UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE MARÍLIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Josiane Cristina da Silva A representação da informação em prontuários de pacientes de Hospitais Universitários: uma análise à luz da Teoria Comunicativa da Terminologia Marília - SP 2010 1 Josiane Cristina da Silva A representação da informação em prontuários de pacientes de Hospitais Universitários: uma análise à luz da Teoria Comunicativa da Terminologia Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação da Faculda- de de Filosofia e Ciências da Universidade Estadu- al Paulista – Campus Marília, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Infor- mação. Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento Linha de Pesquisa: Produção e Organização da Informação Orientador: Prof. Dr. João Batista Ernesto de Mo- raes Agência Financiadora: CAPES Marília - SP 2010 2 SILVA, Josiane Cristina da. S586r A representação da informação em prontuários de pacientes de Hospitais Uni- versitários: uma análise à luz da Teoria Comunicativa da Terminologia / Josiane Cristina da Silva. -- Marília, 2010. 129 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2010. Orientador: Prof. Dr. João Batista Ernesto de Moraes. Bibliografia: f. 68 - 72. 1- Ciência da Informação. 2- Terminologia. 3- Prontuários de Pacientes. 4- Teo- ria Comunicativa da Terminologia. 5- Informação em Saúde. I. Autor. II. Título. CDD 020 3 Josiane Cristina da Silva A representação da informação em prontuários de pacientes de Hospitais Uni- versitários: uma análise à luz da Teoria Comunicativa da Terminologia Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação da Faculda- de de Filosofia e Ciências da Universidade Estadu- al Paulista – Campus Marília, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Ciência da Infor- mação. Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento Marília, 14 de setembro de 2010. MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________ Nome: Profº. Drº João Batista Ernesto de Moraes (Orientador) Instituição: Faculdade de Filosofia e Ciências/ Universidade Estadual Paulista ___________________________________________________ Profª. Drª. Mariângela Spotti Lopes Fujita Instituição: Faculdade de Filosofia e Ciências/ Universidade Estadual Paulista ___________________________________________________ Profª. Drª. Maria de Fátima Gonçalves Moreira Tálamo Escola de Comunicação e Artes/ Universidade de São Paulo 4 Dedico este trabalho à memória da minha amada irmã Luzia. Obrigada, por me ensinar a sempre lutar e a nunca desistir! 5 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele eu não teria conseguido essa vitória na minha vida. Obrigada Senhor, pela vida, pela inteligência, pelo auxílio nas dificuldades e por seu eterno amor. Aos meus pais José e Maria, pelo amor e paciência que tiveram comigo em mais essa etapa de estudos. Agradeço de modo especial ao meu noivo Tiago, que foi a pessoa que mais me incentivou a trilhar esse caminho da pós-graduação. Sempre dizendo que valeria a pena. Obrigada, Ti! , pelo amor, pela paciência e por não deixar que eu desistisse diante de todas as dificuldades. A cada um dos meus irmãos e irmãs: Aparecida, Marlene, Marta, Osvaldo, Luzia (in memorian), Lourdes, Antonio (in memorian), Inês e Roberto, que sempre me apoiaram nessa conquista. Ao meu orientador, Prof. Dr. João Batista Ernesto de Moraes, agradeço por confiar no meu trabalho e por toda a paciência e dedicação que teve durante esse longo tempo de mestrado. Agradeço com todo o carinho que existe no meu coração à Franciele Redigolo e sua mãe Dona Júlia Isabel Marques, que me ajudaram no momento que mais pre- cisei em Marília. Obrigada por tudo! Vocês sempre farão parte da minha vida. Agradeço aos amigos e colegas da pós-graduação, especialmente ao Rodrigo Matta, Kátia Pupim, Suellen Milani e Marli Vítor da Silva. Aos professores do Programa da Pós-Graduação em Ciência da Informação, de modo especial, à Prof. Mariangela Spotti Lopes Fujita e ao Prof. José Augusto Chaves Guimarães, pela ajuda e sugestões no meu trabalho. Agradeço à banca examinadora. A CAPES, pelo apoio financeiro para a realização da pesquisa. Aos funcionários da Faculdade de Medicina de Marília, especialmente ao pessoal do Serviço de Prontuário de Pacientes, pelo auxílio prestado. E a todos que de alguma maneira contribuíram e torceram por mim durante a realização do meu mestrado. 6 RESUMO A Ciência da Informação desenvolve metodologias para tratamento, acesso e transferência da infor- mação e do conhecimento, tendo em vista as necessidades e demandas dos usuários e estabelece relações com a Terminologia, pois ao considerar a função de organização da informação e do conhe- cimento, ambas cumprem os papéis de recuperar e disseminar a informação e atender os usuários em suas necessidades informacionais. Ressalta-se ainda, que dentre as inúmeras possibilidades de estudos interdisciplinares no campo da Ciência da Informação, a informação em saúde é de grande importância. Pois embora a informação tenha um valor essencial na sociedade contemporânea, na área da saúde, a informação técnica-científica é vital. Neste trabalho a informação em saúde refere- se ao estudo da terminologia da área da saúde, destacando-se que os termos técnico-científicos des- se campo do saber são utilizados principalmente para a comunicação de informações e transferência de conhecimentos entre os profissionais. Todavia, a variação na terminologia utilizada na área da sa- úde requer a harmonização dos termos técnico-científicos, visto que estes apresentam imprecisão e ambiguidade e podem dificultar a recuperação da informação pelos profissionais. Considerando-se ser necessário o emprego de uma terminologia mais harmoniosa para uma melhor comunicação entre os profissionais de saúde surgiu a proposta de se destacar a importância da Teoria Comunicativa da Terminologia através de uma análise da representação da informação em prontuários de pacientes de hospitais universitários, especificamente na especialidade Neurologia. Observou-se, na comparação feita entre os Hospitais Universitários, a saber, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo que existem mais semelhanças do que diferenças quanto ao preenchimento dos prontuários de pacientes. Quanto à aplicabilidade dos princípios da Teoria Comunicativa da Terminologia em prontu- ários de pacientes, concluiu-se que a representação da informação faz-se presente em termos que apresentam variação terminológica grupal. Entretanto, apesar dessa variação terminológica ser signi- ficativa e compreensível por se tratar de textos produzidos por profissionais com diferentes níveis de formação e especialidades na área de saúde, torna-se necessário a representação adequada dos termos utilizados em prontuários de pacientes de modo a minimizar a falta de harmonização termino- lógica, possibilitando assim o correto entendimento das informações pelos profissionais e uma melhor comunicação que facilite a transferência de informações acerca da saúde dos pacientes atendidos em Hospitais Universitários. Palavras-chave: 1- Ciência da Informação. 2- Terminologia. 3- Prontuários de Pacientes. 4- Teoria Comunicativa da Terminologia. 5- Informação em Saúde. 7 ABSTRACT Information Science develops methodologies for processing, accessing and transferring information and knowledge, in view of the needs and demands of users and establish relations with the Terminol- ogy, because when considering the function of organizing information and knowledge, both fulfill the role of retrieving and disseminating information and serve users in their informational needs. It is also noteworthy that, among the many possibilities of interdisciplinary studies in the field of Information Science, information in health care is of great importance. Although information has a core value in contemporary society, in health, scientific-technical information is vital. In this work, information in he- alth care refers to the study of health care terminology, pointing out that the technical and scientific terms in this field are mainly used for reporting information and transferring of knowledge among pro- fessionals. However, the variation in the terminology of health care requires technical and scientific terms harmonized, since they show a lot of imprecision and ambiguity and can hinder the retrieval of information by health care professionals. Taking into consideration the need to use a more harmoni- ous terminology, for better communication among health care professionals, emerged the proposal to highlight the importance of the Communicative Theory of Terminology through an analysis of the re- presentation of information in medical records of patients from university hospitals, specifically in the Neurology field. It was observed in the comparison made among University Hospitals, namely, the Clinical Hospital at the Faculty of Medicine of Marília and the Clinical Hospital at the Faculty of Medici- ne of Ribeirao Preto, University of Sao Paulo that there are more similarities than differences at filling out patient records. As to the applicability of the principles of Communicative Theory of Terminology in patient records, it was concluded that the representation of information is done in accordance with terms that present variation in terminology. However, despite the fact that this variation in terminology is meaningful and understandable, because they are texts produced by professionals with different levels of training and expertise in health care, adequate representation of the terms used in medical records of patients is necessary, to minimize the use of not harmonized terminology, thus enabling the correct understanding of information by health care professionals and better communication to facilita- te the transfer of information about the health of patients treated at University Hospitals. Keywords: 1 - Information Science. 2 - Terminology. 3 - Medical records of patients. 4 - Communica- tive Theory of Terminology. 5 - Health Care Information. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 TERMINOLOGIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: INTERFACES ......................... 14 2.1 Terminologia ........................................................................................................ 17 2.2 Terminologia: teorias ........................................................................................... 25 3 TEORIA COMUNICATIVA DA TERMINOLOGIA ................................................... 29 4 INFORMAÇÃO EM SAÚDE ................................................................................... 35 4.1 Terminologia da área da saúde ........................................................................... 37 4.2 Prontuários de Pacientes .................................................................................... 42 5 METODOLOGIA ..................................................................................................... 48 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ..................................................... 59 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 68 APÊNDICE 1 - Ocorrências encontradas na comparação entre as pesquisas realizadas em prontuários de pacientes de Hospitais Universitários ....................... 73 APÊNDICE 2 - Variação terminológica dos termos estudados nos prontuários de pacientes de Hospitais Universitários ........................................................................ 74 APÊNDICE 3 - Formulários da especialidade Neurologia/ HC-FAMEMA (NEURO 1 a NEURO 7) ................................................................................................................. 98 APÊNDICE 4 - Formulários da especialidade Neurologia Infantil / HC-FMRP-USP (NI 1 a NI 3) .................................................................................................................. 