UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” - UNESP FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO - FAAC CURSO DE GRADUAÇÃO EM JORNALISMO PAULA BORIM DA SILVA ANÁLISE DO FENÔMENO DAS FAKE NEWS DURANTE AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2018 NO CONTEXTO DA CRISE DE CREDIBILIDADE DO JORNALISMO BAURU, SP 2019 PAULA BORIM DA SILVA ANÁLISE DO FENÔMENO DAS FAKE NEWS DURANTE AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2018 NO CONTEXTO DA CRISE DE CREDIBILIDADE DO JORNALISMO Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação de Jornalismo na UNESP - Bauru com orientação do Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura BAURU, SP 2019 PAULA BORIM DA SILVA ANÁLISE DO FENÔMENO DAS FAKE NEWS DURANTE AS ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2018 NO CONTEXTO DA CRISE DE CREDIBILIDADE DO JORNALISMO Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação de Jornalismo na UNESP - Bauru com orientação do Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura ______________________________ Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura (Orientador) ______________________________ Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente ______________________________ Profª. Me. Aline Cristina Camargo BAURU, SP 2019 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por ter me mantido forte perante adversidades que me atravessaram tanto durante a graduação quanto durante a produção deste trabalho. Agradeço aos meus pais e aos meus irmãos por compreenderem minhas ausências e minhas angústias, mesmo que, muitas vezes, elas não fossem tão claras para eles. Muito obrigada pelos ombros que me deram nas horas de desespero e por terem se feito tão presentes apesar dos 400 quilômetros que nos separaram durante esses quatro anos. Ao meu namorado, incrível, compreensivo e carinhoso, Mohamad Yassin, que soube me acalmar e esteve ao meu lado nos momentos de apreensão e também nos de felicidade, sempre tentando me ajudar a me desvencilhar da minha ansiedade que tanto me sabota. Obrigada por isso e por tudo e por tanto. Às minhas amigas, Aline Campanhã e Luísa Volpe, que compartilharam tantas alegrias e abraços durante esses quatro anos longe de casa. Vocês foram incríveis. Aos meus amigos Luís, Rafael, Iuri, Douglas, Giovanna, Ariely, Ana Cristina, Julia, foi incrível compartilhar a graduação e muitas risadas com vocês. A grandes mestres que cruzei durante essa caminhada, incluindo meu orientador, Prof. Dr. Mauro de Souza Ventura, que me aguçou o interesse pela pesquisa em suas aulas de Teoria de Comunicação. A ele, e a outros, como Prof. Dr. Maximiliano Martin Vicente, Profª. Me. Aline Cristina Camargo, Profª. Me. Michelle Moreira Braz dos Santos, que me auxiliaram a reencontrar o gosto no jornalismo, além de me mostrarem que, muitas vezes, a técnica pode ser a resposta para muitas dúvidas práticas. Meu muito obrigada a todos. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todos que, assim como eu, acuaram-se frente às fake news, perderam a esperança em muitas pessoas e chegaram a duvidar da importância da profissão do jornalista. Tentemos nos manter firme à nossa essência e fiéis aos fatos, sem se abater, assim como historicamente demanda a profissão. RESUMO A presente pesquisa busca compreender o que ocorreu na relação entre emissores e receptores na dissipação de fake news durante as eleições brasileiras de 2018 para que boatos fossem, tão facilmente, assimilados como verdade. Para isso, o trabalho reúne análises de interações ocorridas em conversas em três grupos familiares no aplicativo WhatsApp durante esse período e também discorre sobre teorias que relacionam a sociedade, a internet, o jornalismo e as fake news dentro do contexto no qual ocorreram. O resultado da pesquisa aponta para elementos intrínsecos da internet e também da comunicação interpessoal no ambiente digital como os maiores responsáveis pelo alto alcance e assimilação das notícias falsas durante o período analisado. Palavras-chave: fake news; internet; Jornalismo; sociedade; WhatsApp. ABSTRACT The present research seeks to understand what happened in the relationship between transmitters and receivers in the dissipation of fake news during the 2018 Brazilian elections so that rumors were so easily assimilated as true. To this end, the work brings together analyzes of interactions that occurred in three family group conversations in the WhatsApp application during this period and also discusses theories that relate society, the internet, journalism and fake news within the context in which they occurred. The result of the research points to intrinsic elements of the Internet and also of interpersonal communication in the digital environment as the main responsible for the high reach and assimilation of false news during the analyzed period. Key-word: fake news; internet; Journalism; society; WhatsApp. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Captura 1 da Família Reis……………………………......…………..61 Figura 2 - Reprodução da postagem da página “conservador liberal” no Instagram..........................................................................................................62 Figura 3 - Captura 2 da Família Reis…………………………………......……..64 Figura 4 - Capa Falsa da Revista Época…………………………...........……..65 Figura 5 - Captura 3 da Família Reis………………………………………........65 Figura 6 - Captura 4 da Família Reis………………………………………........66 Figura 7 - Captura 1 da Família Casagrande…………………………….........68 Figura 8 - Captura 2 da Família Casagrande…………………………….........68 Figura 9 - Captura 3 da Família Casagrande…………………………….........70 Figura 10 - Captura 4 da Família Casagrande…………………………….......70 Figura 11 - Captura 1 da Família Sampaio Manzutti……..………………......72 Figura 12 - Captura 2 da Família Sampaio Manzutti……..………………......73 Figura 13 - Captura 3 da Família Sampaio Manzutti……..………………......73 Figura 14 - Mensagem compartilhada na conversa do Grupo 3…..…........74 Figura 15 - Captura 4 da Família Sampaio Manzutti……..……………..........74 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...……………………………………………………..……….......10 1.1 A contextualização político-social do Brasil em 2018……...……....….…....10 1.2 Justificativa………….…………………………………………………........…...14 1.3 Objeto……………………………………………………………………......…...17 1.3.1 O WhatsApp………………………………………..…………………......…...17 1.4 Problema de pesquisa…………………………………………………............19 1.5 Hipóteses..………………………………………………………………..…..….20 1.6 Objetivos……………………………………..……….……………………....….20 1.6.1 Objetivo geral…………………………………………………………...…..…20 1.6.2 Objetivos específicos…………………………………………………..…......20 2. A COMUNICAÇÃO E A CIBERCULTURA………...……….…………….......22 2.1 O surgimento e popularização do ciberespaço………………………….......22 2.2 O que é a cibercultura?………………....………………….………………..…25 2.3 A comunicação nas mídias digitais………….….………………...…..............27 2.4 Autocomunicação de massa……………………………………………...…...31 2.5 A esfera pública conectada………………………………..…………..…........32 3. IMPACTO DA INTERNET NO JORNALISMO…………………..…...………35 3.1 A internet e a crise do jornalismo……………………...………………….......35 3.2 Valor da notícia na internet .........................................................................37 3.3 O fazer jornalístico na internet ….……………………………………….........38 4. INFORMAÇÃO NA ERA DA PÓS-VERDADE………………..………..….…40 4.1 Erosão da confiança e da verdade……………………………………......….40 4.2 Ascensão da pós-verdade e das fake news..……………………….............43 4.2.1 Comunicação é poder……………………..………………………….....…..43 4.2.2 A influência do pós-modernismo……………………………………….….47 4.2.3 Estrutura das fake news…………………………………....…….……….....48 4.3 Big Data: o poder dos dados e das bolhas…………………………….…....53 5. MATERIAL E MÉTODOS………………………..………………………...…...57 5.1 O corpus da pesquisa……....………….……………..……….………...….....57 5.2 Procedimentos metodológicos…………………..…………………...….…...57 5.3 Procedimentos de análise dos resultados..………..…………….….……...58 6. ANÁLISE……..……………..….……..…….…….……..……………...…....….60 6.1 Análise do grupo 1……………..……………………..………….…………...60 6.2 Análise do grupo 2.……………..…………….….………………..…......…...67 6.3 Análise do grupo 3.……………..…………….….……………...……….…...72 7. CONCLUSÃO………..…………….…….……...…………………………..….77 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………..…………….…………...…….79 10 1.INTRODUÇÃO A presente pesquisa traz uma análise das fake news disseminadas durante as eleições brasileiras de 2018, buscando compreender quais mudanças ocorreram entre os emissores das mensagens e os receptores que permitiu que inverdades se propagassem facilmente no ambiente digital e impactassem diretamente no mundo real. Para isso, porém, é necessária a observação de elementos sutis, a exemplo de como se dá a interação entre os indivíduos na internet, como a comunicação e as relações interpessoais ocorrem neste ambiente digital, além de compreender o funcionamento do jornalismo na web e quais características sociais permeiam a sociedade que a leva a crer nas fake news. Essas ponderações são necessárias pois a propalação de notícias falsas foi uma consequência da união e coexistência de todos esses aspectos. Assim, inicialmente, é interessante observar como a paisagem brasileira pré-fake news também influenciou no desencadeamento do fenômeno. 1.1 A CONTEXTUALIZAÇÃO POLÍTICO-SOCIAL DO BRASIL EM 2018 Com a aproximação das eleições presidenciais brasileiras de 2018, o termo “fake news” foi centenas de milhares de vezes repetido nas mais diferentes esferas da sociedade, principalmente porque diversos fatores apontavam para que esse fenômeno fosse ser determinante para decisão do presidente do país, levando em consideração que foi exatamente o que ocorreu nos Estados Unidos em 2016, durante a eleição de Donald Trump. Inicialmente, o termo fake news pode ser definido, de acordo com o jornalista Otavio Frias Filho1, como informações comprovadamente falsas que “seja capaz de prejudicar terceiros e tenha sido forjada e/ou posta em circulação por negligência ou má-fé, neste caso, com vistas ao lucro fácil ou à manipulação política” (p. 43). De acordo com o Google Trends, plataforma gratuita que permite acompanhar quais termos foram mais buscados no Google em um determinado 1 FRIAS FILHO, Otávio. O que é falso sobre fake news. Revista USP, n. 116, p. 39-44, 29 maio 2018. 