1 “CORRELAÇÃO DE VARIÁVEIS METABÓLICAS DO PERIOPERATÓRIO COM COMPLICAÇÕES PÓS- OPERATÓRIAS EM CIRURGIA CARDÍACA PEDIÁTRICA” DISSERTAÇÃO MESTRADO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM ANESTESIOLOGIA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ALUNO: RODRIGO LEAL ALVES ORIENTADORA: NORMA SUELI PINHEIRO MÓDOLO 2 DEDICATÓRIAS Dedico este trabalho a minha família, em particular a minha esposa Angélica, aos meus filhos Beatriz e Miguel, a minha mãe Isadora, a Gil, aos meus irmãos Tatiana e Felipe e aos meus avós. Dedico este trabalho à memória do eterno mestre Professor Valdir Medrado e a todos os componentes de seu grupo, criado sob seus preceitos e ensinamentos. Dedico este trabalho a minha orientadora Professora Norma Sueli, sem a qual nada disso seria possível. AGRADECIMENTOS Este trabalho não seria possível sem a ajuda de diversas outras pessoas que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para a sua realização. Um muito obrigado a: Angélica, pela compreensão e ajuda Luiz Teixeira, por incentivar e permitir o crescimento pessoal e profissional de todos sob seu comando Antônio Argôlo, pelo exemplo de vida pessoal e profissional André Aragão, por tornar possível a realização do trabalho Todos do Grupo de Anestesia Professor Valdir Medrado, pela amizade, pelo exemplo de dedicação e por ter me ensinado e continuar me ensinando anestesiologia Todos meus colegas de trabalho do Hospital das Clínicas, pelo incentivo e apoio Nadja, Bruno, Roberto e Fábio, pela competência e dedicação à causa da cirurgia cardíaca pediátrica Jonga, Emanuel, Adriano, Nazel, Bruno, Hugo e Zé, pela amizade e companheirismo Neli e todos os componentes do Departamento de Anestesiologia, pela presteza e auxílio Marcelo e Guilherme pela ajuda e apoio 3 RESUMO Introdução: Anestesia para cirurgia cardíaca pediátrica é frequentemente realizada em pacientes graves sob condições fisiológicas anormais. No intra-operatório, existem variações significativas da volemia, temperatura corporal, composição plasmática e fluxo sanguíneo tecidual, alem de ativação da inflamação, com consequências fisiopatológicas importantes. Medidas seriadas de lactato arterial e glicemia podem indicar estados de hipoperfusão e exacerbação da resposta neuro-endocrino- metabólica ao trauma servindo como marcadores prognóstico de morbimortalidade nessa população. Objetivos: Correlacionar os níveis de glicemia e de lactato arterial no período perioperatório de crianças submetidas a cirurgia cardíaca com a ocorrência de complicações e morte no pós-operatório e comparar os níveis intraoperatórios de glicemia e lactato arterial de acordo com as condições perioperatórias. Metodologia: Dados de prontuário foram coletados em uma ficha padronizada com informações referentes ao procedimento anestésico-cirúrgico e condições perioperatórias dos pacientes. Comparações das médias dos valores perioperatórios de glicemia e lactato nos grupos de pacientes que apresentaram, ou não, complicações pós-operatórias e as frequências referentes às condições perioperatórias foram estabelecidas conforme cálculo da razão de chances e em análises univariáveis não paramétricas. Resultados: Níveis arteriais mais elevados de lactato foram observados nos pacientes que cursaram com complicações e/ou óbito no perioperatório de cirurgia cardíaca pediátrica. Valores mais elevados de glicemia intraoperatória também foram observados nos indivíduos que apresentaram complicações pós-operatórias, mas não entre os que foram a óbito. O emprego de circulação extracorpórea (CEC) esteve associado a maiores valores de glicemia e lactato arterial durante a cirurgia. A capacidade de predição desses marcadores para diferentes tipos de eventos adversos variou de acordo com a utilização de CEC no procedimento. Hipoglicemia esteve associada a maiores taxas de complicações pós- operatórias, inclusive óbito. Conclusão: Níveis perioperatórios mais elevados de glicemia e de lactato arterial estão associados com maior morbimortalidade em procedimentos de baixo e médio risco, com ou sem CEC, na cirurgia cardíaca pediátrica. Redução pós-operatória da glicemia abaixo de valores normais também apresenta associação com aumento da taxa de complicações e óbitos. Palavras Chave: Cirurgia cardíaca pediátrica; glicemia; lactato; morbidade; mortalidade 4 ABSTRACT Introduction: Anesthesia for pediatric cardiac surgery is often performed in critically ill patients with abnormal physiologic conditions. During the intraoperative period, inflammation response is evoked and significant variations in blood volume, core temperature, plasma composition and tissue blood flow are expected with important pathological consequences. Regular measures of arterial lactate and serum glucose levels may indicate systemic hypoperfusion and exacerbation of the hormonal and metabolic response to trauma and therefore be useful as prognostic biomarkers of morbidity and mortality in this population. Objectives: Correlate the perioperative blood glucose and arterial lactate levels of children that underwent open-heart surgery and the occurrence of complications and death in the postoperative period and compare those levels during surgery under different perioperative conditions. Methodology: Data regarding the anesthetic and surgical procedures and the perioperative conditions of the patients were collected from medical records in a standardized form. Comparisons of blood glucose and arterial lactate levels of patients with or without postoperative complications were made by the estimation of the odds ratio for morbidity and mortality. Frequencies related to the perioperative conditions were established according to nonparametric univariate analysis. Results: Higher perioperative arterial lactate levels were observed in children that developed complications and/or died after heart surgery. Higher intraoperative levels of blood glucose were also observed in patients with postoperative complications, but not in those who died. The use of cardiopulmonary bypass (CPB) was associated with higher levels of glucose and lactate in surgery. The prediction capability of those biomarkers for different kinds of complications varied with the utilization of CPB in the procedure. Hypoglycemia was associated with higher rates of postoperative complications, including death. Conclusions: Higher perioperative values of blood glucose and arterial lactate levels are associated with higher complication rates in low to moderate risk pediatric cardiac surgery, with or without cardiopulmonary bypass. Postoperative reduction of blood glucose below normal levels is also associated with higher morbidity and mortality. Key Words: Pediatric heart surgery; glycemia; lactate; morbidity; mortality 5 INTRODUÇÃO Em 29 de novembro de 1944, no centro médico John Hopkins em Baltimore, o doutor Alfred Blalock realizou um procedimento cirúrgico pioneiro em um coração de uma criança cianótica com Tetralogia de Fallot. A cirurgia, que consistiu na anastomose entre a artéria subclávia esquerda e a artéria pulmonar, permitiu um aumento do fluxo sanguíneo na circulação pulmonar com consequente melhora da oxigenação sanguínea (Brieger, 1997). Desde então, avanços em diversas áreas da medicina permitiram a resolução efetiva de um número cada vez maior de defeitos cardíacos congênitos com melhoria importante na sobrevida de indivíduos antes condenados pela doença. Os crescentes progressos na compreensão da fisiopatologia, nos métodos diagnósticos e nas opções terapêuticas levaram à criação de subespecialidades médicas voltadas ao tratamento da criança cardiopata. Mesmo com todo conhecimento e experiência de literatura acumulados nestes últimos 70 anos, muitos desafios e dúvidas ainda se fazem presentes no manejo perioperatório dessas situações. Anestesia para cirurgia cardíaca pediátrica é frequentemente realizada em crianças gravemente enfermas com condições fisiológicas anormais. No intra-operatório, os pacientes são submetidos a variações significativas na volemia, temperatura corporal, composição plasmática e fluxo sanguíneo tecidual com consequências fisiopatológicas importantes. Agressões adicionais, por vezes inevitáveis, como circulação extracorpórea e parada circulatória total contribuem para agravar ainda mais o desarranjo orgânico no intraoperatório (Greeley et al., 2000). Mesmo assim, pacientes com distúrbios graves e má formações potencialmente letais são diariamente submetidos a correções cirúrgicas paliativas ou definitivas, por vezes no próprio dia do nascimento. Ainda que a tecnologia médica atual possibilite intervenções antes tidas com impraticáveis, o impacto fisiológico do seu emprego ainda é pouco compreendido nos pacientes pediátricos. O esforço coletivo empreendido no tratamento da criança cardiopata inicia-se no pré-operatório e se estende muito além do término da cirurgia e alta hospitalar (Greeley et al., 2000). O anestesiologista, em particular, enfrenta uma série de desafios no intra-operatório e sua habilidade em simultaneamente lidar com diversas variáveis e em resolver situações críticas num curto intervalo de tempo pode influenciar de forma decisiva a evolução do caso. Para isso é fundamental o entendimento e compreensão do impacto orgânico decorrente das alterações fisiopatológicas deflagradas pelo ato anestésico-cirúrgico. O estresse gerado pela cirurgia evoca diversos mecanismos de defesa do organismo, definida como “Resposta Neuro-Endócrino-Imuno-Metabólica ao Trauma” (REMT), com o intuito de sobreviver ao evento lesivo inicial. As modificações endócrinas e respostas imunológicas deflagradas levam a um conjunto de alterações metabólicas para proteger as principais funções fisiológicas. Variações hormonais ao estresse, como elevações de catecolaminas circulantes, cortisol e hormônio do crescimento, desencadeiam um estado de resistência tecidual ao efeito da insulina com elevação da glicemia (Wilmore, 1997). Sabe-se que, em condições extremas, a maioria dos tecidos passa a utilizar a glicose como principal fonte energética já que todas as células vivas do organismo possuem vias glicolíticas que funcionam mesmo em anaerobiose (Devos et al., 2006). Do ponto de vista evolutivo, é desejável uma resposta corporal que visa aumentar a disponibilidade de glicose para priorizar a geração de energia celular e a manutenção de funções vitais em situações críticas. No entanto, essa mesma resposta de proteção apresenta um custo orgânico com consequências potencialmente negativas. Como boa parte das outras alterações fisiológicas observadas na REMT, a magnitude da resposta desencadeada não só se correlaciona com a intensidade do trauma tecidual inicial como pode, por si, agravar o estado patológico levando a um ciclo vicioso de lesão adicional. A hiperglicemia resultante, por muito tempo menosprezada e tida como um evento secundário, é hoje reconhecida como fator prognóstico de morbimortalidade no paciente crítico (Van 6 den Berghe et al., 2001; Ouattara et al., 2005). O aumento da produção de glicose pelo organismo ocorre as custas de proteólise com gliconeogênese e catabolismo da massa magra. O balanço nitrogenado negativo leva a redução da capacidade de formação tecidual, inclusive tecido cicatricial, e diminuição da massa muscular e visceral com esgotamento da reserva energética de glicogênio. A sobrecarga intracelular de glicose, na vigência de um estado pró-inflamatório com hiperglicemia, traz consigo repercussões potencialmente negativas à célula (Van den Berghe, 2004). Em condições normais, existe uma autorregulação da captação celular de glicose que controla a entrada do carbohidrato na hiperglicemia crônica (Ljungqvist et al., 2005). No entanto, sob influência de citocinas inflamatórias e hipoxia tecidual, esse mecanismo encontra-se comprometido dificultando a regulação negativa (feedback) de transportadores de glicose na membrana plasmática. O excesso de glicose intracelular resultante leva a uma situação de estresse oxidativo com interferência na produção mitocondrial de adenosina trifosfato e acúmulo de compostos tóxicos (Van den Berghe, 2004). Tais alterações