113 Tradução & Comunicação Revista Brasileira de Tradutores Nº. 21, Ano 2010 Maria Cláudia Rodrigues Alves Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP São José do Rio Preto mclaudia@ibilce.unesp.br IMAGENS DA LITERATURA BRASILEIRA TRADUZIDA: ANÁLISE DE CAPAS Images of translated Brazilian literature: analysis of book covers RESUMO Da escrivaninha do autor às prateleiras das livrarias, todo texto “veste-se”, orna-se de acessórios, até tornar-se o objeto-livro, ser oferecido ao público e ser lido/consumido pelo leitor. Essas transformações, ocorridas em sua maioria na fase da editoração, podem ou não contar com a participação e, sobretudo, com o aval do autor. Quanto maior o sucesso ou prestígio da obra ou do escritor, mais próximo o autor parece estar das decisões de um lançamento e mais afastado de todos os seus desdobramentos: reedições, posteriores edições populares ou de bolso, traduções. A análise paratextual, mais especificamente a análise das capas de livros, permite-nos observar, quanto à publicação de literatura brasileira no exterior, que o mercado editorial estrangeiro adota com frequência, como vem ocorrendo há décadas, a opção com forte apelo ao exotismo tropical: paisagens cariocas, frutas coloridas, biótipos negro ou mestiço. Em algumas ocasiões, entretanto, notamos a preocupação na correspondência temática ou de gênero com a obra. Em ambos os casos os resultados podem ser surpreendentes, bem sucedidos ou provocar mal- entendidos e interpretações ambíguas. Propomos neste trabalho a apreciação e a análise de alguns desses casos em autores de literatura brasileira traduzidos e consagrados no exterior como escritores de literatura policial e suas vertentes: Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Garcia-Roza e Tony Bellotto, começando por Rubem Fonseca. Palavras-Chave: estudos de tradução; paratextos; tradução literária; editoração; mercado editorial. ABSTRACT From the author's desk to the shelves of bookstores, the entire text “gets dressed”, ornament itself with accessories to the point of becoming the object- book, being offered to the public and being read / consumed by the reader. These changes, occurring mostly in the publishing phase, may or may not count on the author’s participation, and especially on the author’s endorsement. The greater the success or prestige of the work or the writer, the closer the author seems to be of the decisions on a release and on the other hand, less close the author seems to be of all its ramifications: reissues, new editions, popular or pocket editions and translations. The paratextual analysis, more specifically the analysis of the books covers, allows us to observe, concerning the publication of Brazilian literature abroad, what the publishing foreign market adopts frequently, that is, the strong appeal to the tropical exoticism: carioca scenario, colorful fruit, black or mestizo biotypes. On some occasions, however, we notice the concern in matching theme or text genre with the work. In both cases the results can be amazing, successful or lead to misunderstandings and ambiguous interpretations. We propose in this paper the analysis of some consecrated Brazilian translated literature and well- known writers of detective fiction and its spheres: Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Garcia-Roza and Tony Bellotto, beginning by Rubem Fonseca. Keywords: translation studies; paratext; literary translation; editing; publishing market. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 04/01/2011 Avaliado em: 30/01/2011 Publicação: 6 de abril de 2011 114 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Muitas imagens vêm ganhando ao longo do tempo status artístico. Não poderia ser diferente no que se refere às capas de livros. Esse elemento fundamental, inicialmente de proteção e informativo quanto ao conteúdo do objeto livro, simples ou acrescido de orelhas, guarda de capa ou tarja especial, fornece de imediato ao leitor uma primeira percepção do produto a ser consumido, provoca uma emoção antecipada no leitor, pode até tornar-se um pré-julgamento do que está contido no texto propriamente dito. A capa passou a ser um item indissociável do texto, constituindo seu paratexto (GENETE, 1982, p.10). Todo texto que se agrega a um texto base é, para Gérard Genette, paratexto. Nesse sentido, o objeto livro na prateleira de uma livraria oferece ao leitor potencial uma série de informações que o conduzirão, ou não, ao cerne do objeto, o texto do autor. Essas informações paratextuais são o “vestíbulo” do texto autoral e são dirigidas especificamente a uma comunidade com interesses comuns, o público-alvo. Dentre as inúmeras categorias paratextuais elencadas por Genette (epígrafes, instâncias prefaciais e posfaciais, notas internas ao texto autoral, epitextos variados, fortuna crítica etc) interessa, neste estudo, a categoria que contempla o que visualmente é mostrado ao leitor: a apresentação externa do livro, sua capa, a forma como nela figuram o nome do autor e outros elementos a ele relacionados, o título da obra, a indicação de gênero, a indicação da origem da obra e menção ao tradutor, eventualmente indicação catalográfica, crédito de capa, tipo de edição, preço. Todas as informações contidas na capa, contracapa, orelha ou terceira página, material sob responsabilidade direta do editor (mas não exclusiva), ou da comissão editorial em geral, é denominada por Genette, peritexto editorial. Genette denominou o peritexto das obras traduzidas: capas, contracapas, orelhas e terceiras páginas e textos das publicações, e eventualmente, quando possível, instanciais prefaciais. Pode-se, consequentemente, refletir sobre de que maneira elementos extraliterários colaboraram com as expectativas dos leitores potenciais da literatura brasileira traduzida e em que medida esse material revela os projetos editoriais e certa forma de apresentar o Brasil, o autor brasileiro e sua obra, no exterior. Nosso percurso começa na França para, em seguida, observarmos como outros países ilustraram as capas de uma mesma obra traduzida. Para tanto, propomos a observação das capas e contracapas de três publicações francesas SOBRE literatura que nos fornecem uma idéia da progressão da imagem do Brasil na França. A evolução das opções gráficas parece corresponder a um processo que caminha para a harmonia de capa e contracapa da publicação. A capa arlequinal da edição de 1979 corresponde ao espírito das vanguardas modernistas brasileiras. Maria Cláudia Rodrigues Alves 115 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 A contracapa dessa edição não tem nenhuma ligação com o Brasil. Trata-se de uma publicidade do livro Proust: le temps du désir. Nesse sentido, poderemos observar que houve aperfeiçoamento e maior diálogo entre capa e contracapa, ao longo das edições. Na edição de 1982, o recorte da obra de Portinari “Sacrifício de Tiradentes” parece fazer a ponte entre as vanguardas do início do século XX e o escritor Jorge Amado, na contracapa, que viria a ser o representante máximo da literatura brasileira no exterior. 116 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Vale aqui salientar que Jorge Amado foi o autor brasileiro mais traduzido para a língua francesa antes dos recentes fenômenos Paulo Coelho e Patrícia Melo. Um número especial da Revue Europe foi consagrado a Jorge Amado, em 1989. Na edição de 1982 já surge consonância, pelo menos no que se refere à temática de literatura brasileira, entre capa e contracapa, conforme comentamos anteriormente. A edição mais recente traz na capa obra do artista plástico brasileiro Arthur Luiz Piza. Maria Cláudia Rodrigues Alves 117 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 A contracapa apresenta resumo do dossiê sobre a literatura brasileira contemporânea com a lista dos autores que participaram da publicação em questão. O exame do material visual paratextual e dos textos que o acompanham são reveladores da imagem da cultura brasileira que os organizadores e editores de uma revista sobre literatura pretendem passar. Há uma flagrante evolução na escolha de elementos e artistas brasileiros que representem o Brasil na ilustração de 1982 e 2005. Veremos, entretanto, que essa preocupação, no que tange a publicações de ficção, nem sempre existem, provocando grandes mal entendidos. É o caso da tradução e publicação de Agosto, de Rubem Fonseca para o francês em 1993 e de sua edição de bolso em 1996. A começar pelo título que sempre causa estranhamento. Segundo consta das diversas biografias digitais do autor brasileiro, o mesmo parece ter ocorrido com a publicação holandesa cujo título Der laatste zomer van de president evoca igualmente o verão. E sendo essa publicação de 1995, podemos imaginar que os franceses inspiraram-se na edição holandesa. Vale elucidar que a opção por Un été brésilien partiu da editora, sem o prévio conhecimento do autor e do tradutor, como pudemos confirmar ao examinarmos 118 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 cópia de correspondência trocada entre as partes envolvidas e que já