UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA LUANA ALTRAN PICOLOTO EFEITO DA RETROALIMENTAÇÃO AUDITIVA ATRASADA NA GAGUEIRA COM E SEM ALTERAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL MARÍLIA 2017 LUANAALTRAN PICOLOTO EFEITO DA RETROALIMENTAÇÃO AUDITIVA ATRASADA NA GAGUEIRA COM E SEM ALTERAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP - Câmpus de Marília, para obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Distúrbios da Comunicação Humana Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristiane Moço Canhetti de Oliveira Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior - CAPES MARÍLIA 2017 Picoloto, Luana Altran. P598e Efeito da retroalimentação auditiva atrasada na gagueira com e sem alteração do processamento auditivo central / Luana Altran Picoloto. – Marília, 2017. 96 f. ; 30 cm. Orientador: Cristiane Moço Canhetti de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Fonoaudiologia) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2017. Bibliografia: f. 79-89 Financiamento: Capes 1. Fonoaudiologia. 2. Fala. 3. Gagueira. 4. Retroaliemntação. 5. Audição. I. Título. CDD 338.0981 LUANA ALTRAN PICOLOTO EFEITO DA RETROALIMENTAÇÃO AUDITIVA ATRASADA NA GAGUEIRA COM E SEM ALTERAÇÃO DO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Fonoaudiologia para obtenção do título de Mestre, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Câmpus de Marília, na área de concentração: Distúrbio da Comunicação Humana. BANCA EXAMINADORA Orientador: ____________________________________________________ Profª. Drª. Cristiane Moço Canhetti de Oliveira. Presidente e Orientadora Universidade Estadual Paulista - UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências 2º Examinador: ___________________________________________________ Profª. Drª. Vanessa de Oliveira Martins-Reis. Examinadora UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais 3º Examinador: ___________________________________________________ Profª. Drª. Célia Maria Giacheti. Examinadora Universidade Estadual Paulista - UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências Marília, 20 de abril de 2017 DEDICATÓRIA Aos meus pais, Valmir e Fátima, e a minha irmã Ludimila, a maior riqueza que tenho na vida. Essa vitória é de vocês! AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus por todos os desafios, dúvidas e conquistas que me concedeu, e pelas diversas vezes que nossos planos não foram os mesmos. Obrigada por me dar mais do que pedi e imaginei. À minha família, em especial aos meus pais, Valmir e Fátima. O que seria de mim sem vocês? Se hoje estou realizando um sonho, devo isso inteiramente a vocês, que por diversas vezes abriram mão dos seus próprios sonhos para sonharem o meu. Obrigada por todos os “nãos” que me disseram, pela confiança depositada em mim, por todo o apoio, obrigada por serem vocês! Palavras não conseguem expressar o amor e o orgulho que tenho de vocês, que merecem toda minha admiração, gratidão e respeito. Ao meu exemplo desde que me conheço por gente, minha irmã Ludi, sou sua fã. Sempre que observava suas conquistas, pensava “eu quero ser como ela”. Você sempre conseguiu suas conquistas por mérito, sempre se esforçou para chegar aonde chegou. Você é uma pessoa maravilhosa. Obrigada por estar comigo em todos os momentos e também por me puxar a orelha quando necessário. Amo você. Dentre meus familiares, agradeço também ao meu querido Tio Romeu, que é muito mais que um tio, meu segundo pai. Sou muito grata a você por tudo. Por todas as sextas-feiras que esperou para me trazer para casa. Por todas as vezes que mudou seus horários para que eles se adequassem aos meus. Muito obrigada por sua grande disponibilidade e sua constante presença e companhia. Amo você. A minha querida orientadora, Profª. Drª. Cristiane Moço Canhetti de Oliveira. Cris, que honra poder trabalhar, aprender e crescer ao seu lado. Você ensina transbordando carinho, dedicação e humildade. Você foi uma das pessoas fundamentais no meu crescimento acadêmico. Obrigada por todas as oportunidades que me concedeu e também pela confiança que depositou em mim. Você é um exemplo pessoal e profissional! Obrigada por toda paciência, calma e motivação. Sou eternamente grata a você por tudo. À Profª. Drª. Ana Claudia Vieira Cardoso, que sempre me encorajou e me motivou, me ensinou, me escutou e me ajudou, tanto na formação pessoal como profissional. Muito obrigada por todos aqueles abraços carinhosos, com aquela frase que