desencadeiam disfunções celulares com consequências adversas à própria célula e tecidos contribuindo na perpetuação do estado patológico e na ocorrência de complicações clínico-cirúrgicas. Além da resposta metabólica evocada, variações importantes da volemia, débito cardíaco e resistência vascular, com consequente impacto no fluxo sanguíneo orgânico, são eventos comuns nas cirurgias cardíacas. Inadequações da perfusão tecidual no perioperatório, por sua vez, estão associadas a um aumento significativo da morbimortalidade pós-operatória (Ljungqvist et al., 2005). Ao contrário de pacientes adultos, situações de hipoperfusão são difíceis de identificar em pediatria pela indisponibilidade de monitores hemodinâmicos validados e confiáveis para mensuração do débito cardíaco e estimação da volemia nessa população. Dificuldades relacionadas ao tamanho de cânulas vasculares associadas a complicações e incertezas de resultados com diversas técnicas de monitoração do fluxo sanguíneo, como cateter de artéria pulmonar e debímetros minimamente invasivos, limitam o seu emprego em crianças, particularmente as mais jovens (Duke et al., 1997). Ainda que o cateterismo de artérias para medição contínua da pressão arterial no perioperatório seja rotineiramente empregado, mesmo em prematuros, hipotensão costuma ser um sinal tardio e pouco confiável de baixo débito cardíaco (Duke et al., 1997). A normalização dos níveis tensionais, por si, não implica em ressucitação adequada nessas situações (Wo et al., 1993). Sinais clínicos como diurese, palidez e gradientes de temperatura central-cutânea são igualmente imprecisos na cirurgia cardíaca pediátrica (Duke et al., 1997). Outros marcadores, portanto, se fazem necessários para avaliação da adequação do fluxo sanguíneo tecidual e a mensuração do nível sérico de lactato arterial é um dos mais utilizados para essa finalidade por sua facilidade de coleta e ampla disponibilidade. A hipoperfusão tecidual é caracterizada por um fluxo sanguíneo inadequado à demanda metabólica do tecido gerando um estado de hipóxia celular. Na tentativa de manter a viabilidade, a célula privada de oxigênio mantém a produção de energia por glicólise anaeróbica, via metabólica existente em todas as células vivas do organismo. Os demais substratos energéticos, como ácidos graxos, corpos cetônicos e lactato, dependem de vias oxidativas do ciclo de Krebs, portanto, contam com a presença de oxigênio para gerar energia, razão teórica pela qual a REMT aumenta a disponibilidade de glicose em situações de estresse orgânico. O metabólito final da glicólise anaeróbica é o piruvato, com saldo de duas moléculas de adenosina trifosfato (ATP) e redução de duas moléculas de nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD → NADH + H+) para cada molécula de glicose. Tal via enzimática depende da manutenção de níveis citosólicos de NAD oxidado, que é habitualmente restaurado na mitocôndria na fase oxidativa da glicólise aeróbica. No entanto, na privação de oxigênio, o aumento da demanda glicolítica esgota rapidamente os estoques intracelulares de NAD oxidado levando à interrupção da via metabólica. Para que a produção de ATP se mantenha nessa situação, o excesso de piruvato formado é reduzido a lactato pela lactato desidrogenase com a re-oxidação do NADH + H+, possibilitando a manutenção do ciclo (Beattie, 2007). Assim, o aumento do lactato circulante pode ser 7 um indicador de um estado metabólico de hipóxia celular por várias causas, inclusive hipoperfusão tecidual. Na maioria das situações clínicas, o nível arterial desse metabólito é utilizado como marcador por representar a mistura do retorno venoso sistêmico, já que não se acredita haver uma metabolização significante na circulação pulmonar (Vincent, 1996). Há muito tempo se sabe que, entre pacientes críticos, a hiperlactatemia arterial na admissão em unidade de terapia intensiva está associada a uma maior ocorrência de eventos mórbidos, inclusive morte (Vincent et al., 1983). A tendência temporal dessa elevação em medidas seriadas é um preditor ainda mais confiável da evolução clínica, com maior mortalidade entre os pacientes que persistem hiperlactatêmicos (Abrasom et al., 1993). Mesmo entre os pacientes considerados hemodinamicamente estáveis no pós-operatório de cirurgias de alto risco (níveis tensionais normais sem drogas vasoativas e com débito urinário superior a 0,5ml/Kg/h), a morbimortalidade é significativamente maior no grupo que se apresenta com lactato arterial elevado (Meregalli et al., 2004). No caso específico de cirurgia cardíaca, a maioria dos estudos apresenta resultados semelhantes aos mencionados, tanto em adultos quanto em crianças (Duke et al., 1997; Maillet et al., 2003; Cheung et al., 2005). Marcadores biológicos de lesão são fundamentais na identificação de pacientes e situações com maior risco. Um marcador ideal deve apresentar não só confiabilidade comprovada, como variação proporcional com a magnitude do evento a ser identificado. Deve, também, refletir a efetividade de intervenções médicas, permitindo avaliações constantes do paciente e eventuais mudanças na condução do caso. Para isso, medidas seriadas são indispensáveis e fatores como baixo risco de obtenção do marcador e custo do mesmo são definidores de seu uso na prática clínica. Outro elemento a ser considerado é a precocidade do marcador na sinalização do evento adverso. Em situações de lesões reversíveis, o tratamento precoce do dano aumenta as possibilidades de intervenção em tempo hábil com maiores chances de um melhor resultado (Ray et al., 2010). Pacientes pediátricos, assim como pacientes adultos, apresentam diversas alterações fisiopatológicas no curso de uma cirurgia cardíaca. O procedimento, por si, constitui um importante fator de desencadeamento da resposta neuroendocrinometabólica ao trauma com modificações significativas na hemodinâmica e homeostasia corporal. Dentre essas alterações, destacam-se um estado pró-inflamatório e potenciais inadequações do fluxo sanguíneo tecidual por razões previamente descritas. A magnitude dessa resposta é diretamente proporcional ao grau de estresse orgânico (Bone, 1992) sendo esperado que as diversas alterações observadas, inclusive a elevação da glicemia e do lactato arterial, se comportem de forma equivalente marcado situações com maior risco clínico-cirúrgico. Estudos em adultos que investigaram a elevação intra-operatória da glicemia e do lactato arterial em cirurgia cardíaca evidenciaram uma correlação positiva com morbimortalidade pós- operatória tanto em indivíduos diabéticos como em não diabéticos (Kalyanaraman et al., 2008; Maillet et al., 2003). Pacientes que mantinham níveis glicêmicos mais elevados durante a cirurgia cursaram com maiores taxas de complicações como morte, infecção, distúrbios neurológicos, cardíacos e renais (Lazar et al., 2004; Gandhi et al., 2005; Ouattara et al., 2005). Tanto em análises retrospectivas quanto prospectivas, a glicemia intra-operatória e o lactato arterial demonstraram ser marcadores independentes de mal prognóstico. No pós-operatório, o controle intensivo da hiperglicemia com insulinoterapia venosa contínua reduziu de forma significativa a morbimortalidade (Van den Berghe et al., 2001; Finney et al., 2003). Quanto ao impacto prognóstico do controle ativo da hiperglicemia no intra-operatório, resultados controversos são encontrados na literatura (Lazar et al., 2004; Ouattara et al., 2005; Gandhi et al., 2007). Espera-se que, à semelhança de adultos, a elevação da glicemia e do lactato arterial em crianças sejam marcadores biológicos precoces de evolução clínico-cirúrgica, possibilitando a identificação de grupos de risco ainda no intra-operatório. A interpretação e o manejo dessas 8 alterações, no entanto, são adaptações de conclusões e observações generalizadas sem a devida comprovação em pediatria. Para que o conhecimento continue contribuindo na evolução e melhoria de resultados, mais estudos voltados para a população em questão se fazem necessários, levando-se em conta as especificidades da anestesia para cirurgia cardíaca pediátrica, com perspectivas de novos marcadores prognósticos e objetivos terapêuticos. OBJETIVOS O estudo proposto tem como objetivo primário correlacionar os níveis de glicemia e de lactato arterial no período perioperatório de crianças submetidas a cirurgia cardíaca e a ocorrência de complicações e morte no período pós-operatório. Como objetivo secundário, comparar os níveis intraoperatórios de glicemia e lactato arterial em diferentes condições perioperatórias: prematuridade, faixa etária, caráter e risco da cirurgia, tipo de anestesia e utilização de circulação extracorpórea. MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospectivo com dados obtidos a partir da revisão de prontuários de todos os pacientes pediátricos (idade menor que 16 anos) submetidos a cirurgia para correção de patologias cardíacas no período de 2006 a 2008 nos hospitais São Rafael e Ana Neri em Salvador – Bahia. Inicialmente, uma totalidade de 186 casos foi levantada a partir do registro de procedimentos dos centros cirúrgicos e equipe de cirurgia, sendo que 26 deles foram excluídos pelas seguintes razões: falta de informações suficientes para coleta de dados (10 casos), incapacidade de localização do prontuário pelo serviço de arquivamento dos hospitais (4 casos) ou por se tratar de procedimentos não relevantes à natureza do trabalho, como drenagem pericárdica, acessos vasculares, cateterismo cardíaco e cirurgias combinadas com outras especialidades (12 casos). Após aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa Médica das instituições envolvidas, um ficha padronizada (anexo 1) foi empregada para coleta de dados a partir de informações recuperadas em prontuário referentes a aspectos demográficos, clínicos, cirúrgicos e laboratoriais. A ficha foi subdividida nos períodos distintos do perioperatório (pré-operatório, intra-operatório e pós-operatório) para facilitar a busca de dados em diferentes partes do registro médico, laboratorial, de enfermagem e de fisioterapia. Quanto às condições pré-operatórias foram coletadas informações referentes ao gênero, idade, prematuridade, peso, cardiopatia primária (com maior impacto clínico na criança), doenças associadas (inclusive cardiopatias secundárias), presença de cianose, hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva ou ventilação mecânica antes da cirurgia e caráter do procedimento (eletivo ou emergencial). Foram levantados também as medicações em uso (diuréticos, beta-bloqueadores, digitálicos, antagonistas da angiotensina, prostaglandina E2, milrinona, dobutamina, dopamina, noradrenalina, adrenalina, nitroprussiato, amiodarona, corticóides e/ou outras clinicamente relevantes) e os últimos exames laboratoriais do pré-operatório: hemoglobina e hematócrito, contagem de plaquetas, leucograma, tempo de protrombina (TP) em segundos, tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) em segundos, glicemia de jejum, uréia e creatinina séricas. 