UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU ADRIANA VALONGO ZANI CUIDADO INTEGRAL AO RECÉM-NASCIDO DE MUITO BAIXO PESO: REPRESENTAÇÕES DE FAMILIARES E ENFERMEIROS Botucatu – SP 2013 ADRIANA VALONGO ZANI CUIDADO INTEGRAL AO RECÉM-NASCIDO DE MUITO BAIXO PESO: REPRESENTAÇÕES DE FAMILIARES E ENFERMEIROS Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Saúde Coletiva, Área de Concentração: Saúde Pública, da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” para a obtenção do título de doutor. Orientadora: Profª Drª Cristina Maria Garcia de Lima Parada Co-orientadora: Profª Drª Vera Lúcia Pamplona Tonete Botucatu – SP 2013 ADRIANA VALONGO ZANI CUIDADO INTEGRAL AO RECÉM-NASCIDO DE MUITO BAIXO PESO: REPRESENTAÇÕES DE FAMILIARES E DE ENFERMEIROS Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Área de Concentração: Saúde Pública, da Facudade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” para obtenção do título de doutor. Orientadora: Profª Drª Cristina Maria Garcia de Lima Parada Co-orientadora: Profª Drª Vera Lúcia Pamplona Tonete Comissão Examinadora ___________________________________________ Orientadora Profª Drª Cristina Maria Garcia de Lima Parada UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu ______________________________ Profª Drª Sonia Silva Marcon UEM – Universidade Estadual de Maringá ______________________________ Profª Drª Monika Wernet UFSCAR- Universidade Federal de São Carlos ______________________________ Profª Drª Sueli Terezinha Ferreira Martins UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu _______________________________ Profª Drª Gimol Benzaquen Perosa UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu DedicatóriaDedicatóriaDedicatóriaDedicatória Dedico este trabalho às famílias dos bebês prematuros de muito baixo peso, pela garra e perseverança no cuidado aos seus filhos. Aos bebês prematuros de muito baixo peso, fonte da minha inspiração para este estudo e sujeitos do cuidar/cuidado. Ao meu heroi, meu pai, João Zani, (in memorian) pelo cuidado, por sempre sentir orgulho de mim, por ter me deixado a maior herança do mundo: “a Educação e o Estudo”, sei que desejou estar presente na minha defesa, mas, meu pai, tenha certeza de que neste dia estará em meu coração e em meus pensamentos. Nunca esquecerei suas palavras sábias, e lembro que dizia: “Para muitos sempre fui tido como um homem sério e de poucas palavras, porém quero que saibam que apenas aprendi na vida que homens e mulheres só se fazem grandes com o esforço de seu próprio trabalho, por isso sempre ensinei, junto com minha amada esposa, aos meus filhos, que, para serem grandes, é preciso ser honestos e batalhar por seus objetivos”. Saiba que sempre seguirei seus conselhos. À minha querida mãe, Maria dos Santos Valongo Zani, que vive um de seus momentos mais difíceis: a perda de seu companheiro. Saiba, minha mãe, que sempre estarei ao seu lado, pois devo tudo que sou a você. Ao meu noivo, Jefferson Luiz Maldonado, por apoiar-me incondicionalmente, por carregar-me no colo nos momentos mais difíceis, pois sei que não foram poucos. Aos meus amados sobrinhos, Edrian, Yasmin, André Lucas, Yamille e Yago, pelo sorriso e alegria e pela cobrança da presença. Aos meus irmãos, Ricardo e Fátima, pelas alegrias, tristezas, companheirismo, ciúmes e amor. Aos meus cunhados, Edson e Melissa, pois sem vocês meus sobrinhos lindos não existiriam. À minha amiga Edlívia Dias Mattos. Já nos conhecíamos havia tanto tempo, mas foi neste período de doutorado que realmente tive o privilégio de lhe conhecer e descobrir a pessoa iluminada que é você. Ao meu especial amigo Andrey Rogério Campos Golias, pelo carinho e atenção. Você tornou os dias de estudo muito mais leves e alegres. À minha velha e grande amiga Rosana Claudia de Assunção, pelos conselhos e companheirismo nos momentos mais difíceis da minha vida. Às minhas amigas e amigos de van, Maria Idalina, Cris, Kazumi e Brunno. Foi muito bom viajar com vocês. AgraAgraAgraAgradecimentosdecimentosdecimentosdecimentos Agradeço a Deus imensamente por ter me mantido em pé e ter me feito prosseguir mesmo quando tudo me levava a desistir. À Profª Drª Cristina Maria Garcia de Lima Parada, pela atenção, carinho, sua crença em mim e sua valiosa contribuição em todo trabalho. Meus agradecimentos e admiração por sua extrema competência e capacidade. À Profª Vera Lucia Pamplona Tonete, pela atenção dispensada, carinho e valiosa contribuição em todo o trabalho. Meus sinceros agradecimentos. À Profª Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira, por sua imensa contribuição desde o início do projeto e na análise de dados durante a disciplina de Desenvolvimento de Pesquisa em Saúde Coletiva I e II. À Profª Drª Sonia Silva Marcon, que me proporcionou o privilégio de participar de seu Núcleo de Estudos, Pesquisa, Assistência e Apoio à Família (NEPAAF), fonte nascente deste estudo. Meu exemplo e espelho de pesquisadora. Muito obrigada pelo apoio e confiança. À Profª Maria Angélica Pagliarini Waidman (In memorian). Seu sorriso e carinho, durante as pesquisas, me fizeram aprender muito. Tenho certeza de que Deus lhe reservou um lugar muito especial no céu. Às Profª s do Módulo Saúde da Criança da Universidade Estadual de Londrina – UEL, Sarah, Edilaine, Mauren, Rosangela, Marcia e Flavia, por terem me recebido na disciplina em meio ao doutorado. Às Profª Jorseli Coimbra, Elizabeth Valsechi, Eliane Tonolli e Viviane Meirelles. Vocês foram muito importantes em minha trajetória na Universidade Estadual de Maringá – UEM. Acolheram-me e ajudaram-me muito. “Cuidar é compreender a “Cuidar é compreender a “Cuidar é compreender a “Cuidar é compreender a magia contida no toque, no magia contida no toque, no magia contida no toque, no magia contida no toque, no olhar e no sorriso, na fala e olhar e no sorriso, na fala e olhar e no sorriso, na fala e olhar e no sorriso, na fala e no silêncio, é compreender o no silêncio, é compreender o no silêncio, é compreender o no silêncio, é compreender o que seja existir”que seja existir”que seja existir”que seja existir” (POLAK, 1995)(POLAK, 1995)(POLAK, 1995)(POLAK, 1995) ZANI, A.V. Cuidado integral ao recém-nascido de muito baixo: representações de familiares e de enfermeiros. 2013. 207f. Tese [Doutorado Saúde Coletiva]. Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”– UNESP. Botucatu, 2013. RESUMO O nascimento de um filho, de modo geral, gera transformações no contexto familiar. No caso do nascimento de recém-nascido de muito baixo peso, a família se vê frente a uma experiência delicada e difícil, que ocasiona diversas mudanças em sua dinâmica. O cuidado a essa população por parte do setor saúde mostra-se como desafio, tendo em vista a complexidade biopsicosocial envolvida. Considerando o exposto, o objetivo geral deste estudo foi apreender as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado integral aos recém-nascidos de muito baixo peso. Os objetivos específicos foram: identificar, por meio da literatura científica, os sentimentos que permeiam as representações de famílias que vivenciam o nascimento de recém-nascido de risco, bem como o cuidado prestado aos recém- nascidos de baixo peso por equipes de Saúde da Família; apreender as representações de enfermeiros sobre a participação da família no cuidado do recém-nascido de muito baixo peso internado em unidade de terapia intensiva neonatal; apreender representações maternas sobre cuidado de recém-nascidos de muito baixo peso em unidades de internação neonatal; identificar os vínculos apoiadores de famílias de recém-nascido prematuro e de muito baixo peso egresso de unidade de terapia intensiva neonatal e apreender as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado no domicílio ao recém-nascido de muito baixo peso. Trata- se de pesquisa de abordagem qualitativa, sob a ótica da Teoria das Representações Sociais. Foram realizadas duas revisões integrativas da literatura e quatro estudos descritivos, com dados colhidos por meio de entrevistas semiestruturadas, sendo estes analisados segundo o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Empregaram-se, também, como técnica de coleta de dados, o genograma e ecomapa. A amostra foi constituída por 41 familias (mães, 10 pais, seis avós maternas e duas avós paternas), 18 enfermeiros atuantes em unidade de terapia intensiva e 22 enfermeiros atuantes em unidade básica de saúde/Programa Saúde da Família. O período de coleta de dados foi de novembro de 2011 a janeiro de 2013. O estudo permitiu apreender representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado ao recém- nascido de muito baixo peso em diferentes pontos da rede de atenção, sendo possível identificar vários aspectos de fragilidade e fragmentação nesta, com problemas na integralidade do cuidado prestado. Evidenciou-se que cada família é única e apresenta dinâmica diferente de organização quando nasce um filho considerado de risco. A mãe confirmou-se como figura central para o cuidado. Das representações maternas emergiram dificuldades referentes ao medo do desconhecido e da necessidade de separação do filho. Por outro lado, a fé em Deus e a confiança nos profissionais configuraram-se como aspectos facilitadores. Os enfermeiros das unidades de alta complexidade neonatal representaram a participação da família como favorecedora do estabelecimento do vínculo mãe-bebê e, também, que as famílias devam ser acolhidas para se aproximarem dos neonatos. Em contraponto, eles indicaram situações em que a presença da família dificulta a atenção profissional às crianças. As mães destacaram o momento da alta hospitalar como relevante no preparo materno para o cuidado autônomo. Já os enfermeiros da atenção básica reconheceram as dificuldades das mães no exercício dessa autonomia e apontaram a necessidade de apoiá- las, porém indicaram limitações decorrentes do distanciamento dos serviços onde trabalham e dos de alta complexidade e da falta de preparo dos profissionais da Atenção Primária. A ausência de articulação entre a atenção hospitalar e a básica expôs a fragilidade da integralidade do cuidado no seguimento após a alta de recém-nascidos de risco. Para tanto, recomenda-se o estabelecimento de estratégias que viabilizem maior interação família/profissional, buscando a co-reponsabilização pelo referido cuidado, nos diferentes espaços onde ele ocorra. Além disso, propõe-se que haja ampliação das possibilidades de trabalho integrado entre os diferentes níveis de atenção, desenvolvendo ações em parceria que permitam trocas de conhecimentos e experiências de forma a conformar uma rede efetiva para o cuidado integral a essa população. DESCRITORES: Recém-nascido, Peso ao nascer, Família, Cuidado, Enfermagem. ZANI, A.V. Comprehensive care to the newborn with very low birth weight: representations of family members and nurses. 2013. 