Auxiliadora dos Santos Pinto A inter-relação entre a Literatura e a História no processo de formação do estado de Rondônia: vozes e marcas identitárias dos sujeitos amazônicos na produção literária de PortoVelho e Guajará-Mirim/RO São José do Rio Presto – SP 2016 Campus de São José do Rio Preto Auxiliadora dos Santos Pinto A inter-relação entre a Literatura e a História no processo de formação do estado de Rondônia: vozes e marcas identitárias dos sujeitos amazônicos na produção literária de Porto Velho e Guajará-Mirim/RO Tese apresentada como parte do requisito para a obtenção do título de Doutora em Letras, área de Literaturas de Língua Portuguesa, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa. Dra. Norma Wimmer. São José do Rio Presto – SP 2016 Auxiliadora dos Santos Pinto A inter-relação entre a Literatura e a História no processo de formação do estado de Rondônia: vozes e marcas identitárias dos sujeitos amazônicos na produção literária de Porto Velho e Guajará-Mirim/RO Tese apresentada como parte do requisito para a obtenção do título de Doutora em Letras, área de Teoria da Literatura, junto ao Programa de Pós- Graduação em Letras do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Campus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Profa. Dra. Norma Wimmer. UNESP – São José do Rio Preto – SP. Orientadora. Profa.. Dra. Giséle Manganelli Fernandes. UNESP- São José do Rio Preto – SP. Prof. Dr. Nelson Luís Ramos. UNESP- São José do Rio Preto – SP. Profa.. Dra. Kênia Maria de Almeida Pereira. UFU- Uberlândia – MG. Prof. Dr. Júlio César Barreto da Rocha. UNIR- Porto-Velho/RO. São José do Rio Presto – SP 30 de julho de 2016 Aos meus pais José (in memorian) e Gecilda, bravos migrantes nordestinos, pelos preciosos ensinamentos e exemplos de vida. Ao meu esposo Edson, pelo incentivo e apoio. Aos meus filhos Edsulze e Edsandro, pelo amor incondicional. Ao meu neto Eduardo José e às minhas netas Larissa, Eduarda Sofia e Sara Emanuele, por me ensinarem a beleza da infância. Aos meus irmãos e irmãs, pelas alegrias e tristezas compartilhadas com união. Aos escritores ficcionistas e aos historiadores do estado de Rondônia. AGRADECIMENTOS À minha orientadora, professora Dra. Norma Wimmer, pelo carinho, compreensão, generosidade intelectual e pela preciosa amizade. À Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – pelo financiamento do programa de doutorado Interinstitucional. Ao professor Osvaldo Copertino Duarte, Coordenador do DINTER – UNESP/UNIR, pela dedicação e apoio incondicional. À professora Giséle Manganelli Fernandes, pela dedicação e esforço para realização do convênio entre a Fundação Universidade Federal de Rondônia e o Programa de Pós-Graduação em Letras- Ibilce/UNESP- São José do Rio Preto. Às professoras Dra. Norma Wimmer, Dra. Cláudia Maria Ceneviva Nigro e ao Professor Dr. Nelson Luís Ramos, pelas críticas e contribuições para conclusão deste trabalho. Aos professores Dr. Dorosnil Alves Moreira, Dra. Carmen Tereza Velanga, Dr. Celso Ferrarezi Junior, Dra. Iara Maria Telles, Dra. Maria Cristina Victorino de França, Dr. Laércio Nora Bacelar, Dr. Júlio César Barreto Rocha, Dra. Patrícia Helena dos Santos Carneiro, Me. Zuila Guimarães Cova dos Santos e Me. Jacinto Pedro Pinto Leão, pela amizade e pelos diálogos sempre enriquecedores. Aos escritores de Rondônia Paulo Cordeiro Saldanha, Antônio Cândido da Silva e Cesar Romero Cavalcanti de Albuquerque, pelas contribuições durante a elaboração desta Tese. Às amigas e amigos Geane Valeska da Cunha Klein, Gilda Marchetto, Liliane Pereira Soares do Nascimento, Maria de Fátima Castro de Oliveira Molina, Flávio Adriano Nantes Nunes, Claudemir da Silva Paula, João Elói de Melo, Márcia Dias dos Santos, Avany Garcia, Darlene Mendes Ribeiro, Ena e Eraldo Martins, Bethânia Moreira da Silva e Eva da Silva Alves, pelas experiências compartilhadas e pelo apoio. Aos docentes do DINTER – UNESP/UNIR pelos conhecimentos compartilhados e aos professores do Departamento Acadêmico de Ciências da Linguagem - DACL - da Fundação Universidade Federal de Rondônia, Campus de Guajará-Mirim, pelo apoio. Aos servidores da Seção Técnica de Pós-graduação do IBILCE: Rosemar Rosa de Carvalho Brena, Silvia Emiko Kazama, Alex Antônio dos Santos, Mauro Kasuo Miasaki, Felipe da Cunha Ferreira e Victor Novaes Rufino, pela atenção e carinho a mim dispensados durante todas as etapas deste curso. Aos amigos e amigas de São José do Rio Preto, em especial à Profa. Maria de Fátima Vieira, Elizabethe Manzato e Gláucia Mello, pela acolhida calorosa. “A representação da diferença não deve ser lida apressadamente como reflexo de traços culturais ou éticos preestabelecidos, inscritos na lápide fixa da tradição. A articulação social da diferença da perspectiva da minoria é uma negociação complexa, em andamento que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emergem em momentos de transformação histórica.” (Bhabha, 2013, p. 21). RESUMO O presente trabalho apresenta resultados de uma investigação sobre a inter-relação entre a construção da literatura e da história no processo de ocupação e fundação do estado de Rondônia, levando em consideração os ciclos migratórios, suas características e sua relação com as peculiaridades da produção literária dos autores rondonienses. Para tanto, contemplou um momento de pesquisa bibliográfica tendo como referência os Estudos Culturais: Bhabha (2013), Canclini (2011), Achugar (2006) e outros, que embasou conceitualmente as análises das obras literárias produzidas no estado de Rondônia, e um momento de pesquisa de campo, na qual foram entrevistados historiadores e autores das obras em análise. Da junção dos dois momentos da pesquisa, confirmou-se a hipótese inicial de que a construção literária de Rondônia ocorreu, principalmente, em função de aspectos sócio-históricos ligados aos ciclos migratórios e outras tensões sociais conhecidas, refletindo, de forma bastante nítida, o processo histórico de construção do Estado tal como hoje se apresenta. Também verificou-se, a partir do estudo e análise de obras dos autores Paulo Cordeiro Saldanha e Antônio Cândido da Silva, os substratos culturais atuantes na constituição da literatura rondoniense, bem como as implicações desses fatores na constituição da História, da Literatura, da Cultura, da Memória e das Identidades produzidas em Rondônia. Palavras-chave: História, Literatura, Memória, Cultura, Identidades. RESUMEN Ese trabajo presenta los resultados de una investigación acerca de la interrelación entre la construcción de la literatura y de la historia en proceso de ocupación y fundación del Estado de Rondônia, teniendo en cuenta los ciclos migratorios, sus rasgos y la relación con las peculiaridades de la producción literaria de los autores rondonienses. Para tal, hemos echado manos de una investigación bibliográfica con las preposiciones de los Estudios Culturales: Bhabha (2013), Canclini (2011), Achugar (2003) y otros que basaron los conceptos de los análisis de las obras literarias producidas en el Estado de Rondônia, además de una investigación de campo en la cual fueron entrevistados historiadores y autores de las obras estudiadas. De la junción de los dos momentos de la investigación se ha confirmado la hipótesis del principio de que la construcción literaria de Rondônia se ha dado principalmente en función de los engendramientos socio-históricos relacionados a los ciclos migratorios y a otras tensiones sociales conocidas, reflejando de manera clara el proceso histórico de la construcción del Estado, tal como hoy se nos presenta. Además, se ha entendido, a partir del estudio y análisis de las obras de los autores Paulo Cordeiro Saldanha y Antônio Cândido da Silva, los sustratos culturales presentes en la construcción de la literatura rondoniense, así como las implicaciones de eses eventos en la constitución de la História, de la Literatura, de la Cultura, de la Memoria y de las Identidades producidas en Rondônia. Palabras claves: Historia, Literatura, Memoria, Cultura, Identida RÉSUMÉE Ce travail présente les résultats d´une recherche sur la inter-relation entre la construction de la littérature et de l´histoire pendant l´occupation et la fondation de l´état de Rondônia. Il prends en considération les cycles de migrations, ses caractéristiques et ses relations avec les particularitées de la production littéraire des auters de Rondônia. Pour ce but, le travail a commencé par un moment de recherche bibliographique, ayant come référence les “Estudos Culturais”: Bhabha (2013), Canclini (2011), Achugar (2006) et d´autres, qui ont embasés les concepts des analyses des oeuvres littéraires produites à l´état de Rondônia et a continué par un moment de recherche de terrain, moment qui ont eté interviewés des chercheurs de l´histoire et des auteurs des oeuvres objets de cette étude. De la jonction des deux moments de recherche, il a eté confirmée l´hypothèse initiale, c´est-à-dire, que la construction littéraire de Rondônia a eté due, surtout, en fonction de aspects socio-historiques liés à des cycles migratoires et d´autres tensions sociales connues, ce qui a été influencié, d´une manière três claire et forte, le procès historique de la construction de l´État, tel comme il se présente de nos jours. Il a été verifié aussi, a partir de l´étude et de l´analyse des oeuvres des auteurs Paulo Cordeiro Saldanha et Antônio Cândido da Silva, les substrats culturels qui influencient la formation de la littérature de Rondônia, bien comme les implications de ces facteurs dans la constitution de l´Histoire, de la Littérature, de la Culture, de la Mémoire et des identités produites en Rondônia. Mots-clées: Histoire, Littérature, Mémoire, Culture, Identités. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Forte Prinicipe da Beira ............................................................................ 19 Figura 2 – Diretores da E.F.M.M em carro aberto ..................................................... 26 Figura 3 – Prédio da Administração da Guaporé Rubber Company ......................... 27 Figura 4 – Cartazes com propagandas para atrair os Soldados da Borracha ........... 32 Figura 5 – Pátio externo da Estação da E.F.M.M, na década de 1940 ..................... 33 Figura 6 – Transporte de produtos e colonos do IATA na década de 1960 .............. 37 Figura 7 – Capa da obra literária: Esperança 50 anos depois................................... 79 Figura 8 – Capa da obra Diaruí ............................................................................... 101 Figura 9 – Posto de atendimento aos trabalhadores da E.F.M.M ........................... 106 file:///C:/Users/João%20Elói%20de%20Melo/Downloads/dowTese/TESE%20%20PARA%20%20JOÃO%20%20ELÓI/20SET2016.%20TESE-%20%20VERSÃO%20ENVIADA%20PARA%20PROFA.%20NORMA%20.docx%23_Toc462332236 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO I .............................................................................................................. 16 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA E A LITERATURA 16 1.1 As primeiras tentativas ........................................................................................ 17 1.2 As manifestações literárias em Rondônia ........................................................... 43 CAPÍTULO II ............................................................................................................. 48 HISTÓRIA, MEMÓRIA E IDENTIDADE: DIÁLOGOS POSSÍVEIS NA LITERATURA DE RONDÔNIA ......................................................................................................... 48 2.1 História e Literatura: os fios narrativos entremeados pela memória .................... 48 2.2 Espaços fronteiras e identidades em Rondônia .................................................. 