11 período, no dia 19 de outubro de 2018 houve um pico nas buscas pelo termo fake news; coincidentemente, um dia após a Folha publicar uma reportagem denunciando campanhas feitas pelo aplicativo WhatsApp que beneficiavam Jair Bolsonaro. A denúncia feita pelo veículo apontava que apoiadores, especialmente do setor privado, bancaram o disparo de inverdades que acusavam e caluniavam seu oponente à época, Fernando Haddad. Atualmente, completando quase um ano da eleição de Bolsonaro, o gerente de políticas públicas e eleições globais do WhastApp, Ben Supple, admitiu o ocorrido. No dia 8 de outubro de 2019, a Folha divulgou que Supple havia reconhecido, durante o Festival Gabo, a ocorrência dos disparos de notícia falsas em massa, mediados pelo aplicativo, porém realizados por sistemas automatizados contratados de empresas, durante as eleições brasileiras - o que, além de violar os termos de uso do aplicativo, também é ilegal perante as normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, ainda que o reconhecimento da ilegalidade tenha ocorrido, algumas dúvidas no âmbito comunicacional, levando em consideração que a propagação - e a repercussão - das fake news se deu pelas mídias sociais digitais, surgem. Porém, para começar a compreender as questões é preciso contextualizar a situação sócio-política do Brasil em 2018, começando por 2013. Uma extrema polarização política era encontrada no país desde meados de 2013, após, em um primeiro momento, um movimento social pelo passe livre, que posteriormente culminou no que viriam a ser as Jornadas de Junho. Castells (2017), em seu livro Redes de Indignação e Esperança, elenca esse movimento, assim como muitos outros que ocorreram pelo mundo, fomentados inicialmente no espaço digital - ou seja, por meio de sites, e-mails e redes sociais digitais - como movimentos sociais em rede. “Os movimentos sociais em rede [...] podem muito bem ser os movimentos sociais característicos da sociedade em rede, da estrutura social da era da informação” (CASTELLS, 2017, p. 13). Porém, o próprio autor identifica uma diferença entre os movimentos que ocorreram, por exemplo, na Tunísia e Espanha - ambos organizados no ambiente digital - dos ocorridos no Brasil; eles não permitiam lideranças ou que partidos políticos se unissem a eles devido à grande crise de confiança 12 instaurada, motivada principalmente pela constatação de que a classe política apenas operava em próprio benefício. No Brasil, no entanto, grupos relacionados - e com tendências - à direita infiltraram-se nas manifestações que ocorreram nas ruas, mas principalmente, passaram a operar nas redes. [...] como os protestos desafiavam o governo, a cargo do PT, as demonstrações de setembro de 2013 tiveram uma considerável presença de grupos conservadores e de extrema direita, mais nas redes sociais do que nas ruas. Por exemplo, o grupo mais presente nas redes sociais [....] foi o “Movimento contra a Corrupção”, liderado pelo senador Demóstenes Torres, de direita, que criou reputação na mídia denunciando a corrupção e acabou indiciado por aceitar propinas. O Anonymous apoiou as manifestações, mas há sete diferentes grupos rivais com esse nome no Brasil, alguns deles operando sob disfarce para extrema direita e financiados por grupos empresariais (CASTELL, 2017, p. 180). Seu principal objetivo, junto aos times de marketing responsáveis pela elaboração das mensagens disparadas em massa pelo WhatsApp, era encontrar um bode expiatório perfeito, que pudesse responsabilizar-se por todos os problemas relacionados à classe política como um todo. O resultado foi o apontamento do Partido dos Trabalhadores (PT), que em 2014 completava 12 anos ocupando a presidência, como o pior dos males que já acometeram a população brasileira. O partido, que esteve no centro dos escândalos do Mensalão, deflagrado em 2005, também teve como grande marca suas pautas e políticas progressistas, com grandes desenvolvimentos sociais. No entanto, assim como todas as nações, após - ainda que não imediatamente - a crise de 2008, arcou com desequilíbrios na economia, que sofreu uma contração, especialmente entre 2015 e 2016, devido à recessão. Neste cenário de aumento do desemprego, queda no poder de compra do brasileiro e, ao mesmo tempo, a deflagração da Operação Lava Jato - um série de investigações da Polícia Federal contra políticos e a elite financeira do país - iniciada em 17 de março de 2014, que foi amplamente coberta pela mídia - os sentimento de impotência e, principalmente de indignação e raiva se afloraram entre os brasileiros que viviam em meio à crise. A revolta, que inicialmente era contra a classe política passou a mirar exclusivamente nos políticos do Partido dos Trabalhadores, dando origem a um extremo antipetismo. 13 Essa polarização acentuou-se pelas redes sociais digitais, onde as pessoas, por exemplo, organizavam-se para fazer atos que ficaram conhecidos como “panelaços” das varandas de seus prédios, como forma de expressar sua indignação com o governo, durante pronunciamentos oficiais da presidente Dilma Roussef. Ao mesmo tempo, desde 2013, tomavam força grupos como Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua, que respaldavam-se pelas críticas à corrupção enquanto disseminavam mensagens críticas ao governo nas redes sociais digitais. Posteriormente, esses mesmos grupos mobilizaram no espaço público essa indignação, organizando protestos que levaram milhões de pessoas às ruas de diversas capitais do país; inicialmente, em 2014, as mobilizações possuíam um teor anticorrupção, no entanto, já em 2015, ainda que organizadas pelos mesmos grupos, assumiram seu caráter antipetista, com pautas como o impeachment de Dilma, pela prisão de Lula e contra o PT. Justamente essa união contra o Partido dos Trabalhadores foi a responsável pela ascensão do conservadorismo e da ultradireita no Brasil. De acordo com o artigo de Esther Solano Gallego, Pablo Ortellado, Márcio Moretto, “Guerras culturais” e “populismo anti-petista” nas ruas de 2017 (2017) - onde os pesquisadores analisam quem esteve nas manifestações de 2017 contra e a favor Dilma Roussef -, ainda que nos protestos pró-impeachment houvesse uma divisão entre centro-direita, direita, muito e pouco conservadores, o fato de estarem ali empunhando a bandeira antipetista os uniu, inclusive levando muitos a identificarem-se com pautas extremistas. Nas palavras dos pesquisadores, neste momento, foi utilizado o “antipetismo como conceito aglutinador” (GALLEGO, ORTELLADO, RIBEIRO, 2017). Estamos vendo no Brasil e em outros países uma expansão mundial das guerras culturais que tomaram os Estados Unidos a partir do final dos anos 1980. A antiga polarização entre uma direita liberal que defendia a meritocracia baseada na livre iniciativa e uma esquerda que defendia intervenções políticas para promover a justiça social passa a ser não substituída, mas crescentemente subordinada a um novo antagonismo entre, de um lado, um conservadorismo punitivo e, de outro, um progressismo compreensivo (GALLEGO, ORTELLADO, RIBEIRO, 2017, p. 36). Nesse contexto de polarização aguda da sociedade, especialmente levando em consideração a ascensão de uma direita conservadora, a busca por um bode expiatório que pudesse ser culpado por todos os problemas que 14 englobam a classe política e o aumento vertiginoso do acesso à internet no Brasil - em 28 de agosto de 2019, a pesquisa TIC Domicílios2, feita anualmente pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), revelou que 67% da população estava conectada à internet, incluindo metade da população rural e das classes D e E -, é que ganham a devida importância, e caráter decisivo, as fake news. Com isso, é essencial analisar comunicacional e sociologicamente como e por que decorreu a disseminação das notícias falsas no ambiente digital durante as eleições brasileiras de 2018, também tentando chegar a conclusões sobre o que levou os receptores das mensagens falsas a crer, sem quaisquer contestamentos, que aquelas informações eram verdadeiras, levando em consideração diversos aspectos relacionados a ambos os campos, como será feito ao decorrer desta pesquisa. 1.2 JUSTIFICATIVA Fake news, sua origem e sua disseminação nas eleições brasileiras de 2018, como forma de trazer à tona, é uma discussão que interessa a toda sociedade, uma vez que notícias falsas podem mudar o curso de uma nação, e neste caso, inclusive colocar em perigo a própria democracia. Pessoalmente, cheguei ao tema pois à época, o fato de muitos conhecidos estarem crendo em claras inverdades, o que viria a mudar o curso das eleições, me atordoou, assim como a muitos colegas das mais diversas áreas de atuação. Especialmente por estar me formando jornalista, o fato foi um pouco assustador, visto que, por meio de notícias distorcidas, uma onda de desinformação ia se alastrando pelo país; e o pior, quando contestadas, as pessoas que criam nas fake news, não se convenciam da veracidade de outras notícias de veículos tradicionais, tidos como confiáveis, uma vez que entendiam que tudo era manipulado. Assim, ali já era possível perceber a queda da função social do jornalismo tradicional, que era garantir informações baseadas em fatos, e também minar sua credibilidade. 2 TIC Domicílios. Disponível em: http://data.cetic.br/cetic/explore?idPesquisa=TIC_DOM Acesso em: 10 de outubro de 2019. http://data.cetic.br/cetic/explore?idPesquisa=TIC_DOM 15 Notícias falsas, estratégias sofisticadas de desinformação, manipulações políticas, descrédito da verdade e sequestro da legitimidade social corroem os alicerces do jornalismo como forma de conhecimento e como prática social. Intolerância, ódio, questionamentos à representatividade e populismo asfixiam a democracia ao mesmo tempo que projeta ilusões de soluções fáceis e imediatas (CHRISTOFOLETTI, 2019, p. 93). Essas duas premissas são preocupantes porque, de acordo com Christofoletti (2019, p.55), “notícias só têm valor se forem úteis e confiáveis. Isto é, se encontrarem aplicabilidade, se elas se encaixarem no quebra- cabeças cotidiano de sentidos, e se se mostrarem verdadeiras”. Por isso, uma vez que notícias falsas se dissipam em uma velocidade maior e inspiram mais credibilidade do público, todo o jornalismo é posto à prova. Os sites conspirativos e a mídia social tratam com desdém os jornais impressos ou a grande mídia (mainstream media - MSM), considerando-os a voz desacreditada de uma ordem ‘globalista’; uma ‘elite liberal’, cujo tempo já passou. Os ‘especialistas’ são difamados como um cartel mal-intencionado, em vez de uma fonte de informações verificáveis (D’ANCONA, 2018, p. 20). Com o risco que oferece à profissão, e consequentemente, à sociedade, o fenômeno das fake news deve ser estudado e compreendido com urgência. Para isso, nesta pesquisa, serão analisados capturas de tela de conversas ocorridas em grupos familiares no aplicativo WhatsApp, objeto escolhido pois, de acordo com o Datafolha3, dois em cada três eleitores brasileiros (66%) têm contas em redes sociais, e o WhatsApp se destaca como mídia mais utilizada por esse grupo, e 24% de seus usuários utilizam a plataforma para compartilhar notícias sobre política. Sendo assim, o aplicativo representa um grande veículo de comunicação no Brasil. Tendo isso vista, e objetivando encontrar as raízes que levaram à propagação de notícias falsas no ambiente digital, se faz necessário compreender aspectos que tangem o ambiente digital, o jornalismo na internet, e características sociais que influenciaram na construção das fake news, além de identificar como ela se deu. O estudo do tema se faz necessário pois compreendê-lo pode ser uma forma de evitá-lo. 3 Eleições 2018. Datafolha. Disponível em: http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/10/27/44cc2204230d2fd45e18b039ee8c07a6.pdf. Acesso em: 29 de setembro de 2019. http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2018/10/27/44cc2204230d2fd45e18b039ee8c07a6.pdf 16 Conforme os fatos pontuados no capítulo anterior foram se desenrolando no Brasil, assim como a proliferação de notícias falsas começou a ocorrer nos ambientes digitais, esses profissionais, notando sua responsabilidade civil, mobilizaram-se de diversas formas. Uma delas foi a criação de diversas agências de fact-checking, que ficam responsáveis pela checagem de fatos, verificando se são verdadeiros ou não. Entre esses grupos, pode-se citar a Agência Lupa, fundada em 2015, e que, de acordo com seu próprio site, foi a “primeira agência de notícias do Brasil a se especializar na técnica jornalística mundialmente conhecida como fact-checking”;a Agência Pública, fundada em 2011, e consagrando-se como a primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil; e Aos Fatos, também uma agência de checagem formado por uma equipe multidisciplinar. Todas as citadas são formadas por jornalistas, além de outros profissionais e também são certificadas pela International Fact-Checking Network (IFCN), um projeto da Poynter Institute, uma escola de jornalismo sem fins lucrativos, baseada nos Estados Unidos. A iniciativa foi idealizada em 2015 com o objetivo de reunir e dar suporte aos projetos de todo o mundo que teriam o objetivo de checar notícias que poderiam ser falsas. Dessa forma, para a área científica da comunicação social, esta pesquisa torna-se relevante por trazer a discussão sobre a nova