ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 470 PRODUÇÃO DE EMBRIÕES IN VITRO: ESTRESSE OXIDATIVO E ANTIOXIDANTES Letícia Ferrari Crocomo 1* Wolff Camargo Marques Filho 2 Fernanda da Cruz Landim-Alvarenga 3* Sony Dimas Bicudo 3* RESUMO A produção contínua e excessiva de espécies reativas de oxigênio (EROs) associada à depleção da concentração intracelular de glutationa (GSH) são as principais causas da baixa eficiência da produção in vitro de embriões (PIV) em diversas espécies animais. Isto se deve às condições de cultivo in vitro e à ausência do sistema de defesa antioxidante materno. Dentre os efeitos deletérios do estresse oxidativo, a peroxidação lipídica tem sido relacionada com o bloqueio do desenvolvimento e redução da viabilidade oocitária e embrionária. Neste contexto, a suplementação dos meios de cultivo in vitro com compostos tióis tem sido proposta com intuito de reduzir as perdas decorrentes do estresse oxidativo. Sendo assim, dada a relevância do tema, esta revisão visa proporcionar melhor compreensão dos eventos bioquímicos envolvidos na formação das EROs, na peroxidação lipídica e no sistema de defesa antioxidante glutationa redutase/peroxidase, com enfoque aos oócitos e embriões, e discutir alternativas para melhorar a eficiência da PIV. Palavras-chave: oócito, embrião, glutationa, compostos tióis, lipoperoxidação IN VITRO EMBRYO PRODUCTION: OXIDATIVE STRESS AND ANTIOXIDANTS ABSTRACT The continuous and excessive production of reactive oxygen species (EROs) associated with the depletion of intracellular concentration of glutathione (GSH) are the main cause of low efficiency of in vitro embryo production (PIV) in several animal species. It is due the in vitro culture conditions and the absence of the maternal antioxidant defense system. Among the deleterious effects of oxidative stress, lipid peroxidation has been related to the development block and reduction of the oocyte and embryo viability. In this context, the supplementation of the in vitro culture media with thiol compound has been proposed in order to reduce losses resulting from oxidative stress. Thus, considering the topic relevance, this review aims to provide better understanding of the biochemical events involved in the EROs formation, lipid peroxidation and antioxidant defense system glutathione reductase/peroxidase, focusing on oocytes and embryos, and to discuss alternatives to improve the PIV efficiency. Keywords: oocyte, embryo, glutathione, thiol compounds, lipoperoxidation 1 Médica Veterinária doutoranda em Reprodução Animal, bolsista FAPESP, UNESP, Botucatu, São Paulo, Brasil. E-mail: lfcrocomo@hotmail.com. 2 Pós-graduando da FMVZ-UNESP Botucatu, São Paulo, Brasil. 3 Prof. Dr. do Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária da FMVZ – UNESP, Botucatu, São Paulo * Correspondência: Distrito de Rubião Jr, s/n, CEP 18618-000 Botucatu – SP ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 471 PRODUCCIÓN DE EMBRIONES IN VITRO: EL ESTRÉS OXIDATIVO Y LOS ANTIOXIDANTES RESUMEN La producción continua y excesiva de especies reactivas de oxigeno (EROs) asociada con la depleción de glutatión (GSH) intracelular son las principales causas de la baja eficiencia en la producción de embriones in vitro (PIV) en varias especies animales. Esto es debido a las condiciones de cultivo in vitro y a la ausencia del sistema de defensa antioxidante materno. Entre los efectos nocivos del estrés oxidativo, la peroxidación lipídica se ha relacionado con el bloqueo del desarrollo y la reducción de la viabilidad de ovocitos y embriones. En este contexto, se ha propuesto la suplementación de los medios de cultivo in vitro con compuestos tiol con el fin de reducir las pérdidas resultantes del estrés oxidativo. Así, dada la relevancia del tema, esta revisión tiene como objetivo proporcionar una mejor compresión de los eventos bioquímicos que intervienen en la formación de las EROs, en la peroxidación lipídica y en el sistema de defensa antioxidante glutatión reductasa / peroxidasa, con enfoque en ovocitos y embriones, y discutir alternativas para mejorar la eficiencia de la PIV. Palabras clave: ovocitos, embriones, glutatión, compuestos tiol, peroxidación lipídica INTRODUÇÂO Apesar dos recentes avanços