56 2.3 História, memória e identidade nas obras produzidas em Rondônia .................. 65 CAPÍTULO III ............................................................................................................ 74 HISTÓRIA, MEMÓRIA E FICÇÃO NA OBRA DE PAULO SALDANHA ................... 74 3.1 Esperança: 50 anos depois... .............................................................................. 78 CAPÍTULO IV ............................................................................................................ 99 HISTÓRIA, MEMÓRIA E MISTICISMO NA OBRA DE ANTÔNIO CÂNDIDO ........... 99 4.1 Diaruí: a construção da E.F.M.M, a implantação dos seringais e o extermínio dos karipunas .......................................................................................................... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 122 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 125 APÊNDICE I ............................................................................................................ 135 APÊNDICE II ........................................................................................................... 141 ANEXO I .................................................................................................................. 169 ANEXO II ................................................................................................................. 170 ANEXO III ................................................................................................................ 171 ANEXO IV ............................................................................................................... 172 ANEXO V ................................................................................................................ 173 ANEXO VI ............................................................................................................... 174 11 INTRODUÇÃO O presente trabalho discute a inter-relação entre a Literatura e a História no processo de formação do estado de Rondônia, destacando características das produções literárias, vozes e marcas identitárias dos sujeitos amazônicos presentes nas obras literárias rondonienses: “Esperança: 50 anos depois...”, de autoria do escritor Paulo Cordeiro Saldanha e “Diaruí”, de autoria do escritor Antônio Cândido da Silva. A abordagem teórica foi orientada pelos estudos sobre Literatura, História e pelos Estudos Culturais, mediada pelo processo histórico e social de ocupação e fundação do estado de Rondônia. Na análise das obras, foram destacados os fatos históricos relacionados ao processo de criação do estado de Rondônia, época em que migraram para a região pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo, possibilitando a identificação das vozes e marcas identitárias dos sujeitos amazônicos. Nesse sentido, nessa pesquisa, os elementos estéticos serão considerados como pontos fundamentais no processo da criação literária. Porém, os aspectos sócio-históricos e culturais evidenciados nas produções literárias também serão investigados. O recorte histórico da literatura de Rondônia a ser apresentado nesse trabalho dar-se-á a partir da data da criação do Território Federal do Guaporé, que compreende os primeiros anos da década de 1940. Vale ressaltar que a literatura rondoniense ainda é pouco conhecida no contexto nacional, porém, ela começou a ser constituída no período em que Rondônia ainda era Território Federal, sendo representada, principalmente, por historiadores, poetas e cronistas. Inicialmente, as obras produzidas e publicadas na região tinham como principal característica a literatura de informação1 e as temáticas eram, geralmente, voltadas para a caracterização do novo Território Federal que surgia na nação brasileira. Dentre as principais obras, podemos citar “Os desbravadores”, publicada em 1991, de autoria do historiador Vitor Hugo2 e os trabalhos do Coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, geralmente publicados nos jornais da época. Na poesia, 1 Texto elaborado a partir da leitura da obra: MENDES, Matias Alves & SILVA, Eunice Bueno da. Síntese da literatura de Rondônia. Porto Velho: Gênese-Top, 1984. 2 Ele também é autor da obra: HUGO, Victor. Cinquenta anos do Território Federal do Guaporé. 4ª ed.- Porto Velho: abg Gráfica, 1995. 12 destacaram-se Vespasiano Ramos3, com a obra “Cousa alguma”, publicada em 1984, e o poeta e cronista Alkindar Brasil de Arouca, um dos fundadores da imprensa em Guajará-Mirim, famoso pelo preciosismo dos versos de seus sonetos e conhecido como “o Poeta das cigarras.” De acordo com Mendes & Silva, na obra “Síntese da literatura de Rondônia, (1984, p.18): [...] A literatura de Rondônia, que tem como precursores os historiadores e os poetas, apresenta como característica principal uma considerável produção de obras de História, uma farta produção de Poesia, uma razoável produção de Crônicas, dispersas em jornais, e a ausência quase total das obras de ficção, como por exemplo, romances e contos [...]. Até o final da década de 1970, a literatura rondoniense, ainda em formação, possuía características distintas; dentre elas podemos destacar o pequeno número de autores contistas e romancistas e a pequena participação das mulheres. Na medida em que o Território foi se desenvolvendo, a produção literária também foi se diversificando. Nessa época, foram publicadas poesias, obras em prosa de ficção, relatos e ensaios. Porém, a reconstituição e registro da história de Rondônia ainda continuaram sendo as principais temáticas discutidas nas obras literárias. Na década de 1980, época da criação do estado de Rondônia, a produção literária do estado, principalmente a poesia, já era profícua e, a partir dessa década, a literatura de Rondônia viveu um período de efervescência; foram publicadas diversas obras, tanto na prosa como na poesia, com temas relacionados à história, à paisagem natural e humana da Amazônia rondoniense, expressando, também, a necessidade dos autores mais canônicos de evidenciar e valorizar a história e identidade regional. Vale ressaltar que desde o início do processo de colonização do estado de Rondônia, sempre houve muitos conflitos e tensões entre os designados “pioneiros” e os migrantes posteriores. Essas tensões foram evidentes e manifestadas de diferentes formas. Nesse contexto, a investigação e registro da inter-relação entre o processo de construção da literatura rondoniense e a história regional são importantes porque, além de mostrar os caminhos percorridos pela produção literária, mostram a importância dos ciclos migratórios para o desenvolvimento e caracterização da Literatura e da cultura rondonienses. 3 Considerado o precursor da literatura de Rondônia. 13 Para compreender melhor a formação da Literatura de Rondônia, é importante refletir sobre as manifestações literárias que antecederam a criação do Território Federal do Guaporé, em 1943. Porém, conforme pesquisa ora realizada, há poucos estudos sobre a produção literária na referida época. Nesse sentido, podemos citar duas obras que tratam do tema4: A primeira, publicada em 1984 pela Editora Gênese-Top, intitula-se “Síntese da literatura de Rondônia”, de autoria dos poetas Matias Mendes e Eunice Bueno. A segunda, publicada em 1987, em um Caderno Cultural, é resultado de uma Conferência proferida pelo professor e poeta rondoniense Edson Jorge Badra. Além dos estudos mencionados, também destacamos as seguintes publicações: 1. O ensaio “Olhar histórico-poético sobre Porto”, de autoria de Carlos Moreira e Rubens Vaz Cavalcante; 2. O artigo, publicado na obra “Olhares sobre a Amazônia”, organizada por Miguel Nenevé, Martin Cooper e Marilene Proença e publicada em 2001, pela editora Terceira Margem. No artigo, os autores discutem a relação entre produção poética e história de Porto Velho/RO; 3. O artigo “Respondendo a uma consulta sobre Literatura de Rondônia”, de autoria de Abnael Machado de Lima, publicado em 01/05/2011, no site: http://www.gentedeopiniao.com.br. Destacamos também a existência do Projeto de pesquisa “Mapa cultural de Rondônia”, coordenado pelo Prof. Dr. Osvaldo Copertino Duarte, cujo objetivo5 é “[...] reunir informações que contribuam para o conhecimento e desenvolvimento da cultura e das artes em Rondônia”. O estudo da cultura do povo amazônico rondoniense, particularmente, está fundamentado nos Estudos Culturais. Partindo desse pressuposto, a produção literária rondoniense foi analisada à luz da Teoria da Narrativa e dos Estudos Culturais6, levando em consideração que, no processo de construção de sentidos do discurso linguístico-poético, ouvem-se vozes constituídas e construídas a partir das marcas identitárias dos sujeitos amazônicos. Dentro de uma perspectiva mais ampla, podemos afirmar que a discussão que perpassa a análise das obras vai além da identificação dos traços identitários dos sujeitos da Amazônia rondoniense, pois nesse processo, a reconstituição da 4 Destacamos que esses estudos enfocam, principalmente, a literatura produzida nos municípios de Porto-Velho e Guajará-Mirim. 5 Retirado do site. www.mapacultural.ro.com.br. Acessado em 03/03/2014. 6 “[...] Definir cultura é pronunciar-se sobre o significado de um modo de vida. Esse o vasto campo de estudo e intervenção aberto aos estudos culturais no momento de sua formação.” (CEVASCO, 2008, p. 23). http://www.gentedeopiniao.com.br/ http://www.mapacultural.ro.com.br/ 14 história e da memória coletiva constitui-se em elementos essenciais para sua compreensão. As experiências pessoais dos autores nos eixos Madeira, Mamoré, Guaporé e, posteriormente, em diversos contextos amazônicos também favoreceram a compreensão de que a obra literária é resultado das relações estabelecidas entre o escritor e a sociedade e está, geralmente, vinculada ao contexto em que se origina, expressando as vivências do escritor, pois ao construir o texto literário, geralmente, o autor recria a realidade. Portanto, a Literatura é arte, mas não está dissociada do mundo e de seus eventos7. Os pressupostos dos Estudos Culturais constituem um aporte importante para a análise das obras porque, diante da complexidade da formação cultural e identitária na Amazônia rondoniense, faz-se necessário reconhecer o processo de hibridização existente na região, visto que todo o processo de formação do estado foi permeado por intercâmbios culturais resultantes dos contatos entre povos de culturas díspares. Também é importante mencionar que inúmeras localidades de Rondônia, principalmente as áreas formadas por seringais, foram povoadas por migrantes nordestinos e, ao longo dos anos, foram despovoados das populações autóctones, principalmente dos povos indígenas, dizimados nos embates pela posse da terra com os seringueiros, madeireiros, garimpeiros e outros exploradores, bem como em decorrência de doenças e grandes epidemias ocorridas por ocasião desses contatos. Porém, apesar do extermínio de inúmeros povos, é possível identificar traços da cultura indígena na literatura rondoniense e ou mesmo a menção da existência desses povos que contribuíram para a formação identitária da população rondoniense. Nesse sentido, enfatizamos que, apesar dos inúmeros povos indígenas existentes em Rondônia, há poucas produções sobre a temática indígena, tendo destaque a obra “Juru, jurupá, jurupari”, de autoria do escritor Júlio Carvalho, publicada em 2001, pela EDUFRO. Nessa obra, o autor faz uma reconstituição dos mitos indígenas e populares da Amazônia rondoniense e a obra Diaruí, de autoria do escritor Antônio Cândido da Silva, cujo enredo denuncia o extermínio do povo indígena Karipuna. Também destacamos a obra “Mitopoese na Amazônia: mitos e 7 Conforme propõe Ferrarezi Jr. No artigo “Considerações sobre a Arte no Brasil”, publicado na obra: FERRAREZI Jr. Celso, Livres pensares: Linguagem, educação, sociedade. Porto-Velho, Edufro, 2003. 