9 Do intra-operatório foram coletadas informações referentes ao ato anestésico como: tipo de anestesia (geral ou geral com bloqueio subaracnóideo) e sua duração, anestésico(s) de manutenção (sevoflurano, isoflurano, halothano, cetamina e/ou propofol), opióide(s) utilizado(s) (fentanil, sufentanil, remifentanil, morfina intratecal ou nenhum) e bloqueador(es) neuromuscular empregado(s) (rocurônio, atracúrio, cisatracúrio, pancurônio ou nenhum). Quanto ao procedimento, foram analisados: cirurgia realizada e sua duração, dados referentes à circulação extracorpórea (utilização ou não da mesma, tempo total em máquina e tempo de clampeamento aórtico), administração de hemocomponentes (concentrado de hemácias, plasma, crioprecipitado e/ou concentrado de plaquetas) e se houve hemotransfusão maciça (volume total de transfusão de hemocomponentes maior que uma volemia estimada – 80ml/Kg de peso). Outros elementos levantados no intra-operatório foram: o balanço hídrico final (volume total de líquido aportado menos perdas insensíveis, diurese, transudatos e sangramento), o balanço de sangue (volume total de hemocomponentes administrados menos sangramento estimado), a utilização de outras medicações não anestésicas (adrenalina, noradrenalina, dobutamina, milrinona, dopamina, nitroprussiato, insulina e corticoesteróides) e a administração de glicose em qualquer forma ou diluição. Os exames laboratoriais do período foram efetuados em processador automático de gasometria (Radiometer Medical ABL 700, Copenhagen), mesma marca e modelo nos dois hospitais pesquisados, com amostras sanguíneas colhidas a partir do sistema de pressão arterial invasiva ou da linha arterial da circulação extra-corpórea. O referido gasômetro mensura não só o perfil gasométrico da amostra (pH, PCO2, PO2, HCO3 - e BE), como nível glicêmico, eritrograma (hematócrito e hemoglobina), lactatemia e eletrólitos (sódio, potássio, cálcio e cloro). Devido à grande variabilidade de número e momentos das amostras intra-operatórias, foram registrados os valores iniciais, máximos e as médias dos valores de hemoglobina, glicemia, lactato, excesso de base e sódio observados na cirurgia. Do período pós-operatório foram analisados o tempo total de ventilação mecânica em horas, o tempo de internamento na UTI e no hospital em dias, as medicações vasoativas e inotrópicas em uso na admissão da UTI (adrenalina, noradrenalina, dopamina, dobutamina, milrinona e nitroprussiato) e a utilização de hemocomponentes na primeira semana após a cirurgia (concentrado de hemácias, plasma, crioprecipitado e concentrado de plaquetas). Quanto aos exames laboratoriais, foram levantados os valores de admissão da UTI e os valores do primeiro dia pós-operatório de hemoglobina, leucograma, contagem plaquetária, TP (segundos), TTPa (segundos), glicemia capilar (primeira dosagem após admissão e média das dosagens do 1º dia pós-operatório), lactato arterial, excesso de base, uréia e creatinina séricas. As unidades de terapia intensiva dos hospitais em questão não dispunham do gasômetro previamente especificado, portanto, foram utilizadas na análise as dosagens de rotina no laboratório central das instituições. No caso específico do lactato, a mesma unidade (mmol/l) e faixa de normalidade (valor normal até 1,5mmol/l, limítrofe 1,5 a 2,0 mmol/l e elevado acima de 2,0 mmol/l) foram consideradas. As dosagens de glicemia do pós-operatório foram obtidas a partir de análise da amostra sanguínea em glicosímetros digitais de alta confiabilidade com fita reagente pelo método da glicose oxidase com coeficiente de correlção > 95% em relação ao método laboratorial tradicional (Chen et al., 2003; Mira et al., 2006). O valor médio da glicemia capilar no 1º dia pós-operatório foi empregado na análise por conta da variabilidade do horário de dosagem (habitualmente realizadas 4 vezes ao dia mas sem relação clara com horário de admissão do paciente na UTI). As unidades nos hospitais estudados tinham como rotina jejum oral de pelo menos 24 horas após a cirurgia com administração de glicose (taxa de infusão entre 5 e 10mg/Kg/minuto) na solução venosa de reposição hidroeletrolítica nesse ínterim. Por não haver uma padronização formal para um controle de glicêmico nas instituições, insulinoterapia era empregada conforme discrição do médico plantonista. A ocorrência de complicações no pós-operatório foi avaliada conforme descrição de eventos em evolução médica na UTI ou enfermaria. Foram consideradas na análise, aquelas que ocorreram até a alta hospitalar do paciente, distribuídas em grupos correlatos (morte, infecção, hipoglicemia, 10 complicações neurológicas, complicações renais, complicações cardíacas, complicações pulmonares e complicações hematológicas) conforme definições a seguir. Infecção: as situações de pneumonia (achados clínicos compatíveis, infiltrado radiológico ou cultura positiva de secreções pleuro-pulmonares), mediastinite (envolvimento de músculo, osso e outros tecidos do mediastino com requerimento de drenagem de secreção ou debridamento cirúrgico), infecção ferida operatória (envolvimento de pele e sub-cutâneo com secreção em ferida), infecção urinária (piúria ou urocultura positiva) e sepse (sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica com suspeita clínica de infecção ou hemocultura positiva) além de situações de incerteza de sítio infeccioso mas com requerimento de antibioticoterapia. Hipoglicemia: valores confirmados de glicemia abaixo de 50mg/dl, sintomática ou não. Complicações neurológicas: coma (rebaixamento persistente do nível de consciência sem sedação por pelo menos 48 horas), convulsão (episódio relatado em prontuário de crise convulsiva com ou sem requerimento de medicação para controle), déficit neurológico (déficit cognitivo, sensitivo ou motor, previamente inexistente, sustentados por mais de 72 horas) e acidente vascular cerebral (evidência tomográfica de isquemia ou sangramento encefálico). Complicações renais: insuficiência renal aguda (elevação maior ou igual a 2 vezes o valor basal da creatinina sérica) e/ou requerimento de diálise. Complicações cardíacas: arritmias (episódios documentados ou relatados de fibrilação ou flutter atrial, taquiarritmias supraventriculares, taquicardia ou fibrilação ventricular), bloqueio atrio-ventricular total (dissociação de ondas P e complexo QRS no eletrocardiograma e/ou uso de marcapasso para elevação da freqüência cardíaca), tamponamento cardíaco (documentado em ecocardiograma ou com necessidade de descompressão cirúrgica), uso prolongado de droga vasoativa (período superior a 24 horas com infusões acima de 15mcg/Kg/min de dopamina ou qualquer valor de infusão contínua de noradrenalina e/ou adrenalina), uso prolongado de droga inotrópica (período superior a 24 horas com infusões até 15mcg/Kg/min de dopamina ou qualquer valor de infusão contínua de dobutamina ou milrinona), baixo débito cardíaco (evidências clínico-laboratoriais de má perfusão orgânica por insuficiência cardíaca associadas a sinais ecográficos compatíveis como dilatação de câmaras cardíacas, fração de ejeção abaixo de 40% e redução de contratilidade ventricular) e hipertensão arterial sistêmica com requerimento de nitroprussiato de sódio para controle pressórico por um período superior a 24 horas. Complicações pulmonares: embolia pulmonar (suspeita clínica com anticoagulação terapêutica e/ ou sinais tomográficos compatíveis), edema pulmonar (redução da relação PaO2/FiO2 associada a imagem radiológica sugestiva e elevação de pressões de enchimento como pressão venosa central e pressão de átrio esquerdo), ventilação mecânica por mais que 24 horas no pós-operatório e lesão pulmonar aguda (relação PaO2/FiO2 inferior a 300 com infiltrado radiológico difuso sem elevações das pressões de enchimento). Complicações hematológicas: coagulopatia (tempos de protrombina e tromboplastina parcial ativada superior a 2 vezes o valor normal e ou fibrinogênio menor que 11 100mg/dl e ou contagem plaquetária inferior a 80.000/mm3), eventos hemorrágicos com ou sem coagulopatia (sangramento em sítio cirúrgico ou pontos de acesso vascular, hematúria e alta vazão de sangue em drenos cirúrgicos conforme avaliação da unidade) e necessidade de retorno ao centro cirúrgico para revisão de hemostasia. O efeito da glicemia e lactato sobre a chance de complicação e morte foi estimado por meio da razão de chances seguido de seu intervalo de confiança de 95%. As comparações entre diferentes faixas de glicemia e lactato, assim como a ocorrência de hipoglicemia pós-operatória, sobre o percentual de complicação e morte foram feitas pelo teste exato de Fisher. As diferenças entre emprego de circulação extracorpórea e ocorrência de complicações em diferentes grupos de risco foram analisadas pelo cálculo do chi quadrado. As comparações das diferentes médias de glicemia e lactato de acordo com prematuridade, tipo de anestesia, caráter da cirurgia e utilização de circulação extracorpórea foram feitas pelo teste de Mann-Whitney. As comparações das diferentes médias de glicemia e lactato conforme a faixa etária e risco cirúrgico foram feitas pelo teste de Kruskall-Wallis. Efeitos e diferenças foram considerados estatisticamente significantes se p < 0,05. 12 RESULTADOS Tabela 1 – Dados demográficos com a mediana, 1º e 3º quartis da idade (meses) e peso (Kg) e frequência absoluta e relativa do gênero masculino VARIÁVEL VALORES Idade 36 ( 8 / 96 ) meses Peso 13 ( 6,23 / 22,15 ) Kg Gênero 85 masculinos ( 53 % ) Tabela 2 – Dados das condições clínicas pré-operatórias dos pacientes com frequência absoluta e relativa do caráter da cirurgia, prematuridade, cianose, hiperfluxo pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, ventilação mecânica pré-operatória e uso pré-operatório de corticoesteróide. CONDIÇÃO CLÍNICA PRÉ-OPERATÓRIA FREQUÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA Caráter da cirurgia Eletivas – 130 ( 81% ) Emergenciais – 30 ( 19% ) Prematuridade Prematuros – 5 ( 3% ) A termo – 155 ( 97% ) Cianose Não – 111 ( 70% ) Sim – 48 ( 30% ) Hiperfluxo pulmonar Não – 63 ( 39% ) Sim – 97 ( 61% ) Insuficiência cardíaca congestiva Não – 88 ( 55% ) Sim – 72 ( 45% ) Ventilação mecânica Não – 150 (94% ) Sim – 10 ( 6% ) Uso pré-operatório de corticoesteróide Não – 154 (96% ) Sim – (4% ) 13 Tabela 3 – Frequências absolutas e relativas dos tipos de cardiopatias primárias. CARDIOPATIA PRIMÁRIA FREQUÊNCIA ABSOLUTA FREQUÊNCIA RELATIVA Persistência do canal arterial 27 16,9 % Tetralogia de Fallot 25 15,6 % Doenças valvulares 17 10,6 % Defeito do septo atrial 17 10,6 % Defeito do septo ventricular 14 8,8 % Defeito do septo atrioventricular 14 8,8 % Coarctação de aorta 9 5,6 % Defeitos dos septos atrial e ventricular 8 5,0 % Drenagem anômala de veias pulmonares 8 5,0 % Transposição de grandes artérias 7 4,3 % Outras cardiopatias 14 8,8% Tabela 4 – Frequências absolutas e relativas de doenças associadas. DOENÇA ASSOCIADA FREQUÊNCIA ABSOLUTA FREQUÊNCIA RELATIVA Nenhuma 70 43,7 % Cardiopatia secundária 25 15,6 % Trissomia do 21 (Down) 18 11,2 % Desnutrição 17 10,6 % Doença reumática 9 5,6 % Hipertensão arterial sistêmica 7 4,3 % Síndromes genéticas 6 3,7 % Outras 8 5,0 % 14 Tabela 5 – Frequências absolutas e relativas dos tipos de procedimentos cirúrgicos. CIRURGIA FREQUÊNCIA ABSOLUTA FREQUÊNCIA RELATIVA Correção de persistência do canal arterial 27 16,8 % Bandagem da artéria pulmonar 19 11,8 % Correção de defeito do septo atrial 17 10,6 % Troca ou plastia valvular 17 10,6 % Anastomose sistêmico-pulmonar (Blalock) 16 10,0 % Correção de defeito do septo ventricular 13 8,1 % Correção de Tetralogia de Fallot 12 7,5 % Correção de coarctação de aorta 10 6,2 % Anastomose cavo-pulmonar (Glenn) 8 5,0 % Correção de drenagem anômala de veias pulmonares 8 5,0 % Correção de defeito do septo atrioventricular 4 2,5 % Outras 9 5,6 % Tabela 6 – Frequências absolutas e relativas do tipo de anestesia e da utilização de circulação extracorpórea, hemocomponentes, glicose, insulina e corticoesteróides no intraoperatório. CONDIÇÃO INTRAOPERATÓRIA FREQUÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA Tipo de anestesia Geral - 123 ( 76,8 % ) Geral / Subaracnoídea - 35 (21,8 % ) Circulação extracorpórea Não – 83 ( 51,9 % ) Sim - 77 ( 48,1 % ) Transfusão intraoperatória Não – 60 ( 37,5 % ) Sim - 100 ( 62,5% ) Administração de glicose Não – 152 (96,2 % ) Sim - 6 ( 3,8 % ) Administração de insulina Não – 147 ( 91,9 % ) Sim - 13 ( 8,1 % ) Administração de corticoesteróides Não – 83 (51,9 % ) Sim - 77 ( 48,1 % ) 15 Tabela 7 – Mediana, 1º e 3º quartis da duração da anestesia (minutos), duração da cirurgia (minutos), diurese intraoperatóra (ml/h), balanço hídrico (ml), balanço de sangue (ml) e dos tempos de circulação extracorpórea (minutos) e clampeamento aórtico (minutos). VARIÁVEL VALORES Duração da anestesia 240 (180 / 303 ) Duração da cirurgia 140 ( 80 / 206 ) Diurese intraoperatória 3,67 (2,0 / 5,5 ) Balanço hídrico + 140 ( -25 / +300 ) Balanço de sangue +20 ( -140 / +120 ) Tempo de circulação extracorpórea * 70 ( 45 / 107 ) Tempo de clampeamento aórtico * 55 ( 30 / 80 ) * Nas cirurgias com circulação extracorpórea. Tabela 8 – Frequências absolutas e relativas de óbitos, eventos combinados (óbito e/ou complicação de qualquer tipo) e complicações cardiovasculares, respiratórias, infecciosas, neurológicas, renais, metabólicas e hematológicas ocorridas no pós-operatório. COMPLICAÇÃO POSOPERATÓRIA FREQUÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA Óbito 18 ( 11,3 % ) Complicações infecciosas 52 ( 32,5% ) Complicações cardiovasculares 67 ( 41,9% ) Complicações respiratórias 61 ( 38,1 % ) Complicações renais 25 ( 15,6% ) Complicações neurológicas 11 ( 6,9 % ) Complicações hematológicas 65 ( 40,6 % ) Hipoglicemia 19 ( 11,9% ) Eventos combinados (óbito e/ou complicação) 123 (76,9 % ) 16 Tabela 9 – Médias e desvios padrões da glicemia (mg/dl) perioperatória, com valores de significância da diferença (p) e razão de chances (OR), conforme desfecho dos pacientes (óbito x sobrevida). MOMENTO GLICEMIA CONFORME DESFECHO PERIOPERATÓRIO SOBREVIDA ÓBITO p OR Pré-operatória 83,2 ± 20,2 84,1 ± 20,9 0,868 1,002 Inicial do intraoperatório 99,7 ± 24,2 91,9 ± 28,8 0,211 0,986 Média dos valores do intraoperatório 131,1 ± 34,8 138,5 ± 41,5 0,412 1,006 Valor máximo do intraoperatório 164,5 ± 56,6 182,3 ± 69,1 0,226 1,005 Admissão na Unidade de Terapia Intensiva 129,6 ± 51,3 159,1 ± 109,7 0,079 1,007 Valor médio do 1º dia pós-operatório 121,7 ± 38,8 141,4 ± 81,6 0,128 1,009 Figura 1 – Valores médios da glicemia (mg/dl) do perioperatório conforme desfecho dos pacientes (óbito x sobrevida). Comentário geral – Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas na glicemia em diferentes momentos do perioperatório entre os grupos de pacientes que sobreviveram ou não no pós-operatório. 