1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências Augusto Seawright Zanatta As interferências das pisciculturas em tanques-rede sobre as assembléias de peixes em grandes reservatórios do rio Paranapanema (Bacia do Alto Paraná) Botucatu, 2011 2 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências As interferências das pisciculturas em tanques-rede sobre a assembléia de peixes em grandes reservatórios do rio Paranapanema (Bacia do Alto Paraná) Augusto Seawright Zanatta Orientador: Prof. Dr. Edmir Daniel Carvalho Botucatu, 2011 Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Botucatu, como parte dos requisitos para a obtenção do Título de Doutor em Ciências Biológicas, Área de Concentração: Zoologia. 3 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação Divisão Técnica de Biblioteca e Documentação - Campus De Botucatu - UNESP Bibliotecária responsável: Sulamita Selma Clemente Colnago – CRB 8/4716 Zanatta, Augusto Seawright. As interferências das pisciculturas em tanques-rede sobre as assembléias de peixes em grandes reservatórios do rio Paranapanema (bacia do Alto Paraná) / Augusto Seawright Zanatta. - Botucatu, 2011 Tese (doutorado) - Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2011 Orientador: Edmir Daniel Carvalho Capes: 20502001 1. Ecossistemas aquaticos 2. Recursos Pesqueiros. 3. Bioinvasão Palavras-chave: Alto Paraná; Assembléia de peixes residentes; Biologia da conservação; Eutrofização; Piscicultura em tanques-rede 4 DEDICO A meu pai Erineu Luis Zanatta (in memorem) OFEREÇO A minha mãe Laura Seawright Zanatta, pelo constante apoio na batalha 5 ...SE O QUADRO É EM PRETO E BRANCO COLORIR É DISFARÇAR... Melhor Assim (Poléxia) 6 AGRADECIMENTOS Antes de pessoas ao meu redor, dou graças a alguém que vive dentro de mim, Deus. Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente participaram do auxílio e execução deste trabalho: Ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Botucatu. A meus pais, pela compreensão e auxílio nos muitos difíceis momentos em que passei durante esta caminhada. Um agradecimento muito mas muito especial à Mariana Corvino dos Santos, muitíssimo grato pela compreensão, apoio e companheirismo. Ao Prof. Dr. Edmir Daniel Carvalho, que, antes de ser meu mestre, é considerado meu amigo. Ao amigo e biólogo Dr. Mário Luis Orsi pelas oportunidades e conselhos até hoje concedidos a minha pessoa. E por toda a confiança em mim depositada. Aos grandes amigos e companheiros: Daniele Traficante “Traff”, Luciano Aires “Marano”, Daniel Duarte “Teta”, Fernando Yuldi, Armando Casimiro, Gregório Kurchevski “Greg”, Paulo Cichi, Márcio, Helan, João Paulo, Bruno Castilho, Domingos Neto “Netão”, Bruno Trindade “Brunão”, Fábio Seiva, Débora, Khaled, Dani Fossato, Gilmar, Fabrício “Facão”, Maurício e claro não posso me esquecer da Angela (mãe do Fábio) pelos momentos inesquecíveis e 7 sem os quais eu não teria visto o sol nascer em dias de semana e muitas das minhas manhãs poderiam ter sido mais produtivas. A todos os meus colegas de laboratório, Ana Carolina “Magrela”, André Nóbile “Sabor”, Igor Paiva Ramos, Jaciara Vanessa Kruger Paes, Ana Paula Vidotto, Heleno Brandão, Felipe “Limão”, Gian Marco Silva David, José Luiz Costa Novaes, Sandro Brito e Ricardo Teixeira. Pensando que eu me esqueci né... se enganaram... Ao Laboratório de Parasitologia de Animais Silvestres (LAPAS), nas pessoas do grande e muito amigo Prof. Dr. Reinaldo José da Silva e a amiga Érica de Oliveira Penha Zica (sucesso sempre). Aos mais novos porém não esquecidos companheiros de trabalho da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Bruno Galindo, Viviane Alves, Carlos Aggio, Lindalva Maduenho, Kathya Assmann, Diego e Rodrigo Poletto. À Duke-Energy International (Geração Paranapanema) pela disponibilização dos dados operacionais da Usina Hidroelétrica de Chavantes. Às agências de fomento: CNPq CT-Hidro (Proc. n o. 556266/2006-4) pela concessão da bolsa de estudo e FINEP/MCT (Proc. no. 01.06.0326.00) pelo auxílio concedido ao orientador que possibilitou o desenvolvimento deste trabalho. Que me desculpem os esquecidos... 8 ÍNDICE Capítulo 1 – Interferências bio-ecológicas da tilapicultura em um grande reservatório Neotropical: condições limnológicas e assembléia de peixes residentes Resumo..............................................................................................02 Abstract...............................................................................................02 Introdução...........................................................................................03 Material e Métodos.............................................................................04 Resultados..........................................................................................08 Discussão...........................................................................................18 Referências Bibliográficas..................................................................23 Capítulo 2 – Reflexos ambientais de um grande reservatório em resposta às emissões de efluentes de um sistema de piscicultura em tanques-rede Resumo..............................................................................................30 Abstract...............................................................................................30 Introdução...........................................................................................31 Material e Métodos.............................................................................33 Resultados..........................................................................................37 Discussão...........................................................................................48 Referências Bibliográficas..................................................................53 Capítulo 3 – A polêmica das pisciculturas em tanques rede e osrecursos naturais dos grandes reservatórios do Alto Paraná..............................62 9 PRIMEIRO CAPÍTULO 10 Interferências bio-ecológicas da tilapicultura em um grande reservatório Neotropical: condições limnológicas e assembléia de peixes residentes Resumo Atualmente, a filosofia da sustentabilidade ambiental que foca a preocupação com o uso racional dos recursos hídricos e pesqueiros, em particular a aqüicultura, está aumentando em nossa sociedade. Portanto, é preciso empregar esforços compatibilizando processos antagônicos da produção de alimento versus preservação ambiental. Neste contexto, o presente trabalho objetivou avaliar as possíveis interferências ambientais (limnológicas e ictiológicas) de um empreendimento de tilapicultura em tanques-rede no reservatório de Chavantes (Médio Rio Paranapanema, SP/PR). Para tanto, foram efetuadas 12 coletas mensais (fev/07- jan/08) de variáveis físico químicas da água e da assembléia de peixes em um trecho vicinal ao sistema de tilapicultura (TR) e outro trecho controle (CR). Em relação às variáveis físico químicas da água apenas a temperatura e o oxigênio dissolvido apresentaram diferenças significativas, sendo a primeira mais elevada no trecho TR e a segunda no trecho CR. Para a assembléia de peixes. Independente do trecho amostrado foram capturados 1274 indivíduos (19 espécies), sendo que cinco espécies foram exclusivas do trecho CR. Dentre os atributos ecológicos tanto a riqueza quanto a diversidade de espécies foram significativamente mais elevadas no trecho CR, assim como a dominância foi para o trecho TR. Os resultados diagnosticados para a dominância podem ser atribuídos devido à elevada representatividade de Pimelodus maculatus no trecho TR, espécie oportunista e onívora, o que favorece a sua adaptação à esse ambiente. Estes dados permitem inferir que o sistema de tilapicultura em tanques-rede está causando consecutivos distúrbios ambientais, os quais estão sendo responsáveis por interferir na integridade ambiental resultando em uma reestruturação significativa da assembléia de peixes na área sob influência da tilapicultura no reservatório de Chavantes. Palavras chave – Aporte de nutrientes; Assembléia de peixes; Preservação ambiental; Tilapicultura. Abstract Nowadays the environmental care is focusing on the sustainable use thru the rational occupation of the hydric and fishing sources, particularly aquaculture. For this to occur is necessary a deep correlation between the production system and preservation efforts. The present paper focus on the evaluation of the environmental interferences (limnologyc and ictiologyc) caused by Tilapia cage fish farm activities in the Chavantes reservoir (Middle Paranapanema River SP/PR). This work was based on 12 monthly samplings, occurred between February/2007 to January/2008 focusing on the water physicochemical variation and fish assemblage analysis in two areas: influenced (neighborhood) by cage fish farm (TR) and none influenced area (CR). The water physicochemical analyses shone significant alterations only in the temperature (higher in TR) and dissolved oxygen (higher in CR). A total of 1274 specimens were collected and grouped in 19 species with five species exclusive to stretch CR. The ecological 11 analyses of richness and diversity were significantly higher in the CR zone as the dominance index was higher for TR. The dominance index was considered influenced by the Pimelodus maculatus high representativety in the TR area, this species is considered onivore and opportunist what explain its numerical abundance. These data concludes that the Tilapia cage fish farming is causing successive harm to the natural systems, provoking alterations in the fishing assemblages in the Chavantes reservoir. Key word – Nutrients input; Fish assemblage; Environmental preservation; Tilapiculture. Introdução De acordo com o Ministério da Pesca e Aqüicultura, a produção nacional de pescado teve um crescimento de 25% nos últimos oito anos, sendo 15,7% somente em 2008 e 2009 (MPA, 2010). Comparando-se à 2007, a piscicultura teve um ganho de 60%, em toneladas métricas, tendo o papel fundamental para todo este avanço, o cultivo das diferentes linhagens de tilápias, Oreochromis niloticus (Trewavas, 1983) (MPA, 2010). Ainda, de acordo com KUBO (2005) um dos grandes responsáveis pelo crescimento da aqüicultura continental brasileira é o considerável aumento de pisciculturas em tanques- rede, em especial, nos últimos cinco anos. Apesar da elevada importância econômica deste setor, a carência de mão-de-obra e assistência técnica qualificada, pode em muitos casos, comprometer tanto a viabilidade econômica, quanto causar interferências no ecossistema aquático (AGOSTINHO et al., 2007; CARVALHO et al., 2010). DOMINGUÉS & MARTÍN (2005), discutem que as possíveis alterações sobre o ecossistema são muitas vezes omitidas, isto em razão da possibilidade de frear o atual avanço econômico da produção, desprezando-se a filosofia da sustentabilidade (ELER & MILLANI, 2007). Ainda, o argumento de que a aqüicultura venha a suprir a elevada demanda mundial por pescado é uma questão bastante polêmica, visto que 25% da captura de pescado marinho é destinado a produção de insumos para a fabricação de ração (NAYLOR et al., 1998 e 2000). A introdução de espécies não nativas e de organismos patogênicos, a eutrofização e o conflito com outros usos da área são discutidos por BEVERIDGE (1984) como principais interferências da aquicultura sobre o ecossistema aquático. 