1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DEPARTAMENTO DE CLÍNICA VETERINÁRIA ABORDAGEM DA ASFIXIA NEONATAL E INFECÇÃO BACTERIANA EM NEONATOS CANINOS: USO DA TROPONINA I E AVALIAÇÃO DA SEPSE KEYLLA HELENA NOBRE PACIFICO PEREIRA 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DEPARTAMENTO DE CLÍNICA VETERINÁRIA ABORDAGEM DA ASFIXIA NEONATAL E INFECÇÃO BACTERIANA EM NEONATOS CANINOS: USO DA TROPONINA I E AVALIAÇÃO DA SEPSE KEYLLA HELENA NOBRE PACIFICO PEREIRA BOTUCATU 2021 Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de Doutora em Medicina Veterinária. Orientadora: Prof. Dra. Maria Lucia Gomes Lourenço 3 4 Autor: Keylla Helena Nobre Pacífico Pereira TÍTULO: ABORDAGEM DA ASFIXIA NEONATAL E INFECÇÃO BACTERIANA EM NEONATOS CANINOS: USO DA TROPONINA I E AVALIAÇÃO DA SEPSE BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Maria Lucia Gomes Lourenço Presidente e Orientadora Departamento de Clínica Veterinária Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP – Botucatu Profa. Dra. Camila Infantosi Vannucchi Membro titular Departamento de Reprodução animal Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – USP – São Paulo Profa. Dra. Maria Denise Lopes Membro titular Departamento de Cirurgia Veterinária e Reprodução Animal Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia – UNESP – Botucatu Profa. Dra. Silvia Edelweiss Crusco Membro titular Instituto de Ciências da Saúde - ICS Universidade Paulista – UNIP – São Paulo Profa. Dra. Maricy Apparicio Ferreira Membro titular Departamento de Patologia, Reprodução e Saúde Única Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP – Jaboticabal 5 AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo - Brasil (FAPESP) – Número do Processo 2019/21366-0 6 SUMÁRIO RESUMO 07 ABSTRACT 08 CAPÍTULO I – REVISÃO DE LITERATURA 09 1. INTRODUÇÃO 10 2. REVISÃO DE LITERATURA 11 2.1 Hipóxia neonatal 11 2.2 Marcador bioquímico cardíaco: Troponina cardíaca I 13 2.3 Sepse neonatal 17 3. HIPÓTESES 22 4. OBJETIVOS 23 CAPÍTULO II – ARTIGOS CIENTÍFICOS 24 Seção 1. Uso da troponina cardíaca I (cTnI) no diagnóstico de lesão miocárdica por asfixia perinatal em cães neonatos...........................................................................25 Seção 2. Sepse neonatal em cães - incidência, aspectos clínicos e mortalidade......47 7 RESUMO O primeiro estudo teve como objetivo avaliar e comparar os níveis de troponina cardíaca I (cTnI) em cães recém-nascidos com asfixia e não asfixiados, correlacionando com a avaliação do escore Apgar modificado, saturação de oxigênio, glicemia, lactatemia e hemogasometria. O estudo visou determinar o possível uso da troponina I como marcador de lesão isquêmica do miocárdio e indicador de hipóxia perinatal grave em cães neonatos. Foram avaliados 15 animais no grupo parto eutócico (GE), 15 animais no grupo cesariana (GC) e 13 animais no grupo hipóxia (com asfixia) (GH). No GH os recém-nascidos exibiram acidose mista proeminente (p<0,05) (respiratória por aumento pCO2 e metabólica por redução do pH, HCO3, BEecf e aumento do lactato) em comparação ao GE e GC, em decorrência da hipoxemia grave. Os parâmetros no escore de Apgar e hemogasometria demonstraram que estes cães nasceram com asfixia, apresentando baixa vitalidade e necessidade de manobras reanimatórias. Os níveis de troponina I estavam dentro dos padrões de referência para cães hígidos nos grupos GE e GC. No GH os níveis de troponina I foram significativamente mais elevados do que o GE e GC (p<0,05) e estavam acima dos padrões de referência para cães hígidos. Conclui-se que a troponina I é um marcador de hipóxia e lesão miocárdica em cães neonatos. O objetivo do segundo estudo foi descrever a incidência de sepse em cães recém-nascidos, os aspectos clínicos envolvidos, os principais agentes bacterianos isolados e as taxas de mortalidade. Das 152 ninhadas e 762 neonatos avaliados, 14,8% (113/762) apresentaram sepse ou choque séptico, e a taxa de mortalidade entre os filhotes afetados foi de 25,6% (29/113). Diferenças significativas (p <0,0001) nos parâmetros clínicos (frequência cardíaca e respiratória, glicemia, temperatura corporal, saturação periférica de oxigênio e reflexos) foram observadas entre neonatos saudáveis e neonatos com sepse e choque séptico. Os principais e mais relevantes sinais clínicos foram: apatia, redução do reflexo de sucção, diarreia, tríade neonatal, insuficiência de ganho de peso, bradicardia, dispneia, mucosas cianóticas, eritema corporal, redução da saturação periférica de oxigênio, cianose e necrose dos tecidos das extremidades. A mãe pode ter sido a principal fonte de infecção para 87,6% (99/113) dos neonatos com sepse. O agente bacteriano mais isolado foi a Escherichia coli, responsável por 25,6% (29/113) dos casos de sepse. A morbidade e mortalidade da sepse neonatal em cães são altas. A avaliação clínica e o diagnóstico de sepse em neonatos diferem daqueles em animais adultos. Assim, o conhecimento das particularidades neonatais da sepse é essencial para o manejo clínico adequado e maior sobrevida desses pacientes. Palavras-chave: Asfixia, hipóxia, cesariana, infecção bacteriana, filhote. 8 ABSTRACT The first study aimed to evaluate and compare the levels of cardiac troponin I (cTnI) in asphyxiated and non-asphyxiated newborn dogs, correlating with the modified Apgar score, oxygen saturation, glycemia, lactatemia and blood gas analysis. The study aimed to determine the possible use of troponin I as a marker of myocardial ischemic injury and an indicator of severe perinatal hypoxia in neonatal dogs. Fifteen animals in the eutocic delivery group (EG), 15 animals in the cesarean group (CG) and 13 animals in the hypoxia group (asphyxiated) (GH) were evaluated. In GH, newborns showed prominent mixed acidosis (p<0.05) (respiratory due to pCO2 increase and metabolic due to reduced pH, HCO3, BEecf and increase in lactate) compared to EG and GC, due to severe hypoxemia. The parameters in the Apgar score and blood gas analysis showed that these dogs were born asphyxiated, with low vitality and need for resuscitation maneuvers. Troponin I levels were within the reference standards for healthy dogs in the GE and GC groups. In GH, troponin I levels were significantly higher than in GE and GC (p<0.05) and were above the reference standards for healthy dogs. It is concluded that troponin I is a marker of hypoxia and myocardial injury in neonatal dogs. The aim of the second study was to describe the incidence of sepsis in newborn dogs, the clinical aspects involved, the main bacterial agents isolated and the mortality rates. Of the 152 litters and 762 neonates evaluated, 14.8% (113/762) had sepsis or septic shock, and the mortality rate among affected pups was 25.6% (29/113). Significant differences (p < 0.0001) in clinical parameters (heart and respiratory rate, blood glucose, body temperature, peripheral oxygen saturation and reflexes) were observed between healthy neonates and neonates with sepsis and septic shock. The main and most relevant clinical signs were: apathy, reduced sucking reflex, diarrhea, neonatal triad, failure to gain weight, bradycardia, dyspnea, cyanotic mucous membranes, body erythema, reduced peripheral oxygen saturation, cyanosis and tissue necrosis from the ends. The mother may have been the main source of infection for 87.6% (99/113) of neonates with sepsis. The most isolated bacterial agent was Escherichia coli, responsible for 25.6% (29/113) of sepsis cases. The morbidity and mortality of neonatal sepsis in dogs is high. Clinical evaluation and diagnosis of sepsis in neonates differ from those in adult animals. Thus, knowledge of neonatal sepsis particularities is essential for proper clinical management and better survival of these patients. Keywords: Asphyxia, hypoxia, cesarean, bacterial infection, puppy. 9 CAPÍTULO I REVISÃO DE LITERATURA 10 1. INTRODUÇÃO A neonatologia na espécie canina constitui-se de um grande desafio aos médicos veterinários, as taxas de morbimortalidade são elevadas e as causas das mortes e seus fatores de risco muitas vezes são desconhecidos ou negligenciados. Índices de mortalidade neonatais mais elevados podem ser observados na Medicina Veterinária quando comparado à Medicina, que possui índices no mundo e no Brasil em torno de 1,7% e 0,8%, respectivamente (OMS, 2020). Na Medicina Veterinária, a taxa de mortalidade neonatal canina pode variar de 5,7% a 35% e é maior durante o parto, imediatamente após o parto e nos primeiros dias de vida (MOSIER, 1981; GILL, 2001; INDREBØ et al., 2007; VERONESI et al., 2009; KONDE et al., 2015; MILA et al., 2016; CHASTANT-MAILLARD et al., 2017). A transição fetal-neonatal é um período crítico, com alto risco de mortalidade. Imediatamente após o nascimento, o neonato precisa assumir as funções vitais previamente realizadas pela placenta (LOURENÇO; MACHADO, 2013), como a respiração pulmonar, que deve ser iniciada e mantida de forma adequada, garantindo a eficiência das trocas gasosas. Quando essa transição não é realizada de forma efetiva, podem ocorrer consequências fatais para os recém-nascidos (VANNUCCHI et al., 2012). A falha na adequada transição fetal-neonatal pode estar associada a asfixia perinatal, que é considerada uma das principais causas de mortalidade em cães recém- nascidos (MÜNNICH, 2008; LOURENÇO, 2015). A asfixia durante o parto leva à hipoxemia grave, ocasionando consequências em neonatos, como a síndrome do desconforto respiratório (SDR), aumento da acidose metabólica e respiratória e danos a tecidos com elevados requisitos de oxigênio, como o coração (MOON et al., 2000; VANNUCCHI et al, 2012; MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014; VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015). A asfixia perinatal pode levar a isquemia e necrose miocárdica. A hipoxemia grave seguida de acidose está associada à insuficiência cardíaca progressiva e óbito (BADER et al., 2006). Marcadores bioquímicos cardíacos sensíveis e específicos como a troponina I são utilizados para diagnosticar lesão miocárdica isquêmica e não isquêmica em recém-nascidos humanos logo após o nascimento (TREVISANUTO et al., 2006). Níveis elevados de troponina I podem resultar de danos reversíveis na 11 membrana dos cardiomiócitos, não necessariamente da morte celular (EEROLA et al., 2014). A detecção de lesão miocárdica leva a possibilidade da assistência precoce ao recém-nascido, aumentando as chances de sobrevida neonatal. Em cães adultos, a troponina cardíaca I é utilizada para detectar lesão nas células miocárdicas em isquemias, miocardites, bem como para fator prognóstico em cardiopatias (VITT et al., 2016; DUTTON et al., 2017; MATTIN et al., 2018). Não há pesquisas sobre marcadores bioquímicos cardíacos em cães recém-nascidos. O estudo de um marcador cardíaco específico em cães neonatos hipoxêmicos poderá ser utilizado como preditor de lesão miocárdica e de mortalidade, beneficiando a conduta clínica. 