mereceu anterior análise detalhada (ALVES, 2006). A capa de Un été brésilien, de 1993, traz destacado o nome do autor (em branco), em seguida, justificados à direita, o título da obra, com a especificação roman e abaixo a editora Grasset, tudo em amarelo sobre um fundo vermelho, negro e branco de uma foto solarizada de autoria do fotógrafo e artista plástico Philippe Sohiez (informação fornecida sucintamente na contracapa em vertical sobre o ISBN: Photo Philippe Sohiez). A foto representa em primeiro plano um homem com chapéu e bigode fumando provavelmente um charuto, em segundo plano uma mulher em pose sedutora e ao fundo de cada figura uma palmeira ou coqueiro. Pode-se vislumbrar aqui a intenção do artista em representar elementos do submundo (o malandro e a prostituta) em uma atmosfera tropical (charuto, palmeiras, chapéu panamá). A cor vermelha também é sugestiva: tanto do clima tropical, como de uma intriga criminal. Embora se reconheça aqui a qualidade do trabalho de Philippe Sohiez, a capa não é completamente reveladora do conteúdo do romance – uma ficção histórica, mas trata-se de uma ilustração bastante sugestiva, contendo os clichês de uma capa de romance policial. Ao se pesquisar sobre o fotógrafo e artista plástico Philippe Sohiez, verifica-se a preocupação na elaboração dessa capa. Segundo informações fornecidas pelo ilustrador da capa da edição brochura de Un été brésilien, o fotógrafo e artista plástico Philippe Sohiez, em geral há dois procedimentos para a escolha de uma capa de livro por parte dos editores e maquetistas, que contenha foto ou ilustração: uma encomenda especial ou a utilização de material já existente nos bancos de imagens ou agências de fotos como a Getty, a Corbis e a Photonica, que acaba de ser comprada pela Getty. Maria Cláudia Rodrigues Alves 119 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Pour vous parler très brièvement de notre rôle d’illustrateur. Il se limite très souvent à la lecture de l’argumentaire de la 4ème de couverture pour se faire une idée. De nous jours les créations se font de plus en plus rares. Les éditeurs et les maquettistes puisent leurs illustrations dans des banques d'images en recherchant l'image qui convienne le mieux au roman. C'est ce que je fais actuellement avec mon site que je vous ai envoyé. Pour en revenir à la couverture d' "Un été brésilien". C'était encore une époque où l'on réalisait encore des couvertures sur commande et comme il s'agit d'un temps déjà lointain tout était réalisé en gros sans moyens informatiques, peu répandus à l'époque. Donc globalement s'il s'agit d'un photomontage de photographies tirées de ma photothèque. -un fond avec des palmiers -un personnage style mafieux d'Amérique du sud -et une jeune femme style prostituée Le photomontage est réalisé en découpant et en collant les images. Le tout photocopié dans un premier temps en Noir et Blanc. Par la suite J'ai utilisée une photocopieuse CANON couleur pour des virages de différentes couleurs.1 Quanto à capa da edição em livro de bolso de Un été brésilien, o nome do autor e da obra aparecem em destaque (branco e preto sobre fundo verde de dois tons diferentes) sobre uma foto de autoria de Thierry Campion (informação figurando na contracapa, deitada em vertical – à direita da inscrição ISBN: Photo Thierry Campion / Gamma – Bernard Flageul), na qual um policial militar brasileiro revista um jovem negro. Ao fundo, entrevê-se um adulto agachado e metade do corpo de um homem em pé. A cena parece se passar numa ponte ou passarela. Trata-se de uma alusão à ditadura brasileira. Não é afirmado, como anteriormente na contracapa da edição brochura, que a história se passa “sob a ditadura Vargas em 1954”. Paira a dúvida e a sugestão na utilização do adjetivo “ditador” no trecho “Brasil, 1954. Pouco a pouco abandonado pelo exército... o regime do 1 Depoimento obtido via internet em 21.07.2005 Para falar bem rapidamente de nosso papel de ilustrador. Ele se limita, em geral, à leitura do comentário da 4ª. capa, para ter uma idéia. Nos dias de hoje, as criações tornam-se cada vez mais raras. Os editores e os projetistas buscam suas ilustrações em bancos de imagens e escolhem a que convém melhor ao romance. É o que eu faço, atualmente, em minha página Internet que lhe enviei. Para voltar à capa de “Un été brésilien”, estávamos ainda na época em que se realizavam capas sob encomenda e, como se trata de um tempo já ultrapassado, tudo era feito globalmente, sem meios informáticos, pouco difundidos na época. Portanto, em geral, trata-se de uma fotomontagem, com fotografias tiradas de meu arquivo. - um fundo de palmeiras - um personagem tipo mafioso da América do Sul - e uma jovem, tipo prostituta A fotomontagem é realizada recortando-se e colando-se as imagens. O conjunto é fotocopiado, primeiro em preto e branco. Em seguida eu utilizei uma copiadora CANON em cores para banhos de diferentes cores. 