UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR “EFEITO DO CLORETO DE CÁDMIO SOBRE AS GÔNADAS DE GIRINOS DE RÃS–TOURO (Lithobates catesbeianus)” Gisele Miglioranza Rizzi Rio Claro 2014 Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Biologia Celular e Molecular). Gisele Miglioranza Rizzi “EFEITO DO CLORETO DE CÁDMIO SOBRE AS GÔNADAS DE GIRINOS DE RÃS–TOURO (Lithobates catesbeianus)” Orientador: Prof. Dr. Fábio Camargo Abdalla Colaboradoras: Profª. Drª. Elaine Cristina Mathias da Silva-Zacarin Profª. Drª. Monica Jones Costa Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil 2014 Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Biologia Celular e Molecular). Rizzi, Gisele Miglioranza Efeito do cloreto de cádmio sobre as gônadas de girinos de rãs-touro (Lithobates catesbeianus) / Gisele Miglioranza Rizzi. - Rio Claro, 2014 95 f. : il., figs., mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Fábio Camargo Abdalla 1. Anfíbio. 2. Ecotoxicologia. 3. Metal-traço. I. Título. 597.6 R627e Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP iv Dedico essa, bem como minhas demais conquistas aos meus pais, Rosa e Gilmar e ao meu noivo Rafael. v Agradecimentos A Deus por estar sempre presente em minha vida, guiando meus passos e me dando forças para seguir sempre em frente. Aos meus pais Rosa e Gilmar que me deram o dom mais precioso do mundo: a vida. Obrigada por todo amor, carinho, cuidado, apoio, compreensão, paciência... Obrigada por me mostrarem sempre o caminho certo e por não medirem esforços para que eu chegasse até aqui. Amo muito vocês! Ao meu noivo Rafael, que mesmo estando longe sempre esteve ao meu lado em todos os momentos. Obrigada por todo incentivo, pela força, pelo carinho, pelo amor... Mas principalmente, obrigada por acreditar em mim e me fazer acreditar que sou capaz! Te amo! Ao meu orientador Prof. Dr. Fábio C. Abdalla que confiou em mim e acreditou no meu potencial. Sempre disponível e disposto a ajudar. Obrigada pelos anos de aprendizado e pela paciência! Você me ensinou que ser mestre não se resume apenas em transmitir conhecimentos teóricos e que é preciso perseverança, dedicação, esforço e vontade para alcançar nossos objetivos. Você não foi somente orientador, mas, um grande amigo que sempre será referência para meu crescimento. À Prof. Dra. Elaine C. M. S. Zacarin, e à Prof. Dra. Monica J. Costa, obrigada por toda ajuda, paciência, dedicação, por todos os ensinamentos.. por tudo que vocês fizeram por mim durante todo esse tempo em que nos conhecemos. Vocês duas sempre serão minhas referências, não apenas no sentido profissional, mas também como mães, mulheres e amigas. Às minhas amigas-irmãs Raquel e Cristiane que percorreram junto comigo todo este caminho. O valor, crescimento e amadurecimento da nossa amizade não foi provado apenas nos momentos de alegria, mas principalmente nos momentos de dificuldades. Obrigada pela força, pela cumplicidade, pelo companheirismo, pela amizade. Não teria conseguido chegar até aqui sem vocês! vi Aos meus companheiros de casa, Felipe, Joice, Rauana, Hector e Bruno. Obrigada por todo apoio, incentivo e principalmente por me deixarem compartilhar um pouco da minha vida com vocês. A todos do Laboratório de Biologia Estrutural e Funcional e do Laboratório Fisiologia da Conservação. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus de Rio Claro, à Universidade Federal de São Carlos campus Sorocaba, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A todos que, direta ou indiretamente contribuíram com este trabalho. vii Resumo Foi realizado um estudo sobre o efeito do Cloreto de cádmio (CdCl2) em girinos no estágio 25 de Gosner expostos durante 4 e 16 dias à dose ambientalmente aceita pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para os corpos d´água de classes 1 e 2. Os resultados mostraram mudanças morfofuncionais significantes. Nos ovários dos indivíduos expostos durante 4 dias observou-se a aceleração na gametogênese inicial, evidenciado pelo aumento da incidência do número de ovócitos nos estágios I, II e III e aumento da incidência de micronucléolos, que demonstram alta síntese de RNA. As técnicas histoquímica e imuno-histoquimica não revelaram mudanças relevantes causadas por esse metal traço. Nos ovários dos indivíduos expostos durante 16 dias também observou-se aceleração na gametogênese inicial, como descrito para os indivíduos expostos durante 4 dias. A imuno-histoquimica demonstrou superexpressão da HSP70, indicando estresse oxidativo ou uma resposta adaptativa fisiológica ao CdCl2. Nos testículos dos indivíduos expostos durante 4 dias, observaram-se alterações anatômicas, morte celular, modificações nas células somáticas, morte e reabsorção das células germinativas, além da degeneração do tecido gonadal, adipogênese e poligonadismo não funcional. Como observado nos ovários, para esse período de exposição; as técnicas histoquímica e imuno-histoquimica não revelaram mudanças relevantes causadas por esse metal traço, demonstrando expressão basal. Nos testículos dos indivíduos expostos durante 16 dias observou-se aceleramento do desenvolvimento testicular já observando-se início dos espermatócitos primários organizando-se para formar os ductos seminíferos primordiais, poligonadismo misto, bem como, reversão sexual. A imuno-histoquimica não demonstrou diferenças significantes entre grupo controle e exposto quanto à expressão da HSP70, porém notou-se que esta está abaixo da observada no grupo exposto durante 4 dias. Pelo exposto, a pesquisa demonstra que os parâmetros utilizados pelo CONAMA como doses ambientalmente permitidas para o CdCl2 nos referidos corpos d´água precisam ser revistos, uma vez que os animais estudados foram severamente afetados e são grupos cujas espécies possuem populações ameaçadas de extinção no mundo todo. Palavras chave: anfíbios, metal-traço, Cloreto de cádmio, gônadas. viii Abstract A study about the effects of cadmium chloride (CdCl2) on tadpoles at Gosner stage 25 exposed for 4 and 16 days, to dosage environmentally accepted by National Council on the Environment (CONAMA) for the water classes 1 and 2, was performed. The results showed significant morphological and functional changes. On the ovaries of individuals exposed for 4 days, acceleration in the initial gametogenesis was observed, evidenced by the increased incidence of the number of oocytes in stages I, II and III and increased incidence of micronucleoli, which demonstrates high RNA synthesis. The histochemical and immunohistochemical techniques revealed no relevant changes caused by this trace metal. On the ovaries of individuals exposed for 16 days, acceleration in the initial gametogenesis was also observed, as reported by individuals exposed for 4 days. Immunohistochemistry showed overexpression of HSP70, indicating oxidative stress or physiological adaptive response to CdCl2. On the testicles of individuals exposed for 4 days, there were cases of anatomical changes, cell death, changes in somatic cell death and resorption of the germ cells, degeneration of gonadal tissue, adipogenesis and nonfunctional polygonadism. As noted on the ovaries for this period of exposure, the histochemical and immunohistochemical techniques revealed no relevant changes caused by this trace metal, showing basal expression. On the testes of individuals exposed during 16 days, the acceleration of testicular development was observed, with early primary spermatocytes organizing to form the primary seminiferous ducts, mixed polygonadism, as well as sex reversal. Immunohistochemistry showed no significant differences between the control and exposed groups regarding the expression of HSP70, however it is notable that this expression is below that observed in the group exposed for 4 days. For these reasons, the research shows that the parameters used by CONAMA as doses environmentally permitted to CdCl2 in these waters need to be revised, once the animals studied were severely affected and these are groups whose species have populations threatened with extinction in the whole world. Keywords: amphibians, trace metal, cadmium Chloride, gonads. ix Sumário 1. Introdução.............................................................................................................. 1 2. Objetivos ............................................................................................................. 12 2.1. Gerais ........................................................................................................... 12 2.2. Específicos.................................................................................................... 12 3. Material e Métodos .............................................................................................. 12 3.1. Coleta do material e manutenção em laboratório ........................................... 13 3.2. Delineamento experimental para os ensaios ecotoxicológicos ....................... 13 3.3. Microscopia para Alta Resolução (adaptada por Abdalla, 2012) .................... 14 3.4. Histoquímica em Fluorescência – Acridine Orange ....................................... 15 3.5. Imuno-Histoquímica – HSP70 ...................................................................... 16 4. Resultados e Discussão ........................................................................................ 17 4.1. Morfologia dos Ovários Primordiais ............................................................. 17 4.1.1. Morfologia dos ovários em girinos expostos ao CdCl2 durante 4 dias .......... 21 4.1.2. Morfologia dos ovários em girinos expostos ao CdCl2 durante 16 dias ........ 27 4.2. Morfologia dos Testículos Primordiais .......................................................... 30 4.2.1. Morfologia dos testículos em girinos expostos ao CdCl2 durante 4 dias ...... 32 4.2.2. Morfologia dos testículos em girinos expostos ao CdCl2 durante 16 dias .... 41 4.3. Histoquímica em Fluorescência..................................................................... 45 4.4. Imuno-histoquímica ...................................................................................... 48 5. Considerações finais ............................................................................................ 52 6. Conclusão ............................................................................................................ 52 7. Referências .......................................................................................................... 53 8. Anexos ................................................................................................................ 79 8.1. Anexo 1: Posição Sistemática da Espécie ...................................................... 79 8.2. Anexo 2: Tabela de Gosner ........................................................................... 80 8.3. Anexo 3: Tempos de exposição ..................................................................... 81 x 8.4. Anexo 4: Tabela de CONAMA ..................................................................... 82 8.5. Anexo 5: Composição da ração Alcon Garden Basic Sticks .......................... 83 8.6. Anexo 6: Cálculo de diluição CdCl2 .............................................................. 