UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL – RADIALISMO FELIPE MELO REINA ZYKLUS: Música, Imagem e Sinestesia BAURU 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL – RADIALISMO FELIPE MELO REINA 161030815 ZYKLUS: Música, Imagem e Sinestesia Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel do Curso de Graduação em Comunicação Social: Radialismo, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Campus de Bauru- SP, sob orientação do Prof. Dr. Laan Mendes de Barros do Departamento de Comunicação Social (DCSO). BAURU 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO CURSO COMUNICAÇÃO SOCIAL – RADIALISMO FELIPE MELO REINA ZYKLUS: Música, Imagem e Sinestesia Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel do Curso de Graduação em Comunicação Social: Radialismo, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), da Universidade Estadual Paulista – Unesp, Campus de Bauru- SP, sob orientação do Prof. Dr. Laan Mendes de Barros do Departamento de Comunicação Social (DCSO). BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Orientador: Prof. Dr. Laan Mendes de Barros Departamento de Comunicação Social – FAAC - UNESP/ Bauru ____________________________________ Profa. Dra. Regilene Aparecida Sarzi Ribeiro Departamento de Artes Visuais – FAAC - UNESP/ Bauru __________________________________ Prof. Ms. Ricardo Polettini Doutorando em Comunicação e Estudos da Mídia – FAAC - UNESP/Bauru Bauru, _____ de _____________ de ________. Dedico este trabalho à minha gata Minerva. Por estar ao meu lado durante todo o processo. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer aos meus pais, Kátia e Marcelo, e ao meu irmão, Leonardo, por investirem na minha educação e me incentivarem a buscar mais conhecimento. Obrigado por sempre me estimularem a ter mais cultura e promoverem o meu interesse por música e cinema. Agradeço ao Prof. Dr. Laan Mendes de Barros por ter me orientado neste trabalho, por ter sido bastante atencioso, interessado no projeto e ter me proporcionado muitas referências que foram essenciais para a produção. Sou grato também ao Jon Russo que foi meu tutor no processo de criação da animação, me deu ótimas ideias e sugestões e me ajudou na concepção de uma animação abstrata. Agradeço também à Prof. Dra. Regilene Sarzi Ribeiro e ao Prof. Ms. Ricardo Polettini por aceitarem o convite de participar da minha banca. Gostaria de agradecer a Unesp, por proporcionar ensino público de qualidade, e a todos que lutam pelas universidades públicas de todo o Brasil. Obrigado a todos que passaram pela minha vida durante esses quatro anos e a todos que me acompanharam nessa jornada. E um agradecimento especial a Laura, que esteve ao meu lado durante esse árduo processo e me aturou durante os momentos difíceis. Ela que me apoiou e me avaliou no decorrer deste projeto, sendo uma grande conselheira e amiga. Muito obrigado. REINA, Felipe Melo. Zyklus: Música, Imagem e Sinestesia. 2019. 50 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social: Radialismo) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru. 2019. RESUMO Zyklus é uma animação experimental inspirada nos filmes abstratos. Com uma trilha minimalista, o projeto tem como objetivo a criação de uma sinestesia entre música e vídeo no espectador e discutir este hibridismo entre as duas linguagens. Oskar Fischinger, Walther Ruttmann, John Whitney, Phillip Glass e Vangelis foram algumas das referências usadas para a concepção do filme. A obra foi produzida de forma inteiramente digital e por um único autor, aplicando os conceitos de paisagens sonoras e esfera de som de R. Murray Schafer. Palavras-chave: Animação abstrata. Música Visual. Sinestesia. Música minimalista. REINA, Felipe Melo. Zyklus: Música, Imagem e Sinestesia. 2019. 50 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social: Radialismo) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru. 2019. ABSTRACT Zyklus is an experimental animation inspired by abstract films. With a minimalist soundtrack, the project has as objective the creation of a synesthesia between music and video on its viewer and discuss this hybridism between the two languages. Oskar Fischinger, Walther Ruttmann, John Whitney, Phillip Glass and Vangelis were some of the references used in the conception of the film. The work was produced entirely digitally and by a single author, applying the concepts of soundscape and sound sphere by R. Murray Schafer. Key-words: Abstract animation. Visual Music. Synesthesia. Minimal music. LISTA DE FIGURAS Figura 1: An Optical Poem (1938) - Oskar Fischinger........................................................ 21 Figura 2: Studie n.9 (1931) - Oskar Fischinger................................................................... 21 Figura 3: Ruttmann Opus IV (1925) - Walter Ruttmann..................................................... 21 Figura 4: Catalog (1961) - John Whitney........................................................................... 22 Figura 5: Catalog (1961) - John Whitney........................................................................... 22 Figura 6: Vanishing Point (2010) - Takuya Hosogane........................................................ 23 Figura 7: Vanishing Point (2010) - Takuya Hosogane........................................................ 23 Figura 8: Solea (2013) - Jr. Canest...................................................................................... 23 Figura 9: Captura de tela do projeto no software FL Studio........................................... 28 Figura 10: Ilustrações do livro Zoom (1995) - Istvan Banyai.............................................. 30 Figura 11: Paleta de cores ................................................................................................... 30 Figuras 12 a 15: Frames de Zyklus...................................................................................... 31 Figuras 16 e 17: Frames de Zyklus...................................................................................... 32 Figuras 18 a 21: Frames de Zyklus...................................................................................... 32 Figuras 22 a 25: Frames de Zyklus...................................................................................... 33 Figuras 26 a 29: Frames de Zyklus...................................................................................... 34 Figuras 30 a 33: Frames de Zyklus...................................................................................... 34 Figuras 34 a 37: Frames de Zyklus...................................................................................... 