12 Em relação às espécies não nativas, WELCOMME (1988) e DIAS (2011) apontam que apesar do grande número de espécies de peixes cultivadas, grande parte da produção sustenta-se em algumas dessas espécies alóctones. Ainda, ARTHUR et al. (2010) reportam as tilápias e as carpas, como um caso específico, pois estas estão amplamente distribuídas além dos seus ambientes naturais e perfazem 80% da produção aquícola continental nas regiões tropicais do planeta. Quanto à eutrofização artificial, alguns autores discutem sobre a emissão do fósforo advindo da ração como o principal agente indutor deste processo, pois para cada kilograma de pescado cultivado cerca de 0,023kg de fósforo é disponibilizado ao ambiente (BEVERIDGE, 1984). Sabe-se que o olfato é o primeiro senso de orientação na detecção de alimento em várias espécies de peixes (VICKERS, 2000). Desta forma, todo o resíduo biológico (sobras de ração e fezes), além de possível indutor da eutrofização, também servem de atrativo para as assembléias de peixes residentes (PILAY, 2003). A partir destas considerações avaliou-se a possível interferência local, na composição e estrutura da ictiofauna residente e nas condições limnológicas, da presença de um empreendimento particular de tilapicultura em tanques-rede no reservatório de Chavantes (Médio Rio Paranapanema, SP/PR). Material e Métodos O reservatório de Chavantes é o segundo reservatório de grande porte na cascata do rio Paranapanema, possui formato dendrítico e funcionamento do tipo acumulação. Sua área é de 400Km2 e seu volume 8.795hm3, com vazão defluente média de 279m3.s-1. É um reservatório com grande profundidade podendo chegar a até 90m na região próxima à barragem, é classificado como oligo mesotrófico apresentando elevada transparência da água (c.a. 5m) nos trechos lênticos e a estratificação térmica bem definida ocorre abaixo dos 20m. O uso e ocupação do solo em sua bacia é caracterizado por atividades agro- pecuária (NOGUEIRA et al., 2006). 13 Este estudo foi conduzido em dois trechos deste reservatório: a) em um sistema particular de piscicultura em tanques-rede (TR) e b) outro, considerado como trecho controle (CR), com características fisiográficas similares a do trecho tanque-rede e situado aproximadamente 1km à montante do sistema de piscicultura (Figura 1). Figura 1 – A) Mapa do Brasil, B) Rio Paranapanema e seus tributários, C) Reservatório de Chavantes e, D) Imagem de satélite (Google Earth) da área de estudo, controle e tanque-rede. O sistema de piscicultura estava localizado (23⁰08’26,43”S 49⁰41’38,62”W) no município de Timburi (SP), próximo a barragem do reservatório de Chavantes. A área ocupada por 250 tanques-rede de 6 m3 de volume útil abrangiam uma extensão de 226.840m2 numa região do reservatório com declividades bem acentuadas atingindo até 56m de profundidade. Em termos zootécnicos, este sistema produziu em média 8,7ton de pescado/ciclo em 2,5 ciclos anual. Ainda, a taxa de conversão alimentar variou de 1,4 a 2,4kg/ração para cada 1,0kg de peixe vivo produzido, sendo a espécie exclusiva deste cultivo a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) linhagem Chitralada (CARVALHO et al., 2008), espécie não-nativa e de alto potencial invasivo. 14 As amostragens da ictiofauna (e das variáveis físico químicas da água) foram realizadas mensalmente entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2008. Os peixes foram capturados com lotes de redes de espera de monofilamento de nylon (malhagens entre 3 e 14 cm entre nós adjacentes), com 20m de comprimento e 1,50m de altura média, totalizando 450m2 de rede para cada trecho (controle e tanque-rede). Estas redes permaneciam expostas por aproximadamente 15 horas (das 16:00h até as 7:00h do dia posterior). Apesar da seletividade amostral deste aparato de captura em relação a alguns grupos taxonômicos (LOWE-McCONNEL, 1987), esta técnica proporciona uma medida útil comparativa em relação às alterações espaço-temporal na abundância relativa das espécies de peixes (HUBERT, 1983 in GIDO & MATTHEWS, 2000). Ainda em campo e com base em CLOFFSCA (REIS et al., 2003) os peixes eram identificados até o nível taxonômico de espécie. E os animais com identificação duvidosa foram conservados em solução de formaldeído a 10% e posteriormente foram encaminhados a especialistas. Após identificação foram registrados os dados de comprimento padrão (Lt) em cm e o peso total (Wg) em g. Exemplares das espécies capturadas estão depositados na Coleção de Peixes do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo, Brasil. Também foram registrados perfis verticais (a cada 1m, até um limite de 30m), com o auxílio de uma sonda multiparâmetros Horiba U-10 nos trechos controle e tanques-rede, das seguintes variáveis: pH, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido, temperatura e turbidez da água. E foram coletadas amostras de água em quatro profundidades de cada trecho, usando a garrafa de Van-Dorn, para a análise da concentração dos nutrientes (nitrogênio total – MACKERETH et al., 1978, e fósforo total – STRICKLAND & PARSONS, 1960), material em suspensão (COLE, 1979) e clorofila a (TALLING & DRIVER, 1963). A transparência da água foi estimada com o uso do disco de Secchi. Posteriormente, foi calculada a média dos valores dessas variáveis na coluna 15 de água, incluindo valores após a clina das estratificações térmicas e químicas, só não observadas no inverno. Dados de pluviosidade mensal acumulada e a variação do nível fluviométrico do reservatório para o período de estudo foram cedidos pela empresa gerenciadora (Duke Energy – Geração Paranapanema). Os atributos ecológicos (riqueza de espécies – número de espécies capturadas em cada trecho/mês, dominância – BEAMOUND in BENEDITO- CECÍLIO & AGOSTINHO, 1997, diversidade de Shannon-Wiener – KREBS, 1989 e equitabilidade de Pielou – KREBS, 1989) foram determinados e analisados comparativamente entre as assembléias de peixes de cada trecho. Foram realizadas estatísticas descritivas (mínimo, máximo, média, desvio padrão e erro padrão) sobre os dados brutos das variáveis físico químicas da água e das assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa). Também, análises estatísticas de variância (ANOVA) foram aplicadas segundo ZAR (1999) com o intuito de verificar diferenças, entre os trechos, das variáveis físico e químicas e também para as assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa). Todos esses dados foram transformados em LogX+1, com exceção do pH, visto que já está em escala logarítmica. A homogeneidade da variância foi testada com o teste de Levene (p>0,05). O teste de Fisher LSD foi aplicado a posteriori para evidenciar os grupos distintos. A correção de Bonferroni foi utilizada a fim de evitar o erro do tipo I sobre as hipóteses nulas, entretanto, não foram verificadas infrações (p>0,05) nos testes utilizados. Ressalvo que as espécies de peixes que não apresentaram distribuição homogênea ou baixa abundância e/ou biomassa foram excluídas destas análises. A análise de correspondência canônica (ACC) foi aplicada para detectar as possíveis correlações entre as assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa) com as variáveis ambientais. Espécies que apresentaram escores próximos de zero foram excluídas da análise, evitando correlações espúrias. Para os dados físicos e químicos observou-se baixo número de correlações significativas utilizando um limite de p<0,05 (95%), assim foram realizadas 16 10.000 permutações utilizando um nível de significância mais elevado, de p<0,20. A ACC foi realizada usando o software de livre distribuição “R” Cran Project (2005). As ANOVAs, testes pressupostos, a posteriori e as regressões múltiplas foram realizadas no software Statistic 6.0. Resultados A área do reservatório de Chavantes apresenta um regime pluviométrico bem definido sazonalmente, com valores elevados no verão e baixos valores no final do outono, inverno e início da primavera. Porém, pode-se detectar chuvas atípicas no inverno (julho/07). Todavia, como a vazão deste ambiente artificial é controlada pelo sistema operacional da UHE, mesmo em meses com altas taxas de pluviosidade o nível fluviométrico deste ecossistema pouco se alterou, sendo que se constata uma variação anual de 4,5m, com oscilações mensais menores que 1,3m (Figura 2). Figura 2 – Variação mensal do nível fluviométrico médio (m) e da pluviosidade acumulada (mm) para o reservatório de Chavantes (SP/PR) no período estudado. Os valores médios (±desvio-padrão) e mínimo-máximo das variáveis físico e químicas da água estão apresentados na Tabela 1, bem como estão incluídos os resultados da ANOVA. Apenas a temperatura e o oxigênio dissolvido apresentaram diferenças significativas entre os trechos tanque-rede 17 e controle, sendo que o oxigênio dissolvido apresentou médias mais elevadas no trecho controle, ao passo que a temperatura foi mais elevada no trecho tanque-rede (Tabela 1, Figura 3 A e B). Tabela 1 – Valores médios±desvio padrão, mínimo-máximo, coeficiente de variação e resultados da ANOVA (F e p) para as variáveis físico e químicas da água