15 lendas, encantados e encantamentos”, de autoria do escritor César Romero C. Albuquerque, ainda no prelo. Na referida obra, o autor reconstitui inúmeros aspectos da cultura indígena, destacando os principais mitos das civilizações autóctones da Amazônia. Para sistematização dos resultados desta pesquisa, a tese está organizada em quatro capítulos, assim constituída: No capítulo I, intitulado “O processo de formação do estado de Rondônia e a produção literária rondoniense”, apresentamos uma breve retrospectiva histórica sobre o processo de formação do estado de Rondônia e discutimos sobre a inter- relação entre a literatura e a história no processo de formação do Estado, correlacionando a produção literária com a estrutura social e destacando as influências dos ciclos migratórios no processo de constituição da literatura rondoniense. No capítulo II, denominado “História, ficção, memória e identidades: diálogos possíveis”, abordamos questões sobre a História, a Ficção, a Memória e as Identidades, destacando que as produções literárias rondonienses, frequentemente, estão vinculadas aos momentos históricos e à memória social, contribuindo, assim, para a constituição das identidades. No capítulo III, discutimos sobre a Literatura de Rondônia, a partir da apresentação e da análise da obra “Esperança: 50 anos depois...” do autor rondoniense Paulo Cordeiro Saldanha. No capítulo IV, daremos continuidade à discussão sobre a Literatura de Rondônia, a partir da apresentação e da análise da obra “Diaruí, do autor rondoniense Antônio Cândido da Silva. Na sequência, apresentamos as considerações finais e, por fim, as referências bibliográficas que fundamentaram o conteúdo desta tese, os anexos e apêndices. Portanto, a partir das discussões teóricas e dos aspectos identificados nas análises dos romances históricos apresentados neste trabalho, podemos afirmar que a literatura de Rondônia apresenta um entrecruzamento entre a história, a ficção e a memória, de certa forma, tematizando o hibridismo cultural na constituição das identidades dos sujeitos amazônicos a partir da descrição dos tipos humanos, da exuberância da natureza, da caracterização dos cenários e da reconstituição dos fatos históricos. 16 CAPÍTULO I O PROCESSO DE FORMAÇÃO DO ESTADO DE RONDÔNIA E A LITERATURA O processo de colonização do estado de Rondônia foi marcado por conflitos pela exploração das riquezas, posse de terras e detenção do poder. Nesse contexto, as correntes migratórias sempre foram intensas, pois, motivados pelas notícias sobre os recursos naturais da região, homens de diversas partes do Brasil e do mundo se aventuraram nas matas e rios amazônicos, em busca de minerais e de outras fontes de riquezas. Para compreender o processo de formação econômica e cultural do estado de Rondônia é necessário entender sua história, pois antes de se constituir como Estado, essa região integrava os estados do Amazonas e do Mato Grosso e já era habitada por inúmeros povos indígenas, inicialmente, e por remanescentes de quilombos, depois. Neste trabalho, daremos ênfase às comissões científicas nomeadas pelos Governos Imperial e Republicano, às demarcações das fronteiras da região Centro Oeste do Brasil; mostraremos que o processo de ocupação humana da área geográfica que constitui o estado de Rondônia sempre foi ligado aos ciclos econômicos e às questões políticas. Trataremos, brevemente, dos ciclos do ouro e vegetal8 no Vale do Guaporé; da construção do Real Forte Príncipe da Beira; dos ciclos da borracha; da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré - EFMM; da implantação das linhas telegráficas e das pesquisas feitas pela Comissão Rondon, dentre outros. Também daremos ênfase aos ciclos econômicos que aconteceram após a construção da BR 364, qual proporcionou novas configurações ao mapa da Amazônia rondoniense devido à ampliação da ocupação humana e ao surgimento de novas cidades: ao ciclo do ouro no Vale do Madeira e da cassiterita no Vale do Jamari; ao ciclo da agricultura e à posterior criação do estado de Rondônia. 8 Principalmente a extração da borracha, da castanha e da ipeca. 17 1.1 As primeiras tentativas Conforme Teixeira & Fonseca (2002), no século XVII, “Grande Bandeira” chefiada por Antônio Tavares partiu de São Paulo em direção ao Oeste. Ele percorreu os vales dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé em busca de riquezas minerais. De acordo com Albuquerque (2014)9, “[...] a bandeira de Raposo Tavares foi a primeira expedição lusitana a percorrer o Madeira. Dela, resultou um completo relatório a El-Rei D. João IV o qual ansiava por ter mais conhecimentos sobre aquela região desconhecida.” No mesmo século, foram organizadas missões religiosas com o objetivo de catequizar e pacificar os índios que habitavam a região, tendo destaque a Fundação da Missão de Tupinambarana, organizada pelos padres Jesuítas. De acordo com Abnael Machado de Lima10: Os padres e os militares que seguiam no rastro dos aventureiros, os primeiros assentavam os aldeamentos, neles agregando os indígenas e os catequisando, com o objetivo de conquistar almas para Deus e terras para o El rei de Portugal (LIMA, 2010, p. 2). Porém, de acordo com outros historiadores de Rondônia11, as missões da Companhia de Jesus que se estabeleceram ao longo do baixo Madeira tinham objetivos expressamente políticos e, apesar de terem construído praças fortificadas nos lugares considerados estratégicos para garantir a posse do espaço conquistado, permaneceram na região por longo tempo, mas não obtiveram êxito. Sobre a presença de missões e missionários no rio Madeira, Albuquerque (2014)12, também afirma que: Não há como se divergir de que o rio Madeira foi aberto ao conhecimento da Corte pelas missões jesuíticas, as quais tiveram suas implantações a partir da segunda metade do século XVII. Não só por elas, obviamente, mesmo porque aventureiros e preadores de índios já exploravam aquele rio. Antes disso, no entanto, é de se frisar que os governantes espanhóis que reinaram no período anterior à Restauração permitiam que súditos portugueses percorressem a Amazônia – alguns receberam títulos de propriedades – e instalassem missões religiosas. 9 Em entrevista e conversas informais. 10 No artigo de opinião: LIMA, Abnael Machado de. A importância do seringal na formação cultural da sociedade amazônica. Publicado em 01/05/2010, no site: http://www.gentedeopiniao.com.br/. Série I. O meio geográfico. Acessado em: 15/03/2013. 11 Dentre eles destacamos: MATIAS (1997), MENEZES (2001), PERDIGÃO & BASSEGIO (1992), OLIVEIRA (2000), LEAL (1986), TEIXEIRA & FONSECA (2002), LIMA (2013) e outros. 12 Em entrevista. http://www.gentedeopiniao.com.br/ 18 A conquista e o povoamento dos Vales dos rios Madeira, Guaporé e Mamoré remontam ao começo do século XVIII, a partir da descoberta de grandes jazidas de ouro no rio Coxipó-Mirim, afluente do rio Cuiabá. Naquele período, o Bandeirante Antônio Pires de Campos percorreu o Planalto dos Parecis: a Bandeira Fluvial do Sargento-Mor Francisco de Melo Palheta tenta redescobrir as vertentes do rio Madeira; bandeirantes sorocabanos chegam à margem direita do Rio Guaporé e aos sertões dos Parecis: os vales do Guaporé e do Madeira recebem os primeiros povoadores. Porém, em conformidade com Matias (1997), somente no final da primeira metade do século XVIII, a Coroa Portuguesa passou a investir na região, enviando expedições exploradoras e de limites, pois a ameaça de penetração dos espanhóis na região do Vale do Guaporé, onde havia abundância de ouro e de outras riquezas, despertou o interesse da Coroa Portuguesa pela posse da região. Tal fato também motivou a cobiça de muitos aventureiros e, para evitar a evasão do ouro, a Coroa Portuguesa lançou, em outubro de 1737, uma Ordem Régia, proibindo o tráfego fluvial entre Mato Grosso e o Grão Pará, pelos rios do eixo Guaporé-Madeira-Amazonas. Nesse mesmo século, registra-se ainda a devassa contra os índios Mura do rio Madeira13; a viagem de Manoel Félix de Lima entre o Mato Grosso e o Grão Pará, contrariando as ordens régias; a Expedição de José Barbosa de Sá ao Alto Mamoré, com o objetivo de verificar o funcionamento das Missões Espanholas; a Bandeira Fluvial do Sargento-Mor Luís Fagundes Machado, entre Grão Pará e Mato-Grosso; a liberação do tráfego fluvial entre Vila Bela do Mato Grosso e o Grão Pará, pelos rios Guaporé, Madeira e Amazonas; a fundação dos povoados Nossa Senhora da Boa Viagem, no salto do Madeira, hoje cachoeira do Teotônio e Lamego, na foz do rio Guaporé. A descoberta das minas de Urucumacuan, em 1754, e a necessidade de preservar e monitorar as fronteiras motivou a Coroa Portuguesa a construir o Real 13 Conforme Teixeira & Fonseca (2002), os muras eram antigos habitantes indígenas da região dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé. No final do século XVIII, eles lutaram bravamente contra a colonização portuguesa. Porém, foram praticamente dizimados pelas diversas epidemias e pelos embates com povos de outras nações indígenas, que geralmente eram incentivados pelos colonizadores. 19 Forte Príncipe da Beira14, às margens do rio Guaporé, utilizando, principalmente, mão de obra escrava15. Figura 1 – Forte Prinicipe da Beira Fonte- Site da Academia de Letras de Rondônia - ACLER Conforme Matias: “Esse empreendimento foi uma consequência direta do Ciclo do Ouro e marcou o primeiro processo de colonização do espaço físico que hoje constitui o estado de Rondônia” (MATIAS, 1997, p. 25). O principal objetivo do forte era assegurar à Coroa Portuguesa a posse das terras conquistadas. Nesse sentido, Perdigão & Bassegio (1992, p. 151) afirmam que: A construção do Real forte Príncipe da Beira veio atender aos interesses territoriais portugueses a fim de que suas terras fossem defendidas e asseguradas e, também, simbolizava o autoritarismo, a violência, a dominação, a soberania do dominante sobre o dominado. A construção do Real Forte Príncipe da Beira também marcou o início do primeiro processo de ocupação militar e o povoamento efetivo das terras rondonienses; garantiu, ainda, a posse e integridade das fronteiras, pois, nas proximidades do forte, instalaram-se centenas de pequenos agricultores que se dedicaram à agricultura de subsistência e também cultivaram o fumo e o café. 14 Atualmente, as terras onde o Real Forte Príncipe da Beira está localizado pertencem ao município de Costa Marques/RO. O exército brasileiro é o responsável pela preservação e manutenção desse riquíssimo patrimônio histórico. 15 Conforme Sobrinho (1994), na obra: “Fatos, histórias e lendas do Guaporé”, além dos negros, os índios também foram escravizados. 