biotecnológicos, a eficiência da PIV em diferentes espécies animais ainda é baixa quando comparada aos resultados obtidos in vivo (1-3). Dentre os fatores implicados neste contexto, a qualidade dos oócitos e as condições dos sistemas de maturação oocitária e cultivo embrionário in vitro são determinantes (4, 5). In vitro, a produção de EROs é favorecida pela alta tensão de oxigênio (O2) associada à interferência da luz, à presença de espermatozóides e à ausência da proteção antioxidante materna. Para reestabelecer o potencial redox intracelular, grande quantidade de glutationa é mobilizada resultando em maior susceptibilidade ao estresse oxidativo (6, 7). Como conseqüência, reações em cadeia são desencadeadas promovendo danos celulares que resultam em altas taxas de apoptose e bloqueio da meiose oocitária e do desenvolvimento embrionário in vitro (8, 9). Neste contexto, a suplementação dos meios de maturação oocitária (MIV) e cultivo embrionário in vitro (CIV) com compostos tióis, capazes de incrementar o sistema de defesa antioxidante intracelular, tem sido proposta com intuito de melhorar eficiência da PIV (10, 11). Deste modo, dada a relevância do tema, esta revisão visa ampliar o conhecimento referente aos eventos bioquímicos envolvidos na formação das EROs, na lipoperoxidação e no sistema de defesa antioxidante glutationa redutase/peroxidase ao longo do desenvolvimento oocitário e embrionário tanto in vivo como in vitro . Alternativas para incrementar a eficiência da PIV pela utilização de antioxidantes nos meios de cultivo in vitro também serão abordadas. ESTRESSE OXIDATIVO Consiste num termo genérico dado à situação em que existe desequilíbrio entre as espécies reativas de oxigênio e as substâncias antioxidantes, com predominância das primeiras. Nos sistemas de cultivo in vitro, o estresse oxidativo consiste numa das principais causas da baixa eficiência da maturação oocitária e desenvolvimento embrionário em várias espécies (8, 12). Além disso, está envolvido no envelhecimento celular e na patogênese de ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 472 muitas doenças como o câncer, ataque cardíaco, derrame, diabetes, doenças hepáticas entre outras (13). As EROs são naturalmente geradas durante o metabolismo aeróbico, mesmo em condições basais (9). Deste modo, estão presentes em todos os tipos celulares. Numa situação de equilíbrio, exercem efeitos benéficos atuando como moléculas sinalizadoras em processos fisiológicos como na regeneração tecidual, sinalização hormonal, esteroidogênese, regulação redox intracelular e embriogênese (14). No entanto, quando a concentração crítica de EROs é ultrapassada, ocorrem efeitos prejudiciais às células, resultando em alteração e morte celular (8). Além do metabolismo intracelular, o estresse oxidativo também pode ser favorecido pelas condições ambientais às quais oócitos e embriões são submetidos durante a PIV. Tais condições envolvem a concentração de oxigênio, presença de espermatozóides, constituintes do meio e exposição à luz ou calor (9). FORMAÇÃO DAS ESPÉCIES REATIVAS DE OXIGÊNIO Durante a respiração celular, a molécula de oxigênio (O2) deve receber quatro elétrons e ser completamente reduzida a duas moléculas de água (H2O). Se o O2 for parcialmente reduzido pela recepção de somente 1 elétron, o produto desta redução será o radical superóxido (O2 - ). Este radical, ao receber mais um elétron e 2 íons de hidrogênio, formará o peróxido de hidrogênio (H2O2). Da reação entre o peróxido de hidrogênio e íons de ferro ou cobre ocorrerá a formação do radical hidroxila (OH - ), considerado o mais reativo (Figura 1). Este último também poder ser formado pela reação entre o peróxido de hidrogênio e superóxido (15, 16). Figura 1. Reações químicas que resultam na formação das espécies reativas de oxigênio. Modificado de Ferreira e Matsubara (15). Os radicais superóxidos e hidroxilas são considerados radicais livres, pois possuem elétrons desemparelhados em sua órbita mais externa. O peróxido de hidrogênio, apesar de não ser um radical livre, representa um metabólito parcialmente reduzido (17). Logo, todos estes metabólitos derivados do oxigênio são denominados espécies reativas de oxigênio em função da elevada instabilidade e reatividade (18). Para se tornarem estáveis, as EROs precisam adquirir elétrons. Sendo assim, reagem com quaisquer moléculas ao seu redor (lipídios, carboidratos, ácidos nucléicos) provocando a oxidação destas. Como conseqüência, reações em cadeia são desencadeadas resultando em danos celulares que incluem: peroxidação lipídica, alterações mitocondriais, desnaturação protéica, bloqueio no desenvolvimento embrionário, redução da motilidade espermática, alteração do fuso meiótico, depleção de ATP e apoptose celular (8, 9). PEROXIDAÇÃO LIPÍDICA OU LIPOPEROXIDAÇÃO Definida como “a deteriorização oxidativa dos ácidos graxos poliinsaturados (AGPI)”, a lipoperoxidação consiste numa reação em cadeia desencadeada pela ação das EROs sobre os ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 473 AGPI, resultando em alterações celulares irreversíveis (19). Devido a isso, é considerada um dos mais importantes efeitos citotóxicos decorrentes do estresse oxidativo (20). O processo de lipoperoxidação se inicia com o sequestro de um átomo de hidrogênio dos AGPI pelas EROs. Por ser mais instável e reativo, o radical hidroxila (OH - ) é considerado o agente desencadeador da reação. Como conseqüência, há formação de radicais lipídicos alquila (L - ), que rapidamente reagem com uma molécula de oxigênio (O2) formando os radicais peroxila (LOO - ). Estes, por sua vez, para se estabilizarem, abstraem átomos de hidrogênio dos AGPI, resultando na formação de novos radicais lipídicos. Esta reação em cadeia se propaga até os radicais lipídicos destruírem a si próprios (15, 21), conforme demonstrado na figura 2. Figura 2. Reações químicas que representam a lipoperoxidação. Modificado de Ferreira e Matsubara (15). Dentre os componentes celulares, as membranas são mais susceptíveis à deteriorização lipídica, devido à grande quantidade de AGPI. As alterações decorrentes deste processo incluem: destruição da estrutura e alteração da permeabilidade das membranas celulares. Consequentemente, há perda da seletividade para entrada e saída de nutrientes e substâncias tóxicas, liberação do conteúdo das organelas, formação de produtos citotóxicos e alteração do DNA, culminando com a morte celular (22, 23). Nas biotecnologias reprodutivas, a lipoperoxidação decorrente do estresse oxidativo é considerada uma das principais causas da baixa fertilidade dos espermatozóides submetidos aos processos de criopreservação e da baixa eficiência dos sistemas de cultivo oocitário e embrionário in vitro (24, 25). Evidências indicam que o excesso de EROs na PIV induz o bloqueio do desenvolvimento e compromete a viabilidade oocitária e embrionária. Estes comprometimentos ocorrem devido às lesões estruturais e funcionais promovidas pela deteriorização oxidativa dos AGPI (6). SISTEMAS DE DEFESA ANTIOXIDANTE As EROs são continuamente geradas como conseqüência direta do metabolismo de O2 (9). Como proteção aos efeitos nocivos do excesso de metabólitos de oxigênio, o organismo dispõe de dois sistemas antioxidantes: não enzimáticos e enzimáticos. Estes atuam em diferentes níveis de proteção: inibindo a formação e ação oxidativa das EROs, e reparando as lesões provocadas pelos metabólitos oxidativos (26). Sistema antioxidante não enzimático Inclui compostos de baixo peso molecular presentes na dieta como ácido ascórbico (vitamina C), tocoferol (vitamina E), selênio, zinco, taurinas, hipotaurinas, caroteno, ácido lipóico (9). Também são incluídos os compostos tióis como: cistina, cisteína, cisteamina e beta-mercaptoetanol, utilizados nos meios de cultivo oocitário e embrionário in vitro (10). ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 474 Sistema antioxidante enzimático Inclui as enzimas superóxido dismutase, catalase, peroxirredoxinas e o sistema glutationa redutase / peroxidase. A superóxido dismutase é responsável por catalisar a dismutação do superóxido em oxigênio e peróxido de hidrogênio, enquanto que as peroxirredoxinas degradam o peróxido de hidrogênio e a catalase o converte à água e oxigênio. Já o sistema glutationa redutase / peroxidase consiste no mecanismo de defesa primário para remoção das EROs (15, 18). SISTEMA GLUTATIONA REDUTASE/PEROXIDASE A Glutationa é o maior e mais importante composto tiol-sulfidril não protéico, presente