202f. Thesis (Doctorate in Public Health) – Medical School of Botucatu, 2013. ABSTRACT The birth of a child, in general, causes transformations in the family context. In case of the birth of a very low birth weight newborn, the family is faced with a delicate and difficult experience, which causes several changes in its dynamics. The caring to this population by the health sector shows up as a challenge, considering the biopsychosocial complexity involved. Considering the above, the aim of this study was to understand the representations of mothers and nurses about the integral care to the very low weight newborns. The specific objectives were to identify, through the scientific literature, the feelings that permeate the representations of families experiencing the birth of a newborn at risk, as well as the care given to underweight newborns by teams of the Family Health , to apprehend the representations of nurses about family participation in the care of the very low birth weight newborn admitted to neonatal intensive care unit; grasp representations about maternal care of infants with very low birth weight in hospital neonatal units; identify ties supporters of families of preterm newborns and very low birth weight, taken of neonatal intensive care unit and apprehend the representations of mothers and nurses on home care to the very low weight newborns. This is a qualitative research, under a perspective of the Theory of the Social Representations. There were two integrative reviews of the literature and four descriptive studies, with data collected through semi-structured interviews and analyzed according to the methodological framework of the Collective Subject Discourse.A technique for data collection was also used: the genogram and eco-map. The sample consisted of 41 families (mothers, 10 fathers, six grandmothers and two paternal grandparents), 18 nurses in the intensive care unit and 22 nurses in primary health care unit / Family Health Program. The data collection period was from November 2011 to January 2013. The study allowed apprehending representations from mothers and nurses about the care of newborns with very low weight at different points of care network, being able to identify various aspects of fragility and fragmentation on it, with problems in the comprehensive care provided. It was evident that each family is unique and has different dynamic organization when a child is born considered at risk. The mother was confirmed as the central figure for care. Maternal representations emerged from difficulties related to the fear of the unknown and the need for separation of the child. On the other hand, faith in God and trust in the professionals configured as facilitating factors. The nurses of the neonatal units of high complexity represented family participation as favoring the establishment of the mother-infant bond, and also that families should be welcomed to approach the newborns, in contrast, indicated situations where family presence hinders professional attention to children. Mothers emphasized the time of hospital discharge as relevant in preparation for breast self care. Already the primary care nurses acknowledged the difficulties of mothers in the exercise of autonomy and identified the need to support them, but indicated limitations resulting from detachment of services where they work and the high complexity and lack of professional preparation of Primary. The lack of coordination between hospital care and basic exposed the fragility of comprehensive care in the follow-up after high-risk newborns. Therefore, it is recommended the establishment of strategies that enable greater interaction between family / professional seeking accountability by both that care in different spaces where this occurs. Furthermore, it is proposed that there is expansion of the possibilities of integrated work between different levels of care, developing actions in partnering to exchange knowledge and experiences in order to set up a network for effective comprehensive care to this population. KEYWORDS: Newborn, Birth weight, Family, Care , Nursing. LISTA DE ABREVIATURAS DIS - Diretoria de Informações em Saúde DNV - Declaração de Nascido Vivo DSC - Discurso do Sujeito Coletivo ESF - Estratégia Saúde da família IC - Ideia central MCAF - Modelo Calgary de Avaliação da Família MS - Ministério da Saúde NEPAAF - Núcleo de Estudos, Pesquisa, Assistência e Apoio à Família; PBE - Prática Baseada em Evidência PS - Pronto socorro RN - Recém-nascido RNBP - Recém-nascido de baixo peso RNMBP - Recém-nascido de muito baixo peso SINASC - Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos SUS - Sistema Único de Saúde TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TRS - Teoria das Representações Sociais UBS - Unidade Básica de Saúde UCI - Unidade de Cuidados Intermediários UCO - Unidade Coronariana. UEL - Universidade Estadual de Londrina UEM - Universidade Estadual de Maringá USF - Unidade de Saúde da Família UTI - Unidade de Terapia Intensiva UTIN - Unidade de Terapia Intensiva Neonatal Sumário Apresentação...........................................................................................................................16 1 Introdução.............................................................................................................................19 2 Objetivos...............................................................................................................................27 2.1- Objetivo Geral...................................................................................................................28 2.2- Objetivos Específicos........................................................................................................28 3. Revisão Literária.................................................................................................................29 3.1- Importância do peso ao nascer para a saúde infantil.........................................................30 3.2- Integralidade do cuidado ao recém-nascido de muito baixo peso.............. .....................31 3.3- O cuidado centrado na família...........................................................................................33 3.4- Desenvolvimento do vínculo mãe-filho.............................................................................34 4 Percurso Metodológico …...................................................................................................37 4.1 Tipo de estudo.....................................................................................................................38 4.2 Local do estudo...................................................................................................................40 4.3 Participantes do estudo........................................................................................................42 4.4 Procedimentos para coleta de dados...................................................................................43 4.5 Análise de dados.................................................................................................................46 4.6 Aspectos Éticos...................................................................................................................47 5- Resultados ...........................................................................................................................48 5.1 Artigo 1- Sentimentos que permeiam as representações das famílias de recém-nascidos de risco: revisão integrativa da literatura.......................................................................................50 5.2- Artigo 2- Cuidados a recém-nascidos de baixo peso por equipes de saúde da família: revisão integrativa da literatura.................................................................................................68 5.3- Artigo 3- Participação da família no cuidado do recém-nascido de muito baixo peso internado em unidade de terapia intensiva neonatal: representações de enfermeiros................................................................................................................................88 5.4 - Artigo 4- Representações maternas sobre o cuidado de recém-nascidos de risco: Discurso do Sujeito Coletivo..................................................................................................107 5.5 – Artigo 5- Apoio familiar e social à família do recém-nascido de muito baixo peso: estudo a partir do genograma e ecomapa................................................................................124 5.6 – Artigo 6- Representações de mães e de enfermeiros sobre o cuidado ao recém-nascido de muito baixo peso no domicílio ........................................................................................158 6- Considerações Finais........................................................................................................177 Referências............................................................................................................................181 Apêndices..............................................................................................................................191 Apêndice A- Instrumento de coleta de dados utilizado com os pais no ambiente hospitalar................................................................................................................................192 Apêndice B- Instrumento de coleta de dados utilizado com os Enfermeiros atuantes na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal.................................................................................194 Apêndice C- Instrumento de coleta de dados utilizado com a família no ambiente domiciliar................................................................................................................................195 Apêndice D- Instrumento de coleta de dados utilizado com Enfermeiros atuantes em Unidade Básica de Saúde......................................................................................................................198 Apêndice E- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os pais ou responsáveis............................................................................................................................199 Apêndice F- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os profissionais de saúde........................................................................................................................................201 Anexos....................................................................................................................................203 Anexo 1 – Símbolos utilizados para a construção do genograma e ecomapa..................................................................................................................................204 Anexo 2 - Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina – UEL......................................................................................................................206 Anexo 3 - Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Londrina.................................................................................................................................207 ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação 17 Apresentação No ano de 1996, após uma difícil prova de seleção, iniciei minha carreira na unidade com que sempre sonhei: um hospital pediátrico do município de Londrina. A princípio, atuei como acadêmica de enfermagem, e um ano após ingresso nessa instituição, concluí minha graduação em Enfermagem, e com apenas 20 anos, passei a exercer o cargo de Enfermeira. Foi um grande aprendizado e, nesse mesmo ano, fui transferida para a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. No começo, tinha medo de tocar o corpinho tão frágil daqueles pequenos seres que se mexiam, choravam e se mantinham em suas incubadoras. Porém, era gratificante quando os via crescer e engordar. Observava a felicidade das mães, ao saberem que seus filhos, naquela noite, haviam ganhado 20, 30 gramas. Porém, angustiava-me o momento da alta desses recém-nascidos tão pequenos e frágeis, pois percebia que as mães não estavam e não se sentiam preparadas para levar seus filhos para casa. Deparei-me muitas vezes com reinternações desses bebês, sendo que, de modo geral, elas ocorriam sempre pelos mesmos motivos: falta de conhecimento e despreparo em relação ao cuidado. Questionava-me sobre onde estava a falha quando, em 2001, comecei a atuar também como docente em uma Universidade particular, surgindo um novo desafio: aprender a atuar na atenção básica. Era um mundo completamente novo, já que, até então, minha experiência era hospitalar. Mas aceitei o desafio e passei a ter maior contato com a realidade de muitas famílias, entrando em seus lares, conhecendo suas dificuldades e medos. Pude conviver, também, com as angústias dos profissionais que atuavam na atenção básica quando se deparavam com uma criança prematura ou que tivesse fatores de riscos. No entanto, talvez por inexperiência, não conseguia compreender o quanto as atenções primária e terciária deveriam se complementar. Os anos foram passando, continuei a atuar como docente e realizei vários estudos enfocando o cuidado do recém-nascido, mas algo me intrigava sobre o cuidado desse ser tão frágil. Até que, em 2006, fui aprovada em concurso público e assumi o cargo de docente, sendo convidada a participar de projeto que realizava acompanhamento domiciliar aos recém-nascidos considerados de risco até que eles completassem um ano de vida. Foi nesse momento que percebi que minha angústia poderia ser resolvida. Precisava compreender como ocorria o processo de cuidado integral ao recém- nascido de muito baixo peso, desde o seu nascimento até o momento de sua alta e cuidados no domicílio e, para tanto, precisava escutar enfermeiros que atuavam no ambiente hospitalar e na atenção básica, bem como as mães desses bebês. 