nos trechos controle (CR) e tanque-rede (TR) no reservatório de Chavantes (SP/PR) no período de estudo. CR TR ANOVA Variáveis Média ±DP Min Max Média ±DP Min Max F p Transp. (m) 3,26 ±0,87 1,50 4,50 3,46 ±1,12 1,30 5,80 1,81 0,20 pH 7,31 ±0,55 6,65 8,20 7,24 ±0,43 6,65 7,95 1,78 0,20 Cond. (µS.cm-1) 39,18 ±17,38 13,00 71,00 39,55 ±17,82 13,00 72,50 0,01 0,94 O.D. (mg.L-1) 7,84 ±0,47 7,00 8,50 7,23 ±0,62 7,00 7,95 12,24 0,00 Temp. (⁰C) 23,74 ±2,83 19,80 28,00 24,03 ±2,80 19,80 28,00 5,46 0,04 NT (µg.L-1) 0,23 ±0,07 0,05 0,30 0,26 ±0,09 0,05 0,49 0,36 0,56 PT (µg.L-1) 0,06 ±0,06 0,02 0,20 0,04 ±0,01 0,02 0,05 2,63 0,13 Turb. (NTU) 1,99 ±1,22 0,72 5,17 1,99 ±0,94 0,72 4,15 0,18 0,67 Clor. (µg.L-1) 0,86 ±0,87 0,27 3,34 1,13 ±1,10 0,27 3,85 0,63 0,44 Valores em negrito = dados significativos (p<0,05); Transp. – transparência; Cond. – condutividade elétrica; O.D. – oxigênio dissolvido; Temp. – temperatura da água; NT – nitrogênio total; PT – fósforo total; Turb. – turbidez e; Clor. – Clorofila a. f=12,24 p=0,00 Controle Tanque-rede 7,0 7,2 7,4 7,6 7,8 8,0 8,2 8,4 O .D . ( m g. L-1 ) A B f=5,46 p=0,04 Controle Tanque-rede 23,7 23,8 23,9 24,0 24,1 24,2 24,3 24,4 24,5 24,6 24,7 Te m p. (° C ) 18 Figura 3 – Valores médios (±erro padrão) do oxigênio dissolvido (A) e da temperatura (B) para os trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Em relação as assembléias de peixes, independente do trecho amostrado (controle e tanque-rede) foram capturados 1.274 peixes distribuídos em 19 espécies (Tabela 2), sendo que seis espécies juntas foram responsáveis por mais de 91% deste montante, destaque para Pimelodus maculatus e Apareiodon affinis que representaram 67,02% do total de peixes amostrados (Figura 4). Tabela 2 – Posição taxonômica, nome científico e acrônimo das espécies de peixes capturadas no reservatório de Chavantes no período estudado. Classe OSTEICHTHYES Sub Classe ACTINOPTERYGHI Superordem OSTARIOPHYSI Ordem CHARACIFORMES Família Characidae Subfamília Cynopotaminae Galeocharax knerii (Steindachner, 1879) Gkner£ Subfamília Serrasalminae Serrasalmus maculatus (Kner, 1858) Smacu£ Piaractus mesopotamicus (Holmberg, 1887) PmesoΘ Incertae Sedis Astyanax altiparanae (Garutti & Britski, 2000) Aalti£ Família Acestrorhynchidae Acestrorhyncus lacustris (Lütken, 1875) Alacu£ Família Erythrinidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) Hmala£ Família Anostomidae Leporinus amblyrhyncus (Garavello & Britski, 1987) LamblΘ Leporinus friderici (Bloch, 1794) Lfrid£ Leporinus obtusidens (Valenciennes, 1837) Lobtu£ Leporinus octofasciatus (Steindachner, 1915) Locto£ Schizodon nasutus (Kner, 1858) Snasu£ Família Curimatidae Steindachnerina insculpta (Fernández – Yépez, 1948) Sinsc£ Família Prochilodontidae Prochilodus lineatus (Valenciennes, 1837) Pline£ Família Parodontidae Apareiodon affinis (Steindachner, 1879) Aaffi£ Ordem SILURIFORMES Família Pimelodidae Pimelodus maculatus (Lacepède, 1803) PmacuΘ 19 Continuação tabela 2 Iheringichthys labrosus (Lütken, 1874) Ilabr£ Ordem PERCIFORMES Família Cichlidae Subfamília Pseudocrenilabrinae Oreochromis niloticus (Trewavas, 1983) Onilo* Tilapia rendalli (Boulenger, 1897) Trend*£ Família Sciaenidae Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) Psqua*£ * Espécies não-nativas; £ Mais abundantes CR; Θ Mais abundantes TR Figura 4 – Abundância numérica relativa (%), das espécies de peixes capturadas no reservatório de Chavantes no período estudado. Dentre os 1.274 peixes amostrados, 47,25% (602 animais) foram capturados no trecho controle e 52,75% (672 animais) no trecho tanque-rede. Já entre as 19 espécies capturadas, cinco foram exclusivas do trecho controle, a saber: Hoplias malabaricus, Leporinus friderici e Leporinus obtusidens todas com apenas um indivíduo capturado, Tilapia rendalli com dois espécimes amostrados e Leporinus octofasciatus com seis indivíduos capturados. A análise estatística (ANOVA) dos valores médios dos atributos ecológicos para o período de estudo, mostrou que apenas a equitabilidade não apresentou diferença significativa, sendo que no trecho controle a média foi de 20 0,58 (±0,17) e no trecho tanque-rede, média de 0,57 (±0,18) (F= 0,05; p= 0,81), já a riqueza e diversidade foram mais elevadas no trecho controle (Figura 5 A e B respectivamente) e a dominância no trecho tanque-rede (Figura 5 C). F=29,33 p=0,00 Controle Tanque-rede 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 R iq ue za (n úm . d e es pé ci es ) A F=23,55 p=0,00 Controle Tanque-rede 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8 2,0 D iv er si da de (b its .in d) B F=19,60 p=0,00 Controle Tanque-rede 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 D om in ân ci a C Figura 5 – Valores médios (±erro padrão) dos atributos ecológicos (riqueza de espécies - A, diversidade - B e dominância - C) das espécies de peixes coletadas nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. As espécies H. malabaricus, L. friderici, L. obtusidens, L. octofasciatus, O. niloticus e T. rendalli, foram excluídas da ANOVA aplicada sobre a abundância numérica dos peixes, pois estas foram espécies com baixa freqüência, já os resultados desta análise para as demais espécies e para a abundância total estão apresentados na Tabela 3. Para o trecho tanque-rede apenas P. maculatus (Figura 6 A) foi mais abundante, enquanto que no trecho controle as espécies P. squamosissimus, S. insculpta, S. maculatus e S. nasutus foram mais abundantes (Figura 6 B, C, D e E respectivamente). 21 Tabela 3 – Resultados da analise estatística ANOVA (F e p) para a abundância numérica das espécies de peixes coletadas mensalmente nos trechos controle e tanque-rede do reservatório de Chavantes no período estudado. Espécies ANOVA F p Acestrorhyncus lacustris 1,73 0,21 Apareiodon affinis 3,04 0,11 Astyanax altiparanae 0,03 0,86 Galeocharax knerii 0,11 0,75 Iheringichthys labrosus 2,24 0,16 Leporinus amblyrhyncus 0,62 0,45 Piaractus mesopotamicus 0,08 0,78 Pimelodus maculatus 16,57 0,00 Plagioscion squamosissimus 78,76 0,00 Prochilodus lineatus 3,35 0,09 Schizodon nasutus 15,04 0,00 Serrasalmus maculatus 5,26 0,04 Steindachnerina insculpta 7,63 0,02 Abundância Total 0,03 0,87 Em negrito dados significativos (p<0,05) F=16,57 p=0,00 Controle Tanque-rede -10 0 10 20 30 40 50 P im el od us m ac ul at us A F=78,76 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 2 4 6 8 10 12 14 P la gi os ci on s qu am os is si m us B F=7,63 p=0,02 Controle Tanque-rede -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 S te in da ch ne rin a in sc ul pt a C F=5,26 p=0,04 Controle Tanque-rede -0,5 0,0 0,5 1,0 S er ra sa lm us m ac ul at us D 22 F=15,05 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 1 2 3 S ch iz od on n as ut us E Figura 6 – Valores médios (±erro padrão) da abundância numérica de Pimelodus maculatus (A), Plagioscion squamosissimus (B), Steindachnerina insculpta (C), Pimelodus maculatus (D) e Schizodon nasutus (E) coletados nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Com relação à biomassa, as espécies H. malabaricus, L. friderici, L. obtusidens, L. octofasciatus, O. niloticus, P. mesopotamicus e T. rendalli, foram excluídas da ANOVA, pois suas biomassas não foram representativas. A Tabela 4 apresenta os resultados da ANOVA aplicada sobre a biomassa das demais espécies e a biomassa total. Novamente a espécie P. maculatus apresentou diferença significativa com maior média no trecho tanque-rede (Figura 7 A), já as espécies A. affinis, I. labrosus, P. squamosissimus, S. insculpta e S. nasutus tiveram suas biomassas mais representativas no trecho controle (Figura 7 B, C, D, E e F respectivamente). Tabela 4 – Resultados da análise estatística ANOVA (F e p) para a biomassa das espécies de peixes coletadas nos trechos controle e tanque-rede do reservatório de Chavantes no período estudado. Espécies ANOVA F p Acestrorhyncus lacustris 2,19 0,17 Apareiodon affinis 4,63 0,05 Astyanax altiparanae 0,04 0,84 Galeocharax knerii 0,83 0,38 Iheringichthys labrosus 5,74 0,04 Leporinus amblyrhyncus 3,01 0,11 Pimelodus maculatus 3,71 0,05 Plagioscion squamosissimus 18,17 0,00 Prochilodus lineatus 1,68 0,22 23 Continuação tabela 4 Schizodon nasutus 21,84 0,00 Serrasalmus maculatus 0,96 0,35 Steindachnerina insculpta 10,10 0,01 Biomassa Total 1,30 0,28 Em negrito dados significativos (p<0,05) F=3,71 p=0,05 Controle Tanque-rede -2000 0 2000 4000 6000 8000 P im el od us m ac ul at us A F=4,63 p=0,05 Controle Tanque-rede 0 200 400 600 800 1000 A pa re io do n af fin is B F=5,74 p=0,04 Controle Tanque-rede -100 -50 0 50 100 150 200 250 300 350 Ih er in gi ch th ys la br os us C F=18,17 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 P la gi os ci on s qu am os is si m us D F=10,10 p=0,01 Controle Tanque-rede -50 0 50 100 150 S te in da ch ne rin a in sc ul pt a E F=21,84 p=0,00 Controle Tanque-rede -200 -100 0 100 200 300 400 500 600 S ch iz od on n as ut us F 24 Figura 7 – Valores médios (±erro padrão) da biomassa de Pimelodus maculatus (A), Apareiodon affinis (B), Iheringichthys labrosus (C), Plagioscion squamosissimus (D), Steindachnerina insculpta (E) e Schizodon nasutus (F) coletados nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Na Tabela 5 constam os valores da correlação canônica ajustada (r2) e do nível de significância (p) das análises geradas entre a abundância numérica e biomassa com as variáveis físico e químicas da água. Tanto para a abundância quanto para a biomassa apenas o oxigênio dissolvido, a temperatura e a condutividade tiveram níveis de significância (p<0,20), já para a abundância de peixes, as espécies A. lacustris, A. altiparanae, S. nasutus, S. maculatus e S. insculpta foram retiradas da análise devido a correlações espúrias. A Figura 8 (A) apresenta a ACC relacionando as variáveis físicas e químicas da água com a abundância dos peixes amostrados. As duas primeiras variáveis canônicas explicaram 75%. Na primeira variável, A. affinis associou-se positivamente com a condutividade elétrica e com quatro meses (jun, jul, set e, out) do controle e três meses (ago, out, nov) do tanque-rede. As espécies P. squamosissimus, I. labrosus e G. knerii se correlacionaram com o trecho controle e o oxigênio dissolvido. Inversamente, a espécie P. maculatus esteve