20 Atualmente, o Real Forte Príncipe da Beira, localizado no município de Costa Marques, à margem direita do Rio Guaporé, em uma localidade denominada “Príncipe da Beira”, integra o patrimônio Histórico Nacional, e está inscrito no livro de Tombo das Belas Artes, através do Decreto-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937. Ao discutir sobre o campesinato negro do Vale do Guaporé, Teixeira afirma que: “A posse da região só pôde ser efetivada a partir da introdução da mão de obra escrava de procedência africana” (TEIXEIRA, 2004, p.31). Naquela época, no Vale do Guaporé, havia escassez de povoadores brancos e livres; em geral, os trabalhadores especializados (carpinteiros, pedreiros e artífices) eram contratados no Rio de Janeiro e em Belém do Pará. Além dos negros escravos, há registros de que centenas de índios trabalhavam na obra, também em regime de escravidão16. Mendes17 corrobora a ideia de que “O Vale do Guaporé [...] tem como principal herança histórica uma expressiva concentração de elementos da raça negra, descendentes de diferentes troncos tribais africanos, introduzidos na região guaporeana” (2008, p. 1). Os mesmos autores registram o sofrimento dos escravos que participaram da construção desse empreendimento e da formação dos quilombos na região, pois devido às más condições de trabalho, castigos e severas punições, muitos escravos fugiam e, dada a dificuldade de locomoção na selva, dificilmente eram capturados. Estes negros acabavam se unindo e formando quilombos18. Os registros históricos19 atestam que o Vale do Guaporé foi o único local de escravidão negra na Amazônia rondoniense; o quilombo mais conhecido pela exploração de ouro e por outras atividades agropastoris foi o Quariterê, no qual se destacou a figura da rainha “Tereza de Benguela”20, com a exploração do ouro e de 16 De acordo com a obra: MATIAS, Francisco. Pioneiros: Ocupação humana e trajetória política de Rondônia. Porto-Velho: Maia, 1997. Nesse sentido, Sobrinho (1994, p. 51) afirma que: “Quando as primeiras Bandeiras atingiram o Centro Oeste brasileiro, já encontraram inúmeras aldeias de índios, o que motivou a cobiça de escravizá-los, como qualquer produto. Era um comércio parecido com o da escravatura negra.” 17 No Artigo de Opinião: MENDES, Matias Alves. Vale do Guaporé: a questão quilombola. Publicado em 10/11/2008, no site http:// www.gentedeopiniao.com.br/, Acessado em: 19/03/2014. 18 No Artigo de Opinião: MENDES, Matias Alves. Vale do Guaporé: a questão quilombola. Publicado em 10/11/2008, no site http:// www.gentedeopiniao.com.br/, Acessado em: 19/03/2014. 19 Conforme TEIXEIRA, Marco Antônio Domingues. Campesinato negro de Santo Antônio do Guaporé, identidade e sustentabilidade. Belém: NAEA/UFPA. Tese de Doutorado, 2004. 20 De acordo com os historiadores Teixeira & Fonseca (2002), Tereza de Benguela era mulher de José Piolho, escravo que chefiava o Quilombo do Quariterê, na região do Vale do Guaporé, nas proximidades do estado de Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia. Naquela época, sob a liderança da Rainha Teresa, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770. http://www.gentedeopiniao.com.br/ http://www.gentedeopiniao.com.br/ 21 outras atividades agropastoris. Outros importantes quilombos da região do Vale do Guaporé foram: Galera, Galerinha, Taquaral, Pedras Negras, Cabixi e Piolho. O período áureo do vale se dá em decorrência da extração das riquezas minerais21. Porém, de acordo com Teixeira & Amaral, após o esgotamento das minas auríferas da Bacia do Guaporé, a Coroa Portuguesa abandonou a região, cabendo aos negros a responsabilidade de protegê-la. “[...] os negros tornam-se os senhores do Guaporé e a região passa a ser reconhecida pelo Estado do Brasil como uma terra de pretos” (TEIXEIRA & AMARAL, 2009, p. 115). O declínio do Ciclo do Ouro e o êxodo populacional, que durou do final do século XVIII até meados do século XIX, também provocou a transferência da capital da Capitania do Mato Grosso para a cidade de Cuiabá, visto que Vila Bela da Santíssima Trindade ficou praticamente despovoada. Algumas localidades do vale, atualmente, ainda são ocupadas por remanescentes de quilombos e por indígenas que sobrevivem da agricultura de subsistência e da pesca e continuam um tanto isolados do restante do estado22. É importante registrar que, nos últimos anos, as terras habitadas por remanescentes de quilombos do Vale do Guaporé estão passando por processos de regularização e que algumas comunidades como Santo Antônio, Pedras Negras e Jesus já foram reconhecidas. Porém, ainda há comunidades enfrentando sérios problemas devido à falta da demarcação definitiva de suas terras. Sobre esse aspecto, Matias Mendes23 (2008, p. 1) explica que: Os guaporeanos remanescentes dos antigos núcleos de povoadores foram relegados à condição de intrusos dentro de sua própria terra, muitos sendo compelidos a migrar para outras regiões do Estado para escapar à penúria imposta pelas restrições governamentais. Depois de alguns anos de absoluto abandono, afinal o povo guaporeano foi lembrado pelo governo petista para ser contemplado com políticas de inclusão inseridas na Constituição Federal há vinte anos. Além do atraso de uma geração, a medida governamental vem eivada de equívocos em relação aos redutos quilombolas do Guaporé. 21 De acordo com Teixeira & Amaral (2009, p. 115): “O início da ocupação da Bacia do Guaporé por não índios, se dá no século XVIII. Com a descoberta de lavras de ouro no Guaporé e em seus afluentes, o interesse da Coroa Portuguesa em ocupar a região aumenta, considerando, estrategicamente, a questão geográfica.” 22 Conforme Teixeira & Amaral (2009, p. 117): “A respeito dos escravos que contribuíram para a ocupação do Vale do Guaporé pela Coroa Portuguesa, após o abandono da área pelos brancos, essas comunidades escravas se reinventam como comunidades camponesas e extratoras livres e igualitárias.” 23 No Artigo de Opinião: MENDES, Matias Alves. Vale do Guaporé: a questão quilombola. Publicado em 10/11/2008, no site http:// www.gentedeopiniao.com.br/, Acessado em: 19/03/2014. http://www.gentedeopiniao.com.br/ 22 Um dos equívocos que podemos destacar envolve as populações quilombolas que não viveram no entorno do Real Forte Príncipe da Beira, pois ali se assentaram e passaram a desafiar os direitos da Força Terrestre Federal, na região. É possível que, nas comunidades de Pedras Negras e Santo Antônio, o povo negro sustente os seus direitos, mas, em relação à extensão geográfica das referidas comunidades remanescentes de quilombolas ao derredor do Pelotão de Fronteira, nas proximidades do município de Costa Marques, dificilmente serão definidas e legalizadas. Nas referidas comunidades, os órgãos governamentais criaram seus redutos, mas o abandono continua, pois não há transporte fluvial, assistência médica, escolar, e nem um programa de desenvolvimento para estimular a geração de renda e emprego. Atualmente, o acesso ao Vale do Guaporé pode ser feito por via fluvial ou através da BR-42924, que liga seis municípios: Presidente Médici, Alvorada do Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e Costa Marques, na fronteira com a Bolivia. Voltamos à primeira metade do século XIX, época em que Tenreiro Aranha foi designado pelo governo do Amazonas para inspecionar o sistema de transportes no rio Madeira. Por sua vez, militares bolivianos também descem pelos rios Madeira e Mamoré para efetuar algumas observações geográficas e realizar estudos sobre os trechos encachoeirados do rio Madeira. Naquela época, tanto o Brasil quanto a Bolívia enfrentavam problemas para o escoamento de suas produções. Após a guerra do Paraguai, o Brasil ficou impedido de navegar pela bacia do Prata e a Bolívia, por ter ficado isolada após sua independência do Peru, necessitava de uma saída para o Oceano Atlântico, para escoar sua produção de borracha, que era uma de suas principais riquezas. As negociações para a construção de uma ferrovia foram encaminhadas no final no século XIX25. A construção, porém, teve início somente no ano de 1907, sendo a obra inaugurada em 1º de agosto de 1912. A ideia da construção da ferrovia surgiu em 1846, na Bolívia, onde se apostou em uma rota fluvial para vencer as cachoeiras do Rio Madeira e chegar aos mercados internacionais pelo Oceano Atlântico. Assim, em 1861, após navegar pelo 24 A BR 429, intitulada a Rodovia da integração. 25 A história da construção da EFMM foi registrada na obra: BERTAGNA, Beto. Brevíssima história da Madeira - Mamoré. Porto Velho, RO, 2000. 23 rio Madeira, o general boliviano Quenti Quevedo propôs a canalização de alguns trechos do rio ou a construção de uma estrada de ferro para facilitar o escoamento das riquezas, a cobiçada borracha, da bacia amazônica para o Atlântico. No mesmo ano, o engenheiro João Martins da Silva Coutinho sugeriu ao Brasil que se unisse à Bolívia para construir uma ferrovia que ligasse o rio Mamoré ao então Porto de Santo Antônio do Madeira. Essa sugestão, no entanto, só foi concretizada em 1866, após o início da guerra do Paraguai. Naquela ocasião, o Brasil enviou dois engenheiros alemães, Josef e Franz Keller, para estudarem e elaborarem um projeto para a construção da ferrovia. Por sua vez, o governo boliviano também contratou o engenheiro ferroviário coronel do exército dos Estados Unidos, George Earl Church, para planejar o acesso entre as cachoeiras através de canais. Church organiza, assim, a “National Bolivian Navegation Company” para canalizar o rio Madeira. Após estudos, concluiu-se que a melhor opção seria construir uma estrada de ferro. No dia 27 de março de 1867, o Brasil e a Bolívia assinam um “Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição.” A partir daí, inicia-se o processo de negociação para a construção da Ferrovia. O imperador brasileiro D. Pedro II exigiu que Church fundasse uma empresa no Brasil e batizasse a estrada com o nome “Estrada de Ferro Madeira Mamoré – E.F.M.M.”. Após conseguir a concessão do Brasil, Church funda a companhia com o nome “Madeira Mamoré Railway”. De acordo com o projeto elaborado, a ferrovia ligaria Santo Antônio à Guajará-Mirim. Com isso, o coronel Church fez sua primeira tentativa de construção da EFMM, e contratou a empreiteira “Public Works Construcion Company”. Em 1872, chegou ao Brasil um grupo composto por vinte e cinco (25) engenheiros da empreiteira “Public Works Construcion Company”, mas estes foram surpreendidos pelas adversidades do local, principalmente pela dificuldade de conviver com os indígenas. Dez meses após sua chegada, abandonaram a obra sem assentar nenhum metro de trilho. A empreiteira solicitou a rescisão contratual à empresa “Madeira Mamoré Railway Company”, alegando que o lugar, em plena selva Amazônica, e as cachoeiras do rio Madeira, tornavam inviável a construção da ferrovia. Oito anos depois, a obra foi reiniciada pela construtora “P&T Collins”, de propriedade dos irmãos Phillips e Thomas Collins, na época, uma das maiores construtoras de ferrovias dos Estados Unidos. Em Janeiro de 1878, chegaram a 24 Santo Antônio, Thomas Collins, sua esposa e seu irmão Phillip Collins, acompanhados de técnicos, engenheiros e toneladas de materiais para dar continuidade à construção da Estrada de Ferro. Vieram trabalhadores de várias nacionalidades: italianos, irlandeses e norte-americanos. Porém, eles construíram apenas 7(sete) km de ferrovia e, apesar do grande fluxo migratório, os engenheiros enfrentaram sérios problemas decorrentes da falta de recursos financeiros e de mão-de-obra. O índice de mortalidade de trabalhadores na construção da E.F.M.M. foi muito elevado, pois as condições de trabalho eram precárias e a região insalubre e perigosa. As doenças tropicais, principalmente a malária, o beri-beri, a febre amarela, impaludismo e outras também castigavam e dizimavam os trabalhadores; os índios, diante da invasão de suas terras, atacavam os acampamentos e as cachoeiras do rio Madeira dificultavam o transporte dos materiais e dos operários. Segundo Bertagna, os engenheiros da Public Works, construtora da E.F.M.M., chegaram a classificar a região como “Um antro de podridão onde os homens morrem como moscas” (BERTAGNA, 2000, p. 8). Além disso, a região onde a estrada foi traçada inicialmente era cheia de pântanos e, após inúmeros problemas, a empresa foi à falência e a construção da obra, novamente abandonada. Após o fracasso das tentativas realizadas pelo Coronel Church, o governo brasileiro enviou para Santo Antônio duas Comissões formadas por engenheiros brasileiros para estudarem possibilidades do traçado da Estrada de Ferro, bem como para estimar o custo da obra. A primeira, denominada Comissão Morsing, foi enviada em 1882, mas fracassou após a morte de inúmeros trabalhadores. Em 1884, a segunda comissão, liderada pelo engenheiro Júlio Pinkas, foi enviada ao Rio Madeira, mas também não obteve êxito, pois os trabalhadores foram surpreendidos e castigados pelas intempéries da selva amazônica. A dramática história da E.F.M.M. também foi registrada por Hardman (2005)26. O autor mostra a inter-relação entre a geografia, a história e a literatura, destacando que a construção da ferrovia dizimou inúmeros trabalhadores e índios, porém, contribuiu para que o atual estado de Rondônia fosse um “caldeirão” de culturas e influenciando, também, na produção literária. 