18 Surgia, então, a proposta do presente estudo, o qual aborda as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado integral ao recém-nascido de muito baixo peso (RNMBP). Ele se inicia com a apresentação do objeto em estudo e justificativa para sua realização, incluindo revisão literária sobre temas afins, com a finalidade de subsidiar a análise dos dados obtidos, apresentados no formato de seis artigos. O primeiro é uma revisão integrativa da literatura sobre os sentimentos de famílias em relação ao nascimento de um recém-nascido (RN) de risco e a relação destas com os profissionais da saúde. O segundo artigo, também de revisão integrativa da literatura, objetivou identificar o cuidado adequado aos recém-nascidos de baixo peso por Equipes de Saúde da Família. O terceiro, quarto e sexto artigos consistiram em estudos descritivos que utilizaram o referencial metodológico de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e tiveram, como objetivo geral, apreender as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado ao recém-nascido de muito baixo peso. O quinto artigo utilizou a construção do genograma e do ecomapa, propostos pelo modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF), e objetivou identificar os vínculos apoiadores formados pelas famílias que têm em seu contexto RNMBP egresso de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). O estudo é finalizado com considerações sobre o conjunto de artigos produzidos. 19 IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução 1 Introdução A mortalidade infantil é classicamente considerada um dos melhores indicadores do nível de vida e bem-estar social de uma população. O Brasil ainda conta com níveis alarmantes e eticamente inaceitáveis de mortalidade infantil, apesar das taxas decrescentes nos últimos dez anos. Estudos têm demonstrado a importância de intervenções na redução da mortalidade infantil em todo o país, com destaque especial para as ações dos serviços de saúde (SOARES; MENEZES, 2010). A mortalidade nos primeiros dias de vida expressa a complexa conjunção de fatores biológicos, socioeconômicos e assistenciais, os últimos relacionados à atenção à gestante e ao recém-nascido. No Brasil, na última década, observou-se redução dos óbitos infantis em todas as regiões do país, particularmente daqueles ocorridos no período pós-neonatal. Desse modo, os óbitos neonatais passaram a ser o principal componente da mortalidade infantil, sendo estes responsáveis por mais da metade dos óbitos no primeiro ano de vida (ARAUJO; TANAKA, 2007). O peso de nascimento é um forte preditivo da mortalidade e morbidade neonatais. Crianças com baixo peso ao nascer, ou seja, peso de nascimento inferior a 2500 g, apresentam maior mortalidade nas primeiras semanas de vida, podendo ser subclassificadas em muito baixo peso ao nascer (1.001g a 1.500g) e extremo baixo peso ao nascer (igual ou inferior a 1.000g) (CLOHERTY; EICHENWALD, 2009). Prematuridade e restrição do crescimento intrauterino, ou ainda a combinação de ambos, apesar de etiologias e consequências diferentes, são as principais causas do baixo peso ao nascer (ZAMBONATO et al., 2004). Os recém-nascidos de baixo peso (RNBP) e os prematuros são apontados como de alto risco, por possuírem instabilidade fisiológica e/ou hemodinâmica como consequência de distúrbios congênitos, alterações metabólicas, asfixia perinatal ou distúrbios durante a gestação. Ao nascer sob essas condições de saúde frequentemente apresentam necessidade de cuidado especializado, desenvolvido nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) (TRONCO et al., 2010). Porém, os avanços tecnológicos das últimas décadas, ocorridos principalmente em países como Estados Unidos e Canadá, têm permitido a queda nos índices de mortalidade infantil mesmo entre os recém-nascidos (RN) de peso ao nascimento inferior a 1000 g. Nesses países, a sobrevida de crianças nascidas com peso entre 500 e 599g aumentou de zero, em 1980, para quase 80% em 1993 (ARAUJO; TANAKA, 2007). 21 Em países desenvolvidos, cada vez mais sobrevivem prematuros com idades gestacionais e pesos extremamente baixos, sendo referidas taxas de sobrevida superiores a 90% para prematuros com pesos entre 1000-1500 g; 86% para os que pesam entre 751-1000 g; 54-70% para os menores de 750 g e até 37% de sobrevida para prematuros de 500g ou menos (PRIGENZIN et al., 2008), mostrando extraordinário progresso na diminuição da mortalidade dos neonatos com extremo baixo peso (ARAUJO; TANAKA, 2007). Nesse sentido, as modernas UTIN, equipadas com tecnologia de ponta, são um marco na assistência a esses bebês, contribuindo para a sua sobrevida e tendo como foco de assistência os aspectos biológicos, primordialmente (VASCONCELOS, et al., 2006). Esta abordagem não difere da encontrada em estudos brasileiros. Como exemplo, em investigação realizada em Londrina – PR referente à assistência à saúde e mortalidade de recém-nascido de muito baixo-peso (RNMBP), foram analisados os casos de bebês com peso entre 500 e 1.500g, nascidos no período de janeiro de 2002 a junho de 2004, e dos 19.943 nascimentos vivos, 2.102 (10,5%) eram de baixo peso e 2.036 (10,2%) prematuros. Dentre os RNBP, 385 (18,3%) eram de muito baixo peso, correspondendo a 1,9% do total de nascimentos. Neste estudo, 360 RNMBP foram observados do nascimento até a alta ou óbito intra-hospitalar: 243 (67,5%) sobreviveram e 117 (32,5%) foram a óbito durante o período de internação e os autores atribuíram a elevada taxa de sobrevivência aos recursos tecnológicos instituídos (CARVALHO et al., 2007). Dados como esses demonstram que, se por um lado esses avanços auxiliam no aumento da sobrevida, por outro contribuem para intensificar as dificuldades e ansiedades da família frente aos cuidados com o RN. Apesar de ser cada vez maior a expectativa de sobrevivência dos RNMBP, resta a preocupação com o prognóstico em longo prazo, uma vez que à medida que sobrevivem, aumentam os riscos de doenças e complicações relacionadas à prematuridade e baixo peso extremos, com consequente prolongamento do tempo de internação e aumento no custo da assistência. Além disso, aspectos psicossociais também devem ser considerados para evitar a ocorrência de problemas relacionados ao desenvolvimento e crescimento infantis e de interação familiar (PRIGENZIN et al., 2008, VIERA; MELLO, 2009). O RNMBP configura-se como um bebê de maior gravidade em decorrência do peso. A família, em especial a mãe, frequentemente utiliza o peso como parâmetro para avaliar a saúde do filho sendo comum que ela, imediatamente após o parto, questione sobre o peso do filho, bem como a família, ao conhecer o novo integrante. Portanto, o peso tem uma representação importante para a família. Por outro lado o enfermeiro, bem como toda a equipe que atua com recém-nascido, apresenta grande preocupação com o peso ao nascimento, 22 especialmente quando este é inferior a 1500 gramas, pois se associa a resultados adversos com maior frequência. No ciclo familiar não existe estágio que provoque mudança mais profunda ou que tenha desafio maior para as famílias do que a chegada de uma criança. No caso do nascimento de recém-nascido de risco, seja ele prematuro, baixo peso ou doente, a família se vê frente à experiência desgastante e desafiadora, o que ocasiona profundas alterações em sua dinâmica (MERIGHI et al., 2011). Em estudo realizado no município de Maringá-PR, referente à percepção de mães adolescentes em relação ao RN de risco, constatou-se que para muitas, bebê de risco é aquele que nasceu prematuramente ou com baixo peso, visto que, culturalmente, espera-se que a criança ao nascimento tenha peso adequado e que o parto ocorra no período estimado (ZANI et al., 2011). A condição de gerar um filho implica na necessidade materna de intensa reestruturação e reajustamento pessoal e social, acarretando mudança de identidade e nova definição de papeis, articuladas com modificações orgânicas e psíquicas (BERGAMASCHI; PRAÇA, 2008). Nas situações de risco neonatal, o bebê real é diferente do imaginado e o sentimento de culpa pelos problemas do filho pode atuar como fator inibidor do contato espontâneo entre pais e bebês (GAÍVA; SCOCHI, 2005). A mãe e a família esperam por um filho perfeito e preocupam-se com isso. Dessa forma, grande parte das mães, ao dar à luz, imediatamente pergunta à equipe de saúde na sala de parto se a criança chorou, se é perfeita e qual é o seu peso, entre outros questionamentos, com o intuito de assegurar que seu filho nasceu sem complicações ou malformações. Porém, quando esse fato não ocorre e o parto se antecipa, levando ao nascimento de um bebê prematuro, de baixo peso e que poderá desenvolver complicações severas, os sonhos e desejos são desfeitos e nova etapa na vida dessas famílias se inicia. Nesse caso, dentre os sentimentos vivenciados pela família, destacam-se a ansiedade, a depressão e o medo, especialmente das mães, frente a essa situação (TRONCO et al., 2010, ARRUDA; MARCON, 2010). De modo geral, os bebês de muito baixo peso são encaminhados à UTIN logo após o nascimento, não sendo possível o primeiro contato pele a pele com a mãe, devido à sua gravidade. Por vezes, a mãe nem mesmo consegue ver a face de seu filho e, dependendo do tipo de parto e de seu estado de saúde, pode demorar horas ou até dias para que o primeiro contato ocorra, sendo especialmente difícil a situação em que o recém-nascido é encaminhado para outro hospital que não aquele onde a mãe está hospitalizada, o que pode prejudicar e dificultar ainda mais o futuro contato entre mãe e filho. 