2. REVISÃO DE LITERATURA O período neonatal em cães refere-se às primeiras quatro semanas de vida, sendo este um período considerado crítico e com alta taxa de mortalidade (GRUNDY, 2006; LOURENÇO, 2015). A elevada mortalidade é atribuída a uma grande variedade de causas, sendo que 90% das mortes que ocorrem durante os primeiros dois dias de vida são oriundas de hipoxemia prolongada durante o parto (MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014; VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015). Durante o nascimento, os recém-nascidos experimentam um curto período de asfixia fetal simultânea com as contrações uterinas, levando a uma hipoxemia fisiológica, que pode resultar em hipercapnia e acidemia neonatal transitória (RUTH E RAIVIO 1988; VANNUCCHI, 2012). A adaptação à respiração pulmonar após o nascimento é um fator importante na recuperação da homeostase ácidobásica. A frequência respiratória adequada favorece a eliminação de CO2, diminuindo a concentração sérica (VANNUCHI, 2012). No entanto, existem fatores que podem prolongar a asfixia e agravar a hipoxemia e a acidemia, como as distocias, partos prolongados e os anestésicos utilizados nas cesarianas, resultando em falha na adaptação respiratória e maiores taxas de mortalidade no período de transição fetal-neonatal (MOON et al., 2001; INDREBØ et al., 2007). 2.1 Hipóxia neonatal A asfixia perinatal é uma condição clínica que ocorre como resultado da privação de oxigênio para o feto ou para o recém-nascido, com consequente perda da 12 perfusão em diversos órgãos. A asfixia perinatal é uma das principais causas de mortalidade e morbidade no período neonatal em cães e em humanos (MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014; YILDIRIM et al., 2015). A gravidade e duração da hipóxia são os fatores mais importantes que determinam o grau e a extensão da lesão de órgãos e tecidos (YILDIRIM et al., 2015). Cães neonatos exibem hipoxemia fisiológica durante o parto e imediatamente após o nascimento (LUCIO et al., 2009). As contrações uterinas durante o trabalho de parto induzem redução do fluxo sanguíneo da mãe para o feto, com consequente diminuição da pressão parcial de oxigênio (PO2) no sangue fetal (SIRISTATIDIS et al., 2004). Desta forma, cães recém-nascidos exibem acidose ao nascimento, que é tanto metabólica (BE e HCO3) quanto respiratória (alta PCO2), denominada acidose mista (LUCIO et al., 2009). A normalização destes valores é observada em 60 minutos após o nascimento, indicando que a hipoxemia é transitória (VASSALO et al., 2015). Qualquer forma de distocia e falha na respiração pode causar sofrimento fetal por asfixia, gerando danos aos órgãos e morte dentro de um curto período de tempo. Aproximadamente 16% das cadelas sofrem distocia, e grande parte destas, precisam ser submetidas à cesariana. A realização de cesariana é um procedimento comum em pequenos animais (DOEBELI et al., 2013). Porém, pode levar à depressão neonatal pelos anestésicos administrados à fêmea, que muitas vezes impedem ou retardam o início da respiração neonatal, exarcebando a hipoxemia (TRAAS, 2008; BATISTA et al., 2014). As distocias prolongam a duração da hipóxia e da anaerobiose neonatal. As consequências para os neonatos em hipoxemia grave serão declínio da frequência cardíaca (MOON et al., 2000; ZONE; WANKE 2001; VANNUCCHI et al, 2012; VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015), bradipneia ou dispneia, acidose acentuada, hipercapnia (VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015) e danos a tecidos com elevados requisitos de oxigênio, como o coração (VANNUCCI, 2000; MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014). Após isquemia cardíaca em neonatos, são observadas histologicamente áreas generalizadas de infiltrado inflamatório agudo, necrose isquêmica grave e edema tecidual dentro do miocárdio afetado (WANG et al., 2020). Entretanto, há necessidade de mais subsídios para demonstrar que os quadros de hipóxia neonatal promovem lesão miocárdica considerável ao ponto de promover morte dos cardiomiócitos em cães. 13 Na cesariana, todos os anestésicos, incluindo os agentes inalatórios, ultrapassam a placenta e a barreira hematoencefálica do feto, levando a condição variável de depressão neonatal. Os cães recém-nascidos anestesiados durante a cesariana muitas vezes não conseguem iniciar a respiração espontânea, permanecendo apneicos, comprometendo ainda mais o quadro de asfixia, o que torna a reanimação uma medida necessária (DOEBELI et al., 2013; BATISTA et al., 2014; DAVIDSON, 2014). A asfixia prolongada é considerada a principal causa de mais de 60% das perdas de filhotes da espécie canina (MUNNICH, 2008), o que demonstra a importância de avaliar as consequências dessa condição por meio de exames complementares ao nascimento, levando a uma melhor assistência do recém-nascido no pós-parto imediato. 2.2 Marcador bioquímico cardíaco: Troponina cardíaca I O sarcômero cardíaco é formado por proteínas contráteis (actina, miosina e tropomiosina) e o complexo troponina. O complexo troponina regula a interação dos filamentos finos (actina e tropomiosina) e espessos (miosina) no músculo estriado cardíaco em resposta à concentração de cálcio intracelular (FARAH; REINACH, 1995; BADER et al., 2006; SOLÍS et al., 2018). O complexo de troponina é construído de três proteínas. A troponina I (TnI) inibe a bomba de Mg-ATPase (afetando as interações miosina-actina). A troponina C (TnC) liga moléculas de cálcio, atraindo assim a TnI e liberando a inibição da bomba de Mg-ATPase, e a troponina T (TnT) que conecta a troponina à tropomiosina, expondo assim o sítio de ligação da actina à miosina (COUDREY, 1998; NEVES et al., 2016). A TnC cardíaca é idêntica à TnC do músculo esquelético, mas a cTnI e a TnT diferem do músculo esquelético, pois são consideradas marcadores úteis na detecção de dano isquêmico miocárdico em adultos e recém-nascidos humanos (FARAH; REINACH, 1995; BADER et al., 2006; NEVES et al., 2016; JOSEPH et al., 2018). A TnI cardíaca não foi identificada fora do miocárdio, enquanto a TnT cardíaca pode ser encontrada em pequenas quantidades no músculo esquelético, contudo, em concentrações irrelevantes (BAISAN et al., 2016). Existem três isoformas da TnI: duas formas esqueléticas (em músculos de contração rápida e lenta) e uma forma cardíaca. A TnI cardíaca (cTnI) é encontrada nos 14 átrios e ventrículos e contém uma cadeia amino-terminal N imunologicamente distinta que não é expressa nas formas esqueléticas (BODOR et al., 1995; BADER et al., 2006; NEVES et al., 2016). As troponinas cardíacas são biomarcadores específicos de lesões cardiomiocíticas. A cTnI é liberada na circulação em altas concentrações em resposta à lesão cardíaca isquêmica e não isquêmica, durante a perda da integridade da membrana devido à destruição dos cardiomiócitos. Os níveis de troponina podem aumentar a partir dos estágios iniciais do dano tecidual miocárdico, tornando esse aumento da concentração sérica um marcador muito sensível e específico de lesão cardíaca (TURKER et al., 2004a; TURKER et al., 2004b; YILDIRIM et al., 2015; TAMILARASU; KUMARAVEL, 2017). Os níveis de troponina são determinados utilizando-se testes de imunoabsorção enzimática (ELISA), existindo também testes veterinários disponíveis para a troponina cardíaca I (BAISAN et al., 2016). A sensibilidade e especificidade dos níveis de troponina na detecção de danos cardíacos são mais elevados quando coomparados aos métodos mais convencionais, como a detecção da isoenzima cardíaca creatina quinase MB, que possui menor especificidade (YILDIRIM et al., 2015). Na Medicina Veterinária, a mensuração da concentração de cTnI pode ser utilizada para detectar lesão de células miocárdicas, decorrente de uma ampla variedade de causas (BAISAN et al., 2016; DUTTON et al., 2017). Várias doenças cardíacas e não cardíacas podem levar à lesão miocárdica secundária, o que acentua a importância da monitorização da função cardíaca (MATTIN et al., 2018). A troponina cardíaca I foi estudada em cães na detecção de lesão miocárdica em isquemias e miocardites, demonstrando maiores concentrações séricas de cTnI nos animais que passaram por eventos hipóxicos e injúrias miocárdicas, como anestesia (VASILJEVIC et al., 2018), convulsões (DUTTON et al., 2017), doenças infecciosas que demonstraram comprometimento cardíaco, como a parvovirose, doença de chagas, leishmaniose, erlichiose e dirofilariose (SIME et al., 2015; VARSHNEY et al., 2015; SILVA et al., 2016; VITT et al., 2016; CARRETÓN et al., 2017; FILIPPI et al., 2019) e cardiopatias, como a cardiomiopatia dilatada, doença valvar mitral degenerativa, e bloqueio atrioventricular (WINTER et al., 2017; MATTIN et al., 2018; WESSELOWSKI et al., 2018; KLUSER et al., 2019). Nestes estudos, a troponina cardíaca foi útil no diagnóstico de lesão miocárdica. 