35 Figuras 38 a 41: Frames de Zyklus...................................................................................... 36 Figuras 42 e 43: Frames de Zyklus...................................................................................... 36 Figuras 44 a 49: Frames de Zyklus...................................................................................... 37 Figuras 50 a 53: Frames de Zyklus...................................................................................... 37 Figuras 54 a 57: Frames de Zyklus...................................................................................... 38 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 2 REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................ 14 3 REFERENCIAL ESTÉTICO ....................................................................................... 20 4 METODOLOGIA .......................................................................................................... 25 5 RELATÓRIO DE PRODUÇÃO .................................................................................. 27 5.1 CONCEPÇÃO MUSICAL............................................................................................ 27 5.2 CONCEPÇÃO VISUAL............................................................................................... 29 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 40 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 41 APÊNDICE........................................................................................................................ 43 10 1 INTRODUÇÃO Dentre os cinco sentidos humanos, é inegável o protagonismo da visão e da audição. Além dos aspectos relacionados à sobrevivência, ambos possuem papel importantíssimo na nossa relação com o mundo e com os outros. Na comunicação são utilizados esses dois canais no rádio, na televisão, no cinema e nas mídias impressas, mas também no ato de nos expressarmos além dos meios, pois nossa linguagem funciona dentro dessa lógica audiovisual. Focando nas artes, usamos a visão para observar pinturas, esculturas e fotografias e a audição para escutar músicas e sons no cinema e teatro. Mas como seria se pudéssemos trocar os sentidos? Como seria se pudéssemos ver uma música ou ouvir uma pintura? Esta curiosidade sempre existiu, desde a Grécia Antiga, onde foi criado um termo para isso, sinestesia, até a psicodelia dos anos 60, onde usavam alteradores de consciência para criar essa sensação na mente do usuário. No final do século XIX, Alexander Wallace Rimington inventou um órgão que acendia luzes quando suas teclas eram tocadas, na tentativa de transpor a música para um aspecto também visual. Mesmo que de maneira arcaica, esse instrumento foi um pioneiro para esse efeito. Transportando os componentes da música, como ritmo, harmonia, melodia e também os aspectos do som, como a altura, timbre, intensidade e duração, seria possível criar uma obra visual composta por esses elementos? Sem dúvida, a invenção de Rimington poderia conter todos esses elementos, mas ainda não seria correto chamarmos de música visual. Ainda faltava um elemento crucial que distingue o visual do sonoro: o tempo. O acréscimo dessa nova dimensão nas artes visuais se dá no cinema. A invenção dos irmãos Lumiére, que nada mais é que uma projeção em alta velocidade de fotografias em sequência, trouxe o elemento temporal ao que antes era estático se tornando possível a ideia de um híbrido entre música e vídeo. 11 No audiovisual, muitos artistas e cineastas intencionaram criar sensações sinestésicas em suas obras. Oskar Fischinger, Viking Eggeling, Walther Ruttmann, Hans Richter foram nomes do cinema abstrato alemão, também chamado de Der Absolute Film, ou, Filme Absoluto, que propuseram a transmissão da musicalidade para o abstracionismo. Outro nome interessante para esse movimento artístico é o Visual Music Film, que transforma a música em uma obra audiovisual. Esses artistas acreditavam que essa forma de arte era ao que o cinema devia se prestar. Ruttmann falava em pintar com o tempo e como essa nova arte poderia alcançar mais pessoas que a pintura e criar novos artistas. Fischinger chegou a fazer duras críticas a animação Fantasia de Walt Disney, pois aquilo havia adquirido um aspecto comercial, muito distante do que imaginavam para o meio e que odiava em todo o cinema americano. A busca pelo absoluto e pelo potencial máximo do meio cinematográfico para as artes visuais era o que guiavam estes cineastas. Apesar desse movimento artístico não ser tão estudado no meio acadêmico, tanto nos estudos da música quanto nos estudos audiovisuais, o filme abstrato, que também poderia ser a animação abstrata (pois os filmes utilizam dessa técnica) teve seus dissidentes. Enquanto que para esses artistas, que produziram na primeira metade do século XX, as obras eram feitas em película, com a criação da computação gráfica o movimento se renovou décadas depois, tendo como pioneiros John e James Whitney. Utilizando cálculos computacionais e instrumentos eletrônicos, eles criaram o que foi chamado de motion graphics. Uma ideia interessante dos Whitney que possui grande afinidade com este projeto é a criação de uma tecnologia para criar, simultaneamente, a música e a imagem de forma que ambas se relacionam. O presente trabalho busca criar uma animação abstrata nos moldes do filme absoluto. Com o objetivo da criação de um vídeo fora do figurativo que consiga recriar a música de forma visual, contendo todos os elementos que possam caracterizar uma música. O filme foi totalmente criado, tanto áudio quanto vídeo, pelo autor, utilizando apenas elementos de softwares de computador. A composição de uma música minimalista trouxe a ideia da criação de uma animação abstrata que dialogue entre si. Com esse hibridismo, uma parte se torna dependente da outra, produzindo a obra completa, uma obra profundamente "audiovisual", pois o vídeo só existe com o áudio. 