forma de consumo de informações, identificando as ferramentas utilizadas na construção de fake news e também como tem ocorrido o comportamento dos receptores no ciberespaço, ambiente este que lhes fornece ferramentas que são capazes de colocar em xeque a atuação de profissionais e especialistas, a exemplo do jornalismo, gerando uma espiral de acontecimentos que podem levar à fragilização de uma democracia. Para mim, autora deste trabalho, este tema é relevante pois durante o período das eleições pude presenciar muitas pessoas, tanto conhecidos quanto desconhecidos, apropriando-se de discursos extremistas pela falta e distorção de informações. Além disso, as fake news também alavancaram a eleição de Jair Bolsonaro, por meio de discursos dissimulados que influenciaram, principalmente, a parcela indecisa da população brasileira - que àquela altura, era a maior parte dos eleitores, visto que havia uma rejeição a Haddad, por ser representante do PT, e Bolsonaro tinha uma postura inadmissível para ocupar 17 o cargo de presidente da República. Especialmente levando em consideração que [...] supostamente, eleitores indecisos têm mais necessidade de orientação e, por isso, expõe-se mais às mensagens midiáticas. Assim, seriam mais sensíveis aos efeitos de agendamentos (MESSAGI JÚNIOR, 2018, p. 122). Além disso, pesquisa é destinada tanto aos comunicadores, que devem, com urgência, buscar a adaptação à nova forma de consumo de notícias, quanto à sociedade, que pode munir-se de ferramentas para identificar, evitar e compreender as atuações por trás das fake news. 1.3 OBJETO O objeto escolhido para esta pesquisa foram prints de conversas ocorridas em grupos familiares criados dentro do aplicativo WhatsApp. Será feita uma análise interpretativa de recortes de diálogos ocorridos durante o período das eleições brasileiras de 2018 baseada em Kakutani (2018) e Castells (2017), objetivando contextualizar as falas e compreender fenômenos que possam ter influenciado na crença imediata das informações falsas. 1.3.1 O WhatsApp O WhatsApp é um aplicativo gratuito que permite a troca de mensagens entre usuários em forma de texto, imagem, vídeo e áudios, sendo necessária apenas uma conexão à internet, e recentemente foi comprado pelo Facebook. Nele, além da possibilidade de estabelecer conversas com uma outra pessoa, é possível criar um grupo com até 256 membros e cada membro pode encaminhar até 5 mensagens por vez4 para seus contatos - isso foi uma medida da própria plataforma como forma de diminuir o compartilhamento de notícias falsas; antes, era possível encaminhar uma mensagem para até 20 4 Como a nova regra do WhatsApp afeta grupos? Entenda. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/01/21/como-a-nova-regra-do-whatsapp- afeta-grupos-entenda.ghtml Acesso em: 10 de outubro de 2019. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/01/21/como-a-nova-regra-do-whatsapp-afeta-grupos-entenda.ghtml https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/01/21/como-a-nova-regra-do-whatsapp-afeta-grupos-entenda.ghtml 18 destinatários de uma só vez. O último censo5 revelou que o Brasil possui 130 milhões de usuários do aplicativo. Verifica-se como esta mídia social pode ser utilizada, tanto como ferramenta de interação, do ponto de vista social e mercadológico, propondo discussões em relação aos conceitos de interação e interatividade e seus processos e seus conflitos e, ainda os processos de convergência e conexões das redes sociais no ciberespaço (SOUZA, ARAÚJO, & PAULA, 2015, p. 132) . Thompson (2009 apud SOUZA, ARAÚJO, & PAULA, 2015) compreende que as novas formas que os indivíduos interagem no ambiente digital possibilitou que não seja mais necessários que eles compartilhem do mesmo espaço físico para comunicarem-se, por isso, a interação face a face não se torna mais exclusiva na interação entre indivíduos. No entanto, Thompson (2009 apud SOUZA, ARAÚJO, & PAULA, 2015), ressalta que, apesar das possibilidades, “quando a interação não é face a face, corre-se o risco de haver uma falha na comunicação, haja vista os participantes estarem em contextos diferenciados”. Assim, a escolha decorreu do fato que, assim como pontuado no capítulo 1.2, dois em cada três eleitores brasileiros (66%) têm contas em redes sociais, e o WhatsApp se destaca como mídia mais utilizada por esse grupo, e 24% de seus usuários utilizam a plataforma para compartilhar notícias sobre política. Ademais, de acordo com a mesma pesquisa do Datafolha6, entre os entrevistados que têm Whatsapp, apenas 24% não participam de grupos, enquanto metade (49%) dos usuários participa de até cinco grupos e um dos assuntos mais discutidos nesses grupos são família (39%). Enquanto isso, outra pesquisa, também do Datafolha7, revelou que 35% dos usuários do WhatsApp afirmam consumir notícias pela plataforma.Com isso, os níveis de alcance de fake news em grupos de família foram altos, devido à exposição dos usuários a muitos outros grupos dentro da plataforma, que possibilita a 5 Usuários de smartphone devem atualizar WhatsApp, orienta empresa. Agência Brasil. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-05/usuarios-de-smartphone- devem-atualizar-whatsapp-orienta-empresa Acesso em: 15 de outubro de 2019 6 Família é tema mais comum em grupos de Whatsapp. Datafolha. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/07/1988254-familia-e-tema-mais-comum- em-grupos-de-whatsapp.shtml Acesso em: 15 de outubro de 2019 7 Privacidade das mensagens é importante para 94% dos usuários do WhatsApp no Brasil. Datafolha. Disponível em: http://datafolha.folha.uol.com.br/mercado/2017/01/1854163-privacidade-das- mensagens-e-importante-para-94-dos-usuarios-do-whatsapp-no-brasil.shtml Acesso em: 15 de outubro de 2019 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-05/usuarios-de-smartphone-devem-atualizar-whatsapp-orienta-empresa http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-05/usuarios-de-smartphone-devem-atualizar-whatsapp-orienta-empresa http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/07/1988254-familia-e-tema-mais-comum-em-grupos-de-whatsapp.shtml http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/07/1988254-familia-e-tema-mais-comum-em-grupos-de-whatsapp.shtml http://datafolha.folha.uol.com.br/mercado/2017/01/1854163-privacidade-das-mensagens-e-importante-para-94-dos-usuarios-do-whatsapp-no-brasil.shtml http://datafolha.folha.uol.com.br/mercado/2017/01/1854163-privacidade-das-mensagens-e-importante-para-94-dos-usuarios-do-whatsapp-no-brasil.shtml 19 conexão prática e rápida entre uma rede muito grande de pessoas. Além disso, as mensagens são criptografadas, ou seja, o emissor, muitas vezes responsável pela disseminação de mensagens, fica impune e também não é possível descobrir a origem certa daquela informação. O estudo também revela que pessoas com 60 anos ou mais estão mais presentes em grupos de política que os mais jovens, e também pode ter influenciado na abrangente propagação de desinformação, levando em consideração uma pesquisa divulgada pela BBC Brasil8 em janeiro deste ano, usuários com mais de 65 anos estão mais suscetíveis a compartilhar notícias falsas. Realizado pelos pesquisadores Andrew Guess, Jonathan Nagler e Joshua Tucker (da Universidade Princeton e da Universidade de Nova York, respectivamente), o estudo analisou publicações em grupos do Facebook durante a campanha presidencial dos EUA em 2016. Além disso, também identificou que os eleitores do Partido Republicano eram mais propensos a divulgar notícias falsas que eleitores do Partido Democrata. Essa característica dessa faixa estária pode estar relacionada ao conceito de media literacy, que em português pode significar “competência midiática”, mas neste caso ela diz mais respeito a compreender o ambiente digital, suas linguagens e dinâmicas, que de fato saber utilizar as ferramentas presentes nele (MARTINO, 2015). 1.4 PROBLEMA DE PESQUISA A maior questão a ser desenvolvida analiticamente pela pesquisa é: “o que ocorreu com a dinâmica dos receptores que durante as eleições brasileiras de 2018 assimilaram e repassaram inúmeras notícias falsas?” Ademais, também compreender quais elementos permitiram uma adesão tão grande às notícias falsas disseminadas no ambiente digital. 8 Idosos são mais propensos a espalhar notícias falsas, diz estudo. BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46849533 Acesso em: 15 de setembro de 2019. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46849533 20 1.5 HIPÓTESES Partindo da suposição de que as pessoas não tivessem senso crítico algum, uma hipótese levada em consideração, num primeiro momento, seria a de que o público apenas consumiu as informações e notícias que circulavam pela internet de forma automática, acreditando, sem contestar, em todas as notícias que lhes chegavam pelo celular. Além disso, outra hipótese formulada foi a que as fake news foram orquestradas com um objetivo político por trás, e não foram um acontecimento orgânico. As suposições foram colocadas à prova por meio de análises de teorias de comunicação; breves análises sociológicas, que permitiram traçar um panorama de como esses indivíduos sentiam-se incluídos na sociedade, qual era o sentimento envolvido e como isso foi uma ferramenta essencial para a construção das fake news; além de uma análise interpretativa, que analisa recortes de conversas e interações em grupos no aplicativo WhatsApp, espaço onde ocorreu a maior parte da disseminação das fake news. 1.6 OBJETIVOS 1.6.1 Objetivo Geral Estudar como ocorreu a relação entre os emissores e receptores na dissipação das fake news, e compreender os artifícios utilizados na construção das fake news que justifiquem elas terem sido assimiladas tão instantaneamente pelos receptores sem terem instigado a checagem dos fatos, e de modo a terem influenciado em suas ideologias e até suas ações durante as eleições brasileiras de 2018. 1.6.2 Objetivos específicos Compreender o ambiente digital e suas ferramentas; analisar a origem e construção das fake news e como elas são pensadas para impactar diretamente seus receptores; analisar a potencialização da pós-verdade e da guinada subjetivista permitida pela internet, seu impacto sobre a sociedade e 21 como ela auxiliou na expansão das fake news; contextualizar sobre o papel do jornalismo e do quadro sócio-político brasileiro à época que puderam favorecer para a disseminação de uma onda de desinformação. 22 2. A COMUNICAÇÃO E A CIBERCULTURA Para que que seja possível observar o fenômeno das fake news de forma analítica, entendendo como ele ocorreu e seus possíveis porquês, é necessário, de antemão, compreender o espaço no qual ocorreu - o digital -, e também como os indivíduos que participaram disso relacionam-se dentro desse espaço, ao mesmo tempo em que é necessária uma análise da relação dos indivíduos com o digital e também mediado por ele. Ainda, também é interessante observar como ocorrem as comunicações interpessoais, ato característico de uma sociedade, no ambiente digital, ou seja, no ciberespaço. Para isso, por meio da análise de algumas teorias das mídias digitais e da cibercultura desenvolvidas ao longo dos séculos XX e XXI - não necessariamente interligadas entre si cronologicamente ou socialmente -, é possível fazer um balanceamento do comportamento humano e da sociedade inserida no ambiente digital. 