26 Na obra: HARDMAN, F. F. Trem fantasma: a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 25 Conforme Matias, no início do século XIX, o espaço físico que constitui o atual Estado do Acre, localizado na fronteira do Brasil com a Bolívia, era um território contestado tanto pelo governo brasileiro quanto pelo boliviano. [...] o Brasil utilizava aquela região como um grande presídio a céu aberto, para onde enviava prisioneiros políticos e criminosos comuns. Entretanto, rico em seringueiras, o Acre recebeu na segunda metade do século XIX, milhares de nordestinos em busca de trabalho em seus seringais. (MATIAS, 1997, p.35). Por sua vez, para garantir a posse da terra, em 03 de janeiro de 1889, a Bolívia fundou a vila Puerto Alonso e instalou naquela localidade um posto alfandegário, visando arrecadar tributos da comercialização da borracha. Naquele contexto, prisioneiros, exilados políticos e seringueiros nordestinos trabalhavam nos seringais acreanos e, cada vez mais, avançavam e se estabeleciam no território boliviano. Assim, após muitos conflitos, estimulados pelos governantes e pelos seringalistas, os seringueiros protagonizaram uma rebelião armada que culminou na Guerra do Acre. A batalha foi vencida por Plácido de Castro, ajudado pelas tropas brasileiras formadas por dois regimentos de infantaria, um de artilharia e uma divisão naval, em 24 de janeiro de 1903. O Acre transformou-se, então, no primeiro Território Federal do Brasil. Em consequência, em 17 de novembro de 1903, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, o Brasil celebrou com a Bolívia o “Tratado de Petrópolis”, através do qual se comprometia a finalizar a construção da ferrovia, ultrapassando os trechos encachoeirados do Rio Madeira. Em troca, o Brasil receberia da Bolívia as terras que hoje compõem o Estado do Acre. Assim, em 1906, foi aberto o edital de concorrência pública, vencido por Joaquim Catramby o qual repassou a concessão a Percival Farquar, que criou a empresa “Madeira-Mamoré Railway Company” e contratou a firma norte-americana May, Jeckyll e Randolph, para construí-la. Vale ressaltar que devido à construção dessa monumental e lendária ferrovia, a Amazônia brasileira ficou mundialmente conhecida, pois, motivados pelas propagandas sobre as riquezas naturais, chegaram à região migrantes de várias partes do Brasil e imigrantes de vários países do mundo. De acordo com os historiadores Teixeira & Fonseca (2003), no período compreendido entre 1907 e 1912 foram contratados cerca de 22.000 (vinte e 26 dois mil) operários, oriundos de 52 (cinquenta e dois) países diferentes27. Esses trabalhadores foram recrutados em portos de vinte e cinco países e também nos presídios. Percival Farquar deslocou o ponto inicial da obra para alguns quilômetros abaixo do rio, a um local denominado Porto Velho, na época, situado no Estado do Amazonas. Em meio à mata, construíram uma cidade, levantaram acampamentos, construíram casas, realizaram obras de captação de água e construíram um porto fluvial, para evitar a falência, como havia ocorrido com as companhias anteriores. A problemática em relação às doenças era constante, por isso foram implantados estrutura médico-hospitalar e saneamento básico. De acordo com Vitor Hugo, (1995), nessa época, foi construído o Hospital da Candelária, o primeiro no mundo, especializado em doenças tropicais. Além disso, em 1910, Percival Farquar solicitou que o médico sanitarista Osvaldo Cruz fosse conhecer a região de Porto-Velho, orientasse os médicos e lhes mostrasse uma solução para reduzir as doenças e o índice de mortalidade. Após 20 dias no local, Osvaldo Cruz fez um rol de recomendações, o que diminuiu consideravelmente o número de mortes. Figura 2 – Diretores da E.F.M.M em carro aberto Fonte: site Instituto Laura Vicunã, Foto: Danna Merryl 27 Foram recrutados trabalhadores em diversas regiões dos pais, notadamente do Nordeste. Também foram contratados trabalhadores espanhóis que haviam servido à construção de estradas de ferro em Cuba; trabalhadores nativos das colônias inglesas da América Central, que já tinham experiência na construção de ferrovias e do canal do Panamá, em sua região de origem; trabalhadores caribenhos procedentes de diversas nacionalidades centro-americanas: Barbados, Trinidad, Jamaica, Santa Lúcia, Martinica, São Vicente, Guianas. Granadas e outras ilhas das Antilhas. Além desses, várias outras nacionalidades foram representadas: portugueses, italianos, russos, cubanos, mexicanos, norte-americanos, ingleses, gregos, hindus, libaneses, noruegueses, poloneses, chineses, indianos e outros. 27 A construção da E.F.M.M. foi uma das maiores e mais difíceis obras do mundo28. Com um percurso de 366 km, a ferrovia ligava a cidade de Porto-Velho (Estado do Amazonas) à cidade de Guajará-Mirim (Estado do Mato-Grosso) e objetivava o escoamento da produção da borracha e de outros produtos dos Vales do Mamoré, Guaporé e também da Bolívia. Porém, em 1912, data em que ela foi inaugurada, a produção de borracha já estava em declínio. Conforme Sobrinho (1994), “A 30 de abril de 1912, quando os trilhos da ferrovia Madeira-Mamoré chegaram a Guajará-Mirim, ponto final da linha, a região então endêmica e inexplorada pelo branco, abria-se para horizontes maiores [...]” (SOBRINHO, 1994, p. 26). Nesse mesmo ano, os transportes fluviais pelo rio Madeira, que já duravam mais de 300 anos, foram suspensos. Figura 3 – Prédio da Administração da Guaporé Rubber Company Fonte: arquivo da família Saldanha. Antes da construção da E.F.M.M., na região escolhida como o ponto inicial da obra, existia apenas um pequeno povoado chamado Santo Antônio29 e o único acesso ao mesmo era o Rio Madeira. Porém, durante a construção, surgiram, 28 Conforme Matias (1997, p.42), a E.F.M.M. recebeu várias denominações: Entre os diversos epítetos que recebeu, estão: “Estrada dos Trilhos de Ouro”, “Ferrovia do Diabo”, “Ferrovia de Deus” e “Ferrovia da Morte”, que serviram para ligar sua construção aos seus dramas[...].” 29 O município e a Comarca especial de Santo Antônio do Rio Madeira foi criado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso em 1908. 28 às margens da ferrovia, inúmeros núcleos habitacionais: Porto-Velho30, Jaci-Paraná, Vila Murtinho, Mutum- Paraná, Abunã, Iata, Guajará-Mirim31 e outros. Durante a construção da ferrovia, a cidade de Porto Velho se desenvolveu e foi elevada à categoria de município do Estado do Amazonas, em 02 de outubro de 1914. Esse também foi um período de desenvolvimento da vasta região que compreendia o Vale do Mamoré-Guaporé e, mesmo tendo constituído uma epopeia trágica32, a construção da ferrovia foi um fato histórico importante para a criação e desenvolvimento geográfico, econômico, social e político do Território Federal de Rondônia, atual estado de Rondônia. Porém, o declínio do ciclo da borracha afetou profundamente a economia da Amazônia rondoniense e contribuiu para que centenas de pessoas abandonassem a região. Em 30 de junho de 1931, a direção da E.F.M.M. decidiu encerrar as atividades da ferrovia e, com isso, provocou uma grave crise econômica nas cidades de Porto-Velho, Santo Antônio, Guajará-Mirim e nos povoados existentes ao longo dos trilhos. Nesse mesmo ano, foi criada, através do Decreto nº. 20.102, de 12/06/1931, a Empresa de navegação nos rios Mamoré e Guaporé, com sede em Guajará-Mirim, sendo o Cel. Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, o Concessionário-fundador. Diante da crise instaurada após o fechamento da E.F.M.M., o Governo Federal baixou o Decreto Lei nº. 20.200, de 10 de julho de 1931, restabelecendo os serviços e nacionalizando a ferrovia que, até então, só havia sido administrada por empresas estrangeiras33. Conforme Matias: “[...] foi somente depois de passar à administração brasileira que a Madeira- Mamoré promoveu melhoria nos seus serviços e passou a exercer funções sociais na região [...].” (MATIAS, 1997, p. 79). 30 Criado pelo Governo do Amazonas , em 1914. 31 A cidade foi fundada no ano de 1912. 32 Conforme Matias (1997, p. 45), “ A construção da E.F.M.M foi uma epopeia trágica, que além de bater o recorde mundial de acidentes de trabalho, praticamente dizimou uma nação indígena e ceifou a vida de centenas de operários que trabalharam em suas obras.” 33 A partir do dia 10/07/1931, a E.F.M.M. passou a ser administrada pelo capitão Aluízio Pinheiro Ferreira e teve sua razão social modificada de The Madeira-Mamoré Railway Company para Estrada de Ferro Madeira Mamoré. 29 Em 1972, a estrada foi desativada34. Do ponto de vista da ocupação territorial, nossas fontes pesquisadas indicam que na metade do século XIX, ocorreu o 1º ciclo da borracha e a ocupação do eixo Mamoré-Guaporé por grupos de seringueiros e pelas povoações de negros egressos da escravidão, provenientes de Vila Bela da Santíssima Trindade/MT. Sobre esses acontecimentos, o historiador rondoniense Abnael Machado de Lima (2010)35 explica que a crescente demanda da borracha pelos mercados consumidores europeu e americano e a alta cotação do preço do produto no mercado internacional fizeram convergir para a Amazônia um grande fluxo migratório interno, oriundo, principalmente, da região Nordeste, impulsionando a organização de grandes centros de produção de borracha e os serviços paralelos necessários a sua comercialização, contribuindo para a ocupação e desenvolvimento da região. Destacamos que, naquele período, os nordestinos não tinham perspectivas para vencer a seca que assolava o sertão e, diante da demanda do látex na Amazônia, muitos retirantes migravam para a região amazônica em busca de trabalho na extração do látex. Sobre esse tema, Euclides da Cunha afirmava não conhecer na história exemplo mais anárquico de emigração do que a realizada entre o Nordeste e a Amazônia: [...] Quando as grandes secas [...] flamejavam sobre os sertões adustos e as cidades do litoral se enchiam em poucas semanas de uma população adventícia de famintos assombrosos, devorados das febres e das bexigas — a preocupação exclusiva dos poderes públicos consistia no libertá-las quanto antes daquelas invasões de bárbaros moribundos, que infestavam o Brasil. Abarrotavam-se, às carreiras, os vapores com aqueles fardos agitantes consignados à morte. Mandavam-nos para a Amazônia - vastíssima, despovoada, quase ignota - o que equivalia expatriá-los dentro da própria pátria. A multidão martirizada, perdidos todos os direitos, rotos os laços de família, que se fracionava no tumulto dos embarques acelerados, partia para aquelas bandas [...]. (CUNHA, 1986, p. 56-57). Devido ao isolamento da região, a exploração da borracha na Amazônia era comandada por seringalistas que representavam, geralmente, empresas estrangeiras: inglesas, alemãs e bolivianas; as relações de trabalho entre 34 A E.F.M.M foi desativada porque não atingiu os objetivos para os quais foi construída. Além do declínio do Ciclo da Borracha, a Bolívia, principal interessada na construção da estrada, passou a utilizar o canal do Panamá como acesso ao Oceano Pacífico, deixando a EFMM isolada. A Ferrovia funcionou durante 60 anos, para cumprir prazos de concessão estabelecidos em contrato com a empresa norte-americana “The madeira Mamoré Railway Company”, em 1º de julho de 1912. 35 No artigo de opinião: LIMA, Abnael Machado de. A importância do seringal na formação cultural da sociedade amazônica. Publicado em 01/05/2010, no site: http:www.gentedeopiniao.com.br/. Série II. Seringal centro produtor de borracha. Acessado em: 05/05/2014. 