jamais esquecerei: “Vai dar tudo certo ”. E não é que deu mesmo! Obrigada de coração por tudo, Ana. Às professoras, Drª. Celia Maria Giacheti e Drª. Vanessa de Oliveira Martins-Reis, pela disponibilidade e participação na banca do Exame Geral de Qualificação e Banca de Defesa. Muito obrigada pelas valiosas sugestões e valiosos comentários. Aos membros do LAEF - Laboratório de Estudos da Fluência, principalmente à Psicóloga Silvia Regina Netto de Souza, que desde a graduação sempre me concedeu inúmeras oportunidades de aprendizado. Por todas as vezes que me escutou, pelos conselhos oferecidos. Você também faz parte dessa conquista. Muito obrigada, Silvia. À fonoaudióloga mestranda, Amanda Venuti Cerqueira, sou imensamente grata a Deus por conhecer e conviver com alguém como você. Sua humildade e seu coração enorme conquistam a todos. Sei que terá muitas realizações e conquistas, e eu poderei acompanhá-las de perto. Obrigada por tudo, amiga. A minha companheira de mestrado, Fonoaudióloga Mestranda Vanessa Cardoso, amizade que o mestrado me deu de presente. Obrigada pela parceria, pelas conversas, por me ouvir e, principalmente, por sempre estar presente. Sou muito grata por tê-la nesses dois anos de caminhada. Obrigada por tudo, Van. Aos meus queridos amigos, Andressa, Bruna, Cataryne, Marcio e Tamires, que entenderam minha ausência e estavam sempre dispostos a me motivar, muito obrigada. A XXV turma de Fonoaudiologia da Unesp de Marília, minha gratidão e carinho, por me acolherem desde o estágio docência e durante o estágio supervisionado. Ao Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da UNESP – Marília, por todo o suporte oferecido, e à Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior - CAPES, pelo apoio financeiro concedido. Aos indivíduos que participaram desta pesquisa e seus responsáveis, agradeço pela confiança e disponibilidade, sem vocês este trabalho não seria concluído. A todos os funcionários do CEES (Centro de Estudos da Educação e da Saúde), que sempre foram prontos para me ajudar desde a graduação. Aos docentes do curso de Fonoaudiologia, pela formação sólida que me concederam, por me apresentarem à área acadêmica, por todo o suporte oferecido desde o primeiro ano da graduação, muito obrigada. Enfim, a todos que contribuíram de forma direta e indireta para a realização deste trabalho, muito obrigada. “... Mas é preciso ter manha É preciso ter graça, É preciso ter sonho sempre...” (Milton Nascimento) RESUMO O atraso na retroalimentação auditiva tem sido utilizado na gagueira há 50 anos. No entanto, ainda não há consenso sobre qual é o perfil de indivíduos gagos que mais se beneficia com o uso deste recurso. Por que há sucessos e insucessos na utilização da retroalimentação auditiva atrasada nos indivíduos gagos? Algumas variáveis podem interferir nos resultados da retroalimentação auditiva atrasada, como a idade, o gênero, o tempo de atraso, a gravidade da gagueira, a tipologia das disfluências, entre outras. Porém, vale ressaltar que é o sistema auditivo que monitora simultaneamente e continuamente os sons externos do ambiente acústico durante a fala, além de propiciar a retroalimentação da própria voz. Acredita-se que as habilidades auditivas representam importantes variáveis que influenciam os efeitos das alterações na retroalimentação auditiva. Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi verificar os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fluência da fala de indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central, por meio da análise das tipologias e frequência das disfluências, da gravidade da gagueira e da taxa de elocução. Participaram deste estudo 20 indivíduos de ambos os gêneros, na faixa etária de 7 a 17 anos, com diagnóstico de gagueira do desenvolvimento persistente, divididos em dois grupos: Grupo Pesquisa 1 (GP1), composto por dez indivíduos, com alteração do processamento auditivo central; e Grupo Pesquisa 2 (GP2), composto por dez indivíduos, sem alteração de processamento auditivo central. Os seguintes procedimentos foram utilizados: avaliação da fluência (fala espontânea) em duas condições de escuta, com retroalimentação auditiva habitual (RAH) e atrasada (RAA), avaliação da gravidade da gagueira e do processamento auditivo central. O software Fono Tools foi utilizado para provocar o atraso na retroalimentação auditiva de 100 milisegundos. Foi realizada a análise estatística dos dados com o teste dos “Postos Sinalizados de Wilcoxon”, para