116 9 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa apresenta como tema a representação da informação em prontuários de pacientes, através de uma análise segundo os princípios propos- tos pela Teoria Comunicativa da Terminologia. Para Branco (2006), é cada vez mais evidente a importância que os recursos, produtos e serviços de informação têm assumido nos mais variados campos da ati- vidade humana. As transformações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que caracterizam a assim chamada “Era da Informação” foram trazendo à tona a neces- sidade de estabelecer mecanismos de regulação, ordenação e organização da in- formação. Nesse sentido, a Ciência da Informação, e mais especificamente a área de análise documentária desenvolvem metodologias para tratamento, acesso e transfe- rência da informação e do conhecimento, tendo em vista as necessidades e deman- das dos usuários. Tais metodologias, quando adequadamente aplicadas, geram produtos documentários, como por exemplo, a indexação e o resumo documentário. Segundo Kobashi (1994), a análise documentária, em sua dimensão operató- ria, manipula e transforma textos em dois tipos básicos de representações: o resumo e o índice. No resumo, o texto base é desestruturado de modo a permitir que certos fragmentos, organizados sob a forma de um novo texto, reconstruam potencialmente o sentido do original. Na Indexação, procura-se obter um grau ainda maior da com- pactação do texto base: do processo de desestruturação resultam fragmentos que procuram caracterizá-lo por meio de palavras ou de sintagmas. Para Talámo et. al. (1992), a análise documentária integra o campo da Ciên- cia da Informação e tem como objetivo propor princípios para a elaboração de infor- mações documentárias, definidas, por sua vez, como múltiplas representações de textos para fins de recuperação face às diferentes demandas de informação. A análise documentária, segundo Gardin et. al. (1981, p.29), é toda operação ou grupo de operações que buscam a representação de um documento sob uma forma distinta da original, seja por tradução, resumo ou indexação, de modo a facili- tar a recuperação por especialistas interessados. Também conforme afirma Guimarães (2003, p. 103), pode-se dizer que a área de análise documentária consiste em um conjunto de procedimentos de natureza 10 analítico-sintética, envolvendo os processos de análise temática dos documentos e sua síntese, por meio da condensação ou da representação em linguagens docu- mentárias, com o objetivo de garantir uma recuperação rápida e precisa pelo usuário ou cliente. Dentre esses processos, tem-se a representação da informação, que consiste “em processo similar à tradução, no qual o conteúdo temático passa a ser expresso de maneira padronizada conforme parâmetros previamente estabelecidos” (GUIMA- RÃES, 2003). Para Novellino (1996), a principal característica do processo de representação da informação é a substituição de uma entidade linguística longa e complexa - o tex- to do documento - por sua síntese descritiva. Essa sumarização é desejável, pois sua função é demonstrar a essência do documento. Ela funciona então como um ar- tifício para enfatizar o que é essencial no documento considerando sua recuperação, sendo a solução ideal para organização e uso da informação. Ressalta-se ainda que a Ciência da Informação, sob o ponto de vista da re- presentação da informação, “intervêm na ação comunicativa textual para garantir que ela efetivamente ocorra, isto é, que a informação torne-se acessível àquele que dela precisa” (NOVELLINO, 1996). Nesse sentido, para a Ciência da Informação e para o profissional da informa- ção é imprescindível conhecer as linguagens empregadas em um determinado cam- po para que se possam elaborar produtos documentários1 (entre eles a indexação e os resumos documentários) pertinentes aos usuários da informação e suas necessi- dades. Conforme afirmam Galvão et. al. (2008), destaca-se que a linguagem possui uma relação solidária com a organização e com a recuperação da informação. Nos prontuários dos pacientes2, esta linguagem traz contornos de especialidade, reque- rendo maior precisão nos conceitos e termos a fim de que a comunicação seja mais facilmente e rapidamente compreendida e assimilada – nos moldes sistematizados por Cabré (1993; 1995). 1 A indexação é a representação sintética do texto por meio de unidades da linguagem geral, da lin- guagem de especialidade ou da linguagem documentária. O resumo documentário é uma condensa- ção do texto, que o representa por meio da mesma linguagem existente no texto. 2 Os prontuários de pacientes são a tipologia documental da presente pesquisa. 11 Ressalta-se que os prontuários de pacientes contêm dados primários que, uma vez tratados e sistematizados, fornecem informações importantes para os pro- fissionais e administradores que atuam na área da saúde. Embora seja um docu- mento de suma importância para área da saúde, no campo da Ciência da Informa- ção há muito por ser pesquisado no que se refere aos conteúdos informacionais e- xistentes nesta tipologia documental. Nos prontuários de pacientes as informações inseridas pelos profissionais de saúde, por não apresentaram um padrão formal de preenchimento, muitas vezes são ilegíveis, incompletas e ambíguas e os termos usados apresentam pouca clareza, pois existe o emprego excessivo de abreviaturas e siglas, ocasionando principalmen- te uma alta variação terminológica. Todavia a variação terminológica é significativa e compreensível por se tratar de textos produzidos por profissionais com diferentes níveis de formação e especia- lidades na área de saúde. Mas, no que tange à comunicação da equipe de saúde, ao contexto interdis- ciplinar predominante, na geração do conhecimento em saúde e na recuperação da informação, essa variação terminológica demanda por sistematização e planejamen- to a fim de que haja maior convergência terminológica e conceitual (GALVÃO et. al., 2008). Considera-se também que, segundo Cabré (1999), “a Teoria Comunicativa da Terminologia reconhece a existência de variação conceitual e denominativa nos do- mínios de especialidade e leva em conta a dimensão textual e discursiva dos ter- mos”. Desta forma, pode-se afirmar que as variações encontradas nos textos cole- tados de prontuários apresentam-se como uma variação terminológica grupal, ou se- ja, uma variação com grau intermediário, representando a terminologia usada pelo grupo ou equipe dos profissionais de saúde na sua comunicação natural. Frente aos questionamentos sobre a representação da informação em pron- tuários de pacientes, o problema que se coloca na realização desta pesquisa é a variação na terminologia utilizada na área da saúde que requer a harmonização3 dos 3 A harmonização terminológica é o processo de alinhamento de termos e de definições entre línguas ou variantes de uma mesma língua (em relação à especificação de termos e de definições). A harmo- nização resulta muito mais de uma recomendação do que da obrigação de uma norma (PAVEL, 2008). 12 termos técnico-científicos, visto que estes podem apresentar imprecisão e ambigui- dade dificultando a recuperação da informação pelos profissionais. Os pacientes de hospitais universitários geralmente são atendidos por várias especialidades e diversos profissionais de saúde e, nesse sentido, o preenchimento dos prontuários realiza-se de maneira multidisciplinar e interespecialidades, sendo que as informações são anotadas por médicos (docentes e residentes), alunos de medicina e enfermagem, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, psicólo- gos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, fonoaudiólogos e até mesmo por profissionais que não são da área da saúde, por exemplo, os assistentes sociais (SILVA, 2007). Considerando-se ser necessário o emprego de uma terminologia na área da saúde 4, mais harmoniosa, para uma melhor comunicação entre os profissionais de saúde e para uma recuperação eficiente da informação, no presente trabalho, surge a proposta de se destacar a importância da Teoria Comunicativa da Terminologia através de uma análise da representação da informação em prontuários de pacien- tes de hospitais universitários, especificamente na especialidade Neurologia. Para a concretização da proposta acima apresentada, a presente pesquisa tem como objetivos: (a) Realizar estudo teórico acerca da Terminologia, especialmente no que tange à Teoria Comunicativa da Terminologia, com foco nos princípios da comunicação e da variação terminológica grupal e sua análise nos textos coletados de prontuá- rios. (b) Analisar e caracterizar o uso da terminologia da área da saúde utilizada pelos profissionais, a partir da comparação entre prontuários de Hospitais Universitá- rios. Deste modo, o capítulo 2 apresenta o referencial teórico sobre a Terminologi- a, com destaque para as relações interdisciplinares entre a Ciência da Informação e a Terminologia. No capítulo 3, será apresentada a Teoria Comunicativa da Terminologia, em cujos princípios será baseada a análise da representação da informação em prontu- ários de pacientes. 4 Os termos técnico-científicos são essenciais para representar e transmitir a informação e o conhe- cimento na comunicação especializada. 13 No capítulo 4, destaca-se a importância da informação em saúde na socieda- de contemporânea, assim como suas tipologias documentais e quais são seus usuá- rios. De maneira especial apresenta-se o prontuário de paciente, sua definição e es- trutura, assim como suas funções enquanto documento essencial na área da saúde. Aborda-se também neste capítulo a terminologia da área da saúde. No capítulo 5, mostra-se a metodologia da pesquisa. Cabe ressaltar que a co- leta dos dados para estudo dos termos e conceitos presentes na área da saúde foi realizada em formulários. Destaca-se que os dados foram coletados em prontuários no Serviço de Prontuários de Pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Marília. Como esta pesquisa busca, entre outros aspectos, realizar a comparação en- tre prontuários de hospitais universitários, recorreu-se à pesquisa de iniciação cientí- fica realizada por Silva (2007), que teve como instituição escolhida para estudo da terminologia da área da saúde o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O Capítulo 6 apresenta a análise e a discussão dos resultados obtidos no es- tudo sobre os termos e conceitos da área da saúde. Ressalta-se que a especialida- de escolhida para a análise dos prontuários de pacientes foi a neurologia, pois esta apresenta multidisciplinaridade na responsabilidade de anotar as informações nos prontuários (os dados são anotados por médicos, enfermeiros, psicólogos, fisiotera- peutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos). O sétimo capítulo expõe as considerações finais, apresentando de modo es- pecial as contribuições do estudo da Terminologia para a área de Ciência da Infor- mação. Espera-se que a presente pesquisa contribua para a organização, represen- tação e recuperação da informação na área da saúde, sobretudo na harmonização das terminologias presentes nos prontuários de pacientes de Hospitais Universitá- rios. 14 2 TERMINOLOGIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: INTERFACES O capítulo 2 apresenta o referencial teórico sobre a Terminologia, com desta- que para as relações interdisciplinares entre a Ciência da Informação e a Terminolo- gia. Vivemos em um mundo dominado pela informação, a qual necessita ser ur- gentemente ordenada e sintetizada para ser transformada em conhecimento dispo- nível, tanto para usos e finalidades pessoais como para a tomada de decisões públi- cas, em termos de aplicações política, cultural, industrial, comercial ou social (DA- LHBERG, 1993) Para que a informação produzida nos mais diferentes contextos seja recupe- rada com facilidade torna-se necessário que ela esteja organizada, documentada, armazenada e disponível em algum suporte. Nesse sentido, uma questão muito im- portante para a Ciência da Informação é a acessibilidade. Para Branco (2006), “esta pode ser enfocada como facilitação do acesso ope- racional à informação. Isso significa que a informação deve estar organizada tanto em relação ao conteúdo quanto à forma de apresentação e disposta de maneira que facilite sua obtenção e manuseio”. Conforme afirma Galvão et. al. (2008), a organização da informação se carac- teriza pela descrição de conteúdos informacionais de forma que possam ser recupe- rados, com rapidez e precisão, pelas pessoas que os buscam. Para tanto a organi- zação da informação segue parâmetros metodológicos e científicos, muitos dos quais normalizados nacionalmente e internacionalmente. Ainda segundo as autoras, no que se refere às metodologias e etapas de or- ganização da informação, incluindo-se aqui a leitura documentária, a síntese e a re- presentação documentária (SMIT5, 1989, KOBASHI6, 1994) estas possuem forte vinculação com as linguagens empregadas nos conteúdos informacionais que se pretende organizar e com as linguagens empregadas no momento em que se deseja recuperar informação. 