2.1 O SURGIMENTO E POPULARIZAÇÃO DO CIBERESPAÇO Com a modernização intrínseca e característica do século XX, juntamente com eventos de grandes proporções, como as Guerras e consolidação do capitalismo financeiro, tornava-se, cada vez mais, necessário que as nações estivessem munidas das melhores ferramentas para que se protegessem e também saíssem na frente em possíveis disputas. Assim, já destacando-se como uma potência tecnológica, os Estados Unidos desenvolveu, em 1946, inicialmente pensado como uma ferramenta de uso estritamente estatal, o primeiro computador do mundo. A realização tinha o intuito de automatizar e tornar os processos de armazenamento, produção e transmissão de informações mais eficazes. Posteriormente, no contexto da Guerra Fria, em meados da década de 1960, o mundo encontrava-se dividido entre os EUA e a União Soviética, competição pautada, principalmente, por disputas territoriais e tecnológicas. Dessa forma, a primeira nação passou a desenvolver uma ferramenta que fosse resistente a ataques inimigos, baseada no conceito de uma rede de produção, armazenamento e troca de informações de forma descentralizada e 23 sem hierarquia, que culminou na criação da internet, em 1969. Essa estrutura em rede “seria capaz de, mesmo em condições de guerra, permitir não apenas manter a ligação entre seus computadores, como já ocorria, mas a ensejar a troca de mensagens em tempo real pelas autoridades” (RÜDIGER, 2016, p. 17). Nas mídias digitais esse suporte físico praticamente desaparece, e os dados são convertidos em sequências numéricas ou de dígitos. [...] Assim, em uma mídia digital, todos os dados, sejam eles sons, imagens, letras ou qualquer outro elemento são, na verdade, sequência de números. Essa característica permite o compartilhamento, armazenamento e conversão de dados (MARTINO, 2015, p. 11) Esse modelo de rede já havia sido pensado como a melhor condição para a existência de um sistema de comunicação pelo cientista social Paul Baran (apud MARTINO, 2015) em seu artigo On distributed communications network, de 1962; note, sete anos antes do surgimento da internet. O pesquisador atentou-se à fragilidade do formato no qual as redes organizavam-se, porque nelas, bastava que apenas um dos pontos responsáveis pela transmissão de informações fosse danificado para que toda a rede ficasse desprotegida, correndo o risco de até deixar de existir (MARTINO, 2015). Dessa forma, Baran pensou que a melhor solução para a organização de um sistema de comunicação seria, em suas palavras, a elaboração de “redes distributivas”, princípio encontrado na constituição da internet. “Nesse tipo de rede não há uma hierarquia entre os nós, e todos eles estão ligados a pelo menos outros dois; [...] a única maneira de fazer a rede parar de funcionar seria destruir todo o sistema.” (MARTINO, 2015, p. 65) Apresentando um sucesso de uso pelo Estado, a internet foi utilizada, por muito tempo, secretamente pelo governo norte-americano, e só teve seu uso comercial permitido nos Estados Unidos em 1987, e no Brasil em 1995. Posteriormente, em 1989, a criação da World Wide Web (rede de alcance mundial, em tradução livre), por sir Tim Berners-Lee, viria a transformar a sociedade mundial de forma irreversível. O serviço, utilizado até hoje, possibilitou a interligação entre informações e pessoas conectadas à internet por meio de navegadores que, ao pé da letra, permitiam que os usuários “navegassem” pelos locais onde estes documentos encontravam-se - o que 24 viriam a ser os sites. A World Wide Web tem o caráter multimidiático e multidirecional, ou seja, receptores podem vir a ser emissores e vice-versa. Todos os emissores são potencialmente receptores e vice-versa. As mensagens compartilhadas são, ao mesmo tempo, multimodais e multicanal, isto é, usam várias tecnologias de comunicação, como celulares, televisão e os ambientes da internet (multimodalidade) e são distribuídos em diversos canais dentro de cada tecnologias, como as várias emissoras de tv, rádio e os inúmeros sites. [...] Emissores- receptores formam redes de comunicação nas quais as mensagens são discutidas, ressignificadas e reelaboradas; na sociedade em rede, a “recepção” é uma produção-recepção em rede (MARTINO, 2015, p. 106). Esse canal de acesso a uma enxurrada de informações e a possibilidade de criar, alterar e ressignificar mensagens - possibilidades até então inéditas para os receptores - transformou significativamente a sociedade. Essa circulação de informações entre computadores, e consequentemente usuários, culmina no ciberespaço, um espaço exclusivamente virtual. O filósofo, sociólogo e pesquisador em ciência da informação e da comunicação, Pierre Lévy, em seu livro Cibercultura (1997), conceitua ciberespaço como: [...] o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (Lévy, 1999. p. 17). Com o progressivo barateamento dos chamados computadores pessoais, fato este relacionado diretamente com o progresso da globalização, permitiu a ascensão do uso da internet como ferramenta cotidiana. Sobre esse cenário, Luís Mauro Sá Martino (2015) ressalta que, Em um mundo globalizado, os fluxos de troca de produtos, de consumo e do capital não respeitam fronteiras nacionais. [...] A demanda por informações nessa economia torna-se tanto maior quanto mais amplo forem os espaços de ação do capitalismo (p. 102). Esse conceito pode ser compreendido pelo o Castells (1999 apud MARTINO, 2015) chamou de “capitalismo informacional”. O autor entende que além das produções tecnológicas em massa movimentarem muito capital, a própria informação em si, trocada nas redes digitais, se tornou o maior e mais valioso commodity. As relações de propriedade e de produção estão sendo substituídas por relações de acesso ao capital científico e tecnológico. Para ele [Castells], as tecnologias de informação surgidas em tempos recentes ensejam o aparecimento de um novo paradigma ou modelo de vida, que afeta as condições de funcionamento e a eficiência de todos os 25 processos de produção, consumo e gerenciamento existentes (RÜDIGER, 2016, p. 132) Isso, consequentemente, abrange também o surgimento de novas formas de relações sociais, comunicação e vivências num mundo virtual, o que transformou definitiva e profundamente a sociedade, alterando desde as relações interpessoais até mesmo o destino de grandes nações, como será demonstrado nos próximos capítulos. Dessarte, especialmente levando em consideração a atual - e quase inerente- relação da sociedade com as mídias digitais, é essencial entender como esse novo ambiente impacta na construção e manutenção das relações humanas. 2.2 O QUE É A CIBERCULTURA? Com a introdução dos computadores pessoais e da internet no cotidiano dos indivíduos, as relações humanas e sociais, de certa forma, também transpuseram-se para esse ambiente digital (MARTINO, 2015). Assim, a comunicação, “as produções artísticas, intelectuais e éticas” passaram a existir também nas “redes interconectadas de computadores, isto é, no ciberespaço” (MARTINO, 2015, p.27). Assim surge o conceito de “cibercultura”, termo criado pela por Alice Hilton (1964 apud RÜDIGER, 2016) “[...] referindo-se com ela a uma exigência ética da nova era da automação e das máquinas inteligentes” (p. 8). Francisco Rüdiger, em seu livro As teorias da Cibercultura, de 2016, entende que essa nova forma de cultura seria, em suas palavras, “definida como a formação histórica, ao mesmo tempo prática e simbólica, de cunho cotidiano, que se expande com base no desenvolvimento das novas tecnologias eletrônicas de comunicação” (p. 11). Essa afirmação leva em consideração uma das principais características do ciberespaço, o ambiente que suporta essa forma de cultura: a “sua arquitetura aberta”, ou seja, “sua capacidade de crescer indefinidamente”, nas palavras de Martino (2015, p. 29). No entanto, a cibercultura é pautada por algumas particularidades que determinam sua existência. Pierre Lévy (1996 apud MARTINO, 2015, p. 29), cita, como principais, a necessidade de estar localizada no ciberespaço, ou 26 seja, basicamente, ocorrer dentro de uma conexão à internet; encontrar-se inserido em um contexto “virtual”, onde, no ciberespaço, “as informações e dados existem, mas não são acessados ao mesmo momento” (LÉVY, 1996 apud MARTINO, 2015, p. 30); contar com comunidades virtuais e também com uma inteligência coletiva, que são os conhecimentos criados no ambiente virtual. Essas características, de início promissoras - em relação à dificuldade de acesso a uma vasta gama de informações a uma elevada velocidade, marca dos séculos anteriores - levaram, como pontua Rüdiger (2016), muitos pesquisadores entusiastas das tecnologias, assinalados pelo autor como populistas tecnocráticos, a considerar que a internet consagraria a democratização das informações e, por consequência, da sabedoria e do poder. Segundo esses tecnófilos todos, estamos, portanto em meio a uma revolução cultural, embasada na expansão das mídias digitais interativas, que tende a reduzir o poder das empresas multimídia de maior porte sobre o público e anuncia o fim ou o declínio da autoridade dos especialistas em cultura e comunicação (p. 35). No entanto, é interessante frisar que esse todo esse ambiente de trocas de informações só foi permitido pela abertura do uso da internet em âmbito comercial, retomando - e escancarando - assim, o caráter e força de instituições privadas por trás da democratização do acesso. Rüdiger (2016) pontua que a “crença no poder emancipatório da mídia digital é fruto de uma maneira muito pobre de entender a prática política e de uma forma muito ingênua de promover a democracia” (p. 38). O autor também reflete sobre esse outro lado, não tão positivo, da cibercultura, levando em consideração o olhar de Andrew Keen (2009 apud RÜDIGER, 2016), pesquisador que ele classifica como “conservador midiático”, sobre a possibilidade de qualquer usuário das redes ser um potencial emissor de informações: O problema com a cibercultura, resume, seria o fato de fomentar uma gratuidade que está dizimando o profissionalismo, as normas que, relativamente à produção literária, artística e intelectual, “não apenas lhe conferem padrões éticos, mas também asseguram um nível de qualidade para o público” (KEEN, 2009, p. 77 apud RÜDIGER, 2016, p. 38) 27 2.3 A COMUNICAÇÃO NAS MÍDIAS DIGITAIS De acordo com Mário Messagi Júnior (2018), é possível definir a comunicação como “um processo social de troca de significados, informação e entretenimento, mediado por instrumentos tecnológicos, massivos e cujo conteúdo é público, disponível à população de forma gratuita ou paga” (p. 36). Dessa forma, a comunicação no ciberespaço, assim como explicitado no capítulo anterior, tange o que é entendido como cibercultura. E, é constituída pela troca de informação entre indivíduos com acesso à internet, que transpõem o ato de se comunicarem - característico de uma sociedade não digital - para o ambiente interligado pela internet. Castells (2017) pontua que Os seres humanos criam significado interagindo com seu ambiente natural e social, conectando suas redes neurais com as redes da natureza e com as redes sociais. A constituição de redes é operada pelo ato da comunicação. Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações (p.20). Assim, os usuários da internet adaptam sua forma de comunicação para o ciberespaço, adequando-a também às ferramentas e forma como as informações são transmitidas on-line, que diferem drasticamente de uma conversa face a face, por exemplo. As comunidades do ciberespaço constituem-se na troca constante de conhecimentos que circulam, são modificados, reconstruídos, aumentados e editados de acordo com as demandas específicas de uma determinada situação. Dessa maneira, sem perder a inteligência individual, todas as pessoas podem, potencialmente, contribuir com algum elemento para a constituição de um conjunto de saberes que, sem pertencerem a ninguém, estão a disposição de todos para serem usados e transformados (MARTINO, 2015, p. 31) Ademais, como uma característica essencial das relações sociais - nesse caso no ciberespaço - e determinantes para esta pesquisa, está o que Henry Jenkins (2009 apud MARTINO, 2015) chama de “cultura de convergência”, que é a capacidade dos usuários da internet reformularem mensagens inicialmente emitidas pelas mídias, como televisão, cinema, jornais, etc. Tecnicamente, isso ocorre pela interação entre indivíduos no ciberespaço, sem relações entre si, que “ao compartilharem mensagens, ideias, valores e mensagens, acrescentam suas próprias contribuições a isso, transformando-os e lançando-os de volta nas redes” (p. 34). O receptor se torna, na Cultura da Convergência, alguém produtivo, que não apenas vai reinterpretar as mensagens da mídia conforme seus códigos culturais, mas também vai reconstruir essas mensagens 28 e lançá-las de volta ao espaço público pela via dos meios digitais. [...] Uma das premissas mais importantes do conceito de Cultura de Convergência diz respeito à possibilidade de cada indivíduo ser potencialmente um produtor de mensagens. Neste ponto, o fato das tecnologias digitais estarem presentes no cotidiano facilita o trabalho de criação (ou recriação) por indivíduos fora do circuito da indústria cultural (MARTINO, 2015, p. 37). Esse conceito está diretamente relacionado ao fenômeno das fake news, que será analisado nos próximos capítulos. Esse formato da comunicação no ciberespaço possui, além da multidirecionalidade, multimidialidade, ausência de hierarquia e alta de velocidade de transmissão de dados, outro conceito: sua dupla possibilidade de interatividade (RÜDIGER, 2016), uma vez que permite a troca de informações de indivíduos para indivíduos, e também possibilita a interação entre indivíduos e dispositivos tecnológicos. Na nova mídia digital, a comunicação, com efeito, é interativa em sentido simultaneamente específico e ampliado: ampliado, por um lado, porque permite a interação humana ativa e em mão dupla com os próprios meios e equipamentos que a viabilizam; específico, de outro, porque essas circunstância permite ainda a interação social e em mão dupla entre os seres humanos (RÜDIGER, 2016, p. 13) Essa interatividade também permitiu que os usuários acessassem e consumissem conteúdos de acordo com seus interesses e demandas. Por isso, pode-se considerar que o público possui a capacidade de “ditar” a produção de informações dentro do ciberespaço de acordo com sua forma de consumo. Rüdiger (2016), ainda entende que “o público determina a forma e o conteúdo do meio: ele estrutura e controla a comunicação” (p. 35). Nesse contexto, as plataformas que permitiam a comunicação interpessoal no ciberespaço desenvolveram-se de forma acelerada a partir do início dos anos 2000 - muitas, inclusive, de acordo com a demanda de seus usuários. Entre as novidades, destaca-se o surgimento, em meados da primeira década do século XXI, de diversos sites que ficaram conhecidos como “redes sociais”, a exemplo do Orkut, MySpace, YouTube e Facebook. Depois de 2000, contudo, apareceu uma nova tendência, caracterizada pelo o que passou a ser chamado de “redes sociais”, plataformas de comunicação que as pessoas sem conhecimento especializado se habilitam a operar mais ativamente com seus equipamentos e em que passam a interagir individual e colaborativamente umas com as outras (RÜDIGER, 2016, p. 20) 29 É interessante observar que próprio termo “redes sociais” já traduz uma relação entre seres humanos que tem como premissa a “flexibilidade de sua estrutura e pela dinâmica entre seus participantes” (MARTINO, 2015, p. 55). Ademais, as interações dentro do ciberespaço não ocorrem de forma randômica, e estão estritamente relacionadas com características, interesses e valores que os usuários possam ter em comum, reforçando e estendendo o conceito de comunidade para o ciberespaço, o que Howard Rheingold (1994 apud MARTINO, 2015), chama de “comunidade virtual”. Comunidades virtuais, nas palavras de Rheingold, são uma “teia de relações pessoais” presentes no ciberespaço, formadas quando pessoas mantêm conversas sobre assuntos comuns durante um período de tempo relativamente longo. Como qualquer comunidade humana, associações virtuais se constroem a partir de laços de interesse na troca de informações. A diferença principal, no caso, está no fato desses vínculos serem formados e mantidos a partir de um computador (RHEINGOLD, 1994 apud MARTINO, 2015, p.44). É interessante considerar que, a partir dos conceitos que aglutinam indivíduos nas comunidades virtuais, diversos assuntos são discutidos e informações são trocadas, incluídos pautas sociais, políticas e culturais, podendo gerar discussões que afetam o mundo real também. O poder de mobilização exponencial das redes sociais as torna um fator relevante para se pensar elementos da vida fora da internet. [..] Na medida em que as ações nas redes sociais online e na vida cotidiana se articulam de maneira cada vez mais próxima, os fatores políticos, sociais e econômicos podem ganhar relevância. [...] Assim como o mundo real é levado para as redes sociais digitais, as discussões online tem o potencial de gerar atitudes e ações no mundo físico. Isso leva a pensar, entre outros elementos, no poder político das redes sociais. (MARTINO, 2015, p. 58) Para além das relações estabelecidas com aqueles que já se tinha vínculos fisicamente próximos, a internet e as redes sociais digitais possibilitaram uma conexão com indivíduos em diferentes localidades, no entanto, que também tivessem algo em comum, “aumentando as possibilidades de estabelecimento de laços entre seres humanos” (RHEINGOLD, 1994 apud MARTINO, 2015, p. 44). Ademais, apesar do autor não encarar que as comunidades virtuais pudessem ser melhores ou piores que as comunidades físicas, ele ressalta que suas características específicas - distâncias relativas, proximidades digitais, anonimato - podem criar um terreno fértil para o desenvolvimento das qualidades e problemas que já existem nos indivíduos e na sociedade” (RHEINGOLD, 1994 apud MARTINO, 2015, p.45). 30 A ânsia pela possibilidade de conexões velozes com pessoas que poderiam estar fisicamente distantes; compartilhamento de histórias; envolvimento em discussões; somado - posteriormente ao advento dos smartphones - à mobilidade, tornaram as redes sociais digitais uma ferramenta de uso cotidiano por grande parte da sociedade. A contínua transformação da tecnologia da comunicação na era digital amplia o alcance dos meio de comunicação para todos os domínios da vida social, numa rede que é simultaneamente global e local, genérica e personalizada, num padrão em constante mudança (CASTELLS, 2017, p.21). Toda essa atenção e tempo que os usuários dispendem nas redes sociais digitais levou outros setores da sociedade a ocuparem o ciberespaço, principalmente como uma medida de acompanharem a forma de consumo dos indivíduos, consolidando, assim, plataformas como o Facebook e Instagram como potências de consumo do século XXI. Assim, a atividade mais importante da internet hoje se dá por meio dos sites de rede social (SNS, de Social Networking Sites), e estes se tornam plataformas para todos os tipos de atividade, não apenas para amizades ou bate-papos pessoais, mas para marketing, e-commerce, educação, criatividade cultural, distribuição de mídia e entretenimento, aplicações de saúde e, sim, ativismo sociopolítico, Os SNS são espaços vivos que conectam todas as dimensões da vida das pessoas. Essa é uma tendência importante para a sociedade em geral. Ela transforma a cultura ao induzir ao compartilhamento. (CASTELLS, 2017, p. 201) Porém, é importante também refletir acerca da importância das redes sociais digitais no estabelecimento da comunicação interpessoal; ao mesmo tempo que elas podem aproximar pessoas distantes fisicamente umas das outras, também são capazes de isolar os usuários da realidade em que vivem, principalmente se considerarmos que, para empresas privadas inseridas no ciberespaço, quanto mais tempo os indivíduos passarem conectados, mais seus produtos digitais são consumidos. Assim, surge um dos maiores impasses relacionado às comunicações nos ambientes digitais, pois, ao mesmo tempo que podem ser ferramentas democratizadoras e capazes de unir, também podem cercear informações a mando do empresariado e também isolar indivíduos. A crença no cunho social da nova mídia esconde a realidade do crescente isolamento do indivíduo. A propaganda promovida pelos gurus da cibercultura sobre isso não serve, portanto, senão às empresas que exploram o compartilhamento do lixo cultura, via 31 plataformas como o Google, Youtube e Facebook (KEEN, 2012 apud RÜDIGER, 2016, p. 39). 2.4 AUTOCOMUNICAÇÃO DE MASSA A popularização do uso das redes sociais digitais, principalmente levando em considerando esse caráter democratizador de informações, a possibilidade de usuários serem produtores de informações, o vasto alcance e alta velocidade de transmissão de dados, culminou no que Castells (2017) chama de “autocomunicação de massa”. O termo entende que os indivíduos nas redes passam a ser autônomos, ou seja, independentes de outros canais ou instituições, para estabelecerem vias de comunicação, além de serem capazes, individualmente, de determinar qual e como será a mensagem disseminada no ambiente digital. Nos últimos anos, a mudança fundamental no domínio da comunicação foi a emergência do que chamei de autocomunicação - o uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital. É comunicação de massa porque processa mensagens de muitos para muitos, com o potencial de alcançar uma multiplicidade de receptores e de se conectar a um número infindável de redes que transmitem informações digitalizadas pela vizinhança ou pelo mundo. É autocomunicação porque a produção da mensagem é decidida de modo autônomo pelo remetente, a designação do receptor é autodirecionada e a recuperação de mensagens das redes de comunicação é auto selecionada. ” (CASTELLS, 2017, p.20) Essa ferramenta, considera Castells (2017), foi a propulsora dos movimentos sociais que eclodiram a partir do final da primeira década do século XX, a exemplo das revoltas iraniana, tunisiana, espanhola, entre muitas outras, que tiveram sua base organizada no ciberespaço, e ainda mais, dentro das redes sociais. “Envolvendo-se na produção de mensagens nos meios de comunicação de massa e desenvolvendo redes autônomas de comunicação horizontal, os cidadãos da era da informação tornaram- se capazes de inventar novos programas para suas vidas com as matérias-primas de seu sofrimento, seus medos, seus sonhos e esperanças.” (CASTELLS, 2017, p. 24) Justamente por isso, o autor intitula esse tipo de revolta como movimentos sociais em rede, partindo do pressuposto que eles foram idealizados, organizados e debatidos, num primeiro momento, dentro das redes sociais digitais da internet. Historicamente, os movimentos sociais dependem da existência de mecanismos de comunicação específicos: boatos, sermões, panfletos e manifestos passados de pessoa a pessoa, a partir do púlpito, da 32 imprensa ou por qualquer meio de comunicação disponível. Em nossa época, as redes digitais, multimodais, de comunicação horizontal, são os veículos mais rápidos e mais autónomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda a história. As características dos processos de comunicação entre indivíduos engajados em movimentos sociais determinam as características organizacionais do próprio movimento: quanto mais interativa e autoconfigurável for a comunicação, menos hierárquica será a organização e mais participativo o movimento. É por isso que os movimentos sociais em rede da era digital representam uma nova espécie em seu gênero. 