23 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado pela Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 no art. 12º dispõe que: “Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente”(BRASIL, 1991). No entanto, muitos estabelecimentos hospitalares não cumprem a legislação, principalmente nos casos de UTIN, e ainda hoje consideram os pais como visitas. Já em outras instituições, os pais podem permanecer em tempo integral junto aos filhos, porém, percebe-se que os profissionais de saúde não sabem como interagir com eles e auxiliá-los na interação com seu filho. Como consequência, no momento da alta do RN, os pais se mostram ansiosos e inseguros com relação ao cuidado, já que a partir de então serão os substitutos de uma equipe altamente especializada. Muitas vezes é nesse momento que pais e filhos irão efetivamente se conhecer, começando o vínculo que deveria ter sido iniciado ao nascimento. Dificultando ainda mais esse processo, em alguns casos, a conclusão do tratamento ocorre em casa e, se por um lado, esse fato pode ser facilitador do vínculo da criança com a família, por outro, a necessidade de intervenções técnicas, como administração de dietas por sondas e aspiração, entre outras, podem provocar dúvidas e medos referentes ao cuidado, gerando modificações significativas no contexto familiar (CENTA et al., 2004, CAMPOS et al., 2008, SOUZA et al., 2010). A forma de cuidado predominante na UTIN é importante para a melhora dos indicadores de morbimortalidade neonatal, entretanto, reconhece-se que essa lógica de cuidado não se mostra suficiente para assegurar o atendimento às necessidades de saúde do recém-nascido, nas quais se incluem as relacionadas aos aspectos emocionais e sociais. Para garantir resultados mais eficientes no processo de cura ou de controle da morbimortalidade devem ser utilizadas práticas de saúde que contemplem as singularidades do indivíduo, da família e da comunidade na condução terapêutica, por meio do compartilhamento de saberes (NEVES et al., 2009, DUARTE et al., 2012). Os profissionais que atuam nas UTIN possuem dificuldades para lidar com as famílias. Isso pode decorrer do fato de a UTIN ser ambiente de cuidados intensivos e que exigem complexa tecnologia. Neste contexto, a maioria dos profissionais se preocupa em salvar a vida dos bebês, podendo interpretar que a família pode dificultar este objetivo, inclusive por poder gerar infecções e contaminações. Outro ponto levantado é que em algumas situações os profissionais se sentem fiscalizados pelos pais, dificultando o cuidado aos RN (MARTINEZ et al., 2009). 24 É importante salientar a necessidade de favorecer ações que possam viabilizar a participação da mãe no cuidado do filho na UTIN, ou seja, a prestação de pequenos cuidados, como a troca de fraldas, a higiene oral, auxiliar a equipe segurando ou fornecendo algum material para o cuidado do filho, entre outros. Contudo, verifica-se que essas ações não estão incorporadas ao fazer cotidiano dos profissionais de saúde que prestam assistência ao recém- nascido nessas unidades (DUARTE et al., 2012). É preciso que o profissional estabeleça formas de comunicação e interação com os familiares dos RN internados em UTIN, promovendo a participação dos pais na assistência, orientando e incentivando-os a tocar seus filhos. Com esse enfoque, constrói-se um processo de cuidado, obtendo êxito nas ações de enfermagem, as quais dependem de comunicações eficazes. Assim, pode-se preservar a singularidade e a individualidade da criança e de seus pais, a partir de situações vividas pelos familiares, favorecendo uma interação que proporcione informações, ajuda e compreensão, enfim, que amenize a ansiedade e ofereça tranquilidade (TRONCHIN; TSUNECHIRO, 2005, CONZ et al, 2009). Essa interação deve ser preocupação não apenas entre os profissionais atuantes nas UTIN, mas também na atenção básica, visto que essas famílias terão que enfrentar novos desafios quando esse RN de baixo peso receber alta. Em termos da organização dos serviços de saúde, a Estratégia Saúde da Família (ESF) vem sendo colocada como eixo norteador e estruturante da atenção básica, envolvendo um conjunto de ações de caráter individual e coletivo, desempenhadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos e assistência aos problemas de saúde. Para a atenção à criança no contexto da saúde da família, são propostas linhas de cuidado, considerando o cuidado integral e a vigilância em saúde. Os profissionais atuantes na ESF trabalham em território definido, tendo a responsabilidade pelo acompanhamento das famílias de sua área de abrangência. A prática desses profissionais deve favorecer o acolhimento e resgatar a integralidade do sujeito/usuário, com destaque para o suporte social que oferece à população através de seu perfil solidário. As relações estabelecidas entre os profissionais das equipes de saúde e os usuários/famílias proporcionam escuta de sofrimentos, carências, desejos, possibilidades e saberes. A ESF pode ser vista como experiência inovadora e oportunidade que gera nova prática (SLOMP et al, 2007). Os programas e políticas de saúde infantis só recentemente começaram a abordar os problemas específicos dos recém-nascidos, pois além da mortalidade, preocupa a falta de continuidade do cuidado prestado no hospital àquele observado no domicílio e na comunidade, visando à qualidade de vida das crianças, para possibilitar que cresçam e 25 desenvolvam harmoniosamente todo seu potencial. É nesse período que mais ocorrem situações que envolvem mãe e bebê, como as dificuldades na amamentação (seja por problemas com a pega e a posição, seja pelas crenças populares que influenciam essa prática), os cuidados com o coto umbilical e a higiene, entre outras (OMS, 2005). A importância de se valorizar o cuidado com o recém-nascido no contexto da família e da comunidade decorre da possibilidade de prevenir morbimortalidade neonatal e promoção da saúde dessas crianças, sobretudo em contextos com elevada mortalidade e sistemas de saúde enfraquecidos. O cuidado engloba a educação em saúde, mobilização e engajamento comunitário para estimular as melhores práticas pré-natais e pós-natais, a gestão de casos de doenças na comunidade, apoio e incentivo à amamentação e à imunização e a mobilização comunitária por serviços de qualidade (LEANDRO; CHRISTOFFEL, 2011). A criança recém-nascida é vulnerável por sua condição de dependência total do cuidado de adultos. Nasce no hospital e recebe cuidado tanto da equipe de enfermagem, como da mãe e da família, e quando segue para o domicílio, continua recebendo cuidados, geralmente orientados por profissionais de saúde e por membros da família e da comunidade que constituem sua rede de suporte social. O acompanhamento dos recém-nascidos, especialmente dos de risco, pelos profissionais de saúde, deve ser contínuo e iniciar precocemente, do nascimento aos primeiros anos de vida. Sugere-se que as visitas domiciliares sejam semanais, o que pode minimizar as dificuldades características desse período, facilitando a adaptação e o rearranjo do funcionamento familiar e contribuindo para o melhor desenvolvimento da criança. O cuidado familial permite pensar de forma integrada as relações familiares no cuidado do recém- nascido no domicílio. Torna-se essencial que os profissionais de saúde possam ouvir, identificar problemas, compreender, acolher e aconselhar, sem perder de vista que aconselhar não é impor o que se deve fazer, mas apoiar e orientar de forma clara para tentar ajudar nas decisões que precisam ser tomadas. As orientações fornecidas pelos profissionais de saúde só fazem sentido quando atendem às necessidades reais das famílias e têm significados dentro do contexto social, econômico e cultural em que elas se inserem (LEANDRO; CHRISTOFFEL, 2011). No entanto, percebe-se que essa relação com os profissionais da ESF nem sempre ocorre e, assim, o ciclo de cuidado sistematizado rompe-se. Portanto, há necessidade constante de interação com os familiares dos recém-nascidos, o que requer capacitação da equipe de saúde para lhes oferecer suporte nesse momento de fragilidade (MONTANHOLI et al., 2011). 26 Frente ao exposto e visando contribuir de modo efetivo com o cuidado e melhoria da interação familiar, faz-se necessária a realização de estudos que busquem compreender as experiências das famílias com relação aos RNMBP, bem como a experiência dos profissionais de saúde na atenção integral a esses bebês e suas famílias. Tem-se como pressuposto que a integralidade do cuidado ao recém-nascido de muito baixo peso é frágil e fragmentada, não atendendo às necessidades do recém-nascido e sua família. ObjetivosObjetivosObjetivosObjetivos 28 2 Objetivos 2.1 Objetivo Geral • Apreender as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado integral ao RNMBP. 2.2 Objetivos Específicos • Identificar, por meio da literatura científica, os sentimentos que permeiam as representações de famílias que vivenciam o nascimento de recém-nascido de risco; • Caracterizar, por meio da literatura científica, o cuidado prestado a recém-nascidos de baixo peso por equipes de Saúde da Família; • Apreender as representações de enfermeiros sobre a participação da família no cuidado do recém-nascido de muito baixo peso internado em unidade de terapia intensiva neonatal; • Apreender representações maternas sobre cuidado de recém-nascidos de muito baixo peso em unidades de internação neonatal; • Identificar os vínculos apoiadores de famílias de recém-nascido prematuro e de muito baixo peso, egresso de unidade de terapia intensiva neonatal; • Apreender as representações maternas e de enfermeiros sobre o cuidado ao recém- nascido de muito baixo peso ao nascer no domicílio. Revisão LiteráriaRevisão LiteráriaRevisão LiteráriaRevisão Literária 3- Revisão Literária 3.1- Importância do peso ao nascer para a saúde infantil O peso ao nascer é um dos mais significativos determinantes da qualidade de vida da criança. A ocorrência de MBPN reflete em altas taxas de mortalidade infantil, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a identificá-lo como o fator isolado mais importante em sua determinação (MALVEIRA et al., 2006). O parto prematuro e a restrição do crescimento intrauterino são consideradas duas causas básicas que, isoladas ou associadas, fazem com que uma criança apresente muito baixo peso ao nascer (CARNEIRO et al., 2012). A ocorrência desses desfechos tem como causas um conjunto comum de fatores, dentre os quais se destacam a situação socioeconômica, a idade materna, o baixo peso materno no início da gravidez, o tabagismo, a instabilidade emocional durante a gestação e a deficiência da atenção pré-natal (PRIGENZIN et al, 2008). As alterações placentárias, a gemelaridade e o sexo do recém-nascido também se relacionam com o baixo peso ao nascer (MALVEIRA et al., 2006). Os RNMBP estão sujeitos a apresentar diversas morbidades. Entre as complicações associadas, destacam-se: infecções neonatais, síndrome do desconforto respiratório, anóxia perinatal, hemorragia peri-intraventricular, distúrbios metabólicos, enterocolite necrosante e a persistência do canal arterial, sendo considerada a infecção hospitalar a complicação mais frequente em unidades neonatais, sobretudo entre esses recém-nascidos (CARVALHO, et al., 2007). Recentes avanços tecnológicos na assistência aos neonatos de alto risco têm possibilitado maior sobrevida desses RNMBP à custa do elevado tempo de permanência em unidades de terapia intensiva neonatal. Contudo, os procedimentos invasivos a que são submetidos e o prolongado tempo de internação, associam-se ao maior risco de adquirir complicações, as quais contribuem para o aumento da mortalidade em unidades neonatais. (MALVEIRA et al., 2006). No Brasil, de acordo com o Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), no ano de 2010, 8,4% dos nascimentos foram de recém-nascidos com peso ao nascer inferior a 1500 g. No mesmo ano, no Paraná, a taxa foi de 1,2% e, em Londrina, 1,4% (DATASUS, 2013). 31 3.2- Integralidade do cuidado ao recém-nascido de muito baixo peso A ocorrência de MBPN implica na necessidade de considerar o cuidado integral à criança em todos os contextos em que ela se insere, o que pressupõe a satisfação de suas necessidades e das de sua família. O termo integralidade diz respeito à qualidade ou condição daquilo que é integral, ou que é inteiro, global, total (FERREIRA, 1999). Essa condição de atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas é institucionalizada como diretriz para ações e serviços públicos de saúde pela Constituição Brasileira de 1988, Seção II, art. 198. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2005). Assim, a integralidade passou a constituir um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), baseado na primazia das ações de promoção à saúde; garantia de atenção nos três níveis de complexidade; articulação das ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde, devendo se constituir em objetivo ou meta a ser alcançado pelos serviços de saúde (MATTOS, 2001). A integralidade não se restringe ao acesso a determinados serviços, uma vez que remete, também, ao campo das micropolíticas de saúde e sua influência na qualidade da assistência oferecida aos usuários dos serviços (CECÍLIO, 2001). As práticas desenvolvidas nesse cotidiano representam espaço de construção da integralidade na medida em que, por meio delas, novas maneiras de agir podem surgir, consoantes com esse princípio. Nesse contexto, temos a “integralidade não simplesmente como uma diretriz do SUS, descrita na Constituição de 1988, mas como algo a ser construído cotidianamente pelos atores em suas práticas na atenção e cuidado em saúde” (SILVA et al., 2004, p.75). O SUS é reconhecido como arena de experimentação social, podendo-se encontrar, em suas instituições e práticas, valores e inspirações referentes à integralidade nos três conjuntos de sentidos em que se apresenta. O primeiro conjunto refere-se aos atributos das práticas dos profissionais de saúde, cuja marca maior é a busca pela compreensão das necessidades de ações e serviços de saúde que o usuário apresenta. O segundo conjunto refere-se aos atributos da organização dos serviços, direcionada por uma percepção ampliada das necessidades da comunidade e das melhores formas de dar-lhes respostas. O terceiro, refere-se às respostas governamentais aos serviços de saúde que não podem se manter verticalizadas nem restritas a determinados problemas de saúde que atingem somente certo grupo da população (MATTOS, 2001). É importante salientar que esses três grandes conjuntos de sentidos da integralidade apresentam, como ponto de articulação, a negação ao reducionismo e à objetivação dos 32 sujeitos (MATTOS, 2001). Isso pressupõe que ações em saúde precisam contemplar as necessidades mais abrangentes dos usuários, ou seja, o trabalho em saúde não pode ser orientado somente pelas demandas explicitadas pontualmente pelos usuários. Nesse sentido, torna-se inaceitável restringir o ser cuidado a um doente ou a uma doença, mesmo porque as necessidades dos usuários podem estar relacionadas a desejos e aspirações subjetivas, distantes dos sintomas que demandaram a procura aos serviços de saúde (COSTA, 2004, p.14) Portanto, integralidade significa integrar ações preventivas, promocionais e assistenciais; integrar profissionais em equipes interdisciplinares e multiprofissionais para a compreensão mais abrangente dos problemas de saúde e intervenções mais efetivas; integrar partes de um organismo vivo, dilacerado e objetivado pelo olhar reducionista da biomedicina (SANTOS, 2009). Remete a um espaço de interações que emerge no encontro entre trabalhadores e usuários, mediado pelo diálogo. É nesse espaço que se configuram o acolhimento e o estabelecimento de vínculo, elementos fundamentais para a materialização da integralidade e sem os quais não há produção de responsabilização (GOMES; PINHEIRO, 2005, FRANCO et al., 2007). Torna-se pertinente que os processos de reorganização dos serviços que visam ao desenvolvimento de práticas integrais, incorporem essas diretrizes prioritariamente na construção de relações de cuidado efetivo. Torna-se necessário, então, tomar a integralidade enquanto eixo norteador de novas formas de agir em saúde e de gestão de cuidados, possibilitando o surgimento de experiências inovadoras (PINHEIRO; LUZ, 2003) nos contextos de atendimento. No entanto, a integralidade não se concretiza somente no espaço de um serviço de saúde singular, por melhor que sejam sua organização e sua equipe. Tal constatação remete, então, a segunda dimensão da integralidade da atenção, qual seja, a integralidade da atenção como fruto da articulação de cada serviço de saúde, seja ele um centro de saúde, uma equipe de PSF, um ambulatório de especialidade, hospital ou mesmo uma rede muito mais complexa, composta por outros serviços de saúde e outras instituições não necessariamente do setor saúde (CECÍLIO, 2001, p.117). Portanto, para compreender a integralidade do cuidado em suas múltiplas dimensões, são necessárias algumas considerações que permitem revelar a polissemia deste tema. Pode-se adotar o conceito de integralidade em sua definição constitucional e institucional como um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em cada caso, nos níveis de complexidade do sistema (BRAGA; SENA, 2010). 33 Aliada à definição constitucional, pondera-se que a integralidade não é apenas diretriz do SUS. É também um conjunto de valores pelos quais vale lutar, pois se relaciona ao ideal de sociedade justa e solidária (BRAGA; SENA, 2010). Pensar o cuidado em saúde orientado pelo princípio da integralidade é trasncender a execução de tarefas e o exercício das competências profissionais. Nessa lógica, o cuidar passa a ter uma perspectiva de encontro entre profissionais e usuários, deslocando-se o foco da intervenção das práticas de saúde e da cura das patologias para o cuidado de sujeitos (BRAGA; SENA, 2010). A integralidade emerge como princípio de organização permanente do processo de trabalho e busca contínua para ampliar as possibilidades de apreensão das necessidades de saúde não apenas do RNMBP, mas de sua família em todos os níveis de atenção em que for necessário para a melhoria da qualidade do cuidado. 3.3- O cuidado centrado na família O cuidado centrado no indivíduo e sua família surgiu devido à compreensão de que a família é elemento fundamental no cuidado de seus membros e o isolamento social é fator de risco, em especial para os indivíduos mais dependentes como os muito jovens, os mais velhos e aqueles com doença crônica. É recomendado que os profissionais incentivem a continuidade da ligação natural que existe entre a maioria dos pacientes e suas famílias e sua rede de apoio (PINTO et al., 2010). Os pressupostos centrais do cuidado centrado na família incluem a) dignidade e respeito: os profissionais de saúde ouvem e respeitam as escolhas e perspectivas do paciente e da família, seus conhecimentos, valores, crenças e cultura são incorporados ao planejamento e prestação do cuidado; b) informação compartilhada: os profissionais de saúde comunicam e dividem as informações úteis de maneira completa e imparcial com os pacientes e a família, que recebem informações acuradas, no momento oportuno, a fim de efetivar sua participação no cuidado e na tomada de decisão; c) participação: pacientes e famílias são encorajados e apoiados a participarem do cuidado e da tomada de decisão, escolhendo seu nível de atuação; d) colaboração: pacientes e famílias são incluídos como base de apoio da instituição e os líderes de cuidado à saúde colaboram com os pacientes e família no desenvolvimento, implantação e avaliação das políticas e programas, na facilitação dos cuidados à saúde, na educação profissional e prestação de cuidado (PINTO et al., 2010). O cuidado centrado na família tem o objetivo de promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos e família e restaurar seu controle e dignidade. De acordo com ele, a definição de 34 família é dada pelos seus próprios membros e as ações não se restringem ao corpo biológico, tendo em vista que os apoios emocional, social e de desenvolvimento são considerados componentes do cuidado à saúde. Embora seja centrado na família, o cuidado não elimina a competência individual de cada membro em relação à tomada de decisão de sua própria saúde (PINTO et al., 2010). Sob esta visão, a família é considerada um sistema complexo de elementos em mútua interação (PINTO et al., 2010). Na enfermagem neonatal e pediátrica, o Cuidado Centrado na Família é filosofia que, além de cuidar da criança, também reconhece a família como unidade de cuidado. Nesse sentido a família é vista como constante na vida da criança e a unidade na qual a criança receberá os cuidados de promoção à saúde e prevenção de doenças e os primeiros atendimentos (PINTO et al., 2010). As famílias devem ser apoiadas e incentivadas a participar efetivamente da prestação de cuidados e tomada de decisão. Os profissionais devem se basear nos pontos fortes e singulares destas e reconhecer suas habilidades no cuidado do filho (MURRAY, 2006). O cuidado centrado na família do recém-nascido ainda é algo incipiente e que passa também pelo âmbito da motivação pessoal. Embora a convivência constante dos enfermeiros com a família sensibilize para esta forma de cuidar, muitos profissionais ainda não confiam em si mesmos, gerando certa incoerência entre o pensar e o agir (PINTO et al., 2009). O enfermeiro, então, precisa se preparar para reconhecer as necessidades e potencialidades da família como coparticipante do cuidado integral de saúde de seus filhos. 3.4- Desenvolvimento do vínculo mãe-filho A equipe de enfermagem das Unidades Neonatais deve facilitar as oportunidades de contato precoce e contínuo entre pais e bebês, visando contribuir com o estabelecimento do vínculo e apego, considerando que esse é um processo gradual, podendo levar mais tempo do que os primeiros dias ou semanas do período pós-natal (SCOCHI et al., 2003). O termo vínculo tem sua origem no latim “vinculum”, que significa união com características duradouras. De igual maneira, provém da mesma raiz que a palavra “vinco”, que se refere a alguma forma de ligação entre partes que se unem e que são inseparáveis, embora permaneçam delimitadas entre si. Vínculo também significa estado mental que pode ser expresso através de diversos modelos e abordagens (ZIMERMAN, 2010). O nascimento de um filho é muito mais que simples evento biológico. Faz emergir emoções, expectativas e planos futuros. Assim, a maternidade pode ser fenômeno social, pois quando a mulher vivencia o processo de gravidez ela se identifica como mãe e, 35 posteriormente, essa representação será interiorizada e objetivada socialmente (KIMURA, 1997). A gravidez pode ser estruturada tanto sobre elementos da realidade quanto das fantasias maternas. Esse período pode ser compreendido como fase de transição dentro do processo normal de desenvolvimento e uma das experiências mais sginificativa na vida da mulher, que passa por intensas transformações biológicas e sociais, o que exige da gestante e família inúmeras adaptações (CONSONNI, 2013). O período gravídico é fortemente marcado pelo pensamento mágico, sendo muitas vezes observado clima de euforia e fantasia durante a espera do filho. A família projeta no bebê todos os seus sonhos, ideias, faltas e vivências anteriores (MARQUES, 1995). Porém, podem surgir sentimentos ambivalentes em relação ao feto, de rejeição e ansiedade, mas com sua aceitação e predomínio de sentimentos positivos, o vínculo será estabelecido (SKLUS et al., 2001, NOBREGA, 2005). O momento do nascimento também é de fundamental importância para o vínculo mãe- filho, podendo intensificá-lo. O filho em potencial passa a ter status de pesssoa e a mãe irá conhecê-lo. O bebê, por sua vez, sujeito ativo nesse processo, logo aprende a interpretar a mãe, na medida em que suas capacidades comportamentais de ver, ouvir e se mover provocam respostas nela, iniciando interações recíprocas (NOBREGA, 2005, GUTIERREZ et al., 2011). No caso do nascimento de RNMBP, a passagem do bebê imaginado para o real tende a ser interrompido por uma realidade em que o bebê idealizado da gestação não corresponde em nada ao bebê da incubadora (MARSON, 2008). A separação dos pais em decorrência da internação do neonato na UTIN, em geral, faz com que estes sintam tristeza, medo e estresse, pois se encontram fragilizados e inseguros quanto à vida de seu bebê. Apresentam sentimentos contraditórios, como culpa, por se sentirem responsáveis pelo sofrimento do filho; impotência, frente ao cuidado especializado que o bebê requer e, ao mesmo tempo, manifestam esperança e resignação (SKLUS et al., 2001, NOBREGA, 2005, MARSON, 2008). Estudiosos apontam que o comportamento de apego se desenvolve desde a vida intrauterina e que é fundamental o contato entre mãe e filho nos momentos iniciais da vida pós-natal (BRAZELTON, 1998; KLAUS, KENNELL, 1993), devendo a mãe, em circustâncias favoráveis, participar do cuidado mesmo em ambiente hospitalar (SLUCKIN et al., 1990). Nesse sentindo, cabe à equipe de enfermagem das Unidades Neonatais dar todo 36 apoio necessário às mães e famílias, de forma a viabilizar sua efetiva participação no cuidado dos seus filhos durante todo período de internação. PercursoPercursoPercursoPercurso MetodológicoMetodológicoMetodológicoMetodológico 38 4. Percurso Metodológico 4.1 Tipos de Estudo Adotou-se abordagem qualitativa de pesquisa, a qual é entendida como aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes a atos, relações e estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas (MINAYO, 2008). Esse tipo de pesquisa envolve o estudo de uma variedade de materiais empíricos que descrevem momentos e significados rotineiros e problemáticos na vida dos indivíduos. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo, transformando-o em uma série de representações, com o objetivo de entender ou interpretar os fenômenos (DENZIN; LINCOLN, 2006). Os métodos qualitativos concentram-se no todo da experiência humana e no sentido atribuído pelos indivíduos que vivem a experiência. Esses métodos permitem compreensão mais ampla e profunda a respeito dos comportamentos humanos complexos do que aquela obtida de exames ou outras medidas lineares de percepção (LOBIONDO-WOOD; HABER, 2001). A Teoria das Representações Sociais (TRS) fundamentou a realização deste estudo e pode ser considerada uma interpretação da realidade que pressupõe que não haja distinção entre sujeito e objeto da pesquisa. Uma vez que toda realidade é representada pelo indivíduo, toda representação é, portanto, uma forma de visão global e unitária de um objeto. Para que o indivíduo possa formar essa visão global, ele usa elementos de fatos cotidianos e de conhecimentos do senso comum (OLIVEIRA, 2001). A TRS operacionaliza um conceito para trabalhar com o pensamento social em sua dinâmica e diversidade. Parte da premissa de que existem formas diferentes de conhecer e de se comunicar, guiadas por objetivos diferentes. Etimologicamente, “representação” provém da forma latina “repraesentare” – fazer presente ou apresentar de novo. Fazer presente alguém ou alguma coisa ausente, mesmo que seja uma ideia, por intermédio da presença de um objeto (FALCON, 2000). A representatividade do grupo na fala do indivíduo ocorre porque tanto o comportamento social quanto o individual obedecem a modelos culturais interiorizados, ainda que as expressões pessoais apresentem sempre variações em conflito com as tradições. A 39 questão da representatividade qualitativa reflete o caráter histórico mais geral e específico de um grupo (MINAYO, 2008). A representação social é expressa como uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, com alcance prático que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural (JODELET, 2001), onde o sujeito da pesquisa dá sentido a dado objeto, partindo da sua própria realidade e/ou experiências (REIS; ANDRADE, 2008). É expressão filosófica que significa a reprodução de uma percepção anterior da realidade ou do conteúdo do pensamento, e são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade e explicam-na, justificando-a ou questionando-a (MINAYO, 2008). As representações sociais possem duas funções: 1) Elas convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos que encontram dando uma forma definitiva; localizam-nos em uma determinada categoria e gradualmente põem-nos como um modelo de determinado tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas. Todos os novos elementos se juntam a esse modelo e se sintetizam nele. Mesmo quando uma pessoa ou objeto não se adequam exatamente ao modelo, nós os forçamos a assumir determinada forma, entrar em dada categoria, na realidade, a se tornar idêntico aos outros, sob pena de não ser nem compreendido, nem decodificado; nós pensamos através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos de acordo com um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, quanto por nossa cultura; 2) Representações são “prescritivas”, isto é, elas se impõem sobre nós com uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado (REIS; BELLINI, 2011). Tão precioso quanto o conhecimento cientifico é o saber do senso comum. Também denominado de sabedoria popular; é o tipo de conhecimento acumulado pelo ser humano, que diferente do método cientifico, é adquirido espontaneamente, sem preocupação com métodos ou com sistematização (FERNANDES, 2010). Além da abordagem qualitativa de pesquisa, foi também utilizada, neste estudo, a revisão integrativa da literatura. A revisão integrativa da literatura é um dos métodos de pesquisa utilizados na Prática Baseada em Evidência (PBE) que permite a incorporação das evidências na prática clínica. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado. Inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte à 40 tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novas pesquisas. Esse método permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área do conhecimento (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008). 4.2 Local do Estudo Esse projeto é integrante do Núcleo de Estudos, Pesquisa, Assistência e Apoio à Família (NEPAAF), do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual Maringá (UEM), onde são desenvolvidos diversos estudos envolvendo a família e o RN de risco. Foi desenvolvido em Londrina – PR, município que conta com 510.770 habitantes (IBGE, 2009) e onde o número anual de nascidos vivos de mães residentes diminuiu de 8180 em 2000 para 6761 em 2009. No mesmo período, o número de crianças nascidas com peso inferior a 1500 gramas manteve-se praticamente o mesmo: 102 no início da década e 101 no seu final (BRASIL, 2011). O Programa de Vigilância do RN de Risco, em atividade no município desde 1993, tem como objetivo combater a mortalidade infantil e estabelecer algumas rotinas de atendimento para essas crianças (ROSSETO; PIZZO, 2007). De acordo com esse programa, os RN de risco são identificados logo após o nascimento, por meio de visitas realizadas por técnicos do setor de Vigilância em Saúde. Estes visitam as maternidades do município duas vezes por semana, para recolher a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e identificar aqueles a serem incluídos no programa. Essa inclusão é feita de acordo com critérios previamente estabelecidos: 1) peso ao nascer inferior ou igual a 2.500g; 2) mães com 17 anos ou menos; 3) nascimentos prematuros; 4) índice de Apgar no quinto minuto inferior ou igual a 7; e 5) algum critério definido pelo médico do hospital de nascimento (GABANI et al., 2010). Após a identificação desses recém-nascidos, as DNV são repassadas à Diretoria de Informações em Saúde (DIS), que codifica e digita os dados no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC), possibilitando não só o levantamento do número real de nascimentos vivos, mas também a análise de importantes variáveis, capazes de caracterizar a gestação, o parto, a mãe e o recém-nascido. Posteriormente, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades Saúde da Família (USF) são comunicadas da existência de crianças vulneráveis em suas áreas de abrangência, para que as intervenções cabíveis sejam realizadas. 41 As informações que são repassadas às unidades de atenção básica por meio de relatório gerado pelo sistema informatizado do município são referentes ao nome da mãe, endereço e motivo de inclusão no programa. O município não possui ambulatório de seguimento para atendimento de todos os recém-nascidos considerados de risco. Apenas o Hospital A possui rotineiramente tal serviço, porém atende somente às crianças nascidas em sua maternidade. Os hospitais B e C encaminham estes recém-nascidos após a alta para acompnhamento na atenção básica. Inicialmente, o trabalho de campo desenvolveu-se nos três hospitais do município de Londrina – PR que possuíam UTIN e onde os recém-nascidos das famílias participantes se encontravam hospitalizados: Hospital A (Hospital Universitário de Londrina) – é credenciado ao Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizando-se como instituição de caráter público. Órgão suplementar da Universidade Estadual de Londrina (UEL), autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, é considerado centro de referência regional para o SUS. Como único hospital público de grande porte no norte do Paraná, atua na prestação de serviços de assistência à saúde em praticamente todas as especialidades médicas, formação de recursos humanos, educação continuada, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, bem como na cooperação técnica e científica com a rede de serviços. Em sua estrutura, apresenta unidades de internação médico-cirúrgicas, pediátrica, maternidade, centro-cirúrgico, pronto- socorro e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto, pediátrica e neonatal. A UTIN possui 10 leitos e a pediátrica, cinco. Hospital B (Hospital Evangélico de Londrina) – instituição privada credenciada ao SUS e a diversos planos de saúde, classificada como instituição filantrópica. Configura-se como referência no atendimento à gestante de alto risco. Hospital terciário, o qual possui unidades de internação médico-cirúrgicas, pediátrica, maternidade, Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) neonatais, UTI neonatal, pediátrica e de adultos, Unidade Coronariana (UCO), centro-cirúrgico e Pronto-Socorro (PS). As UTI neonatal e pediátrica possuem 10 leitos, sendo seis leitos neonatais e quatro leitos pediátricos. Desde 1995, é credenciado como Hospital Amigo da Criança pelo Ministério da Saúde (MS). Hospital C (Hospital Infantil Sagrada Família) – é credenciado ao SUS, porém atende diversos planos de saúde e é caracterizado como instituição filantrópica. Conta com estrutura de grande porte que atende apenas pacientes na faixa etária de 0 a 12 anos de idade. Possui PS e unidades de internação pediátrica e médico-cirúrgica, centro-cirúrgico e UTI pediátrica e neonatal. A UTI neonatal tem oito leitos e a pediátrica, 12. Esse hospital é integrante de uma 42 rede de mais dois hospitais, Mater Dei e Irmandade Santa Casa de Londrina, sendo que o primeiro possui atendimento à clinica geral, cirúrgica e maternidade; no entanto, atende apenas a convênios e particulares. Já a Irmandade Santa Casa de Londrina é responsável pelos outros dois hospitais e possui unidades de internação médico e cirúrgica, UTI e Centro- cirúrgico para atendimento apenas a pacientes adultos conveniados ao SUS, particulares e demais convênios. Após a coleta de dados nos hospitais citados, o estudo prosseguiu no domicílio das famílias dos RN incluídos no estudo. Outro espaço institucional para o desenvolvimento do trabalho de campo foi a UBS/USF de Londrina. Esse município possui 52 UBS, sendo 42 em área urbana e 10 localizadas na área rural, e 100 ESF. Porém, só foram incluídas no estudo aquelas que tinham na sua área de abrangência famílias integrantes do estudo. 4.3 Participantes do Estudo Participaram do estudo 41 famílias residentes em Londrina que possuíam RN internados nas UTIN dos hospitais citados. Tais famílias foram incluídas por possuírem crianças com peso ao nascer inferior a 1.500 g e parto ocorrido no período de novembro de 2011 a julho de 2012. Não participaram do estudo as famílias cujos RN nasceram com peso inferior a 500 g (um caso), eram portadores de malformações congênitas (um caso) ou vieram a óbito nos primeiros seis meses de vida (10 casos). Em relação aos profissionais de saúde atuantes em ambiente hospitalar, participaram 18 enfermeiros de todos os turnos de trabalho (manhã, tarde e noite), que estavam atuando nas UTIN no mesmo período de inclusão dos RNs. Quanto aos profissionais de saúde atuantes da rede básica, participaram 22 enfermeiros da área de abrangência da unidade de saúde na qual estava vinculada a família do RN incluída na pesquisa. Cabe ressaltar que a mãe foi o membro da família abordado, por ser considerada aquela que mantém maior vínculo e por realizar a maior parte do cuidado dos filhos, inclusive junto aos serviços de saúde. O enfermeiro foi o membro da equipe de saúde abordado por se admitir que ele mantém amplo contato com as famílias usuárias dos serviços de saúde, tem papel de cuidador das crianças em seus locais de trabalho e ainda realiza atividades de gestão de cuidados neonatais. 