5 SMIT, Johanna W. (org). Análise documentária: a análise da síntese. 2. ed. Brasília: IBICT, 1989. 6 KOBASHI, Nair Yumiko. A elaboração de informações documentárias: em busca de uma metodolo- gia. São Paulo: CBD/ECA/USP, 1994. (tese de doutorado) 15 Todavia para se entender a questão da organização da informação, é preciso destacar dois aspectos importantes presentes na Ciência da Informação, ou seja, a produção da informação e a organização do conhecimento. Segundo Barreto (1999), a produção da informação é operacionalizada atra- vés de práticas bem definidas e se apóia em um processo de transformação orienta- do por uma racionalidade técnica que lhe é específica; representa atividades rela- cionadas à reunião, seleção, codificação, redução, classificação e armazenamento de informação. Todas essas atividades estão orientadas para a organização e con- trole de estoques de informação, de uso imediato ou futuro. Este repositório de in- formação representa um estoque potencial de conhecimento e é imprescindível que exista, para que se realize a transferência de informação. Nesse sentido ressalta-se que a organização da informação mantém uma for- te ligação com a organização do conhecimento. A organização do conhecimento, segundo Barité (2008), é uma área de for- mação recente, que estuda as leis, os princípios e os procedimentos por quais se estruturam o conhecimento especializado em qualquer disciplina, com a finalidade de representar tematicamente e recuperar a informação contida em documentos de qualquer natureza, por meios eficientes que dêem respostas rápidas às necessida- des dos usuários. Continua o autor afirmando que o objeto de estudo da Organização do Co- nhecimento é o conhecimento socializado e registrado, e como disciplina comporta o desenvolvimento de técnicas para a construção, a gestão, o uso e a avaliação de classificações científicas, taxonomias, nomenclaturas e linguagens documentárias. Do mesmo modo, ampara o conjunto de conhecimentos vinculados à análise da informação em geral, considerando aspectos semânticos, cognitivos e informáti- cos (BARITÉ, 2008). Conforme já dito anteriormente, devem ser enfatizadas neste trabalho, as re- lações existentes entre a Ciência da Informação e a Terminologia, destacando que elas podem ser observadas mais claramente na construção e uso das linguagens documentárias. A denominação linguagem documentária, além de referir-se ao conjunto dos diferentes tipos de instrumentos especializados no tratamento da informação biblio- gráfica (sistemas de classificação enciclopédicos ou facetados e tesauros), designa, de modo mais amplo e completo, a linguagem especialmente construída para orga- 16 nizar e facilitar o acesso e a transferência da informação (LARA, 2004a). Uma das funções das linguagens documentárias é servir de instrumentos de mediação, capazes de representar, recuperar e comunicar a informação para fins de acesso e uso, ao permitir que indexadores e usuários de um sistema de informação compartilhem do mesmo vocabulário (CERVANTES, 2004). Segundo Lara (2004a), para que a linguagem documentária dê forma ao con- teúdo, propondo-se como um modo de organização, e para que simultaneamente desempenhe o papel de instrumento de comunicação, ela deve reunir determinadas qualidades, tais como: a) funcionar como código inteligível e fonte para interpretação do sentido, b) caracterizar-se como metalinguagem e c) incorporar o usuário como integrante do processo. Para Tálamo et. al. (1992), a elaboração de produtos documentários em sis- temas de documentação e informação exige a intermediação de Linguagens Docu- mentárias. Procura-se, através desses instrumentos, normalizar as representações de textos, de forma a aprimorar o rendimento das mensagens documentárias e a consequente comunicação de informações. Considera-se ainda que a representação obtida através do instrumento comutador é um dos produtos documentários mais importantes para a recuperação da informação. Por sua vez, o uso de instrumentos terminológicos associados às Linguagens Documentárias confere, portanto, rigor metodológico para a indexação e a recupera- ção de informações, otimizando, dessa maneira, a comunicação com o usuário (TÁ- LAMO et. al., 1992). Conforme afirmam Tálamo et. al. (1992), a organização do conhecimento e a organização da informação encontram- se em relação de pressuposição. É esta relação que nos dá condições ma- teriais de considerar a existência de uma interface efetiva entre o trabalho documentário e o terminológico. Portanto, a construção de Linguagens Do- cumentárias não prescinde do recurso às terminologias específicas para a elaboração da sua rede lógico-semântica. Do mesmo modo, a Análise Do- cumentária deve recorrer continuamente a essas mesmas terminologias como garantia de compreensão adequada do universo informacional e sua adequada disseminação. Segundo Lara e Tálamo (2007), a Terminologia teórico-metodológica contribui para o aperfeiçoamento das metodologias de construção de tesauros e de lingua- gens documentárias de um modo geral porque fornece as bases para o entendimen- to do conceito e das unidades terminológicas, do sistema conceitual e das redes re- lacionais de natureza lógico-semântica e pragmática entre os termos que responde 17 pela estruturação desses instrumentos. A terminologia concreta, por sua vez, garan- te as referências para a interpretação dos descritores do tesauro. Para Cervantes (2004), na metodologia de construção da linguagem documentária e na Terminolo- gia encontram-se muitas definições que se assemelham e percebe-se con- vergência nos aspectos metodológicos utilizados para a organização do co- nhecimento. A Terminologia preocupa-se em estudar a conceituação e iden- tificação dos signos e os termos apropriados para o contexto. A linguagem documentária, enquanto instrumento de mediação, preocupa-se com a ter- minologia adotada para o assunto e se está adequada ao contexto para as- segurar a eficácia da recuperação da informação para usuários de uma es- pecialidade. Cabe ainda ressaltar que conforme afirmado por Cervantes (2004), tanto a Terminologia quanto a Ciência da Informação possuem diversos instrumentos co- muns ou similares para a realização de suas atividades, tais como os dicionários, glossários, enciclopédias, sistemas de classificação, tesauros, normas, fontes literá- rias, as informações dos profissionais e especialistas da área, entre outros. Para Nakayama7 (1996 apud CERVANTES, 2004), “as atividades exercidas pela Terminologia e pela Ciência da Informação são as de analisar, pesquisar, sis- tematizar e organizar os termos e elaborar obras terminológicas”. Portanto, pode-se reafirmar que na construção e principalmente no uso das linguagens documentárias, a Ciência da Informação e a Terminologia têm sua inter- face fortalecida, pois, ao considerar a função de organização da informação e do co- nhecimento, seja através da Terminologia com seus termos técnico-científicos, seja através das linguagens documentárias com seus descritores, pode-se afirmar que as duas disciplinas cumprem os papéis de recuperar e disseminar a informação e aten- der os usuários em suas necessidades informacionais. 2.1 Terminologia A sociedade contemporânea está fortemente alicerçada em dois pilares im- portantes, a informação e o conhecimento. Ambos são instrumentos essenciais para 7 NAKAYAMA, H. Terminologia aplicada à Ciência da Informação: da produção de vocabulário técnico científico bilíngüe (japonês-portugues) na área de ensino da língua japonesa.1996. 321f. Tese (Doutorado em Linguistica) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. 18 o desenvolvimento científico, tecnológico, social, cultural, político e econômico dos países. Para Lima (2004), “o desenvolvimento científico e tecnológico em qualquer área do saber humano, gera um crescente volume de conteúdos que devem ser tra- tados, organizados e distribuídos para toda a comunidade de especialistas dos do- mínios”. Continua a autora afirmando, que na comunicação entre especialistas de qualquer área do conhecimento são os termos técnico-científicos, presentes nas lin- guagens de especialidade8, cujo conjunto é denominado de terminologia, que cum- prem as funções essenciais de representar e transmitir o conhecimento, pois é atra- vés da terminologia de sua área específica que os especialistas estruturam a infor- mação nos textos especializados. Ao constituir a expressão lexical dos saberes científicos, técnicos e tecnológi- cos, a terminologia é um elemento inerente às chamadas comunicações especiali- zadas, as quais são tradicionalmente associadas à redação de artigos científicos, teses, resenhas, manuais, textos especializados em geral. Entretanto, também em padrão oral, desenvolvem-se intercâmbios comunicativos entre especialistas de um mesmo campo de atuação e interesse (KRIEGER; FINATTO, 2004). Para se definir a terminologia, percebe-se que há um consenso em afirmar que a terminologia é uma área teórica (campo de estudos ou disciplina) e aplicada (conjunto de termos técnico-científicos). Conforme afirmado por Pavel (2008), a terminologia pode ser definida como: 1- Conjunto de palavras técnicas ou termos especializados que pertencem a uma ciência, a uma atividade profissional ou a um grupo social determinado; 2- Disciplina linguística dedicada ao estudo científico dos conceitos e dos termos usados nas linguagens de especialidade. Por sua vez, Cabré (1995) apresenta a terminologia em três sentidos princi- pais: como disciplina que se ocupa de termos especializados; como prática que se refere ao conjunto de diretrizes ou princípios que regem a compilação de termos; como produto gerado pela prática, isto é, conjunto de termos de uma área específi- ca. Afirma também ser a terminologia um termo polissêmico. 8 A linguagem de especialidade é aplicada aos contextos técnico-científicos e compartilhada por pro- fissionais, estudantes e pesquisadores de diversas áreas do saber, visando uma comunicação rápida e precisa dos termos e conceitos, garantindo eficiência no compartilhamento de informações científi- cas e na transferência do conhecimento. 