84 1 1. Introdução Mesmo com todos os avanços científicos e tecnológicos, o conhecimento atual sobre a diversidade biológica do planeta é escasso. Dizer quantas espécies existem no mundo, ou ainda em um pequeno fragmento de floresta, é difícil, ou mesmo impossível (MAY, 1988; NOMURA, 2008), fato preocupante, quando se considera o ritmo atual de destruição de ecossistemas naturais, aliado às altas taxas de extinção de espécies (WILSON, 1997; NOMURA, 2008). De acordo com Santos (2003), o desenvolvimento de programas de conservação e uso sustentado de recursos biológicos exige a ampliação dos conhecimentos nessa área. Os anfíbios são vertebrados tetrápodes com tegumento delgado e pouco queratinizado, uma das diversas características que lhes permitem o desenvolvimento pré e pós-embrionário ocorrer nos meios aquático e terrestre, respectivamente. Apesar da maioria dos adultos das espécies que compõe a classe viverem em meio terrestre, esses sempre estão associados a lagos e rios ou paisagens geobotânicas úmidas, pois sua fisiologia e características adaptativas anatômicas não permitem à maioria dos adultos suportarem ambientes secos ou com alta incidência de raios solares. Sendo assim, são animais de biomas especializados, o que os fazem muito susceptíveis às alterações ambientais (HADDAD, 2008). Portanto, tendo em vista essas características, os anfíbios são considerados excelentes indicadores ambientais e correspondem a um dos grupos mais afetados pela ação antrópica sobre os ambientes naturais (TOLEDO et al., 2003). Os anfíbios estão em declínio global (PECHMANN; WILBUR, 1994; BLAUSTEIN; WAKE, 1995; ALFORD; RICHARDS, 1999; HOULAHAN et al., 2000; COLLINS; STORFER, 2003; MORAES et al., 2007) e dentre os fatores que contribuem para esse problema estão: as alterações climáticas; a poluição da água causada por contaminantes químicos; a perda de hábitats devido à ação antrópica; a inserção de espécies exóticas e invasoras; infecções, geralmente ocasionadas por fungos e patógenos; ou até mesmo a maior incidência de radiação ultravioleta associada à depleção da camada de ozônio (ALFORD; RICHARDS, 1999; YOUNG et al., 2001; COLLINS; STORFER, 2003; RELYEA, 2003; BEEBEE; GRIFFITHS, 2005; McCALLUM, 2007; McMENAMIN et al., 2008; HAYES et al., 2010). Porém, a degradação ambiental causada pelo ser humano é o fator que mais tem contribuído para o aumento das taxas de declínio e extinção das populações destes animais (TOLEDO et al., 2003). 2 A literatura demonstra que vários poluentes descarregados nos corpos d´água através dos efluentes industriais e domésticos interferem no ciclo de vida dos anfíbios, principalmente nas fases iniciais do desenvolvimento, as quais ocorrem frequentemente em ambiente aquático (HEATWOLE; BARTHALMUS, 1994). Tais substâncias, denominadas xenobióticos, são capazes de interagir com organismos vivos, causando alterações orgânicas que geram graves consequências em populações, comunidades ou ecossistemas inteiros, dependendo da substância, do grau de contaminação e do tempo de exposição a estes elementos (ABDALLA et al., 2013). Tal situação é alarmante e pode trazer consequências graves à saúde e à integridade dos ecossistemas, acarretando desequilíbrios em diversos níveis tróficos (TOLEDO et al., 2003). De acordo com Igansi (2012), a capacidade do ser humano explorar e manipular elementos naturais e sintéticos proporcionou um importante marco no desenvolvimento de nossa sociedade. Todavia, o ser humano vive cada vez mais exposto a contaminantes nocivos à saúde e ao meio ambiente, os quais eram encontrados em quantidades mínimas em determinadas regiões até seu desenvolvimento e manipulação (RAMIREZ, 2002). Dentre os contaminantes mais intensamente estudados nos ecossistemas aquáticos estão os metais (PALENZUELA et al., 2004). Anteriormente denominados “metais pesados” devido principalmente à descoberta do mercúrio e suas propriedades toxicológicas, os metais traço são um grupo heterogêneo de elementos, encontrados em pequenas quantidades nos ambientes naturais, incluindo metais e semi metais que possuem massa atômica maior do que 20Da (Dalton) ou peso específico maior que g∙cm-3 (MALAVOLTA, 1994). Em função da sua toxicidade para os sistemas biológicos e sua persistência no ambiente, os metais são considerados potencialmente perigosos (SALOMONS; FORSTNER, 1984; KEHRIG et al., 2002). Os organismos aquáticos podem apresentar dois tipos básicos de comportamento em relação aos metais traço: ou são sensíveis à ação tóxica de um determinado metal, ou são tolerantes, bioacumulando e potencializando seu efeito nocivo através da cadeia alimentar (VIARENGO, 1989). Os metais também podem interromper ou prejudicar a reprodução de animais aquáticos, afetando o sistema endócrino e agindo nos órgãos reprodutivos e nos processos de gametogênese desses organismos. Como resultado desse distúrbio, o processo de desenvolvimento das gônadas é seriamente prejudicado, 3 juntamente com a taxa de fertilização e o equilíbrio da prevalência do número de machos e fêmeas de uma espécie (DIETRICH et al., 2004; RURANGWA, 1998). Dentre os metais traço, o cádmio, que antigamente era encontrado em baixas concentrações na natureza (RINGON, 2008), tornou-se um metal traço de grande importância para monitoramento da poluição antrópica, devido a sua ampla utilização industrial e consequente dispersão geográfica, toxicidade e comportamento no ambiente (BUCIO et al., 1995). O cádmio é um elemento químico de símbolo Cd de número atômico 48 e encontra-se no grupo II B (grupo 12) da tabela periódica. Pode apresentar- se na cor prata-esbranquiçado, azulado ou metálico lustroso. O sal de Cloreto de cádmio (CdCl2) é um sólido cristalino branco (CARDOSO; CHASIN, 2001; VERGÍLIO, 2009). Considerado um dos cinco metais mais tóxicos presentes na natureza, juntamente com o chumbo (Pb), mercúrio (Hg), cromo (Cr) e zinco (Zn), o Cd não é um elemento essencial ao homem nem aos animais, pelo contrário, é uma substância conhecida como cancerígena, teratogênica e provávelmente mutagênica e tem sido apontado como a causa de efeitos deletérios sobre peixes e outros vertebrados (EISLER, 1985). Seus efeitos adversos têm sido estudados em muitas espécies animais, analisando-se órgãos alvos, tais como o fígado e o rim, assim como sistemas reprodutor e respiratório (BENADUCE, 2005; HAYES et al., 2006:10; ABDALLA et al., 2013). De acordo com WHO (1992), o Cd é extensamente distribuído pela crosta terrestre e apresenta concentração média em torno de 0,1mg/kg. Altas concentrações podem ser encontradas em rochas sedimentares e fosfatos marinhos que, frequentemente, contêm aproximadamente 15mg de cádmio/kg. A maior fonte de liberação natural do Cd para a atmosfera é a atividade vulcânica. As emissões de Cd ocorrem tanto durante os episódios de erupção, como durante os períodos de baixa atividade vulcânica, estimada como sendo responsável pela emissão de 100 a 500 toneladas deste metal (CARDOSO; CHASIN, 2001). A erosão das rochas e os incêndios florestais são outras fontes de liberação desse metal que pode ser carregado pelo vento sob a forma de partículas sólidas (LACORTE, 2011) chegando assim, nos rios e oceanos. Estima-se que 15.000 toneladas/ano participam do ciclo natural desta maneira (WHO, 1992). O Cd apresenta várias propriedades físicas e químicas semelhantes ao Zn, o que explica a ocorrência dos dois metais associados na natureza (CARDOSO; CHASIN, 2001). Porém, atualmente, grande parte do Cd liberado no ambiente provém de diferentes atividades humanas (THORNTON, 1992). 4 O uso do Cd na indústria se expandiu notavelmente a partir da metade do século passado. É utilizado na elaboração de alguns fertilizantes; fabricação de pilhas e baterias (GOERING et al., 1995; SATARUG et al., 2003); recobrimento de aço e ferro (parafusos, porcas, máquinas industriais); como pigmento para plástico e vidro; em baterias de níquel-cádmio, presentes principalmente em celulares e em ligas metálicas (IGANSI, 2012). Outras importantes fontes de emissão de Cd no ambiente são a queima de combustíveis fósseis (como carvão e petróleo) e a incineração do lixo doméstico comum (SATARUG et al., 2003). O caráter persistente deste elemento (não sofre degradação química ou física) e sua consequente acumulação nos organismos lhe confere um significado ecológico importante (JENSEN; BRO-RASIRIUSSEN, 1992; ALAZEMI et al., 1996). O Cd é um poluente particularmente perigoso devido a sua alta toxicidade e grande solubilidade em água (CELIK et al., 2007), contaminando os sistemas aquáticos através de fatores naturais como o intemperismo, a erosão natural do solo e das rochas, descargas atmosféricas, mas principalmente através da ação antrópica, como o não tratamento de esgoto, vazamentos de aterro, uso de lodo de esgoto e fertilizantes na agricultura. O Cd proveniente de efluentes industriais que contaminam água doce pode ser rapidamente adsorvido ao material particulado e, desta forma, pode-se agregar em depósitos sólidos no meio aquático (WHO, 1992). O Cd apresenta significativa mobilidade na água. Em águas superficiais e subterrâneas pode ocorrer como íon hidratado ou complexado com outras substâncias orgânicas ou inorgânicas. Enquanto as formas solúveis podem se mobilizar na água, as formas não solúveis ou adsorvidas ao sedimento são relativamente imóveis (CARDOSO; CHASIN, 2001). O Cd é captado e retido por plantas aquáticas e terrestres e se concentra no fígado e rins dos animais que se alimentam delas (ATSDR, 1997). Além da alimentação, o Cd é diretamente absorvido pelas brânquias e tegumento de animais aquáticos, sendo levado por veias até o coração e sendo distribuído para os demais órgãos (Fig. 1). De acordo com Izaguirry (2013), os organismos possuem capacidade limitada para responder a exposição ao Cd, e como esse metal traço não pode sofrer degradação metabólica, é apenas fracamente excretado. Desta forma, acumula-se em diversos órgãos como fígado, rins (JIHEN et al., 2008), pulmões (KLIMISCH, 1993), testículos (HAOUEM et al., 2008) e ovários (NAMPOOTHIRI; GUPTA, 2006). 5 Figura 1: Esquema do sistema circulatório dos girinos demonstrando o possível caminho percorrido pelo Cd, do coração para os demais órgãos. A-) Girino no estágio inicial de desenvolvimento. B-) Girino no estágio tardio de desenvolvimento. Fonte: McDIARMID; ALTIG (1999) - modificado. Concentrações particularmente elevadas de Cd são encontradas em moluscos e crustáceos (WHO, 1992). Os peixes também acumulam os metais devido à habilidade que apresentam de captar metais traço e acumulá-los principalmente nas brânquias e nas paredes intestinais, onde as concentrações encontradas frequentemente são mais elevadas que as encontradas no próprio meio. O Cd se acumula essencialmente nas brânquias, fígado e rins dos peixes (CARDOSO; CHASIN, 2001). O fígado é conhecido como o principal órgão que acumula e redistribui Cd para outros órgãos, principalmente os rins (VOGIATZIS; LOUMBOURDIS, 1998). Diversos são os efeitos da exposição de anfíbios ao Cd. Dentre estes, pode-se destacar: o atraso e/ou inibição da metamorfose e redução do crescimento em girinos, (LOUMBOURDIS et al., 1999; FORT et al., 2000; FLAMENT et al., 2003); teratogênese ocular, facial, do trato digestório e epitelial (SUNDERMAN et al.,1991); 6 interferência na progressão do ciclo celular, ativando alguns sinais celulares, alterando o padrão de metilação do DNA e/ou interferindo na E-caderina através das adesões celulares (BERTIN; AVERBECK, 2006), pois tanto em células eucarióticas quanto em procarióticas o Cd pode competir com elementos como o Zn, ferro (Fe) ou cálcio (Ca) por suas respectivas proteínas de importação, interferindo no nível de captação desses metais (HIMENO et al., 2002; GOMES et al., 2002; BRESSLER et al., 2004; CLEMENS, 2006); mimetização de hormônios endógenos, estimulando/inibindo a síntese e metabolismo de hormônios ou modificando os níveis de receptores hormonais (MARTINS et. al., 2013). Além disso, o Cd se liga preferivelmente a resíduos de cisteína de enzimas, em particular com a metalotioneína (MT), que é um componente importante que age no sistema de defesa do animal (SOUZA-SILVA, 2013). A função da cisteína é o sequestro de certos metais dos Grupos 11 e 12 (anteriormente conhecidos como famílias I B e II B, respectivamente), como cobre (Cu), Zn, Cd, Hg, impedindo-os de se ligarem a outras proteínas (BRADY, 1982; PICKERING; POTTINGER, 1995). A intoxicação pelo Cd pode afetar processos metabólicos, fazendo com que ocorra um desequilíbrio homeostático no organismo. Um exemplo desse desequilíbrio são mudanças nas concentrações de espécies reativas de oxigênio (ROs) (SOUZA-SILVA, 2013). Quando ocorre um desequilíbrio entre a formação de ROs e as defesas antioxidantes celulares, ocorre o chamado estresse oxidativo (IZAGUIRRY, 2013). Os indicadores do estresse oxidativo incluem bases de DNA alteradas, alteração de aminoácidos de proteínas, (STEIL, 2013) e produtos de peroxidação de lipídios. Estes últimos, quando ocorrem na membrana celular, interferem tanto no transporte ativo e passivo através da membrana, ou ocasionando a ruptura desta, levando à morte celular (AHMAD et al., 2000; MARAN et al., 2009; MODESTO; MARTINEZ, 2010; STEIL, 2013). O Cd também modifica os níveis de outras importantes proteínas que respondem ao estresse celular, como, por exemplo, as proteínas da família das HSPs (proteínas de choque térmico). Tais proteínas possuem diferentes funções e não são induzidas apenas em condições de estresse. Há componentes desta classe proteica, conhecidas como HSC (Heat Shock Cognates) (FEIGE; POLLA, 1994), que são expressos constitutivamente, isto é, dentro da vida normal dos organismos não submetidos a condições de estresse. Porém, em situações de estresse, a indução de sua síntese é considerada uma resposta adaptativa. 