análise intragrupos, e o teste de “Mann-Whitney”, para análise intergrupos, para a elaboração das figuras, foi utilizado o software Prism 5.0 (Graphpad Software, Inc.). Os resultados mostraram efeitos diversos entre os indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central. Duas tipologias de disfluências típicas da gagueira apresentaram redução estatisticamente significante sob o efeito da RAA no GP2, a saber, bloqueios (p=0,010) e repetições de palavras (p=0,042). Houve redução significativa na quantidade de disfluências de duração (bloqueio, prolongamento e pausa) (p=0,036) para os indivíduos do GP2. No Instrumento de Gravidade da Gagueira, foi possível verificar no GP2 diminuição estatisticamente significante no escore da frequência das disfluências típicas da gagueira (p=0,048). Os dois grupos não mostraram diferenças quanto à taxa de elocução e outras disfluências entre as condições de RAH e RAA. Nas variáveis analisadas, verificou-se que a retroalimentação auditiva atrasada não provocou efeitos estatisticamente significantes nos indivíduos do GP1. Como conclusão, os dados demonstraram que o efeito da retroalimentação auditiva atrasada na fala de indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 2) foi positivo, uma vez que provocou redução estatisticamente significante: na quantidade de bloqueios e de repetições de palavras; na frequência das disfluências típicas da gagueira de duração; e no escore da frequência das disfluências típicas da gagueira, no Instrumento de Gravidade da Gagueira. Os efeitos do atraso na retroalimentação auditiva foram diversos entre os indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central, sugerindo que o fonoaudiólogo deveria avaliar as habilidades auditivas para realizar a indicação do uso da retroalimentação auditiva atrasada na gagueira. Os resultados sugerem que o atraso na retroalimentação auditiva para os indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central seja um recurso terapêutico viável. Palavras-chave: Fonoaudiologia. Fala. Gagueira. Retroalimentação. Audição. ABSTRACT Delayed auditory feedback has been used in stuttering for 50 years. However, there is still no consensus on the profile of people who stutter who most benefit from using this feature. Why are there successes and failures in using delayed auditory feedback in people who stutter? Some variables may interfere with delayed auditory feedback, such as age, gender, delay time, stuttering severity, typology of disfluencies, among others. However, it should be emphasized that the auditory system simultaneously and continuously monitors external sounds of acoustic environment during speech, in addition to providing feedback of the voice itself. It is believed that auditory abilities represent important variables that influence the effects of changes in auditory feedback. In this sense, the general objective of this study was to verify the effects of delayed auditory feedback on speech fluency of stutterers with and without central auditory processing disorders, by analyzing typologies and frequency of disfluencies, stuttering severity and speech rate. Participated of these study 20 individuals of both genders, aged 7 to 17 years, with diagnosis of developmental persistent stuttering, divided into two groups: Research Group 1 (RG1) composed of ten individuals, with central auditory processing disorder; and Research Group 2 (RG2), composed of ten subjects, without central auditory processing disorders. The following procedures were used: assessment of fluency (spontaneous speech) in two listening conditions, with habitual auditory feedback (HAF) and delayed (DAF), assessment of stuttering severity and central auditory processing. The Fono Tools software was used to cause a 100 millisecond delay in auditory feedback. Statistical analysis of the data was carried out using the Wilcoxon Signal Post test for intragroup analysis and the Mann-Whitney test for intergroup analysis, Prism 5.0 software (Graphpad Software, Inc.) was used for the elaboration of the figures. The results showed several effects among stutterers with and without central auditory processing disorders. Two typologies of stuttering-like disfluencies presented a significant reduction under the effect of RAA on GP2, blocks (p = 0.010) and word repetitions (p = 0.042). There was a significant reduction in amount of disfluencies’ duration (block, extension and pause) (p = 0.036) for RG2 individuals. In Stuttering Severity