15 A troponina também é útil como fator prognóstico nas cardiopatias, identificando cães que estão em maior risco de óbito (MATTIN et al., 2018). Para determinar o prognóstico em pacientes afetados, a lesão miocárdica deve ser detectada o mais breve possível. Portanto, um teste precoce para uso em cães como a cTnI deve ser utilizado (MATTIN et al., 2018). Em cães adultos saudáveis o valor de referência da cTnI é de <0,006 a 0,05 ng/mL (WINTER et al., 2017). Apesar de sua meia-vida biológica ser de 60 a 120 minutos em cães, possui boa faixa de diagnóstico devido a contínua liberação dessa proteína dos miofilamentos em degradação. A liberação lenta da troponina ligada às miofibrilas pode justificar esse extenso tempo de permanência na circulação (JAFFE et al. 1996; SHINDE et al., 2004; GUPTA & DE LEMOS, 2007). A liberação de cTnI na circulação pode estar relacionada às áreas de necrose de cardiomiócitos de maneira irreversível, sendo o aumento da concentração proporcional à gravidade da injúria. Mas também está relacionada ao aumento da permeabilidade da membrana dos cardiomiócitos ocasionado por hipóxia, permitindo que somente a fração citosólica seja liberada de maneira reversível (MAIR, 1999; COLLINSON et al., 2001). Em cães, essa fração de troponina livre no citosol corresponde de 2 a 8% do total presente no cardiomiócito (SCHOBER et al., 2002). A maior parte da cTnI é encontrada no aparato contrátil e é liberada por desintegração proteolítica. O rompimento das proteínas contráteis intracelulares como resultado de isquemia ocorre rapidamente, causando um pool citosólico (COLLINSON et al., 2001). Em recém-nascidos humanos que sofreram asfixia perinatal, o aumento dos níveis de troponina foram detectáveis no sangue do cordão umbilical e após o nascimento, com elevação significativa da concentração sérica nas próximas três, seis, oito e 24 horas (TURKER et al., 2004b; YILDIRIM et al., 2015; ZHOU et al., 2016). Em cães, a detecção sérica da troponina cardíaca após dano miocárdico é mais rápida que em humanos. No soro do cão adulto a troponina é detectável em quatro a seis horas e atinge um pico entre 10 e 16 horas (BAISAN et al., 2016), enquanto em humanos adultos os níveis de troponina começam a elevar-se a partir de quatro a 12 horas, e atingindo seu valor máximo entre 12 e 48 horas (WELLS; SLEEPER, 2008). Não há estudos do uso de troponina cardíaca na detecção de lesão miocárdica em cães recém-nascidos. Na Medicina Veterinária, estudos com uso da cTnI em recém- nascidos foram realizados em potros (MOHAMED et al., 2013) e cabritos 16 (MOHAMED et al., 2013), que apresentavam sepse e distrofia muscular cardíaca, respectivamente. Estes estudos demonstraram maiores concentrações séricas de cTnI nos animais afetados, o que implica que o cTnI é liberada na circulação em resposta à lesão miocárdica em animais recém-nascidos. Esses estudos concluíram que a cTnI foi um marcador sensível e específico para lesão miocárdica (SLACK et al., 2008; MOHAMED et al., 2013). Como o miocárdio tem uma alta necessidade de oxigênio, os efeitos cardíacos são frequentemente vistos na asfixia perinatal. A detecção de qualquer efeito cardíaco é crucial para o tratamento. Em neonatos humanos com asfixia, as concentrações de cTnI são maiores em relação a neonatos saudáveis, sugerindo a presença de dano miocárdico neste grupo de pacientes de alto risco (TREVISANUTO, 2006; TAMILARASU; KUMARAVEL, 2017). Em neonatos humanos, o valor de referência da cTnI para a predição de hipóxia perinatal é ≥ 0,35 ng/ml (TURKER et al., 2004a; YILDIRIM et al., 2015). Já em cães recém-nascidos, estudos para se determinar o possível aumento da concentração de cTnI sérica em animais que sofreram hipoperfusão miocárdica por asfixia, bem como intervalos de referência são inexistentes. Estudos com humanos comparando recém-nascidos com asfixia com não asfixiados (controle), ambos nascidos de parto vaginal ou cesariana, demonstraram valores significativamente maiores de troponina I e T no grupo com asfixia, e concluiu que as troponinas I e T podem se mostrar valiosas na avaliação do dano miocárdico na asfixia ao nascimento e como fator preditor de mortalidade (ZHOU et al., 2016; JOSEPH et al., 2018). Estudos avaliando os níveis de troponina cardíaca I e T no sangue do cordão umbilical também demonstraram maiores níveis de troponina cardíaca no grupo em hipóxia neonatal em relação ao controle, assim como em neonatos com escore Apgar <7 e com baixo peso ao nascimento (TURKER et al., 2004a; JAYASINGHE et al., 2015; YILDIRIM et al., 2015; MATHUR et al., 2017). E estudos avaliando a concentração da troponina cardíaca I e T no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos em bradicardia fetal e neonatal após o parto, demonstraram que os níveis de troponina foram mais elevados em relação aos neonatos não bradicárdicos (RAFATI et al., 2013; MATHUR et al., 2017). Portanto, a troponina é um importante indicador de hipóxia perinatal em recém-nascidos (TURKER et al., 2004a; TURKER et al., 2004b; MATHUR et al., 2017; ZHOU et al., 2016; JOSEPH et al., 2018). Apesar disso, os biomarcadores não são testes isolados e seus resultados devem ser avaliados 17 no contexto do histórico clínico, exame físico e outros testes diagnósticos (BAISAN et al., 2016; JOSEPH et al., 2018). O uso de cTnI em cães neonatos, especialmente em relação à asfixia perinatal, ainda não foi estudado. A asfixia perinatal é um distúrbio multissistêmico e seus efeitos não se limitam ao sistema nervoso central (TAMILARASU; KUMARAVEL, 2017). A hipoxemia seguida de acidose está associada à insuficiência progressiva dos órgãos e, portanto, tem implicações para a função cardíaca que podem ser expressas como aumento da cTnI (BADER et al., 2006; MATHUR et al., 2017). Na medicina, o comprometimento cardíaco ocorre em cerca de 25% dos neonatos com asfixia. Muitas vezes, esse comprometimento cardíaco é negligenciado devido à falta de testes diagnósticos (TAMILARASU; KUMARAVEL, 2017). No entanto, para que a cTnI seja útil como um marcador clínico de lesão miocárdica e possivelmente outras morbidades cardíacas perinatais, é fundamental definir se a liberação ocorre em cães neonatos em hipóxia em condições clínicas favoráveis (não asfixiados) e em recém-nascidos com asfixia (BADER et al., 2006; TAMILARASU; KUMARAVEL, 2017). O primeiro passo é a avaliação da asfixia perinatal, que pode ser diagnosticada de forma direta pela avaliação da hipoxemia nos exames de hemogasometria, lactato sérico e saturação de O2, e de forma indireta por exame clínico (escore Apgar modificado). Os biomarcadores cardíacos representam um novo passo nos métodos de diagnóstico neonatal na Medicina Veterinária e humana, com as principais vantagens de precisão (BAISAN et al., 2016). A troponina pode ser utilizada como teste de triagem no diagnóstico de disfunção miocárdica em recém-nascidos com asfixia a termo, especiamente em situações de recursos limitados, onde as instalações para ecocardiografia não estão disponíveis (JOSEPH et al., 2018). Esses testes auxiliam o clínico a formulação de um diagnóstico correto, tratamento precoce, e também podem predizer morbidade e mortalidade (BAISAN et al., 2016; JOSEPH et al., 2018). 2.3 SEPSE NEONATAL Durante o período perinatal, filhotes estão comumente sob risco de contraírem diversas doenças infecciosas, uma vez que o sistema imune não está completamente 18 desenvolvido. As taxas de morbimortalidade são essencialmente mais elevadas do que em adultos (PRATS, 2005; PETERSON; KUTZLER, 2011). Em 65% dos cães recém- nascidos (MORTALIDADE TARDIA), a mortalidade pode ser atribuída às infecções bacterianas (MELONI et al., 2014), e a frequência das diferentes gravidades varia, cerca de 36% são infecções locais, 27,6% são sepse ou choque séptico e 36,4% são infecções sistêmicas (MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014). A sepse é a principal causa de perdas em ninhadas de cães durante os primeiros 21 dias de idade (DANIELS; SPENCER, 2011). Os principais agentes bacterianos envolvidos em infecções perinatais são Staphylococcus spp., Streptococcus spp., Escherichia coli, Klebsiella spp., Enterococcus spp., Pseudomonas aeruginosa, Chlamydia psittaci, Ureaplasma spp., Proteus spp., Salmonella spp., entre outros (SORRIBAS, 2013; MÜNNICH; KÜCHENMEISTER, 2014). A mãe e o ambiente são as fontes mais comuns de infecção da ninhada. Infecções maternas clínicas ou subclínicas podem constituir uma importante fonte de infecção para fetos e neonatos (EVERMANN; KENNEDY, 20011), e como a resistência à infecções é mínima em pacientes recém-nascidos, eles serão suscetíveis inclusive às bactérias comensais da microbiota vaginal e de outras mucosas da fêmea (PRATS, 2005; SORRIBAS, 2013). Filhotes estarão mais predispostos às infecções caso não ocorra à ingestão de colostro logo após o nascimento, visto que apresentarão falha na transferência da imunidade passiva. Além disso, a falta de higiene ambiental predispõe à sobrevivência de diversos patógenos que podem ameaçar a vida dos filhotes (PETERSON; KUTZLER, 2011). Muitos agentes infecciosos são transmitidos por via intrauterina, pelo trato genital infectado no momento do parto, pelo leite e secreções oronasais maternas, por contactantes e pelo ambiente contaminado (SORRIBAS, 2013; MELONI et al., 2014). As infecções perinatais por agentes bacterianos podem ocasionar morte embrionária, reabsorção, maceração fetal, abortamento, mumificação fetal, natimortalidade, mortalidade neonatal e nascimento de filhotes fracos, debilitados e em sepse (MELONI et