12 O trabalho iniciou como um videoclipe interativo, para uma música eletrônica inspirada no movimento Synthwave, com uma narrativa de temática espacial, mas evoluiu para o abstrato com a descoberta do movimento do cinema absoluto. Apesar da discrepância entre os temas, há um fio condutor entre todas as propostas: de início, a interatividade se daria por meio concreto e objetivo, o espectador atuaria como um jogador de videogame, controlando os personagens e participando ativamente da história. Mas no filme absoluto, a interatividade ainda existe, mesmo que de forma totalmente diferente da anterior. Ela existe através da relação entre espectador e obra, na experiência estética trazida pelo filme. Essa nova interação acontece inteiramente dentro da mente do espectador, criando sensações únicas em cada um que assiste. O projeto Zyklus, que significa “ciclo” em alemão, tem seu nome em língua alemã como uma homenagem aos pioneiros desse movimento. É uma obra abstrata, dentro da temática da construção e desconstrução. Desde os grafismos, que se transformam em outros, até as cores, que se misturam para formar outra, sempre há o elemento do morfismo. Um objeto se torna o fundo, que se torna objeto. As transições executadas com fluidez transmitem elementos de uma sequência para outra, para no fim, voltarmos ao início. A questão do ciclo permeia toda a obra. A música, o vídeo, os elementos e os movimentos são cíclicos e, de certa forma, o fato de ser feito por uma só pessoa em um só computador também é cíclico: do autor para a máquina e da máquina para o autor. O trabalho está estruturado da seguinte forma: primeiramente, há uma discussão conceitual sobre o filme abstrato, a música minimalista e as relações entre imagem e som. Em seguida se discutirá o próprio trabalho, os conceitos utilizados, suas referências, tanto estéticas quanto conceituais e sonoras. Após, será apresentado o processo de criação do trabalho, desde sua idealização, passando pela sua produção até a finalização do projeto. Por fim, as considerações acerca do trabalho realizado. Consta no apêndice a partitura da música Zyklus (Apêndice 1). 13 CAPÍTULO REFERENCIAL TEÓRICO 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO Como dito na introdução, o projeto se trata de uma obra abstrata, baseada nos filmes absolutos. Também chamado de animação abstrata ou música visual, esse movimento tem suas raízes nas vanguardas modernistas, com foco maior no futurismo italiano. Em 1916, os italianos F.T. Marinetti, Bruno Corra, Emilio Settimelli, Arnaldo Ginna, Giacomo Balla e Remo Chiti escreveram o Manifesto do Cinema Futurista. Para eles, no cinema futurista: Os mais variados elementos entrarão no filme Futurista como meio de expressão: desde o fragmento da vida até a faixa de cor, da linha convencional até parole in libertà, da música cromática e plástica até a música dos objetos. Em outras palavras será pintura, arquitetura, escultura, parole in libertà, música das cores, linhas, formas, uma confusão de objetos e realidade lançada aleatoriamente. Nós devemos oferecer novas inspirações para a procura de pintores que irão quebrar os limites do quadro. Nós devemos colocar em movimento a parole in libertà que vai desmanchar as barreiras da literatura para que elas marchem em direção a pintura, música, noise- art, e lançar a maravilhosa ponte entre a palavra e o objeto real (MARINETTI; CORRA, et al., 1916, grifos dos autores, tradução nossa) Para muitos desses artistas da época, o cinema seria a junção de todas as outras artes, criando uma forma híbrida que quebraria com as barreiras existentes entre elas. Uma pintura teria o ritmo da música, sendo projetada como uma fotografia e etc. No começo da década de 20 surgiu um grupo de artistas na Alemanha com essas ideias. Oskar Fischinger, Viking Eggeling, Walther Ruttmann, Hans Richter foram grandes expoentes dessa vanguarda do cinema. Era visto no movimento uma nova forma de arte, que poderia substituir a arte burguesa vigente. Com muitos dos artistas possuindo uma base musical, os filmes tinham como cerne os princípios da música. Não como uma mera ilustração, mas como uma imagem que poderia performar “um espetáculo tão livre, sutil e complexo quanto a música: livre das limitações da gravidade e de um ponto de vista único, com muitas camadas e texturas, e com capacidade de evocar respostas dinâmicas através de nuances de ritmo, tensões na harmonia e dissonância.” (MORITZ, 1989, tradução nossa). Assim, Walther Ruttmann diz que surgiria um novo tipo de artista, que estaria no meio termo entre a pintura e a música (KEEFER, 2005). Mas como poderia mesclar a “linguagem musical” e a “linguagem visual”? O meio cinematográfico cria a possibilidade dessa nova linguagem, pois, como dito na introdução, através da adição da dimensão temporal na linguagem visual, podemos criar visualmente ritmo, harmonia e melodia. Segundo a autora Maura McDonnell (2007), o artista da música visual deve conciliar: 15 Há uma ampla gama de questões a considerar, por exemplo, tradição musical, estilo, tempo, estrutura, forma, espaço, ritmo, relações, harmonia e Gestalt. E ainda há questões mais específicas de orquestração, fraseado, melodia, cor, contraste, forma, padrão, repetição, consonância, dissonância, tom e dinâmica. Adicionado a isso está o estilo artístico e as intenções do compositor, onde há uma consideração para a expressão de conceitos, ideias e emoções. (MCDONNELL, 2007, tradução nossa). O resultado disso é uma arte visual que, assim como a música, existe no tempo. A questão temporal é o que torna possível outro aspecto importante que a autora traz: a música tem que evocar na arte visual o movimento, podendo assim ser considerada uma composição de movimento. Como dito por Maitland Graves no livro The Art of Color and Design: “Uma arte abstrata imóvel não diz muito… Somente quando está em movimento, quando se transforma e encontra outras formas, se torna capaz de evocar emoções.” (GRAVES, 1951, p. 412, tradução nossa). A musicalidade se dá na forma fluida de se criar emoções, e isso ocorre de maneira abstrata, feita para ser sentida. Não há maneira de entender a música como algo representativo, pois faz parte da linguagem. Por exemplo, não há como escutar certa melodia e pensar que ela representa algo, e por essa característica, não há outra forma de criar música visual fora do filme abstrato. As emoções e o “movimento” da música só são capazes de ocorrer sem formas ou representações concretas, pois a sentimos dentro de nossas mentes. O autor Barry Spinello chega a dizer que: “(...) o objeto artístico, seja uma pintura ou uma composição musical, não é ‘a coisa’. O objeto é apenas o resíduo dessa ‘coisa’. A ‘coisa’ real é a conectividade intraneural que ocorreu no artista para que o objeto viesse a existir.” (SPINELLO, 2007, tradução nossa). Ou seja, para Spinello, a música visual, não é um objeto por si só, mas uma representação da atividade cerebral do artista e que, com isso, possa reproduzir a mesma conectividade neural no espectador. Partindo agora para o âmbito musical, a obra conta com uma trilha inspirada nas composições minimalistas, composta em um programa de computador usando apenas instrumentos e sons eletrônicos. Mas o que seria uma trilha minimalista? Apesar de ser um movimento do século XX, as raízes do minimalismo são mais antigas. Muitos compositores trazem