30 seringalistas e seringueiros eram realizadas por um sistema de aviamento, baseado no endividamento do seringueiro; este era explorado pelo patrão e trabalhava em condições sub-humanas. Conforme Lima (2010, p. 1) 36, no artigo “A importância do seringal na formação cultural da sociedade Amazônica”: À produção gomífera assegurou por fim à Amazônia uma personalidade própria. Deixou de ser a região das lavouras e pastoreio idênticos aos da região Nordeste, para se transformar na terra dos pioneiros, dos seringalistas e seringueiros, dos aviadores e aviados, das casas exportadoras e dos regatões, da opulência e das vultuosas transações comerciais se constituindo em centro gerador de riqueza na conjuntura econômica nacional e sui-generis na paisagem sócio-cultural brasileira. Destaca-se que na região do Madeira-Mamoré-Guaporé, as atividades de coleta e comercialização da borracha tiveram maior dimensão depois que a E.F.M.M. foi inaugurada. Dos grupos que participaram ativamente na exploração do látex na região, podemos destacar, além dos migrantes nordestinos, os mamelucos e os nativos que viviam e conheciam a região e os bolivianos da fronteira Brasil- Bolívia. Assim, os Vales do Madeira, Guaporé e Mamoré foram povoados por muitas etnias, histórias, memórias, representações, linguagens e biodiversidades, constituindo, assim, vivências, saberes e idiossincrasias singulares. O eixo Mamoré- Guaporé constitui, naturalmente, a fronteira entre o Brasil e a Bolívia, sendo um ecossistema de mata nativa ainda pouco impactado pela ação humana, devido ao difícil acesso e à baixa densidade demográfica da região. Outra ação política acontecida na Amazônia rondoniense no início da década de 1900 foi a criação da Comissão Rondon, chefiada pelo engenheiro militar Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon. O objetivo dessa comissão nomeada pelo governo brasileiro era promover a integração da região Amazônica com o restante do Brasil a partir da instalação de linhas telegráficas estratégicas do Mato Grosso ao Amazonas, SEÇÃO Cuiabá/Santo Antônio do Rio Madeira, com ramal em Guajará-Mirim. Foram realizadas três expedições para a execução da obra, que teve início no ano de 1907 e foi concluída em 1909, sendo inaugurada apenas em 1915, época em que esse tipo de tecnologia já havia sido substituída pelo sistema de 36 No artigo de opinião: LIMA, Abnael Machado de. A importância do seringal na formação cultural da sociedade amazônica. Publicado em 01/05/2010, no site: http:www.gentedeopiniao.com.br/. Série V. Produção e comercialização. Acessado em: 19/05/2014. 31 rádio. Ressalte-se que, além da implantação dos postos telegráficos, a comissão também realizou o reconhecimento de fronteiras, as determinações geográficas e um minucioso estudo e pesquisa sobre o clima, o solo, a fauna, a flora, os rios etc. Esses estudos subsidiaram a exploração do extrativismo mineral e vegetal na região. Registre-se ainda que essa empreitada foi marcada por muitas dificuldades e mortes de trabalhadores, devido às doenças tropicais e aos confrontos com os indígenas que habitavam o percurso da implantação das linhas. De acordo com Matias: “Outra proposta da Comissão Rondon era estimular a ocupação humana da região, definitivamente, a partir de suas estações telegráficas e da construção de trechos de estradas que lhes davam acesso” (MATIAS, 1997, P. 51). Vale ressaltar que a implantação das linhas telegráficas ocorreu paralelamente à construção da E.F.M.M. e que todas as atividades desenvolvidas pela Comissão Rondon foram documentadas em registros fotográficos e minuciosos relatórios. De acordo com historiadores37, em 1943, no período da II Guerra Mundial, o governo brasileiro firmou, com o governo americano, os chamados “Acordos de Washington”38, objetivando potencializar a produção da borracha na Amazônia. Para cumprir os compromissos estabelecidos nos acordos, o governo realizou uma intensa propaganda, visando atrair trabalhadores para os seringais da Amazônia, pois era necessário aumentar a produção de borracha para atender a demanda do mercado externo. Por esta ocasião, o país enfrentava muitas crises internas: o 1º ciclo da borracha estava em decadência, a Amazônia estava despovoada e muitas regiões brasileiras, principalmente o Nordeste, enfrentavam dificuldades. Portanto, foram selecionados, contratados e enviados para os seringais da Amazônia cerca de 60.000 homens, através do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia Ocidental - SEMTA. Surge, então, o “Soldado da Borracha”. A vinda de Soldados da Borracha para a Amazônia (Amazonas, Pará, Acre, Rondônia e Roraima) foi decorrente do "Esforço de Guerra", como ação dos aliados. Em 1943, foi criado também o Banco de Crédito da Borracha, atual Banco 37 Dentre eles, destacamos: MATIAS (1997), MENEZES (2001), PERDIGÃO & BASSEGIO (1992), OLIVEIRA (2000), LEAL (1986), TEIXEIRA & FONSECA (2002), LIMA (2013) e outros. 38 De acordo com NASCIMENTO (1998, p. 3), no artigo: Migrações nordestinas na Amazônia. “Em decorrência do envolvimento do Brasil na II Guerra Mundial, em 1942, o governo brasileiro forneceu contingentes militares para as frentes de combate e firmou convênio com a Rubber Reserve Company, assinando também os chamados Acordos de Washington, objetivando desenvolver a produção da borracha na Amazônia.” 32 da Amazônia S/A, como impulsionador da economia gumífera, ao lado da mão-de- obra (os Soldados da Borracha). Vale ressaltar que a ação financiadora do Banco da Borracha foi determinante para o incremento da produção, com reflexos na economia das regiões produtoras: Pará, Amazonas, Acre e Rondônia. Destaca-se ainda que até mesmo a Bolívia foi incluída nessa ação vigorosa, beneficiando-se desses impulsos, pois o látex boliviano era transformado em borracha e descia pelos trilhos da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – EFMM com destino a Manaus, Belém e daí para os Estados Unidos da América e Europa. Figura 4 – Cartazes com propagandas para atrair os Soldados da Borracha Fonte: Revista Época, nº306/2004, p.56-57 Os Soldados da Borracha arregimentados pelo governo brasileiro, em sua maioria, eram nordestinos. Eles eram os preferidos porque a região Nordeste enfrentava sérios problemas sociais em decorrência das secas. Além disso, os nordestinos eram considerados fortes e bravos, os famosos “cabras da peste”. O Ceará foi o Estado que enviou o maior número de homens e foi também o centro de 33 operação de guerra que incluía o recrutamento e o transporte dos homens para os seringais. Eles eram selecionados em vários municípios do nordeste e eram transportados em caminhões até Fortaleza/CE; depois, a viagem prosseguia de navio.As ilustrações abaixo mostram as propagandas veiculadas pelo Governo Federal em todo o nordeste brasileiro, com a finalidade de atrair mão-de-obra para a Amazônia. De acordo com relatos de Soldados da Borracha39, durante a viagem de navio, eles eram acompanhados por médicos e enfermeiros, tinham boa alimentação e recebiam fardamentos. Apesar disso, os soldados que adoeciam no percurso, em geral, eram largados pelo caminho e morriam abandonados. A viagem dos sobreviventes, geralmente, durava cerca de três meses. Os navios paravam em Belém, Manaus e Porto-Velho, locais onde os trabalhadores eram distribuídos às colocações dos seringais. Vale ressaltar que, apesar de terem sido arregimentados como “Soldados da Borracha”, os seringueiros procedentes do nordeste trabalhavam nos seringais da Amazônia como serviçais, desincorporados, e não tinham nenhum direito. Figura 5 – Pátio externo da Estação da E.F.M.M, na década de 1940 Fonte: Foto: Rui Almeida Na maioria dos seringais da Amazônia rondoniense, o seringueiro trabalhava apenas no período das secas. Durante o período das cheias, a extração 39 Em depoimentos e conversas informais. 34 do látex era quase impossível, pois as enchentes elevavam as águas em aproximadamente oito metros e as enxurradas inundavam as estradas40 de seringa. Assim, os seringueiros ficavam reclusos nos tapiris ou barracos e o embate com os índios era inevitável. A fotografia acima mostra que, nos anos 1940, o pátio externo da estação da E.F.M.M. era superlotado de pélas de borracha produzidas nos seringais da região de Guajará–Mirim. A falta de mulheres na região amazônica também constituiu uma grande problemática social: geralmente, os migrantes nordestinos eram solteiros e jovens e os que eram casados eram forçados a deixar a família na região de origem, pois os seringalistas só tinham interesse na mão-de-obra masculina. Apesar de existirem muitas mulheres indígenas na região, os casamentos entre seringueiros e indígenas eram muito raros e, diante das violências que ocorriam no contato entre brancos e índios, as mulheres indígenas tornavam-se arredias e muitas vezes hostis, razão pela qual os seringueiros não se interessavam por elas. De acordo com Abnael Machado de Lima (2010, p. 2)41: Os seringueiros no seu infortúnio biológico, encomendavam aos patrões e estes às casas aviadoras, mulheres, como se encomendam outros artigos. Em condições iguais aos demais produtos eram lançados no livro de registro de conta corrente, como débito do seringueiro. Os pedidos de mulheres só eram atendidos de acordo com as possibilidades financeiras dos seringueiros. O seringueiro que recebia uma mulher, a podia trocar por borracha com outro companheiro, ou perdê-la tomada pelo patrão, no caso de declínio do seu nível de produção e consequentemente o aumento de sua dívida na empresa. Nesse contexto, o endividamento dos seringueiros, muitas vezes, era provocado pelos patrões que, temerosos de perder a preciosa mão–de-obra barata, aumentavam o preço dos gêneros alimentícios, dos medicamentos e até mesmo das mulheres42. Conforme Ferreira43: Os “Soldados da Borracha” [...] foram traídos pelo Governo da pátria que juraram defender e terminaram vítimas da exploração dos seringalistas que com o tempo também caíram em desgraça. (FERREIRA, 1999, p. 13). 40 Emprega-se a palavra estrada para designar o itinerário onde estão localizadas as seringueiras, árvores da borracha. 41 No artigo de opinião: LIMA, Abnael Machado de. A importância do seringal na formação cultural da sociedade amazônica. Publicado em 01/05/2010, no site: http: www.gentedeopiniao.com.br/. Série IV. A constituição da família: mulher mercadoria cobiçada. Acessado em: 19/05/2014. 42 Em alguns seringais, as mulheres eram comercializadas. 43 Na obra: FERREIRA, Jaime. Arigós: a luta pelo social. São Paulo: Scortecci, 1999. 35 Após o término da Guerra, esses homens foram abandonados nos seringais da Amazônia. Em seguida, com a decadência dos seringais, muitos se fixaram às margens dos rios Madeira-Mamoré, passando a viver da pesca e da agricultura de subsistência. Na década de 1990, grande parte das terras onde se situavam os seringais foi transformada, pelo Governo Federal, em reservas extrativistas ou biológicas. Atualmente existem, no Estado de Rondônia, vinte e uma reservas estaduais e três reservas federais, criadas a partir de movimentos sociais organizados com o objetivo de preservar a cultura das populações tradicionais e a floresta, de forma sustentável, pois, após a abertura da BR 364, a eclosão do ciclo da agricultura e a implantação dos projetos de assentamento e colonização, executados pelo INCRA na década de 1970, ocorreram as correntes migratórias e oespaço geográfico de Rondônia foi rapidamente povoado. Essa explosão demográfica envolveu o governo em graves problemas políticos, administrativos e agrários e, na medida em que as cidades foram sendo formadas, os espaços já ocupados pelas populações tradicionais do estado e pelas comunidades indígenas foram sendo invadidos. Temendo pela destruição total das florestas e da biodiversidade, essas áreas foram transformadas em áreas protegidas44. Ressalte- se ainda que as terras pertencentes às comunidades indígenas também foram demarcadas45. Somente após a Constituição Federal Brasileira de 1988, a União foi obrigada a reconhecer, através da Lei nº 7.898 de dezembro de 1989, a legitimidade do pagamento de pensões de valor equivalente a dois salários mínimos, aos Soldados da Borracha. No entanto, diante das exigências de documentos comprobatórios, a maioria daqueles que ainda estavam vivos não conseguiu receber o benefício. A construção da E.F.M.M. e o 2º. Ciclo da Borracha contribuíram, de forma significativa, para a criação do Território Federal do Guaporé, Ele foi criado em 13 de setembro de 1943, pelo Decreto-Lei n.