7 De modo geral, há duas funções para as HSPs. Uma está relacionada ao dobramento de proteínas (HSP70), evitando interações incorretas entre estas, auxiliando na montagem final das mesmas (ELLIS, 1987), bem como em sua síntese, dobramento e degradação. O dobramento de proteínas é um processo muito importante em biologia, pois converte cadeias lineares de polipeptídeos em estruturas tridimensionais, as quais possibilitam que as proteínas exerçam todas as suas atividades vitais (ELLIS; HARTL, 1996). Outra função está relacionada à sinalização para a morte celular por apoptose (HSP90), com a contribuição da sinalização das mitocôndrias. Essas, quando estimuladas por proteínas específicas (Bax e Bak), liberam o citocromo C para o citosol, formando um complexo proteico que juntamente com moléculas específicas (caspases), levarão a célula a apoptose (ALBERTS et al., 2011). Estudos demonstram que em pequenas doses o Cd afeta os órgãos reprodutores (GASPAROTTO, 2011; ABDALLA et al., 2013) e pode ser a causa de desregulação endócrina, incluindo efeitos na morfologia dos ovários e dos testículos (HENRIQUES, 2010; ABDALLA et al., 2013). A gametogênese nos anfíbios segue um padrão semelhante ao dos demais vertebrados. O tempo de desenvolvimento geral e gonadal é regido por controles internos de ordem neuroendócrina, porém, normalmente é influenciado direta ou indiretamente pelo meio ambiente. As mudanças internas que irão permitir a reprodução começam com a produção e distribuição dos hormônios associados ao desenvolvimento gonadal e com outras mudanças fisiológicas, sendo que a gametogênese é o processo mais importante para a reprodução. Em resposta à produção de gametas no adulto, as gônadas produzem hormônios que levam o “feedback” (ou retroalimentação) ao cérebro e a outros órgãos e normalmente influenciam no comportamento e fisiologia da reprodução (ZUG et al., 2001). Apesar da existência de literatura sobre a influência de xenobióticos nas gônadas de anfíbios, a influência do Cloreto de cádmio (CdCl2), atualmente em abundância no meio ambiente, é pouco estudada nas fases iniciais do desenvolvimento desses animais (ABDALLA et al., 2013). Peixes são as espécies mais frequentemente utilizadas como bioindicadores (WEIS et al., 1989; HOLM et al., 1991; BROOKS et al., 1997; WITECK et al., 2011). Porém, animais bivalves (KOGAN et al., 2000), crustáceos (REDDY et al., 1997; NAGABHUSHANAM et al., 1998) e répteis (KITANA; CALLARD, 2008) também têm sido estudados. 8 A rã-touro Lithobates catesbeianus (Shaw, 1802) é um anuro naturalmente distribuído no leste da América do Norte, pelos entremeios da Nova Escócia e o Estado da Flórida (FROST, 2013) (Fig. 2). Anteriormente descrita como Rana catesbeiana, foi incorporada ao gênero Lithobates em 1943 (FROST et al., 2006) (Anexo 1), embora a maioria da literatura a seu respeito se refira a antiga denominação taxonômica (COSTA, 2012). Figura 2: Delimitação das áreas em que a espécie L. catesbeianus é nativa e as áreas em que foi introduzida, como o caso do Brasil (SANTOS-BARRERA et al., 2009). Essa espécie, semi aquática, pode ser encontrada em uma ampla variedade de habitats, mas preferencialmente ocupa corpos d´água permanentes, com espessa vegetação aquática que lhe proporciona lugares convenientes para fuga de predadores, crescimento e reprodução (KLEMENS, 1993; MOYLE, 1973), apresentando uma temporada reprodutiva anual prolongada (CUNHA; DELARIVA, 2009). Possui acentuado dimorfismo sexual, sendo os machos menores que as fêmeas (MORAES, 1995). Segundo Schwalbe e Rosen (1999), a rã-touro se mostra uma espécie extremamente prolífica, sendo que cada fêmea produz cerca de 20.000 ovos por desova e o número de descendentes originados por casal gira em torno de 5.000 em uma 9 estação reprodutiva (HOWARD, 1978). Os ovos bicolores, de aproximadamente um milímetro de diâmetro, se estendem perto da superfície e nas bordas da superfície dos corpos d´água, unidos à vegetação semi-aquática. Eclodem em um período que varia entre 3 e 5 dias, dando origem a girinos com aproximadamente 1cm de comprimento (DALLACORTE, 2010). O ciclo de vida dos girinos é dividido em três fases: embrionária, larval e metamórfica. A fase embrionária constitui o período de fecundação e o desenvolvimento dentro do ovo. A segunda fase, larval, inicia-se com a eclosão do ovo e todo o período de desenvolvimento do girino. Na terceira e última fase, a metamórfica, ocorrem as mudanças de girino para o anfíbio adulto (ALTIG; McDIARMID, 1999). Gosner (1960), levando em consideração as modificações morfológicas que ocorrem nessas fases, subdividiu-as em 46 estágios de desenvolvimento, sendo a fase embrionária correspondente aos estágios 1 ao 15; a fase pós-embrionária pré metamórfica correspondente aos estágios 16 ao 25; a fase metamórfica, correspondente ao crescimento do corpo e início do desenvolvimento dos membros posteriores, dos estágios 26 ao 35. Nos estágios 36 ao 41 ocorre a estabilização do crescimento corpóreo e desenvolvimento dos membros posteriores e nos estágios 42 ao 46 ocorre a finalização da metamorfose, com a exteriorização dos membros anteriores, reabsorção da cauda e modificação da mandíbula (Anexo 2). Os girinos da espécie no estágio 25 de Gosner chegam a medir aproximadamente 8cm de comprimento (Fig. 3). A metamorfose dos indivíduos não é sincronizada e pode variar de 3 a 6 meses, em ambientes naturais, e os juvenis (Fig. 4) tendem a colonizar corpos d´água distintos aos quais se desenvolveram (MEROVICH; HOWARD, 2000), podendo migrar por distâncias consideráveis utilizando-se de sinais astronômicos (estrelas, sol, lua) para se orientarem (DUELMANN; TRUEB, 1994). Perdem a cauda, completamente, com 6 meses, passando de girino a imago ou rã jovem. Vivem de 16 a 20 anos (VIEIRA, 1993). 10 Figura 3. Morfologia externa de um exemplar de girino de rã-touro no estágio 25 de Gosner. Fonte: Rizzi, G. M., Laboratório de Fisiologia da Conservação, UFSCar, Campus Sorocaba. Figura 4. Morfologia externa de um indivíduo juvenil de rã-touro. Fonte: Zanelli, R. R., Laboratório de Fisiologia da Conservação, UFSCar, Campus Sorocaba. A rã-touro possui porte desenvolvido e crescimento corpóreo no decorrer de quase todo período de vida (CUNHA; DELARIVA, 2009). Quando adultos, podem medir de 9,5 a 12,5cm de comprimento e pesar entre 60 e 900g (DALLACORTE, 2010). Os machos apresentam comportamento territorialista (RYAN, 1980). A espécie apresenta 11 hábitos alimentares generalistas e são predadores competitivos (SCHWALBE; ROSEN, 1988). Adotam a estratégia de “senta e espera”, capturando qualquer presa menor do que eles (BURY; WHELAN, 1984). Os adultos de menor porte se alimentam, em sua maioria, de insetos; já os indivíduos de maior porte capturam ratos, camarões de água doce e até outros anuros (FROST, 1935). Durante o século XX, essa espécie foi introduzida para cultivo comercial em diversas regiões do mundo, como Europa, América do Sul, Ilhas Caribenhas, Havaí, Columbia Britânica e Ásia em razão da grande demanda de sua carne na culinária e também de subprodutos como o couro (CULLEY, 1981). A primeira introdução da rã- touro no Brasil aconteceu logo no início da década de 30, quando foram trazidos os primeiros 300 exemplares dessa espécie, a fim de implantar o primeiro criadouro comercial de rãs no país (CUNHA; DELARIVA, 2009). Dado o interesse econômico, seu cultivo expandiu-se por todo território, onde encontrou ótimas condições para seu desenvolvimento, apresentando excelentes qualidades adaptativas ao clima tropical, com desempenho muito superior inclusive ao dos seus países de origem (FONTANELLO et al., 1988). Considerando sua importante contribuição aos estudos ambientais, essa espécie representa grande potencial experimental como animal bioindicador (FRANÇA- SALGUEIRO, 2013). Além disso, a manutenção destes animais em laboratório é facilitada pelo seu tamanho, sendo de fácil manipulação para realização de análises laboratoriais (MARCANTONIO, 2005). Diante disso, o emprego da rã-touro (L. catesbeianus) como modelo experimental, além de minimizar a utilização de espécies nativas e/ou ameaçadas de extinção, permite que seja inicialmente estabelecido um modelo experimental para o desenvolvimento de protocolos e métodos comparados. Sendo assim, devido as propriedades físico-químicas do Cd, sua crescente propagação através do desenvolvimento industrial e, principalmente, por causa da sua toxicidade e efeitos ainda pouco estudados nos seres vivos, o objetivo do presente trabalho foi contribuir, através da biologia estrutural e funcional, para o estudo da ação da exposição CdCl2 sobre as gônadas de girinos de L. catesbeianus no estágio 25 de Gosner (GOSNER, 1960). Para tanto, utilizou-se exposição subaguda, 4 dias e 16 dias (Anexo 3), a 1 ppb de CdCl2, concentração ambientalmente aceita para os corpos d´água de classe 1 e 2 (resolução 357 de 17-03-2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (Anexo 4). Desta forma, o presente estudo contribuiu com o conhecimento 12 sobre a interferência do CdCl2 no desenvolvimento gonadal dos girinos e, consequentemente, na reprodução dos adultos. Por fim, é importante a ressaltar que este estudo pretendeu proporcionar avanços não apenas no entendimento do efeito dessas substâncias sobre anuros, mas também possibilitar a confirmação de concentrações de Cd ambientalmente seguras propostas pelo CONAMA (2005) para corpos d´água de classes 1 e 2, numa tentativa de estabelecer políticas adequadas para garantir a preservação e proteção do equilíbrio natural das comunidades aquáticas no Brasil. 2. Objetivos 2.1. Gerais Avaliar, através de análises de microscopia de luz de rotina e histoquímica, e imuno-histoquimica, o efeito da ação de 1ppb de Cloreto de cádmio (CdCl2) após a exposição subaguda (4 e 16 dias) sobre as gônadas de girinos de L. catesbeianus, expostos no estágio 25 de Gosner. 2.2. Específicos Avaliar de forma comparada: Alterações morfológicas das gônadas dos girinos (controle e exposto) por meio de análises morfológicas de microscopia de luz de rotina; Análise histoquímica utilizando acridine orange em fluorescência para a detecção de atividade de síntese de RNA e compactação da cromatina nuclear nas gônadas dos girinos (controle e exposto); A atividade imuno-fluorescente da proteína HSP70 em girinos (controle e exposto). 3. Material e Métodos Esse trabalho foi conduzido nos Laboratórios de Fisiologia da Conservação e de Biologia Estrutural e Funcional, UFSCar Campus Sorocaba, onde foi realizada a exposição dos girinos, a microscopia de luz de rotina, a histoquímica e a imuno- histoquímica. 