17 Tabela 10 – Médias e desvios padrões da glicemia (mg/dl) perioperatória, com valores de significância da diferença (p) e razão de chances (OR), conforme evolução dos pacientes no pós-operatório (ocorrência de complicação). MOMENTO GLICEMIA CONFORME EVOLUÇÃO PERIOPERATÓRIO SEM COMPLICAÇÃO COM COMPLICAÇÃO p OR Pré-operatória 81,5 ± 13,7 83,8 ± 21,9 0,543 1,006 Inicial do intraoperatório 96,6 ± 22,5 98,8 ± 25,5 0,976 1,000 Média dos valores do intraoperatório 118,2 ± 29,8 136,3 ± 36,2 0,010 1,017 Valor máximo do intraoperatório 136,1 ± 42,7 176,0 ± 59,3 0,001 1,017 Admissão na Unidade de Terapia Intensiva 133,3 ± 43,4 132,1 ± 63,7 0,918 1,000 Valor médio do 1º dia pós-operatório 114,6 ± 27,5 126,1 ± 47,7 0,169 1,007 Figura 2 – Valores médios da glicemia (mg/dl) do perioperatório conforme evolução dos pacientes no pós-operatório (ocorrências de complicação). Comentário geral – A glicemia média e o pico glicêmico do intraoperatório foram significativamente mais elevadas nos pacientes que apresentaram complicação pós-operatória. Os demais valores não apresentaram diferenças estatisticamente significantes. 18 Tabela 11 – Médias e desvios padrões do lactato arterial (mmol/ml) perioperatório, com valores de significância da diferença (p) e razão de chance (OR), conforme desfecho dos pacientes (óbito x sobrevida). MOMENTO LACTATO CONFORME DESFECHO PERIOPERATÓRIO SOBREVIDA ÓBITO p OR Inicial do intraoperatório 0,97 ± 0,68 1,22 ± 0,74 0,181 1,433 Média dos valores do intraoperatório 1,64 ± 1,06 2,98 ± 2,14 0,002 1,715 Valor máximo do intraoperatório 2,35 ± 1,82 4,9 ± 3,74 0,000 1,418 Admissão na Unidade de Terapia Intensiva 1,88 ± 1,32 3,21 ± 2,48 0,003 1,477 Valor do 1ºdia pós-operatório 1,39 ± 1,05 5,80 ± 5,71 0,000 1,984 Figura 3 – Valores médios do lactato arterial (mmol/l) do perioperatório conforme desfecho do paciente (óbito x sobrevida). Comentário geral – O valor do lactato arterial inicial da cirurgia não foi diferente entre os dois grupos. Os valores médio e máximo da cirurgia, assim como o lactato arterial de admissão na unidade de terapia intensiva e no 1º dia pós-operatório, foram significativamente mais elevados no grupo dos que foram a óbito quando comparados ao grupo dos que sobreviveram. 19 Tabela 12 – Médias e desvios padrões do lactato arterial (mmol/ml) perioperatório, com valores de significância da diferença (p) e razão de chances (OR), conforme evolução dos pacientes no pós-operatório (ocorrência de complicação). MOMENTO LACTATO CONFORME EVOLUÇÃO PERIOPERATÓRIO SEM COMPLICAÇÃO COM COMPLICAÇÃO p OR Inicial do intraoperatório 0,85 ± 0,27 1,04 ± 0,77 0,151 2,082 Média dos valores do intraoperatório 1,13 ± 0,37 2,02 ± 1,42 0,000 2,145 Valor máximo do intraoperatório 1,41 ± 0,55 3,05 ± 2,47 0,000 2,819 Admissão na Unidade de Terapia Intensiva 1,60 ± 0,96 2,14 ± 1,63 0,078 1,387 Valor do 1ºdia pós-operatório 0,974 ± 0,33 2,04 ± 1,62 0,003 1,703 Figura 4 - Valores médios do lactato arterial (mmol/l) do perioperatório conforme evolução dos pacientes no pós-operatório (ocorrência de complicação). Comentário geral – Os valores médio e máximo do lactato arterial na cirurgia, assim como o valor do 1º dia pós- operatório, foram significativamente mais elevados no grupo que cursou com complicação pós-operatória. Os valores iniciais da cirurgia e o de admissão na UTI não apresentaram diferenças significativas. 20 Tabela 14 – Médias e desvios padrões do valor máximo da glicemia intraoperatória (mg/dl), com valores de significância da diferença (p) e razão de chance (OR), conforme ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório. COMPLICAÇÃO GLICEMIA CONFORME OCORRÊNCIA DE COMPLICAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA NÃO SIM p OR Infecciosa 153,4 ± 49,4 191,9 ± 66,4 0,000 1,012 Cardiovascular 148,5 ± 45,5 187,9 ± 64,9 0,000 1,013 Respiratória 152,7 ± 55,8 186,2 ± 56,4 0,001 1,010 Renal 162,8 ± 57,3 181,8 ± 61,5 0,143 1,005 Neurológica 166,0 ± 57,2 167,2 ± 74,4 0,951 1,000 Hematológica 150,4 ± 54,9 186,6 ± 56,5 0,000 1,012 * Diferença com valor de p menor que 0,05 Figura 5 – Médias e desvios padrões superiores da glicemia máxima intraoperatória (mg/dl) conforme ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório. Comentário geral – Os pacientes que cursaram com complicações infecciosas, respiratórias, cardiovasculares ou hematológicas no pós-operatório apresentaram valores máximos de glicemia intraoperatória significativamente mais elevados que os pacientes que não complicaram. Os que cursaram com complicações neurológicas ou renais não apresentaram valores diferentes da glicemia. 21 Tabela 15 – Médias e desvios padrões do valor máximo do lactato arterial intraoperatório (mmol/l), com valores de significância da diferença (p) e razão de chance (OR), conforme ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório. COMPLICAÇÃO LACTATO CONFORME OCORRÊNCIA DE COMPLICAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA NÃO SIM p OR Infecciosa 2,26 ± 1,67 3,15 ± 2,47 0,016 1,23 Cardiovascular 1,78 ± 1,20 3,56 ± 2,36 0,000 1,99 Respiratória 1,91 ± 1,41 3,51 ± 2,35 0,000 1,65 Renal 2,17 ± 1,56 4,40 ± 2,80 0,000 1,57 Neurológica 2,49 ± 1,97 3,31 ± 2,21 0,198 1,17 Hematológica 1,89 ± 1,36 3,44 ± 2,35 0,000 1,67 * Diferença com valor de p menor que 0,05 Figura 6 – Médias e desvios padrões superiores do lactato arterial intraoperatório (mmol/l) conforme ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório. Comentário geral – Os pacientes que cursaram com complicações infecciosas, respiratórias, cardiovasculares, renais ou hematológicas no pós-operatório apresentaram valores máximos do lactato arterial intraoperatório significativamente mais elevados que os pacientes que não complicaram. Os que cursaram com complicações neurológicas não apresentaram valores diferentes do lactato arterial. 22 * Diferença do percentual de complicações entre as faixas 120-150 e 150-180mg/dl com significância estatística ( p 0,013). Demais faixas contíguas sem diferenças estatisticamente significantes. Figura 7 – Frequência relativa de complicações posoperatórias em diferentes grupos de pacientes subdivididos conforme faixas do valor máximo da glicemia intraoperatória (mg/dl) observada nos mesmos. Sem diferenças estatisticamente significantes entre faixas. Figura 8 – Frequência relativa de morte em diferentes grupos de pacientes subdivididos conforme faixas do valor máximo da glicemia intraoperatória (mg/dl) observada nos mesmos. Comentário geral – Valores máximos da glicemia intraoperatória acima de 150mg/dl estão positivamente associados com maior morbidade pós-operatória. Não há diferenças significativas de mortalidade em diferentes faixas de valor máximo da glicemia intraoperatória. 23 * Diferença do percentual de complicaçãoes entre as faixas < 1,5 e 1,5 – 2,0 com significância estatística ( p 0,05). Demais faixas contíguas sem diferenças estatisticamente significantes. Figura 9 – Frequência relativa de complicações posoperatórias em diferentes grupos de pacientes subdivididos conforme faixas de médias do valores de lactato arterial intraoperatório (mmol/l) observado nos mesmos. * Diferença de percentual estatisticamente significante entre as faixas < 1,5 e > 3,0 (p 0,019). Demais comparações de faixas sem significância estatística. Figura 10 – Frequência relativa de morte em diferentes grupos de pacientes subdivididos conforme faixas de médias de valores de lactato arterial intraoperatório (mmol/l) observado nos mesmos. Comentário geral – Médias de valores do lactato arterial intraoperatório acima de 1,5 mmol/l estão positivamente associados com maior morbidade pós-operatória. Pacientes que apresentaram média de lactato arterial intraoperatório menor que 1,5 mmol/l morreram significativamente menos que aqueles com valores acima de 3,0 mmol/l. * * 24 Tabela 16 – Frequências relativas, com nível de significância da diferença (p) e razão de chance (OR), das taxas de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas, hematológicas e óbito nos pacientes conforme ocorrência de hipoglicemia no pós-operatório. COMPLICAÇÃO FREQUÊNCIA RELATIVA DA COMPLICAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA SEM HIPOGLICEMIA POSOPERATÓRIA COM HIPOGLICEMIA POSOPERATÓRIA p OR INFECÇÃO 30,2 % 53,6 % 0,050 2,6 CARDIOVASCULAR 38,8 % 68,4 % 0,024 3,4 RESPIRATÓRIA 34,5 % 68,4 % 0,006 4,1 RENAL 11,5 % 47,4 % 0,000 8,1 NEUROLÓGICA 4,3 % 26,3 % 0,004 7,9 HEMATOLÓGICA 36,7 % 73,7 % 0,003 4,9 ÓBITO 7,2 % 31,6 % 0,005 5,9 * Diferença de percentual estatisticamente significante (p<0,05) Figura 11 - Frequências relativas de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas, hematológicas e óbito conforme ocorrência de hipoglicemia no pós- operatório. Comentário geral – Hipoglicemia pós-operatória apresentou associação positiva com maior ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas, hematológicas e óbito após cirurgia cardíaca pediátrica. * 25 Tabela 17 – Média e desvio padrão da glicemia máxima no intraoperatório (mg/dl), com nível de significância da diferença (p), conforme prematuridade, caráter da cirurgia, tipo de anestesia e utilização de circulação extracorpórea no procedimento. CONDIÇÃO PERIOPERATÓRIA GLICEMIA MÁXIMA INTRAOPERATÓRIA MÉDIA E DESVIO PADRÃO p Prematuridade Sim – 169 (± 23) Não – 166 (± 59) 0,504 Caráter da Cirurgia Emergencial – 178 (± 64) Eletiva – 163 (± 56) 0,264 Tipo de Anestesia Geral – 170 (± 66) Geral / Subaracnoídea - 165 (± 55) 0,890 Circulação extracorpórea Sim – 189 (± 57) Não – 142 (± 48) 0,000 Tabela 18 – Média e desvio padrão do lactato arterial máximo no intraoperatório (mmol/l), com nível de significância da diferença (p), conforme prematuridade, caráter da cirurgia, tipo de anestesia e utilização de circulação extracorpórea no procedimento. CONDIÇÃO PERIOPERATÓRIA LACTATO ARTERIAL MÁXIMO INTRAOPERATÓRIO MÉDIA E DESVIO PADRÃO p Prematuridade Sim – 2,1 (± 0,87) Não – 2,6 (± 2,3) 0,967 Caráter da Cirurgia Emergencial – 3,6 (± 3,8) Eletiva – 2,4 (± 1,6) 0,733 Tipo de Anestesia Geral – 2,4 (± 1,7) Geral / Subaracnoídea – 2,7 (± 2,4) 0,930 Circulação extracorpórea Sim – 3,5 (± 2,4) Não – 1,7 (± 1,7) 0,000 Comentário geral – Prematuridade, caráter da cirurgia e tipo de anestesia não influenciaram nos valores máximos da glicemia e do lactato intraoperatórios. Os procedimentos com circulação extracorpórea apresentaram maiores níveis dos mesmos que os procedimentos sem circulação extracorpórea. 