43 4.4 Procedimentos para Coleta de Dados Nas duas revisões integrativas de literatura realizadas, as seguintes etapas foram seguidas: 1) Identificação da hipótese ou questão norteadora: consiste na elaboração da problemática de maneira clara e objetiva, seguida pela busca pelos descritores ou palavras- chaves; 2) Seleção da amostragem: determinação dos critérios de inclusão e exclusão, momento de estabelecer transparência, para que proporcione profundidade, qualidade e confiabilidade na seleção; 3) Categorização dos estudos: definição quanto à extração das informações dos artigos revisados, com o propósito de resumir e organizar tais informações; 4) Avaliação dos estudos: análise crítica dos dados extraídos; 5) Discussão e interpretação dos resultados: momento em que os principais resultados são comparados e fundamentados com o conhecimento teórico, além da avaliação quanto a sua aplicabilidade; 6) Apresentação da revisão integrativa e síntese do conhecimento: deve contemplar as informações de cada artigo revisado de maneira sucinta e sistematizada, apresentando as evidências encontradas (MENDES et al., 2008). A coleta de dados empíricos foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, a qual se constitui em processo de interação social, em que o entrevistador tem a finalidade de obter informações do entrevistado, por meio de roteiro contendo tópicos em torno de uma problemática central (HAGUETTE, 2010). Além disso, privilegia a obtenção de informações através da fala individual, revelando condições estruturais, sistemas de valores, normas e símbolos e transmite, através de um porta-voz, representações de determinados grupos (MINAYO, 2008). “Podem ser consideradas conversas com finalidades” (MINAYO, 2005, p. 91). A entrevista semiestruturada, adotada neste estudo, possibilitou que o informante discorresse sobre suas experiências, a partir do foco principal proposto pelo pesquisador, ao mesmo tempo em que permitiu respostas livres e espontâneas do informante (TRIVIÑOS, 2010). A coleta de dados em ambiente hospitalar foi realizada com mães e com enfermeiros da UTIN separadamente. O espaço utilizado foi definido pela Diretoria de Enfermagem, respeitando a disponibilidade dos pais e dos profissionais. 44 Para a coleta de dados com mães, no hospital, foi utilizado roteiro de entrevista semiestruturado, sendo constituído de duas partes: a primeira, continha breve caracterização e a segunda era referente especificamente aos objetivos do estudo (Apêndice A). As falas das participantes foram gravadas, utilizando-se gravador digital e logo após o término da entrevista elas foram transferidas ao notebook e transcritas na íntegra para análise. Após a finalização das entrevistas com mães no ambiente hospitalar, as entrevistas com enfermeiros atuantes hospitais foram iniciadas. O critério de inclusão adotado foi que estes enfermeiros deveriam estar atuando nas UTIN durante a coleta de dados com as mães. Tais entrevistas foram agendadas previamente com os profissionais e, nesse caso, também foi utilizado roteiro semiestruturado, sendo constituído de duas partes: a primeira, com breve caracterização e a segunda referente especificamente aos objetivos do estudo (Apêndice B). As entrevistas também foram gravadas utilizando-se gravador digital e, ao seu término, foram transferidas ao notebook e transcritas na íntegra para análise. Como o primeiro contato com a família foi realizado durante a hospitalização da criança, o pesquisador desenvolveu certo vínculo com ela, que se responsabilizou por comunicar ao pesquisador a condição de alta da criança e qual seria a residência em que iriam permanecer nos primeiros sete dias após sairem do hospital. Esse cuidado se fez necessário, pois em várias situações, ao receber alta, a mãe não retorna imediatamente ao seu domicilio. Por vezes, elas preferem ficar na casa de parentes até se sentirem mais seguras para cuidar da criança. Além disso, foi confirmado o endereço residencial e solicitado o endereço (inclusive telefone) de dois outros parentes (preferência avós) que morassem no mesmo município, para que a pesquisa tivesse continuidade. Essa estratégia foi utilizada para diminuir perdas decorrentes da não localização e/ou mudança da família em relação ao endereço fornecido no hospital. Outro cuidado tomado pela pesquisadora foi de entrar em contato telefônico com os ambientes hospitalares diariamente para saber do quadro clínico destes bebês e da possível previsão de alta. Após a alta da criança, o pesquisador iniciou as entrevistas no domicilio. Estas foram agendadas previamente com as famílias, sendo realizadas três visitas nos primeiros seis meses de vida: a primeira sete dias após a chegada do recém-nascido no domicílio; a segunda, 45 dias após a primeira visita e a terceira no sexto mês de vida da criança. A escolha destes períodos se deu pela compreensão de que a primeira semana após a alta é período de grandes transformações e adaptações para a família e que, de modo geral, nela a mãe recebe apoio de familiares próximos para o cuidado; o segundo período foi escolhido por entender que a fase crítica de adaptação já ocorreu e normalmente a mãe passa a 45 assumir o cuidado integral; o terceiro período de entrevista foi escolhido por ser nova etapa de desafios, especialmente com relação à alimentação. As entrevistas no domicilio também obedeceram a roteiro semiestruturado, sendo constituído de uma parte com breve caracterização, porém com ênfase na família, e a segunda referente especificamente aos objetivos do estudo (Apêndice C). Foi solicitado à mãe que, se possível, viabilizasse que as entrevistas ocorressem no horário em que outros membros da família que a auxiliavam nos cuidados com a criança pudessem participar. Foram incluídas questões diretamente aos integrantes da família para que tivessem a oportunidade de verbalizar seu papel no cuidado. As falas dos familiares foram gravadas utilizando-se gravador digital e, ao término da entrevista, foram transferidas ao notebook e transcritas na íntegra para análise. Simultaneamente às entrevistas realizadas no domicilio, iniciaram-se as entrevistas com os enfermeiros atuantes na rede básica de saúde, sendo que ao final da segunda entrevista com as famílias, ou seja, 45 dias após a alta dos bebês, todos os enfermeiros da atenção básica já haviam sido entrevistados. Uma única entrevista foi realizada com cada enfermeiro. O critério de inclusão adotado para a participação destes enfermeiros era que os mesmos estivessem atuando na equipe de atenção básica que fosse área de abrangência. Para tanto, o pesquisador foi pessoalmente a UBS responsável pela área de residência das famílias que participavam do estudo e solicitou a colaboração desses enfermeiros. Após seu consentimento, foi agendada a entrevista, que ocorreu na própria Unidade, em espaço reservado e indicado pelo gerente, respeitando a disponibilidade do profissional. As entrevistas foram gravadas integralmente com o auxilio de gravador digital, armazenadas no notebook e transcritas na íntegra. Para essa etapa do estudo foi utilizado roteiro semiestruturado constituído de duas partes, a primeira sendo breve caracterização e a segunda referente especificamente aos objetivos do estudo (Apêndice D). O Modelo Calgary de Avaliação da Família (MCAF), por sua vez, foi utilizado para avaliação das famílias. Este é uma estrutura multidimensional, integrada, baseada nos fundamentos teóricos de sistemas, cibernética, comunicação e mudança, e influenciada pelo pós-modernismo e pela biologia de cognição. O MCAF é considerado um dos quatro principais modelos de avaliação familiar no mundo. Originalmente adaptado de uma estrutura de avaliação da família desenvolvida por Tomm e Sanders em 1983, foi substancialmente revisado em 1994 e em 2000, com aperfeiçoamento em 2008 (WRIGHT; LEAHEY, 2008). Este modelo permite a avaliação da família em termos estruturais (Apêndice C). 46 Na avaliação estrutural é investigado quem faz parte da família, ou seja, a composição familiar, qual é o vínculo afetivo entre seus membros e qual é seu contexto (classe social, espiritualidade e/ou religião e o ambiente em que vivem). Os instrumentos mais utilizados para a avaliação da estrutura da família são o genograma e o ecomapa. A utilização desses instrumentos permite visualizar a dinâmica da estrutura familiar interna e externa, e sua relação com o contexto social. O genograma representa, em termos gráficos, a estrutura familiar interna, ou seja, é um diagrama do grupo familiar e o ecomapa é diagrama do contato da família com o contexto social e seus vínculos afetivos, representando as conexões importantes da família com a sociedade. A construção do genograma e ecomapa das famílias ocorrereu durante as entrevistas no domicilio e, especificamente, foi iniciado na segunda e concluído na terceira visita. Para sua construção foram utilizados os símbolos do diagrama proposto pelo MCAF (Anexo 1). 4.5 Análise de Dados Para análise de dados das revisões integrativas da literatura construiu-se quadro síntese contemplando os seguintes aspectos: nome da pesquisa; nome dos autores; objetivo do estudo; resultados e recomendações/conclusões. Para análise dos dados obtidos por entrevista foi utilizado o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Essa proposta de organização e tabulação de dados de natureza qualitativa constitui-se em estratégia que utiliza uma forma discursiva e procura tornar claro o que pensa ou a vivência de determinada população sobre certo tema. Os dados empíricos compõem-se de um ou vários discursos na primeira pessoa do singular, em que esse eu sintático, além de sinalizar a presença de um sujeito individual do discurso, expressa referência coletiva, na medida em que esse eu fala em nome da coletividade. O pensamento da coletividade é visto como único discurso que representa todo o conjunto de depoimentos expressos pelos membros de dada sociedade e cultura sobre certo tema (LEFEVRÈ; LEFEVRÈ, 2005). Ao utilizar o DSC, os depoimentos de cada participante não se reduzem a categorias unificadoras, já que a proposta do método é reconstruir, com trechos dos relatos individuais, discurso síntese para expressar dado pensar ou sentir sobre o fenômeno (LEFEVRÈ; LEFEVRÈ, 2005). A proposta do DSC consiste basicamente em analisar o material verbal coletado, extraindo-se dos discursos algumas figuras metodológicas para organizar, apresentar e 47 analisar os dados obtidos através dos depoimentos. As figuras metodológicas que auxiliam na análise dos dados são: as expressões chave, as idéias centrais, o discurso do sujeito coletivo e a ancoragem (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2011). As expressões-chave são constituídas por transcrições literais de parte dos depoimentos, que permitem o resgate do que é essencial no conteúdo discursivo dos segmentos em que se divide o depoimento (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2011). A ideia central de um discurso pode ser entendida como a(s) afirmação(ões) que permite(m) traduzir o essencial do conteúdo discursivo explicitado pelos sujeitos em seus depoimentos (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2011). O Discurso do Sujeito Coletivo é construído na primeira pessoa do singular, buscando reconstruir com pedaços de discursos individuais, como quebra–cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessários para expressar o pensamento ou representação social de um grupo de pessoas sobre determinado tema (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2011). A ancoragem é a manifestação linguística explícita de dada teoria, ideologia, ou crença que o autor do discurso declara e que, na qualidade de afirmação genérica, está sendo usada pelo enunciador para “enquadrar” uma situação específica (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2011). A análise de dados relativos à estrutura familiar foi realizada com base no modelo MCAF, conforme anteriormente apresentado. 