13 3.1. Coleta do material e manutenção em laboratório Duzentos girinos recém-eclodidos de rãs touro, L. catesbeianus (Shaw, 1802) foram coletados no ranário “Santarosa Produção e Comércio”, localizado no município de Santa Bárbara do Oeste, SP. Foram acondicionados em sacos plásticos com capacidade de 80L e imediatamente transportados para o Laboratório de Fisiologia da Conservação na UFSCar, Campus Sorocaba, onde os experimentos foram realizados. No laboratório, os animais foram mantidos dentro de aquários de 50L dotados de circulação contínua de água declorinada (1,2L/h), aeração constante, temperatura controlada (25 ± 1oC) e fotoperíodo natural (12h claro: 12h escuro) até atingirem o estágio 25 de Gosner (1960), ou seja, início da alimentação independente (aproximadamente 10 dias) após a eclosão. Tal período foi também importante para recuperação do estresse decorrente da coleta e transporte, bem como para aclimatação às condições laboratoriais. Posteriormente, foram realizados os ensaios ecotoxicológicos. As rãs foram alimentadas ad libitum com ração comercial farelada para peixes Alcon Garden Basic Sticks (Anexo 5), a qual foi retirada 48h antes da exposição. 3.2. Delineamento experimental para os ensaios ecotoxicológicos A água foi monitorada para garantir que os parâmetros físico-químicos fossem mantidos dentro dos valores normativos (pH. 7,1 - 7,3; dureza - CaCO3 = 48 - 56mg∙L-1; alcalinidade – CaCO3 = 40 - 43; DO2 6.8 - 7.5mg∙L-1, condutividade = 99,78uS∙cm-1). Tais valores são similares àqueles observados em grande parte das águas continentais do Brasil (CONAMA, 2005). Os aquários utilizados durante os ensaios tinham a capacidade para 25,5L e foram previamente completados com 10L de água (1 dia antes para a volatilização do cloro) e etiquetados (“controle” e “exposto”). Durante o experimento, os aquários foram mantidos em temperatura controlada (25 ± 1oC) e aeração constante (> 6,0mg∙O2.L-1). Cada grupo experimental foi ensaiado em triplicata. No primeiro ensaio toxicológico (exposição subaguda de 4 dias), os anfíbios foram divididos em dois grupos experimentais: grupo controle (CTR, n = 10) e grupo exposto (EXP, n = 10) a 1 ppb de CdCl2, concentração correspondente ao valor máximo permitido para corpos d´água de classes 1 e 2 pelo CONAMA (2005), durante um período de 4 dias. Para a obtenção dessa concentração, foi preparada uma solução estoque de CdCl2 (0,18g/L) 14 que foi mantida em refrigeração até o momento da exposição. Dessa solução foram utilizados 55µL em 10L de água (Anexo 6). Os animais dos grupos controle e dos grupos expostos permaneceram nessas condições em sistema estático durante os bioensaios. Decorrido o tempo de exposição, os animais do grupo controle (CTR, n = 15) e do grupo exposto (EXP, n = 15) no estágio 25 de Gosner foram eutanasiados por concussão cefálica de acordo com os princípios propostos pela American Veterinary Socity e aprovação do Comitê de Ética da UFSCar (protocolo número. 034/2012 - http://www.propq.ufscar.br/comissoes-de-etica/comissao-de-etica-na-experimentacao- animal). As gônadas foram retiradas e depois transferidas para um recipiente com o fixador adequado para cada tipo de procedimento a ser realizado: Karnovisky modificado (gluteraldeído 2,5%, tampão cacodilato de sódio, 0,1M, pH.7,2) para microscopia óptica de rotina, e paraformaldeído tamponado (paraformaldeído 4% em tampão fosfato, 0,1M, pH. 7,4) para histoquímica e imuno-histoquímica. Para o segundo ensaio experimental (exposição subaguda de 16 dias), foram realizados os mesmos procedimentos descritos anteriormente, os quais estão de acordo com as normas estabelecidas pela American Society for Testing and Materials – ASTM (2000). Assim como para os animais expostos durante 4 dias, também foi checada a atividade motora, não sendo detectada nenhum tipo de padrão anormal (como por exemplo letargia). 3.3. Microscopia para Alta Resolução (adaptada por Abdalla, 2012) Após a fixação das gônadas em Karnovsky modificado, o material foi pós-fixado em tetróxido de ósmio a 1,67% de concentração, no escuro durante 1h e em seguida lavado três vezes em tampão cacodilato, por 30 min cada. Após os banhos com a solução tampão, o material foi submetido à desidratação lenta (SILVA-ZACARIN et al., 2012), numa série de etanol de concentrações crescentes (15%, 30%, 50%, 70%, 80%, 90%, 95% durante 40 min. cada; álcool 100%, durante 1h; álcool+xilol, durante 40 min.; e xilol puro durante 1h) a uma temperatura de 4ºC. Em seguida, o material desidratado foi embebido em historesina líquida Epon (Leica®) acrescida de ativador (1mL:05mg), a 10ºC, por 24h (essa etapa é opcional, pois a resina polimeriza-se à temperatura ambiente). Após a embebição, o material foi emblocado em historesina de inclusão (historesina de embebição acrescida de catalisador, ou Hardener, na proporção 15 15mL:5mL) e colocado na estufa por 24h. O material incluído junto à resina foi levado ao micrótomo Leica® (RM 2255) para ser seccionado em cortes de 1,5μm de espessura e então com estes foram feitas lâminas histológicas do órgão, sendo que cada lâmina continha aproximadamente 12 secções histológicas. Para análise morfológica, as lâminas das gônadas foram submetidas à coloração com Hematoxilina e Eosina (HE), seladas com Ervmount e posteriormente observadas, analisadas e fotodocumentadas no Microscópio Leica® (DM1000). 3.4. Histoquímica em Fluorescência – Acridine Orange As lâminas foram primeiramente lavadas e secas (1 dia). Depois de secas, as lâminas foram embebidas com polilisina e deixadas novamente para secar (1 dia). Em seguida, o material emblocado em parafina foi seccionado (10µm) e colocado sequencialmente nas lâminas, que foram armazenadas a 4ºC até sua utilização. As lâminas contendo o material foram colocadas em uma cubeta para serem desparafinizadas (procedimento para remover a parafina) através de baterias de banhos de xilol durante 20 min.; xilol + álcool (1:1), durante 5 min.; álcool 100% durante 10 min. Em seguida, foi feita a re-hidratação das lâminas, numa bateria decrescente de álcool (95%, 70% e 50%, 5 min. cada). As lâminas foram, então, colocadas em uma câmara úmida e lavadas com água destilada (três banhos) e novamente colocadas em uma cubeta, contendo 250mL de água destilada e 125µL de TRITON, durante 10 min. Após, as lâminas foram lavadas com água destilada (três banhos) e novamente colocadas em uma cubeta, contendo solução tampão citrato (pH. 2,5) a 75°C durante 5 min. Decorrido esse tempo, as lâminas foram novamente colocadas na câmara úmida, coradas com o acridine orange (AO) e cobertas com uma lamínula plástica, durante 25 min. Em seguida as lâminas foram colocadas em uma cubeta e lavadas com água destilada (três banhos, 1 min. cada). Após esses procedimentos, as lâminas histológicas foram desidratadas numa bateria crescente de acetona (50%, 70% e acetona pura), durante 1 min. cada e foram seladas com Ervmount. Depois foram armazenadas a 4ºC, no escuro e posteriormente observadas, analisadas e fotodocumentadas no microscópio de fluorescência Leica® (DM4000). Este equipamento é configurado para trabalhos de pesquisa em técnicas de campo claro e fluorescência. Possui estativa de alta estabilidade, equipada com eixo óptico para luz transmitida e incidente, sistema Leica CCIC para controle constante da temperatura 16 de cor em iluminação transmitida, eixo de iluminação incidente motorizado para seleção automática dos filtros de fluorescência e sistema Leica FIM (Fluorescence Intensity Manager) para atenuação da intensidade de fluorescência. Além disso, possui cubo com sistema óptico para fluorescência B/G/R, faixa de excitação ultra violeta (UV), azul e verde, sendo: a. UV – BP 420/30, espelho dicromático RKP 415 e filtro supressor BP 465/20; b. Azul – BP 495/15, espelho dicromático RKP 510 e filtro supressor BP 530/30; c. Verde – BP 570/20, espelho dicromático RKP 590 e filtro supressor BP 640/40. Também é equipada com diafragmas de campo em moldes circular e retangular para utilização com câmeras de vídeo (foi utilizada a Câmera digital Leica DFC310 FX para aplicações em Microscopia e Estereomicroscopia) e saída para interface com PC. Para processamento e análise de imagens, foi utilizado o módulo Leica Image Analysis. No presente trabalho, as lâminas foram fotografadas um dia após o procedimento realizado, porém constatou-se que o armazenamento correto (a 4ºC e no escuro), as torna viáveis por até seis meses após a sua confecção. 3.5. Imuno-Histoquímica – HSP70 Para este procedimento, também foram utilizadas lâminas armazenadas na geladeira, tal qual a metodologia descrita no item anterior. As lâminas contendo o material foram colocadas em uma cubeta para serem desparafinizadas através de baterias de banhos de xilol durante 20 min.; xilol + álcool (1:1), durante 5 min.; álcool 100% durante 10 min. Em seguida, foi feita a re-hidratação das lâminas, numa bateria decrescente de álcool (95%, 70% e 50%), durante 5 min. Após isso, as lâminas foram colocadas em uma câmara úmida e lavadas com tampão PBS (três banhos). Em seguida, as lâminas foram colocadas em uma cubeta, contendo 250mL de água destilada e 125µL de TRITON, durante 10 min. Após isso, as lâminas foram novamente colocadas na câmara úmida e lavadas com tampão PBS (três banhos) Após a retirada do PBS, foi adicionado soro de cabra 3% (Goat Serum Normal, 1mL, Santa Cruz, USA), durante 30 min. em temperatura ambiente. As lâminas foram cobertas com uma lamínula plástica e a caixa então foi fechada. Em seguida, as lamínulas foram retiradas e lavadas em água 17 destilada e as lâminas foram lavadas com tampão PBS (três banhos). Após isso o anticorpo primário - 1/500 (Mouse Anti-Goat Igg-Fitc 200μg/0.5mL, Santa Cruz, USA) foi adicionado às lâminas que foram cobertas com a lamínula de plástico por 2h dentro da câmara úmida fechada em banho-maria (37°C). Decorrido o tempo de incubação, a caixa foi retirada do banho-maria, as lamínulas foram retiradas e lavadas, e as lâminas foram lavadas com tampão PBS (três banhos). Após isso, foi adicionado o soro de rato 3% (Normal Mouse Serum, 1mL, Santa Cruz, USA) durante 30 min. em temperatura ambiente. As lâminas foram cobertas com a lamínula plástica e a câmara úmida foi fechada. Em seguida, as lamínulas foram retiradas, lavadas e as lâminas foram lavadas com tampão PBS (três banhos). O anticorpo secundário (1/500) (HSP70 (K-20) Goat Polyclonal IGG, 200μg/mL, Santa Cruz, USA) foi adicionado às lâminas por 1h dentro da câmara úmida fechada em banho-maria (37°C). Após esse tempo, as lâminas foram novamente lavadas com tampão PBS (três banhos). Após esses procedimentos, as lâminas histológicas foram desidratadas numa bateria crescente de acetona (50%, 70% e acetona pura), durante 1 min. cada e foram seladas com Ervmount. Depois foram armazenadas a 4ºC, no escuro, e posteriormente observadas, analisadas e fotodocumentadas no microscópio de fluorescência Leica® (DM4000) cujas especificações e o período de armazenamento encontram-se descritos no item 3.4. 