26 Tabela 19 – Média e desvio padrão da glicemia máxima (mg/dl) e do lactato arterial máximo (mmol/l) intraoperatórios conforme a faixa etária. FAIXA ETÁRIA GLICEMIA MÁXIMA INTRAOPERATÓRIA MÉDIA E DESVIO PADRÃO LACTATO MÁXIMO INTRAOPERATÓRIO MÉDIA E DESVIO PADRÃO < 30 dias 186 (± 59) 3,4 (± 2,9) 1 a 12 meses 156 (± 62) 2,8 (± 3,4) 1 a 3 anos 170 (± 70) 2,2 (± 1,7) 3 a 8 anos 162 (± 55) 2,3 (± 1,35) > 8 anos 173 (± 44) 2,8 (± 2,2) * Nível de significância das diferenças de glicemia (p = 0,212) e lactato arterial (p = 0,060) conforme faixa etária Tabela 20 - Média e desvio padrão da glicemia máxima (mg/dl) e do lactato arterial máximo (mmol/l) intraoperatórios conforme o risco ajustado da cirurgia (RACHS - 1). RISCO CIRÚRGICO GLICEMIA MÁXIMA INTRAOPERATÓRIA MÉDIA E DESVIO PADRÃO LACTATO MÁXIMO INTRAOPERATÓRIO MÉDIA E DESVIO PADRÃO RACHS – 1 1 136 (± 41) 1,7 (± 1,3) RACHS – 1 2 210 (± 67) 3,9 (± 2,9) RACHS – 1 3 154 (± 39) 2,2 (± 1,6) * Nível de significância das diferenças de glicemia e lactato arterial conforme risco cirúrgico – p < 0,001 Tabela 21 – Frequências relativas de utilização de circulação extracorpórea e morbidade conforme o risco ajustado da cirurgia (RACHS - 1). RISCO CIRÚRGICO UTILIZAÇÃO DE CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA FREQUÊNCIA RELATIVA DE COMPLICAÇÕES RACHS – 1 1 28,0 % 56,0 % RACHS – 1 2 79,6 % 87,8 % RACHS – 1 3 39,7 % 84,5 % *Nível de significância CEC – RACHS 1 x RACHS 2 p < 0,001 / RACHS 2 x RACHS 3 p < 0,001 / RACHS 1 x RACHS 3 p = 0,271 *Nível de significância morbidade – RACHS 1 x RACHS 2 p < 0,001 / RACHS 2 x RACHS 3 p = 0,627 / RACHS 1 x RACHS 3 p = 0,001 Comentário geral – A faixa etária não influenciou nos valores máximos da glicemia e do lactato arterial intraoperatório. Tais valores, no entanto, apresentaram variação significativa de acordo com o risco cirúrgico estimado. Maiores taxas de utilização de circulação extracorpórea foram observados no grupo RACHS 2 e maiores taxas de complicações nos grupos RACHS 2 e 3. 27 Tabela 22 – Média e desvio padrão dos valores máximos de glicemia intraoperatória (mg/dl), com valores de significância da diferença (p), conforme ocorrência de óbito, eventos combinados e complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório de cirurgias com ou sem circulação extracorpórea (CEC). COMPLICAÇÃO GLICEMIA MÁXIMA INTRAOPERATÓRIA CONFORME EVOLUÇÃO OCORRÊNCIA TIPO CIRURGIAS COM CEC CIRURGIAS SEM CEC NÃO SIM p NÃO SIM p INFECÇÃO 176,2 ± 49,0 215,3 ± 66,3 0,010 130,09 ± 37,7 168,5 ± 59,0 0,006 CARDIOVASCULAR 171,5 ± 46,5 202,1 ± 62,4 0,028 134,0 ± 38,6 162,0 ± 62,7 0,036 Baixo débito cardiaco 176,5 ± 45,7 207,1 ± 68,7 0,031 137,8 ± 40,7 162,8 ± 70,8 0,094 Arritmia 190,2 ± 57,3 185,7 ± 60,1 0,764 139,2 ± 45,8 207,5 ± 64,5 0,023 Uso prolongado vasopressores 181,2 ± 56,3 207,2 ± 58,3 0,083 134,6 ± 37,3 169,8 ± 70,2 0,021 Uso prolongado inotrópicos 176,2 ± 47,9 203,9 ± 65,1 0,045 137,8 ± 41,1 161,2 ± 68,7 0,107 RESPIRATÓRIA 174,6 ± 58,2 204,0 ± 54,0 0,033 136,7 ± 48,6 157,2 ± 48,4 0,116 Edema pulmonar 185,4 ± 59,5 211,2 ± 39,9 0,196 138,6 ± 47,8 155,2 ± 51,7 0,216 Ventilação mecânica prolongada 179,3 ± 55,6 203,7 ± 58,8 0,081 141,2 ± 49,9 173,7 ± 14,3 0,216 RENAL 184,1 ± 55,7 207,9 ± 63,7 0,159 143,1 ± 49,8 142,6 ± 30,4 0,972 Insuficiência renal aguda 184,1 ± 55,7 207,9 ± 63,7 0,159 143,1 ± 49,8 142,6 ± 30,4 0,972 Diálise 186,6 ± 54,2 215,1 ± 91,9 0,252 143,1 ± 49,8 141,0 ± 21,2 0,951 NEUROLÓGICA 189,1 ± 54,8 185,6 ± 99,1 0,893 142,6 ± 49,8 148,8 ± 42,3 0,787 Coma 188,13 ± 55,1 203,2 ± 105,0 0,610 142,5 ± 49,6 161,0 ± 33,9 0,602 Déficit neurológico 188,4 ± 55,0 200,0 ± 124,5 0,734 142,5 ± 49,6 161,0 ± 33,9 0,602 HEMATOLÓGICA 182,12 ± 62,5 194,4 ± 53,8 0,362 130,04 ± 37,2 172,1 ± 59,9 0,004 Coagulopatia 183,7 ± 60,8 194,1 ± 54,9 0,441 130,7 ± 37,2 172,4 ± 61,4 0,005 Sangramento 183,5 ± 56,7 200,9 ± 59,5 0,232 141,9 ± 49,4 162,5 ± 45,3 0,421 ÓBITO 186,7 ± 54,1 203,6 ± 74,3 0,350 143,4 ± 50,7 139,6 ± 28,0 0,857 EVENTOS COMBINADOS 149,7 ± 50,6 198,3 ± 55,5 0,007 128,0 ± 35,6 149,0 ± 52,6 0,111 Comentário geral – Nas cirurgias com circulação extracorpórea, os pacientes que cursaram com infecção, baixo débito cardíaco, uso prolongado de inotrópicos e eventos combinados no pós-operatório apresentaram níveis de glicemia máxima do intraoperatório significativamente mais elevados que aqueles que não apresentaram tais complicações. Nas cirurgias sem circulação extracorpórea, os que cursaram com infecção, arritmia, uso prolongado de vasopressores e coagulopatia apresentaram níveis de glicemia máxima do intraoperatório significativamente mais elevados que os que não complicaram. 28 Tabela 23 – Média e desvio padrão dos valores máximos do lactato arterial intraoperatório (mmol/l), com valores de significânica da diferença (p), conforme ocorrência de óbito, eventos combinados e complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas e hematológicas no pós-operatório de cirurgias com ou sem circulação extracorpórea (CEC). COMPLICAÇÃO LACTATO MÁXIMO INTRAOPERATÓRIO CONFORME EVOLUÇÃO OCORRÊNCIA TIPO CIRURGIAS COM CEC CIRURGIAS SEM CEC NÃO SIM p NÃO SIM p INFECÇÃO 2,99 ± 1,72 4,11 ± 2,28 0,033 1,54 ± 1,27 2,26 ± 2,33 0,121 CARDIOVASCULAR 2,31 ± 0,93 4,14 ± 2,02 0,001 1,45 ± 1,25 2,53 ± 2,33 0,042 Baixo débito cardiaco 2,68 ± 1,41 4,34 ± 2,29 0,002 1,58 ± 1,34 2,59 ± 2,67 0,070 Arritmia 3,14 ± 2,04 3,82 ± 1,74 0,191 1,76 ± 1,76 2,27 ± 0,70 0,571 Uso prolongado vasopressores 2,88 ± 1,59 4,41 ± 2,36 0,006 1,54 ± 1,31 2,60 ± 2,57 0,050 Uso prolongado inotrópicos 2,61 ± 1,43 4,22 ± 2,19 0,002 1,51 ± 1,24 2,78 ± 2,69 0,031 RESPIRATÓRIA 2,28 ± 0,93 4,43 ± 2,17 0,000 1,66 ± 1,65 2,06 ± 1,88 0,367 Edema pulmonar 3,26 ± 1,99 3,87 ± 1,84 0,369 1,78 ± 1,76 1,85 ± 0,70 0,943 Ventilação mecânica prolongada 2,50 ± 1,21 4,62 ± 2,23 0,000 1,65 ± 1,60 2,15 ± 2,00 0,290 RENAL 2,94 ± 1,61 4,88 ± 2,51 0,003 1,49 ± 1,15 3,69 ± 3,18 0,008 Insuficiência renal aguda 2,94 ± 1,61 4,88 ± 2,51 0,003 1,49 ± 1,15 3,69 ± 3,18 0,008 Diálise 3,22 ± 1,89 4,71 ± 2,47 0,095 1,78 ± 1,74 2,05 ± 1,06 0,830 NEUROLÓGICA 3,25 ± 1,94 4,52 ± 2,19 0,185 1,74 ± 1,72 2,31 ± 1,82 0,447 Coma 3,25 ± 1,93 4,95 ± 2,27 0,118 1,72 ± 1,68 4,25 ± 1,90 0,095 Déficit neurológico 3,28 ± 1,92 4,66 ± 3,06 0,256 1,72 ± 1,68 4,25 ± 1,90 0,095 HEMATOLÓGICA 2,50 ± 1,31 3,99 ± 2,16 0,004 1,52 ± 1,27 2,42 ± 2,40 0,070 Coagulopatia 2,56 ± 1,26 4,10 ± 2,24 0,003 1,53 ± 1,26 2,43 ± 2,46 0,071 Sangramento 3,12 ± 1,89 3,82 ± 2,10 0,166 1,77 ± 1,76 2,05 ± 0,73 0,758 ÓBITO 3,13 ± 1,80 5,66 ± 3,54 0,009 1,65 ± 1,54 3,36 ± 2,87 0,045 EVENTOS COMBINADOS 1,65 ± 0,49 3,97 ± 2,50 0,001 1,26 ± 0,55 1,99 ± 1,97 0,134 Comentário geral – Nas cirurgias com circulação extracorpórea, os pacientes que cursaram com infecção, baixo débito cardíaco, uso prolongado de inotrópicos e vasopressores, ventilação mecânica prolongada, insuficiência renal aguda, coagulopatia, óbito e eventos combinados no pós-operatório apresentaram níveis de lactato arterial máximo do intraoperatório significativamente mais elevados que aqueles que não apresentaram tais complicações. Nas cirurgias sem circulação extracorpórea, os que cursaram com uso prolongado de vasopressores e inotrópicos, insuficiência renal aguda e eventos combinados apresentaram níveis de lactato arterial máximo do intraoperatório significativamente mais elevados que os que não complicaram. 29 DISCUSSÃO A cirurgia cardíaca pediátrica engloba um grande número de procedimentos, com finalidades curativas ou paliativas, realizados nos mais diversos tipos de cardiopatias congênitas e/ou adquiridas. A maior parte das cirurgias empreendidas, mesmo em hospitais de referência, se destina ao tratamento das doenças mais comuns na infância, como persistência do canal arterial ou comunicações intercavitárias. Habitualmente, as patologias mais frequentes são também as de mais simples correção com uma morbimortalidade associada relativamente baixa no contexto da cirurgia cardíaca pediátrica. O presente estudo analisou uma população mista de crianças com idade e peso variáveis (tabela 1) portadoras de enfermidades usualmente atendidas em um serviço de cardiologia pediátrica (tabelas 3 e 4) com situações pré-operatórias diversas (tabela 2). Foram analisados fatores referentes ao manejo anestésico e cirúrgico (tabela 6) assim como as condições do intraoperatório (tabela 7) e a taxa de complicações no pós-operatórios (tabela 8). Segundo a classificação de risco mais aceita na literatura para cirurgia cardíaca pediátrica (Risk Adjustment for Congenital Heart Surgery RACHS-1), os procedimentos realizados (tabela 5) apresentam risco baixo a intermediário de eventos adversos, com taxa de mortalidade de até 13,5% (Jenkins et al., 2002). Conforme apresentado na tabela 9 e na figura 1, os valores da glicemia nos diversos momentos do perioperatório não apresentaram diferenças significantes entre os pacientes que sobreviveram, ou não, no internamento hospitalar. Esse resultado contrasta com o obtido por Yates et al. (2006), que mostraram maior duração de hiperglicemia e maiores valores de pico glicêmico nas crianças que foram a óbito no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Breuer et al. (2005), também demonstraram valores mais altos da glicemia nas primeiras 24-48 horas pós-operatórias entre os pacientes pediátricos que faleceram, ainda que a os níveis de glicose não fossem preditores independentes de mortalidade em análise multivariável. Duncan et al. (2010), por sua vez, verificaram que hiperglicemia severa intra e pós- operatória (acima de 200mg/dl) estava associada a um risco 3 vezes maior de morte entre adultos, mesmo após correção para possíveis variáveis de confusão do perioperatório. No entanto, em um grande estudo retrospectivo por Polito et al. (2008), após ajuste de variáveis de gravidade clínica e cirúrgica, não foram encontradas diferenças nas médias glicêmicas intraoperatórias entre os pacientes que apresentaram, ou não, eventos combinados de morbimortalidade (infecção, lesão neurológica, dano hepático, requerimento de diálise e/ou oxigenador de membrana extracorpórea) no pós- operatório de cirurgia cardíaca congênita. Nesse mesmo estudo, a média glicêmica nas 72 horas pós- operatórias foi significativamente maior entre as crianças que cursaram com pelo menos um desses eventos. Ainda que, em adultos valores mais elevados de glicemia intraoperatória estejam associados a uma maior mortalidade em cirurgia cardíaca (Gandhi et al., 2005; Ouattara et al., 2005), pouco se sabe dessa relação na população pediátrica. A grande variabilidade de fatores de confusão como prematuridade, gravidade clínico-cirúrgica da lesão no coração e outros órgãos, tipo de procedimento, doenças associadas, entre outros, dificulta a obtenção de resultados conclusivos a respeito. No presente estudo, os dados referentes à glicemia intraoperatória e mortalidade pós-operatória são condizentes à literatura levantada na população pediátrica (Polito et al., 2008), refletindo o grande número de fatores que contribuem para hiperglicemia durante o procedimento cirúrgico, que não só aqueles determinantes de mal resultado. A administração de corticóides, por exemplo, é provavelmente um dos principais responsáveis pelo aumento da glicose sérica nas cirurgias com circulação extracorpórea e, embora apresente riscos inerentes de morbidade, também confere proteção contra complicações associadas à resposta inflamatória (Whitlock et al., 2008). Quanto a não diferença nos valores da glicemia no pós-operatório entre os pacientes que sobreviveram ou não à cirurgia, há uma discrepância 30 em relação aos dados de outros estudos. Tal ocorrência pode ser justificada pela opção de avaliação do pós-operatório imediato na análise efetuada (até 24 horas da cirurgia), sem extensão aos dias subsequentes como os outros trabalhos citados, o que, provavelmente, ainda refletia o impacto dos fatores de elevação glicêmica intraoperatória. Outra justificativa para o ocorrido é a diferença laboratorial relativamente estreita entre os valores máximos, de admissão e do 1º dia pós-operatório da glicemia entre as crianças sobreviventes e não sobreviventes e o baixa taxa de óbitos na população, o que necessitaria de um número maior de casos para estabelecer significância estatística. A figura 2 e tabela 10 mostram a variação perioperatória da