músicas tradicionais orientais, ou músicas primitivas, como suas referências, como a música japonesa e o raga indiano. Steve Reich também se inspirou em músicas africanas e balinesas. Esses estilos tinham uma matriz meditativa, e através da repetição traziam aspectos hipnóticos, funcionando quase como mantras sonoros. Apesar de alguns músicos do movimento rejeitarem a ideia de transe, como o próprio Reich, outros abraçaram essa visão, tendo o estilo até sido chamado de New York Hypnotic School. A música minimalista surgiu 16 nos anos 60, auge da contracultura, com um intuito de ir contra o serialismo, marcadamente ocidental, que era vigente na época. O serialismo, que tinha forte influência na Europa, propunha que a música devesse seguir uma ordem numérica, de forma que não seria possível encontrar um centro tonal. Para esse movimento, qualquer maneira de compor que não seguisse a variação dos serialistas, era inútil. Indo de embate a essa visão, os minimalistas propuseram ser opostos aos serialistas, sendo repetitivos e reiterando o centro tonal o tempo todo. Eles, que não gostavam do nome “minimalista”, pois aparentava ser algo simplista e sem complexidade, recusaram as imposições do movimento serialista. Enquanto um representava o status quo, o outro representava a contracultura. O serialismo não permitia sair dos padrões, já o minimalismo incentivava a experimentação. Para Michael Nyman, autor do livro Experimental Music: Cage and Beyond, os músicos experimentais buscavam a ideia de que o processo da composição era o que valia, e não a música como algo finalizado (CERVO, 2005, p. 47). Eles queriam criar situações para que pudesse haver som. Um desses tipos de processos era o de repetição com a intenção quebrar com velhos conceitos serialistas. Segundo Mertens: Mas a música repetitiva não é construída em torno de um argumento, a obra não é representativa e também não é um meio de expressão de sentimentos subjetivos. Glass escreveu que ‘Esta música não é caracterizada por argumento e desenvolvimento… a música não tem mais uma função de mediação que se refere a algo fora dela mesma, mas encarna a si mesma sem mediações. Assim o ouvinte necessitará de uma estratégia de audição diferente, sem os conceitos tradicionais de lembrança e antecipação. A música deve ser ouvida como um evento sônico puro, um ato sem nenhuma estrutura ‘dramática.’ (MERTENS, 1983, p. 88). Essa repetição não é aleatória, seguindo processos específicos e evidentes. Uma das questões que existiam contra a música serialista é a de que não se percebe os processos usados pelos compositores. A ordem numérica ou outros fatores não eram perceptíveis para os ouvintes. Já os minimalistas intencionaram fazer seus processos presentes. A música minimalista é dividida em células, que podem ser tocadas sobrepondo-se ou em ordens diferentes ou ainda em tempos diferentes. Tudo isso com a intenção de criar uma aura hipnótica nas músicas que poderia durar por horas ou poucos minutos. Como grandes expoentes do movimento, podem-se citar músicos como La Monte Young, Terry Riley, Steve Reich e Philip Glass. Muitos deles usaram da tecnologia e de instrumentos eletrônicos para fazer suas composições. Alguns processos só eram possíveis através de componentes eletrônicos, como o processo de repetir a mesma célula em dois 17 instrumentos diferentes, mas com uma pequena mudança no tempo, fazendo com o que antes estava em uníssono fosse gradualmente se desconectando, criando um efeito diferente a cada vez que era tocado, ou em músicas que duravam horas e não seria possível para uma pessoa reproduzir. Partindo desses princípios, a música eletrônica possui uma base na música experimental minimalista. Mas como mesclar a música minimalista e a animação abstrata? Como poderiam ser analisados os processos de ligação entre as duas linguagens? Estas questões foram estudadas por R. Murray Schafer em seu conceito de paisagens sonoras. Este conceito trabalha a ideia de que sons podem criar imagens dentro de nossas mentes. Se escutarmos o som de uma cachoeira, por exemplo, formamos a imagem de uma cachoeira. Mas também é possível observarmos isso em sons que não tem uma ligação com a natureza, como as notas musicais, que conseguem evocar sensações e sentimentos. Por exemplo: um acorde maior normalmente traz um sentimento “feliz”, diferente de um acorde menor, que normalmente apresenta estranheza. No audiovisual esse conceito é amplamente utilizado na linguagem videoclíptica. No livro "Videoclipe: o elogio da desarmonia" de Thiago Soares há um capítulo chamado "A construção das paisagens sonoras" onde o autor fala que a música, além de parte do Videoclipe, dita o ritmo e o tom da imagem (SOARES, 2004, p. 33). O autor também traz o conceito de esferas de som, que seriam elementos visuais capazes de reproduzirem um elemento do som. Pode-se dar o exemplo de uma guitarra distorcida em uma canção de metal acompanhada de uma imagem tremida e “suja”, recriando a mesma “sujeira” que a melodia propõe. O autor afirma que essa linguagem faz parte da sinestesia, o “som e imagem, portanto, viram um construto a partir de ideias de paisagem sonora e de esferas de som." (SOARES, 2004, p. 33). Podem-se analisar esses conceitos dentro do filme absoluto que, diferente dos videoclipes, a música dita toda a cena. O movimento, a forma, o tamanho, o tempo e até a cor são ditados pelos aspectos musicais. Assistindo “An Optical Poem” de Oskar Fischinger, é possível ver claramente essa ideia aplicada à animação. Apesar de não ser uma norma nos filmes absolutos, as formas aparecendo em total sincronia com a música escancara a conexão das duas linguagens. Essa forma harmoniosa pretendia ser mais palatável para um público que ainda não estava acostumado com essa forma de arte, mas acabou servindo para criar o hibridismo das mídias. Pensando um pouco sobre o conceito de arte, esse que mudou tanto e que ainda gera muita discussão, é trabalhado no presente trabalho o conceito mais atual: a arte é aquilo que o autor diz que é arte. Pautado nesse conceito, retira-se diversas outras ideias do que seria a arte 18 e se abre para outras que não tinham seu espaço antes. Ela não é agradável, tampouco o belo. Ela não é uma mera reprodução, e não possui um sentido oculto em que o espectador deve procurar para compreendê-la. Mas agora ela pode ser uma experiência, mais especificamente uma experiência estética. Estética vem do grego aisthesis, que significa sensação, como na palavra anestesia, que é algo que nos faz não sentir. Sendo assim, a experiência estética é uma experiência artística que nos cria uma sensação. Não mais sendo uma sensação de belo, mas uma