4. Resultados e Discussão 4.1. Morfologia dos Ovários Primordiais Os ovários dos anfíbios apresentam forma saculiforme ou lobular com uma cavidade em seu interior e um epitélio germinativo que confere à gônada uma capacidade cíclica para proliferação e diferenciação de grandes quantidades de gametas (FRANCHI, 1962; LOFTS, 1974; OHTANI et al., 2000). A teca interna situa-se entre o epitélio interno e externo do ovário e rodeia completamente a camada de células foliculares. Ela é composta principalmente de colágeno, vasos sanguíneos e fibroblastos. Ocasionalmente, células nervosas e musculares lisas estão presentes na teca (DUMONT; BRUMMETT, 1978). No interior da cavidade do ovário, encontram- se as células somáticas ou foliculares que revestem todo o ovário em cujo estroma desenvolvem-se as células germinativas (HAYES et al., 2006). As células foliculares envolvem todo o ovário primordial e penetram no interior do órgão, envolvendo grupos de ovogônias em divisão. Tais células futuramente irão compor a camada granulosa dos 18 ovócitos em desenvolvimento (COSTA et al., 1998). A associação dos ovócitos e células foliculares mantém o crescimento e viabilidade de ovócitos, visto que tais células metabolizam algumas moléculas que são transportadas para os ovócitos (SENBON, 2003). Alterações estruturais e funcionais que ocorrem nestas células durante o curso da gametogênese parecem ser importantes para permitir a maturação do ovócito (SCHUETZ, 1974). A ovogênese nos anfíbios segue o padrão descrito para peixes (ABDALLA; CRUZ- LANDIM, 2003; ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2004). Nos ovários, o desenvolvimento é medular, sendo que estes apresentam em seu interior diferentes estágios de células germinativas, que são classificadas de acordo com suas características morfológicas em: células primordiais ou A, ovogônias secundárias ou B, ovócitos I, II, III e IV (AL-MUKHTAR; WEBB, 1971; OLIVEIRA; ANDRADE, 1997). De acordo com Al-Mukhtar e Webb (1971), as células germinativas primordiais são extremamente difíceis de serem localizadas. Tais células possuem morfologia arredondada, tamanho aproximado de 15 a 20μm de diâmetro e vesícula germinativa lobulada, contendo um ou dois nucléolos, com localização excêntrica ao citoplasma. Para peixes e anuros as ovogônias secundárias ou B surgem como resultado da divisão mitótica das células germinativas primordiais (AL-MUKHTAR; WEBB, 1971). Apresentam-se como a menor célula da linhagem ovogênica e caracterizam-se por um núcleo grande, esférico e fracamente basófilo (MARQUES et al., 2000; ABDALLA et al., 2013). Seu citoplasma é escasso e hialino, sem contorno definido (COSTA et al., 1998). Tais células constituirão os futuros lóbulos de ovócitos em diferentes estágios de ovogênese no adulto (PRADO et al., 2004). As ovogônias ocorrem em todas as fases do desenvolvimento ovariano, localizando-se na periferia destes (COSTA et al., 1998). As ovogônias primárias se dividem por mitose, dando origem as ovogônias secundárias, as quais originarão ovócitos primários por meio de divisões mitóticas (ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2003; PRADO et al., 2004; ABDALLA et al., 2013). Após o processo de gonia (divisão mitótica da ovogônia A), cada ovogônia secundária ou B produzirá somente um ovócito, que é circundando por uma camada de células somáticas denominadas células foliculares. Diferentemente das células germinativas masculinas, cada ovogônia produzirá somente um ovócito. Os ovócitos primários I ou A são células maiores que as ovogônias secundárias ou B, das quais se originam. Seu núcleo é grande, claro e de contorno bem definido, com vários 19 micronucléolos de formato arredondado, distribuídos principalmente na face interna do envelope nuclear (COSTA et al., 1998; ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2004; PRADO et al., 2004). Apresentam citoplasma basófilo devido à grande quantidade de RNA presente nessa fase (PRADO et al., 2004). Esse RNA é condensado nos micronúcleolos e transferido para o citoplasma durante os estágios iniciais da ovogênese (ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2004). No citoplasma, o RNA transferido associa-se com mitocôndrias e estruturas membranosas, formando assim os corpúsculos de Balbiani por muitos autores também conhecido como nuage (PRADO et al., 2004; ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2004). Os ovócitos primários entram em divisão meiótica. Na primeira divisão meiótica surgem o primeiro corpúsculo polar e o ovócito secundário (ABDALLA; CRUZ- LANDIM, 2003; PRADO et al., 2004). Os ovócitos secundários II são maiores que os ovócitos primários e apresentam citoplasma abundante, de aspecto mais granuloso e menos basófilo (COSTA et al., 1998). Há um progressivo aumento no número de nucléolos, que apresentam dimensões variáveis e, conforme o ovócito se desenvolve, migram da região central para a periferia nuclear até serem liberados para o citoplasma através de poros nucleares (OLIVEIRA; ANDRADE, 1997). Do ovócito secundário, na segunda divisão meiótica, origina-se o segundo corpúsculo polar, que não dará origem às células gaméticas funcionais, bem como os demais corpúsculos polares. A partir deste estágio, surgem nos ovócitos os primeiros corpúsculos corticais (ovócito pré- vitelogênico), que acumularão vitelo em seu interior e crescerão em tamanho (ovócitos vitelogênicos ou maturos) (ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2003; PRADO et al., 2004). Os ovócitos III possuem núcleo centralizado e proporcionalmente grande (OLIVEIRA; ANDRADE, 1997). Esse tipo de ovócito marca o início do processo de vitelogênese (COSTA et al., 1998). Uma característica fundamental desse tipo de ovócito, refere-se à deposição de grânulos corticais. Esses grânulos são organelas derivadas do complexo de Golgi, compostas por grande diversidade de proteínas, moléculas estruturais, enzimas e glicosaminoglicanos (FERREIRA et al., 2008) Conforme a maturação meiótica progride, há migração em direção ao córtex do ovócito. No final do período de maturação, quando os ovócitos alcançam a meiose II, os grânulos corticais se encontram próximo à superfície interna da membrana plasmática, formando uma monocamada estratégica para aguardar a penetração do espermatozóide (THIBAULT et al., 1987). Com a fertilização e em resposta à elevação da concentração 20 do cálcio intraovocitário, os grânulos se fundem à membrana plasmática e liberam seu conteúdo no espaço perivitelínico (CARNEIRO et al., 2002). Este evento, conhecido como reação cortical, é um dos mecanismos para impedir a poliespermia, que resultaria em clivagem anormal do zigoto e degeneração embrionária (FERREIRA et al., 2008). Durante a ovogênese, os ovócitos param seu desenvolvimento na prófase da meiose I (diplóteno), aparecendo em seus núcleos regiões de DNA, dos cromossomos homólogos, descondensadas com grande atividade de síntese de RNA. Estas regiões são observáveis à microscopia de luz e designadas cromossomos plumosos ou plumulados. As gônadas dos girinos no estágio 25 de Gosner são saculiformes e estão localizadas na cavidade abdominal (Fig. 5A) e se constituem em filamentos de coloração esbranquiçada, muito frágeis e intimamente associados à parede dorsal dos rins (Fig. 5B). Em girinos de rãs touro no estágio 25 de Gosner (1960) as gônadas medem cerca de 2mm de largura e 2cm em seu eixo maior. Nessa fase, é comum observar o desenvolvimento dos órgãos que persistirão nos adultos. Tais órgãos estão em estágios intermediários de diferenciação, pois nessa fase, os girinos estão começando o processo de metamorfose, sendo, portanto, difícil diferenciar gônadas masculinas e femininas macroscopicamente. Figura 5. Fotografia dos rins (r) e da gônada (seta preta) de um girino de rã-touro (L. catesbeianus) após a dissecção. No presente estudo, em ambos ensaios experimentais (4 e 16 dias), havia fêmeas e machos entre os indivíduos analisados. 21 4.1.1. Morfologia dos ovários em girinos expostos ao CdCl2 durante 4 dias Os dados morfológicos do grupo de controle do ensaio experimental de 4 dias no estágio 25 de Gosner (Fig. 6A-C) indicaram ovários com morfologia típica, com o começo da formação da cavidade central do ovário ou estrutura anelar e dos ovidutos, apresentando a teca externa bem delimitada (Fig. 6A-B). Células foliculares revestindo todo o ovário, ovogônias primárias (I ou A) e secundárias (II ou B) e predominância de ovócitos pré vitelogênicos no estágio I. Nos girinos estudados, as ovogônias primárias encontram-se intimamente associadas à parede de células somáticas, que delimitavam a gônada feminina ou teca externa. Constituiam-se em células menores, não rodeadas pelas células pré-foliculares, com núcleos com cromatina descondensada e citoplasma fracamente acidófilo. Nessa fase, o ovário primordial está em gonia (Fig. 7A-B), isto é, em estágio de proliferação das ovogônias, dando origem (por mitoses sucessivas) às ovogônias secundárias, células maiores, com núcleos com posição excêntrica ao ovoplasma, apresentando cromatina mais compacta. Os ovócitos primários são células muito maiores do que as ovogônias, com núcleos grandes e esféricos. Neles é possível observar os micronucléolos e grânulos corticais na periferia do ovoplasma, que é bastante basófilo devido à intensa atividade de produção de RNA e sua transferência para o ovoplasma (Fig. 6B). No interior dos núcleos é possível observar cromossomos plumulados (Fig. 7B) e no interior dos ovócitos também é possível observar uma região descrita na literatura como um agregado de RNA e mitocôndrias, o Corpúsculo de Balbiani ou nuage (GURAYA, 1979; ABDALLA; CRUZ-LANDIM, 2004; OKUTHE, 2012) (Fig. 6C). O corpúsculo do Balbiani ou nuage é comumente referido em anfíbios como nuvem mitocondrial (GURAYA, 1979; KLOC; ETKIN, 1995; OKUTHE, 2012), é um complexo composto por organelas citoplasmáticas, incluindo as mitocôndrias, complexo de Golgi, retículo endoplasmático liso e corpos multivesiculares. Essas agregações apresentam variações em sua composição e tamanho de acordo com as espécies (GURAYA, 1979). O corpúsculo do Balbiani não está limitado aos ovócitos de peixes e anfíbios (ZELAZOWSKA et al., 2007), sendo também descrito em ovócitos de muitos mamíferos (KRESS, 1996). De acordo com Clérot (1979), a associação do RNA com as mitocôndrias pode significar um importante papel na replicação dessas organelas. Sua função ainda não é bem compreendida e requer aprofundamentos nos estudos (OKUTHE, 2012). 22 Em contraste, os dados morfológicos do grupo exposto ao CdCl2 (Fig. 6D-F) revelaram uma morfologia atípica do ovário, com desaparecimento da cavidade central ou estrutura anelar (Fig. 6D), aumento da incidência de ovogônias secundárias e de ovócitos no estágio I, II e III de desenvolvimento, aumento da divisão das células foliculares (Fig. 6E-F), da incidência de micronucléolos e de ovócitos atrésicos (Fig. 9A-B). 23 Figura 6. Micrografias dos ovários, HE. A-C) Grupo controle. A) Visão geral. Cavidade central (cc), ovidutos (ov), teca externa (seta azul), (r) rim. B) Células foliculares (cf), ovogônias primárias (ovg I), secundárias (ovg II), grânulos corticais na periferia do ovoplasma (seta amarela), vasos sanguíneos (vs), ovócito primário (ovc I), ovócito secundário (ovc II). C) Cromossomos plumulados (seta vermelha), corpúsculo de Balbiani (cB); ovócito primário (ovc I); ovócito secundário (ovc II). D-E) Grupo exposto. D) Visão geral do ovário, (r) rim. E) Ovogônias secundárias (ovg II), ovócitos no estágio I, II e III (ovc I, ovc II, ovc III), células foliculares (cf), vasos sanguíneos (vs). F) Corpúsculos de Balbiani (cB); e micronucléolos (setas pretas), ovócito primário (ovc I), ovócito secundário (ovc II). 24 Figura 7: Micrografia dos ovários, HE. A-B) Grupo controle. A-B) Células foliculares (seta branca), células em gonia (setas pretas), hemácias (he), ovócito secundário (ovc II), ovócito terciário (ovc III), cromossomos plumulados (seta vermelha). 