associada à temperatura e vários meses (exceto ago, set, out, nov) do trecho tanque-rede. Na ACC aplicada para relacionar a biomassa dos peixes com as variáveis físicas e químicas da água (Figura 8 B), as duas primeiras variáveis explicaram 52%. Na primeira variável, o oxigênio dissolvido e a condutividade elétrica estiverem positivamente correlacionadas com S. insculpta, I. labrosus, S. nasutus, P. squamosissimus, G. knerii, A. altiparanae, A. lacustris e A. affinis e diversos meses representados principalmente pelo trecho controle. Inversamente a estes, e de forma próxima a abundância numérica, P. maculatus se correlacionou com a temperatura e o trecho tanque-rede. 25 Tabela 5 – Valores das análises da correlação canônica ajustada (r2) e do nível de significância (p) geradas entre as variáveis bióticas (abundância e biomassa) e abióticas (variáveis físico e químicas da água) para os trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Variável Abundância Biomassa r2 p r2 p Condutividade 0,26 0,13 0,19 0,17 Temperatura 0,28 0,10 0,17 0,20 Oxigênio Dissolvido 0,21 0,20 0,22 0,12 Turbidez 0,05 0,69 0,05 0,65 pH 0,07 0,75 0,04 0,71 Transparência 0,10 0,73 0,25 0,49 Clorofila a 0,17 0,63 0,15 0,82 Fósforo total 0,03 0,69 0,04 0,65 Nitrogênio total 0,06 0,63 0,03 0,70 A. lacustris -- -- 0,21 0,05 A. affinis 0,78 0,00 0,72 0,00 A. altiparanae -- -- 0,24 0,05 G. knerii 0,26 0,04 0,49 0,00 I. labrosus 0,33 0,00 0,19 0,10 L. amblyrhyncus 0,02 0,83 0,01 0,89 P. maculatus 0,46 0,00 0,47 0,00 P. squamosissimus 0,60 0,00 0,72 0,00 S. nasutus -- -- 0,46 0,00 S. maculatus -- -- 0,05 0,62 S. insculpta -- -- 0,28 0,02 Em negrito as correlações significativas (p<0,20) A B Figura 8 – Biplot gerado com os resultados da ACC entre a abundância numérica (A) e a biomassa (B) dos peixes e as variáveis físico e químicas da água nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado; Cond. – condutividade elétrica; O.D. – oxigênio dissolvido; Temp. – temperatura da água. 26 Discussão O regime de chuvas é um dos fatores mais importantes para a determinação da sazonalidade nos rios neotropicais que define condições bióticas (peixes) e abióticas (ciclos biogeoquímicos) nesses ecossistemas aquáticos (LOWE-McCONNELL,1987; THOMAZ et al., 1997). Em especial, na bacia hidrográfica do alto Paraná, o regime das cheias ou pulsos de inundações, que é determinado pela freqüência e intensidade das chuvas, é condição chave na disponibilidade de habitat e alimento para as assembléias de peixes (THOMAZ et al., 1997; PAGIORO & THOMAZ, 1999). Porém, a imposição de grandes barreiras físicas artificiais, em particular o represamento para geração de hidroeletricidade em grandes rios, pode ocasionar a desestruturação desses regimes naturais, levando ao conseqüente rearranjo do ecossistema, promovendo impactos negativos (interrupção de rotas migratórias, afogamento de lagoas marginais, etc.) sobre as assembléias de peixes nativos (AGOSTINHO et al., 2004), além de modificar os ciclos hidrológicos naturais principalmente na época da seca, haja visto que o controle operacional das vazões deste reservatório tipo bacia de acumulação visa basicamente atender os interesses sócio-econômicos. Os resultados encontrados neste trabalho não fogem desta regra, pois os altos índices pluviométricos normalmente registrados na época das cheias, e também em julho de 2007, quase não influenciaram no nível fluviométrico do reservatório, que por conseqüência tiveram pouca influência sobre o manejo do empreendimento de piscicultura. Diversos trabalhos, especialmente em regiões temperadas, remontam as alterações das características físico e químicas da coluna d’água sob influência da aqüicultura em sistemas de tanques-rede em águas continentais e/ou oceânicas decorrentes da elevada emissão de nutrientes (BUSCHMANN et al., 1996; PITTA et al., 1999; KARAKASSIS et al., 2001; GAO et al., 2005; PITTA et al., 2005; ARARIPE et al., 2006). Um dos principais efeitos discutidos nestes estudos se relaciona ao aporte de fósforo e nitrogênio orgânico no ambiente, proveniente das perdas de ração e/ou do metabolismo dos peixes confinados. Na maioria dos casos que comparam trechos vicinais a sistemas de piscicultura 27 com o controle, pequenas diferenças de concentração desses elementos são detectadas na coluna d’água, reforçando os resultados diagnosticados neste estudo. Contudo, GUO & LI (2003) estudando os efeitos de sistema de piscicultura em tanques-rede em um raso lago na China, diagnosticaram um aumento significativo na assembléia de plâncton em resposta a disponibilização de nutrientes, já ROCHA (2001 in ARARIPE et al., 2006) não observou este mesmo efeito no reservatório da Usina Hidroelétrica de Furnas (MG, Brasil), área com morfometria similar ao reservatório de Chavantes que apresentam elevada profundidade. Esta mesma autora simulou em mesocosmos condições experimentais de piscicultura constatando significativas alterações na qualidade da água. Estas diferenças demonstram que as características morfométricas e hidrodinâmicas da bacia, em muitos casos, podem mascarar os efeitos eutrofizantes dos nutrientes (fósforo e nitrogênio) na coluna d’água e evidenciam que a piscicultura em tanques-rede, quando mal implantada e ineficientemente administrada, pode induzir a este processo de eutrofização artificial (ARARIPE et al., 2006). Ainda em relação às características físico e químicas da coluna d’água, o presente estudo diagnosticou diferenças significativas entre os trechos analisados (CR e TR) apenas para a temperatura e o oxigênio dissolvido, sendo o primeiro mais elevado no trecho TR e o segundo no trecho CR. Uma das hipóteses que pode explicar a maior temperatura no trecho TR deve-se à presença agrupada das estruturas físicas (tanques-rede), uma vez que estas são fabricadas com diferentes metais que apresentam alto fluxo de calor (INCROPERA & DeWITT, 2006) dissipando para a água. Já outra hipótese aditiva, a ser investigada seria os processos metabólicos da decomposição de matéria orgânica (fezes e sobras de ração) pelos organismos decompositores, com conseqüente liberação de calor (KIEHL, 1985). Ainda, PAWAR et al. (2002) discutem que temperaturas mais elevadas aumentam as taxas metabólicas dos peixes confinados tendo como conseqüência a necessidade de elevar as taxas de arraçoamento resultando em um maior aporte de matéria orgânica, num processo contínuo e crescente. 28 Já a menor concentração, no trecho TR, do oxigênio dissolvido na coluna d’água certamente deve-se aos maiores valores de temperatura, uma vez que há uma maior solubilidade dos gases dissolvidos em função do aumento da temperatura da água (GRASSI, 2001). O maior aporte de matéria orgânica devido as atividades de cultivo também elevam as taxas de consumo de oxigênio, consumindo o oxigênio dissolvido na coluna d’água e sedimento. Esta situação pode induzir a produção de amônia e de gases sulfídrico e metano, que se dissipados na coluna d’água e, somados a baixa concentração de oxigênio dissolvido, pH e temperatura elevada ocasionam a mortandade dos peixes em cultivo e residentes (BOYD, 1982 in ELER & MILANI, 2007). Outro fator adicional aos mencionados que pode diminuir a concentração de oxigênio dissolvido na área do empreendimento de tanques-rede é o metabolismo (respiração) dos animais confinados, uma vez que esses sistemas de cultivo se baseiam em elevadas densidades de estocagem (CARVALHO et al., 2010). Em relação às assembléias de peixes, diversos são os estudos que mostram os sistemas de piscicultura em tanques-rede como mecanismos de agregação de peixes (Fish Aggregation Devices – FADs) (DEMPSTER et al., 2002; BOYRA et al., 2004; DEMPSTER, 2005; FELSING et al., 2005; VALLE et al., 2007). Estes trabalhos demonstram grandes diferenças na abundância e biomassa de peixes quando se comparam regiões vicinais da produção com trechos controle. Estes autores atribuem às diferenças ao fato de que: i) essas estruturas podem servir de abrigo a peixes de pequeno porte que assim atraem os predadores de maior porte, ii) que o aporte de nutrientes derivados da sobra da ração e do metabolismo dos peixes confinados servem de alimento para os peixes atraídos ou incrementa a produção primária, via ciclagem de nutrientes, e ainda, iii) ao fato de que a ocupação de áreas para a produção estaria reduzindo a pressão pesqueira nestas regiões. Porém, neste estudo, tanto a abundância quanto a biomassa não apresentaram grandes diferenças em relação aos trechos analisados (CR e TR). Situação contundente que demonstra um rearranjo das assembléias de peixes pode ser atribuída a um processo seletivo caracterizado pela presença e/ou ausência de espécies junto ao sistema de produção em relação à área referencial. Pois, todos os estudos acima referidos diagnosticaram maior 29 riqueza e diversidade em trechos próximos aos sistemas de piscicultura. Entretanto, os dados aqui apresentados indicam situação inversa, visto que os atributos ecológicos relacionados à diversidade e riqueza de espécies foram significativamente maiores no trecho controle. Ainda das 19 espécies capturadas em ambos os trechos, cinco foram exclusivas do trecho controle e nenhuma exclusivamente capturada no trecho próximo do sistema de produção. Já quanto à dominância, nosso estudo demonstra claramente que a presença do sistema de piscicultura está interferindo no equilíbrio entre as espécies, sendo este índice mais elevado no trecho junto ao sistema de tanques-rede. Somando-se a esta situação, apenas uma espécie (Pimelodus maculatus) apresentou diferenças significativas em relação à maior abundância e biomassa para o trecho junto à piscicultura. Esta espécie é uma das mais representativas na bacia do Paraná, apresenta hábito alimentar onívoro com elevada plasticidade e capacidade de adequar sua dieta à disponibilidade do recurso, sendo estes desde material vegetal até peixes (LOLIS & ADRIAN, 1996; SILVA et al., 2007), devido ao espectro de tamanho desta espécie incluir todas as classes de tamanho, todas as hipóteses de atração ao sistema de piscicultura, acima descritas, podem ser verdadeiras para P. maculatus. Ainda, a presença de sistemas intensivos de piscicultura promovem uma reestruturação na teia alimentar (HÅKANSON, 2005), sendo que neste trabalho está havendo uma influência direta sobre os peixes (onívoros). Em relação à abundância e biomassa no trecho controle, nota-se que há maior equilíbrio na distribuição das espécies, porém vale destacar a elevada captura de Plagioscion squamosissimus, espécie não nativa que foi introduzida nesta bacia com a finalidade de mitigação dos efeitos dos barramentos, porém com intenções de pesca esportiva e que por ser uma espécie com elevado potencial adaptativo a ambientes lênticos e predadora de grande porte, trouxe irreversíveis danos no que tange à diversidade e riqueza de espécies nativas em diversos trechos do alto Paraná (AGOSTINHO et al., 2007; PELICICE & AGOSTINHO, 2008). 