glicemia entre os pacientes que evoluíram sem intercorrências e aqueles que cursaram com pelo menos uma das complicações previamente listadas no pós-operatório (Métodos). A média dos valores e o valor máximos encontrados durante a cirurgia apresentaram associação estatística positiva com a ocorrência de complicações que não foi evidenciada nas dosagens de admissão na UTI e na média do 1º dia pós-operatório. Tal resultado é o oposto do encontrado no trabalho previamente citado por Polito et al. (2008) no qual os autores não encontraram associação entre complicações graves e glicemia intraoperatória mas evidenciaram maiores níveis glicêmicos nas 72 horas pós-operatórias entre os que complicaram. Yates et al. (2006), Székely et al. (2005) e Falcao et al. (2008) também demonstraram níveis mais elevados de glicemia pós- operatória entre as crianças que cursaram com morbidades após cirurgia cardíaca. Rossano et al. (2008), no entanto, observaram que recém nascidos em recuperação de cirurgia para correção de transposição de grandes vasos que se mantinham por um período longo do 1º dia pós-operatório (maior que 50% do tempo) com a glicemia entre 80 e 110mg/dl apresentavam maior risco de eventos adversos que aqueles que se mantinham com níveis glicêmicos acima de 200mg/dl. Na população adulta, tanto no intra quanto no pós-operatório, hiperglicemia está consistentemente associada a uma maior taxa de complicações após cirurgia cardíaca (Van den Berghe et al., 2001; Gandhi et al., 2005; Ouattara et al., 2005; Duncan et al., 2010). A figura 7 evidencia um aumento significativo da ocorrência de complicações pós-operatórias nos pacientes que apresentaram valor máximo da glicemia intraoperatória acima de 150mg/dl. No entanto não se observou alteração na mortalidade em diferentes faixas de pico glicêmico intraoperatório, mesmo em valores elevados (acima de 250mg/dl), conforme mostrado na figura 8. Resultados semelhantes de morbidade foram evidenciados em adultos com pequenas variações no ponto de corte do valor da glicemia. Ouattara et al. (2005), em um trabalho intervencionista com objetivo de manter a glicemia entre 150 e 200mg/dl durante cirurgia cardíaca em indivíduos diabéticos, mostraram que pacientes com 4 dosagens consecutivas acima de 200mg/dl apresentavam risco significativamente maior de complicações pós-operatórias e morte. Os mesmos valores de média glicêmica intraoperatória, em cirurgias com circulação extracorpórea, também foram evidenciados por Duncan et al. (2010) como preditores independentes de má evolução com aumento em torno de 50% no risco de morbidade e 90% de mortalidade. Na análise retrospectiva conduzida por Gandhi et al. (2005), em cirurgias cardíacas com e sem circulação extracorpórea, houve uma relação linear na ocorrências de eventos adversos, inclusive morte, com elevação progressiva de 30% no risco de complicações para cada elevação de 20mg/dl na glicemia média intraoperatória. Na população pediátrica poucos estudos abordaram a relação entre valores de glicemia durante a cirurgia e a morbimortalidade pós-operatória. Polito et al. (2008) demonstraram em análise univariável que uma média glicêmica ponderada acima de 154mg/dl e valores de pico glicêmico acima de 200mg/dl no intraoperatório estavam associados a uma maior chance de eventos adversos no pós-operatório de cirurgias para correção de cardiopatias congênitas complexas em crianças. No entanto, ao ajustar os resultados para possíveis fatores que influenciam a recuperação pós-cirúrgica (prematuridade, tempo de circulação extracorpórea, tipo de cardiopatia e cirurgia realizada, comorbidades e necessidade de reintervenção), os autores não observaram qualquer relação entre hiperglicemia intraoperatória e complicações pós-operatórias. 31 A inconsistência de resultados referentes a morbidade e glicemia perioperatória na cirurgia cardíaca pediátrica pode ser explicada pela maior variabilidade de procedimentos cirúrgicos disponíveis e menor uniformidade de condição clínica pré-operatória nessa população, quando comparada a adultos. A determinação do ponto de corte da glicemia como marcador para diferenciação de grupos com maior ou menor risco de eventos adversos é importante para o planejamento terapêutico dos pacientes (Faustino & Apkon, 2005), no entanto, representa uma tarefa difícil de executar. Como previamente exposto, diversas variáveis de confusão devem ser levadas em conta na avaliação dos resultados com subdivisões da amostra para melhor análise. Os dados apresentados na tabela 10 e figura 2 dizem respeito à população geral estudada e, possivelmente, as diferenças encontradas nas medias dos valores e no valor máximo da glicemia no intraoperatório são explicadas pelo uso de corticóide, quase sempre atrelado à utilização de circulação extracorpórea. Esses dois fatores estão associados a complicações inerentes e habitualmente indicam situações clínico-cirúrgicas de maior risco requerendo uma análise específica dos subgrupos (tabela 22). Quanto à media do valor do 1º dia pós- operatório, que não se mostrou diferente nos pacientes com ou sem intercorrências, outras variáveis não controladas, como o uso de insulina ou taxa de administração de glicose na unidade de terapia intensiva, podem ter tido influência nos níveis glicêmicos dos dois grupos dificultando sua interpretação e comparação com a literatura. Os dados das figuras 7 e 8 também são resultantes de análise univariável da população geral e provavelmente refletem esses mesmos fatores de confusão citados. Na análise da curva perioperatória do nível arterial do lactato, é demonstrado nas tabelas 11 e 12 e figuras 3 e 4 que os pacientes que evoluíram com eventos adversos, inclusive morte, apresentaram valores mais elevados do marcador durante e após a cirurgia. Nas mesmas tabelas e figuras, os dois grupos iniciavam a cirurgia com valores semelhantes, mas se distanciaram ao longo do procedimento cirúrgico e assim se mantiveram até a última medida analisada no 1º dia pós-operatório. As figuras 9 e 10, por sua vez, indicam que os indivíduos com médias dos valores intraoperatórios do lactato arterial acima de 1,5 mmol/l e 3,0 mmol/l apresentaram maiores taxas de complicações e morte, respectivamente, que aqueles com valores na faixa normal (< 1,5 mmol/l). Os dados descritos são muito semelhantes aos resultados da maioria das análises realizadas com crianças submetidas a cirurgia cardíaca. Duke et al. (1997) demonstraram que níveis elevados de lactato arterial no pós-operatório imediato estavam associados a um maior risco de morte, parada cardíaca, falência de múltiplos orgãos e necessidade de reintervenção após procedimentos com circulação extracorpórea. No mesmo estudo, quando comparado com tonometria gátrica e avaliações hemodinâmicas seriadas com cateter de artéria pulmonar e medidas da saturação de oxigênio no sangue venoso misto, o lactato arterial se mostrou superior com maior poder de predição de complicações. Outros trabalhos descrevem de diferentes maneiras o emprego do lactato como marcador de evolução clínica e são concordantes quanto ao seu potencial de diferenciação de grupos com maior risco de complicações, mas quase todos focam suas apreciações no período pós-operatório ( Shemie et al., 1996; Cheifetz et al., 1997; Hatherill et al., 1997; Cheung et al., 2005; Kalyanaraman et al., 2008). No intraoperatório, em particular, Munoz et al. (2000) evidenciaram que os pacientes que sobreviveram sem complicações apresentavam níveis mais baixos de lactato durante a cirurgia, com menores variações do mesmo, quando comparado aqueles que não sobreviveram ou aqueles que sobreviveram mais apresentaram pelo menos uma complicação grave. Ainda que a elevação do lactato esteja consistentemente associada a um pior prognóstico, a determinação do ponto de corte capaz de diferenciar os grupos de risco apresenta uma grande variação na literatura. Em estudo prospectivo com seguimento de 18 meses, Cheung et al. (2005) mostraram que valores de lactato acima de 7mmol/l na admissão e acima de 8,0 mmol/l no 1º dia pós-operatório apresentavam sensibilidade e valor preditivo negativo elevados para ocorrência de óbitos e complicações após cirurgias cardíacas complexas em recém-nascidos. Shemie et al. (1996) descreveram sensibilidade de 75% e especificidade de 84% para complicações pós-operatórias com valores de 32 admissão na UTI acima de 5,0 mmol/l em procedimentos com parada circulatória total. Hatherill et al. (1997), por sua vez, encontraram baixos valores preditivos positivos com ponto de corte em 6,0 mmol/l, com ampla variação dos níveis de lactato arterial entre as crianças que foram a óbito ou sobreviveram, ainda que os primeiros apresentassem uma média mais alta que os últimos. Munoz et al. (2000) demonstraram sensibilidade de 82% e especificidade de 80% para mortalidade com valor preditivo positivo de 23% para elevações superiores a 3,0mmol/l, em relação ao nível sérico inicial, durante a circulação extracorpórea. O papel da elevação do lactato arterial como marcador de mal prognóstico, em pacientes adulto e pediátricos, é bem estabelecido na literatura. A hiperlactatemia está associada a uma maior morbimortalidade em diversas situações clínicas ou cirúrgicas e, habitualmente, sua intensidade e duração se correlacionam positivamente com a gravidade da condição (Shirey, 2007). Na tabela 11, observa-se que os níveis de lactato arterial de admissão na UTI, não só estavam mais elevados nos indivíduos que foram a óbito, como continuaram a se elevar no curso do 1º dia pós-operatório, ao contrário daqueles que sobreviveram. Esse fato é condizente com os dados de outros estudos mostrando que a capacidade de normalização do nível sérico desse marcador e a velocidade com que isso ocorre apresentam um melhor poder de predição de evolução no paciente crítico (Abrasom et al., 1993; Shirey, 2007). No entanto, a despeito de uma acurácia para mortalidade em cirurgia cardíaca pediátrica torno de 80%, o valor preditivo positivo de diferentes pontos de corte do lactato arterial é considerado baixo e não atinge 100% mesmo em níveis tão elevados quanto 15mmol/l (Cheung et al., 2005). Isso indica que a chance de sobrevivência nessas situações extremas existe, ainda que remota, e que o lactato é um marcador mais preciso quando utilizado de forma inversa, predizendo com maior acurácia a não ocorrência de complicações e morte quando seus valores não se elevam. As tabelas 17, 18, 19 e 20 mostram as médias dos valores máximos da glicemia e do lactato arterial conforme a condição perioperatória e a faixa etária. A análise dos valores não evidenciou diferenças significativas nessas médias conforme prematuridade, faixa etária, caráter emergencial ou eletivo do procedimento e tipo de anestesia empregada (geral ou geral com raquianestesia). A utilização de circulação extracorpórea na cirurgia, no entanto, esteve associada a maiores valores de pico do lactato arterial e da glicemia no intraoperatório. O risco cirúrgico estimado RACHS-1 (Jenkins et al., 2002) também apresentou influência nesses valores, com níveis mais baixos dos marcadores no grupo 1, constituído pelas operações de menor complexidade. Ainda que a classificação RACHS-1 categorize as cirurgias cardíacas pediátricas em seis grupos conforme mortalidade a curto prazo, a glicemia e o lactato arterial foram mais elevadas no grupo 2 (risco intermediário) que no grupo 3 (maior risco presumido). Essa ocorrência provavelmente reflete o maior emprego de circulação extracorpórea nas cirurgias do grupo 2 (Tabela 21), que concentrou os procedimentos intracavitários de longa duração, como correção total de tetralogia de Fallot. Na presente amostragem, o grupo 3 foi constituído principalmente por procedimentos vasculares de curta duração, sem circulação extracorpórea, com taxas de complicação semelhantes ao grupo 2 (Tabela 21), como cerclagem pulmonar e anastomoses sistêmico-pulmonares. A maioria dos trabalhos em cirurgia cardíaca pediátrica, ou mesmo em adultos, não descreve esses possíveis fatores de confusão ou emprega análise multivariável para ajuste dos resultados, sem menção do impacto isolado