Instrument, it was possible to verify in RG2 a statistically significant decrease in frequency of stuttering-like disfluencies (p = 0.048). In both groups, there was no differences in speech rate and other disfluencies between HAF and DAF conditions. In the analyzed variables, it was verified that delayed auditory feedback did not provoke statistically significant effects in RG1 subjects. As conclusion, the data showed that the effect of delayed auditory feedback on speech of stutterers without central auditory processing disorders (Research Group 2) was positive, once it led to a significant reduction in: number of blocks and word repetitions; frequency of stuttering-like disfluencies of duration; and in score of stuttering-like dysfluency frequency in Stuttering Severity Instrument. The effects of delayed auditory feedback were different among stutterers with and without central auditory processing disorders, suggesting that speech therapist should evaluate auditory abilities to indicate the use of delayed auditory feedback in stuttering. The results suggest that delayed auditory feedback for people who stutter without central auditory processing disorders is a viable therapeutic resource. Keywords: Speech, Language and Hearing Sciences. Speech. Speech Disorders. Stuttering. Feedback. Hearing. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Representação esquemática do equipamento utilizado para provocar a Retroalimentação Auditiva Atrasada........................................................................................53 Figura 2 – Distribuição das médias das disfluências típicas da gagueira manifestadas pelo Grupo Pesquisa 1 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada......................................................................................................................................59 Figura 3 – Distribuição das médias das disfluências típicas da gagueira manifestadas pelo Grupo Pesquisa 2 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada......................................................................................................................................60 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Caracterização dos participantes do Grupo Pesquisa 1 e Grupo Pesquisa 2.................................................................................................................................................50 Tabela 2 – Resultado dos testes da avaliação do processamento auditivo central dos participantes do Grupos Pesquisa 1..........................................................................................51 Tabela 3 – Distribuição das tipologias das disfluências típicas da gagueira nas duas condições de escuta, habitual e atrasada....................................................................................................58 Tabela 4 – Distribuição das tipologias das outras disfluências nas duas condições de escuta, habitual e atrasada.....................................................................................................................61 Tabela 5 – Distribuição das disfluências de duração e de repetição nas duas condições de escuta, habitual e atrasada.........................................................................................................62 Tabela 6 – Distribuição dos escores do Instrumento de Gravidade da Gagueira, da frequência e da duração das disfluências típicas da gagueira, dos concomitantes físicos e o escore total do testes nas duas condições de escuta, habitual e atrasada...........................................................63 Tabela 7 – Distribuição da gravidade da gagueira do Grupo Pesquisa 1 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada.........................................................................................................64 Tabela 8 – Distribuição da gravidade da gagueira do Grupo Pesquisa 2 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada.........................................................................................................64 Tabela 9 - Distribuição da frequência de disfluências típicas da gagueira nas duas condições de escuta, habitual e atrasada....................................................................................................65 Tabela 10 – Distribuição da porcentagem de disfluências nas duas condições de escuta, habitual e atrasada ...................................................................................................................66 