6 (CASTELLS, 2017, p. 29;30) Ainda, apesar de otimista, Castells entende que esses ambientes permitiram tamanha mobilização devido à ausência “do controle de governos e empresas - que, ao longo da história, haviam monopolizado os canais de comunicação como alicerces de seu poder” (CASTELLS, 2017, p. 17). No entanto, ele descarta a influência de grupos privados no ambiente digital que, assim como todos os outros usuários, podem criar mensagens e distribuí-las no ciberespaço, muitas vezes de forma anônima e também utilizando patrocínios, para que a informação chegue aos espectadores desejados; atividade esta, possibilitada pelo fato de que muitas empresas têm acesso aos rastros digitais do usuário - deixados em sites, páginas e aplicativos - que podem revelar muito mais sobre eles além de padrões de compra, podendo ser possível até determinar inclinações políticas e/ou sentimentos acerca de assuntos em discussão pela opinião pública (ver capítulo 3). Contudo, ainda assim, é essencial compreender a potência da autocomunicação de massas tanto na organização de movimentos sociais em rede quanto na criação de narrativas, que podem ou não ser verdadeiras, uma vez que ela é parte da constituição de relações sociais nas redes digitais. 2.5 A ESFERA PÚBLICA CONECTADA Retomando o caráter democratizador, quase que intrínseco da internet, que, diferentemente de veículos tradicionais de comunicação, qualquer um pode ser um emissor de mensagens ao mesmo tempo que qualquer um também pode fazer sua publicidade, com um custo muito abaixo que ocorria nas mídias tradicionais (MARTINO, 2015). Essas características levam Yochai Benkler a sugerir que internet poderia ser considerada uma “Esfera Pública conectada”(MARTINO, 2015). 33 Na Esfera Pública conectada, explica Benkler, a arquitetura da informação elimina, ou ao menos diminui consideravelmente, essa assimetria entre emissão e recepção, fazendo com que as pessoas possam dizer o que estão pensando em um espaço público. O espaço linear-vertical da mensagem de massa passa a existir ao mesmo tempo em que o espaço não linear e horizontal da arquitetura de rede. (MARTINO, 2015, p. 113) Benkler (apud MARTINO, 2015), em seu livro The wealth of networks, de 2006, considera que, devido ao fato da internet democratizar o acesso às informações e também permitir que seus usuários interajam e debatam sobre determinados assuntos que lhes interessem, esse meio pode ser considerado como uma Esfera Pública, retomando o conceito de Jurgen Habermas em seu livro Mudança estrutural da Esfera Pública onde “a Esfera Pública pode ser entendida como um espaço de discussão e ação social formado na interação entre as pessoas” (MARTINO, 2015, p. 91), o que torna-a essencialmente atrelada ao conceito de democracia. Ainda que o conceito possa parecer um pouco abstrato em um primeiro momento, um olhar atento pode auxiliar na compreensão do pensamento de Benkler ao propor a Esfera Pública conectada. Entre os detalhes, Martino (2015) cita que a própria noção de “publicação” na internet representa esse ato de “tornar público” um determinado assunto, promovendo-o de algum modo a partir de sua exposição em um determinado site (p. 91). O autor também considera que as ferramentas que a internet oferece tornam os cidadãos livres da dependência das mídias tradicionais de massa para terem acesso às informações, possibilitando que eles tenham liberdade para estabelecer discussões no ciberespaço sobre os assuntos que mais lhes interessam. Seriam, dessa forma, capazes, dependendo da relevância do tema, de gerar um engajamento online tamanho que poderia “ser alto o suficiente para se opor a decisões políticas e econômicas, bem como a grandes corporações, a partir da atividade conjunta dos indivíduos conectados” (MARTINO, 2015, p. 114). Por isso, ainda que não descarte o fato de que todas essas vozes dentro de uma discussão no ciberespaço possa causar cacofonia, onde “todos falam mas ninguém escuta”, Martino (2015) entende que “a possibilidade de participação política criada pelas redes digitais abre caminhos 34 para se pensar a noção de democracia e sua relação com a circulação de informações e a produção de conhecimento” (p. 114). 35 3. IMPACTO DA INTERNET NO JORNALISMO A internet e as redes digitais, intrínsecas no cotidiano de grande parte da população mundial, geraram uma consequentemente mudanças na forma que os indivíduos consumiam dados e notícias neste ambiente digital. Com isso, o jornalismo tradicional - tanto o impresso quanto o televisivo - foi diretamente impactado, uma vez que perdeu a primazia na produção e difusão de informações. Neste capítulo, serão pontuadas algumas mudanças decorrentes diretamente do impacto da internet na rotina, relevância e atuação jornalística. 3.1 A INTERNET E A CRISE DO JORNALISMO A internet e as mídias sociais digitais, assim como já pontuado, permitiram um acesso sem precedentes a informações, pessoas e dados, e, ainda que em um primeiro momento possa ter parecido inofensiva ao jornalismo, apresentando-se mais como um viés de entretenimento, com o tempo, elas mostraram-se concorrentes à altura para a mídia tradicional (CHRISTOFOLETTI, 2019). Entre os motivos para isso, pode-se considerar, inicialmente, o fato de que agora os usuários podem acessar e discutir sobre qualquer informação, a qualquer momento e de forma vertiginosa. Dessa forma, Martino (2015, p. 113) pontua que “a possibilidade dos cidadãos conversarem entre si sobre assuntos que os interessam diminui, ou mesmo elimina, a dependência em relação à mídia de massa para ter conhecimento dos acontecimentos do mundo”. Ademais, outro obstáculo que o jornalismo encontra na internet é a característica democratizadora do espaço online, que permite que todos sejam emissores e capazes de publicar conteúdos na rede de forma gratuita, sem quaisquer requisitos e também sem distinção, por parte do público, se as informações são opinativas ou jornalísticas. O escritor Andrew Keen (2007 apud KAKUTANI, 2018), em O culto do amador, pontua que apesar de ter democratizado o acesso às informações, a internet também possibilita “que a ‘sabedoria das multidões’ tome o lugar do conhecimento legítimo, nublando perigosamente os limites entre fato e opinião, entre argumentação embasa e bravata especulativa” (p. 39). 36 Somado a isso, a atenção dos espectadores - a qual Kakutani (2018) se refere como o “bem mais precioso da internet” - elemento naturalmente disputado por veículos de mídia, também migrou para esse ambiente digital, e com ela, as publicidades, sempre presentes em veículos tradicionais, como o rádio, o jornal impresso e as televisões, mas que viram na internet uma opção mais barata. Isso impactou grandemente na receita das mídias anteriores à internet, e as fez minguar, levando à diminuição de redações, demissão de profissionais e até falência de veículos, a exemplo do que ocorreu com a editora Abril (CHRISTOFOLETTI, 2019). À diminuição de equipes jornalísticas e necessidade de veicular as notícias mais rapidamente na internet, pode-se atrelar um impacto também na qualidade do material produzido, o que culmina no abalo de mais uma das estruturas do jornalismo: a credibilidade, termo definido por José Manuel Burgueño (2010 apud CHRISTOFOLETTI, 2019, p.58) como “o estudo de veracidade que as audiências atribuem às informações de um meio de comunicação”. Esse ponto, em especial, é extremamente relevante, pois de acordo com Christofoletti (2019) “o jornalismo precisa estar assentado sobre vigas de credibilidade”. O autor ainda pontua que não só as notícias precisam ser credíveis, mas os meios que as formulam e as distribuem necessitam também ser confiáveis. Neste sentido, há uma transferência mútua e contínua entre produtores e produtos: um jornal tem credibilidade porque veicula informações que as pessoas acreditam; por outro lado, o leitor busca uma determinada informação em certo meio porque está acostumado a encontrar um noticiário confiável nele. Eleger um canal de informação entre os disponíveis é dar um voto de confiança, estabelecer um vínculo (CHRISTOFOLETTI, 2019, p. 56). Assim, a preocupação em manter a credibilidade de um veículo deve ser baseada em manter a “qualidade do produto, buscando a verdade com a máxima velocidade possível, com humildade e transparência, reconhecendo e sanando erros, e se mantendo independente" (CHRISTOFOLETTI, 2019, p. 57). Esse processo deve ser constante, pois a ausência de informações ou de meios que transpareçam confiança, desencadeiam o “abandono, desinteresse e perda de atenção” (CHRISTOFOLETTI, 2019) por parte de seu público. Apesar do impacto direto causado pela internet, alguns autores compreendem que a crise do jornalismo tem origens anteriores à popularização 37 do ambiente digital, e está relacionada diretamente com “próprio papel do jornalismo na sociedade” (CHRISTOFOLETTI, 2019). 3.2 VALOR DA NOTÍCIA NA INTERNET Outrossim, o aumento de veículos na web também pode ter influenciado a crise do jornalismo. Os autores Anderson, Bell e Shirky (apud CHRISTOFOLETTI, 2019) entendem que a proliferação de canais que disseminam notícias na internet faz parte do que chamam de “jornalismo pós industrial”, e pontuam que, se antes havia uma indústria no setor, que reservava a um grupo restrito operar num mercado e impedia forasteiros de criar produtos competitivos, agora, há outros atores em cena (p. 42) Os autores ainda sustentam que, durante o jornalismo industrial havia poucos veículos, o que possibilitava que eles controlassem a oferta de notícias, fazendo com que elas fossem valorizadas. No entanto, a multiplicação dos veículos e, consequentemente, o surgimento e acesso a muitas notícias na internet, faz o valor da informação cair, gerando a necessidade de “agregar valor” ao produto jornalístico (CHRISTOFOLETTI, 2019). Reportagem, entrevista, nota ou qualquer produto jornalístico tem valor quando contém exclusividade, originalidade, atualidade, relevância e utilidade. É também um bom produto quando gera prazer na experiência de consumo, adiciona novidades ao conhecimento já acumulado, e quando apresenta uma satisfatória relação custo- benefício (CHRISTOFOLETTI, 2019, p. 43) Ademais, o excesso de veículos no ambiente digital pode ser danoso, especialmente levando em consideração a Teoria do Meio, de Harold Innis (2010 apud MARTINO, 2015), que considera que os meios de comunicação são responsáveis pela organização, gestão e disseminação de conhecimentos nas sociedades. [...] Portanto, os meios usados para disseminar as informações são responsáveis pela forma de distribuição do conhecimento na vida social, em particular, pela formação de monopólios ou oligopólios de informação (p. 189). Com essa premissa clara, e retomando a dificuldade em manter um material de alta qualidade devido à demanda incessante, todas as notícias concentram-se, de acordo com o autor, “nas informações que podem atrair a atenção em um momento e ser descartadas no outro” (MARTINO, 2015, p. 190). Essa lógica de produção infindável visando o consumo imediato do 38 público faz com que as notícias rapidamente percam sua importância, pois são rapidamente substituídas (MARTINO, 2015), e a maior problemática em torno desse sistema é que, nas palavras do autor, como não há preocupação de que essas informações durem no tempo, não há hierarquia de importância. São apresentadas como igualmente relevantes. O que , invertendo a lógica, pode significar que são todas igualmente irrelevantes (MARTINO, 2015, p. 190). 