al., 2014). A fêmea pode não demonstrar sinais clínicos, muitas vezes a infecção é restrita ao útero, com ausência de alterações sistêmicas na cadela. Contudo, os agentes infecciosos podem ter efeitos fatais nos fetos ou nos recém-nascidos (SAGER; REMMERS,1990; SORRIBAS, 2013; OGBU et al., 2016). Em muitos casos, a infecção neonatal pode passar despercebida se a avaliação clínica minuciosa do recém-nascido 19 não for realizada e, consequetemente ocorrerá o definhamento neonatal e a mortalidade da ninhada. Logo após o nascimento, a ausência de desinfecção do cordão umbilical e a cavidade oral materna contaminada também são importantes fatores para entrada de agentes bacterianos por via umbilical, podendo ocasionar onfaloflebite, abscessos, peritonite e sepse (LOURENÇO, 2015). Outra causa importante é a infecção neonatal pelo leite materno, mastites clínicas e subclínicas na cadela promovem a secreção de bactérias e toxinas no colostro ou leite, que será ingerido pelo filhote, resultando em infecção e manifestação da síndrome do leite tóxico, que pode evoluir para sepse (SORRIBAS, 2013; LOURENÇO, 2015; VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015). A sepse é uma infecção generalizada com presença de disfunção orgânica, causada pela síndrome da resposta inflamatória sistêmica, podendo evoluir para a sídrome da disfunção múltipla dos órgãos, choque e óbito (QUINTANA, 2015; MONTEALEGRE-GOLCHER, 2018). Os filhotes acometidos podem demonstrar depressão, letargia, tônus muscular e reflexos reduzidos ou ausentes. Desta forma, reduzem a procura pela glândula mamária e devido ao reflexo de sucção reduzido, param de mamar e desenvolvem quadros de hipoglicemia, hipotermia e desidratação (tríade neonatal). Podem também manifestar sinais clínicos de infecção sistêmica, como eritema corporal, onfalite/onfaloflebite, hematúria, diarreia, proctite, extremidades de membros e cauda cianóticas ou necrosadas, bradicardia, dispneia, epistaxis, hipotensão e evolução para choque séptico (SORRIBAS, 2013; LOURENÇO, 2015; VANNUCCHI; LOURENÇO, 2015). Devido à imaturidade imunológica e de outros sistemas orgânicos, a sepse neonatal pode ter evolução hiperaguda e alta mortalidade na ninhada (DANIELS; SPENCER, 2011; MUNNICH; KUCHENMEISTER, 2014). Desta forma, as chances de sobrevivência dos filhotes serão maiores se a sepse for diagnosticada preocemente e o tratamento instituído rapidamente. O diagnóstico da sepse neonatal envolve a avaliação clínica e realização de exames laboratoriais, como leucograma, cultura bacteriana e antibiograma. A interpretação dos exames complementares deve seguir os parâmetros de referência de acordo com a semana de idade do neonato (LOURENÇO, 2015). A terapia para sepse neonatal não deve esperar pelo resultado da cultura e antibiograma, o tratamento empírico deve ser empregado com base na experiência do clínico e na avaliação clínica minuciosa, e após o resultado do exame, o tratamento pode ser alterado caso necessário 20 (FITZGERALD; NEWQUIST, 2011; MUNNICH; KUCHENMEISTER, 2014). A terapia de neonatos acometidos envolve a seleção de antibióticos com amplo espectro, e que ao mesmo tempo seja seguros para recém-nascidos (DANIELS; SPENCER, 2011; FITZGERALD; NEWQUIST, 2011). Devido às particularidades fisiológicas dos neonatos com relação à imaturidade dos diversos sistemas orgânicos, o clínico deve conhecer as características destes pacientes para a escolha do fármaco adequado. A capacidade de metabolizar fármacos é reduzida em cães recém-nascidos. O sistema hepático microssomal P450 responsável pela biotransformação de fármacos é imaturo, fármacos que necessitem de metabolização hepática devem ser evitados ou utilizados com cautela (RICKARD, 2011; LOURENÇO, 2015). A depuração renal é reduzida, pois a taxa de filtração glomerular também não está completamente desenvolvida. Além disso, outras características farmacocinéticas do paciente neonato devem ser levadas em consideração, como a maior porcentagem de água corporal, menor quantidade de gordura corporal, menor concentração de albumina e menor ligação de proteínas plasmáticas (MATA; PAPICH, 2011; RICKARD, 2011). Desta forma, o volume de distribuição de fármacos hidrossolúveis é maior, atingindo uma menor concentração plasmática, com isso, a dose utilizada em neonatos pode ser maior. Já o volume de distribuição dos fármacos lipossolúveis é menor, aumentando sua concentração plasmática e consequentemente o risco de toxicidade. Assim, a dose dos fármacos lipossolúveis dever ser reduzida (GRUNDY, 2006; MATA; PAPICH, 2011; RICKARD, 2011; LOURENÇO, 2015). Os antimicrobianos das classes das cefalosporinas e penicilinas são fármacos hidrossolúveis de amplo espectro de ação, recomendados na terapêutica neonatal, já que podem ser utilizados com segurança nestes pacientes (DANIELS; SPENCER, 2011; FITZGERALD; NEWQUIST, 2011; LOURENÇO, 2015). Além da antibioticoterapia, a estabilização do paciente em tríade (hipotermia, hipoglicemia, desidratação), bem como o suporte nutricional e imunológico, será essencial para a sobrevivência neonatal. A tríade deve ser revertida com fluidoterapia aquecida com solução fisiológica (cloreto de sódio 0,9%) ou ringer lactato, na dose de 4 ml por 100 gramas de peso, por via intravenosa, intraóssea ou subcutânea. Reposição de glicose 12,5%, na dose de 0,5 ml por 100 gramas de peso, por via intravenosa, intraóssea ou via oral, e aquecimento gradual do neonato hipotérmico, com temperatura 21 ambiental controlada e adequada de acordo com a semana de idade do paciente (LOURENÇO, 2015). Em cães recém-nascidos, o sistema imune é imaturo e de reatividade lenta, resultando em maior risco de morte. Para garantir a saúde e a sobrevivência do recém- nascido, uma adequada resposta imune é essencial (PETERSON; KUTZLER, 2011; KLEIN et al., 2013; CHASTANT; MILA et al., 2019). A passagem de imunoglobulinas por via transplacentária é mínima em cães, cerca de 5% a 10%. Isto ocorre devido ao tipo de placenta endoteliocorial, possuindo quatro camadas de tecido separando o sangue materno do fetal (PETERSON; KUTZLER, 2011). Desta forma, cães recém- nascidos dependem completamente da transferência passiva de anticorpos por meio do colostro (RICKARD, 2011; MILA et al., 2017; CHASTAT-MAILLARD; MILA, 2019). Nos casos em que a ingestão de colostro foi inadequada, um suporte imune deve ser realizado para auxiliar os recém-nascidos no combate à infecção. Uma fonte de imunidade passiva deve ser administrada por meio de um substituto do colostro comercialmente disponível, banco de colostro/ordenha de uma lactante, soro ou plasma sanguíneo, ou produtos à base de ovo em pó hiperimunizado (MILA et al., 2017; CHASTAT-MAILLARD; MILA, 2019). Além disso, o suporte nutricional de pacientes doentes é essencial para a prevenção da tríade neonatal. Filhotes apáticos e com reflexo de sucção reduzido ou ausente, devem ser alimentados por sonda orogástrica até a melhora clínica e retorno dos reflexos. Pode-se realizar a ordenha da lactante ou instituir um sucedâneo do leite materno (LOURENÇO, 2015). A sepse é uma afecção comum na rotina neonatal, contudo, há falha na identificação precoce dos sinais clínicos apresentados por estes pacientes, consequentemente o tratamento é negligenciado ou tardio, ocorrendo alta mortalidade na ninhada. Isto pode ocorrer pelo desconhecimento do clínico sobre as particularidades e afecções neonatais, bem como, pela falha na instrução aos tutores sobre a monitorização da ninhada para identificação de neonatos em risco, como a observação de sinais de infecção neonatal e a falha no ganho de peso. Desta forma, é fundamental o conhecimento em neonatologia pelo médico veterinário. A identificação precoce do neonato doente leva à assistência adequada e maior chance de sobrevivência neonatal. Estudos sobre a sepse neonatal em cães beneficiam a conduta clínica e reduzem a taxa de mortalidade destes pacientes. 22 3 HIPÓTESES O estudo pressupôs que os cães recém-nascidos com asfixia teriam um nível sérico significativamente elevado de troponina cardíaca I (cTnI) em comparação aos recém-nascidos não asfixiados, demonstrando dano miocárdico isquêmico por hipóxia grave. Bem como, correlações entre a cTnI e os demais parâmetros da hemogasometria. O estudo presume que a cTnI poderá ser utilizada como um indicador de hipóxia perinatal e como preditora de lesão isquêmica do miocárdio em neonatos. O estudo da sepse neonatal pressupôs que esta afecção em cães apresentaria uma alta taxa de morbimortalidade. Bem como, que a avaliação clínica e o diagnóstico da sepse em neonatos divergiriam de um animal adulto, demonstrando particularidades clínicas e laboratoriais que são fundamentais para uma adequada conduta clínica e maior sobrevivência destes pacientes. 23 4 OBJETIVOS Avaliar os níveis de troponina cardíaca I (cTnI) em cães recém-nascidos com asfixia e não asfixiados, oriundos de parto eutócico e cesariana emergencial devido às distocias. Bem como, correlacionar os níveis de troponina I com o escore Apgar modificado, saturação de oxigênio, lactato, glicemia e hemogasometria. Descrever a incidência de sepse em cães neonatos, demonstrando os aspectos clínicos e laboratoriais envolvidos, os principais agentes bacterianos encontrados, tratamento, fatores de risco e taxas de mortalidade. 24 CAPÍTULO II ARTIGOS CIENTÍFICOS 25 Artigo publicado pela revista Theriogenology https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2021.12.027 https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0093691X21004702 Uso da troponina cardíaca I (cTnI) no diagnóstico de lesão miocárdica por asfixia perinatal em cães neonatos Keylla Helena Nobre Pacífico Pereira1, Viviane Yukari Hibaru1, Kárita da Mata Fuchs1, Luiz Eduardo Cruz dos Santos Correia2, Maria Denise Lopes3, João Carlos Pinheiro Ferreira3, Fabiana Ferreira de Souza3, Luiz Henrique de Araújo Machado1, Simone Biagio Chiacchio1, Maria Lucia Gomes Lourenço1. 