º 5.812, com áreas desmembradas dos Estados de Mato Grosso e Amazonas. Porém, somente no dia 17 de abril de 1945, foi realizada a divisão administrativa do referido território em dois municípios: 44 Conforme anexo I e III 45 Conforme anexo V 36 Porto Velho e Guajará-Mirim. Até então, Porto-Velho pertencia ao Estado do Amazonas e Guajará-Mirim ao Estado do Mato Grosso. A criação do território fez parte da política nacionalista do governo Getúlio Vargas, cujo principal objetivo era o de estimular a ocupação humana, radicar o homem na terra e promover o comércio. Conforme Matias: [...] a criação do Território Federal do Guaporé encerrou todo um período de indefinições políticas, administrativas e territoriais, ao incorporar áreas geográficas dos estados do Mato Grosso e do Amazonas, delimitar fronteiras e estimular novos modelos econômicos, com base em uma estrutura político-organizacional definida. (MATIAS, 1997, p. 91). Em 17 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Guaporé passou a ser designado Território Federal de Rondônia, em homenagem ao Marechal e sertanista Cândido Mariano da Silva Rondon. Essa divisão administrativa durou até a década de 1970, época em que a região foi beneficiada por inúmeros projetos de Colonização e Reforma Agrária, implantados pelo INCRA e recebeu intensas correntes migratórias, provenientes, principalmente, das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil. Após a criação do território, com a finalidade de evitar o êxodo dos habitantes da região e motivar novas correntes migratórias, foram implementados os primeiros projetos de colonização. De acordo com Perdigão & Bassegio (1992), as primeiras tentativas de colonização se deram de 1945 a 1969, a partir da implantação de colônias agrícolas. Assim, incentivadas pelo Governo Federal, pessoas de várias partes do país, principalmente do Nordeste, foram enviadas para trabalhar na agricultura. Em 1948, nas proximidades de Guajará-Mirim, foi criada a Colônia Agrícola Presidente Dutra, popularmente conhecida como Colônia Agrícola do Iata46. Esta colônia foi, inicialmente, composta por cinco linhas rurais e um núcleo que centralizava os serviços essenciais para atendimento dos agricultores e de seus familiares. O projeto previa a distribuição de lotes pequenos (25 ha) e doação de equipamentos agrícolas e sementes às famílias, geralmente nordestinas, que migravam para a região. Ao Governo Federal cabia o financiamento da viagem. 46 Iata é o nome de um rio boliviano que desemboca no Mamoré e se situa nas proximidades do antigo alojamento da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que também ficou conhecido como “Alojamento do Iata.” 37 Vários fatores contribuíram para que dezenas de famílias nordestinas, principalmente cearenses e paraibanas, migrassem para a colônia agrícola do lATA. Figura 6 – Transporte de produtos e colonos do IATA na década de 1960 Fonte: arquivo pessoal da família Pachêco. O governo do território criou um órgão denominado Divisão de Produção, Terras e Colonização; este dava assistência aos migrantes que chegavam ao território e eram encaminhados à referida localidade. Além do lote de terra, cada família recebia um auxílio alimentação durante seis meses. Essa Divisão também comprava, dos trabalhadores, toda a produção agrícola; no entanto, os colonos fixados no local eram submetidos ao autoritarismo do Administrador do Núcleo Agrícola e do Governo do Território. Nas proximidades de Porto-Velho, também no ano de 1948, foi criada a Colônia agrícola do Candeias, denominada “Antenor Navarro”; em 1954, surgiram as colônias 13 de Maio, conhecida como Colônia Japonesa e a 13 de Setembro e, em 1959, as colônias Paulo Leal, a da Areia Branca e a de Periquitos. Muitas dessas colônias agrícolas não alcançaram os objetivos propostos pelo governo, pois foram instaladas em terras impróprias para a agricultura e o governo não ofereceu a infraestrutura necessária aos colonos. Apenas duas delas se desenvolveram: a Colônia Japonesa, que recebeu subvenção e assistência técnica do consulado Japonês em Belém/PA, a partir de um convênio firmado entre o governo do Território e o consulado do Japão, e a Colônia agrícola do Iata, que recebeu o apoio da Prefeitura de Guajará-Mirim. 38 Rondônia sempre foi caracterizada pelo seu potencial para a atividade extrativista. Na segunda metade do século XX, porém, em função dos ciclos do diamante, do ouro e da cassiterita, novos contingentes migratórios fixaram-se na região. O principal objetivo dos migrantes era explorar e comercializar esses minérios. O ciclo do diamante foi centrado na região compreendida entre os atuais municípios Pimenta Bueno e Ji-Paraná, onde foram descobertas grandes jazidas nos rios Machado, Comemoração e Barão de Melgaço. De acordo com Matias, “A principal área beneficiada foi onde hoje se localiza a cidade de Ji-Paraná [...] Em 1954 já haviam sido recolhidos na região cerca de treze mil quilates de diamantes [...]” (MATIAS, 1997, p. 119). A cassiterita foi descoberta por volta de 1946. Porém, só começou a ser explorada a partir da década de 1960, época em que chegou ao território um grande número de migrantes formado, principalmente, por nordestinos. O processo de extração do minério era rudimentar e os garimpos clandestinos. Nesse contexto, as relações entre patrões e empregados eram conflituosas, pois alguns grupos mantinham o monopólio da exploração, restando aos garimpeiros o trabalho braçal e mal remunerado. Somente em 31 de dezembro de 1964, através do Decreto-Lei nº. 55.371, a situação dos garimpos em Rondônia foi legalizada, pois o Governo Federal criou a Delegacia Especial do Departamento de Produção Mineral – DNPM, com o objetivo de desativar os garimpos clandestinos e implantar lavras mecanizadas. De acordo com Vitor Hugo: “Firmas especializadas multinacionais se fizeram presentes através de firmas nacionais, outras se criaram, uma após outra, marcando território em Rondônia” (VITOR HUGO, 1995, p. 61). Após inúmeros conflitos nas áreas de garimpo, o Governo Federal lançou, em 5 de abril de 1970, a Portaria Ministerial nº. 195, proibindo a garimpagem predatória na província estanífera do Brasil. Além dos garimpos de Cassiterita, Rondônia também vivenciou, em 1980, o ciclo do ouro. A principal área de extração foi o vale do rio Madeira. De acordo com Oliveira (2000), o período áureo na extração do ouro no Estado de Rondônia foi na década de 1980. Visando à regularização do garimpo, o Ministério de Minas e Energia criou a reserva garimpeira do Rio Madeira. Fora da área da reserva, surgiram vários garimpos, 39 como por exemplo: Penha, Taquara, Araras e Periquitos47. Atualmente, essa atividade está em declínio, mas ao longo dos rios ainda há dragas em pleno funcionamento. Para absorver a mão de obra excedente dos garimpos, o Governo Federal construiu a BR 364 e implantou, na década de 1960, novas colônias agrícolas. Na década de 1970, os projetos de colonização implantados anteriormente e os fluxos migratórios constantes promoveram a ocupação rápida e desordenada de Rondônia, a nova fronteira econômica do Oeste do Brasil. Porém, o eixo dessa economia privilegiou apenas os municípios localizados ao longo da BR 364, deixando os municípios de Porto-Velho e Guajará-Mirim isolados. Na década de 1960, a construção da BR 29, atualmente denominada BR 364, ligando Cuiabá/MT, Porto-Velho/RO e Rio Branco/AC foi um marco histórico importante para o desenvolvimento do Território Federal de Rondônia e para a consequente implantação do Estado de Rondônia48. Além de interligar as fronteiras mais extensas do Brasil (Bolívia e Peru), a rodovia fez a ligação de Porto-Velho e Rio Branco ao restante do país, proporcionando, ainda, uma extensa faixa de colonização e interrompendo o isolamento da região. Esse empreendimento foi um marco na história da ocupação de Rondônia e de outros Estados Amazônicos, pois motivou a vinda de um grande fluxo migratório para Rondônia em busca de riquezas minerais (ouro e cassiterita) e terra para o cultivo da agricultura e da pecuária. O lema do Governo Federal era: “Terras sem homens para homens sem terra.” Esse lema acabou expressando um grande equívoco do Governo Federal, pois grande parte das terras distribuídas aos migrantes já era habitada pela população indígena. Nesse contexto, é importante registrar o sofrimento desses povos que foram praticamente dizimados após tentarem se defender da “invasão” de suas terras, incentivada e patrocinada pelo Governo Federal. De acordo com Oliveira (2000), a abertura da BR 364 seguiu o traçado das linhas telegráficas construídas pelo Mal. Rondon, pois nas margens das referidas linhas já havia inúmeros povoados. A abertura da BR 364 culminou na 47 Os nomes dos garimpos referem-se aos nomes das localidades onde os mesmos funcionavam. 48 Conforme Góes (1997), em janeiro de 1960, em uma reunião de governadores do Norte, realizada em Brasília, o Cel. Paulo Nunes Leal, que foi governador do então Território do Guaporé e de Rondônia, solicitou ao Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira a abertura da BR -29, precursora da BR 364. Diante das argumentações de que a estrada seria estratégica para a integração nacional, a proposta foi imediatamente aceita pelo Presidente da República. 40 criação de vários municípios rondonienses, dentre eles: Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal e Vilhena. A descoberta de áreas agricultáveis ao longo da estrada e as propagandas oficiais sobre a disponibilidade de terras em Rondônia motivaram o aumento do fluxo migratório. As regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste do país49 enfrentavam um grande êxodo rural devido à demissão de milhares de trabalhadores das fazendas, decorrente da introdução de leis trabalhistas no meio rural, à substituição da cafeicultura pelo plantio da soja e pecuária de corte e à mecanização das lavouras e outros. Diante dos problemas políticos e econômicos enfrentados pelos trabalhadores e pelos governantes, Rondônia tornou-se uma alternativa e também o maior receptor desse contingente populacional. Conforme Matias: O processo de ocupação humana de Rondônia ligado ao Ciclo da Agricultura, foi executado pelo INCRA, inicialmente, através dos Projetos Integrados de Colonização, PIC, e dos Projetos de Assentamento dirigido, PAD, estrategicamente criados para cumprir a política destinada à ocupação da Amazônia rondoniense. (MATIAS, 1997, p. 125). Esses projetos de assentamentos propostos pelo Governo Federal e executados pelo INCRA, em Rondônia, tiveram razões geopolíticas, econômicas políticas e sociais. Além de possuir uma vasta extensão geográfica e riquezas naturais, o território localizava-se nas proximidades de uma extensa fronteira internacional e durante muitos anos a região permaneceu isolada do restante do país. Portanto, a ocupação era, também, uma questão de segurança nacional. Os estudos e pesquisas científicas realizadas pela Comissão Rondon, apontavam que a região era rica em minerais preciosos e possuía ouro de aluvião em muitos rios da bacia hidrográfica. Também havia a possibilidade de ampliação das fronteiras agrícolas e da agropecuária. Em relação às questões políticas, a Amazônia sempre foi alvo da cobiça internacional e era preciso ocupá-la. Além disso, a ocupação da Amazônia rondoniense também resolveria as questões sociais da Região Nordeste e de outras regiões brasileiras, evitando a explosão urbana nos grandes centros e metrópoles brasileiras. 