25 O Cd é um forte inibidor endócrino, que interfere no funcionamento de hormônios e receptores endógenos. Ele atua diretamente no sistema reprodutor, causando, desta forma, efeitos na reprodução e sobrevivência (FLAMENT et al., 2003; OTHMAN et al., 2009; LIENESH et al., 2000; SIMONIELLO et al., 2010). Com relação ao efeito do Cd já foram realizados vários estudos em diversos grupos taxonômicos. Estudos realizados com crustáceos decápodes mostraram os efeitos inibitórios dos metais traço sobre o crescimento gonadal (REDDY et al., 1997). Redução da fecundidade e distúrbios reprodutivos foram observados por Nagabhushanam et al. (1998) em crustáceos expostos ao Cd e outros metais traço. Isso tem sido relacionado com desequilíbrios na síntese e/ou secreção hormonal (FINGERMAN et al., 1996). Todos esses efeitos podem comprometer seriamente a função reprodutora desses animais, causando anormalidades no imaturo através de distúrbios neuroendócrinos (KOGAN et al., 2000). Peixes também mostraram-se sensíveis à exposição ao Cd. De acordo com Ramana et al. (1992), Lebistes reticulatus expostos cronicamente ao Cd, apresentaram ovogônias e ovócitos menores. Outro efeito observado foi o atraso na vitelogênese e atresia dos ovócitos primários e secundários encontrados em peixes expostos cronicamente ao Cd (MANI; SAXENA, 1985). Estudos com Rhamdia quelen demonstram que, quando expostos ao Cd, as taxas de fertilização e de eclosão dos ovos diminuem. Tal fato pode ser devido aos distúrbios causados pela ação desse metal traço sobre as membranas dos gametas e/ou ovos embrionados (BROOKS et al., 1997; WITECK et al., 2011). Fêmeas de Micropogonias undulatus tiveram sua reprodução afetada devido a perturbações com relação aos hormônios endócrinos, após exposição ao Cd (THOMAS, 1990; LIENESH et al., 2000). A exposição ao Cd diminuiu as taxas do hormônio da tireóide em lagartos Scelooporus undulatus, afetando assim a reprodução e a sobrevivência (BRASFIELD et al., 2004). Kitana e Callard (2008) demonstraram que a exposição a 1μg/g de Cd pode afetar os processos de desenvolvimento gonadal de tartarugas de água doce (Trachemys scripta, Chrysemys picta) durante estágios embrionários, o que pode resultar na interrupção da reprodução desses indivíduos na vida adulta. Em anfíbios, foi demonstrado que o CdCl2 pode causar malformações no desenvolvimento em várias concentrações (SUNDERMAN et al., 1991; KOTYZOVA; SUNDERMAN, 1998, ABDALLA et al., 2013). De acordo com James e Little (2003) e 26 Sharma e Patiño (2009), a exposição ao CdCl2 reduziu a taxa sobrevivência e metamorfose em Anaxyrus americanus e em girinos de Xenopus laevis. Pramoda e Saidapur (1986) descobriram que o ovário e massa do oviduto diminuíram nos anuros expostos e que as fases de crescimento de ovócitos vitelogênicos foram prejudicadas. Estudos demonstraram também que a exposição a níveis subcrônicos de Cd durante 21 dias causaram mudanças na progressão da ovogênese e na morfologia dos ovócitos em Xenopus laevis, além disso, os ovários e ovócitos continham quantidade significativa de Cd acumulado, que teoricamente pode ser transferido para o embrião (LIENESH et al., 2000). De acordo com Lienesh et al. (2000), os estágios da ovogênese em anfíbios são sensíveis ao Cd. Seus estudos demonstraram que a exposição ao metal traço causa diminuição da população de ovócitos nas fases II e III e aumento da atresia dos mesmos. Tendo em vista o exposto, observou-se, neste trabalho, o aumento da atresia de ovócitos nos animais expostos ao CdCl2 (Fig. 8A-B), em concordância com relato de Lienesh et al. (2000). A atresia se caracteriza como um processo de degeneração que alguns ovócitos sofrem durante qualquer etapa de seu desenvolvimento. Ela ocorre naturalmente, porém, alguns fatores, tais como elevação de temperatura, pesticidas, presença de metais traço no ambiente, podem contribuir para o aumento desse fenômeno (VALDEBENITO et al., 2011). Porém, ao contrário da literatura citada sobre os diversos grupos taxonômicos, o presente estudo demonstrou que o CdCl2 causou, no grupo exposto, aumento da população de ovócitos nas fases I, II e III. Simoniello et al. (2010), demonstraram que o CdCl2 estimula a proliferação de ovócitos em lagartos Podarcis sicula, mimetizando os efeitos exercidos pelas gonadotrofinas. Em mamíferos, Bertin e Averbeck (2006), demonstraram o aceleramento das divisões celulares à exposição de Cd no início da gametogênese em baixas concentrações. 27 Figura 8: Micrografia dos ovários, HE. A-B) Grupo exposto. Ovócitos atrésicos (setas amarelas), ovócito primário (ovc I), ovócito secundário (ovc II), ovócito terciário (ovc III). 4.1.2. Morfologia dos ovários em girinos expostos ao CdCl2 durante 16 dias Os dados morfológicos do grupo controle do ensaio experimental de 16 dias no estágio 25 de Gosner (Fig. 9A-C) também apresentaram morfologia típica dos ovários durante esse período de exposição. A cavidade central do ovário, ou estrutura anelar, se encontra em estado avançado de formação e, em alguns indivíduos, já está 28 completamente formada (Fig 9A). A teca externa delimita toda a estrutura ovariana, as células foliculares revestem todo o ovário e há maior incidência de ovócitos no estágio I, II e III (Fig. 9B). Esse fato provavelmente se deve ao maior tempo de experimento, possibilitando assim maior progresso na gametogênese inicial (ovócitos mais avançados). No interior dos ovócitos, também é possível observar os Corpúsculos de Balbiani (Fig. 9C). Assim como o grupo exposto ao CdCl2 durante 4 dias, os dados morfológicos referentes às gônadas dos girinos expostos ao cádmio durante 16 dias (Fig. 9D-F) também revelaram uma morfologia atípica do ovário, com desaparecimento da cavidade central ou estrutura anelar (Fig. 9D), aumento da incidência de ovócitos no estágio I, II e III de desenvolvimento (Fig. 9E-F) e aumento da incidência de micronucléolos. 29 Figura 9. Micrografias dos ovários, HE. A-C) Grupo controle. A) Cavidade central do ovário (cc), teca externa (seta azul), rim (r). B) Células foliculares (cf), ovócitos no estágio I, II e III (ovc I, ovc II, ovc III), ovogônia primária (ovg I), rim (r), teca externa (seta azul). C) Corpúsculo de Balbiani (cB), ovogônia primária (ovg I), ovócito primário (ovc I), ovócito secundário(ovc II), ovócito terciário (ovc III), células foliculares (cf). D-E). Grupo exposto D) Visão geral do órgão; rim (r); teca externa (seta azul). E) Células foliculares (cf), ovócitos no estágio I, II e III (ovc I, ovc II, ovc III), teca externa (seta azul), rim (r). F) Micronucléolos (setas pretas) ovócito primário (ovc I), ovócito secundário (ovc II); ovócito terciário (ovc III). 30 Os ovários do grupo controle desse ensaio experimental possuiam morfologia típica contendo ovogônias primárias (ou A) e secundárias (ou B), células foliculares e ovócitos nos diferentes estágios da ovogênese (primários, secundários e terciários). O grupo exposto possuia morfologia atípica, com aumento da população de ovócitos nas fases I, II e III, tal como descrito no item 4.1.1. Em ambos os grupos estudados (4 e 16 dias), é possível observar os cromossomos plumulados dentro dos núcleos (Fig. 6C; 7B; 9C). Esses cromossomos aparecem na prófase da meiose de ovócitos de diferentes animais. Estudos ultraestruturais realizados por Rocha e Rocha (2011) durante este período sugerem a transferência de grandes quantidades de RNA ribossomal do núcleo para o citoplasma, uma vez que este mecanismo representa uma das várias estratégias de aumento da expressão gênica. Sendo assim, este processo representa uma considerável amplificação de genes que serão transcritos em RNAs e, no citoplasma, traduzidos em proteínas, que terão papel fundamental na fase inicial da ovogênese. Outra estratégia de aumento da expressão gênica observada nesse estudo foi o aumento da incidência de micronucléolos, que são estruturas arredondadas com regiões com intensa síntese de RNA ribossomal. Assim como descrito em peixes, esse RNA é produzido em determinadas regiões dos cromossomos plumulados e se organiza na periferia do núcleo. O RNA desses micronucléolos é posteriormente transferido para o citoplasma (CRUZ-LANDIM; CRUZ-HÖFLING, 1979). 4.2. Morfologia dos Testículos Primordiais Diferentemente dos ovários, os testículos dos girinos são constituídos de duas estruturas tubulares maciças simétricas e contêm em seu interior túbulos seminíferos, onde se encontram as células germinativas em diferentes estágios de desenvolvimento. Essas células ocorrem em grupos, no interior de cistos formados pelas células de Sertoli (COSTA et al., 1998). Entre as espécies de anuros, os testículos podem apresentar cistos no mesmo estágio de desenvolvimento (sincrônico) ou em diferentes estágios de desenvolvimento (assincrônicos), sendo que em um mesmo cisto todas as células se encontram no mesmo estágio de desenvolvimento. Nas fases finais do processo espermatogênico, os cistos se rompem liberando as células (espermátides ou espermatozóides) para o lume dos túbulos seminíferos. De acordo com Costa et al. (1998), no interior dos testículos, observa-se ainda um sistema de ductos coletores, cuja 31 parede é formada por uma camada única de células cúbicas. Esses ductos parecem originar nos túbulos seminíferos e convergem a ductos coletores comuns que deixam os testículos em direção aos rins, via mesórquio. Assim como ocorre nos ovários, a espermatogênese dos anfíbios segue um padrão semelhante à dos peixes. Os testículos são revestidos externamente por uma delgada camada de tecido conjuntivo, onde se nota os fibroblastos, ou células somáticas, que, no adulto, constituirão a cápsula ou túnica albugínea (CRUZ-LANDIM et al., 2004; SANTOS; OLIVEIRA, 2007). Nos testículos o desenvolvimento é cortical. As espermatôgonias primordiais (I ou A) encontram-se intimamente associadas à parede de células somáticas que delimitam a gônada masculina. Constituem-se em células maiores, com núcleos com cromatina muito descondensada e micronucléolos por toda a sua extensão ou em prófase da mitose. Diferentemente da ovogênese, na espermatogênese não ocorre a interrupção da meiose. As espermatogônias secundárias ou B surgem como resultado da divisão mitótica das células germinativas primordiais e encontram-se mais afastadas das células que delimitam o testículo, são menores e possuem núcleos com cromatina mais condensada. Após sucessivas divisões mitóticas, as espermatogônias B crescem e dão origem aos espermatócitos primários, células que entrarão em processo de meiose, resultando finalmente na formação dos gametas (ASSIS, 2011). Os espermatócitos primários entram em divisão meiótica. A prófase da primeira divisão meiótica é um processo longo, subdividido em cinco fases com características morfofuncionais específicas, denominadas de pré-leptóteno, leptóteno, zigóteno, paquíteno e diplóteno. Da fase de espermatócito primário em pré-leptóteno até a fase seguinte, leptóteno, ocorre síntese e duplicação do DNA, que provoca um aumento do volume celular, culminando na distribuição homogênea da cromatina no núcleo (RUSSELL et al., 1990; CARDOSO, 2007; SEGATELLI et al., 2009). Em seguida, nos espermatócitos primários em zigóteno, ocorre espessamento cromossômico, início do pareamento dos cromossomos homólogos e formação do complexo sinaptonêmico, sendo este último visível somente sob microscopia eletrônica de transmissão (BILLARD, 1984; BILLARD, 1986; GRIER; NEIDIG, 2000). Esse complexo persiste até o final do estágio de paquíteno, que é a fase mais longa da prófase meiótica, na qual ocorre a recombinação e a segregação gênica, importante para a diversidade de indivíduos da mesma espécie, com os cromossomos apresentando-se completamente 32 pareados e compactos. Após progredirem para a próxima fase, diplóteno, os espermatócitos primários concluem a primeira divisão meiótica dando origem aos espermatócitos secundários, haplóides, que, por sua vez, passam rapidamente pela segunda divisão meiótica, que resultará na formação das espermátides (RUSSELL et al., 1990). Após a meiose II, começa a espermiogênese nas espermátides, que sofrem vários graus de condensação nuclear até originar os espermatozóides, tipicamente formados pelo acrossomo, cabeça, peça intermediária e cauda (CRUZ-LANDIM et al., 2004). 4.2.1. Morfologia dos testículos em girinos expostos ao CdCl2 durante 4 dias Os testículos dos girinos estudados possuiam assimetria em sua localização e forma lobular (Fig. 10A). Os dados referentes aos testículos dos girinos do grupo controle de 4 dias (Fig. 10A-C) demonstram que os indivíduos analisados para esta fase apresentaram morfologia típica dos testículos com túnica albugínea desenvolvida, proliferação das células germinativas, abundância de células somáticas (Fig. 10B), presença de espermatogônias primárias (ou A) e espermatogônias secundárias (ou B), espermatócitos primários e secundários (Fig. 10C). É possível também observar os ductos coletores, que são estruturas longas e maciças, ainda em processo de diferenciação (Fig. 10A). No interior dos testículos observou-se a formação dos primeiros cistos (Fig. 10C). Os dados morfológicos referentes aos testículos dos girinos expostos ao CdCl2 durante 4 dias (Fig. 10D-E) revelaram uma morfologia atípica, tais como: anormalidade anatômica, apesar de ser observável a integridade do tecido estromal (Fig. 10D); as células germinativas apresentavam incidência consideravelmente reduzida, estando ausentes em alguns indivíduos, e os ductos coletores apresentavam-se degenerados (Fig. 10E); havia aumento de células somáticas indiferenciadas, regiões de vacuolização do tecido (Fig. 11B) estromal e morte celular de células somáticas (Fig. 11A). Um dos indivíduos apresentou metaplasia total dos testículos, ocorrendo a diferenciação dos fibroblastos em adipócitos, fenômeno conhecido como adipogênese (Fig. 12F e 13) e poligonadismo não funcional (Fig. 13). 