30 Os resultados gerados pela ACC, mesmo aplicando níveis de significância de 20%, reforçam os dados já discutidos anteriormente, ficando evidente que a espécie P. maculatus e a temperatura estão correlacionados com o sistema de piscicultura. Ao passo que, o sistema controle apresenta-se em melhores condições ambientais tanto em termos abióticos (maiores concentrações de oxigênio dissolvido) quanto bióticos (maior riqueza e diversidade de espécies). Estes fatos permitem concluir que a presença deste sistema de tilapicultura em tanques-rede está acarretando em pontuais e tênues impactos ecológicos. E que para alcançar as teóricas premissas da sustentabilidade ambiental deste tipo de piscicultura são necessárias integrações efetivas dos órgãos licenciadores e fiscalizadores, uma vez que é patente a ineficácia da aplicabilidade das leis regulamentadoras para esta atividade sócio-econômica. 31 Referências Bibliográficas AGOSTINHO, A. A.; GOMES, L. C.; VERÍSSIMO, S.; OKADA, E. K. (2004). Flood regime, dam regulation and fish in the Upper Paraná River: effects on assemblage attributes, reproduction and recruitment. Reviews in Fish Biology and Fisheries v. 14: 11-19. AGOSTINHO, A. A.; GOMES, L. C.; PELICICE, F. M. (2007). 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Porém, esta atividade zootécnica pode ser responsável por interferências contundentes no ecossistema aquático, como: 1°) eutrofização artificial, 2°) desestruturação da assembléia de peixes e 3°) introdução de espécies não nativas. Este trabalho objetivou diagnosticar a ocorrência ou não de interferências nas condições da água e nas assembléias de peixes relacionadas a um empreendimento de piscicultura em tanques-rede no reservatório de Chavantes (médio rio Paranapanema SP/PR). As amostragens de água e peixes foram realizadas mensalmente (fev/07-jan/08), em dois trechos distintos (próximo aos tanques-rede (TR) e controle (CR)). Dentre as variáveis físico químicas da água apenas o oxigênio dissolvido e a transparência apresentaram diferenças significativas sendo mais elevadas no trecho CR. Para a assembléia de peixes, independente do trecho foram coletados 1730 indivíduos, que se distribuíram entre 20 espécies. Destes mais de 70% foram amostrados no trecho TR, ainda cinco espécies foram exclusivas deste mesmo trecho, com destaque para as não nativas Oreochromis niloticus e Ictalurus punctatus, devido aos escapes dos tanques-rede. Dentre os atributos ecológicos, tanto a equitabilidade quanto a diversidade de espécies foram significativamente mais representativas no trecho CR, ao passo que a dominância foi maior para o trecho TR. Apesar do maior número de espécies no trecho TR, o elevado valor diagnosticado para a dominância pode ser atribuído à elevada captura dos Siluriformes, Pimelodus maculatus e Iheringichthys labrosus. Esta abordagem investigativa permite mostrar o efeito seletivo que este sistema de piscicultura está induzindo na composição e estrutura da assembléia de peixes residentes na área em estudo. Este fato deve-se ao significativo aporte de efluentes desta atividade zootécnica que é aproveitado, direta ou indiretamente pelos peixes atraídos. Na filosofia da sustentabilidade (preservação dos recursos hídricos e pesqueiros), é de suma importância que os gestores definam e apliquem a complexa legislação ambiental para o efetivo ordenamento desta atividade, que é capaz de promover danos à biodiversidade, num espaço de tempo relativamente curto. Palavras chave – Assembléia de peixes; Biologia da conservação; Piscicultura; Qualidade da água. Abstract In the last decade the aquaculture is becoming more representative and is gaining more relevance as an important source of animal protein. But, this zootechnical activity can be harmful to the aquatic system causing problems as: 1º) artificial eutrophication, 2º) Fish assemblage destructuring, 3º) None native species introductions. This paper focus on the analyses of water conditions and fish assemblages alterations caused by cage fish farm located in the Chavantes reservoir (Middle Paranapanema system 39 SP/PR - Brazil). This work was based on 12 monthly samplings, between February/2007 to January/2008 focusing on the water physicochemical variation and fish assemblage analysis. The samplings occurred in two different sites: influenced (neighborhood) by cage fish farming (TR) and none influenced areas (CR). The water physicochemical analyses shone significant alterations only in dissolved oxygen and transparence, with both been higher in the CR zone. A total of 1730 specimens were collected and grouped in 20 species. More than 70% of the fish samplings were collected in the TR site, and five species belonged exclusively to this area with highlights to none native species as Oreochromis niloticus and Ictalurus punctatus, which the origin is probably from fish farm escaping. Among the ecological attributes, the diversity and equitability index was significantly more representative in the CR stretch, while dominance was higher in TR area. Despite the higher number of sampled species in the TR stretch the dominance index could be disguised by the high captured level of Siluriformes species (Pimelodus maculatus and Iheringichthys labrosus). This paper shows that this zootechnical activity can be causing a selective process in the fish assemblage living in cage farm neighborhood thru the constant feeding offer. In this case the application of the Brazilian environmental legislation is complex but is of great importance that the people responsible fulfill the specification, otherwise this activity could cause a great harm to the fish diversity in a short period of time. Key words – Fish assemblage; Biological conservation; Fish farm; Water quality. Introdução Os primeiros registros da piscicultura em tanques-rede remontam à aproximadamente 750 anos na China (HU, 1994). Atualmente, esta atividade apresenta-se bastante difundida em escala mundial, com grande destaque para a região do mar Mediterrâneo, responsável por mais de 60% da produção piscícola européia, representando 99% quando se reporta ao cultivo de peixes marinhos (DOMÍNGUEZ & MARTÍN, 2005). No Brasil, ONO & KUBTIZA (2003) relatam que esta forma de produção teve início a partir de 1990, sendo pioneiras as atividades nas regiões nordeste e sudeste. Nos últimos anos, a piscicultura continental teve um constante crescimento, passando de 177.125 toneladas em 2.003 para 337.353 toneladas em 2009, ultrapassando o crescimento relativo das já tradicionais produções zootécnicas (bovinos, suínos e aves) com aproximadamente 44% de desenvolvimento entre 2007 e 2009 (MPA, 2010). Porém, como todas as outras atividades antrópicas que visam produzir alimentos, a aqüicultura causa, em maior ou menor grau, interferências nos ecossistemas (PILLAY, 2003). LEUNG & DUDGEON (2008) classificam essas 40 interferências em: 1) alteração ou destruição de habitats; 2) poluição orgânica e eutrofização; 3) contaminação química com pesticidas e outros terapêuticos; 4) proliferação de doenças e patógenos; 5) alterações no estado de conservação genética sobre a fauna nativa; 6) depleção de peixes naturais devido aos seus usos como insumos para a fabricação de rações animais e; 7) introdução de espécies não nativas. Alguns desses impactos foram bem documentados, principalmente na região do mar Mediterrâneo, DOMÍNGUEZ & MARTÍN (2005) e MACHIAS et al. (2004 e 2006) discutem as questões sobre o aporte de nutrientes e os conflitos com outros usos da área, e concluem que esta atividade deve ser melhor planejada e administrada objetivando prevenir e minimizar esses impactos negativos sobre o ecossistema aquático. Ainda, em relação à assembléia de peixes nativos, CARSS (1990), BJORDAL & SKAR (1992) e HÅKANSON & BOULION (2002) inferem que a aqüicultura afeta em várias características bio-ecológicas como na presença, abundância, tempo de permanência e dieta dessas assembléias. Já, os efeitos dos inevitáveis escapes dos peixes em cultivo, que em sua grande maioria são compostos por espécies não nativas e domesticadas (WELCOMME, 1988; DIAS, 2011), são reportados em trabalhos como os de ORSI & AGOSTINHO (1999); ATTAYDE et al. (2007); De SILVA et al. (2009); ARTHUR et al. (2010); GLOVER (2010); ZANATTA et al. (2010). Esses efeitos deletérios vão desde modificações na estrutura genética em uma população específica residente, alterações físicas, químicas e biológicas de um dado ecossistema, até prejuízos econômicos, como os relatados por PIMENTEL et al. (2005); ORESKA & ALDRIDGE (2010). A partir dessas informações, julgo importante testar a hipótese de que a presença de um grande sistema particular de piscicultura de espécies não- nativas em tanques-rede pode alterar as condições físico químicas da água e a composição e estrutura da assembléia de peixes residentes em um reservatório do Médio rio Paranapanema (Alto Paraná, SP/PR). 