1Veterinary Neonatology Research Group, São Paulo State University (Unesp), School of Veterinary Medicine and Animal Science, Department of Veterinary Clinics, Botucatu, Brazil. 2São Paulo State University (Unesp), School of Veterinary Medicine and Animal Science, Department of Animal Improvement and Nutrition, Botucatu, Brazil. 3São Paulo State University (Unesp), School of Veterinary Medicine and Animal Science, Department of Veterinary Surgery and Animal Reproduction, Botucatu, Brazil. Resumo A asfixia perinatal prolongada e consequente hipóxia grave é a principal causa de mortalidade em cães neonatos nos primeiros dias de vida. Na medicina, biomarcadores cardíacos específicos como a troponina I, são utilizados para diagnosticar lesão miocárdica isquêmica e não isquêmica, em recém-nascidos com asfixia durante o nascimento. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar e comparar os níveis de troponina cardíaca I (cTnI) em cães recém-nascidos com asfixia e não asfixiados, correlacionando com a avaliação do escore Apgar modificado, saturação de oxigênio, glicemia, lactatemia e hemogasometria. O estudo visou determinar o possível uso da troponina I como marcador de lesão isquêmica do miocárdio em cães neonatos. Foram avaliados 15 animais no grupo parto eutócico (GE), 15 animais no grupo cesariana (GC) e 13 animais no grupo hipóxia (com asfixia) (GH). Os animais do grupo com asfixia foram provenientes de partos distócicos, nascidos de parto vaginal ou cesariana. Todos os grupos foram avaliados ao nascimento e após 60 minutos. Os recém-nascidos dos grupos GE e GC apresentaram acidose mista (respiratória por aumento pCO2 e metabólica por redução do pH, HCO3, BEecf e aumento do lactato), em decorrência de hipoxemia fisiológica transitória ao nascimento. Os níveis de troponina I apresentaram- se dentro dos padrões de referência para cães hígidos em ambos os grupos. Não houve correlação entre a troponina I e os demais parâmetros no GE e GC. No GH os recém- nascidos exibiram acidose mista proeminente (p<0,05) em comparação aos demais grupos, em decorrência da hipoxemia grave. Os parâmetros no escore de Apgar e hemogasometria demonstraram que estes cães nasceram com asfixia, apresentando https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2021.12.027 26 baixa vitalidade e necessidade de manobras reanimatórias. Os níveis de troponina I foram significativamente elevados em comparação ao GE e GC (p<0,05) e estavam acima dos padrões de referência para cães hígidos, indicando lesão miocárdica isquêmica. Houve correlação negativa (p<0,05) entre a troponina I e os parâmetros escore de Apgar, frequência cardíaca, SO2 periférica, reflexos, e TCO2, e correlação positiva (p<0,01) entre a troponina I e o lactato. O estudo demonstrou que cães recém- nascidos com asfixia possuem níveis séricos mais elevados de troponina I, desta forma, cães recém-nascidos em hipoxemia grave já exibem dano miocárdico isquêmico. Palavras-chave: Asfixia, hipóxia, miocárdio, cesariana, filhote, neonatologia canina. Introdução O período neonatal em cães ainda possui elevados indíces de mortalidade, variando entre 7 a 35%, e é maior logo após o parto e nos primeiros dois dias de vida (Gill, 2001; Indrebo et al., 2007; Veronesi et al., 2009; Konde et al., 2015; Chastant-Maillard et al., 2017). A principal causa de mortalidade durante este período está relacionada às consequências da hipóxia grave durante o parto. Esta condição é considerada a principal causa, correspondendo a mais de 60% das perdas de filhotes da espécie canina (Münnich, 2008; Münnich e Küchenmeister, 2014). Aproximadamente 90% das mortes de filhotes hipoxêmicos ocorrem durante os primeiros dois dias de idade (Münnich e Küchenmeister, 2014). O nascimento é um período crítico de adaptação à vida extrauterina e um grande desafio para a sobrevivência neonatal. Entre as várias adaptações fisiológicas necessárias, o recém-nascido deve iniciar e manter uma respiração pulmonar adequada para garantir a eficiência das trocas gasosas (Lourenço e Machado, 2013; Mila et al., 2017). A falha na adaptação respiratória em filhotes a termo geralmente está associada à asfixia perinatal, e consequente hipóxia grave, resultando em maiores taxas de mortalidade no período de transição (Moon et al., 2001; Indrebø et al., 2007; Münnich, 2008; Lourenço, 2015). A asfixia prolongada está relacionada a vários fatores, incluindo as condições obstétricas, distocias, partos prolongados e a depressão anestésica induzida durante a cesariana (Silva et al., 2009; Vannucchi et al., 2012; Batista et al., 2014), que muitas vezes impedem ou retardam o início da respiração neonatal, tornando a reanimação uma medida necessária (Moon et al., 2001; Indrebø et al., 2007; Münnich, 2008; Lourenço, 2015). As principais consequências para os neonatos em hipóxia grave serão bradicardia e hipoperfusão tecidual (Moon et al., 2000; Zone; Wanke 2001; Vannucchi et al, 2012; Vannucchi; Lourenço, 2015), bradipneia ou dispneia, acidose mista acentuada, hipercapnia (Vannucchi; Lourenço, 2015) e danos isquêmicos aos órgãos 27 com elevados requisitos de oxigênio, como o coração (Vannucci, 2000; Münnich; Küchenmeister, 2014). Na medicina, marcadores bioquímicos cardíacos como a troponina I são utilizados logo após o nascimento para diagnosticar lesão miocárdica em neonatos que passaram por asfixia prolongada (Trevisanuto et al., 2006). Em cães adultos, a troponina cardíaca I é utilizada para detectar lesão miocárdica em isquemias, miocardites, bem como para fator prognóstico em cardiopatias (Vitt et al., 2016; Dutton et al., 2017; Mattin et al., 2018). Em animais recém-nascidos a troponina I foi avaliada e demonstrou ser um marcador sensível e específico para lesão miocárdica em potros (Slack et al., 2008) e cabritos (Mohamed et al., 2013) que apresentavam-se em sepse e em distrofia muscular cardíaca, respectivamente. Contudo, não há estudos da troponina cardíaca em cães recém-nascidos. A troponina I é uma proteína que faz parte do sarcômero cardíaco, regulando a interação das proteínas contráteis (actina, miosina e tropomiosina) no músculo estriado, em resposta à concentração de cálcio intracelular (Farah; Reinach, 1995; Bader et al., 2006; Solís et al., 2018). Os níveis séricos de troponina I podem aumentar a partir dos estágios iniciais do dano tecidual miocárdico, pelo rompimento das proteínas contráteis, como resultado de lesão isquêmica e não isquêmica. Esta elevação na concentração sanguínea torna a troponina I um marcador sensível e específico de lesão cardíaca (Turker et al., 2004a; Turker et al., 2004b; Yildirim et al., 2015; Tamilarasu; Kumaravel, 2017). A detecção de lesão miocárdica leva a possibilidade da assistência precoce ao recém-nascido, aumentando as chances de sobrevida neonatal. Bem como, pode ser utilizada como um fator prognóstico em neonatos com asfixia. Como a hipóxia grave é a principal causa de mortalidade ao nascimento e nos primeiros dias de vida (Munnich, 2008; Münnich e Küchenmeister, 2014), é essencial avaliar as consequências desta condição por meio de exames complementares, levando a uma adequada conduta clínica ao recém-nascido no pós-parto imediato. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar os níveis de troponina cardíaca I (cTnI) em cães recém-nascidos com asfixia, comparando-os com neonatos não asfixiados, oriundos de parto eutócico e cesariana emergencial devido às distocias. Material e métodos Este estudo foi realizado pelo Grupo de Pesquisa em Neonatologia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Botucatu, Brasil (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2627734671789524). O estudo incluiu 43 cães neonatos oriundos de nove ninhadas, atendidas nos Serviços de Reprodução de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da FMVZ Unesp e em canis. Os animais foram inclusos no estudo somente após a aprovação na Comissão de Ética no Uso de Animais e a autorização dos tutores mediante à assinatura do termo de 28 consentimento livre e esclarecido, conforme as regras da Comissão de Ética no Uso de Animais – CEUA da instituição. Os critérios de inclusão no estudo foram cadelas a termo, com desencadeamento dos sinais do parto, neonatos hipoxêmicos e não hipoxêmicos segundo a avaliação clínica, avaliação dos parâmetros do escore Apgar modificado e hemogasometria. Os critérios de exclusão deste estudo foram neonatos que apresentaram malformações congênitas e/ou outras alterações e afecções. Foram avaliados neonatos em hipoxemia nascidos por cesariana e parto vaginal eutócico, considerando os valores de referência da hemogasometria neonatal conforme descrito por Lúcio et al., (2009) e Vassalo et al., (2015). Foram avaliados 43 animais, sendo 13 animais no grupo hipóxia (com asfixia), 15 animais no grupo parto eutócico (GE), e 15 animais no grupo cesariana (GC), estes oriundos de cesarianas emergenciais devido à distocias. No grupo hipóxia (com asfixia) foram inclusos recém-nascidos provenientes de partos distócicos, nascidos de parto vaginal ou cesariana, com pelo menos três dos seguintes critérios: (1) bradicardia neonatal (≤180bpm), (2) coloração cianótica das mucosas, (3) presença de mecônio no líquido aminiótico e/ou no neonato, (4) Apgar modificado menor que 7 aos 5 minutos, (5) frequência respiratória <15mpm. Associado com pH do sangue menor que 7,2 ao nascimento, (7) pCO2 (venoso) maior que 50,3 mmHg e pO2 menor que 18,2 mmHg ao nascimento. Parâmetros do sangue venoso de cães neonatos de acordo com Lúcio et al., 2009 e Vassalo et al., 2015. No grupo vaginal eutócico e cesariana (não asfixiados) foram inclusos recém- nascidos que