de cada um deles na glicemia ou lactato (Cheung et al., 2005; Székely et al., 2005; Polito et al., 2008; Falcao et al., 2008). Outros estudos focam em pacientes com uma determinada faixa etária e/ou tipo de cirurgia e costumam excluir os procedimentos realizados sem circulação extracorpórea (Yates et al., 2006; Rossano et al., 2008; Shemie et al., 1996). A hiperlactatemia no perioperatório de um procedimento cirúrgico habitualmente reflete um estado de metabolismo anaeróbico por déficit tecidual de oxigênio (Meregalli et al., 2004). Circulação extracorpórea, ainda que indispensável para realização de algumas cirurgias, pode desencadear uma 33 intensa resposta inflamatória sistêmica (Ascione et al., 2000) e induzir alterações importantes de temperatura, hematócrito e fluxo sanguíneo (Greeley et al., 2000) gerando situações de anaerobiose e elevação do lactato arterial. Abraham et al. (2010), em análise retrospectiva de procedimentos de baixo risco cirúrgico (correção de defeito do septo atrial tipo óstio secundum), avaliaram o impacto de variáveis da circulação extracorpórea na população pediátrica. O trabalho mostrou que índices de fluxos de bomba abaixo de 100ml/Kg/min estavam associados a uma razão de chance para ocorrência de hiperlactatemia de 7,67 com redução dessa razão em 0,8343 para cada elevação de 1 mmHg na pressão arterial média através do aumento desse fluxo. No mesmo estudo, uma correlação positiva foi encontrada entre os níveis séricos de lactato arterial e glicose no pós-operatório. Os autores concluíram que os maiores níveis glicêmicos observados no grupo com hiperlacatemia provavelmente refletiam o maior estresse orgânico e liberação de hormônios contrarregulatórios em situações de menor aporte tecidual de sangue. A tabela 14 e a figura 5 evidenciam maiores picos glicêmicos intraoperatório nos pacientes que evoluíram com complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias e hematológicas no pós- operatório. As crianças que cursaram com distúrbios renais ou neurológicos não apresentaram diferenças significativas desses valores. Esses resultados, no entanto, são produto da análise da população geral e podem refletir o impacto da circulação extracorpórea (CEC) na elevação da glicemia (tabela 17) e na ocorrência de complicações após a cirurgia. A tabela 22 procura isolar esse potencial fator de confusão subdividindo os procedimentos conforme utilização de CEC para comparação dos picos glicêmicos intraoperatórios entre os indivíduos que apresentaram, ou não, as complicações mencionadas. A partir dessa subanálise, fica demonstrado que complicações infecciosas e cardiovasculares estavam associadas a maiores valores de glicemia, independente do uso de circulação extracorpórea. Nos casos específicos de complicações respiratórias essa associação só esteve presente nos procedimentos com CEC, enquanto que nos distúrbios hematológicos, nas cirurgias sem CEC. Crianças com complicações neurológicas apresentaram picos glicêmicos semelhantes, com ou sem a utilização de CEC no procedimento. Quando comparado a estudos na população adulta, algumas diferenças na ocorrência dos subtipos de complicações podem ser observadas. Ouattara et al. (2005), em análise prospectiva, mostraram que um mau controle intraoperatório da glicemia, quatro valores consecutivos acima de 200mg/dl, estava associado a maiores taxas de complicações cardiovasculares, respiratórias, renais e neurológicas mas não infecciosas em adultos diabéticos submetidos a revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea. Gandhi et al. (2005), também em revascularizações miocárdicas, encontraram maiores médias glicêmicas intraoperatórias nos indivíduos que evoluíram com distúrbios renais e pulmonares, mas não cardiovasculares, neurológicos e infecciosos. Duncan et al. (2010), por sua vez, mostraram associação positiva entre glicemias acima de 200mg/dl durante cirurgia cardíacas diversas com CEC em adultos e a ocorrência de infecção e ventilação mecânica prolongada, mesmo após análise multivariável com controle de prováveis fatores de confusão. Em crianças, os estudos costumam abordar as complicações em conjunto, como eventos combinados, e, habitualmente, focam no pós- operatório de procedimentos complexos com circulação extracorpórea. Em alguns dos poucos trabalhos nessa população, Ghafoori et al. (2008) encontraram maior risco de mediastinite nos indivíduos que apresentaram picos glicêmicos superiores a 130mg/dl nas primeiras 24 horas do pós-operatório, enquanto que Székely et al. (2005) relataram maior ocorrência de insuficiência cardíaca e infecções graves nas crianças com hiperglicemia após cirurgia cardíaca. De Ferranti et al. (2004), no entanto, não conseguiram evidenciar associação entre hiperglicemia intraoperatória e eventos neurológicos adversos em crianças submetidas a cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea de baixo fluxo e parada circulatória total. 34 O período perioperatório da cirurgia cardíaca representa um estado estresse orgânico com liberação de hormônios e mediadores inflamatórios que causam elevação da glicemia (Wilmore, 1997). A intensidade da inflamação e das alterações metabólicas deflagradas está habitualmente acoplada à extensão e gravidade do dano tecidual (Bone, 1992). A circulação extracorpórea representa um dos maiores desencadeantes de atividade pró-inflamatória na cirurgia, com elevações substanciais de citocinas e interleucinas circulantes (Ascione et al., 2000), sendo esperado maiores níveis glicêmicos com sua utilização. A hiperglicemia decorrente, por sua vez, pode levar a uma série de efeitos sistêmicos deletérios como diminuição da função imune, retardo da cicatrização, disfunção endotelial, aumento da atividade pró-coagulante e alterações do equilíbrio hidroeletrolítico (Akhtar et al., 2010). Estudos experimentais demonstram supressão de vários aspectos da imunidade como quimiotaxia, fagocitose, geração de radicais livres e capacidade bactericida de macrófagos (Blondet & Beilman, 2007) justificando maiores taxas de infecção entre os indivíduos com hiperglicemia. Redução da produção e liberação de óxido nítrico endotelial, aumento dos níveis de angiotensina II e alterações da reatividade vascular, também associadas a hiperglicemia (Akhtar et al., 2010), podem ocasionar distúrbios nas circulações sistêmica e pulmonar com complicações cardiovasculares e respiratórias decorrentes. Mesmo arritmias e disfunções miocárdicas após cirurgia cardíaca podem ser atribuídas a alterações inflamatórias no parênquima do coração, presumivelmente proporcional à intensidade do estado inflamatório (Fontes et al., 2005). Complicações pulmonares em procedimentos com CEC também apresentam correlação com a intensidade da resposta inflamatória evocada (Tönz et al., 1995) justificando maiores níveis glicêmicos observados nessas situações. Disfunções plaquetárias por diminuição do efeito antiagregante induzidos pelo óxido nítrico foram relatadas em pacientes hiperglicêmicos com síndromes coronarianas agudas (Worthley et al., 2007), assim como hipercoagubilidade associada à elevação da glicemia foi demonstrada em situações de endotoxemia induzida em humanos (Stegenga et al., 2008) e em pacientes com choque séptico (Sanches et al., 2010). Essas alterações na coagulação podem explicar a associação observada entre maiores níveis glicêmicos intraoperatórios e coagulopatia no pós-operatório das cirurgias sem circulação extracorpórea, já que esses dois eventos estão relacionados à magnitude do trauma tecidual e tamanho da área cruenta. Nas cirurgias com circulação extracorpórea, a maior intensidade da anticoagulação empregada e o próprio impacto negativo da CEC constituem as principais causas de coagulopatia no pós-operatório (Greeley et al., 2000) mascarado qualquer efeito da glicemia nessas situações. A tabela 15 e a figura 6 mostram maiores médias de pico de lactato arterial intraoperatório nos pacientes que evoluíram com complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais e hematológicas, mas não neurológicas, no pós-operatório. Como o emprego de circulação extracorpórea foi associado a maiores níveis de lactato durante a cirurgia, a tabela 23 subdivide a população estudada conforme a utilização da mesma no procedimento, de forma análoga à glicemia. Nessa tabela pode-se notar que, em cirurgias com CEC, os indivíduos que cursaram com complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais e hematológicas apresentavam maiores picos de lactato no intraoperatório. Nos procedimentos sem CEC, o lactato foi marcador de complicações cardiovasculares e renais. A literatura em cirurgia cardíaca pediátrica apresenta as mesmas limitações de comparação que as previamente citadas na avaliação da glicemia. As complicações costumam ser abordadas em conjunto, os valores avaliados costumam ser os do pós-operatório e procedimentos menos complexos sem circulação extracorpórea são habitualmente excluídos. Munoz et al. (2000) em um trabalho observacional prospectivo analisaram a variação de lactato arterial intraoperatório e a ocorrência complicações graves, definidas como insuficiência renal, parada cardíaca com ressucitação, emprego de oxigenador de membrana extracorpórea e necessidade de abertura de esterno por instabilidade hemodinâmica. Nesse estudo, uma elevação maior que 3,0mmol/l, em relação ao valor inicial, durante a 35 cirurgia foi associado a um maior risco pós-operatório com um valor preditivo positivo de 45% para ocorrência de pelo menos uma das complicações citadas. Cheung et al. (2005) descreveram uma sensibilidade de 85% e um valor preditivo positivo de 55% para complicações neurológicas irreversíveis em crianças de até seis semanas admitidas na UTI com lactato arterial acima de 4,0mmol/l após cirurgias cardíacas complexas com circulação extracorpórea e parada circulatória total. Maillet et al. (2003), em um estudo prospectivo com indivíduos adultos submetidos a procedimentos com CEC, encontraram uma associação positiva entre hiperlactatemia no pós-operatório imediato (>3,0mmol/l) e uso de vasopressores e inotrópicos, hipotensão (PAM < 70mmHg), ventilação mecânica prolongada e ocorrência de complicações maiores (infarto agudo do miocárdio, baixo débito cardíaco, infecção e distúrbios neurológicos). No estudo, maiores valores de pico do lactato arterial intraoperatório estiveram associados a maiores taxas de complicações cardiovasculares e renais nas cirurgias sem circulação extracorpórea (Tabela 23). A ocorrência de uso prolongado de inotrópicos e vasopressores foi significativamente maior nesses indivíduos podendo representar estados de hipoperfusão por baixo débito cardíaco com impacto negativo na função renal. Estímulo betadrenérgico induzido por essas medicações também podem justificar a hiperlactatemia observada por aumento de produção do lactato em alguns tecidos, principalmente musculatura esquelética (Maillet et al., 2003). Independente da causa, a elevação do lactato nessas situações representa um estado de disfunção do sistema cardiovascular com efeitos secundários em outros sistemas, como o renal, e maiores taxas de mortalidade decorrente. Débito urinário e balanço hídrico intraoperatórios não foram preditores de insuficiência renal aguda ou diálise no pós-operatório mostrando o baixo poder preditor desses parâmetros como relatado em outros estudos. Nas cirurgias com circulação extracorpórea, maiores taxas de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais e hematológicas foram observadas nos indivíduos com maiores valores de pico do lactato arterial intraoperatório. A ocorrência de eventos combinados e morte também foi significativamente maior nesse grupo (Tabela 23). A elevação do lactato reflete o descompasso entre os requerimentos metabólicos dos sistemas orgânicos e o aporte celular de oxigênio justificando maiores taxas de eventos adversos no pós-operatório. Alterações vasomotoras sistêmicas e pulmonares, grandes diluições de hematócrito, redução súbita da pressão oncótica, desajustes no fluxo de bomba, aumento do consumo de oxigênio no reaquecimento e exacerbação da resposta inflamatória podem ocasionar esse descompasso e induzir estados de anaerobiose global e regional com consequências danosas aos sistemas cardiovascular, respiratório e renal (Munoz et al., 2000). Hipoperfusão mesentérica com quebra da integridade do trato digestivo por hipofluxo da mucosa e conseqüente aumento da liberação de lactato no fígado e intestino durante a CEC podem levar a translocação com bacteremia e endotoxemia (Rocke et al., 1987; Smith et al., 1987; Haisjackl et al., 1998) justificando maiores taxas de infecção nesses indivíduos. Distúrbios hematológicos de coagulopatia associados a maiores níveis de lactato no intraoperatório provavelmente indicam a formação de coágulos na microcirculação por anticoagulação insuficiente frente a exposição sanguínea a superfícies não endotelizadas levando a obstrução do fluxo sanguíneo tecidual, hiperfibrinólise e maior consumo de fatores de coagulação e plaquetas. No caso específico das complicações neurológicas, índices de perfusão cerebral como saturação de bulbo jugular ou saturação tecidual por espectroscopia de quase infravermelho não mostraram correlação com valores do lactato arterial em estudos prévios (Jonas, 1998). Possivelmente, outros fatores como embolia de elementos microparticulados assim como alterações rápidas da osmolaridade e temperatura podem ser responsáveis pelos eventos neurológicos adversos observados, já que os mecanismos de compensação do fluxo sanguíneo encefálico costumam estar mantidos mesmo nas situações mais adversas. 