41 Material e Métodos O rio Paranapanema é um dos mais importantes afluentes da margem esquerda do rio Paraná, com aproximadamente 930 quilômetros de extensão, destes, cerca de 330 quilômetros formam a divisa entre os Estados de São Paulo e Paraná. Sua exploração para a geração de energia hidroelétrica teve início a partir da construção da usina de Salto Grande em 1958, atualmente encontram-se mais de dez empreendimentos com esta mesma finalidade, o que tornou o curso original deste rio em um complexo sistema de represas artificiais em cascata (ZOCCHI, 2002). O reservatório de Chavantes é considerado oligo mesotrófico, possui formato dendrítico e funcionamento do tipo bacia de acumulação, próximo a barragem pode chegar a 90 metros de profundidade, este ambiente é o quarto reservatório do rio Paranapanema, com 400km2 de área e volume de 8.795hm3. Suas águas são utilizadas para geração de energia hidroelétrica, irrigação, lazer e mais recentemente para criação de peixes em sistemas de tanques-rede (NOGUEIRA et al., 2006). O estudo foi conduzido em dois trechos no reservatório de Chavantes (SP/PR), um em um sistema particular de piscicultura em tanques-rede (TR) e outro, considerado trecho controle (CR), com características morfométricas próximas a do trecho tanque-rede e situado a uma distância de aproximadamente 1 km do sistema de piscicultura (Figura 1). 42 Figura 1 – A) Mapa do Brasil, B) Rio Paranapanema e seus tributários, C) Reservatório de Chavantes e, D) Imagem de satélite (Google Earth) da área de estudo, controle e tanque-rede. O sistema de piscicultura estava localizado (23⁰22’53,18”S 49⁰35’04,01”W) no município de Fartura (SP), a área ocupada pelos tanques- rede abrangiam uma extensão de 123.895m2 (grande parte com profundidade média ao redor dos 6 m, podendo alcançar até 36 m em alguns trechos com declividades mais acentuadas). O sistema de produção, em sua capacidade máxima era composto por até 500 tanques-rede de 6m3 de volume útil, com uma produção aproximada de 18ton/ciclo e 2,5 ciclos de produção/ano. A principal espécie cultivada (não nativa) é a tilápia (Oreochromis niloticus) que apresentava uma taxa de conversão alimentar variando de 0,8 a 1,8kg/ração para cada 1,0kg de peixe vivo produzido (CARVALHO et al., 2008). Também constatou-se o cultivo mais restrito do bagre de canal (Ictalurus punctatus) (ZANATTA et al., 2010) e de possíveis híbridos dos grandes bagres do gênero Pseudoplatystoma. As amostragens de peixes foram realizadas mensalmente entre fevereiro de 2007 e janeiro de 2008, utilizando-se redes de espera com malhagens entre 43 3 e 14 cm entre nós adjacentes, com 20m de comprimento e 1,50m de profundidade, totalizando 450m2 de rede para cada trecho (controle e tanque- rede) que permaneciam expostas por aproximadamente 15 horas (das 16:00h até as 7:00h do dia posterior). Apesar da seletividade amostral deste aparato de captura em relação a alguns grupos taxonômicos (LOWE-McCONNEL, 1987), esta técnica proporciona uma medida útil em relação às alterações na abundância relativa das espécies de peixes (HUBERT, 1983 in GIDO & MATTHEWS, 2000). Ainda em campo e com base em CLOFFSCA (REIS et al., 2003) os peixes eram identificados até o nível taxonômico de espécie, os animais com identificação duvidosa foram conservados em solução de formaldeído a 10% e posteriormente foram encaminhados a especialistas. Após identificação foram registrados os dados de peso total (Wg) em gramas e comprimento padrão (Ls) em g.. Exemplares das espécies capturadas estão depositados na Coleção de Peixes do Departamento de Morfologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo, Brasil. Também foram registrados perfis verticais (a cada 1m, até, quando possível, um limite de 30m), com o auxílio de uma sonda multiparâmetros Horiba U-10 nos trechos controle e tanques-rede, das seguintes variáveis: pH, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido, temperatura e turbidez da água. E foram coletadas amostras de água em quatro profundidades de cada trecho, usando a garrafa de Van-Dorn, para a análise da concentração dos nutrientes (nitrogênio total – MACKERETH et al., 1978, e fósforo total – STRICKLAND & PARSONS, 1960), material em suspensão (COLE, 1979) e clorofila a (TALLING & DRIVER, 1963). A transparência da água foi estimada com o uso do disco de Secchi. Posteriormente, foi calculada a média dos valores dessas variáveis na coluna de água, incluindo valores após a clina das estratificações térmicas e químicas, só não observadas no inverno. Dados de pluviosidade mensal acumulada e a variação do nível fluviométrico do reservatório para o período de estudo foram cedidos pela empresa gerenciadora (Duke Energy – Geração Paranapanema). 44 Os atributos ecológicos (riqueza de espécies – número de espécies capturadas em cada trecho/mês, dominância – BEAMOUND in BENEDITO- CECÍLIO & AGOSTINHO, 1997, diversidade de Shannon-Wiener – KREBS, 1989 e equitabilidade de Pielou – KREBS, 1989) foram determinados e analisados comparativamente entre as assembléias de peixes de cada trecho. Foram realizadas estatísticas descritivas (mínimo, máximo, média, desvio padrão e erro padrão) sobre os dados brutos das variáveis físico químicas da água e das assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa). Também, análises estatísticas de variância (ANOVA) foram aplicadas segundo ZAR (1999) com o intuito de verificar diferenças, entre os trechos, das variáveis físico e químicas e também para as assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa). Todos esses dados foram transformados em LogX+1, com exceção do pH, visto que já está em escala logarítmica. A homogeneidade da variância foi testada com o teste de Levene (p>0,05). O teste de Fisher LSD foi aplicado a posteriori para evidenciar os grupos distintos. A correção de Bonferroni foi utilizada a fim de evitar o erro do tipo I sobre as hipóteses nulas, entretanto, não foram verificadas infrações (p>0,05) nos testes utilizados. Ressalvo que as espécies de peixes que não apresentaram distribuição homogênea ou baixa abundância e/ou biomassa foram excluídas desta análise. A análise de correspondência canônica (ACC) foi aplicada para detectar as possíveis correlações entre as assembléias de peixes (abundância numérica e biomassa) com as variáveis ambientais. Espécies que apresentaram escores próximos de zero foram excluídas da análise, evitando correlações espúrias. Para os dados físicos e químicos observou-se baixo número de correlações significativas utilizando um limite de p<0,05 (95%), assim foram realizadas 10.000 permutações utilizando um nível de significância mais elevado, de p<0,20. A ACC foi realizada usando o software de livre distribuição “R” Cran Project (2005). As ANOVAs, testes pressupostos, a posteriori e as regressões múltiplas foram realizadas no software Statistic 6.0. 45 Resultados A região onde se situa o reservatório de Chavantes apresenta um regime pluviométrico bem definido sazonalmente, com valores elevados no verão e baixos valores no final do outono, inverno e início da primavera. Porém, podem ser detectadas chuvas atípicas no inverno (julho/07). Todavia este ambiente é controlado antropicamente assim mesmo em meses com altas taxas de pluviosidade o nível fluviométrico do reservatório pouco se altera, sendo que em todo o período estudado houve uma variação de 4,50m, ainda ao longo de um ano a variação mensal não ultrapassou 1,36m (Figura 2). Figura 2 – Variação mensal do nível fluviométrico médio (m) e da pluviosidade acumulada (mm) para o reservatório de Chavantes (SP/PR) no período estudado. Os valores médios (±desvio-padrão) e mínimo-máximo das variáveis físico químicas analisadas estão apresentados na Tabela 1, também estão incluídos os resultados da ANOVA. Somente a transparência e o oxigênio dissolvido apresentaram diferenças significativas, sendo ambas variáveis com valores mais elevados no trecho controle (Figura 3 A e B). 46 Tabela 1 – Valores médios±desvio padrão, mínimo-máximo, coeficiente de variação e resultados da ANOVA (F e p) para as variáveis físico e químicas da água nos trechos controle (CR) e tanque-rede (TR) no reservatório de Chavantes (SP/PR) no período de estudo. CR TR ANOVA Variáveis Média ±DP Min Max Média ±DP Min Max F p Transp. (m) 2,54 ±0,79 1,75 4,00 2,21 ±0,82 0,80 4,00 4,59 0,05 pH 7,34 ±0,52 6,54 8,40 7,16 ±0,40 6,61 7,75 2,75 0,12 Cond. (µS.cm-1) 43,41 ±12,68 15,00 52,50 43,64 ±12,79 15,00 53,00 0,01 0,93 O.D. (mg.L-1) 8,03 ±0,49 7,23 8,81 7,21 ±0,82 6,51 8,85 45,21 0,00 Temp. (⁰C) 23,21 ±2,93 19,45 28,00 23,47 ±2,95 19,70 28,00 1,82 0,20 NT (µg.L-1) 0,26 ±0,05 0,12 0,34 0,26 ±0,08 0,09 0,44 0,00 0,97 PT (µg.L-1) 0,04 ±0,01 0,02 0,06 0,03 ±0,01 0,01 0,05 0,08 0,78 Turb. (NTU) 2,40 ±0,62 1,47 3,64 2,47 ±0,75 1,51 3,47 0,76 0,40 Clor. (µg.L-1) 0,59 ±0,31 0,17 1,06 0,48 ±0,18 0,32 0,77 0,29 0,60 Em negrito dados significativos (p<0,05); Transp. – transparência; Cond. – condutividade; O.D. – oxigênio dissolvido; Temp. – temperatura da água; NT – nitrogênio total; PT – fósforo total; Turb. – turbidez e; Clor. – Clorofila a. F=4,59 p=0,05 Tanque-rede Controle 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 Tr an sp . ( m ) A F=45,21 p=0,00 Controle Tanque-rede 6,8 7,0 7,2 7,4 7,6 7,8 8,0 8,2 8,4 O .D . B Figura 3 – Valores médios (±erro padrão) da transparência (A) e do oxigênio dissolvido (B) para os trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes durante o período estudado. 