Tabela 11 – Distribuição da taxa de elocução nas duas condições de escuta, habitual e atrasada......................................................................................................................................66 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABFW Teste de Linguagem Infantil B Bloqueio CEES Centro de Estudos da Educação e Saúde CEP Comitê de Ética em Pesquisa F Feminino dB Decibel DP Desvio Padrão DTG Disfluências Típicas da Gagueira G Gênero GIN Test Gaps–In–Noise GP1 Grupo Pesquisa 1- Com alteração do Processamento Auditivo central GP2 Grupo Pesquisa 2- Sem alteração do Processamento Auditivo central In Intrusão LAEF Laboratório de Estudos da Fluência M Masculino Máx. Máximo Md. Mediana Min. Mínimo OD Outras Disfluências P Prolongamento P Valor de P Pa Pausa PPM Palavras por Minuto RAA Retroalimentação Auditiva Atrasada RAH Retroalimentação Auditiva Habitual RPM Repetição de Palavra Monossilábica RPP Repetição de Parte de Palavra RS Repetição de Som SPM Sílabas por Minuto RGDT Random Gap Detection Test SSI-3 Instrumento de Gravidade da Gagueira TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TDD Teste Dicótico de Dígitos TPD Teste Padrão de Duração TPF Teste Padrão de Frequência UNESP Universidade Estadual Paulista ̅ Média SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 29 2. REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................................... 30 2.1 Retroalimentação Auditiva e Gagueira ...................................................................... 31 2.2 Processamento Auditivo Central e Gagueira ............................................................. 39 3. OBJETIVOS E HIPÓTESES ........................................................................................ 44 4. MATERIAL E MÉTODO ............................................................................................. 46 4.1 Aspectos Éticos...........................................................................................................47 4.2 Casuística....................................................................................................................47 4.3 Descrição dos participantes........................................................................................48 4.4 Critérios de Inclusão...................................................................................................48 4.5 Critérios de Exclusão..................................................................................................48 4.6 Procedimentos.............................................................................................................52 4.6.1 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.....................................................52 4.6.2 Avaliação da fluência da fala...............................................................................52 4.6.3 Avaliação da Gravidade da Gagueira (RILEY, 1994).........................................54 4.6.4 Avaliação audiológica..........................................................................................54 4.6.5 Avaliação do processamento auditivo central......................................................54 4.7 Análise estatística.......................................................................................................55 5. RESULTADOS ............................................................................................................ 53 Parte 1. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva nas diferentes tipologias das disfluências……………………………………………………………..57 Parte 2. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na quantidade de disfluências típicas da gagueira de duração e repetição.................................................62 Parte 3. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na gravidade da gagueira, na frequência das disfluências e na taxa de elocução.....................................62 6. DISCUSSÃO ................................................................................................................... 67 7. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 75 8. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 77 9. ANEXOS ................................................................................................................................... 