36 Hipoglicemia pós-operatória, definida como pelo menos um valor menor que 50 mg/dl, ocorreu em aproximadamente 12% dos pacientes estudados e apresentou associação estatística positiva com a ocorrência de complicações, inclusive morte, após a cirurgia realizada (tabelas 8 e 16 e figura 11). Resultados semelhantes foram observados por Polito et al. (2008) que mostraram um aumento de três vezes no risco de morbimortalidade nas crianças que cursaram com níveis glicêmicos abaixo de 75 mg/dl, tanto no intra quanto no pós-operatório de cirurgias cardíacas. Nesse estudo, mesmo os pacientes que mantiveram uma média abaixo de 109 mg/dl nas 24 horas após o procedimento apresentaram um risco aumentado de eventos adversos. Em um outro trabalho que analisou o impacto da glicemia intraoperatória na evolução neurológica de recém nascidos submetidos a correção de transposição de grandes vasos com circulação extracorpórea, a hipoglicemia esteve associada a maiores taxas de atividade epileptiforme e recuperações mais lentas do eletroencefalograma ao padrão de base (De Ferranti et al., 2004). Embora menos comum que a hiperglicemia, baixos valores de glicose sérica são descritos em 2 a 18% dos indivíduos em unidade de terapia intensiva (Krinsley & Grover, 2007) e estão associados a um pior prognóstico nessas situações (Wintergerst et al., 2006). A maioria dos estudos, no entanto, não quantifica a duração da hipoglicemia e a sua contribuição na lesão orgânica e evolução clínica. Fatores de risco identificados para sua ocorrência incluem sepse, insuficiência renal, insuficiência hepática, baixo débito cardíaco, uso de insulina e maior gravidade de doença (Krinsley & Grover, 2007). Por conta das limitações dos trabalhos que abordam a questão, não se sabe ao certo se a hipoglicemia é efetivamente um fator causal de morbimortalidade ou se é um marcador de falência orgânica associado às complicações citadas. O presente estudo apresenta as limitações esperadas em um trabalho retrospectivo. Ainda que associações positivas entre hiperlactatemia e hiperglicemia e complicações pós-operatórias tenham sido observadas, não há como estabelecer causalidade. A ausência de protocolos institucionais para medição e controle da glicemia e lactato arterial dificultaram um acompanhamento mais longo no pós-operatório e a avaliação mais detalhada de possíveis fatores de influência no intraoperatório (relação dos marcadores com variáveis da circulação extracorpórea, impacto de medidas específicas da anestesia ou cirurgia). O impacto de outras variáveis de confusão, que não as apreciadas, também não pode ser descartado na análise dos dados já que outros elementos podem justificar as associações encontradas. O número de casos estudados foi suficiente para atender os objetivos primários e secundários mas provavelmente insuficiente caso fossem necessárias avaliações mais detalhadas conforme o tipo específico de cirurgia realizada. Indiscutivelmente, uma série de avanços no conhecimento médico e melhorias no cuidado perioperatório vem contribuindo de forma favorável para redução da morbimortalidade na cirurgia cardíaca pediátrica. O intraoperatório e o pós-operatório imediato representam um momento importante para adoção de medidas e condutas que possam favorecer a evolução clínica dos pacientes. Portanto, marcadores laboratoriais que indiquem prognóstico devem ser ativamente pesquisados para auxiliar, em tempo hábil, a equipe anestésico-cirúrgica no sentido de melhores decisões terapêuticas. Como demonstrado no estudo, a elevação da glicemia e/ou do lactato arterial, durante ou após o procedimento, está associada a maiores taxas de complicações. No entanto, o impacto de medidas específicas para controle desses marcadores, como administração de insulina na hiperglicemia ou emprego de protocolos de manejo hemodinâmico na hiperlactatemia, ainda não foi resolvido de forma consistente na literatura e mais estudos ainda são necessários para sua determinação. 37 CONCLUSÃO Após a análise dos resultados, conclui-se que: Níveis mais elevados das médias dos valores e dos valores máximos da glicemia no intra- operatório estiveram associados a maior morbidade, mas não mortalidade, no pós-operatório de cirurgia cardíaca pediátrica. Valores elevados de lactato arterial durante e após a cirurgia cardíaca pediátrica estiveram associados a maior morbimortalidade pós-operatória. Pacientes que apresentaram glicemia máxima intraoperatória acima de 150mg/dl cursaram com maior morbidade pós-operatória, mas não mortalidade, que aqueles que mantiveram a glicemia abaixo desse valor. Pacientes que apresentaram valores médios de lactato arterial intraoperatório acima de 1,5 mmol/l cursaram com uma maior taxa de complicação pós-operatória que aqueles com lactato abaixo desse valor. Pacientes com valores médios de lactato arterial intraoperatório abaixo de 1,5 mmol/l apresentaram menor mortalidade que aqueles com lactato acima de 3,0mmol/l. Prematuridade, tipo de anestesia, faixa etária e caráter da cirurgia não apresentaram influência significativa nos valores da glicemia e lactato arterial máximos do intraoperatório. A utilização de circulação extracorpórea no procedimento cirúrgico foi associada a níveis mais elevados de glicemia e lactato arterial máximos no intraoperatório Nas cirurgias com circulação extracorpórea, níveis mais elevados da glicemia máxima observada no intraoperatório estiveram associados a maior ocorrência de infecção, baixo débito cardíaco, uso prolongado de inotrópicos e eventos combinados no pós-operatório. Nas cirurgias sem circulação extracorpórea, níveis mais elevados da glicemia máxima observada no intraoperatório estiveram associados a maior ocorrência de infecção, arritmia, uso prolongado de vasopressores e coagulopatia no pós-operatório. Nas cirurgias com circulação extracorpórea, níveis mais elevados do lactato arterial máximo observado no intraoperatório estiveram associados a maior ocorrência de infecção, baixo débito cardíaco, uso prolongado de inotrópicos e vasopressores, ventilação mecânica prolongada, insuficiência renal aguda, coagulopatia, óbito e eventos combinados no pós- operatório. Nas cirurgias sem circulação extracorpórea, níveis mais elevados do lactato arterial máximo observado no intraoperatório estiveram associados a maior ocorrência de uso prolongado de vasopressores e inotrópicos, insuficiência renal aguda e eventos combinados no pós- operatório. Hipoglicemia pós-operatória apresentou associação com maior chance de ocorrência de complicações infecciosas, cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas, hematológicas e óbito após cirurgia cardíaca pediátrica. 38 BIBLIOGRAFIA 1) Brieger GH. The development of surgery: Historical aspects important in the origin and development of modern surgical science. In: Sabiston DC editor. Textbook of Surgery. The biological basis of modern surgical practice. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997: 1-15. 2) Greeley WJ, Steven JM, Nicolson SC, Kern FH. Anesthesia for pediatric cardiac surgery. In: Miller RD editor. Anesthesia. Philadelphia: Churchill Livingstone, 2000: 1805-47. 3) Wilmore DM. Homeostasis: Bodily changes in trauma and surgery. In: Sabiston DC editor. Textbook of Surgery. The biological basis of modern surgical practice. Philadelphia: WB Saunders Company, 1997: 55-67 4) Devos P, Chioléro R, Van den Berghe G e Preiser JC. Glucose, insulin and myocardial ischaemia. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2006; 9:131-39. 5) Van den Berghe G, Wouters P, Weekers F, Verwaest C, Bruyninckx F, Schetz M, Vlasselaers D, Ferdinande P, Lauwers P, Bouillon R. Intensive insulin therapy in the critically ill patients. N Engl J Med 2001; 345:1359–67. 6) Ouattara A, Lecomte P, Le Manach Y, Landi M, Jacqueminet S, Platonov I, Bonnet N, Riou B, Coriat P. Poor intraoperative blood glucose control is associated with a worsened hospital outcome after cardiac surgery in diabetic patients. Anesthesiology 2005; 103:813-20. 7) Van den Berghe G. How does blood glucose control with insulin save lives in intensive care? J Clin Invest 2004; 114:1187–95. 8) Ljungqvist O, Nygren J, Soop M e Thorell A. Metabolic perioperative management: novel concepts. Curr Opin Crit Care 2005; 11:295-99. 9) Duke T, Butt Warwick, South M e Karl T. Early markers of major adverse events in children after cardiac operations. J Thorac Cardiovasc Surg 1997; 114:1042-52 10) Wo CCJ, Shoemaker WC, Appel PL, Bishop MH, Kram HB,Hardin E. Unreliability of blood pressure and heart rate to evaluate cardiac output in emergency resuscitation and critical illness. Crit Care Med 1993; 21:218-23. 11) Beattie DS. Bioenergética e metabolismo oxidativo. In: Devlin TM editor. Manual de bioquímica com correlações clínicas (tradução da 6ª edição americana). São Paulo: Edgar Blucher Ltda, 2007: 522-71. 12) Vincent JL. End-points of resuscitation: arterial blood pressure, oxygen delivery, blood lactate, or . . . ? Intensive Care Med 1996; 22:3-5. 13) Vicent JL, Dufaye P, Berre J, Leeman M, Degaute JP, Kahn RJ. Serial lactate determinations during circulatory shock. Crit Care 1983; 11:449-51. 14) Abrasom D, Scalea TM, Hitchcock R, Trooskin SZ, Henry SM, Greenspam J. Lactate clearance and survival following injury. J Trauma 1993; 35:584-88. 15) Meregalli A, Oliveira RP, Friedman G. Occult hipoperfusion is associated with increased mortality in hemodinamically stable, high-risk, surgical patients. Crit Care 2004; 8:R60-R65. 39 16) Maillet JM, Le Besnerais P, Cantoni M, Nataf P, Ruffenach A, Lessana A, Brodaty D. Frequency, risk factors, and outcome of hyperlactatemia after cardiac surgery. Chest 2003; 123:1361-66. 17) Cheung PY, Chui N, Joffe AR, Rebeyka IM, Robertson CMT, Western Complex Pediatric Therapies Project. Postoperative lactate concentrations predict the outcome of infants aged 6 weeks or less after intracardiac surgery: A cohort follow-up to 18 months. J Thorac Cardiovasc Surg 2005; 130:837:43. 18) Ray P, Le Manach Y, Riou B, Houle TT. Statistical evaluation of a biomarker. Anesthesiology, 2010; 112:1023-40. 19) Bone RC. Toward an epidemiology and natural history of SIRS (systemic inflammatory response syndrome). JAMA 1992; 268:3452–3455 20) Kalyanaraman M, DeCampli WM, Campbell AI, Bhalala U, Harmon TG, Sandiford P, McMahon CK, Shore S, Yeh TS. Serial blood lactate levels as a predictor of mortality in children after cardiopulmonary bypass surgery. Pediatr Crit Care Med 2008; 9:285-88. 21) Lazar HL, Chipkin SR, Fitzgerald CA, Bao Y, Cabral H, Apstein CSl. Tight glycemic control in diabetic coronary artery bypass graft patients improves perioperat