49 De acordo com historiadores rondonienses, a população migrante que se fixou em Rondônia no Ciclo da Agricultura, entre as décadas de 1970 e 1980, era formada, principalmente, por paranaenses, gaúchos, matogrossenses, capixabas, mineiros e paulistas. Também registram a presença de cearenses, cariocas, baianos, paraibanos, amazonenses, goianos e outros, mas, estes, em menor número. 41 Acompanhando as correntes migratórias que vinham para Rondônia em busca de terras, inúmeras madeireiras também se instalaram ao longo da BR 364, devido à existência de madeiras de alto valor comercial, como o mogno e a cerejeira. Inicialmente, estas eram vendidas para o sul e sudeste do país ainda em sua forma bruta. Porém, depois de alguns anos, começaram a ser beneficiadas e exportadas também para a Europa. O ciclo da agricultura foi decisivo para o processo de povoamento rural e urbano do Território Federal de Rondônia e para o surgimento de inúmeras cidades e povoados ao longo da BR 364. No entanto, devido à falta de estrutura no território, em um curto espaço de tempo, eclodiram vários problemas ambientais e sociais, principalmente nas áreas da habitação, saúde, educação e segurança pública. Ocorreu também uma grande elevação do índice da criminalidade, principalmente nas regiões de garimpos, invasões de terras públicas e privadas e desmatamentos. Nas periferias da capital, Porto-Velho, formaram-se bairros sem nenhuma infraestrutura e o crescimento desordenado gerou muitos problemas ainda não solucionados. A pressão política provocada pelo rápido povoamento dos novos migrantes obrigou o governo do território a modificar a estrutura geopolítica da região, com o objetivo de descentralizar a administração e solucionar os problemas com maior rapidez. Os projetos de colonização implementados pelo INCRA ao longo da BR 364 geraram muitos conflitos, pois algumas empresas colonizadoras ocuparam áreas bem maiores do que aquelas a elas destinadas, invadindo seringais e terras indígenas. A existência de vastas áreas de madeira de lei também levou as madeireiras a se apropriarem, indevidamente, de terras devolutas do território e de terras de proprietários particulares. Ao longo dos anos, a região onde hoje se localiza o estado de Rondônia foi alvo da implantação de projetos que favoreceram a atuação dos exploradores50, Porém, os ciclos econômicos do ouro e da agricultura foram decisivos para o desenvolvimento econômico, social e político do Território Federal de Rondônia e contribuíram para que a luta por sua transformação em Estado Federativo ganhasse mais consistência e fosse concretizada. 50 De acordo com Perdigão & Bassegio (1992), “Rondônia é considerado um espaço geográfico fronteiriço, onde desde a colonização europeia promoveu-se a exploração dos recursos primários, tais como ouro e diamante [...].” 42 O estado de Rondônia foi criado em 22 de dezembro de 1981, através da Lei complementar nº. 041, assinada pelo Pres. João Batista de Oliveira Figueiredo. Sua instalação, porém, ocorreu somente no dia 04 de janeiro de 1982. Localizado ao sul da região norte do Brasil, no coração da Amazônia brasileira, o estado de Rondônia faz divisa: ao norte com o estado do Amazonas, ao sul com a República da Bolívia, a leste com o estado do Mato Grosso, a oeste com a República da Bolívia e com o estado do Acre. Após a implantação do Estado, verificou-se que a exploração desordenada dos recursos naturais, nas décadas de 1970 e 1980, causou grandes prejuízos à natureza. O governo, então, regulamentou a ocupação do espaço territorial a partir da elaboração do Zoneamento sócio-econômico-ecológico e do Plano Agropecuário e Florestal - PLANAFORO. Depois da posse, com o apoio do Governo Federal, o então Governador Jorge Teixeira de Oliveira implementou vários projetos que contribuíram para o desenvolvimento político, econômico e social do Estado. Dentre eles, destacamos a criação de novos municípios, o asfaltamento da BR 364, a implantação da Universidade Federal de Rondônia e a Construção da Usina Hidrelétrica de Samuel. Além disso, também foi realizada a reestruturação dos poderes executivo e judiciário e a implantação de um sistema de telecomunicações (com Discagem direta à distância – DDD e Discagem direta internacional - DDI) na maioria dos municípios rondonienses. Ao longo dos anos, o estado de Rondônia foi se estruturando e, de acordo com dados do IBGE51, atualmente, possui 52 municípios. É o quarto maior Estado da região Norte do Brasil e ocupa uma área de 237.590.547 Km2. É também o terceiro em população, com 1.768.204 habitantes residentes nas zonas urbana e rural. O estado de Rondônia é multicultural, pois foi formado por migrantes oriundos de todas as regiões do Brasil e por várias nacionalidades estrangeiras. Porém, nos municípios de Porto-Velho e Guajará-Mirim ainda é possível observar alguns traços amazônicos, uma vez que esses municípios são os mais antigos e não receberam muitas influências dos ciclos migratórios das décadas de 1970 e 1980. As principais fontes econômicas do Estado são a pecuária e a agricultura. Também há o 51 Informações disponíveis no site: http://www.ibge.gov.br/ http://www.ibge.gov.br/ 43 extrativismo da madeira, de minérios e da borracha e um grande potencial para a produção de energia e para a prática do ecoturismo. 1.2 As manifestações literárias em Rondônia De acordo com registros históricos, sempre houve uma relação entre a imprensa e a literatura, pois nos folhetins e jornais publicados na década de 194052, além das notícias sobre a vida sociopolítica e econômica, eram publicados, ainda, textos literários de diversos gêneros. Destacamos também as memoráveis conferências do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon53. Contudo, é possível afirmar que a produção literária rondoniense era mais profícua nos municípios de Porto-Velho e Guajará-Mirim, intensificando-se após a construção da BR 364, com a chegada de um grande número de migrantes para o ciclo da agricultura e a criação de inúmeros municípios ao longo da estrada. Destaca-se que, em razão dos fluxos migratórios ocorridos, principalmente, nas décadas de 1970 e 1980 e com menor frequência até os dias atuais, grande número dos autores da literatura rondoniense são naturais de outros estados brasileiros e até de outros países. Assim, podemos afirmar que a criação do estado de Rondônia, a instalação da Fundação Universidade Federal de Rondônia, a criação da União Brasileira de Escritores – UBE e da Academia de Letras de Rondônia, na década de 1980, também foram fatos históricos importantes para o desenvolvimento do sistema educacional e para a consequente valorização da cultura e da literatura. Ao discutir sobre a Literatura de Rondônia, Mendes & Silva (1984)54, destacam que: [...] nem sempre os representantes da literatura de uma terra são todos aqueles que possuem trabalhos publicados em livros, ou que são nascidos 52 Dentre eles, destacamos: O Município, The Porto-Velho Times, Porto-Velho Courrier, Marconigran e outros. 53 Ressalta-se que muitos oficiais que participavam da Comissão eram obrigados a redigir relatórios sobre suas atividades. Os relatórios foram publicados em 104 volumes na Série da Comissão Rondon, pela Reserva Técnica do Museu Histórico do Exército, em 1916, e pelo Museu do Índio, em 1919, no Rio de Janeiro. As conferências foram proferidas no Museu Fênix, na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1915. 54 Na obra: MENDES, Matias Alves; SILVA, Eunice Bueno da. Síntese da Literatura de Rondônia. Porto-Velho: Gênese Top, 1984. 44 nessa terra, mas sim aqueles que buscaram de alguma forma retratar algo da região (Estado, Território, etc.) através da expressão escrita, ou que vivem ou viveram realmente nessa terra. (MENDES & BUENO, 1984, p. 15- 16). Por outro lado, Badra (1987)55 destaca o fenômeno da migração como um dos fatores que dificultam a conceituação e a caracterização da literatura rondoniense. O autor afirma: “A imigração desenfreada sofrida por Rondônia, que colocou os nativos na condição de minoritários dentro de seu próprio Estado, tornou difícil a conceituação de “Literatura de Rondônia”, já que não podemos prescindir da participação dos alienígenas em nossas letras” (BADRA, 1987, p. 27). Vale mencionar, de forma preliminar, que em Rondônia há, predominantemente, dois tipos bem diferentes de obras chamadas literárias: as produções que procuram vincular-se à tradição dos “pioneiros” e as que querem romper com a tradição e inaugurar uma “Rondônia de todos”. Nesse sentido, o escritor Antônio Cândido da Silva56 relata: A literatura em Rondônia, a meu ver, ainda está naquele estágio inicial de conflito e dividida em duas vertentes. Uma ligada à conquista do espaço feita, principalmente, na área de Porto Velho e Guajará-Mirim e outra ligada às novas áreas de ocupação e regionalizada pelo migrante de diversas partes do Brasil, como os gaúchos em Vilhena, paranaenses em Ji-Paraná e Ouro Preto d’Oeste. Podemos afirmar que em Rondônia, na década de 1980, destacaram-se duas manifestações literárias: a regionalista e a madeirista57 e que, ao longo dessa década, a produção literária se configurou como um “campo de batalha” privilegiado, devido às tensões existentes entre os autores autóctones e os autores migrantes. Essa tensão foi intensificada a partir do Manifesto Madeirista e da publicação de artigos com críticas contundentes aos autores “pioneiros”. Podemos citar como exemplos, os artigos: Crítica literária nas rondônias; Literatura em Rondônia; Madeirismo versus Minhoquismo; As antas e o Madeirismo; Literatura provinciana: Rondônias e outros, publicados pelos fundadores do Madeirismo, em um caderno de criação intitulado “Madeirismo: ensaios libertinos58”. 55 No caderno cultural “Literatura de Rondônia”, publicado pelo Conselho Estadual de Cultura, no ano de 1987. 56 Em entrevista e conversas informais. 57 Enfatizamos que o Madeirismo não produziu nenhuma antologia, apenas manifestos. 58 CALDAS, Alberto Lins; MOREIRA, Carlos; ALVARES, Joeser. Madeirismo: Ensaios Libertinos. Caderno de Criação nº. 24, Ano VII, Dezembro, Porto Velho, 2000. 59 Fonte: http://movimentomadeirista.blogspot.com. Acessado em: 18/05/2014, às 19h40min, http://movimentomadeirista.blogspot.com/ 45 Podemos, também, exemplificar essa tensão a partir da corrente literária regionalista, defendida por Matias Alves Mendes, importante historiador e literato, que ignorava o “madeirismo” como vertente literária válida, enquanto o autor Alberto Lins Caldas, historiador e literato e um dos autores do Manifesto Madeirista, defendia que o “madeirismo” era o único movimento literário genuinamente rondoniense. Falando sobre o movimento, o autor afirmava que59: O “madeirismo” surgiu contra os bairrismos, os localismos, os regionalismos, os nacionalismos e, por mais estranho que pareça contra tudo aquilo que se proclama universal [...]. O madeirismo colocou outro horizonte, o do enfrentamento desse horror, seja com o silêncio do poema, seja com a alegoria brutal da prosa, seja com a arte que não aceita sua inescapável servidão, seja com uma crítica e uma filosofia em constante guerrilha como a hermenêutica do presente, que lutou contra uma universidade “ninho de ratazanas”. Esse contraste expressava a necessidade dos “pioneiros” de manter os espaços