. Também é definida como sendo um ponto em movimento (GOMES FILHO, 2004). As linhas marcam os limites dos objetos e o encontro de dois planos, ou seja, ela também é um elemento conceitual segundo Wong (1998) quando está subentendida na representação gráfica, como linhas imaginárias num layout em que se organizam vários elementos visuais. A linha pode ser reta ou curva, quebrada, ondulada ou mista, contínua ou tracejada, varia na espessura e quando a espessura é grande é percebida como um plano. O trajeto da linha determina sua presença visual. Quando se multiplicam descrevem planos, volumes e texturas ( LUPTON E PHILLIPS, 2008). A linha, segundo Dondis (2015) em qualquer lugar que for utilizada é o instrumento principal de uma pré-visualização, com ela se representa algo que ainda está na imaginação, “é esse elemento simples, sóbrio e extremamente expressivo” (Dondis, 2015 p. 52). Ela tem a característica de proporcionar grande liberdade e fluidez na representação figura 14, quanto pode servir para representar projetos extremamente técnicos com rigorosas medidas e formas, figura 15. Fonte: Lupton e Phillips (2008 p. 14) Fonte: Lupton e Phillips (2008 p. 14) FIGURA 4 - Textura com pontos 49 A linha tem o potencial de expressar o estado de espírito daquele que a grafou. Pode ser imprecisa e indisciplinada , pode ser delicada ou grosseira, pode ser hesitante, indecisa e inquiridora, pode ser tão pessoal que transmite as intenções, sensações, emoções e ,o mais importante, a visão do seu criador. 2.3.3 FORMA OU PLANO Plano, em geometria, por definição possui apenas duas dimensões: altura e largura. O plano também é definido como o trajeto de uma linha em movimento (LUPTON e PHILLIPS, 2008). Conforme as autoras uma linha que se fecha torna-se uma forma, um plano delimitado, formas são planos com limites. Segundo Gomes Filho (2004) no mundo físico tridimensional o plano pode ter espessura e o que é considerado plano depende do contexto visual, geralmente quando o comprimento e a largura predominam em relação à espessura, então o objeto percebido é considerado um plano, como uma porta, tampo de mesa, folhas de papel, cortinas etc. Uma superfície também é considerada um plano, como fachadas de edifícios, tetos, parede, pisos, quadras desportivas, as faces planas de qualquer objeto. Existem três formas básicas: o quadrado, o círculo e o triângulo equilátero. São figuras planas, simples e fundamentais. A cada figura se atribuem significados devido a sua forma (DONDIS, 2015). Essas formas são fundamentais porque numa composição se dá ênfase no sentido de uma ou de outra, elas dão direção à uma imagem, esses significados serão abordados no tópico sobre direção na imagem em “conceitos fundamentais”. Fonte: Dondis (2015 p. 56) Fonte: Dondis (2015 p. 56) FIGURA 6 - Linhas Fluídas FIGURA 5 - Linhas rígidas 50 2.3.4 Tom O tom está muito relacionado ao conceito de iluminação, visto que a luz não ilumina as coisas vistas uniformemente, onde há maior incidência de luz há claridade e onde ela é menor há obscuridade. Os tons se definem de acordo com maior ou menor incidência de luz. Se distingue oticamente as coisas no ambiente graças à variação de luz ou tons que ela proporciona a tudo que é visto. As gradações que existem da obscuridade à luz são múltiplas na natureza e nas reproduções feitas pelo homem esse número é limitado tanto no design, na arte ou no cinema. A escala tonal mais comumente utilizada e definida entre o pigmento preto e o branco tem por volta de 13 gradações identificáveis, esse número pode chegar a 30, contudo não é de uso prático por ser uma variação tonal muito sutil. O tom permite dar volume e dimensão às formas, tornando mais real a representação gráfica através da simulação da luz, dos reflexos dos materiais e da projeção de sombras. 