3.3 O FAZER JORNALÍSTICO NA INTERNET A Cultura da Convergência, presente no ambiente digital apresentou-se como mais uma singularidade para o jornalismo na internet, e isso tem influenciado diretamente na estrutura de funcionamento e operação de mídias tradicionais (ROJO VILLADA, 2008 apud CHRISTOFOLETTI, 2019). O público pode ser até o mesmo, mas as formas de consumo são diferentes, assim como a dinâmica e as ferramentas, e isso exige que o jornalismo acompanhe essa demanda para continuar a ser consumido. A jornalista Jéssica Conceição Ribeiro (2015), em sua monografia9, elenca algumas mudanças na prática jornalística como ausência de critérios específicos para delimitar o que pode ou não ser notícia, uma vez que aquele conteúdo pode ser acessado por diversos públicos; a função de gatekeeper não é tão delimitada à função do jornalista, uma vez que o público tem bastante influência na determinação do que será notícia (BARSOTTI, 2014 apud CONCEIÇÃO RIBEIRO, 2015); e que também há mais facilidade em contatar as fontes, por vias como o e-mail. Esse último ponto, no entanto, Ribeiro (2015) pontua que pode prejudicar o fazer jornalístico tradicional, porque a distância física pode levar as fontes a manipularem suas falas e assim comprometer a qualidade do produto (GOMES, 2009 apud RIBEIRO, 2015). A dinâmica do jornalismo na internet também é alterada devido às redes sociais digitais, especialmente levando em consideração o extenso tempo que os usuários despendem nela. Uma pesquisa da GlobalWebIndex10, realizada 9 CONCEIÇÃO RIBEIRO, Jéssica. Sentidos sobre o jornalismo no twitter: uma análise do discurso dos interagentes sobre o jornalismo contemporâneo. 2015. 85f. Monografia - Universidade Federal De Santa Maria, Santa Maria, 2015. 10 https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship% https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship%20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automation&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz-8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmACTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 39 este ano, revelou que o Brasil ocupa o 2o lugar no ranking de países que passam mais tempo conectados às redes sociais. Com isso, plataformas como o Facebook, Google, Snapchat, Twitter, maiores monopolizadores da atenção da atualidade, são utilizadas para acessar e receber informações e, consequentemente, notícias, tornando-se assim, o que Christofoletti (2019) chama de “atravessadores”. O termo designa o fato dessas mídias digitais terem convertido-se em distribuidores de notícias, uma vez que tornou-se menos comum que pessoas acessem os sites jornalísticos para informarem-se e escolham as notícias de acordo com seus interesses. Agora, são essas plataformas que distribuem-nas, de acordo com seus algoritmos e os usuários consomem a notícias nas próprias mídias digitais, em vez dos sites (BELL, OWEN, 2017 apud CHRISTOFOLETTI, 2019). Isso demonstra que o jornalismo pode já ter se tornado dependente dessas gigantes da tecnologia, chegando a impactar em seu conteúdo e linguagem, o que dá origem ao termo “jornalismo de plataformas”. A ameaça que isso representa, tanto para os meios de comunicação quanto para a sociedade, é grande, principalmente porque nessa estrutura de plataformas, há interesses privados, e, além disso, o que mais importa nesse sistema é a circulação de informações, sem uma devida divisão entre quais são verdadeiras e quais são falsas (CHRISTOFOLETTI, 2019). A situação fica mais drástica para jornalistas e meios de comunicação quando se percebe que os sistemas das plataformas de tecnologia não são transparentes e que as regras para organizar e distribuir conteúdos são desconhecidas até mesmo pelos produtores das notícias! [...] Vai importar se viralizar. Tal conveniência pode sepultar a democracia, o jornalismo, os sistemas de crenças e a confiança nas instituições. A explosão das notícias falsas nos últimos anos, a proliferação de ecossistemas robustos de desinformação e a opacidade algorítmica têm revelado facetas perversas das plataformas (CHRISTOFOLETTI, 2019, p. 50). 20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automati on&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz- 8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmA CTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship%20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automation&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz-8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmACTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship%20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automation&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz-8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmACTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship%20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automation&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz-8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmACTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 https://www.globalwebindex.com/hubfs/Downloads/2019%20Q1%20Social%20Flagship%20Report.pdf?utm_campaign=Social%20report%20July%202019&utm_source=hs_automation&utm_medium=email&utm_content=74226065&_hsenc=p2ANqtz-8aCogfKfuU6xeqvFH7TST8FVOWJYAbYK8EPUohZ2dSamGsvCqr45uJubT4ICYn0nVRAmACTfavwjZ5Rce2NA4zzjlzSQ&_hsmi=74226065 40 4. INFORMAÇÃO NA ERA DA PÓS-VERDADE Neste capítulo serão analisados fatores que facilitaram e culminaram na formação, disseminação e crença nas fake news, levando em consideração, especialmente, os autores Mathew d’Ancona (2018) e Michiko Kakutani (2018), que fazem uma análise detalhada da pós-verdade e da ocorrência das fake news durante as eleições norte-americanas de 2016 e também durante a campanha do Brexit, no mesmo ano. 4.1 EROSÃO DA CONFIANÇA E DA VERDADE A desconfiança em relação à classe política não é algo novo na sociedade (KAKUTANI, 2018), no entanto, principalmente com o advento das mídias jornalísticas, os erros, deslizes e práticas indefensáveis por parte dos políticos vieram à tona com muito mais potência, caindo facilmente no conhecimento popular, especialmente com a popularização de veículos de comunicação, como jornais, televisões e, agora, as mídias sociais digitais. Essa elucidação causa na sociedade uma repulsa em relação aos seus representantes, ao mesmo tempo em que também faz aflorar um sentimento de angústia, uma vez que os cidadãos não vêem uma alternativa, já que encaram que todos os políticos estariam suscetíveis a um mesmo “sistema corruptor”. “Não esperamos mais que nossos políticos eleitos falem a verdade: isso, por enquanto, foi eliminado do perfil do cargo, ou, no mínimo, relegado de forma significativa da lista de atributos requeridos” (D’ANCONA, 2018, p. 35). Ademais, a relação de confiança com as demais instituições, que deveriam servir de alicerce da verdade, a exemplo do jornalismo, da ciência e da história, minou na mesma proporção. Isso, por sua vez, é extremamente alarmante para a sociedade, porque, assim como pontua d’Ancona (2018) “a confiança é um mecanismo fundamental de sobrevivência humana, a base da coexistência que permite que qualquer relacionamento humano [...] funcione com algum grau de sucesso” (p. 42). Destarte, essa conjuntura culmina em uma padronização da mentira, por parte dos políticos; uma normalização do ato de ser enganado, por parte da sociedade; e uma fragilização da democracia, principalmente porque “por séculos, e com certeza desde o Iluminismo, houve 41 uma suposição incontestada de que mesmo a democracia mais sólida sofre danos quando seus políticos têm o hábito de mentir” (D’ANCONA, 2018, p. 34). Contudo, continua d’Ancona (2017), o cerne da questão é relacionado ao fato que “a novidade não é a desonestidade dos políticos, mas a resposta do público a isso. A indignação dá lugar à indiferença e, por fim, à conivência. A mentira é considerada regra, e não exceção, mesmo em democracias” (p. 34). E, posto que a “verdade desaba como valor social” (D’ANCONA, 2018, p. 72), todas as instituições, convenções e relações atreladas a ela também ficam passíveis de contestações. Nas palavras do autor, quando se confia menos na investigação baseada em provas do que numa coleção de anedotas e se presta menos atenção à autoridade institucional do que em teorias da conspiração, as consequências podem ser imprevistas e fatais. (D’ANCONA, 2018,p. 49) Somado a isso, o caráter coletivo e social do ciberespaço permitiram que todos pudessem ser especialistas sobre algum assunto sobre o qual poderiam dissertar, sem necessariamente possuir algum tipo de compromisso com os fatos. É essa particularidade, relacionada aos fatores de interatividade e ausência de hierarquia - características estas arraigadas nas bases da internet - que leva Lee Siegel (2008 apud MARTINO, 2015) a tecer uma crítica sobre os vínculos entre as tecnologias e a sociedade, na qual ressalta que “a produção de conteúdos pelos usuários, nas mídias digitais, esbarra em um problema de ordem técnica: a especialidade e a competência de quem escreve, algo sempre passível de dúvida” (p. 129). Ainda mais próximo da atualidade, d’Ancona (2018) ressalta que essa adversidade pode ter se alastrado com o aumento súbito das redes sociais digitais na última década, onde as trocas de mensagens e informações acontecem em uma velocidade ainda mais vertiginosa, podendo provocar desinformação em uma proporção de tempo ainda menor. O autor reflete acerca do cenário e pontua que “quando alguém com uma conta no Twitter pode reivindicar ser uma fonte de notícias, fica infinitamente mais difícil distinguir entre fato e mentira. Todos e ninguém são ‘especialistas’” (D’ANCONA, 2018, p. 59). A concomitância da desconfiança em instituições tradicionais e classe política, somada ao aumento do acesso às redes sociais digitais, ambiente este onde a quantidade de informações e dados novos, que chegam a todo instante são incontáveis - o que Michael Heim (1993 apud MARTINO, 2015), em A 42 metafísica da realidade virtual, chama de “pântano intelectual”, que pode ser responsável pela “erosão da capacidade de dar significado”, ou seja, o “predomínio da informação sobre o significado” (p. 42) -, favoreceu, ainda mais, a atenuação da importância da verdade. Massacrado por informações inverossímeis e contraditórias, o cidadão desiste de tentar discernir a agulha da verdade no palheiro da mentira e passa a aceitar, ainda que sem consciência plena disso, que tudo o que lhe resta é escolher, entre as versões e narrativas, aquela que lhe traz segurança emocional. A verdade, assim, perde a primazia epistemológica nas discussões públicas e passa a ser apenas um valor entre outros, relativo e negociável, ao passo que as emoções , por outro lado, assumem renovada importância. Na base do fenômeno, argumenta d’Ancona, está o colapso da confiança nas instituições tradicionais. (D’ANCONA, 2018, p.9) É nessa conjuntura de desdém que afloram a pós-verdade - termo definido pelo Oxford Dictionary “como forma abreviada para ‘circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal” 2 (D’ANCONA, 2018, p. 20) - e as fake news. E, ambos conceitos despontam de forma vertiginosa, sobretudo, graças às ferramentas tecnológicas que encurtam distâncias, aproximam pessoas com as mesmas ideologias e auxiliam na propagação de mensagens e narrativas que podem tomar o lugar dos fatos. Bill Bishop (2004, p. 216 apud Kakutani, 2018, p.133), em seu livro The Big Sort, ressalta que “como perdemos a confiança nas instituições tradicionais, os tênues vínculos do local de trabalho se mostraram insuficientes para satisfazer as necessidades das pessoas de se sentirem pertencentes a algo”. Em resposta, as pessoas encontraram um senso de comunidade em bairros, igrejas, clubes e outras organizações com ideias semelhantes às suas. Essa dinâmica seria ampliada na velocidade da luz pela internet.