particular que difere entre os seus espectadores. Como diz o teórico Mikel Dufrenne, a ideia é que o objeto estético ganhe em estar frente a essa pluralidade de interpretações que se ligam a ele: ele se enriquece à medida que a obra encontra um público mais vasto e uma significação mais diversificada. Tudo se passa como se o objeto estético se metamorfoseasse (DUFRENNE, 1992a apud BARROS, 2012, p. 76). É importante enfatizar também que esse conceito não se aplica apenas às mídias visuais. Como é dito por Laan Mendes de Barros no texto “O consumo da canção como experiência estética”, esse tipo de sensação também se dá na música, através do conceito de Schafer de construção de paisagens sonoras (BARROS, 2012). Na escuta, também há estética. No caso do trabalho aqui apresentado e nos filmes absolutos, é ainda uma experiência estética sinestésica, que se dá pela união do meio visual com o meio musical. Assim, a experiência estética nos filmes abstratos compõe um espaço ainda maior de interpretações, como no conceito de Umberto Eco, de obra aberta, presente no livro de mesmo nome (ECO, 1968 apud BARROS, 2012, p. 77). Como dito em outro texto de Laan, “Cântico dos Quânticos: ciência e arte nas canções de Gilberto Gil”, aqui aparece a figura do fruidor, que é todo aquele que está experienciando a obra e criando novos sentidos para ela. A música já consiste em uma arte subjetiva e abstrata (BARROS, 2008, p. 18), e neste projeto, trago estes conceitos e formas de experienciar a obra também para o campo visual. 19 CAPÍTULO REFERENCIAL ESTÉTICO 20 3 REFERENCIAL ESTÉTICO Pensando na estética como algo a ser sentido, este capítulo irá discorrer sobre as referências usadas para a criação do filme Zyklus, não somente como inspirações em relação à forma ou modo de expressão, mas também como referência de sensações criadas com as obras. São trazidos referenciais que proporcionaram a produção desta obra e contribuíram com a bagagem necessária para que o vídeo realizasse o papel proposto. Na música, várias obras foram usadas para a sua criação. A trilha sonora de Blade Runner composta por Vangelis foi uma destas influências. Não especificamente na questão melódica e sonora, mas como um exemplo de criação de paisagem sonora que cria uma atmosfera inconfundível na obra. O filme de Ridley Scott teria uma carga totalmente diferente se tivesse sua trilha composta como outros filmes de ficção científica e perderia suas características neo-noir, que se tornaram a marca desse estilo aclamado por fãs de Sci-fi. No aspecto minimalista, é citado o compositor Philip Glass como uma grande referência na criação da música. Sua trilha no filme experimental Koyaanisqatsi, além de uma grande obra a toda a música minimalista, traz muitas inspirações em relação à sincronização da imagem com o sonoro. O filme também traz uma grande influência como “obra aberta”, se propondo como uma experiência sem uma explicação definida, deixando o espectador tirar suas próprias conclusões, como afirma o próprio diretor Godfrey Reggio. Na melodia e instrumentos, uma referência trazida é o músico francês Rone. Artista de música eletrônica, principalmente nos gêneros de EDM, IDM e Minimal Techno, ele utiliza majoritariamente computador, teclado e sintetizadores nas suas composições. Duas delas que possuem estreita ligação com a concepção do projeto foram Bye Bye Macadam (2012) e Origami (2017), que além dos seus aspectos melódicos, também inspiraram por seus videoclipes serem animações. Outro músico relevante é o americano Lorn, que contribui melodicamente com seus sintetizadores fortes e presentes e sua bateria marcada, como nas composições Acid Rain (2014) e ANVIL (2016). Nos aspectos visuais, as referências estão baseadas nas animações abstratas, com principal foco nos filmes absolutos. Dentre elas, são fundamentais as obras de Oskar Fischinger, que possuem características similares ao projeto, como a sincronização da música com o visual. An Optical Poem (1938) (Figura 1) e Studie n.9 (1931) (Figura 2) são centrais ao visual, por suas formas livres e modificáveis. E ainda dentro dos filmes absolutos, há Walter Ruttmann e sua obra Ruttmann Opus IV (1925) (Figura 3), que inspirou uma clara referência ao projeto. 21 Figura 1: An Optical Poem (1938) - Oskar Fischinger Fonte: (FISCHINGER, 1938). Figura 2: Studie n.9 (1931) - Oskar Fischinger Fonte: (FISCHINGER, 1931). Figura 3: Ruttmann Opus IV (1925) - Walter Ruttmann Fonte: (RUTTMANN, 1925). 22 Saindo dos filmes absolutos, também foram usadas animações mais recentes como orientação para a concepção da obra. Um autor importante é o já citado John Whitney, que foi um precursor da computação e também produziu obras abstratas. Catalog (1961) (Figuras 4 e 5) possui variados trechos usados como guia. Figura 4: Catalog (1961) - John Whitney Fonte: (WHITNEY, 1961). Figura 5: Catalog (1961) - John Whitney Fonte: (WHITNEY, 1961). Trazendo pros dias atuais, a animação abstrata ainda existe e com uma profunda ligação com a computação gráfica. Com o avanço de softwares e da tecnologia de modelagem 3D, a animação se dá mais no território da tridimensionalidade, porém com grandes expoentes no campo do 2D, como a obra Vanishing Point (2010) (Figuras 6 e 7) de Takuya Hosogane ou Solea (2013) (Figura 8) de Jr. Canest. 23 Figura 6: Vanishing Point (2010) - Takuya Hosogane Fonte: (HOSOGANE, 2010). Figura 7: Vanishing Point (2010) - Takuya Hosogane Fonte: (HOSOGANE, 2010). Figura 8: Solea (2013) - Jr. Canest Fonte: (CANEST, 2013) 24 CAPÍTULO METODOLOGIA 25 4 METODOLOGIA O presente trabalho é baseado metodologicamente nos conceitos de música minimalista, filme absoluto, experiência estética e paisagens sonoras. Após a leitura e compreensão do referencial teórico, buscou-se referências estéticas para assim, iniciar a produção do filme. O projeto não se baseia completamente nas clássicas três etapas do audiovisual. A pré-produção, produção e pós-produção dissolveram entre todas as partes do projeto. Pensando no vídeo como pensavam os minimalistas, o processo de criação tem mais importância que apenas o resultado final. Assim, todas as etapas foram pensadas para serem produzidas de maneira fluida. A música, apesar de ter sido criada primeiro, não possuía caráter sólido, sendo passível mudanças e adequações conforme a necessidade do meio visual. Essa música funcionava como uma base rítmica livre, que ao mesmo tempo em que tornaria possível a criação visual, não estava restrita, pelo fato de não estar finalizada. Diferente da lógica videoclíptica, onde música precede o vídeo, aqui som e imagem coexistem e se transformam mutuamente. O vídeo começou a ser produzido em seguida, mas sem um roteiro definido. A questão cíclica permeia toda a obra e foi usada de base para diversos momentos do filme, mas as formas e movimentos eram livres. Essa liberdade existia com a intenção de se criar sinestesia, assim, muito do que foi feito tem origem na paisagem sonora gerada pela música. As imagens mentais formadas ao ouvir a melodia foram aplicadas nas animações, de forma que o aspecto cognitivo está diretamente presente no que o espectador vê. Apesar disso, havia pontos que estavam planejados para ocorrer, mas a autonomia do autor com o produto era um conceito importante a ser tratado. Essa ótica independente foi fator crucial para a composição, sendo o método seguido para a concepção do trabalho. 