47 Durante todo o período de estudo e em ambos os trechos (controle e tanque-rede) foram amostrados 1730 peixes pertencentes a 20 espécies (Tabela 2). Dentre as quais, seis espécies corresponderam a mais de 92% do total de animais capturados (Figura 4). Tabela 2 – Posição taxonômica, nome científico e acrônimo das espécies de peixes capturadas no reservatório de Chavantes no período estudado. Classe OSTEICHTHYES Sub Classe ACTINOPTERYGHI Superordem OSTARIOPHYSI Ordem CHARACIFORMES Família Characidae Subfamília Cynopotaminae Galeocharax knerii (Steindachner, 1879) Gkner Θ Subfamília Serrasalminae Serrasalmus maculatus (Kner, 1858) Smacu Θ Incertae Sedis Astyanax altiparanae (Garutti & Britski, 2000) Aalti Θ Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819) Afasc£ Família Anostomidae Leporinus amblyrhyncus (Garavello & Britski, 1987) Lambl£ Leporinus friderici (Bloch, 1794) Lfrid£ Leporinus obtusidens (Valenciennes, 1837) Lobtu£ Leporinus octofasciatus (Steindachner, 1915) Locto£ Schizodon nasutus (Kner, 1858) Snasu£ Família Curimatidae Cyphocharax modestus (Fernández – Yépez, 1948) Cmode Θ Cyphocharax nagelii (Steindachner, 1881) Cnage Θ Steindachnerina insculpta (Fernández – Yépez, 1948) Sinsc Θ Família Prochilodontidae Prochilodus lineatus (Valenciennes, 1837) Pline Θ Família Parodontidae Apareiodon affinis (Steindachner, 1879) Aaffi£ Ordem SILURIFORMES Família Ictaluridae Ictalurus punctatus (Rafinesque, 1818) Ipunc* Θ Família Pimelodidae Pimelodus maculatus (Lacepède, 1803) Pmacu Θ Iheringichthys labrosus (Lütken, 1874) Ilabr Θ Ordem PERCIFORMES Família Cichlidae Subfamília Geophaginae Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824) Gbras Θ Subfamília Pseudocrenilabrinae Oreochromis niloticus (Trewavas, 1983) Onilo* Θ 48 Continuação tabela 2 Família Sciaenidae Plagioscion squamosissimus (Heckel, 1840) Psqua* Θ * Espécies não-nativas; £ Mais abundantes CR; Θ Mais abundantes TR Figura 4 – Abundância numérica relativa (%), das espécies de peixes capturadas no reservatório de Chavantes no período estudado. Ao comparar o número de indivíduos capturados em cada um dos trechos (controle e tanque-rede), observa-se que há uma grande diferença na estrutura da ictifoauna, pois somente no trecho tanque-rede foram capturados mais de 72% (1242) dos animais, enquanto que no trecho controle foram amostrados apenas 485 (28%) animais. Contrastando ainda os trechos controle e tanque- rede, das 20 espécies amostradas seis delas ocorreram apenas em um ou outro sistema, a saber: a) controle sendo Leporinus octofasciatus (n = 02) e b) tanque-rede sendo Cyphocharax modestus (n = 04), C. nagelii (n = 04), Geophagus brasiliensis (n = 04), Ictalurus punctatus (n = 02) e, Oreochromis niloticus (n = 04). Certamente, a baixa captura de O. niloticus foi devida a seletividade do aparato de captura (redes de espera), pois foi possível diagnosticar visualmente um elevado número de indivíduos de diversos tamanhos dessa espécie, na região litorânea do local do empreendimento. Indicando os prováveis e inevitáveis escapes desses animais dos tanques-rede e/ou novos 49 recrutamentos por ineficiência do processo de reversão de sexo, que mantém reprodutores ativos. Dentre as médias dos atributos ecológicos no período estudado, apenas a riqueza das espécies não apresentaram diferenças significativas entre os trechos. Para o trecho controle a média foi de 7,91 (±2,10) e no trecho tanque- rede 8,03 (±1,62) (F= 0,10 e p = 0,74). Contudo, as médias de diversidade e equitabilidade foram significativamente mais elevadas no trecho controle (Figura 5 A e B respectivamente), enquanto que a dominância foi mais elevada no trecho tanque-rede (Figura 5 C). F= 5,22 p=0,03 Controle Tanque-rede 1,3 1,4 1,5 1,6 1,7 1,8 1,9 D iv er si da de (b its .in d) A F= 13,03 p=0,00 Controle Tanque-rede 0,50 0,55 0,60 0,65 0,70 0,75 0,80 0,85 E qu ita bi lid ad e B F= 5,00 p=0,03 Controle Tanque-rede 0,18 0,20 0,22 0,24 0,26 0,28 0,30 0,32 D om in ân ci a C Figura 5 – Valores médios (±erro padrão) da diversidade de espécies (A), quitabilidade (B) e dominância (C) das espécies de peixes coletadas nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Para os dados da ANOVA aplicada sobre a abundância numérica dos indivíduos, as espécies C. modestus, C. nagelii, G. brasiliensis, I. punctatus, L. friderici, L. obtusidens, L. octofasciatus, O. niloticus e P. lineatus foram 50 retiradas devido ao baixo número de indivíduos. Já o resultado para as demais espécies e abundância total estão apresentados na Tabela 3. Dentre as espécies que apresentaram diferença significativa A. altiparanae, I. labrosus, P. maculatus, P. squamosissimus, S. maculatus e a abundância total foram mais elevadas no trecho tanque-rede (Figura 6 A, B, C, D, E e F respectivamente), já as espécies A. fasciatus, L. amblyrhyncus e S. nasutus foram mais elevadas no trecho controle (Figura 6 G, H e I respectivamente). Tabela 3 – Resultados da ANOVA (F e p) para a abundância numérica das espécies de peixes coletadas nos trechos controle e tanque-rede do reservatório de Chavantes no período estudado. Espécies ANOVA F p Apareiodon affinis 1,28 0,28 Astyanax altiparanae 8,63 0,01 Astyanax fasciatus 4,50 0,05 Galeocharax knerii 0,29 0,60 Iheringichthys labrosus 25,92 0,00 Leporinus amblyrhyncus 6,04 0,03 Pimelodus maculatus 104,54 0,00 Plagioscion squamosissimus 4,29 0,05 Schizodon nasutus 7,37 0,02 Serrasalmus maculatus 5,43 0,04 Steindachnerina insculpta 1,03 0,33 Abundância Total 46,98 0,00 Em negrito dados significativos (p<0,05) F=8,63 p=0,01 Controle Tanque-rede -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 A styanax altip A F=25,92 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 5 10 15 20 25 Iheringichthys B 51 F=104,54 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 10 20 30 40 50 P im elodus m a C F=4,29 p=0,05 Controle Tanque-rede 0 2 4 6 8 10 12 14 P lagioscio D F=5,43 p=0,04 Controle Tanque-rede -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 S errasalm us E F=46,98 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 20 40 60 80 100 120 140 A bundância tota F F=4,50 p=0,05 Controle Tanque-rede -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 A styanax fascia G F=6,04 p=0,03 Controle Tanque-rede -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 Leporinus am H 52 F=7,37 p=0,02 Controle Tanque-rede -1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 S chizodon nas I Figura 6 – Valores médios (±erro padrão) da abundância numérica de Astyanax altiparanae (A), Iheringichthys labrosus (B), Pimelodus maculatus (C), Plagioscion squamosissimus (D), Serrasalmus maculatus (E), abundância total (F), Astyanax fasciatus (G), Leporinus amblyrhyncus (H) e, Schizodon nasutus (I) coletados nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. As espécies C. nagelii, G. brasiliensis, L. friderici, L. obtusidens, L. octofasciatus, P. lineatus e O. niloticus foram excluídas da ANOVA em relação à biomassa, pois não foram representativas. A Tabela 4 apresenta os resultados desta análise aplicada sobre a biomassa das demais espécies e a biomassa total. As espécies A. altiparanae, C. modestus, I. labrosus e, P. maculatus e a biomassa total apresentaram diferenças significativas com maiores médias no trecho tanque-rede (Figura 7 A, B, C, D e E respectivamente), já as espécies A. fasciatus e L. amblyrhyncus tiveram suas biomassas mais representativas no trecho controle (Figura 7 F e G respectivamente). Tabela 4 – Resultados da ANOVA (F e p) para a biomassa das espécies de peixes coletadas nos trechos controle e tanque-rede do reservatório de Chavantes no período estudado. Espécies ANOVA F p Apareiodon affinis 0,29 0,60 Astyanax altiparanae 3,47 0,05 Astyanax fasciatus 3,85 0,05 Cyphocharax modestus 3,64 0,05 Galeocharax knerii 0,27 0,61 Iheringichthys labrosus 14,23 0,00 Leporinus amblyrhyncus 6,61 0,03 53 Continuação tabela 4 Pimelodus maculatus 95,52 0,00 Plagioscion squamosissimus 1,03 0,33 Schizodon nasutus 0,98 0,34 Serrasalmus maculatus 3,10 0,11 Steindachnerina insculpta 1,45 0,25 Biomassa Total 90,09 0,00 Em negrito dados significativos (p<0,05) F=3,47 p=0,05 Controle Tanque-rede -50 0 50 100 150 200 250 300 A st ya na x al tip ar an ae A F=3,64 p=0,05 Controle Tanque-rede -30 -20 -10 0 10 20 30 40 50 C yp ho ch ar ax m od es tu s B F=14,23 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 400 800 1200 1600 2000 Ih er in gi ch th ys la br os us C F=95,52 p=0,00 Controle Tanque-rede -2000 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 P im el od us m ac ul at us D F=90,09 p=0,00 Controle Tanque-rede 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000 B io m as sa to ta l E F=3,85 p=0,05 Controle Tanque-rede -20 0 20 40 60 A st ya na x fa sc ia tu s F 54 F=6,61 p=0,03 Controle Tanque-rede -40 -20 0 20 40 60 80 100 120 Le po rin us a m bl yr hy nc us G Figura 7 – Valores médios (±erro padrão) da biomassa de Astyanax altiparanae (A), Cyphocharax modestus (B), Iheringichthys labrosus (C), Pimelodus maculatus (D), biomassa total (E), Astyanax fasciatus (F) e Leporinus amblyrhyncus (G) coletados nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. A Tabela 5 apresenta os resultados da ACC na qual constam os valores da correlação canônica ajustada (r2) e do nível de significância (p) entres variáveis bióticas (abundância numérica total e biomassa total) e abióticas (variáveis físico e químicas da água). Nota-se que as ACCs explicaram 51% (abundância numérica) e 62% (biomassa) da relação dos dados na soma dos eixos I e II (Figura 8 A e B). A Figura 8 (A) apresenta a ACC relacionando as variáveis abióticas da água com a biótica (abundância). Na primeira variável, A. fasciatus e S. nasutus correlacionaram-se positivamente com o oxigênio dissolvido e com a maior parte do período de estudo somente no trecho controle. Inversamente as espécies A. altiparanae, G. knerii, I. labrosus e P. maculatus se correlacionaram positivamente com o trecho dos tanque-rede. Na ACC aplicada para relacionar a biomassa dos peixes com as variáveis abióticas da água (Figura 8 B), na primeira variável para o trecho controle, a espécie S. nasutus associou-se positivamente com o pH em dezembro enquanto que a espécie A. fasciatus correlacionou positivamente com o oxigênio dissolvido em alguns meses (fev, abr, mai, jun, jul, ago, set, out, nov). Inversamente I. labrosus, P. lineatus e P. maculatus se correlacionaram positivamente ao trecho tanque-rede. 55 Tabela 5 – Valores das análises da correlação canônica ajustada (r2) e do nível de significância (p) geradas entre as variáveis bióticas (abundância e biomassa) e abióticas (variáveis físico e químicas da água) para os trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado. Variável Abundância Biomassa r2 p r2 p Condutividade 0,00 0,96 0,14 0,30 Temperatura 0,09 0,37 0,09 0,50 Oxigênio Dissolvido 0,39 0,00 0,35 0,03 Turbidez 0,05 0,54 0,06 0,61 Ph 0,04 0,64 0,22 0,15 Transparência 0,31 0,74 0,45 0,65 Clorofila a 0,24 0,56 0,16 0,50 Fósforo total 0,04 0,61 0,06 0,59 Nitrogênio total 0,00 0,96 0,02 0,80 A. affinis 0,12 0,27 0,07 0,45 A. altiparanae 0,65 0,00 0,10 0,27 A. fasciatus 0,62 0,00 0,29 0,08 C. nagelii -- -- 0,04 0,54 G. knerii 0,18 0,14 0,06 0,55 I. labrosus 0,33 0,02 0,35 0,01 P. lineatus -- -- 0,24 0,10 P. maculatus 0,46 0,00 0,48 0,00 P. squamosissimus 0,07 0,48 0,18 0,22 S. nasutus 0,58 0,00 0,75 0,00 S. maculatus 0,11 0,30 0,13 0,24 S. insculpta 0,04 0,63 0,03 0,71 Em negrito as correlações significativas (p<0,20) A B Figura 8 – Biplot gerado com os resultados da ACC entre a abundância numérica (A) e a biomassa (B) dos peixes e as variáveis físico e químicas da água nos trechos controle e tanque-rede no reservatório de Chavantes no período estudado; O.D. – oxigênio dissolvido. 