19 Para Lara (2004a), termo polissêmico, terminologia se refere tanto à teórica e metodológica, como à terminologia concreta. Na primeira acepção, a Terminologia fornece metodologia para a descrição, ordenamento e transferência do conhecimen- to, indicando princípios que regem a compilação, formação dos termos, es- truturação de campos conceituais, uso e administração de terminologias. Na segunda acepção, refere-se a um conjunto de termos relacionados a uma língua de especialidade. A terminologia pode, portanto, “significar tanto os termos técnico-científicos, representando o conjunto das unidades lexicais típicas de uma área científica, técni- ca ou tecnológica, quanto o campo de estudos” (KRIEGER; FINATTO, 2004). Ainda segundo as autoras, “com o sentido de conjunto de termos, terminolo- gia é grafada com t minúsculo; com T maiúsculo, quando referida como um campo de estudos ou disciplina”. Enquanto campo de estudos, a Terminologia é uma disciplina que se ocupa das linguagens de especialidade, no que tange à sistematização e descrição dos seus termos. Desenvolve tanto reflexões teóricas sobre suas bases conceituais co- mo metodologias de trabalho. Seus objetivos aplicados se relacionam à delimitação de domínios do saber ou de áreas de atividade, identificação de termos e conceitos e construção de dicionários e glossários especializados (LARA; TÁLAMO, 2006). Ressalta-se, portanto, a importância das linguagens de especialidade para o estudo da Terminologia. Cabré (1993), afirma que a “para os especialistas, a termi- nologia é o reflexo formal da organização conceitual de uma especialidade, e um meio inevitável de expressão e comunicação profissional”. Também para Krieger e Finatto (2004), a existência e a circulação de termino- logias em distintos cenários comunicativos são testemunhos de que essas cumprem, prioritariamente, a dupla função de fixar o conhecimento técnico-científico e de pro- mover sua transferência de modo pontual. Com isso, delineia-se também o papel social das terminologias no âmbito da comunicação humana. A terminologia possui como objeto de estudo o termo, “signo veiculador de designações de línguas de especialidade” (CERVANTES, 2004) e “unidade linguísti- ca que designa um conceito, um objeto ou um processo” (GOUADEC9, 1990 apud KRIEGER; FINATTO, 2004). O termo técnico-científico marca a identidade da disciplina Terminologia. Os termos transmitem conteúdos próprios de cada área e realizam duas funções essen- 9 GOUADEC, D. Terminologie: constituion des données. Paris: AFNOR, 1990. 20 ciais: a de representação e a de transmissão do conhecimento especializado (KRI- EGER; FINATTO, 2004). Para Cabré (1999), os termos, também denominados unidades terminológicas se utilizam nos âmbitos de especialidade. E essas unidades devem analisar-se fun- cional, formal e semanticamente, descrevendo sua dupla sistematicidade: geral, em relação ao sistema da língua de que formam parte, e específica, em relação à termi- nologia do âmbito de especialidade em que se usam. Conforme Lara (2004b), o termo é uma designação que corresponde um con- ceito em uma linguagem de especialidade. É um signo linguístico que difere da pala- vra, unidade da língua geral, por ser qualificado no interior do discurso de especiali- dade. Uma palavra tem propriedades (como em um dicionário de língua), mas tem muitos significados, porquanto são elementos do léxico da língua. Um termo, ao con- trário, é uma palavra contextualizada no discurso, tendo, consequentemente, um re- ferente de interpretação. Segundo LE GUERN10 (1989 apud LARA, 2004a), para a Terminologia, as palavras, que têm inúmeros sentidos enquanto unidades da língua (a representação do léxico da língua está no dicionário de língua, onde cada verbete é acompanhado de inúmeros significados) se transformam em ‘termos’ quando localizados nos dis- cursos dos domínios do conhecimento ou áreas de atividade (a representação dos domínios de especialidade ou áreas de atividade é feita nos dicionários especializa- dos). Também para Lima (2004), “um termo designa um determinado objeto através da definição, que reúne propriedades e características que remetem a determinados contextos que são referendados nos discursos de especialidade”. As palavras definição e termo são unidas por um traço comum: elas designam na origem o estabelecimento de um limite, de um fim (définir) e seu resultado (ter- mo). No plano nocional, para que um nome tenha direito ao título de termo, é neces- sário que ele possa, enquanto elemento de um conjunto (uma terminologia), ser dis- tinguido de outro. O único caminho para exprimir esse sistema de distinções recípro- cas é a operação dita definição (REY11, 1979 apud KRIEGER; FINATTO, 2004). 10 LE GUERN, M. Sur les relations entre terminologie et lexique. Meta, v.34, n.3, p.340-343, 1989. 11 REY, A. La terminologie. Noms et notions. Paris: Presses Universitaires de France, 1979. 21 Lara (2004b), também afirma que “a referência dos termos na terminologia é formulada mediante uma operação de definição. Uma definição é um enunciado que descreve um conceito permitindo diferenciá-lo de outros conceitos associados”. Krieger e Finatto (2004) observam que, definições, na condição de textos particularizados, identificam facetas de compreensão de fenômenos e de determinados valores no seio de diferen- tes ciências e áreas de conhecimento. Assim pelo exame cuidadoso de um conjunto de definições de uma ciência, torna-se possível uma percepção sobre o quanto de um conhecimento está sendo mobilizado e sobre como esse conhecimento pode ser multidimensional. Cabe ressaltar, conforme afirmam Krieger e Finatto (2004), que a definição terminológica (DT) é reconhecida como aquela que mais se ocupa de termos técni- co-científicos. A DT tem recebido atenção especial por vários motivos. Sua particula- rização ocorre em função de ser um enunciado-texto que dá conta de significados de termos ou de expressões de uma técnica, tecnologia ou ciência no escopo de uma situação comunicativa profissional, veiculando, assim, conceitos de uma área do co- nhecimento. Ainda conforme afirma Lara (2004b), a definição terminológica é classificadora, hierarquizante, estruturante; rela- ciona-se à definição da coisa, ao contrário da definição lexicográfica que se relaciona à palavra e é feita pela identificação de traços semânticos que ca- racterizam o significado. O significado é linguístico; o conceito é terminológi- co. A definição terminológica busca definir o conceito, e não um significado, estabelecendo um jogo de conceito a conceito que determina as relações que os unem. A unidade de sentido visada na definição terminológica é o conceito ou noção, que difere substancialmente do significado. Importante ressaltar que outro elemento central da Terminologia é o conceito. Lara (2004a) afirma que, o “conceito” é uma unidade de conhecimento criada por uma combinação única de características. Embora não estejam necessariamente ligados às línguas particulares, os conceitos são geralmente influenciados pelo con- texto sociocultural, do que decorre a possibilidade de categorizações diferentes se- gundo as diversas línguas (ISO 1087-1, 2000). A formação de um conceito é considerada fundamental na organização do conhecimento, porque provê os meios necessários ao reconhecimento dos objetos e seu agrupamento em unidades significativas num domínio particular. Esse agrupa- mento é realizado pela identificação de características ou propriedades comuns, compartilhadas por tais objetos, ou, cuja combinação pode diferir entre culturas, campos ou escolas de pensamento (ISO 704, 2000). A característica, portanto, é a propriedade abstraída de um objeto, ou de um conjunto de objetos, que serve para 22 descrever um conceito (ISO 1087-1, 2000). Considerando, como já afirmado anteriormente, a importância da linguagem de especialidade para a Terminologia, Bélanger12 (1991 apud GALVÃO, 2004), leva- nos a observar que, ter o conhecimento de uma língua de especialidade, não signifi- ca compreender detalhadamente todos os conceitos e termos que a compõe, mas sim, conhecer seus termos e conceitos mais importantes. Cintra (2002) também afirma que, ninguém ousaria pensar que é possível co- nhecer toda a produção de uma determinada área do saber. Mas é necessário, pelo menos, ter acesso a seus avanços e partir deles na construção de novos conheci- mentos. Cabe lembrar que a sociedade atual sofre o impacto da acelerada produção do conhecimento, traduzido pelas mais variadas inovações tecnológicas que afetam seu cotidiano. De certo modo, vive-se um processo de alfabetização técnico- científica, o que determina a ampliação de contatos com as terminologias. A Termi- nologia assume relevância na e para a sociedade atual, cujos paradigmas de desen- volvimento estão relacionados ao processo de economia globalizada e ao acelerado desenvolvimento científico e tecnológico (KRIEGER; FINATTO, 2004). Todavia, Barros (2004a) ressalta que a terminologia é tão antiga quanto a lin- guagem humana. Desde os tempos mais remotos o homem dá nomes às coisas, aos animais, às plantas, em suma, a tudo que lhe está à volta. Também para Roundeau13 (1984 apud KRIEGER; FINATTO, 2004), a termi- nologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remonte na história do homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em pre- sença de línguas de especialidade; é assim que se encontra a terminologia dos filó- sofos gregos, a língua dos negócios dos comerciantes cretas, os vocábulos especia- lizados da arte militar, etc. Porém somente a partir do século XVII, começam a ser delineados os ele- mentos básicos para a compreensão da terminologia como um conjunto de termos de uma área técnica ou científica e como disciplina de natureza linguística que estu- da esse conjunto (LIMA, 2004). A maior consolidação da época para essa disciplina não veio, todavia, dos ci- entistas da linguagem, mas de naturalistas como o sueco Karl Von Lineu (1707- 12 BÉLANGER,G. Pour une nouvelle terminographie. Meta, v.36, n.1, p.49-54, 1991. 13 RONDEAU, G. Introduction à la terminologie. Québec: Gaëtan Morin, 1984. 23 1778), que propôs um sistema universal de nomenclatura binominal. Esse sistema dotou a botânica e a zoologia de regras precisas de criação de nomes científicos pa- ra designarem espécies da fauna e da flora do mundo todo, independente do idioma falado pelo cientista (BARROS, 2004a). Segundo Krieger e Finatto (2004), não apenas o surgimento das linguagens científicas, mas também a discus- são sobre suas propriedades e peculiaridades são fatores que assumem re- levância em todo esse período histórico, adentrando ainda o século XIX. A internacionalização das ciências, que começa a se efetivar nessa época, faz com que cientistas passem a preocupar-se com determinadas estratégias capazes de assegurar a univocidade da comunicação científica internacio- nalmente. Norteados por esse objetivo, os cientistas estabelecem padrões terminológicos em seus âmbitos de especialidade, bem como intensificam suas preocupações com regras de formação de termos de modo a atribuir determinadas especificidades à sua linguagem. Entretanto, é apenas nos anos de 1930, que a terminologia moderna torna-se disciplina, quando o engenheiro austríaco Eugen Wüster (1898-1977), com a preo- cupação de padronizar o uso de termos técnico-científicos, de modo a alcançar a u- nivocidade comunicacional no plano internacional, desenvolveu uma série de estu- dos sobre os termos que deram origem à Teoria Geral da Terminologia - TGT (KRI- EGER; FINATTO, 2004). Quanto à atualidade da Terminologia, o século XX, “torna-se o cenário maior do grande desenvolvimento e da consolidação da terminologia, quer como instru- mental linguístico especializado a serviço de diferentes finalidades científicas, sociais e políticas, quer como campo de conhecimento” (KRIEGER; FINATTO, 2004). Contribui para essa consolidação, o desenvolvimento da informática. Pois como afirma Krieger e Finatto (2004), com efeito, as novas tecnologias da informação permitiram, sobretudo a par- tir dos anos 70, processarem volumes consideráveis de dados e difundir ra- pidamente grandes massas de termos. Essas tecnologias favorecem uma série de aplicações terminológicas