2.3.5 Cor A cor é um elemento visual de grande fascínio e particularidades que auxiliam muito a comunicação visual. Possui grande carga expressiva e simbólica, podendo transmitir um teor emotivo à imagem. Fonte: Dondis (1997 p. 57) Fonte: Elaborado pela autora FIGURA 7 - Formas primárias ou fundamentais 51 A cor tem a propriedade de dar uma atmosfera ao visual. No cinema são usadas determinadas paletas de cores para exprimir um clima sombrio ou alegre, antigo ou vibrante, pela combinação e capacidade que a cor tem de comunicar essas sensações. A cor é muito utilizada no design como forma de comunicação e de diferenciação e destaque para alguma informação. Por exemplo ela pode auxiliar na sinalização de ambientes e nas vias públicas como um todo. Isso é possível por suas características de expansão ou retração, ser quente ou fria, amena ou excitante, contudo, deve se ressaltar aqui que a cor tem sua expressão e significado ao ser considerada num contexto (LUPTON E PHILLIPS, 2008; OSTROWER 1998). Entretanto, de acordo com Dondis (2015) a cor por si só carrega dados simbólicos e transmite sensações, por exemplo o vermelho, culturalmente no mundo ocidental significa perigo, amor, calor e vida e muitas outros coisas pela sua propriedade quente e vibrante. Dessa forma cada cor transmite sensações e por esse motivo recebem significados associativos e simbólicos, o que as torna um vocabulário para o AV. Por seus atributos a cor pode conectar elementos, equilibrar uma composição, ressaltar e também camuflar uma forma ou um conjunto de elementos. Pode fazer com que a forma se torne figura ou fundo dependendo da relação e combinação de cores próximas. A cor carrega uma subjetividade pelo fato de que ela existe, na verdade, no olho do observador, visto que só é possível percebê-la por que os objetos refletem a luz ou quando exista uma fonte que emita a luz (LUPTON e PHILLIPS, 2008). Muitos teóricos têm se ocupado no estudo da cor e algumas teorias foram formuladas a respeito dela. Um importante trabalho nesse sentido é “Da cor a cor inexistente” de Israel Pedrosa. A cor não tem existência material: é apenas sensação produzida por certas organizações nervosas sob a ação da luz - mais precisamente, é a sensação provocada pela ação da luz sobre o órgão da visão (PEDROSA, 1982 p. 17). TEORIA GERAL DAS CORES A cor possui três dimensões conforme Dondis (2015), as quais podem ser definidas e medidas. São elas o Matiz, a saturação e o valor ou brilho (do claro ao escuro). 52 MATIZ: Conforme Pedrosa (2009) em alguns idiomas há uma diferença entre o estímulo luminoso e a sensação em si da cor. Em português o estímulo luminoso (característica luminosa que provoca a cor) é denominado matiz, e a sensação percebida é chamada cor, em muitos idiomas se usa apenas uma palavra para os dois casos. A matiz que causa a sensação cromática se divide em dois grupos: as cores luz e as cores pigmentos. A cor-luz é uma radiação luminosa que tem como síntese aditiva a luz branca, a luz solar é sua melhor expressão reunindo todos os matizes que existem na natureza (PEDROSA, 2009). Nesse sistema aditivo os matizes primários da luz são: vermelho, verde e azul. A cor pigmento é uma substância material que absorve, refrata e reflete os raios luminosos. Quando se percebe por exemplo a cor verde em um material, significa que ele absorveu quase todos os raios da luz branca que incidiu sobre ele refletindo para os nossos olhos apenas os raios verdes (ou seja, a única onda que ele não absorveu). Os sistemas cromáticos por pigmentos são denominados subtrativos porque os pigmentos absorvem mais luz do que refletem e quando as cores se misturam o resultado é sempre uma cor mais escura, isso está demonstrado na figura 39 e 40. FIGURA 9 - Cores luz primárias FIGURA 8 - Cores primários pigmento Fonte: Lupton e