120 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 ditador Getulio Vargas vacila.” Além de reforçar o mal entendido histórico ocorrido na apresentação da edição brochura (no período de 1951 a 1954 Getúlio Vargas foi eleito pelo voto povo), salienta-se de imediato o anacronismo da ilustração, pois as roupas das pessoas na foto remetem o leitor ao período ditatorial da concepção da obra (repressão dos anos 1960/70) e não ao período getulista, seja ele da ditadura ou não. O grafismo realizado por Philippe Sohiez foi, em nossa opinião, muito mais bem sucedido que o capa da edição de bolso. Ao contrário do que poderia acontecer, a exploração de clichês do submundo latino-americano e do suspense tais como o perfil de um homem com chapéus panamá e charuto, a figura feminina ao fundo e a utilização da insinuante, tórrida e sensual cor vermelha, é mais fiel à obra de Fonseca do que a foto anacrônica da edição de bolso. Sugerem, porém, apenas algumas das facetas de Agosto, uma das mais interessantes narrativas longas do escritor brasileiro: crime, suspense, noir de época. São esses elementos, entretanto, que à primeira vista vão interessar o leitor francês. Estilo e elementos históricos ficam para a leitura do texto propriamente dito. Entre 1990 e 1998 Agosto foi publicado no México, Colômbia, Portugal, Itália, Espanha (nesses cinco países, com o título original), mais Holanda, França (2 edições) e Alemanha (neste último com o título “Morte em Agosto”). Como os outros países trataram as capas da tradução de Agosto? Observemos algumas capas às quais tivemos acesso. Os alemães (1994), por exemplo, não hesitaram em simplesmente colocar a foto de Copacabana na capa. Trata-se de um recurso facilitador para o leitor, situando-o geograficamente, sem, no entanto, fornecer qualquer outro elemento relativo ao conteúdo da obra. Mexicanos optaram por um grafismo que nos remete à solarização da edição francesa em tons de azul, na edição de 1993. Num ambiente de penumbra, uma mulher está à mesa, fumando, enquanto se vislumbra o perfil de um homem com sobretudo, ao fundo. Paira assim a sugestão de certo submundo, misto de mistério e inquietação. Maria Cláudia Rodrigues Alves 121 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Italianos (1993) optaram por um grafismo com elementos já utilizados por Philippe Sohiez como um chapéu e a vegetação tropical: Colombianos, em 2007, aproximaram-se mais da figura de Getúlio, fardado: Esse pequeno repertório mostra-nos as diversas possibilidades e opções das editoras estrangeiras, da imagem mais genérica à mais específica. Se atentarmos apenas para o aspecto iconográfico, observaremos que outros títulos mostram uma clara opção das editoras pela tropicalização, como é o caso das edições alemãs de Bufo & Spallanzani e Vastas emoções e pensamentos imperfeitos, ambas de 2003: 122 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Nesses casos, observamos a exotização por meio das frutas, o mamão e o caju, com cores fortes, alaranjado/avermelhado. Se por um lado o mamão partido nos remete a sugestivas e possíveis interpretações sensuais/sexuais freudianas, por outro lado, impossível não nos referirmos às inúmeras descrições das frutas brasileiras feitas pelos descobridores, colonizadores e naturalistas desde Jean de Léry, referindo-se ao caju em Viagem a terra do Brasil, ou André Thevet, que, em 1558, fez a primeira ilustração da planta e de seu fruto em Singularidades da França Antártica. “O primeiro escritor português a descrever o cajueiro foi Pedro Magalhães Gandavo em 1576, e comparou a castanha do caju com a mais saborosa das amêndoas. Outro pesquisador, Fernão Cardim, em 1548, descreveu que as castanhas podem ser comidas assadas, cruas e deitadas em água como amêndoas piladas, podendo-se ainda fazer doces. O cajueiro ficou cada vez mais conhecido: Mauricio de Nassau protegeu os cajueiros, através da resolução que fixou a multa de cem florins por cajueiro derrubado, visto que a fruta tinha uma importância de sustento para os índios e para a exportação de doces cristalizados para a Holanda”2. O caju é, sem dúvida, representativo do nordeste brasileiro, mas pouco tem a ver com a narrativa fonsequiana. No entanto, essa opção editorial revela a uniformidade e a coerência de um projeto, eventualmente pertencente a uma coleção da editora em questão. O leitor pode assim identificar pelo estilo do grafismo, pelas cores, pelo tema, a origem de certas obras, gêneros, autores. 