em todas as células dos mamíferos. Consiste num tripeptídeo formado pelos aminoácidos: glutamato, glicina e cisteína. Este composto está envolvido em inúmeras funções biológicas, sendo conhecido principalmente pelo seu potencial de proteger as células contra os efeitos citotóxicos das EROs e manter o potencial redox intracelular (12). No organismo, se apresenta sob 2 formas: glutationa reduzida (GSH), que apresenta capacidade redutora determinada pelo grupamento sulfidrila (-SH) e é predominante no meio intracelular; e a glutationa oxidada (GSSG), que é um dissulfeto resultante da oxidação da GSH após sua exposição ao agente oxidante (27). No processo de neutralização das EROs, a glutationa opera em ciclos entre a sua forma reduzida e oxidada. As reações de redução e oxidação são catalisadas pelas enzimas glutationa peroxidase (GPx) e redutase (GR) e ocorrem na presença de selênio e NADPH, respectivamente (12). Conforme representado na figura 3, a glutationa peroxidase catalisa a dismutação do peróxido de hidrogênio à água, utilizando a GSH como agente redutor que, consequentemente, é convertida à sua forma oxidada (GSSG). Numa situação de equilíbrio, a glutationa redutase imediatamente converte a GSSG à sua forma reduzida (GSH), utilizando o NADPH como agente redutor (27, 28). A recuperação da GSH é essencial para manter íntegro o sistema de proteção celular. Este processo depende da nicotinamida adenina dinucleótido fosfato (NADPH) que é gerada pela oxidação da glicose na via das pentoses-fosfato (12). Qualquer desequilíbrio neste processo resultará em menor contração intracelular de GSH favorecendo o estresse oxidativo. Figura 3. Reações químicas que representam a dismutação do peróxido de hidrogênio pelo sistema glutation redutase/ peroxidase. Modificado de Luberda (12). GLUTATIONA DURANTE O DESENVOLVIMENTO OOCITÁRIO E EMBRIONÁRIO IN VIVO X IN VITRO Devido às suas inúmeras funções biológicas, em especial à atividade antioxidante, a glutationa está diretamente relacionada ao potencial de desenvolvimento oocitário e embrionário tanto in vivo como in vitro (12). Evidências indicam que a concentração intraoocitária de glutationa aumenta ao longo da maturação, de modo que, oócitos no estadio de metáfase II apresentam o dobro da quantidade ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 475 de GSH detectada no estádio de vesícula germinativa. Esta síntese de GSH durante a maturação pode ser regulada por gonadotrofinas (29). No entanto, no estadio inicial do desenvolvimento embrionário, o nível de GSH diminui rapidamente, sendo que sua síntese é retomada apenas com a ativação do genoma embrionário. Logo, o estoque de GSH intraoocitário assegura a proteção contra as EROs durante a fertilização e desenvolvimento embrionário inicial e, consequentemente, determina a competência oocitária (30, 31). Além da ação antioxidante, a GSH participa ativamente na descondensação do material genético espermático, formação do pronúcleo masculino e manutenção do potencial redox intracelular (32). Deste modo, a glutationa, em sua forma reduzida, pode ser considerada um potencial marcador bioquímico da maturação, viabilidade e potencial de desenvolvimento oocitário (29). No entanto, nos oócitos maturados in vitro, a concentração intracelular de GSH é bem menor do detectado in vivo. Isto se deve à elevada e contínua produção de EROs nos sistemas de cultivo in vitro decorrente da elevada concentração de O2, interferência da luz e presença de espermatozoides. Estas condições resultam em maior mobilização da GSH e, consequentemente, maior susceptibilidade ao estresse oxidativo (6, 7). Além disso, in vivo, os oócitos e embriões estão protegidos contra o estresse oxidativo pela presença de antioxidantes no fluido folicular e oviduto (33). No entanto, na PIV, os oócitos são removidos do ambiente natural e submetidos à condições de cultivo distintas do fisiológico o que favorece o estresse oxidativo (6). Como consequência, podem ser constatadas alterações mitocondriais, apoptose, bloqueio da meiose oocitária e do desenvolvimento embrionário (8). Neste contexto, com intuito de minimizar os efeitos citotóxicos decorrentes do estresse oxidativo e consequentemente melhorar a eficiência da PIV, tem sido proposto