cumpriram os seguintes critérios: (1) frequência cardíaca >180bpm, (2) mucosas avermelhadas, (3) Apgar modificado ≥ 7 aos cinco minutos, (4) frequência respiratória ≥ 15mpm, (5) pH ≥ 7,2, (5) pCO2 ≤ 50,3 mmHg e pO2 ≥ 18,2 mmHg ao nascimento. Parâmetros do sangue venoso de neonatos caninos de acordo com Lúcio et al., 2009 e Vassalo et al., 2015. Procedimentos e avaliações realizadas Foram inclusas no estudo cadelas em trabalho de parto, com idade entre um e 10 anos, em boas condições corporais, clinicamente saudáveis, desverminadas e vacinadas. Os partos foram considerados eutócicos quando os filhotes nasceram espontaneamente sem qualquer tipo de assistência ou manobra obstétrica. As cadelas encaminhadas à cesariana apresentavam sinais de distocia, tais como: atonia uterina, encarceramento de filhote no canal do parto por tamanho ou estática fetal, estreitamento do canal do parto avaliado por pelvimetria e bradicardia fetal <180 bpm avaliado por ultrassonografia. O protocolo anestésico das cesarianas foi realizado com indução com propofol intravenoso, em seguida anestesia epidural com lidocaína a 2%, e a manutenção 29 anestésica foi realizada com isofluorano diluído em oxigênio a 100%. Após a retirada dos filhotes do útero foi administrado às mães fentanil, por via intravenosa. Ao nascimento (nos primeiros cinco minutos), os neonatos de todos os grupos foram identificados com fitas coloridas no pescoço e avaliados quanto ao escore Apgar modificado, reflexos (sucção, procura da mama e endireitamento vestibular), oximetria de pulso, peso, temperatura, bem como, foi colhida amostra de 0,5 ml de sangue pela veia jugular para os exames de hemogasometria, lactato, glicemia e troponina cardíaca I. Uma nova avaliação do escore Apgar modificado, reflexos, oximetria de pulso e uma nova amostra sanguínea para hemogasometria, lactato, glicemia e troponina I foi realizada após 60 minutos da primeira avaliação. A avaliação de vitalidade e viabilidade neonatal pelo escore Apgar modificado e reflexos neonatais foram realizadas imediatamente após o nascimento (nos primeiros cinco minutos) e novamente após 60 minutos. As avaliações seguiram o proposto por Vassalo et al., 2015, nas tabelas 1 e 2. No escore Apgar modificado avaliou-se a coloração das mucosas, frequência cardíaca e respiratória, tônus muscular e irritabilidade reflexa. A avaliação da frequência cardíaca foi realizada com auxílio de estetoscópio do lado esquerdo do tórax (Fig. 1), e a frequência respiratória pela observação dos movimentos torácicos. O reflexo irritabilidade foi avaliado pelo estímulo doloroso pressionado-se o o espaço interdigital. O tônus muscular foi determinado com o neonato na posição de supinação, observando-se movimentos ativos dos membros. A coloração das mucosas foi avaliada pela visualização da mucosa oral. Cada parâmetro recebeu uma pontuação de 0, 1 ou 2, de acordo com o apresentado pelo neonato (tab. 1), a soma identificou a vitalidade e viabilidade neonatal. A interpretação da pontuação foi avaliada pelo escore 0-3 vitalidade fraca, 4-6 vitalidade moderada e 7-10 vitalidade normal. Figura 1. Avaliação da frequência cardíaca neonatal Os reflexos foram avaliados quanto ao grau de depressão neonatal. O reflexo de sucção foi avaliado inserindo-se a ponta do dígito mínimo do examinador na boca do neonato. O reflexo de endireitamento foi estimulado colocando-se o neonato em decúbito dorsal sob uma superfície macia e aquecida. A resposta esperada deste reflexo 30 corresponde ao endireitamento corporal do neonato com retorno rápido ao decúbito ventral. Já o reflexo da procura da mama foi realizado colocando-se a mão do examinador próximo à face do neonato, que deve procurar a mama imediatamente. Cada reflexo recebeu uma pontuação de 0, 1 ou 2 (resposta ausente, fraca ou forte, respectivamente), a soma identificou a vitalidade neonatal. A interpretação da pontuação foi avaliada pelo escore 0-2 vitalidade fraca, 3-4 vitalidade moderada e 5-6 vitalidade normal. Tabela 1. Escore Apgar modificado para cães neonatos (Vassalo et al., 2015). Parâmetro/Pontuação 0 1 2 Coloração de mucosas Cianótica Pálida Rósea Frequência cardíaca <100 bpm <200 bpm 200 - 250 bpm Frequência respiratória Ausente <6 mpm Fraca e irregular <15 mpm (6-15) Regular e rítmica >15 mpm Tônus muscular Flácido Alguma flexão de membro Flexão Irritabilidade reflexa Ausente Algum movimento Choro evidente Bpm= batimentos por minuto; mpm= movimentos por minuto. Tabela 2. Sistema de avaliação dos reflexos neonatais em cães (Vassalo et al., 2015). Reflexo/Pontuação 0 1 2 Sucção Ausente Fraco Forte Procura da mama Ausente Encaixe lento do focinho dentro da mão do examinador Encaixe imediato do focinho dentro da mão do examinador Endireitamento Ausente (continua no decúbito de posicionamento) Reposicionamento corporal lento Reposicionamento corporal imediato 31 Figura 2. Colheita de sangue pela veia jugular. O peso em gramas foi avaliado com balança digital pequena, a glicemia foi aferida com glicosímetro portátil (On Call Plus®). A temperatura corporal foi aferida com um termômetro digital por via retal, e a saturação periférica de oxigênio foi avaliada utilizando-se monitor de oximetria (R40VET Rzvet®), disposto na região da artéria femoral dos cães neonatos. A partir das amostras sanguíneas venosas (jugular), as análises da hemogasometria foram realizadas por meio de analisador clínico portátil (i-Stat® Portable Clinical Analyzer, Abbott Laboratories, Abbott Park, Illinois, EUA), com cartuchos específicos CG4+ (Fig. 3). Os parâmetros determinados foram: lactato, potencial hidrogeniônico (pH), pressão parcial de gás carbônico (PCO2; mmHg), pressão parcial de oxigênio (PO2; mmHg), dióxido de carbono (TCO2; mM), bicarbonato (HCO- 3), excesso/déficit de bases (BEecf; mM) e saturação de oxigênio (sO2). Baseando-se no valor de referência de cães neonatos, conforme descrito por Lúcio et al., (2009) e Vassalo et al., (2015). Figura 3. Analisador clínico portátil e cartucho. 32 As análises da troponina cardíaca I foram realizadas por meio de cartucho descartável (kit específico cTnI) para uso no analisador clínico portátil (i-Stat 1® Portable Clinical Analyzer, Abbott Laboratories, Abbott Park, Illinois, EUA). Baseando-se no valor de referência de cães adultos: <0,006 a 0,05 ng/mL, conforme descrito por WINTER et al., (2017). Dados sobre a gestação (distocia, idade gestacional, primiparidade, administração de fármacos), sexo e temperatura foram registrados. Casos de mortalidade neonatal precoce (até 48 horas de vida) e tardia (até os 30 dias de vida) também foram registrados. Análise estatística As variáveis foram analisadas pelo método dos quadrados mínimos, com utilização do procedimento GLM do programa estatístico SAS versão 9.2. A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-smirnov. A comparação das médias/mediana entre os grupos foi realizada pelo ANOVA / Kruskall-Wallis para cada momento, considerando os efeitos de grupo, momento e interação grupo x momento.A correlação de Pearson foi realizada entre as variáveis para cada momento. Todas as discussões foram realizadas no nível de 5% de significância (P< 0,05). Resultados No grupo parto eutócico (GE), foram avaliados 15 cães neonatos das raças Lhasa Apso (3), Shih-tzu (2), Spitz Alemão (4) e American staffordshire terrier (6), ao nascimento e após 60 minutos. Os parâmetros neonatais HCO3, TCO2, BEecf, lactato e glicemia diferiram significativamente entre os momentos (p<0,05). Não houve correlação significativa entre a troponina I e os parâmetros avaliados. Os recém-nascidos apresentaram acidose mista (respiratória por aumento pCO2 e metabólica por redução do pH, HCO3, e BEecf) por hipoxemia fisiológica transitória ao nascimento, contudo, os parâmetros obtidos no escore de Apgar e hemogasometria indicaram que os cães oriundos de parto eutócico não nasceram com asfixia (hipoxemia grave), apresentavam boa vitalidade e condições clínicas favoráveis (Fig. 5). Os níveis séricos de troponina I apresentaram-se dentro dos padrões de referência para cães hígidos, <0,006 a 0,05 ng/mL, conforme descrito por WINTER et al., (2017). 33 Figura 5. Neonato do GE em condições clínicas favoráveis. No grupo cesariana (GC), foram avaliados 15 cães neonatos das raças Labrador (3), Bulldog francês (3), Cane corso (4), sem raça definida (5), ao nascimento e após 60 minutos. Houve diferença significativa entre os momentos (p<0,05) para os parâmetros lactato, BEecf e temperatura. Não houve correlação entre a troponina I e os demais parâmetros. Os recém-nascidos apresentaram acidose mista, proeminente em relação ao observado no GE, contudo, a hipoxemia foi transitória, observando-se evolução e melhora dos parâmetros após 60 minutos. Os níveis de troponina I foram superiores ao observado no GE, no entanto, mantiveram-se no limite superior dos padrões de referência para cães hígidos. Os parâmetros obtidos e avaliação clínica demonstraram que os cães oriundos do GC nasceram em hipoxemia com valores hemogasométricos superiores aos do GE, contudo, não asfixiados (hipoxemia grave). No grupo hipóxia (com asfixia) (GH), foram avaliados 13 cães neonatos das raças Bulldog francês (4), Dachshund (1), Spitz Alemão (1), Shih-tzu (2) Golden retriever (1) e sem raça definida (4), ao nascimento e 60 minutos após. Houve diferença significativa entre os momentos (p<0,05) nos parâmetros escore Apgar, reflexos, FC, pH, pO2, pCO2, lactato, SO2, SO2 periférica, TCO2, BEecf e temperatura. Houve correlação negativa (p<0,05) entre a troponina I e os parâmetros escore de Apgar, frequência cardíaca, SO2 periférica, reflexos, e pO2, com coeficientes de correlação -0,73; -0,68; -0,80; -0,71 e -0,46, COLOCAR O VALOR DE P PARA CADA respectivamente. Isto demonstrou que, quanto menor o escore de