Phillips (2008) Fonte: Lupton e Phillips (2008 p. 14) 53 SATURAÇÃO Saturação significa o grau de pureza de uma cor, que vai do matiz ao cinza. A cor saturada é simples e vibrante, composta pelas cores primária e secundárias. As cores com menos saturação tendem a neutralidade cromática, sendo mais sutis e calmas, é o significado que se pretende dar à informação visual que define o uso de uma cor mais ou menos saturada. BRILHO OU LUMINOSIDADE O brilho conforme Dondis (2015) corresponde ao valor do máximo do claro de uma cor ao mais escuro dela – gradações tonais ou de valor. O valor independe do matiz, se for retirada a cor de uma imagem ela será monocromática, porém todos os seus tons são preservados e é possível alterar sua luminosidade pois ela incide sobre os tons. CORES SECUNDÁRIAS, TERCIÁRIAS E COMPLEMENTARES: A descoberta que a luz branca se decompunha em todos os matizes se deu graças as descobertas de Isaac Newton em 1665, quando ao utilizar um prisma pode observar a luz penetrando e se decompondo em um espectro de cores: vermelho, amarelo, verde, azul, índigo e violeta, os quais ele colocou em um disco. O disco cromático utilizado atualmente nas mais variadas esferas da arte é muito didático para se entender a relação entre as cores. Nele temos as cores primárias: Fonte: Elaborado pela autora Fonte: Elaborado pela autora Fonte: Elaborado pela autora Fonte: Elaborado pela autora FIGURA 10 - Escala de saturação da cor FIGURA 11 - Escala de luminosidade 54 azul, vermelho e amarelo, as secundárias originadas da mistura das primárias, e as terciárias que resultam da mistura das secundária com a primária resultando em cores análogas que se encontram próximas no disco, essas cores possuem uma harmonia natural não oferecendo contraste, cada uma tem um elemento comum da outra da sequência e possui temperaturas próximas (LUPTON E PHILLIPS, 2008). As cores, segundo essas autoras ainda, que estão diametralmente opostas no disco são complementares, oferecem grande contraste, não possuem nenhum elemento da outra e têm temperaturas opostas – uma é quente a outra é fria, figura 43. As cores quentes se expandem, crescem. As cores frias se retraem e se distanciam. Trabalhar com cores contrastantes ajuda a definir melhor as formas enquanto o uso de cores com valores próximos ameniza a distinção entre os elementos. As cores complementares, opostas no círculo cromático foram estudadas por Munsell, que fez descobertas interessantes como o fenômeno visual fisiológico da imagem posterior. Ele observou que se fixar o olhar e se concentrar numa informação visual por um certo tempo e depois fixar o olhar num campo branco e vazio, visualiza- se uma imagem negativa do objeto no espaço vazio. No caso de se fixar o olhar numa cor a imagem posterior negativa é a cor complementar da mesma (Dondis, 2015). Conforme a autora Munsell baseou a estrutura de sua teoria sobre a cor nesse fenômeno. Segundo Pedrosa (2009) o fenômeno é também chamado de dispersão cromática, em que a cor que aparece no campo branco é uma cor irradiada, um tipo de reverberação luminosa. Também se observou neste fenômeno visual que a cor oposta ou negativa possui o mesmo tom daquela que a gerou, quando misturadas neutralizam seus matizes e produzem um tom médio de cinza. 55 Fonte: Elaborado pela autora. Fonte: Elaborado pela autora. FIGURA 12 - Disco Cromático Foi comprovado também a tendência que nossa percepção tem de ao olhar uma cor buscar seu oposto para neutralizá-la. Colocando uma cor como o vermelho sobre a cor cinza, o cinza tende a ser percebido como azulado para o nosso olho que busca o oposto do vermelho, o mesmo acontece com o azul sobre o cinza, o cinza torna-se mais alaranjado, ou seja, com tom mais quente, oposto ao azul. Esse fenômeno é chamado de contraste simultâneo, um processo psic