que, mesmo em dimensões menores do que os bancos de dados tem auxiliado a agilizar a produção de instrumen- tos terminográficos, como a construção de pequenas bases de dados, di- cionários e glossários em versão eletrônica. Em relação ao histórico da Terminologia no Brasil, esta começa a ser implan- tada efetivamente como disciplina em meados dos anos 1980. Segundo Barros (2004a), a Terminologia introduziu-se, em um primeiro mo- mento, nas universidades em que cientistas da linguagem já efetuavam pesquisas e ministravam cursos de Lexicologia e Lexicografia, notadamente na Universidade de 24 São Paulo (USP), na Universidade de Brasília (UNB) e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Também para Krieger e Bevilacqua (2005), nessa correlação de áreas, a ter- minologia sedimentou-se como um ramo de conhecimento que integra as ciências do léxico. Para tanto, foi também de fundamental importância a proposição do Grupo de Trabalho (GT) Lexicologia e Lexicografia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Linguística fundada em 1986. Este GT propôs a inclu- são da Terminologia em sua denominação, no ano de 1988, “mostrando para seus membros, que a terminologia já constituía um objeto de estudo” (ALVES14, 1998 a- pud KRIEGER; BEVILACQUA, 2005). As autoras afirmam que no início dos anos 90, se poderia falar de um eixo geográfico bem definido de estudos terminológicos no Brasil, cujos pólos compreendiam Brasília e São Paulo, capital. Com preocupações voltadas à produção de glossários, acompanhadas ainda por reflexões sobre o léxico especializado, a Universi- dade de Brasília destacava-se com os estudos liderados pela professora E- nilde Faulstich, originando-se daí o Centro de Estudos Lexicais e Termino- lógicos (Lexterm). O eixo pioneiro mais ao sul situa-se na Universidade de São Paulo (USP), com as destacadas atuações das professoras Maria Aparecida Barbosa e Ieda Maria Alves. Seus trabalhos são basilares no impulso aos estudos ter- minológicos, incluindo a interface terminologia/neologia, entre outros aspec- tos relacionados à constituição dos termos técnico-científicos. Quanto à contribuição da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desta- ca-se o Projeto TERMISUL, cuja origem foi motivada pela necessidade de produzir glossários e dicionários especializados bilíngues (português-espanhol) de modo a contribuir para a intercomunicação nos países integrantes do MERCOSUL (KRIE- GER; BEVILACQUA, 2005). Também merece destaque a atuação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que em 1990, sediou o II Simpósio Ibero-americano de Terminologia. Esta instituição acolheu a proposta de um Projeto Integrado para Im- plantação e Difusão de Terminologia Científica e Técnica no Brasil, formulado em 1994, pela Professora Enilde Faulstich, da Universidade de Brasília e pela Professo- ra Lígia Café, responsável pelo setor de Terminologia do próprio IBICT, o qual daria origem ao BrasilTerm, banco nacional de dados terminológicos (KRIEGER; BEVI- LACQUA, 2005). 14 ALVES, I. M. Atividades terminológicas no Brasil. Terminômetro. A terminologia no Brasil. União Latina, 1998, número especial, p. 8-9. 25 Importante assinalar que as universidades brasileiras envolvidas com o estu- do da Terminologia, tiveram desde o início um papel importante no desenvolvimento da área. Tal afirmativa pode ser confirmada por Alves (1998 apud KRIEGER; BEVI- LACQUA, 2005) quando diz que “... é certamente por meio dos cursos de pós- graduação em linguística que a terminologia está encontrando seu espaço”. Este espaço - o das universidades - e o estudo da terminologia à luz da Lin- guística são os dois componentes essenciais do desenvolvimento da pesquisa ter- minológica no Brasil, contribuindo para superar o enfoque mais prescritivo da termi- nologia (KRIEGER; BEVILACQUA, 2005). Atualmente os estudos terminológicos nas instituições universitárias têm a- presentado um avanço qualitativo e quantitativo das pesquisas, especialmente na- quelas universidades que contavam ou passaram a contar com Programas de Pós- Graduação (KRIEGER; BEVILACQUA, 2005). Todavia, também pode ser observado um aumento no número de grupos de pesquisas em Terminologia, assim como publicações recentes sobre aspectos teóri- cos e práticos desta área. Nos últimos anos, a produção de estudos no campo da Terminologia cresceu consideravelmente no que concerne a quantidade e qualidade, mas muito ainda res- ta a ser feito. A pesquisa terminológica em nosso país é dinâmica, avança em com- passo com a evolução dessa disciplina em nível mundial e ocupa um espaço impor- tante na produção científica internacional (BARROS, 2004a). 2.2 Terminologia: teorias Para Krieger e Finatto (2004), as bases teóricas iniciais da Terminologia es- tão intimamente relacionadas a propósitos pragmáticos de favorecer a comunicação das ciências no plano internacional. Preocupados com os aspectos práticos da Ter- minologia, alguns estudiosos passaram a desenvolver reflexões sobre os termos. Embora isolados, esses estudos deram origem às denominadas Escolas de Termi- nologia, tais como as de Viena, a de Praga e a Russa, agregando-se, em tempo posterior, a do Canadá. 26 Uma das grandes contribuições da Escola de Viena foi sem dúvida, a elabo- ração da Teoria Geral da Terminologia (TGT), por Eugen Wüster, conforme afirmado anteriormente. “A TGT é o pilar referencial dos estudos terminológicos, apesar de seu objeti- vo principal de padronizar os léxicos especializados para favorecer a eficácia das comunicações científicas e técnicas em plano internacional” (KRIEGER; FINATTO, 2004). Esta teoria trata da pesquisa dos conceitos e dos termos a eles associados. Mais especificamente, estuda a natureza dos conceitos e sua criação, as caracterís- ticas dos conceitos, as relações entre os conceitos e sistemas de conceitos, a des- crição de conceitos, a atribuição de termos a conceitos e, ainda, a natureza e a cria- ção de termos (FELBER15, 1979). Na TGT de Wüster, o termo consiste em uma palavra à qual se atribui apenas um conceito como seu significado, sendo por este motivo considerado como mono- referencial e monossêmico, ou seja, o termo designa apenas um conceito, buscando a univocidade (LIMA, 2004). Cabré (1999), afirma que os supostos da teoria de Wüster se sustentam em dois princípios ou propósitos: a limitação da disciplina à normalização e a idealização da realidade, do conhecimento e da comunicação. A idealização da TGT se funda- menta na suposição de que o conhecimento científico – em contraste com o conhe- cimento geral – preexiste a qualquer expressão e também é uniforme e independen- te das línguas e culturas. Ainda segundo Cabré (1999), os motivos que movem Wüster a adentrar-se no tema da Terminologia são do tipo basicamente prático: superar os obstáculos da comunicação profissional causados pela imprecisão, diversificação e polissemia da linguagem natural. Wüster considera a Terminologia como um instrumento de traba- lho que deve servir de forma eficaz à desambiguação da comunicação científica e técnica. A teoria de Wüster, que define a terminologia como campo de encontro da linguística, da ciência cognitiva, da ciência da informação, da comunicação e da informática, estabelece um objeto de análise e umas funções de traba- lho muito restritas, pois, limita o objeto a unidades unívocas normalizadas, próprias dos âmbitos técnico-científicos; reduz a atividade terminológica à compilação de conceitos e termos para a normalização; circunscreve os âmbitos especializados à ciência e à técnica e limita seus objetivos a asse- 15 FELBER, H. Theory of terminology, terminology work and terminology documentation. Interaction and worldwide development. In: Fachsprache, l (1-2): 1979, p .20. 27 gurar a univocidade da comunicação profissional, fundamentalmente no plano internacional (CABRÉ, 1999). Também para Krieger (2001), a Teoria Geral da Terminologia assume um ca- ráter metodológico, de natureza prescritiva e normalizadora em detrimento da apre- ensão quanto aos modos de funcionamento dos léxicos terminológicos. Porém é i- negável a contribuição de Wüster para o estabelecimento dos princípios iniciais que permitiram o desenvolvimento dos estudos teóricos e aplicados da área, tanto que a TGT é reconhecida: “com um passo importante no esclarecimento da essência das linguagens de especialidade.” (HOFFMANN16, 1998 apud KRIEGER, 2001). Importante ressaltar que com a evolução da Terminologia como campo cientí- fico também são desenvolvidas outras teorias, como a Socioterminologia e a Teoria Comunicativa da Terminologia. A Socioterminologia surge como um direcionamento inovador, que envolve o funcionamento das terminologias, tal como qualquer unidade da língua natural. For- mulada por François Gaudin, autor que critica fortemente a política normalizadora conferida ao manejo internacional da terminologia (KRIEGER; FINATTO, 2004). Gaudin17 (1993 apud KRIEGER; FINATTO, 2004) afirma que, tentaremos mostrar como, no mesmo movimento que conduziu a linguística estrutural à sociolinguística, uma socioterminologia pode levar em conta a realidade do funcionamento da linguagem e restituir toda a sua dimensão social às praticas linguageiras concernidas. Também para Barros (2004a), na Socioterminologia é fundamental levar em consideração o uso dos termos e situar a comunicação especializada em seu lugar social. Privilegia, portanto, os aspectos sociais das linguagens de especialidade e parte do pressuposto de que “a prática terminológica é inseparável tanto do conhe- cimento do espaço da ação onde ela se dá, quanto das práticas de linguagem que visa modificar ou assegurar” (GAUDIN, 1993 apud BARROS, 2004a). A Sociotermi- nologia opõe-se, portanto, à TGT, uma vez que reconhece a existência da sinoní- mia18, da homonímia19 e da polissemia20, portanto da variação linguística nos discur- sos especializados (BARROS, 2004a). 16 HOFFMANN, L. Lengatges d’especialitat. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra, 1998. 17 GAUDIN, F. Pour une socioterminologie. Des problems semantiques aux pratiques institutionelles. Rouen: Publications de l’Université de Rouen, 1993. 18 Sinonímia: Relação entre designações de uma mesma língua de especialidade que representam o mesmo conceito (ISO 1087-1, 2000). 28 Para Faulstich (2006), a Socioterminologia é, portanto, um ramo da terminolo- gia que se propõe a refinar o conhecimento dos discursos especializados, científicos e técnicos, a auxiliar na planificação linguística e a oferecer recursos sobre as cir- cunstâncias da elaboração desses discursos ao explorar as ligações entre a termino- logia e a sociedade. Ainda segundo Faulstich (2006), a Socioterminologia, como prática do trabalho terminológico, fundamenta-se na análise das condições de circulação do termo no funcionamento da lin- guagem. Como disciplina descritiva, estuda o termo sob a perspectiva lin- guística na interação social. A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) será detalhada no próximo ca- pítulo, pois à luz dessa teoria será realizada a análise sobre a representação da in- formação em prontuários de pacientes. 19 A homonímia envolve uma relação entre designações e conceitos na qual as designações numa dada linguagem têm formas idênticas, seja fonética ou escrita, mas designam conceitos diferentes e não relacionados (LARA, 2005). 20 Polissemia: Relação entre designações e conceitos na qual uma designação representa dois ou mais conceitos que compartilham certas características (LARA, 2005). 