33 Figura 10. Micrografias dos testículos, HE. A-C) Grupo controle. A) Visão geral. Túbulos maciços (setas pretas), ducto coletor (dc), rim (r). B) Células somáticas (seta amarela) e germinativas (seta azul), (ta) túnica albugínea. C) Células em roseta (rs), espermatogônias primárias (esg A) e espermatogônias secundárias (esg B) e células somáticas (cs). D-E) Grupo exposto. D) Total degeneração do testículo (setas), (r) rim. E) Aumento das células somáticas indiferenciadas (cs), ducto coletor degenerado (dc), rim (r). F) Células somáticas (cs), morte celular (seta amarela), diferenciação dos fibroblastos em adipócitos (setavermelha). 34 No grupo exposto ao CdCl2, a diminuição de células germinativas provavelmente deveu-se a um desaparecimento das mesmas como resposta ao CdCl2, que como inibidor endócrino, interfere no funcionamento de hormônios e receptores endógenos, inclusive nas células somáticas (homólogas às células de Sertoli dos grupos animais que as possuem) que desempenham funções importantes na espermatogênese (SIMONIELLO et al., 2010). Tal efeito também foi observado em ouriços-do-mar quando expostos a baixas concentrações de Cd (KHRISTOFOROVA et al., 1984). Além disso, as células somáticas sofreram alterações morfológicas, fato relatado para outras espécies de vertebrados basais (CRUZ-LANDIM et al., 2005). Tais células respondem aos hormônios sexuais e, como nos vertebrados derivados, parecem participar do desenvolvimento gonadal, como também dos processos de espermiofagia ou absorção de células germinativas diferenciadas nos adultos. Observou-se também, nos animais expostos ao CdCl2, regiões com células apoptóticas, com núcleos em forma de meia lua, migrando para a periferia da célula (Fig. 11A). A apoptose provocada pela exposição ao CdCl2 pode ser reconhecida por características morfológicas muito marcantes e coordenadas. De modo geral, a apoptose é um fenômeno bastante rápido, marcado pela alteração no potencial da membrana interna mitocondrial, condensação da cromatina e fragmentação do DNA nuclear, precedido pela síntese de moléculas que desencadearão a cascata de eventos da morte celular por apoptose (BERTIN; AVERBECK, 2006; GRIVICICH et al., 2007). Em microscopia de luz, a apoptose pode ser identificada, por meio da observação de picnose do núcleo, vacuolização ou plasmólise do citoplasma e, finalmente, a expulsão do conteúdo nuclear, formando vesículas no contorno da membrana plasmática da célula (GALLUZZI, 2012). De acordo com Robertson e Orrenius (2000), estudos demonstram que o Cd pode induzir a apoptose de uma variedade de tipos de células. A apoptose é um processo natural de morte celular que ocorre durante os processos de proliferação e diferenciação celular (RAFF, 1998; COHEN, 1999; LOCKSHIN; ZAKERI, 2004; TRIPATHI et al., 2009). Em vertebrados adultos e juvenis, a apoptose de células germinativas é parte integral da espermatogênese, ocorrendo normalmente em várias fases do desenvolvimento destas células (ROOSEN-RUNGE, 1977; BLANCO-RODRÍGUEZ; MARTÍNEZ-GARCIA, 1996; BLANCO-RODRÍGUEZ, 2001; VILELA, 2003; CARDOSO, 2007, TRIPATHI et al., 2009). Este processo apresenta um papel muito importante na homeostase da espermatogênese, refletindo 35 diretamente na produção espermática característica de cada espécie (SHARPE, 1994; FRANÇA; RUSSELL, 1998; SINHA-HIKIM; SWERDLOFF, 1999, FRANÇA et al., 2005; CARDOSO, 2007). Além de participar do controle de densidade celular, fornecendo um balanço adequado do número de células somáticas e células germinativas, a apoptose também elimina as células germinativas anormais (BAUM et al., 2005, ASSIS, 2011). Além de ocorrer normalmente durante o processo espermatogênico, a apoptose pode ocorrer nas mais diversas situações como, por exemplo, na organogênese e hematopoiese normal e patológica, na reposição fisiológica de certos tecidos, na atrofia dos órgãos, e pode ser induzida na resposta inflamatória e na eliminação de células após dano celular ocasionado por contaminantes ambientais (RANGANATH; NAGASHREE, 2001). Com isso, sinais de ativação iniciam mecanismos intracelulares de controle e execução, que culminam com a ativação de caspases localizadas no citoplasma das células germinativas (SINHA-HIKIM; SWERDLOFF, 1999; SINHA- HIKIM et al., 2003; VERA et al., 2004; VERA et al., 2005; SETCHELL, 2006; TRIPATHI et al., 2009). Algumas regiões das gônadas dos indivíduos expostos apresentaram-se degeneradas. A provável explicação para essa degeneração, é o comprometimento estromal e parenquimático do tecido pela ação do CdCl2, que ocorre em função da modificação no citoesqueleto das células, fazendo com que o tecido se descaracterizasse devido ao rompimento das ligações intercelulares e consequente surgimento de áreas de vacuolização tecidual (Fig. 11B) (BERTIN; AVERBECK, 2006). De acordo com Creasy (2001), a vacuolização é uma resposta morfológica comum do epitélio testicular a vários tipos de agressões causadas por metais. 36 Figura 11. Micrografias dos testículos, HE. A) Células somáticas indiferenciadas (cs), apoptose (seta amarela). B) Áreas de vacuolização da célula (seta vermelha). Nos girinos expostos ao CdCl2, também observou-se um fenômeno denominado metaplasia que, de acordo com Pinto et al. (2005), é a substituição de um tecido por outro, de mesma origem embrionária, o que pode ser interpretado como uma tentativa 37 do organismo de substituir um tipo celular exposto a um estresse por um tipo celular mais apto a suportá-lo. No caso deste trabalho, substituição das células somáticas por tecido adiposo (Fig. 12). A adipogênese é um fenômeno comumente encontrado nos vertebrados em situações normais e patológicas. Em situações patológicas, as células estromais do timo, como da hipófise, são levadas a se diferenciarem em adipócitos, após a destruição do tecido parenquimal, que contém as células funcionais dos órgãos. Nos humanos, a medula óssea hematógena, presente em todos os ossos da criança até os três meses de idade é, no adulto, amplamente transformada em medula óssea amarela, com tecido adiposo em seu interior. Na margem anterior dos testículos estão presentes os corpos adiposos abdominais, que constituem uma característica estrutural comum a todos os anfíbios (DUELLMAN; TRUEB, 1986; JORGENSEN, 1986) e servem como uma reserva nutricional para as gônadas (FITZPATRIK, 1976). A energia neles armazenada (como tecido adiposo) é possivelmente utilizada em alguma etapa do processo da espermiogênese que ocorre no adulto (OLIVEIRA; VICENTINI, 1998), fato que não foi observado neste trabalho. O tecido adiposo apresenta um completo arsenal metabólico para ativação, conversão e inativação de hormônios esteróides. A aromatase (que converte andrógenos em estrógenos) e a 17-beta-hidroxiesteróide desidrogenase, 17-βHSD, (que converte andrógenos pouco ativos, como androstenediona, em andrógenos potentes, como a testosterona) são duas enzimas altamente expressas no tecido adiposo, tanto nas células do estroma como nos pré-adipócitos (DAMIANI; DAMIANI, 2006). De acordo com Martins (2013), o Cd também pode se acumular no tecido adiposo mimetizando os hormônios esteróides. Sendo assim, uma possível explicação para a adipogênese observada no presente trabalho é que o Cd alterou a homeostase hormonal da gametogênese inicial, causando aumento dos hormônios relacionados à diferenciação das células em adipócitos e inibindo os hormônios relacionados à diferenciação das células germinativas. Portanto, os dados estão de acordo com a literatura, pois, de acordo com as análises morfológicas o Cd inibiu os canais de receptores de hormônios esteróides, fazendo com que as células gonadais fossem reabsorvidas e ao mesmo tempo estimulou a adipogênese, mimetizando os hormônios para sua diferenciação. Além disso, o tecido estromal é constituído de fibroblastos, que são precursores dos adipócitos e outras células do tecido conjuntivo especializado. 38 Estudos em ratos apontam que o Cd é considerado um indutor de obesidade e de diabetes tipo 2. Postula-se que o Cd tem efeito direto nas células beta (produtoras de insulina) das ilhotas de Langherans, afetando o metabolismo do pâncreas endócrino. Segundo Hectors et al. (2011), em baixas concentrações o Cd pode promover aumento dos títulos de insulina sérica no sangue (glicemia atípica), o que levaria a um aumento do acúmulo de gordura no tecido adiposo. Por outro lado, altas concentrações, segundo revisão do autor, promovem uma diminuição drástica de insulina pelo pâncreas. Não se sabe ao certo as vias bioquímicas das interferências do Cd como inibidor endócrino, tanto em adulto, como em fetos humanos, que também são afetados pelo Cd (JANESICK; BLUMBERG, 2011). Porém sabe-se que em vários estágios de desenvolvimento pós-embrionário dos girinos dessa espécie o pâncreas já está formado e produz moléculas semelhantes à insulina, desenvolvendo, portanto, as funções pós metamórficas (HULSEBUS; FARRAR, 1985) Como já mencionado, o CdCl2 provocou alterações morfológicas nas células somáticas do testículo, fazendo com que esses perdessem a sua morfologia alongada típica, tornando-se mais esferóides, com a cromatina menos condensada. Como um inibidor endócrino, e considerando que estas células somáticas são homoplásicas às de Sertoli (ricas em hormônios esteróides), é plausível aventar que houve metaplasia irreversível dos testículos (Fig. 12A), que mantiveram sua anatomia geral típica, porém com estroma de células adiposas (Fig. 12B). É possível, também, observar a transição desse processo em alguns indivíduos analisados, mostrando áreas testiculares em degeneração, seguidas da adipogênese (Fig. 12C). 39 Figura 12. Poligonadismo não funcional e adipogênese. A) Visão geral dos testículos, com um deles contendo somente células somáticas (t) e os outros metaplásicos (setas pretas), rim (r). B) Adipogênese e o ducto coletor degenerado (dc). C) Degeneração tecidual (seta vermelha) núcleo para na periferia (seta amarela). 40 Dentre os efeitos observados, uma malformação congênita chamada poligonadismo, em que os animais apresentam mais de duas gônadas, se deu provavelmente como resultado da exposição ao metal traço. De acordo com Hayes (2006), o poligonadismo é a segunda malformação mais comum que ocorre em Xenopus laevis expostos a inibidores endócrinos. Tal como o presente estudo, esse fenômeno é apenas observado em machos (fêmeas com vários ovários são não observadas), sugerindo assim que apenas os machos são afetados (HAYES, 2006). No caso deste trabalho, os indivíduos, apresentam uma gônada que se assemelha a um testículo e as demais metaplásicas (Fig. 13), o que pode ter acontecido, como descrito anteriormente, pela ação do CdCl2 (BERTIN; AVERBECK, 2006). Abdalla et al. (2013) também encontraram poligonadismo na mesma espécie estudada, sob a exposição das mesmas doses de CdCl2, porém tais efeitos nunca foram relatados concomitantemente, o que vem não só corroborar os resultados aqui expostos, como demonstrar a sensibilidade dos testículos, mesmo a doses de CdCl2 ambientalmente aceitas pelo CONAMA. Estes dois fenômenos já foram relatados para outras espécies de anfíbios expostos a inibidores endócrinos, como por exemplo, Xenopus laevis expostos à atrazina (HAYES et al., 2006). Figura 13: Poligonadismo não funcional (setas), testículo degenerado (t), rim (r). 