[...] que ajudou as pessoas a se isolarem ainda mais em bolhas de interesses compartilhados. Outrossim, Kakutani (2018) ressalta que a internet permitiu, para além da criação desses novos agrupamentos sociais, a disseminação de narrativas baseadas exclusivamente na crença dos indivíduos - influenciados pela pós- verdade -, sem quaisquer vínculos com a verdade ou com os fatos, justamente devido ao desligamento em relação a esses conceitos. As fake news não são novidade, a mentira e os boatos já existem há muito tempo, porém, a desinformação relacionada aos processos eleitorais e diretrizes da vida pública está atrelada a uma indústria multibilionária que promove a “difusão sistemática de mentiras por organizações de fachada que 43 atuam a favor de grupos de interesse que desejam suprimir a informações precisas ou impedir que outros grupos ajam contra eles” (D’ANCONA, 2017, p. 46). Nesse sentido, a pós-verdade também é um artifício válido para a indústria porque, uma vez instaurada, não importa qual seja o contra-argumento para as notícias falsas, os indivíduos continuarão a crer na informação se aquilo parecer com a verdade que lhe convém, e não necessariamente com a verdade atrelada aos fatos. d’Ancona (2018) ainda frisa que essa situação de controle e construção de narrativas, que pode até substituir a verdade, decorreu diretamente da queda na crença em instituições tradicionais. Como as instituições que tradicionalmente atuam como árbitros sociais foram sendo cada vez mais desacreditadas, os grupos de pressão bem financiados estimularam o público a questionar a existência da verdade conclusivamente confiável (D’ANCONA, 2018, p. 49) Kakutani (2018) descreve as possíveis consequências da propalação das fake news, conjugadas com a pós-verdade, pontuando que, “com essa adoção da subjetividade veio também uma diminuição da verdade objetiva: a glorificação da opinião acima do conhecimento, das emoções acima dos fatos” (p. 75).. É à luz desses fatos que todo o fenômeno das fake news deve ser observado. 4.2 ASCENSÃO DA PÓS-VERDADE E DAS FAKE NEWS 4.2.1 Comunicação é poder Logo na introdução de seu livro A morte da verdade, Michiko Kakutani (2018) pondera acerca da ascensão do fascismo e nazismo no início do século passado, pontuando que ambos estavam “cientes de que o cinismo, o cansaço e o medo podem tornar as pessoas suscetíveis a mentiras e falsas promessas de líderes determinados a alcançar o poder incondicional”. Ademais, ainda citando a sociedade dentro desse recorte histórico, a autora retoma uma passagem do livro “Origens do totalitarismo”, de Hannah Arendt (2013 apud KAKUTANI, 2018), que destaca que 44 O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento) (p. 9). A escritora Zeynep Tüfekçi (2017 apud KAKUTANI, 2018) pontua que essa desordem entre os conceitos pode ser feita de diversas maneiras por meio da comunicação, entre elas: inundando o público com informações; produzindo distrações para diluir a atenção e o foco; deslegitimando a imprensa que fornece informações corretas; semeando a confusão, o medo e a dúvida deliberadamente; criando rumores ou alegando que determinadas informações são boatos; e “incitando campanhas persecutórias destinadas a dificultar o funcionamento de canais confiáveis de informação (TÜFEKÇI, 2017 apud KAKUTANI, 2018, p. 178) Isso, traduzido para a atualidade pode ser entendido tanto como o cinismo dos indivíduos em relação às mentiras das instituições tradicionais, como pela infinidade de conteúdos disponíveis no ambiente digital, retomando o conceito de “pântano intelectual” de Michael Heim (1993 apud MARTINO, 2015). Contudo, é essencial rastrear que, por trás de muitas narrativas que fortalecem o cinismo, o cansaço, o medo e muitas outras crenças, podem estar interesses individuais e empresas que lucram com a desinformação, e esses interessados valem-se, neste caso, do poder da comunicação para criar significados para seus receptores - se assim podem ser chamados no ambiente digital. O conceito do poder da comunicação é explicado por Castells em sua obra Communication Power, onde pontua que a sociedade é concebida a partir das relações de poder, e aqueles que detêm o poder constroem as instituições segundo seus valores e interesses. O poder é exercido por meio da coerção (o monopólio da violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e/ou pela construção de significado na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica (CASTELLS, 2017, p. 20). Assim, Castells (2017) entende que dentre as duas formas de poder, a criação de significado é a mais eficaz, principalmente por considerar que “a forma como as pessoas pensam determina o destino de instituições, normas e valores sobre os quais a sociedade é organizada” (p.20). E esse processo ocorre, essencialmente, destaca o autor, a partir de mensagens trocadas e 45 transmitidas pelas “redes de comunicação multimídia” (CASTELLS, 2017), sendo assim a comunicação responsável e a base das relações de poder. Por conseguinte, assim como já destacado, quem detém o poder de construir significado na mente das pessoas por meio da comunicação, pode alcançar muitos objetivos, quaisquer que o sejam - convencer sobre a legalidade de uma Guerra, assim como ocorreu no embate entre Estados Unidos e Vietnã, ou sobre os benefícios do cigarro, assim como fizeram as indústrias de tabaco num passado recente -, especialmente com a facilidade que o enfraquecimento da verdade trouxe. Destarte, observando que as pessoas deixaram de acreditar em seus representantes e instituições que as norteavam em relação aos fatos, aqueles com interesses em mobilizar a sociedade em prol de alguém e/ou alguma causa, perceberam a possibilidade de “brincar com a realidade” (KAKUTANI, 2018) e, com isso, “minar e enfraquecer ainda mais as velhas formas de poder” (BRANDON HARRIS, 2016 apud KAKUTANI, 2018, p. 105). Ademais, Lazarsfeld e Merton (1971 apud MESSAGI JÚNIOR, 2018, p. 100) ressalta que certos discursos funcionam melhores que outros na intenção de induzir seus receptores a algum estímulo, e pontua que técnicas que podem ser utilizadas para alcançar esse objetivo podem ser dividas em “monopolização, canalização e suplementação”. Em sua definição: ● Monopolização - uma campanha só consegue resultados massivos em larga escala se não houver contra discurso no espaço público [...] Em alguns casos, o Estado interdita o quanto pode a voz contrária à sua campanha. ● Canalização - Lazarsfeld percebeu, há mais de 60 anos, que é muito difícil mudar, com mensagens midiáticas, comportamentos arraigadas nas pessoas. É mais fácil canalizar hábitos já existentes ou predispostos ● Suplementação- Mas, mesmo se não houver voz divergente nem comportamento consolidado, falta um elemento fundamental: a comunicação interpessoal. Uma campanha só consegue bons resultados se investir também em contato face a face (LAZARSFELD, MERTON, 1971 apud MESSAGI JÚNIOR, 2018, p. 101- 102) Muitas vezes, para “brincar com a realidade”, retomando o termo de Kakutani (2018), e induzir os receptores ao estímulo desejado, especialmente no contexto das fake news, a ferramenta de canalização é amplamente utilizada. São consideradas as emoções que os indivíduos nutrem em relação às instituições tradicionais, destacando-se a desconfiança e a raiva, para criar 46 discursos que atrelam isso a outras informações que não necessariamente são verdadeiras. Lazarsfeld (1944), citado por Messagi Júnior (2018), também notou que mais que as mídias tradicionais, a comunicação interpessoal tinha uma grande relevância no processo de interação. Surgiu, assim, a teoria da comunicação em duas etapas ou two step flow. Ela postula que os líderes de opinião são afetados primeiramente pelas mensagens dos meios e as transmitem, modificadas ou não, para o seu grupo de relações. Há, portanto, mediação entre a recepção e os meios (MESSAGI JÚNIOR, 2018, p. 103) Esse conceito está em voga novamente devido à expansão das redes sociais digitais e figuras públicas que colocam-se como representantes de causas e/ou pessoas nesses ambientes digitais (MESSAGI JÚNIOR, 2018). Com a internet, nas palavras de Messagi (2018), “o poder de influenciar diretamente, usando os instrumentos de mediação tecnológica disponíveis para o indivíduo, foi ampliado” (p. 105). Nesse processo, somado à construção dessas narrativas, também houve esforços para desacreditar a mídia tradicional, que tem um papel central na elucidação de fatos. Ao mesmo tempo, [Trump] compreendeu instintivamente que esse novo cenário governado pela internet e a crescente ignorância de alguns eleitores tornavam mais fácil do que nunca influenciar seus medos e ressentimentos ao promover narrativas virais e convincentes que servem de base para realidades alternativas. Trump também aumentou seus esforços para desacreditar o jornalismo, taxar matérias como fake news e atacar os repórteres, classificando-os de ‘inimigos do povo’ - um termo arrepiante usado outrora por Lênin e Stalin (KAKUTANI, 2018, p. 98). Para isso, um dos artifícios utilizados é a criação e fortalecimento de “mídias alternativas próprias”, especializadas na disseminação de desinformações, na propagação do ódio e na provocação de adversários” (KAKUTANI, 2018, p. 171), que ficariam responsáveis por criar significado, à sua maneira, em indivíduos que estivessem ressentidos com os antigos representantes e poderes. A jornalista Anne Applebaum (2017 apud KAKUTANI, 2018), considera grupos praticantes dessas táticas como “neobolcheviques”, que “assim como Lênin e Trotski, se basearam em políticas extremistas para surfar uma onda de populismo e galgar posições de destaque” (KAKUTANI, 2018, p. 171). 47 Esse grupo, de acordo com a autora, assemelha-se a Lênin na “promoção antidemocrática de alguns grupos sociais em detrimento de outros e os ataques de ódio a seus oponentes ‘ilegítimos”’ (APPLEBAUM, 2017 apud KAKUTANI, 2018, p. 171) e também utilizam mídias próprias para, essencialmente, propagar ódio, desinformação e provocar os adversários. Entre eles, destacam-se Donald Trump, nos Estados Unidos, e Bolsonaro, no Brasil, ambos conhecidos por seus ataques à imprensa, como forma de desacreditá-la. Este último, inclusive, em 7 de outubro de 2019, deu a seguinte declaração em uma coletiva de imprensa, reportada pela revista Veja11: “Vocês (jornalistas) querem me derrubar? Eu tenho couro duro, vai ser difícil. Continuem mentindo”. A alegação dizia respeito a reportagens publicadas pela Folha de São Paulo e pelo Correio Braziliense12, ambas expondo irregularidades ocorridas em seu mandato, e expõe as tentativas do presidente - que se valeu de suas redes sociais digitais durante toda sua campanha eleitoral, o que demonstra o desprezo pela imprensa tradicional - de desvalorizar a mídia tradicional brasileira e, mais ainda, tratá-la como mentirosa, criando essa narrativa para seus eleitores, que atualmente negam mídias historicamente tradicionais em detrimento de mídias alternativas. 4.2.2 A influência do pós-modernismo O controle das narrativas, construídas substancialmente sob algumas emoções, como o medo, somado à queda da verdade, facilitou que as pessoas, especialmente no ambiente digital, tomassem qualquer informação que estivesse de acordo com seus valores, como algo verdadeiro, independente dos fatos, facilitando a atuação das fake news. No entanto, é interessante observar que a pós-verdade, que possibilitou esse cenário, foi diretamente influenciada diretamente pela corrente filosófica pós-moderna, surgida após a Segunda Guerra Mundial. Há muitas linhas diferentes de Pós-modernismo, assim como muitas interpretações diferentes. No entanto, de modo geral, os argumentos 11 Bolsonaro: ‘Querem me derrubar? Eu tenho couro duro, vai ser difícil’. VEJA. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/querem-me-derrubar-eu-tenho-couro-duro-vai-ser-dificil-diz- bolsonaro/ Acesso em: 12 de outubro de 2019. 12 Fake news: Memórias de mercenários. Correio Braziliense. Disponível em: https://especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html Acesso em: 12 de outubro de 2019. https://veja.abril.com.br/politica/querem-me-derrubar-eu-tenho-couro-duro-vai-ser-dificil-diz-bolsonaro/ https://veja.abril.com.br/politica/querem-me-derrubar-eu-tenho-couro-duro-vai-ser-dificil-diz-bolsonaro/ https://especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html 48 Pós-modernistas negam a existência de uma realidade objetiva independente da percepção humana, argumentando que o conhecimento é filtrado pelos prismas de classe, gênero e outras v