2 Disponível em: . Maria Cláudia Rodrigues Alves 123 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 Finalmente, uma opção editorial bastante recorrente é a aclimatação à cultura local ou vigente. A edição colombiana da antologia em que figura o conto “Confraria dos espadas” tomou ao pé da letra o termo “espada” e eis no que resultou: Não há como não sorrirmos ao observarmos essa ilustração quixotesca, completamente anacrônica, quando sabemos o significado do que é ser “espada” na gíria brasileira. Evidentemente não foi esclarecido ao responsável pela capa que um “espada”, no Brasil, é um indivíduo heterossexual, machista em princípio, preocupado com a possível dúvida que possa pairar sobre sua sexualidade, e que o conto que dá nome ao livro trata exatamente do prazer sexual masculino de um grupo de homens. A análise do material paratextual selecionado e descrito acima permite a elaboração de algumas reflexões iniciais e parciais a respeito de projetos editoriais de literatura brasileira traduzida e editada no exterior. Sempre houve apelo visual aos clichês brasileiros ou tropicais. Un été brésilien, publicado em 1993, deve ter obtido sucesso de público, pois recebeu edição em livro de bolso posteriormente. Houve uma preocupação, não muito profunda, mas houve, com a capa da primeira edição. A edição de bolso, no entanto, revela desconhecimento tanto da ficção fonsequiana quanto da história do Brasil. O público leitor de edições de bolso confia na publicação, pois ela é garantia de que se trata de best-seller. O cuidado com a preparação desse tipo de livro é muito menor do que com um lançamento inédito. Cada vez mais as editoras estrangeiras vêm optando por manter a capa, o grafismo do original brasileiro para os lançamentos, variando apenas em edições posteriores, caso a obra venha a conhecer certa fortuna. Permanecem, porém, casos de 124 Imagens da literatura brasileira traduzida: análise de capas Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 tropicalização e de aclimatação que podem tanto ser bem sucedidos, quanto provocar ambiguidades e mal entendidos bastante curiosos. Se os paratextos são reveladores da intencionalidade do editor e podem ilustrar um projeto editorial ao se eleger traduzir e publicar determinado autor estrangeiro, a capa de um livro, exposto para a venda em uma livraria ou numa estante de biblioteca, pode instruir o leitor. Contudo, não raro, as aparências enganam e as capas podem também desorientar o leitor estrangeiro. REFERÊNCIAS ABREU, E.S. Ouvrages brésiliens traduits en France/Livros brasileiros traduzidos na França – 1ère Éd. (1988)/6ème édition augmentée. Rio de janeiro: – Bureau du Livre – Consulat Général de France - ABL e Fundação Biblioteca Nacional, 2008. ALVES, M.C.R. 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Maria Cláudia Rodrigues Alves 125 Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores • Nº. 21, Ano 2010 • p. 113-125 FONSECA, J.R. Un été brésilien. Trad. Philippe Billé. Paris: Librairie Générale Française/Grasset, 1996. (Collection Le Livre de Poche, n° 13969) http://www.edicionescalyarena.com.mx http://catalogostoricosaggiatore.fondazionemondadori.it http://www.unionsverlag.com http://www.librerianorma.com Maria Cláudia Rodrigues Alves Graduada em Educação Artística pela Universidade de São Paulo (1985) - Animation Culturelle et Sociale - Université d’Aix-Marseille III (Droit, Econ. et Sciences) (1985), em Letras pela Universidade de São Paulo (1994), mestre em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (1999) e doutora em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo (2006). Foi professora assistente da Universidade Presbiteriana Mackenzie de 1995 a 2008. Em 2007, além da docência e pesquisa, foi Assessora de Cooperação Interinstitucional e Internacional na UPM. Em 2008 atuou como Coordenadora de Atividades Complementares do Curso de Letras, no Centro de Comunicação e Letras da UPM. Atualmente é Professora Assistente Doutora em Língua e Literatura Francesa da UNESP - Campus de São José do Rio Preto. Atua e pesquisa igualmente nas seguintes áreas: literatura comparada, literatura brasileira, língua e civilização de expressão francesa, tradução e versão, metodologia do ensino de línguas.