56 Discussão Os reservatórios são caracterizados por serem ambientes artificiais que apresentam características intermediárias entre rios e lagos e, a necessidade de energia, faz com que as atividades operacionais, em especial, nos reservatórios tipo bacia de acumulação, alterem bastante os níveis fluviométricos e os pulsos naturais de inundações (MARGALEF, 1983; PAGIORO et al., 2005). Para o reservatório de Chavantes no período estudado, o nível fluviométrico oscilou 4,50m, com variações mensais máximas de 1,36m no período chuvoso (jan/07) e na seca (jul/07) com chuvas atípicas elevando seu nível em 0,71m. Porém, essas variações sazonais não trouxeram quaisquer interferências no manejo zootécnico deste sistema de produção. Por outro lado, em relação às influências de sistemas de piscicultura sobre as condições limnológicas e qualidade da água, SOTO & NORAMBUENA (2004) analisando o aporte de nutrientes e a clorofila a na coluna d’água em 43 áreas em pisciculturas de salmão no Chile, concluíram que não houve interferências contundentes sobre essas variáveis. Estes dados corroboram com os mensurados neste estudo, o qual apenas a transparência e o oxigênio dissolvido da água foram significativamente diferentes entre os trechos analisados, sendo que ambos foram mais elevados na área referencial. BEVERIDGE (1984) aponta que em sistemas de piscicultura em tanques- rede essas duas variáveis estão intimamente correlacionadas. O autor discute que a presença física dos tanques tem forte influência na redução do fluxo de água na região, devido a fatores como: a) grau de incrustação/material utilizado na confecção dos tanques, b) posição dos tanques/fluxo da corrente e, c) densidade de estocagem utilizada. Assim, estes fatores podem, em maior ou menor escala, influenciar redução do fluxo de água, diminuindo o transporte natural de sedimentos conseqüentemente diminuindo a transparência e os teores de oxigênio da água. Num processo em cadeia, haverá uma menor remoção e ciclagem dos 57 metabólitos tóxicos provindos do sistema de piscicultura, tendo conseqüências negativas para os próprios peixes cultivados. Apesar dos trabalhos pioneiros de BEVERIDGE (1984) já discutirem sobre as interferências de sistemas de produção em tanques-rede sobre a ictiofauna residente, DEMPSTER et al. (2002) salientam que poucas são as investigações sobre este tema. Porém, nas regiões do Mediterrâneo e Ilhas Canárias, os estudos de BOYRA et al. (2004); DEMPSTER et al. (2004), MACHIAS et al. (2004); GIANNOULAKI et al. (2005); MACHIAS et al. (2006); TUYA et al. (2006); VALLE et al. (2007); FERNANDEZ-JOVER et al. (2008) utilizando diferentes técnicas, demonstram que essa atividade zootécnica serve de forte atrativo para diferentes espécies animais, aumentando a abundância e a biomassa de peixes em regiões vicinais à produção. Os resultados de nosso trabalho, estudando este modelo em piscicultura em tanques-rede em grandes reservatórios, vêem confirmar a tese proposta por esses autores. Nas analises comparativas entre os trechos tanque-rede e controle pode-se constatar essa atratividade, visto que mais de 70% dos peixes, e também a maior biomassa total, foram amostrados no trecho tanque- rede. Além disso, das 20 espécies de peixes capturadas, cinco foram exclusivas deste mesmo trecho. Outro fato discutido por MACHIAS et al. (2006) que também pode-se registrar em nosso estudo diz respeito, ao aumento dos recursos pesqueiros levando à atração de pescadores artesanais e esportivos neste empreendimento de piscicultura. As razões para esta agregação, em ambiente marinho, são discutidas nos trabalhos de DEMPSTER et al. (2002); KARAKASSIS et al. (2005); DALGAARD & KRAUSE-JENSEN (2006); PITTA et al. (2006); TSAPAKIS et al. (2006) e podem ser atribuídas a três principais fatores, sendo eles: i) o consumo direto da ração pelos peixes agregados, ii) o incremento da produção primária, em razão do maior aporte de nutrientes e, iii) a rápida transferência de nutrientes liberados até a teia alimentar. Ainda, PITTA et al. (2006) salientam que essa rápida assimilação dos nutrientes por parte dos organismos 58 agregados contribui para mitigar os efeitos do processo de eutrofização antrópica. Apesar da maior abundância e número de espécies de peixes amostradas no trecho tanque-rede, a riqueza de espécies não apresentou diferença significativa entre os trechos. Entretanto, outros atributos ecológicos como a diversidade e equitabilidade foram superiores no trecho controle, ao passo que a dominância foi superior no trecho tanque-rede, no qual a presença preponderante de Pimelodus maculatus e Iheringichthys labrosus é evidente, tanto em número como em biomassa. Fato este, reforçado também pela análise estatística da ANOVA. Para entender esta preferência de habitat é pertinente conhecer sua distribuição geográfica e táticas de vida, especialmente as suas dietas e hábitos alimentares. Sabe-se que as duas espécies pertencem à família Pimelodidae dos Siluriformes e apresentam ampla dispersão na bacia do Paraná (BRAGA, 2000; FAGUNDES et al. 2008). São espécies bentônicas de médio porte, sendo P. maculatus classificado como onívora, visto que consume desde organismos bentônicos até peixes e crustáceos (BASILE-MARTINS et al., 1986; LIMA-JUNIOR & GOITEIN, 2003; SILVA et al., 2007). Já, I. labrosus possui algumas restrições alimentares impostas pela morfologia do seu sistema digestório. Seu hábito alimentar é caracterizado como seletor de organismos meso e macrobentônicos, sendo que pode ingerir significante quantidade de sedimento, onde esses organismos são selecionados (FUGI, 1993; FUGI et al., 2001). Porém, por serem espécies com plasticidade alimentar e oportunismo trófico, as duas caracterizam a sua dieta de acordo com a disponibilidade do alimento (LOLIS & ADRIAN, 1996; ABES et al., 2001) justificando suas maiores abundâncias junto ao tanque-rede. Os dados gerados pelas ACCs (p<0,20) reforçam os resultados já discutidos e ainda, para a abundância numérica destacam-se a correlação positiva com o trecho tanque-rede com uma espécie onívora de pequeno porte (Astyanax altiparanae) (CASSEMIRO et al., 2002) e outra piscívora de médio porte (Galeocharax knerii) (MAGALHÃES et al., 2004). Estes resultados corroboram com os de DEMPSTER (2005) em relação à ictiofauna atraída 59 pelos sistemas de agregação de peixes (fish aggregation devices – FADs). Este autor discute que a presença física desses sistemas servem de abrigo para espécies de pequeno porte que por conseqüência, acabam atraindo as espécies predadoras de maior porte, concluindo que as interações tróficas são importantes na estruturação das comunidades próximas aos FADs. A caracterização da dieta das espécies de peixes amostradas (RAMOS, in prep.) poderia melhor explicar a elevada agregação desses peixes (principalmente P. maculatus e I. labrosus) a esse sistema de piscicultura, revelando qual seria as suas preferências alimentares (por exemplo: restos da ração ou fezes). Entretanto, os dados aqui apresentados indicam que este sistema de piscicultura está alterando, localmente, a composição e estrutura das assembléias de peixes desse reservatório, haja vista que no trecho controle há uma distribuição mais equilibrada das espécies, em relação ao trecho tanque-rede. Situação ainda mais preocupante no que diz respeito à conservação da biodiversidade se reporta ao elevado número de escapes das espécies (não- nativas) cultivadas, considerado um tipo de poluição biológica (De SILVA et al., 2009). Mesmo considerando o uso de redes de espera como uma técnica de captura seletiva, em especial, aos ciclídeos (referencia) pode-se visualizar um elevado número de exemplares de Oreochromis niloticus disperso no trecho tanque-rede. E recentemente, em outra investigação em um sistema de tilapicultura de tanques-rede neste reservatório, capturou-se elevadas quantidades de juvenis desta espécie usando redes de arrasto do tipo picaré (NOBILE, 2010). Nesta temática, vários são os autores que discutem as conseqüências negativas da introdução e estabelecimento de espécies não-nativas em ecossistemas aquáticos. Dentre as quais se destacam a competição por recursos, predação, alteração de hábitat e qualidade de água, hibridização e a introdução de parasitas e doenças (MOYLE et al. 1986; ARTHINGTON, 1991; CANONICO et al., 2005). Também, MILLER et al. (1989) e HARRISON & STIASSNY (1999) inferem que a introdução de espécies é a segunda maior ameaça à perda de biodiversidade em ambientes dulcícolas, sendo o primeiro 60 lugar a drástica modificação de hábitats. Essas e outras alterações podem levar muito tempo (anos ou mesmo décadas) para serem detectados pelo homem (STRAYER et al., 2006; SPENS et al., 2007). Os resultados permitem concluir que o atual manejo zootécnico deste empreendimento de piscicultura gradativamente induz a conseqüências ecologicamente indesejáveis, visto que além da própria presença física do sistema de cultivo, o aporte de nutrientes está deplecionando os teores de oxigênio dissolvido (e a transparência da água) variáveis indicativas da qualidade da água. Ainda, a maior abundância numérica (e biomassa) de peixes junto ao sistema de piscicultura está mitigando o processo de eutrofização. Porém, favorecendo espécies oportunistas e com plasticidade trófica, promovendo uma contundente desestruturação da assembléia de peixes residente. Por fim, mesmo em escala pontual, essas condições antrópicas associadas poderão levar a uma nova disruptura ambiental, sendo, então, necessárias atitudes mais coerentes pelos tomadores de decisão e piscicultores. 61 Referências Bibliográficas ABES, S. S.; AGOSTINHO, A. A.; OKADA, E. K.; GOMES, L. C. (2001). Diet of Iheringichthys labrosus (Pimelodidae, Siluriformes) in the Itaipu Reservoir, Paraná River, Brazil-Paraguay. Brazilian Archives of Biology and Technology. v. 44 (1): 101-105. ARTHUR, R. I.; LORENZEN, K.; HOMEKINGKEO, P.; SIDAVONG, K.; SENGVILAIKHAM, B.; GARAWAY, C. J. (2010). Assessing impacts of introduced aquaculture species on native fish communities: Nile tilapia and major carps in SE Asian freshwaters. Aquaculture v. 299: 81-88. ARTHINGTON, A. H. (1991). 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