4.6 Aspectos Éticos A pesquisa foi realizada mediante parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Londrina – UEL, sob nº CEP 228/2011 (Anexo 2), do Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Londrina - ISCAL, sob nº 393/2011 (Anexo 3) e autorização das famílias (Apêndice E), bem como dos enfermeiros que atuam nas UTIN e nas unidades de atenção básica (Apêndice F). Cabe ressaltar que os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após assinados, foram guardados pelo pesquisador. Entre os documentos encaminhados ao Comitê, estavam as autorizações das três instituições hospitalares incluídas no estudo e da Secretaria Municipal de Saúde de Londrina. Este estudo respeitou a Resolução no 196, de 10 de outubro de 1996, que aprovou as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996). Posteriormente, 48 respeitou a Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012, a qual também volta-se a regulamentar pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 2012). ResultadosResultadosResultadosResultados 50 5- Resultados Tendo como fio condutor as representações sociais sobre o cuidado ao RNMBP, os resultados desta pesquisa estão contemplados em seis artigos a seguir apresentados. ARTIGO 1- Sentimentos que permeiam as representações das famílias de recém- nascidos de risco: revisão integrativa da literatura 51 Sentimentos que permeiam as representações das famílias de recém-nascidos de risco: revisão integrativa da literatura Feelings that permeate the representations of families of newborns at risk: an integrative literature review RESUMO Objetivo: identificar, por meio da literatura científica, os sentimentos que permeiam as representações de famílias que vivenciam o nascimento de recém-nascido de risco. Método: trata-se de estudo descritivo de revisão integrativa de literatura. A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados Lilacs e MedLine com as palavras-chave: sentimentos, família e recém-nascido, sendo considerado os anos de 2000 a 2011. Inicialmente, foram identificados 18 artigos, dos quais 13 foram selecionados. Para a análise e posterior síntese dos artigos foi utilizada figura sinóptica e a apresentação dos resultados e discussão são descritivas. Resultados: os principais sentimentos identificados nos estudos revisados foram: culpa, pena, medo, raiva, impotência, decepção, incompreensão e luto pela perda do filho idealizado. Conclusões: a experiência de ter filho recém-nascido de risco implica em sentimentos familiares muitas vezes negativos que devem ser considerados pelos profissionais de saúde, no sentido de viabilizar uma rede para o cuidado integral dos recém-nascidos e suas famílias. Descritores: Sentimentos; Família; Recém-Nascido. ABSTRACT Objective: To identify, through scientific literature, the feelings that permeate the representations of families experiencing the birth of a newborn at risk. Method: This is a descriptive study of integrative literature review. The search for articles was conducted in the Lilacs and Medline databases by the keywords: feelings, family and newborn, being considered the years 2000-2011.Initially, 18 articles were identified, from which 13 were selected. For analysis and subsequent synthesis of the articles figure synoptic was used and presentation of results and discussion are descriptive. Results: The main feelings identified in the reviewed studies were: guilt, shame, fear, anger, helplessness, disappointment, misunderstanding and mourning the loss of the idealized child. Conclusions: The experience of having a newborn child at risk often involves negative feelings that should be considered by health professionals, in order to enable a network of comprehensive care for newborns and their families. 52 Keywords: Feelings, Family, Newborn. 53 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, o Brasil está vivendo um processo de transição epidemiológica, com modificações nos padrões de morbidade e mortalidade e significativa redução das taxas de mortalidade infantil. A literatura científica tem evidenciado que tal redução decorreu muito mais do declínio nos índices de mortalidade pós-neonatal, mantendo a mortalidade neonatal em declínio menos expressivo.¹ Nesse contexto, algumas regiões do Brasil tiveram seu modelo de saúde reconhecido nacionalmente por reduzir os índices de mortalidade infantil geral, como no município de Caragipe-PE, onde ocorreu diminuição acentuada nos índices de mortalidade infantil: de 40,3 (1995) para 20,2 em cada mil nascidos vivos (2000), sendo apontada como um dos motivos a implementação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde na Estratégia de Saúde da Família.² O peso de nascimento é um forte preditivo da morbimortalidade neonatal. Crianças com baixo peso ao nascer apresentam maior mortalidade nas primeiras semanas de vida. Prematuridade e restrição do crescimento intrauterino, ou, ainda, a combinação de ambos, apesar de etiologias e consequências diferentes serem as principais causas do baixo peso ao nascer.³ Os avanços tecnológicos das últimas décadas têm permitido a queda nos índices de mortalidade infantil, especialmente entre os recém-nascidos (RN) de peso ao nascimento inferior a 1.000 g: a sobrevida dos RNs com peso entre 500 e 599 g, por exemplo, aumentou de 0%, em 1980, para quase 80% em 1993, mostrando extraordinário progresso na diminuição da mortalidade dos neonatos com extremo baixo peso.¹ Nesse sentido, as modernas unidades de terapia intensiva neonatal, equipadas com tecnologia de ponta, são um marco na assistência a esses bebês, contribuindo para a sua sobrevida, tendo como foco de assistência os aspectos biológicos, primordialmente. Se por um lado esses avanços auxiliam no aumento da sobrevida, por outro contribuem para intensificar as dificuldades e ansiedades da família diante dos cuidados com o RN. A literatura científica tem classificado como de risco os RN que apresentam um dos seguintes fatores: residência em área de risco; baixo peso ao nascer (< 2.500 g); prematuridade (< 37 semanas de idade gestacional); asfixia grave (Apgar < 7 no 5º minuto de vida); necessidade de internação ou intercorrência na maternidade; necessidade de orientações especiais no momento da alta da maternidade/unidade de cuidados ao RN; RN de mãe 54 adolescente (< 18 anos); RN de mãe com baixa instrução (< 8 anos de estudo); e história de morte de crianças <5 anos na família.4 Apesar de ser cada vez maior a expectativa de sobrevivência de crianças de alto risco, resta a preocupação com o prognóstico, em longo prazo, uma vez que a prematuridade, o tratamento neonatal e o tempo de internação podem ter como consequências crianças com sequelas importantes no que diz respeito ao seu desenvolvimento, crescimento e interação familiar.5 No ciclo familiar não existe estágio que provoque mudança mais profunda ou que tenha um desafio maior do que a chegada de uma criança. No caso do nascimento de um RN de risco, seja prematuro ou doente, a família se vê diante de experiência desgastante e desafiadora, o que ocasiona profundas alterações na dinâmica familiar e se prolonga com a internação, muitas vezes também prolongada, do filho5. A condição de gerar um filho implica a necessidade de intensa reestruturação e reajustamento pessoal e social, resultando em mudança de identidade e redefinição de papéis, articuladas com modificações orgânicas e psíquicas.6 Nas situações de risco neonatal, o bebê real é diferente do imaginado e um sentimento de culpa pelos problemas do filho pode atuar como fator inibidor do contato espontâneo entre pais e bebês.7 A mãe e a família esperam por um filho perfeito e preocupam-se com isso. Dessa forma, grande parte das mães, ao dar à luz, pergunta imediatamente à equipe de saúde, na sala de parto, se a criança chorou, se é perfeita e seu peso, entre outros questionamentos, com o intuito de assegurar que seu filho nasceu sem complicações ou malformações. Porém, quando o parto se antecipa, levando ao nascimento de um bebê prematuro, de baixo peso e que poderá desenvolver complicações severas, todos os sonhos e desejos são desfeitos, e uma nova etapa na vida dessas famílias se inicia. Essa etapa gera angústias na mãe e na família que podem levar a sofrimentos emocionais. Assim, surgiu a seguinte questão: “Quais são os sentimentos vivenciados pela família de um recém-nascido de risco?”. Sendo assim, o objetivo deste estudo é identificar, por meio da literatura científica, os sentimentos que permeiam as representações de famílias que vivenciam o nascimento de recém-nascido de risco. 55 MÉTODO Para a elaboração desta revisão integrativa, as seguintes etapas foram seguidas: • Identificação da hipótese ou questão norteadora: consiste na elaboração de uma problemática de maneira clara e objetiva, seguida pela busca pelos descritores ou palavras-chaves; • Seleção da amostragem: determinação dos critérios de inclusão ou exclusão, momento de estabelecer transparência, para que proporcione profundidade, qualidade e confiabilidade na seleção; • Categorização dos estudos: definição quanto à extração das informações dos artigos revisados, com o propósito de resumir e organizar tais informações; • Avaliação dos estudos: a análise dos dados extraídos deve ser realizada de forma crítica; • Discussão e interpretação dos resultados: momento em que os principais resultados são comparados e fundamentados com o conhecimento teórico, além da avaliação quanto à sua aplicabilidade; • Apresentação da revisão integrativa e síntese do conhecimento: deve-se contemplar as informações de cada artigo revisado de maneira sucinta e sistematizada, apresentando as evidências encontradas.7 Para guiar esta revisão integrativa, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: “Dentre as contribuições produzidas na literatura científica nacional, quais as evidências disponíveis sobre os sentimentos vivenciados pela família de um recém-nascido de risco?”. No que tange ao levantamento bibliográfico foram consultadas duas bases de dados: Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e MedLine (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online). Realizou-se a busca de 01 de agosto a 30 de setembro de 2011, por intermédio de pesquisa on-line. O acesso às publicações na integra se deu a partir dos portais SciELO (Scientific Electronic Library Online) ou Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Os critérios de inclusão dos artigos definidos inicialmente para esta revisão integrativa foram: a) artigos publicados em português com resumos disponíveis nas bases de dados selecionadas; b) artigos publicados no período compreendido entre janeiro de 2000 e 56 dezembro de 2011; c) artigos disponíveis na integra nos portais da SciELO ou Capes; e d) artigos que abordassem a temática sentimentos vivenciados pela família de um RN de risco. Em virtude das características específicas, para o acesso às duas bases de dados selecionadas, as estratégias utilizadas para localizar os artigos foram adaptadas para cada uma. Os eixos norteadores foram a pergunta e os critérios de inclusão da revisão integrativa, previamente estabelecidos, de forma a manter a coerência na busca dos artigos e evitar