29 3 TEORIA COMUNICATIVA DA TERMINOLOGIA Este capítulo tem como objetivo apresentar o referencial da Teoria Comunica- tiva da Terminologia, uma vez que a análise da representação da informação em prontuários de pacientes será baseada neste referencial teórico. As últimas décadas do século XX foram marcadas por intensa produção no campo da Terminologia, sobretudo no que concerne à descrição de conjuntos termi- nológicos, elaboração de obras terminográficas, desenvolvimento de tecnologia a- dequada ao tratamento computacional de terminologias e ao planejamento linguísti- co. Essa intensa atividade promoveu um inevitável processo de reflexão sobre o ser e o fazer da Terminologia, conduzindo a observações sobre as limitações da TGT. No bojo desse processo amadureceram críticas científicas que conduziram a evi- dência da necessidade de uma nova proposta teórico-metodológica para a Termino- logia (BARROS, 2004a). Entre estas propostas, está a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), que formulada por Maria Tereza Cabré em 1999, promoveu debates críticos à Teoria Geral da Terminologia (TGT), no sentido de dar maior ênfase a uma perspectiva descritiva nos estudos terminológicos. Para Cabré (1999), existem várias insuficiências da Escola de Viena para que esta se constitua em desenvolvedora de uma teoria da Terminologia. Tais insuficiên- cias são: a própria finalidade da teoria, limitada em estudar os termos com vistas à sua padronização; o modo de conceber a unidade terminológica, separando conceito (elemento independente das línguas e de valor universal) e significado (ligado às línguas particulares); o desinteresse pelas estruturas morfológicas, pelos aspectos sintáticos das unidades lexicais, além da supervalorização da função denominativa. A Teoria Geral da Terminologia não considera que os termos pertencem ple- namente – e não só em seus aspectos denominativos – à linguagem natural; nega- se a reconhecer, portanto, que por ser linguagem natural a Terminologia participa das características da linguagem com todas as consequências que isso implica; considera os termos como unidades sem interesse sintático e irrelevante para o dis- curso; defende a univocidade e monossemia como parte dos termos, em contradição com os dados extraídos da realidade. 30 A limitação da TGT apresenta-se, portanto, na finalidade da disciplina e no seu âmbito de aplicação revelando que a teoria da terminologia de Wüster tomada ao pé da letra não contempla diversificação alguma na comunica- ção profissional e, em consequência, não concebe a variação denominativa, com exceções muito escassas (como a diferenciação denominativa entre países com a mesma língua prevista nas normas ISO) e muito menos a conceitual, ligada às distintas percepções do mesmo fenômeno ou às dife- renças das perspectivas a partir das que podem abordar um mesmo concei- to. A finalidade que a TGT atribui à disciplina se limita a assegurar que a comunicação profissional seja unívoca (CABRÉ, 1999). Também para a Teoria Geral da Terminologia os conceitos são estáticos e os termos não têm valor pragmático nem apresentam variação semântica, porque são considerados apenas dentro de um registro, o formal profissional. E com o processo de uniformização se silencia a diversidade denominativa e conceitual da realidade. Apesar de Cabré reconhecer o valor do modelo de Wüster ao desenvolvimen- to dos estudos no campo da Terminologia, não deixa de considerá-lo reducionista e idealista. Para Cabré (1999), as posições críticas ante a TGT não a invalidam como te- oria, mas simplesmente sublinham sua limitação conceitual e funcional e sua falta de generalização, o que a faz suceder insuficiente para explicar as unidades terminoló- gicas em toda a sua amplitude. Em contextos prescritivos, fortemente estruturados e com a determinação de garantir uma univocidade comunicativa (padronização nacional e internacional) a TGT é inquestionável. Em situações de comunicação natural, de base social, com pretensões identitárias, a TGT resulta-se insuficiente (CABRÉ, 1999). Ainda segundo Cabré (1999), não existe dúvida alguma que a TGT é uma teoria sistemática e coerente, válida para dar resposta a um tipo de comunicação: a comunicação padro- nizada, todavia, mantém uma série de princípios que consideramos pouco satisfatórios a partir de uma perspectiva da comunicação real, que inclui a comunicação padronizada só como uma de suas possibilidades. A Teoria Comunicativa da Terminologia por sua vez, estabelece as bases de uma teoria ampla da terminologia de base comunicativa, concebida a partir da pers- pectiva da ciência da linguagem, porém integrando elementos da teoria do conheci- mento e da comunicação (CABRÉ, 1999). Pois, para a autora, a Terminologia se concebe como um campo interdiscipli- nar construído pelas contribuições de três teorias. 31 - uma teoria do conhecimento que explica como se conceitualiza a realidade, os tipos de conceitualização que podem ocorrer e a relação dos conceitos entre si e com suas possíveis denominações. - uma teoria da comunicação que além de descrever a partir de critérios explí- citos os tipos de situações que podem produzir, permita dar conta da correlação en- tre tipo de situação e tipo de comunicação em toda sua amplitude e diversidade, ex- plicando as características, possibilidades e limites dos diferentes sistemas de ex- pressão de um conceito e de suas unidades. - uma teoria da linguagem que dê conta das unidades terminológicas propri- amente ditas dentro da linguagem natural e que participem de todas as suas carac- terísticas, porém singularizando seu caráter terminológico e como se ativa esse ca- ráter na comunicação. Cabe ressaltar que comunicação segundo Marques de Melo (1975) é “o pro- cesso de transmissão e de recuperação de informações”. Para Martinet21 (1969 citado por HOYOS-ANDRADE, 1985), comunicação é a utilização de um código para transmitir uma mensagem que, por sua vez, consiste na análise de qualquer experiência em unidades semiológicas a fim de permitir aos homens entrar em contato uns com os outros. Ainda segundo Hoyos-Andrade (1985), a comunicação é um processo e, portanto, dinâmica e complexa. A comu- nicação é dinâmica porque é móvel, supõe a passagem de um estado a ou- tro, de uma situação a outra. A comunicação é complexa porque consta de um número indefinido e variável de elementos. Esses elementos integrantes do processo comunicativo agem uns sobre os outros, de tal modo que não é sempre fácil, nem possível, separá-los. Outra definição de comunicação apresenta duas ênfases ou concepções, a saber: transmitir e compartilhar. Assim, a comunicação com ênfase no transmitir en- globa o ato ou ação de transmitir algo a alguém, a informação, os procedimentos onde uma mente tenta afetar a outra. Já a comunicação na concepção de comparti- lhar agrupa definições a partir da troca, participação, interação e a presença de inter- locutores (BORDENAVE, 1982). Para Berlo (1997), uma suposição básica da disciplina da comunicação é a de que a compreensão do processo, das determinantes e dos efeitos da comunicação melhora a capacidade básica do homem para cuidar dos problemas de comunicação que enfrenta no trabalho, seja qual for o tipo de seu trabalho. 21 Martinet, A. (Org). La linguistique. Guide alphabétique. Paris: Denoël, 1969. 32 Conforme afirma Cabré (1999), esta teoria que se denomina Teoria Comuni- cativa da Terminologia requer que tanto a partir do ponto de vista teórico como a partir do metodológico, se contemple a variação linguística em toda a sua dimensio- nalidade, se assuma a condição de adequação dos termos e se integrem os aspec- tos psicolinguísticos implicados (compartilhados com a perspectiva cognitiva) e os elementos sociolinguísticos relacionados (compartilhados com a perspectiva social). Para Cabré (1999), o objetivo da Teoria Comunicativa da Terminologia é des- crever formal, semântica e funcionalmente as unidades que podem adquirir valor terminológico, dar conta de como são ativadas e explicar sua relação com outros ti- pos de signos do mesmo ou distinto sistema, para fazer progredir o conhecimento sobre a comunicação especializada e as unidades que nela se usam. Segundo Cabré (1999), existem três princípios que são importantes para o es- tabelecimento da Teoria Comunicativa da Terminologia. São os seguintes princípios: 1 – Princípio da poliedricidade do termo: as unidades terminológicas são inerentementes poliédricas, unidades que integram ao mesmo tempo aspectos lin- guísticos, cognitivos e sociais, com independência do fato de que em uma pesquisa sobre os termos podem adotar uma posição integradora ou limitar-se ao estudo de um só fenômeno dentro de uma só face do poliedro; 2 - Princípio sobre o caráter comunicativo da terminologia: toda unidade terminológica persegue imediata ou remotamente uma finalidade comunicativa. Se a finalidade é imediata, se materializa em forma de comunicação direta (comunicação entre especialistas, o discurso didático, a divulgação científica realizada por especia- listas) ou indireta (a comunicação por via de um processo aproximado como a tradu- ção, a interpretação, as publicações especializadas). Em outras ocasiões, a comuni- cação se serve das unidades terminológicas para a representação do conhecimento, como meio para etiquetar os vínculos de conhecimento correspondentes a conceitos do saber especializado, nestes casos, a finalidade remota desta representação é fa- vorecer a univocidade da comunicação entre especialistas (os padrões denominados internacionais) ou entre especialistas e sistemas especialistas (a documentação e a linguística computacional aplicada à engenharia do conhecimento) criando uma nova concepção da realidade; 3 – Princípio sobre a variação: todo processo de comunicação comporta i- nerentemente variação, explicitadas em formas alternativas de denominação do mesmo conceito (sinonímia) ou entrada significativa de uma mesma forma (polisse- 33 mia). Este princípio é universal para as unidades terminológicas, se bem admite dife- rentes graus segundo as condições de cada tipo de situação comunicativa. O grau máximo de variação observa-se nos termos das áreas mais generalizadas do saber e os que se utilizam no discurso do registro comunicativo de divulgação da ciência e da técnica; o grau mínimo de variação é próprio da terminologia normalizada por comissões de especialistas; o grau intermediário representa a terminologia usada na comunicação natural entre especialistas. Cabré (1999) afirma que, uma Teoria Comunicativa da Terminologia, em contraste com a TGT, se mostra como uma proposta concebida dentro de uma teoria da linguagem e está incluída em uma teoria da comunicação que contém os fundamentos necessários de uma teoria do conhecimento. Esta proposta integra, teórica e metodologicamente, a variação linguística, tanto formal como conceitual e assume que os termos estão associados a características gramaticais (em todos os níveis de representação) e pragmáticas. Dentro dessas incluem a variação por critérios dialetais e funcionais distintos: geográficos, históricos, sociais, temáticos, de nível de formalidade e de grau de especialização. A TCT pretende também dar conta dos termos como unidades ao mesmo tempo singulares e similares a outras unidades de comunicação, dentro de um es- quema global de representação da realidade, admitindo a variação conceitual e de- nominativa e tendo em conta a dimensão textual e discursiva dos termos, ressaltan- do que estes são unidades linguísticas que devem ser consideradas em uma pers- pectiva poliédrica - em seus aspectos linguísticos, cognitivos e sociais, ou seja, da língua em uso (CABRÉ, 1999). Metodologicamente, merecem destaque alguns princípios propostos por Ca- bré (1999), conforme apresentados na sequência: a) As denominações podem coincidir totalmente (denominação e conceito) ou parcialmente (só alguns aspectos do conceito) com unidades de outros campos. Sendo assim, os termos podem apresentar polissemia, em um duplo sentido: 1-) uma unidade pode ser reutilizada com o mesmo significado em outro campo de co- nhecimento conservando as mesmas características conceituais; 2-) de uma só uni- dade de base podem desprender-se sentidos essencialmente coincidentes, porém parcialmente específicos em função do campo que se aplicam. A variação denomi- nativa aceitada na TCT como resultado de observação dos dados da realidade, se explica pela necessidade de adequar-se à expressão a características discursivas de cada tipo de situação comunicativa: âmbito, tema, perspectiva de abordagem do te- ma, tipo de texto, emissor, destinatário e situação. 