26 CAPÍTULO RELATÓRIO DE PRODUÇÃO 27 5 RELATÓRIO DE PRODUÇÃO 5.1 Concepção Musical A música de Zyklus foi criada utilizando apenas o software de produção musical FL Studio, muito utilizado na produção de música eletrônica. A ideia era de criar uma composição que misturasse o estilo Synthwave e a música minimalista. O gênero Synthwave surgiu na internet e é inspirado nas trilhas sonoras de filmes e jogos dos anos 80, com o uso de muitos sintetizadores e baterias da época, sendo a intenção criar uma atmosfera retrô futurista. Desse estilo, pretendia-se utilizar os instrumentos, acreditando que esses sintetizadores têm mais facilidade na criação de paisagens sonoras, por seu som ter um fator expansivo harmonicamente. Mas há uma problemática nesse estilo: ele possui uma alta velocidade e um ritmo frenético em suas composições. Então foi utilizado o minimalismo para contrapor os aspectos rítmicos que não encaixavam com a proposta do filme Zyklus. Estes foram utilizados para a elaboração de uma aura hipnótica, que poderia contribuir para a sinestesia. A repetição, um tempo mais devagar e notas melódicas mais longas foram pontos cruciais para a musicalidade proposta. A trajetória musical do autor influenciou grandemente as escolhas sonoras. Quando mais novo, o mesmo estudou dois instrumentos musicais: teclado e baixo. Com o primeiro, o autor aprendeu a compreender a música: como se davam as notas, acordes, tempo, escrever partituras e etc. No teclado, a visualização das escalas e tons é bastante explícita, podendo ser utilizado de base para aprender diversos instrumentos. Já no baixo, o autor aprendeu a escutar melhor a música. Este instrumento, que tem seu som muitas vezes escondido e negligenciado, possibilitou ao mesmo aperfeiçoar o sentido da audição para ouvir uma camada mais profunda. Este instrumento também possibilitou o entendimento das relações existentes entre a bateria e os outros instrumentos. Quando o autor foi baixista em uma banda, o mesmo tinha a capacidade de cambiar entre acompanhar a bateria ou acompanhar a guitarra. Encontrando- se no meio termo entre a batida e a melodia, o autor foi capaz de entender a relação entre ambos. Isso tudo proporcionou ao mesmo a habilidade de compor sozinho, por meio do computador, explorando uma vasta gama de possibilidades existentes. Para a composição foram usados apenas cinco instrumentos. A linha harmônica principal foi composta usando um plugin que simula o sintetizador Yamaha CS-80. Criado em 1976, o instrumento foi um marco para a época devido seu grande potencial de variações e efeitos e seu som metálico inconfundível. Ganhou maior relevância após ter sido usado por 28 Vangelis na composição da trilha sonora de Blade Runner, se tornando um dos sintetizadores mais cobiçados entre os entusiastas do nicho. O acompanhamento melódico da harmonia foi feito utilizando um sub-bass metálico com um timbre de sawtooth ou dente de serra. Diferente do que se é normalmente feito em um sub-bass, o autor utilizou uma altura bem mais alta e adicionou muitos efeitos, sendo tocado como um arpejo, criando a melodia da composição. Também foi utilizado um baixo que acompanhou ambos os instrumentos em alguns momentos, com pouco efeito, se aproximando bastante do seu som acústico. Para a bateria, foi utilizado somente um kick, “seco”, e uma caixa vintage, essa com bastante reverberação. A construção foi baseada na ideia de ciclo, assim há progressividade, até certo ponto da música, que depois se simplifica gradativamente até chegar ao ponto inicial. Gradualmente foram adicionados outros sons e modificados os que já estavam tocando, para depois do momento chave, esses instrumentos serem retirados. Essa ideia de loop também permeou a criação do aspecto visual. Zyklus poderia ser visto repetidamente, o que dissolve a noção de início e de fim, formando uma obra “eterna”. Como dito no capítulo metodológico, o processo de construção da música estava relacionado ao de construção do vídeo. Sendo assim, a trilha passou por diversos processos de adaptação. Inicialmente, a composição tinha mais de três minutos de duração e possuía alguns compassos a mais na forma de repetição. Os seguintes tratamentos intencionaram deixar de maneira mais enxuta a música para não ser algo cansativo a quem a ouve. Abaixo (Figura 9) está a captura de tela do projeto finalizado no software usado. Figura 9: Captura de tela do projeto no software FL Studio Fonte: próprio autor, (2019). 29 Nos compassos 1 ao 9 está a introdução da música. Contendo apenas o sintetizador CS-80, ela tem a função de apresentar a música, possuindo uma progressão de acordes 3-5-1. As unidades 9 a 17 tiveram a adição do sub-bass e da bateria, e nas unidades 17 a 25, há uma mudança de tempo nas notas do sintetizador, que agora são curtas, e a adição do baixo. No trecho 25 a 33 há a preparação para a virada melódica, que ocorre em 33 a 37, mudando a progressão de acordes para 1-3-6-4. Em 37 a 53, a harmonia retorna as notas longas com o acréscimo de arpejo a partir da 45. De 53 a 65 as notas diminuem de duração e há uma virada em 65 a 67, contendo apenas a bateria. Nos compassos 67 a 75, há a preparação para a finalização. Para o encerramento, 75 a 83, a música perde seu acompanhamento harmônico, restando apenas a bateria e o sintetizador, que retorna a sua melodia inicial no compasso 79. Por fim, 83 em diante, resta apenas a melodia, que gradativamente vai ao silêncio. Na AudioTrack #5 estão os efeitos de equalização e na Track 6 está o efeito de reverberação. 