a suplementação dos meios de cultivo oocitário e embrionário com antioxidantes (10, 11), e a redução da tensão de oxigênio à níveis mais próximos do fisiológico (5%) (5). ANTIOXIDANTES NO MEIO DE CULTIVO IN VITRO A síntese de GSH nos oócitos e embriões depende da disponibilidade de aminoácidos precursores no meio extracelular e de um sistema de transporte destes aminoácidos pela membrana plasmática (34). Baseado nisso, os meios de cultivo padrão, como TCM199, são normalmente enriquecidos com aminoácidos como cisteína e/ou cistina (35). Efeitos benéficos da cisteína nos meios MIV e CIV têm sido relatados em bovinos e suínos, no entanto, ainda existe discrepância entre autores com relação aos resultados obtidos (36, 37). Apesar de a cisteína ser diretamente aproveitada pelo oócito e embrião para síntese de glutationa, sua estabilidade no meio extracelular é muito baixa, sendo oxidada em cistina em uma hora de cultivo (38). Evidências indicam ainda que tanto oócitos desnudos como embriões não conseguem utilizar a cistina presente no meio de cultivo, provavelmente pela ausência de um sistema de transporte transmembrana de cistina ou pela incapacidade de conversão desta em cisteína (10, 39). Neste contexto, as células do cumulus desempenham importante função, uma vez que, conseguem recuperar a cistina do meio e convertê-la em cisteína. Além disso, sintetizam GSH que juntamente com cisteína são transferidas ao oócito pelas junções GAP (39, 40). Evidências indicam incremento no nível intracelular de GSH quando oócitos desnudos são cultivados na presença de complexos cumulus-oócitos intactos (41) ou monocamada de células do cumulus (35). ISSN Impresso 0102 -5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Crocomo LF. et al. Produção de embriões in vitro: estresse oxidativo e antioxidantes. Vet. e Zootec. 2012 dez.; 19(4): 470-479. 476 Deste modo, o estoque intraoocitário de glutationa está diretamente relacionado à presença do cumulus (42), sendo favorecido pela íntima comunicação destas células com o oócito pelas junções GAP. Neste contexto, a adição de compostos tióis de baixo peso molecular como a cisteamina e o β-mercaptoetanol aos meios de cultivo in vitro suplementados com cistina e/ou cisteína consiste numa alternativa para incrementar a concentração intracelular de GSH. Evidências indicam que tal estratégia resulta em maior eficiência da PIV (3, 43). Os compostos tiois têm a capacidade de converter a cistina em cisteína, que é diretamente aproveitada tanto pelos oócitos como embriões. Além disso, impedem a oxidação da cisteína, aumentando a sua disponibilidade no meio extra e intracelular. Como consequência, há incremento da síntese de GSH resultando em maior viabilidade oocitária e embrionária (44, 45). Estudos relatam ainda maiores taxas de blastocistos e redução da apoptose, em diferentes espécies animais, quando os meios MIV e CIV foram suplementados com cisteamina e/ou beta-mercaptoetanol associados à cistina e/ou cisteína (34, 43, 44, 46). Vale ressaltar, no entanto, que os efeitos positivos ou negativos do uso de antioxidantes dependem da concentração destes no meio extracelular, do tempo de cultivo e da espécie animal em questão (3). Enquanto na MIV e CIV, a adição de antioxidantes promove efeitos benéficos, supõe-se que o meio de fertilização in vitro (FIV) não deve conter antioxidante uma vez que as EROs são fundamentais para hiperativação, capacitação e reação acrossômica dos espermatozóides (31). CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme exposto, as condições de cultivo in vitro favorecem o estresse oxidativo que interfere negativamente na PIV. Modificações nestas condições, como suplementação dos meios de cultivo com compostos tióis e baixas concentrações de oxigênio tem sido propostas como alternativas para aumentar a viabilidade dos oócitos e embriões. Apesar dos resultados satisfatórios obtidos, acredita-se que o estudo aprofundado dos aspectos bioquímicos e moleculares do fluido folicular e do ambiente uterino é imprescindível para reprodução de condições de cultivo in vitro semelhantes ao fisiológico, resultando em melhor eficiência de biotecnologias reprodutivas como a PIV. REFERÊNCIAS 1. 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