Apgar, FC, SO2 periférica, reflexos e pO2 nos cães recém-nascidos, mais elevados foram os níveis de troponina I sérica. Ainda, houve correlação positiva (p<0,01) entre a troponina I e o lactato, coeficiente de correlação 0,81. Desta forma, no grupo hipóxia observou-se que quanto maior o nível de lactato sérico em cães recém-nacidos com asfixia, maiores os níveis de troponina I. Os neonatos do GH apresentaram acidose mista proeminente em relação ao observado no GE e GC, em decorrência de uma hipoxemia grave (Fig. 6). Os parâmetros obtidos no escore Apgar e hemogasometria demonstram que estes cães nasceram com asfixia, apresentando baixa vitalidade e necessidade de manobras reanimatórias. Os níveis de troponina I estavam acima dos padrões de referência para cães hígidos, indicando lesão miocárdica isquêmica em consequência da hipoxemia grave. Foi observado melhora dos parâmetros clínicos e laboratoriais aos 60 minutos 34 (Fig. 8), após a realização de procedimentos reanimatórios (Fig. 7), como oxigenioterapia por máscara e administração de metilxantina (aminofilina 24 mg/ml; Dose: 0,2 ml por 100 gramas de peso, por via sublingual). A média dos parâmetros avaliados, erro padrão, significância estatística entre momentos e grupos, e mínimo e máximo estão disponíveis na tabela 1. Figura 6. Neonato com asfixia do GH (hipoxemia grave). Figura 7. Procedimentos reanimatórios em neonato com asfixia. Figura 8. Melhora clínica do recém-nascido após procedimentos reanimatórios. 35 Na comparação entre os grupos parto vaginal eutócico (GE), cesariana (GC) e hipóxia (com asfixia) (GH), houve diferença significativa (p<0,05) dos parâmetros entre os grupos, entre os momentos, e interação grupo e momento. Ao nascimento, o GH apresentou menor (p<0,05) pontuação no escore Apgar (4,8 ± 1,1) e reflexos (1,8 ± 1,6), menor frequência cardíaca (147,6 ± 47,5) e respiratória (28,6 ± 12,1), pO2 (7,0 ± 1,6), SO2 (8,6 ± 3,8) e SO2 periférica (57,6 ± 10,5) em relação aos demais grupos. Bem como, demonstrou maior pCO2 (64,4 ± 7,0), TCO2 (28,2 ± 5,8), lactato (4,8 ± 2,8) e glicemia (122,6 ± 13,4) (ao nascimento), menor Beefc (0,4 ± 3,2) e temperatura (33,6 ± 0,9) (aos 60 minutos), e maior elevação sérica da troponina I ao nascimento (0,15 ± 0,05) e aos 60 minutos após (0,11 ± 0,05). O GC apresentou ao nascimento menor SO2 e maior TCO2 em comparação ao GE, bem como maior pO2 (aos 60 minutos) em comparação ao GH. O peso corporal foi maior em relação aos demais grupos. O GE apresentou maior pO2, SO2 e temperatura (ao nascimento) e glicemia (após 60 minutos), menor lactato e HCO3 (ao nascimento) em comparação aos demais grupos. Não houve mortalidade precoce ou tardia nos grupos estudados. Tabela 1. Média e erro padrão dos parâmetros avaliados, erro padrão, significância estatística entre momentos e grupos, e mínimo e máximo. Parâmetros Grupos Momentos Ao nascimento 60 minutos após Escore Apgar Parto vaginal eutócico (GV) Cesariana (GC) Hipóxia (GH) 9,1 ± 0,9aA (8-10) 8,7 ± 1,5aA (6-10) 4,8 ± 1,1bB (3-6) 10 ± 0aA 10 ± 0aA 9,0 ± 1,2aA (7-10) Troponina I Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 0,02 ± 0,01aC (<0,01-0,04) 0,056 ± 0,02aB (0,03-0,07) 0,15 ± 0,05aA (0,11-0,25) 0,01 ± 0,006aC (<0,01-0,03) 0,054 ± 0,02aB (0,02-0,08) 0,11 ± 0,05aA (0,07-0,20) Reflexos Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 5,3 ± 0,9aA (3-6) 5,1 ± 1,07aA (3-6) 1,8 ± 1,6bB (0-3) 6,0 ± 0aA 6,0 ± 0aA 5,0 ± 1,2aA (3-6) FC Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 212,2 ± 24,8aA (164-248) 222,0 ± 24,2aA (180-252) 147,6 ± 47,5bB (68-184) 224,0 ± 9,6aA (208-240) 237,1 ± 28,5aA (200-276) 210,0 ± 25,6aA (190-252) FR Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 39,9 ± 8,3aA (28-52) 40,0 ± 14,8aA (24-64) 28,6 ± 12,1aB (15-40) 41,3 ± 11,7aA (28-64) 38,3 ± 8,6aA (24-44) 27,6 ± 7,8aB (20-36) 36 pH Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 7,12 ± 0,09aB (7,0-7,3) 7,17 ± 0,07aB (7,1-7,3) 7,08 ± 0,13bB (6,9-7,2) 7,20 ± 0,04aA (7,1-7,3) 7,27 ± 0,05aA (7,2-7,3) 7,28 ± 0,04aA (7,2-7,3) pCO2 Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 43,2 ± 9,2bB (29,2-58,2) 49,3 ± 7,6bB (39-59,9) 64,4 ± 7,0aA (55,9-71,7) 46,8 ± 8,6bB (33,2-60,8) 48,9 ± 2,5bB (45,7-52,5) 52,8 ± 5,1bB (47,8-60,2) pO2 Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 21,7 ± 7,9aA (13-36) 13,7 ± 3,6aB (8-19) 7,0 ± 1,6bB (5-9) 21,4 ± 4,9aA (17-35) 14,7 ± 1,7aA (12-17) 11,0 ± 1,0aB (10-12) HCO3 Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 16,5 ± 4,4bB (8,5-22) 23,2 ± 2,9aA (19,8-27,1) 25,7 ± 5,8aA (19,9-32,5) 21,7 ± 3,3aA (16,5-26,9) 25,1 ± 1,3aA (23-26,5) 27,5 ± 3,2aA (23,8-31,4) SO2 Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 31,4 ± 16,7aA (11-57) 19,6 ± 11,1aB (6-36) 8,6 ± 3,8bC (4-12) 33,2 ± 8,8aA (20-48) 19,9 ± 4,9aB (15-30) 14,0 ± 3,1aB (10-18) SO2 periférica Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 91,6 ± 13,6aA (65-99) 97,9 ± 1,9aA (94-96) 57,6 ± 10,5bB (48-74) 99,0 ± 0aA 99,0 ± 0aA 98,0 ± 1,0aA (97-99) TCO2 Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 18,0 ± 4,6bC (10-24) 25,1 ± 3,1aB (21-29) 28,2 ± 5,8bA (22-35) 23,4 ± 3,4aA (18-29) 26,9 ± 1,1aA (25-28) 29,4 ± 3,0aA (26-33) BEecf Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia -12,5 ± 5,5bB (-23 a -6) -5,1 ± 3,0bA (-8 a -1) -4,2 ± 7,4bA (-13 a 4) -5,8 ± 3,1aC (-10 a -1) -1,7 ± 1,3aB (-4 a 0) 0,4 ± 3,2aA (-4 a 4) Lactato Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 2,3 ± 0,4aB (1,70-2,70) 3,9 ± 1,4aB (2,27-5,54) 4,8 ± 2,8aA (2,24-9,01) 1,8 ± 0,3bA (1,50-2,20) 2,3 ± 0,5bA (1,80-3,17) 2,1 ± 0,6bA (1,43-2,88) Glicemia Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 96,8 ± 15,4bB (79-124) 97,3 ± 18,3aB (76-122) 122,6 ± 13,4aA (109-138) 156,8 ± 35,6aA (96-205) 107,1 ± 20,7aC (73-133) 141,6 ± 41,3aB (86-190) Temperatura Parto vaginal eutócico Cesariana Hipóxia 34,4 ± 1,6aA (32,5-37,0) 33,0 ± 0,9bB (32,0-34,7) 31,3 ± 2,2bB (29,6-34,1) 34,8 ± 1,0aA (33,7-36,7) 34,4 ± 1,5aA (32,7-36,4) 33,6 ± 0,9aB (32,6-34,6) a,b,c Letras minúsculas diferentes sobrescritas indicam diferenças significativas entre períodos de avaliação dentro do mesmo grupo (p<0,05). A,B,C Letras maiúsculas diferentes sobrescritas indicam diferenças significativas entre grupos no mesmo período de avaliação (p<0,05). 37 Discussão Diversos estudos sobre a avaliação do escore Apgar e hemogasometria de cães neonatos oriundos de parto vaginal eutócico e cesariana foram publicados (Crissiuma et al., 2005; Lucio et al., 2009; Silva et al., 2009; Vivan, 2010; Vassalo et al., 2015). Assim como neste estudo, foi observada acidose mista, (com aumento da pCO2 e redução do pH, HCO3, e BEecf e aumento do lactato sanguíneo), em decorrência de hipoxemia fisiológica transitória nos recém-nascidos, ocorrendo devido à redução do fluxo sanguíneo da mãe para o feto (induzidas pelas contrações uterinas durante o trabalho de parto), com consequente diminuição da pressão parcial de oxigênio (pO2) no sangue fetal e hipóxia tecidual (Siristatidis et al., 2004). Neste estudo, observou-se hipoxemia e acidose proeminentes em cães nascidos de cesariana em comparação ao parto vaginal eutócico, o que também foi demonstrado em outros estudos com cães recém-nascidos (Crissiuma et al., 2005; Lucio et al., 2009; Silva et al., 2009; Vivan, 2010; Vassalo et al., 2015). A pO2 e a SO2 apresentaram-se reduzidas e a consequente hipercapnia foi elevada no GC em relação ao GE. Isto ocorre principalmente pela exposição dos fetos aos anestésicos administrados à fêmea, e particularmente, no presente estudo, as cesarianas foram emergenciais em decorrência de distocias. Estas condições prolongam a duração da hipoxemia e da depressão cardiorrespiratória neonatal (Traas, 2008; Batista et al., 2014). Contudo, os neonatos não nasceram asfixiados (hipoxemia grave), observando-se hipoxemia fisiológica e evolução dos parâmetros e da vitalidade 60 minutos após o nascimento, assim como demonstrado em outros estudos que compararam cães nascidos de cesariana e parto vaginal eutócico (Lucio et al., 2009; Silva et al., 2009; Vassalo et al., 2015). Isto demonstra a adaptação do neonato à vida extrauterina (Vassalo et al., 2015). No presente estudo, os neonatos (oriundos de distocia/cesariana) que apresentaram hipoxemia grave e acidose mista proeminente em relação ao observado no parto vaginal eutócico e cesariana, foram inclusos no grupo hipóxia (asfixiados). Este grupo demonstrou significativamente menor escore Apgar (4,8 ± 1,1), frequência cardíaca (147,6 ± 47,5) e respiratória (28,6 ± 12,1), reflexos (1,8 ± 1,6), pO2 (7,0 ± 1,6), SO2 (8,6 ± 3,8) e SO2 periférica (57,6 ± 10,5), em relação aos demais grupos, devido à hipoxemia grave e consequente hipóxia tecidual. Além disso, demonstrou significativamente maiores níveis de troponina I sérica. Na medicina, estudos comparando recém-nascidos asfixiados com não asfixiados (controle), demonstraram valores significativamente elevados de troponina I no grupo asfixiados, e concluiu que a troponina demonstra o dano miocárdico na asfixia ao nascimento (Zhou et al., 2016; Joseph et al., 2018). A troponina I no GH do presente estudo estava acima do padrão de referência para cães hígidos (0,15 ± 0,05; 0,11 ± 0,05) ao nascimento e 60 minutos após, respectivamente, demonstrando o dano isquêmico do miocárdio em decorrência da asfixia prolongada. Na medicina, estudos demonstraram que recém-nascidos com escore Apgar <7, bradicardia e SO2 abaixo da concentração fisiológica, além de níveis elevados de lactato, estavam associados com maiores níveis de troponina sérica (Turker et al., 2004; Jayasinghe et al., 2015; Yildirim et al., 2015; Mathur et al., 2017), o que também foi 38 demonstrado neste estudo, onde observou-se correlação negativa entre a troponina e os parâmetros escore Apgar, frequência cardíaca e SO2 periférica, bem