5.2 Concepção Visual A criação do vídeo foi mais complexa que a trilha musical. No início do projeto, não havia ainda a escolha pelo abstrato sendo, inicialmente, um vídeo narrativo em animação 3D. A ideia não perdurou pela falta de encaixe com a sinestesia, tornando a via não figurativa a única capaz de produzir tal efeito. A concepção se deu de forma natural e seguia as imagens mentais formadas pelo ato de escutar a música, mas isso não significa que não houve qualquer tipo de planejamento ou reflexão para a produção. Primeiramente, o autor questionou-se sobre a forma dos objetos, pois o mesmo gostaria que todos tivessem características parecidas, para a constituição de uma unidade na obra. Pensando no conceito de ciclo, foram pautadas as formas circulares, pois traz o conceito cíclico da geometria, não possuindo começo ou fim. Mesmo as formas que não são propriamente redondas, possuem bordas curvas. A simbologia do círculo é vasta em muitas culturas diferentes, significando para muitos a perfeição. Além da relação com o divino, ele também representa o movimento, a expansão e o tempo. A sua ligação com o cíclico também se dá pelo movimento do sol e dos outros planetas. Para alguns povos também simboliza o infinito e, para os gregos antigos, designava a eternidade. Para as transições, foram usados os conceitos de zoom e de construção (e desconstrução). O zoom consiste na ideia de que sempre há algo maior ou menor que o objeto, como, por exemplo, o livro Zoom (1995), que cria a impressão do leitor estar se aproximando ou se afastando das ilustrações. Aqui, a ideia é transformada para a percepção de que o fundo se torna objeto e vice versa. Já a concepção de formação e destruição está presente em 30 diversos trechos nos quais um objeto se dissolve ou explode em outros menores. Essas imagens trazem a assimilação de uma obra fluida, onde nada é constante e tudo se transforma. Figura 10: Ilustrações do livro Zoom (1995) - Istvan Banyai Fonte: (ALEXANDRE, 2014). Quanto às cores, o filme é basicamente constituído das cores puras e suas misturas. Com raras exceções, Zyklus é formado pela tríade aditiva no sistema de cores-luz (Figura 11). A síntese aditiva é composta pelas cores primárias da luz (verde, azul e vermelho) que, quando duas são somadas, formam as cores secundárias (magenta, ciano e amarelo). Essa escolha estética tem como objetivo referenciar a construção do sistema RGB utilizado nos aparelhos digitais, pelo fato do trabalho ter sido produzido de forma sintética. Além disso, este sistema também é utilizado pelo nosso organismo para enxergar e, através dos cones (células dos olhos que captam a variação de tonalidade), nos permite sentir as cores. Figura 11: Paleta de cores Fonte: próprio autor, (2019). 31 O visual foi totalmente produzido no software de efeitos visuais After Effects. Nele foram criadas todas as formas, efeitos e movimentações. O programa é considerado 2,5D, pois, apesar de certa tridimensionalidade, não pode ser considerado 3D (não possuindo recursos aprofundados de iluminação e movimentos). Para o projeto, foi utilizado um total de 55 camadas, sendo duas destas camadas compostas por pré-composições, contendo 44 camadas em cada. Os trechos da animação foram concebidos conforme os compassos da música, ou seja, quando há alguma mudança no som, a animação também muda. Na introdução do vídeo, do primeiro quadro até aproximadamente 10 segundos, são visualizadas duas formas se intercalando. A primeira possui características quase simétricas e se movimenta de modo circular sobre um fundo escuro. Foi criada utilizando o efeito de glow e movimentada aparando caminhos, já o fundo contém um efeito de vinheta. A segunda foi feita de forma parecida, mas com aparência arredondada e seu fundo em um tom rosé. Logo após, a forma arredondada se movimenta de maneira anormal, dissolvendo-se, até que, entre o segundo 13 e 14, o objeto explode em centenas de partículas, pelo efeito Scatterize. A sensação criada é a de rompimento de padrão e quebra de expectativa. Ao explodir, entra em cena a noção de desconstrução (Figuras 12 a 15). Figuras 12 a 15: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Após essa dissolução, as partes se expandem e tomam conta de toda a tela, com deslocamento em todas as direções. A partir do segundo 27, as esferas entram em sincronia e se movimentam rotativamente. Aqui não há mais fundo, e os globos foram se dilatam até o 32 ponto de cobrir toda a tela no segundo 41 (Figuras 16 e 17). Este trecho apresenta o conceito de objeto que se torna fundo, muito presente no livro Zoom. Figuras 16 e 17: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). O fundo se torna branco, mas rapidamente percebemos que é um objeto, agora em duas dimensões. Círculos brancos rodam na tela sincronizadamente. A animação tem efeito repetidor, tornando o disco em vários, com uma leve variação de tamanho e movimento. No segundo 48, o círculo se multiplica por três, somado ao efeito repetidor. Gradualmente eles se alongam e ganham coloração (vermelho, azul e verde) enquanto giram em torno de um mesmo eixo. As formas desaparecem, segundo 54, é possível ver o fundo da tela clareando, possuindo pequenos hexágonos, enquanto se distorce como um redemoinho, se esferizando e diminuindo até se extinguir (Figuras 18 a 21). Para essa sequência foram utilizados três efeitos: HexTile, Redemoinho e Esferizar. Há uma tentativa de criação de cor, mas que se esvai, eliminando o fundo. Figuras 18 a 21: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). 33 Do ponto onde o redemoinho se desfez, surge gradualmente uma circunferência branca e dela saem feixes de luz. Neste trecho, houve a utilização das duas pré composições anteriormente citadas. O uso delas para criar os objetos luminosos veio da maior facilidade e economia de camadas proporcionadas. Os raios de luz desaparecem na medida em que o anel cresce e, em seguida, passa por um processo de tridimensionalização, através do efeito Glass. Após a transformação para o 3D, o elemento passa por diversas distorções e movimentações, que o expandem e o tira de cena (Figuras 22 a 25). Figuras 22 a 25: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Na sequência posterior, se enxerga que o fundo é um componente circular constituído de pequenos grãos e a base se mostra uma cor clara. O item escuro se distorce e se move até expandir e voltar a ser o plano de fundo (Figuras 26 a 29). O efeito utilizado para sua produção foi o efeito Dispersão. 