34 b) Na TCT o método é necessariamente descritivo, e consiste na compilação de unidades reais usadas por especialistas de um campo em distintas situações de comunicação. Esta diversidade de situações pressupõe que o corpus de extração dos termos deve ser heterogêneo e representativo. Isso não impede que um deter- minado trabalho possa ser homogêneo tanto em seu nível de especialização e no tipo de textos selecionados, como também na perspectiva de tratamentos do tema. Os termos selecionados são unidades reais, não necessariamente satisfatórias ou normalizadas, simplesmente reais. c) Na TCT a terminologia se concebe como o conjunto de unidades usadas na comunicação especializada e esta pode colocar-se a distintos níveis de especializa- ção e para diferentes propósitos, de forma que em um maior grau de especialização existe um menor grau de variação denominativa. O esvaziamento exaustivo de um corpus heterogêneo de textos especializados é o melhor argumento para defender que a sinonímia forma parte da comunicação especializada. A comunicação especializada, relacionada com os parâmetros que a tornam variada, toma uma dimensão discursiva, de que também participam os termos admi- tindo níveis de especialização e que deve escolher em um trabalho se pretende re- fletir o uso real (CABRÉ, 1999). Para Barros (2004a), a teoria proposta por Cabré, calca-se numa visão comu- nicativa da linguagem e, mais particularmente, dos signos linguísticos utilizados em domínios de especialidade. Desta forma, deve-se ressaltar que a Terminologia tem um papel social impor- tante em relação à comunicação, pois, através dos termos, o conhecimento técnico- científico é estabelecido e transferido de modo preciso, mesmo que possa haver va- riações terminológicas. Porém, ao partir-se do princípio de que a realidade dos da- dos comporta variação em toda a sua dimensionalidade e, por isso, deve-se esco- lhê-la e representá-la associada aos termos, pode-se concluir que tais variações são válidas. 35 4 INFORMAÇÃO EM SAÚDE Este capítulo apresenta a importância de estudos interdisciplinares no campo da Ciência da Informação, de modo especial, a informação em saúde. Aborda-se a terminologia da área da saúde, bem como se apresenta também o prontuário de pa- ciente, sua definição e estrutura, assim como suas funções enquanto documento es- sencial na área da saúde. A Ciência da Informação possibilita uma interação complexa que percebe o ser humano e a sociedade como entidades multidimensional. Sua prática busca a integração entre a unidade e a multiplicidade, quando propõe a união dos elementos diferentes constitutivos do todo: o econômico, o político, o sociológico, o científico, o tecnológico. É uma área científica em franca evolução que tem influenciado e de- senvolvido processos e estruturas associadas ao conhecimento e à informação (FRANÇA, 2002). Dentre as inúmeras possibilidades de estudos interdisciplinares no campo da Ciência da Informação, a informação em saúde é de grande importância. Pois embo- ra a informação tenha um valor essencial na sociedade contemporânea, na área da saúde, a informação técnica-científica é vital, no sentido literal da palavra, pois mui- tas vezes, existe a necessidade de informações rápidas para salvar a vida de indiví- duos. No Brasil, a área da saúde, há algumas décadas, vem se constituindo em um segmento produtor de importante e significativo volume de dados. Essa característi- ca, associada à crescente complexidade do próprio sistema de saúde, foi ampliando o interesse pelo tema, nos planos políticos, gerencial e acadêmico. Com isso, o campo da informação em saúde, embora ainda em processo de consolidação, ocupa um espaço relevante na temática da saúde coletiva brasileira (BRANCO, 2006). Cabe destacar que o interesse no registro e processamento de dados e in- formações em saúde justifica-se em razão desses, fomentar, promover e aumentar novas descobertas, novos conhecimentos. Esses conhecimentos advêm dos regis- tros informacionais em saúde. Por sua vez, elas, informações em saúde, subsidiam as ações para a terapêutica assistencial (clínica e preventiva), bem como, para a gestão de todo um sistema de saúde de uma região ou nação (CUNHA; SILVA, 2005). 36 Na saúde, o grande desafio é obter as informações nas diversas fontes para construir indicadores capazes de descrever os problemas de saúde existentes em determinada área de assistência e esclarecer a sua decisão para as pessoas. Expli- car o porquê da presença da doença e como pode ser prevenida. Dessa forma, além de prevenir, promover a saúde ao educar a população e encaminhar soluções de questões intersetoriais que objetivam reduzir as doenças e melhorar o nível de saú- de da população (FRANÇA, 2002). Em relação à tipologia da informação presente na área da saúde existem as informações voltadas para a pesquisa em saúde e as informações utilizadas para a tomada de decisões clínicas e de gestão. A informação científica está presente em duas situações específicas no cam- po da saúde: a pesquisa em saúde e a tomada de decisão clínica. Segundo Castro (2003), A informação científica em saúde corresponde àquela produzida nos cam- pos do conhecimento que compõem a área da saúde, ou seja, medicina, en- fermagem, odontologia, epidemiologia, saúde pública etc. Essa informação é resultante de pesquisas científicas, produzida em geral com caráter inves- tigativo, crítico e avaliador pelas instâncias de ciência e tecnologia (escolas, faculdades, universidades e instituições de pesquisa, sociedades científicas) e também pelas instituições não-científicas prestadoras de serviços de saú- de (Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e Ministério da Saúde), ONGs e Conselhos. Ainda segunda a autora, a informação científica deve ser metodologicamente estruturada, sendo normalmente veiculada em revistas científicas, teses acadêmi- cas, trabalhos apresentados em eventos científicos entre outros, e compõem bases de dados referenciais, bibliográficas e textuais que facilitam sua busca e localização (CASTRO, 2003). Por sua vez, a informação para a gestão em saúde pode ser de dois tipos: 1) impositiva, constituída por manuais, normas e portarias do Ministério da Saúde que definem os tipos de informações e instrumentos que devem ser utilizados nos processos de gestão; 2) técnica e científica, constituída por informações de caráter epidemiológico, ambiental e social, que descrevem o contexto de desenvolvimento humano e de sa- úde local, regional, nacional ou internacional (CASTRO, 2003). Conforme afirma Castro (2003), este tipo de informação pode ser veiculada em publicações e sites oficiais e governamentais no âmbito dos países, estados, municípios e instituições e ainda em organizações regionais como a Organização 37 Panamericana da Saúde, por exemplo. Dados de instituições como hospitais, cen- tros de saúde, etc. podem compor um conjunto de informações disponibilizado den- tro da própria instituição. Uma importante tipologia documental na área da saúde são os prontuários de pacientes, que serão apresentados detalhadamente no próximo tópico. Estes con- têm dados primários que uma vez tratados e sistematizados fornecem informações importantes para os administradores e profissionais que atuam na área da saúde, assim como para a população, seja na figura de paciente, seja como elemento/ator do cenário de promoção da saúde. Quanto aos usuários das informações em saúde, percebe-se na atualidade, que não somente os profissionais e gestores da área da saúde, mas também os pa- cientes buscam suprir suas necessidades informacionais. Deve ser esclarecido que os profissionais de saúde, não são apenas os médi- cos e enfermeiras, mas fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, farmacêuticos, psicólogos, dentistas e técnicos e auxiliares de enfer- magem. 4.1 Terminologia da área da saúde A Terminologia é um campo de estudo interdisciplinar e transdisciplinar. É in- terdisciplinar porque não pode descrever seu objeto sem a assistência de disciplinas diversas (as ciências da linguagem, as ciências cognitivas e as ciências da comuni- cação). É transdisciplinar porquanto participa de todas as disciplinas especializadas, já que todas elas possuem e usam uma terminologia para representar seus conhe- cimentos, de forma que sem terminologia não se faz ciência, não se descreve uma técnica e não se exerce uma profissão especializada (CABRÉ, 1999). Conforme afirma Rezende (2004), todo ramo do saber humano, toda ciência, necessita criar sua própria terminologia, adequada às suas necessidades de comu- nicação e expressão. A medicina, como uma das mais antigas atividades do homem, desenvolveu uma linguagem que, ao leigo, se afigura misteriosa e de difícil entendi- mento. 38 Para Barros (2004b), “a terminologia médica22 é uma das mais estudadas tan- to por profissionais de saúde, quanto por linguistas. No âmbito da Terminologia e da Terminografia, inúmeros são os trabalhos sobre esse conjunto vocabular” Inicialmente é necessário ressaltar que os termos médicos são regularmente formados a partir de radicais, prefixos e sufixos gregos e latinos, com os seguintes objetivos: simplificação da linguagem, precisão do significado das palavras e inter- câmbio científico entre as nações com diferentes idiomas de cultura. Segundo Rezende (2004), o uso de radicais gregos e latinos, comuns a vários termos, permite expressar em poucas palavras fatos e conceitos que, de outro mo- do, demandariam locuções e frases extensas. Cada termo médico, tal como ocorre em outras áreas do conhecimento humano, caracteriza um objeto, indica uma ação ou representa a síntese de uma idéia ou de um fenômeno, a definição de um pro- cesso, contendo em si, muitas vezes, verdadeira holofrase, cujo sentido está implíci- to na própria palavra. Por exemplo, quando nos referimos à colecistectomia laparoscópica enun- ciamos em duas palavras um procedimento complexo que, em linguagem descritiva seria: "operação para retirada da vesícula biliar por um processo que não necessita abrir à parede abdominal e que utiliza um equipamento de videolaparoscopia”, ou então, choque hipovolêmico expressa a condição clínica caracterizada, em lingua- gem comum por "queda acentuada da pressão arterial por diminuição do volume de sangue circulante" (REZENDE, 2004). (grifo nosso) Em relação à precisão da linguagem, Rezende (2004), afirma que cada termo empregado deve ter um único significado, uma definição própria aceita pela comuni- dade científica, ao contrário da linguagem literária ou coloquial em que as palavras podem ter acepções diversas, na dependência do seu contexto na frase. O terceiro objetivo da terminologia médica é a sua internacionalização, facilitando o intercâmbio de informações entre os diferentes países. Isto se torna possível pela utilização de termos que são comuns a todas as línguas das diversas culturas, adaptáveis morfologicamente a cada uma delas. Como exemplo, o termo esplenomegalia significa "baço aumentado de ta- manho". A palavra compõe-se das raízes gregas splén, baço + megalo, grande + sufixo ia. O termo é universal, comum a todos os idiomas. Aceita a palavra grega splén na terminologia médica internacional, todos os termos relativos ao baço serão formados com o mesmo radical nos vários idiomas. 22 Ressalta-se que alguns autores utilizam a palavra terminologia médica para referir-se ao conjunto de termos da área da saúde. 