41 4.2.2. Morfologia dos testículos em girinos expostos ao CdCl2 durante 16 dias Os dados referentes aos testículos dos girinos do grupo controle de 16 dias (Fig. 14A-C) demonstram que os indivíduos analisados para esta fase apresentaram morfologia típica dos testículos (Fig. 14A), com poucas células germinativas (Fig. 14B- C), com predominância das espermatogônias secundárias (ou B), começo da formação do ducto seminífero inicial ou em corte, chamado cisto (Fig 14B). Pode-se notar também uma explosão de divisão celular dos espermatócitos primários, que se organizarão para formar os ductos seminíferos iniciais (Fig. 14C). Os dados morfológicos referentes aos testículos dos girinos expostos ao CdCl2 durante 16 dias (Fig. 14D-F) revelaram que os indivíduos analisados para esta fase apresentaram morfologia típica dos testículos, com túnica albugínea desenvolvida, proliferação das células germinativas, abundância de células somáticas (Fig. 14D), presença de espermatogônias primárias (ou A) e espermatogônias secundárias (ou B), (Fig. 14F). Foi possível observar também os ductos seminíferos iniciais com espermatócitos primários em divisão, apresentando o início de agregados para a formação dos ductos seminíferos iniciais (Fig. 14B, D,F), semelhante ao que pode ser observado nos estágios gonadais 4 e 5 em zebrafish (VAN DER VEM; WESTER, 2013). Um dos indivíduos analisados apresentou provável poligonadismo misto (funcional e não funcional) (Fig. 15). Outro indivíduo apresentou sinais de reversão sexual (Fig. 16). 42 Figura 14. Micrografias dos testículos, HE. A-C) Grupo controle. A) Visão geral .Dois túbulos maciços (setas pretas), ducto coletor (dc). B) Túnica albugínea (ta), ducto coletor (dc), ductos seminíferos iniciais (ds). C) Espermatogônias primárias em divisão, se organizando para formar os ductos seminíferos iniciais, espermatogônias secundárias (esg B). D-E) Grupo exposto. D) Morfologia normal do testículo (seta preta), rim. (r), ducto coletor (dc), túnica albigínea (ta). E) Formação dos ductos seminíferos iniciais (ds), espermatogônia primária (esg A). F) Espermatogônias primárias (esg A), espermatogônias secundárias (esg B), células em roseta (rs), células somáticas (cs), ductos seminíferos iniciais (ds). 43 Assim como descrito no item 4.2.4., os testículos do grupo controle dos indivíduos desse ensaio experimental apresentam morfologia típica dos testículos para essa fase, porém, diferente do observado nos indivíduos expostos ao CdCl2 durante 4 dias, os indivíduos expostos nesse ensaio apresentaram morfologia típica dos testículos, sendo assim, possível aventar que houve uma adaptação. De acordo com Dornelles (2013), mesmo diante de uma resposta negativa ao primeiro contato de um organismo a uma substância, é possível sua adaptação com o passar do tempo. Os organismos, incluindo os peixes e anfíbios, podem responder de diferentes formas à exposição ao Cd. Essa resposta irá depender tanto da dose quanto do tempo de exposição a esses compostos químicos. Com isso, em alguns casos, o organismo pode sofrer adaptação quando for exposto continuamente a um agente químico. Porém, em outros casos, o composto pode induzir respostas, sendo observadas principalmente na forma de danos celulares e teciduais. Finalmente, se a exposição for quantitativamente além do limite de detoxificação dos organismos, ou ocorrer por um período demasiadamente prolongado, se estabelece uma resposta tóxica que pode ocasionar a mortalidade dos organismos susceptíveis (BOELSTERLI, 2007; MOREIRA, 2010). Estudos realizados por Flament et al. (2003) demonstraram que a exposição prolongada ao Cd em larvas de salamandra Pleurodeles não causou diferenças na morfologia gonadal dos indivíduos. Tal como descrito no item 2.2.1., dentre os efeitos observados, o poligonadismo, também foi observado nos indivíduos expostos, porém, diferentemente do observado nos indivíduos expostos durante 4 dias os indivíduos expostos durante 16 dias apresentam três gônadas que se assemelhavam a testículos (Fig. 15 ). Em duas delas, pôde-se observar a diminuição de células germinativas em resposta à exposição ao CdCl2 e alterações nas células somáticas, corroborando os dados de Simoniello et al. (2010) e Cruz-Landim et al. (2005). No entanto, a terceira apresentava morfologia típica de um testículo, sendo possível observar espermatogônias primárias (ou A) e secundárias (ou B) revestidas por células somáticas, e a formação das células em roseta, indicando a adaptação diante da exposição ao CdCl2, corroborando os resultados descritos por Moreira (2010). 44 Figura 15. Poligonadismo misto (funcional e não funcional). Testículo 1 e 2 (test 1 e test 2) degenerados e testículo 3 (test 3) com morfologia típica. Ductos coletores 1, 2 e 3 (dc1, dc2, dc3). Rim (r). Outro efeito observado foi a reversão sexual, onde o indivíduo apresentava ovários com morfologia testicular ao lado de um testículo metaplásico (Fig. 16). Tal fenômeno já foi relatado para Xenopus laevis expostos à atrazina (HAYES et al., 2006). Figura 16. Reversão sexual. Ovários com morfologia testicular (setas vermelhas), testículo metaplásico (seta preta). Após a diferenciação e o desenvolvimento sexual do indivíduo, frequentemente também são descritas estruturas vestigiais que permanecem como não funcionais (FREITAS, 2013). Nos testículos dos anura existe uma massa de tecido ovariano 45 vestigial coberto por uma cápsula de tecido conjuntivo (DUELLMAN E TRUEB, 1994), conhecida como órgão de Bidder (Fig. 17). Em situações de alta densidade de machos e também sob determinadas circunstâncias de estresse, como alterações ambientais, exposição a inibidores endócrinos (FREITAS, 2013), entre outras, esse órgão pode tornar-se funcional, apresentando capacidade de produzir células germinativas femininas mesmo em machos (DUELLMAN; TRUEB, 1994). Já que os testículos são patentemente mais sensíveis ao CdCl2 que os ovários e células biderianas já migraram para esses ósgãos nesse estágio de desenvolvimento dos machos, talvez a região do órgão de Bidder desenvolveu-se e as ovogônias poavaram o estroma testicular, uma vez que em adultos as vias de diferenciação das células do órgão de Bidder, sempre tendem a se desenvolver em ovócitos (PETRINI; ZACCANTI, 1998). Figura 17. Esquema representando o aparelho urogenital de um anuro. Rim (R), corpos adiposos abdominais (ca), testículo (T), órgão de Bidder (seta). (OLIVEIRA et al., 2007). 4.3. Histoquímica em Fluorescência Quanto à histoquimica (acridine orange), primeiramente buscou-se estabelecer a adequação da técnica com anfíbios. Como ainda não existem trabalhos com essa espécie, o protocolo foi adaptado e, realizado apenas com os indivíduos controle e exposto ao CdCl2 durante 4 dias. O acridine orange (AO) é um corante metacromático seletivo que interage com DNA e RNA por intercalação ou atração eletrostática. Varia entre a cor verde e vermelho-alaranjado. Permite distinguir células em proliferação, quiescentes e ativadas 46 e pode também permitir a detecção de múltiplos compartimentos G1. O AO pode também ser útil como um método para detectar núcleos picnóticos e indicar morte celular por apoptose. Quando visualizado sob luz UV, o RNA emite cor laranja, enquanto o DNA de cadeia dupla aparece verde (DARZYNKIEWICZ, 1990). Os resultados do AO referentes aos ovários do grupo controle mostraram que a diferença de cor se deu devido aos diferentes estágios dos ovócitos que apresentavam desenvolvimento assincrônico ao longo do ovário e que continham diferentes níveis de produção de RNA (Fig. 18A-C). Observou-se a maioria dos núcleos marcada em verde, o que indica atividade normal do núcleo, porém foram observados alguns núcleos amarelados, indicando assim, ovócitos com núcleos com cromatina condensada. As células foliculares também apresentaram núcleos verdes. Quando comparados com os indivíduos do grupo exposto ao CdCl2 durante 4 dias, observamos que não houve mudanças em relação ao grupo controle, com a intensidade de cor variando de acordo com a região do órgão que continha o corte histológico (Fig. 18D-E). 47 Figura 18. Micrografia de fluorescência dos ovários, AO. A-C) Grupo controle. Ovócitos em desenvolvimento assincrônico. D-F) Grupo exposto. Não se observou mudanças em relação ao grupo controle. Células foliculares (seta amarela), rim (r). Quanto aos testículos, tanto do grupo controle, quanto do grupo exposto, não se observam mudanças na coloração (Fig. 19A-B), sendo que a coloração alaranjada foi encontrada na periferia destes. 48 Figura 19. Micrografias de fluorescência dos testículos, AO. A) Grupo controle, B) Grupo exposto. Não se observaram mudanças na coloração, sendo que a coloração alaranjada encontra-se na periferia destes (setas brancas), rim (r); testículo (t). 4.4. Imuno-histoquímica Quanto à imuno-histoquímica (HSP70), também buscou-se estabelecer a adequação da técnica com anfíbios. Como ainda não existem trabalhos com essa espécie, o protocolo foi adaptado e realizado. Estudos demonstram que quando os organismos estão expostos ao Cd e a outros metais traço, a taxa de produção das ROs excede a sua capacidade de neutralização pelas defesas antioxidantes dos organismos, levando ao estresse oxidativo (MOREIRA, 2010) e modificando os níveis de proteínas que respondem ao estresse celular, como por exemplo, as proteínas da família das HSPs (STEIL, 2013). Isto provavelmente ocorre, pois o Cd provoca um aumento na quantidade de proteínas “misfolded” (com dobramentos incorretos), ou seja, aumenta a taxa de dobramentos incorretos nas proteínas da célula. Os dobramentos incorretos provocam um aumento na síntese das HSPs, cuja função é corrigir esses dobramentos, promovendo o dobramento correto dessas proteínas, possuindo então um papel importante na reparação de proteínas e na ativação ou inibição na morte celular. Desta forma, o aumento de HSPs constitui um biomarcador de estresse celular (FLAMENT et al., 2003; BERTIN; AVERBECK, 2006). Sabe-se que as proteínas HSPs interagem com os receptores androgênicos e estrogênicos, e então podem estar envolvidas com efeitos do Cd a alterações sobre vias dos hormônios esteróides (FLAMENT et al., 2003). Provavelmente as HSPs atuam na maturação final dos receptores esteróides, auxiliando o seu dobramento para atingir a forma tridimensional correta e também nas demais proteínas envolvidas na via de transdução de sinal da formação dos hormônios, como a aromatase, por exemplo. 49 Porém, se a quantidade de proteínas com dobramentos a serem corrigidos despender muito gasto energético para a célula, as HSPs direcionam tais proteínas “misfolded” para degradação em proteossomos/lisossomos, o que, em larga escala, pode desencadear morte celular (BARREIROS et al., 2006). Nesse trabalho, os resultados referentes aos ovários dos girinos dos grupos controle (4 e 16 dias) mostraram a expressão constitutiva das HSP70, sendo que as células foliculares apresentaram maior expressão, fato que se deve à divisão celular que ocorre nas ovogônias (Fig. 20A-B e 21A), conforme observado anteriormente pelas técnicas de rotina. Contudo, ao contrário da literatura citada, que indica aumento da expressão das HSPs diante da exposição ao Cd, os dados do presente trabalho demonstraram que o grupo exposto ao CdCl2 durante 4 dias não apresentou mudanças em relação ao grupo controle (Fig. 20C-D). Já os dados do grupo exposto ao CdCl2 durante 16 dias demonstram que houve superexpressão da HSP70 (Fig. 21B), indicando estresse oxidativo, com consequente modificação dos níveis das HSPs, o que está de acordo com a literatura citada. De acordo com Iganzi (2012) exposições a longo prazo ao Cd tendem a diminuir os níveis de espécies reativas de oxigênio, ou pela inibição da cadeia transportadora de elétrons, reduzindo o consumo de oxigênio e, consequentemente, de espécies reativas de oxigênio (CANNINO et al., 2009), ou por um mecanis