como, correlação positiva entre a troponina e lactato. Ainda, em humanos, a elevação dos níveis de troponina em recém-nascidos está relacionada como um fator preditor de mortalidade (Zhou et al., 2016; Joseph et al., 2018). Neste estudo, não observamos mortalidade no grupo hipóxia (asfixiados), desta forma, é possível que a lesão miocárdica isquêmica observada no GH tenha sido reversível, já que os neonatos asfixiados passaram por procedimentos reanimatórios e a melhora clínica foi observada, com evolução dos parâmetros aos 60 minutos. A liberação de troponina na circulação pode estar relacionada às áreas de necrose de cardiomiócitos de maneira irreversível, ou de maneira reversível, pelo aumento da permeabilidade da membrana dos miócitos ocasionado por hipóxia grave, permitindo que somente a fração citosólica seja liberada (Mair, 1999; Collinson et al., 2001). Embora não tenha havido correlação entre elevação de troponina e óbitos no GH, a detecção precoce do dano miocárdico permitiu que as medidas terapêuticas fossem implantadas com rapidez para evitar a mortalidade. Ao nascimento, grande parte dos recém-nascidos apresentaram-se hipotérmicos, em decorrência do contato com o líquido amniótico, e desta forma, permanecerem úmidos e rapidamente perderam calor para o ambiente, associado à imaturidade do sistema termorregulador (Prats et al., 2005; Peterson; Kutzler, 2011). Contudo, apesar da hipotermia, a temperatura corporal dos neonatos foi significativamente mais elevada no GE, possivelmente pelo contato imediato com a fêmea e pelo início da amamentação ser mais precoce, já que o colostro apresenta-se na temperatura corporal materna, o que auxilia na elevação e manutenção da temperatura corporal do recém-nascido (Peterson; Kutzler, 2011). Após 60 minutos, o GH apresentou temperatura corporal significativamente menor em relação aos demais grupos. A queda inicial da temperatura corporal após o nascimento parece ser uma proteção fisiológica eficaz contra danos teciduais por hipóxia (Mott, 1961; Munnich; Kuchenmeister, 2014), e parece ser proeminente em recém-nascidos que passaram por hipóxia grave, como observado neste estudo. A hipotermia promove a queda da taxa metabólica, redução de processos inflamatórios e aumenta o tempo de sobrevivência (Mott, 1961; Munnich; Kuchenmeister, 2014; Silveira; Procianoy, 2015; Wassink et al., 2019). A glicemia foi significativamente elevada no GH ao nascimento, em comparação aos demais grupos. Provavelmente isto ocorreu pela mobilização dos estoques de glicogênio hepático, em decorrência do estresse excessivo na asfixia prolongada (Peterson; Kutzler, 2011). Já aos 60 minutos do nascimento, foi observada maior glicemia no GE, devido a maior vitalidade destes recém-nascidos na primeira hora de vida e pelo início da amamentação mais precoce em relação aos demais grupos. Apesar dos neonatos do GH apresentar baixa vitalidade e menor reflexo de sucção, estes foram alimentados por sondagem orogástrica, com colostro ordenhado da fêmea (3 ml por 100 gramas de peso), evitando-se a hipoglicemia. 39 Este estudo concluiu que recém-nascidos que passaram por asfixia prolongada possuem menor vitalidade ao nascimento e necessitam de manobras reanimatórias. Estes neonatos possuem níveis mais elevados de troponina I no sangue, desta forma, cães recém-nascidos em hipoxemia grave já exibem dano miocárdico isquêmico agudo. Isto demonstra a importância da avaliação clínica e de exames complementares de cães ao nascimento, o diagnóstico precoce da hipoxemia grave e do dano miocárdico permite a assistência imediata ao recém-nascido, bem como a monitorização constante, aumentando a chance de sobrevivência destes pacientes. Além disso, para a redução de casos de asfixia prolongada e consequente hipóxia grave em cães, é essencial a realização de medidas preventivas, como o pré-natal, o parto assistido e o diagnóstico precoce de distocias, impactando na diminuição das taxas de mortalidade neonatal. Funding This study was supported by FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), grant number 2019/21366-0. The funding agency FAPESP provided financial support for the execution of the study. Referências BADER, D.; KUGELMAN, A.; LANIR, A.; TAMIR, A.; MULA, E.; RISKIN, A. Cardiac troponin I serum concentrations in newborns: A study and review of the literature. Clinica Chimica Acta. v. 371, p. 61-65, 2006. BAISAN, R. A.; DE ROSA, A.; DI LORIA, A.; VULPE, V.; PIANTEDOSI, D. Cardiac biomarkers in clinical practice of dog and cat – a review. Human & Veterinary Medicine - International Journal of the Bioflux Society. v. 8, n.1, p. 50-58, 2016. 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Resumo O período neonatal em cães permanece associado a altas taxas de mortalidade. A sepse é a principal causa de perdas neonatais nas três primeiras semanas de vida. Além disso, a falha na avaliação clínica e no diagnóstico precoce do recém-nascido doente ainda é comum, resultando em cuidados inadequados, o que contribui para uma alta taxa de mortalidade. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever a incidência de sepse em cães recém-nascidos, os aspectos clínicos envolvidos, os principais agentes bacterianos isolados e as taxas de mortalidade, para facilitar o reconhecimento precoce dessa condição pelos clínicos. Das 152 ninhadas e 762 neonatos avaliados, 14,8% (113/762) apresentaram sepse ou choque séptico, e a taxa de mortalidade entre os filhotes afetados foi de 25,6% (29/113). Entre os filhotes com sepse que morreram, a mortalidade precoce (0 a 2 dias de idade) ocorreu em 69% (20/29) dos neonatos afetados, e a mortalidade tardia (3 a 30 dias de idade) ocorreu em 31% (9/29). Diferenças significativas (p <0,0001) nos parâmetros clínicos (frequência cardíaca e respiratória, glicemia, temperatura corporal, saturação periférica de oxigênio e reflexos) foram observadas entre neonatos saudáveis e neonatos com sepse e choque séptico. Os principais e mais relevantes sinais clínicos foram: apatia, redução do reflexo de sucção, diarreia, tríade neonatal, insuficiência de ganho de peso, bradicardia, dispneia, mucosas cianóticas, eritema corporal, redução da saturação periférica de oxigênio, cianose e necrose dos tecidos das extremidades. A mãe pode ter sido a principal fonte de infecção para 87,6% (99/113) dos neonatos com sepse. A maioria das infecções foi transmitida durante a gestação (68%, 77/113) em casos de sepse neonatal. A principal fonte de infecção para os neonatos foi o útero, seguido pelo leite materno e secreções orofaríngeas maternas. O agente bacteriano mais isolado foi a Escherichia coli, https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2021.10.015 48 responsável por 25,6% (29/113) dos casos de sepse. A morbidade e mortalidade da sepse neonatal em cães são altas. A avaliação clínica e o diagnóstico de sepse em neonatos diferem daqueles em animais adultos. Assim, o conhecimento das particularidades neonatais da sepse é essencial para o manejo clínico adequado e maior sobrevida desses pacientes. Palavras-chave: Infecção bacteriana, neonato, filhote, cão recém-nascido, choque séptico. Introdução O período neonatal em cães corresponde às primeiras três a quatro semanas de vida [1-4], é um período desafiador para médicos veterinários e criadores, pois está associado à altas taxas de morbidade (34,7%) [5] e mortalidade (5,7 a 35%) [5-10] globalmente. As principais causas de morte durante o período neonatal estão associadas ao parto, fatores maternos, ambientais e infecções [3, 8]. Entre essas, as doenças infecciosas, especialmente as bacterianas, são a segunda causa mais comum de perda de filhotes, pós perdas devido à hipóxia grave durante o parto [11, 12]. Em cães, as infecções bacterianas podem afetar os recém-nascidos em vários graus, causando infecções locais e sistêmicas, sepse e progressão para choque séptico. No entanto, a sepse é a principal causa de mortalidade em cães durante as primeiras três semanas após o nascimento [11, 13]. A infecção sistêmica (bacteremia) é caracterizada pela presença de um ou mais agentes bacterianos na corrente sanguínea, resultando em uma resposta inflamatória sem disfunção celular ou orgânica. A sepse é caracterizada por síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) devido à infecção bacteriana generalizada aguda, culminando em vasodilatação sistêmica, hipoperfusão tecidual, disfunção celular e progressão para choque séptico, que é caracterizada por insuficiência circulatória aguda e hipotensão arterial persistente com conseqüente síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (MODS) [14, 15]. Como a sepse pode causar mortalidade súbita na ninhada, ela deve ser diagnosticada o mais rápido possível e a antibioticoterapia deve ser instituída imediatamente. No entanto, o diagnóstico precoce das infecções neonatais muitas vezes não é realizado na prática clínica de rotina devido à falta de conhecimento sobre as doenças neonatais e à falha na avaliação clínica e na identificação precoce dos sinais clínicos apresentados por esses pacientes. O desconhecimento implica diretamente na ausência de assistência adequada ao neonato doente, o que colabora com a alta mortalidade. Portanto, informações clínicas detalhadas sobre a sepse em cães recém-nascidos são cruciais para as intervenções clínicas, auxiliando o clínico no reconhecimento precoce da infecção nestes pacientes, bem como, para medidas preventivas em futuras ninhadas. Desta forma, o objetivo deste estudo foi descrever a incidência de sepse em cães neonatos, demonstrando os aspectos 49 clínicos envolvidos, os principais agentes bacterianos isolados, tratamentos e taxas de mortalidade. Material e métodos Este estudo observacional foi realizado pelo Grupo de Pesquisa em Neonatologia Veterinári