39 Se tivéssemos que utilizar a palavra baço fora da terminologia médica, terí- amos spleen, em inglês; mitz, em alemão; rate, em francês; milza, em italia- no; bazo, em espanhol e baço, em português, o que dificultaria enormemen- te a comunicação (REZENDE, 2004). (grifo nosso) Ainda segundo Rezende (2004), seria extremamente difícil memorizar tantas palavras, não fosse o fato de que a maioria dos termos científicos usados em medi- cina foram criados utilizando-se de raízes gregas e latinas, que entram com o mes- mo significado na formação de múltiplas palavras, e que podem ser facilmente identi- ficadas. São relativamente poucos os termos médicos oriundos de outras línguas ou formados de elementos vernáculos. Portanto para a compreensão e mais fácil assi- milação da terminologia médica, é indispensável um mínimo de conhecimento sobre a origem e formação de termos médicos a partir do grego e do latim. Pois o número de termos novos com os quais o médico deve familiarizar-se é relativamente grande - cerca de 13.000. Conforme afirma Rezende (2004), alguns termos médicos são chamados de híbridos, pois se formam com elementos de mais de um idioma. Porém o hibridismo deve ser evitado, sempre que possível. Exemplos: hipertensão (hiper, gr. + tension, lat.); endovenoso (endo, gr. + vena, lat. + o, so, gr.); densímetro (densi, lat. + metron, gr.). Existe ainda termos de origem incerta sem comprovação etimológica como, por exemplo, pescoço, bochecha, pestana e bigode. Assim como há termos de ori- gem onomatopéica, pois imitam os sons naturais. Exemplo: garganta - de Garg (ruí- do de gargarejo). Torna-se interessante destacar as incompatibilidades conceituais e denomina- tivas presente entre os termos científicos e termos populares. Como exemplos, po- dem ser citados: Toxoplasmose x Doença do gato; Diabetes Melittus x Açúcar no sangue; Hidrocefalia x Cabeça d’água; linfonodo x íngua; hepatite C x amarelão; ce- faléia x dor de cabeça; nefrolitíase x cálculo renal x pedra nos rins. Há ainda uma observação a ser feita quanto ao uso dos epônimos, ressaltan- do que estes não são termos científicos. Para Piatto, Batigália e Neves (2000), no campo da biologia e da medicina, tem sido comum ligar o nome do ou dos descobridores à estrutura, doença ou esta- do patológico denominando-se de epônimo. Termo de origem grega epónymo, é um adjetivo que dá ou empresta seu nome a algo; o nome de uma doença, estrutura, 40 método ou operação, geralmente derivado do nome da pessoa que a descobriu ou daquele que o descreveu em primeiro lugar. Alguns epônimos são tão abrangentes que o nome próprio do descobridor tornou-se um substantivo (por exemplo: roentgen, de Röentgen WK; mende- lismo, de Mendel GJ; síndrome de Down, em homenagem a Down JLH). Po- rém a tendência atual dos sistemas internacionais de nomenclatura é de substituir, sempre que possível os epônimos, por terem características ines- pecíficas, para uma terminologia localizadora, descritiva ou etiológica, que facilite a compreensão dos fatos ou a sua ligação com a natureza ou a cau- sa do assunto em questão. Portanto o uso de epônimos, nas terminologias médicas não deve ser realizado (PIATTO, BATIGÁLIA, NEVES, 2000). A constante preocupação da Medicina com sua terminologia deve-se à cons- ciência de que, apesar dos esforços, essa terminologia continua a conter grande número de termos polissêmicos, homônimos, sinônimos (quase-sinônimos) e epôni- mos. Essa riqueza linguística pode conduzir a erros médicos graves e, para diminuir os riscos, organizações médicas internacionais desenvolvem inúmeros projetos de harmonização da terminologia dessa área (BARROS, 2004b). Segundo Barros (2004b) entre tais projetos estão a Nomina Anatômica, a Nomenclatura Internacional de Doenças e o Sistema Unificado de Linguagem Médi- ca. No Brasil, a Terminologia Anatômica Internacional, como se preferiu chamar, em substituição à clássica denominação (Nomina) foi publicada, em português, em 2001. Uma de suas principais atribuições era a de analisar os termos designativos das partes do corpo humano então em uso e elaborar uma proposta de nomenclatu- ra. Quanto à Nomenclatura Internacional de Doenças (NID) iniciada em 1970, o principal propósito é o de prover e recomendar um termo único para cada doença. O critério principal para seleção do termo abrangeria sua especificidade, sua não- ambiguidade, o caráter simples e autodescritivo do termo e, quando possível, base- ado na causa da doença. Cada enfermidade ou síndrome para a qual um nome fos- se recomendado seria definida de forma direta e resumida. Uma lista de sinônimos seria adicionada a cada definição (Ministério da Saúde23, 2003 apud BARROS, 2004b). Por sua vez, o UMLS ou em português Sistema Unificado de Linguagem Mé- dica foi criado em 1986, e atualmente serve como instrumento para ajudar os profis- 23 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Datasus. [online]. Disponível na Internet via www. URL:http://www.datasus.gov.br/ 2003. 41 sionais de saúde e pesquisadores a recuperar e integrar informações biomédicas contidas em diferentes fontes. Pode ser usado para superar variações na maneira com que conceitos similares são expressos em fontes diferentes. Isso torna mais fá- cil para os usuários a obtenção de dados de diferentes sistemas de informação, co- mo o prontuário de pacientes em bases computacionais, bases de dados bibliográfi- cos, bases de dados fatuais, sistemas peritos etc. O projeto UMLS desenvolve “fon- tes de conhecimento” que podem ser usadas por uma grande variedade de progra- mas de aplicações que superam problemas causados por diferenças de terminologia e pela dispersão de informações relevantes contidas em várias bases de dados (USNLM24, 2003 apud BARROS, 2004b). Destaca-se também a contribuição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10), principalmente por auxiliar na recuperação precisa de informações. Pois como Clas- sificação ela apresenta o nome das doenças existentes e seus respectivos códigos. Uma classificação de doenças pode ser definida como um sistema de cate- gorias atribuídas a entidades mórbidas segundo algum critério estabelecido. Existem vários eixos possíveis de classificação e aquele que vier a ser sele- cionado dependerá do uso das estatísticas elaboradas. Uma classificação estatística de doenças precisa incluir todas as entidades mórbidas dentro de um número manuseável de categorias (CLASSIFICAÇÃO Estatística, 1993). A Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde é a última de uma série que se iniciou em 1893 com a Classi- ficação de Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte. Mais conhecida com a abreviatura de “CID-10”, a Classificação atualizada agrupou as afecções de forma a torná-las mais adequadas aos objetivos de estudos epidemiológicos gerais e para a avaliação de assistência à saúde. Importante ressaltar que nesta pesquisa o estudo terminológico voltou-se para os termos técnico-científicos da área da saúde, que são utilizados principalmente pa- ra a comunicação de informações e transferência de conhecimentos entre os profis- sionais de saúde e estão presentes em prontuários de pacientes, conforme será vis- to posteriormente. Os termos da área da saúde são usados na comunicação especializada entre os profissionais e admitem níveis diferentes de especialização, apresentando varia- ções denominativas. Entretanto, segundo a Teoria Comunicativa da Terminologia 24 U.S. NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE. Unified Medical Language System (UMLS). [online]. Disponível na Internet via www. URL: http://www.nlm.nih.gov, 2003. 42 deve-se partir do princípio que a realidade dos dados comporta variação em toda a sua dimensionalidade, e por isso, deve-se escolhê-la e representá-la associada aos termos. 4.2 Prontuários de Pacientes O Conselho Federal de Medicina (CFM), pela Resolução n. 1.638/02, de 10 de julho de 2002, define em seu Art. 1º, prontuário como documento único, constituí- do de um conjunto de informações, sinais e imagens registrados, gerados a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo (CONSELHO, 2006). O termo prontuário vem do latim – “promptuarium – lugar onde se guardam ou de- positam as coisas de que se pode necessitar a qualquer instante” (NOVAES, 2003). Kmeteuk Filho (2003), afirma que, no século V a.C., o registro médico foi al- tamente influenciado por Hipócrates. Este defendia que o registro médico tinha duas metas: relatar a história natural da doença com precisão e indicar as possíveis cau- sas da doença. Também Costa (2001), afirma que o registro médico era sempre feito em or- dem cronológica, ou seja, era um registro médico orientado ao tempo. Segundo Carvalho25 (1977 apud CONSELHO, 2006), o primeiro relatório mé- dico conhecido situa-se no período entre 3000 e 2500 a.C., feito pelo médico egípcio Inhotep, que registrou quarenta e oito casos cirúrgicos em um papiro, exposto na Academia de Medicina de Nova Iorque. Porém nos séculos posteriores, pouco se registrou sobre moléstias. Em 1131, já havia anotações relativas aos pacientes no Hospital São Bartolomeu em Londres, a primeira instituição hospitalar de que se tem notícia. Até o início do século XIX, os médicos baseavam suas observações e con- sequentemente suas anotações, no que ouviam, sentiam e viam e as obser- vações eram registradas em ordem cronológica, estabelecendo assim o chamado prontuário orientado pelo tempo em uso desde então. Em 1880, 25 CARVALHO, L.F. Serviço de arquivo médico e estatística de um hospital, 2.ª ed., São Paulo: LTR Editora/MEC; 1977. 43 William Mayo, que com seu grupo de colegas formou a Clínica Mayo em Minnesota nos Estados Unidos, observou que a maioria dos médicos manti- nham o registro de anotações das consultas de todos os pacientes em for- ma cronológica em um documento único. O conjunto de anotações trazia di- ficuldade para localizar informação específica sobre um determinado paci- ente. Assim, em 1907, a Clínica Mayo adota um registro individual das in- formações de cada paciente que passaram a ser arquivadas separadamen- te. Isto dá origem ao prontuário médico centrado no paciente e orientado a- inda de forma cronológica (MARIN; MASSAD; AZEVEDO NETO, 2003). Em 1910, foi elaborado um relatório sobre educação médica e realizada a primeira declaração formal sobre o conteúdo e a função do registro médico. Também os médicos eram encorajados a manter um prontuário individual por paciente. O con- teúdo dos prontuários foi muito discutido até 1940, quando foram exigidos registros médicos bem organizados como requisito para se obter crédito hospitalar por parte do governo americano (COSTA, 2001). Em 1944, o uso do prontuário foi introduzido no Brasil pela Prof.ª Dr.ª Lourdes de Freitas Carvalho, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer- sidade de São Paulo, depois de estudos especializados nos Estados Unidos da A- mérica, onde fora estudar sistemas de arquivo e classificação de observações médi- cas (CARVALHO, 1977; MORAES26, 1991 apud CONSELHO, 2006). Atualmente, o Código de Ética Médica, aprovado pela resolução n.º 1246/88, estabelece, no art. 61, a obrigatoriedade de elaboração de prontuário para cada paciente. Marin, Massad e Azevedo Neto (2003) citando Slee, Slee e Schimidt27 (2000), afirmam que o prontuário do paciente foi desenvolvido por médicos e enfermeiros para garantir que se recordassem de forma sistemática dos fatos e eventos clínicos sobre cada indivíduo, de forma que todos os demais profissionais envolvidos no pro- cesso de atenção de saúde poderiam também ter as mesmas informações. Estas informações deveriam ser, portanto, organizadas de modo a produzir um contexto que servirá de apoio para a tomada de decisão sobre o tipo de trata- mento ao qual o paciente deverá ser submetido, orientando todo o processo de a- tendimento à saúde de um indivíduo ou de um