34 Figuras 26 a 29: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Com o fundo preto, acontecem pulsações coloridas em sincronia com a música. Cada par de pulsos possui uma cor secundária (magenta, ciano e amarelo) e possui característica 3D, usando o efeito Glass. Ao 1 minuto e 34 segundos, há um pulso branco, seguido por dois pulsos preenchidos e o último se expande e cobre a tela (Figuras 30 a 33). Aqui há a paleta de cores se desenvolve, encerrando com o branco, a união das outras cores. Figuras 30 a 33: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). A forma se alonga e se desloca circular em loop, mudando de cor e tamanho conforme a música. Aqui entram as cores primarias e secundarias do sistema RGB, começando pelo azul e passando pelas outras primárias (vermelho e verde) e depois indo para as secundárias 35 (amarelo, magenta e ciano). Na produção foi utilizada a técnica de aparar caminhos, assim como em outros momentos, e o efeito Plastic (Figuras 34 a 37). Nesse momento fica explícito o conceito das cores e o cíclico. Figuras 34 a 37: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). O objeto ciano se transforma na transição para a próxima cena, adquirindo um aspecto mais irregular, similar a uma gota de tinta. Locomove-se como um laço na tela, até chegar ao canto direito, se espalhando e tornando o fundo da tela. Posteriormente, uma forma magenta repete o mesmo movimento, seguidamente de uma de cor amarela. As cores secundárias são sucedidas da cor verde, que se espalha e fecha o ciclo (Figuras 38 a 41). Nesse ponto as formas, antes regulares, se tornam assimétricas e o vídeo toma uma coloração muito mais vibrante. 36 Figuras 38 a 41: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Em seguida, há o trecho de virada na música, com somente a bateria, que causa no visual uma mancha preta em um fundo verde. Possuindo uma forma irregular e mutante, ela reage conforme a batida. Para isso foi utilizado o efeito Chocalho, para criar as deformações, e a escala (Figuras 42 e 43). Transformando as ondas sonoras em keyframes, foi criada uma expressão para que esses quadros chave estivessem interligados aos movimentos do objeto. Figuras 42 e 43: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Sucessivamente, a figura diminui de tamanho, cresce e gira, até que expande e toma metade da tela. Enxerga-se que ela se transforma no fundo e vice versa. O sólido se apresenta como objeto, dividindo-se em três partes. Essas giram e mudam de cor, assumindo as cores primárias. Essas três fitas se transmutam em círculos, e se fundem em um único círculo branco, fazendo referência ao sistema de cor-luz (Figuras 44 a 49). As transições foram feitas para serem imperceptíveis, sendo que cada parte é uma camada diferente. 37 Figuras 44 a 49: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). O disco se distorce de diferentes formas até que se torna uma circunferência. Essa, através da ferramenta de aparar caminhos, encolhe e retorna ao aro completo, mas logo se converte em uma forma geométrica, que encolhe conforme a música (Figuras 50 a 53). Aqui há uma retomada dos objetos do início do filme. Figuras 50 a 53: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). 38 A partir de então, o vídeo retorna ao início, expondo o aspecto cíclico. As camadas utilizadas na introdução são aqui reaproveitadas para a finalização. Com as formas iniciais morfando entre si, traz a ideia de antecipação da abertura (Figuras 54 a 57). O movimento circular aqui presente representa a eternidade e o loop existente na obra, não possuindo início nem fim determinado. Figuras 54 a 57: Frames de Zyklus Fonte: próprio autor, (2019). Neste relato é possível ver que foram utilizados processos bastante simples para a composição da obra Zyklus, com nenhum item externo ao próprio software. O filme completo foi produzido em um intervalo de três meses e não foi utilizado nenhum recurso financeiro para ser concluído. Dentro do software, a música influenciou o movimento do objeto, com as notas trazendo alterações na maneira que a forma se movimenta. Há o trecho de virada da bateria como um exemplo explícito disso, onde o tamanho e suas ondulações variam conforme os toques do kick. Outro momento que pode ser usado para ilustrar é a espiral formada pelo fundo de tela, que tem sua rotação conectada com o ritmo da melodia. Como a essência da obra é a questão da sinestesia, a música definiu a duração das sequências, com os compassos sendo usados como demarcação das mudanças. Também definiu o ritmo de locomoção das formas, que seguia o da música e definiu, através das imagens mentais formadas, as cores e tamanhos dos objetos. 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS 40 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O relatório em questão apresenta as discussões e processos para o resultado final. No primeiro capítulo foi realizado o aprofundamento da discussão teórica. No segundo, foram abordados quais os referenciais utilizados para a concepção estética do filme. No terceiro, foi apresentado o método utilizado para a produção. E, por último, a descrição dos processos para a criação do som e da imagem. O trabalho de conclusão de curçoo Zyklus traz uma sensação pouco explorada pelos produtores do meio audiovisual. Apesar de a mídia ter em seu próprio nome a ideia de uma mistura de sentidos, muitas vezes há uma separação explícita entre o que é imagem e o que é som. Essa troca entre os sentidos pode trazer novas formas de perceber uma obra cinematográfica. O filme busca proporcionar experiências nos seus expectadores. Assim como em outras experiências estéticas, a diversidade de interpretações não apenas enriquece a obra, como também é o cerne da proposta. A escolha pelo minimalismo musical, assim como o abstratismo visual, foi feita com a intencionalidade de multiplicidade de ideias. Os conceitos de paisagens sonoras e esferas de som foram importantes para a criação do trabalho e as referências minimalistas e de filme absoluto tiveram papel crucial para a concepção. A ideia de criar uma releitura dessas músicas e desses filmes com o intuito de produzir uma obra híbrida entre os sentidos humanos foi concretizada. Além disso, a possibilidade de recriar essas sensações em um projeto completamente autoral aumentou a compreensão o autor de duas áreas que o interessam muito: a trilha sonora e a animação. O produto final satisfez as expectativas, pois trouxe um embasamento teórico sobre questões e temas que sempre estiveram presentes na forma de o mesmo produzir e entender o audiovisual. 41 REFERÊNCIAS ALEXANDRE, Antônio Franco. Zoom. Istvan Banyai (Kalandraka). 2014. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2019. BARROS, Laan Mendes. O consumo da canção como experiência estética. Contemporanea. Bahia, v. 10, n. 1. p. 68-79. 2012. DE BARROS, Laan Mendes. Cântico dos quânticos: ciência e arte nas canções de Gilberto Gil. Fronteiras-estudos midiáticos, v. 10, n. 1, p. 14-22, 2008 CANEST, Jr. Solea. (1m13s). 2013. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2019. CERVO, Dimitri. O minimalismo e suas ideias composicionais. Per Musi, Belo Horizonte, n.11, p. 44-59, 2005. 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