89 28 1 Introdução 29 A Fonoaudiologia como ciência tem buscado pautar-se em evidências científicas, tanto na área diagnóstica como terapêutica, com o intuito de proporcionar novos subsídios para aprimorar seu trabalho referente à comunicação humana. A gagueira é uma desordem do neurodesenvolvimento, mais especificamente um distúrbio da fluência de aspecto multidimensional. Apresenta uma base neurobiológica, na maioria dos casos com etiologia genética, cujas manifestações podem ser diversas. Sua natureza é complexa e envolve uma rede de circuitos neurais, integrando áreas linguísticas, cognitivas, auditivas e motoras. Neste sentido, o uso de novos recursos tem sido inserido na prática clínica com indivíduos gagos, a fim de promover a plasticidade neural e, assim, aumentar a eficácia terapêutica. No entanto, é de suma importância que os efeitos da utilização dos recursos sejam avaliados de forma criteriosa para verificar se ocorreram ou não as modificações desejáveis. O recurso do atraso na retroalimentação auditiva tem sido utilizado na gagueira há 50 anos, e no Laboratório de Estudos da Fluência (LAEF), por mais de 4 anos. As perguntas norteadoras das investigações realizadas no LAEF são: qual o perfil de indivíduos gagos que mais se beneficia com o uso deste recurso? Por que há sucessos e insucessos na utilização da retroalimentação auditiva atrasada nos indivíduos gagos? Algumas variáveis podem interferir nos resultados obtidos com a retroalimentação auditiva atrasada, como a idade, o gênero, o tempo de atraso, a gravidade da gagueira, a tipologia das disfluências, entre outras. No entanto, vale ressaltar que a fala fluente ocorre a partir da interação dos aspectos acústicos, e é o sistema auditivo que monitora simultaneamente e continuamente os sons externos do ambiente acústico durante a fala, além de propiciar a retroalimentação da própria voz. Portanto, dentre os aspectos auditivos, acredita-se que as habilidades auditivas representam importantes variáveis que influenciam os efeitos das alterações na retroalimentação auditiva. Na literatura compilada, não foram encontrados estudos que considerassem as informações das habilidades auditivas na análise dos efeitos da retroalimentação auditiva atrasada em indivíduos gagos. Assim sendo, o objetivo geral deste estudo foi verificar os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fluência da fala de indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central. 30 2 Revisão de literatura 31 Neste capítulo será apresentada a revisão de literatura relacionada à gagueira, em dois grandes temas que nortearam a base teórica deste estudo: retroalimentação auditiva e processamento auditivo central. 2.1 Retroalimentação Auditiva e Gagueira A gagueira persistente do desenvolvimento é entendida como um distúrbio metabólico hereditário, com características de cronicidade e graus variáveis de gravidade (JUSTE et al., 2016). É o principal e o mais prevalente distúrbio da fluência e não está relacionado somente com as disfluências no fluxo da fala, mas também com a prontidão na programação motora da fala lentificada (ANDRADE; JUSTE; FORTUNATO-TAVARES, 2013), com uma lentificação articulatória (CELESTE; MARTINS-REIS, 2015) e preparação motora anormal da fala (VANHOUTTE et al., 2016). Há um consenso entre os investigadores de que gagueira é um distúrbio complexo (SMITH; KELLY, 1997; WITTKE-THOMPSON et al., 2007) e heterogêneo (FREEMAN, 1999). Sendo assim, deve existir diferentes subgrupos de indivíduos gagos, já que os mesmos apresentam etiologias e manifestações diversas, e frequentemente não respondem de forma homogênea às mesmas intervenções terapêuticas. As disfluências e suas consequências na taxa de elocução prejudicam a comunicação do indivíduo gago. A fala e a audição ocorrem de forma concomitante na comunicação e estão envolvidas nesse processo de transmissão da informação (ELIADES; WANG, 2008). Portanto, a audição é uma função muito relevante para a fluência da fala, tendo em vista que ela fornece sinais auditivos por meio da retroalimentação que propiciam o monitoramento da voz (FERRAND, 2006; FU et al., 2006; HOWELL; SACKIN, 2002; SAPIR; MCCLEAN; LUSCHEI, 1983; TAKASO et al., 2010; TOYOMURA et al., 2007; TOYOMURA; FUJII; KURIKI, 2011), além de atuar como um dos mecanismos do controle dos movimentos da fala (CAI et al., 2014; SCHEERER; JONES, 2012). Vários estudos a respeito dos aspectos auditivos nos indivíduos gagos (ARCURI, 2012; ANDRADE et al., 2008; CARRASCO, 2013; CHON et al., 2013; DALIRI, MAX, 2015; HALAG-MILO et al., 2016; JANSSON-VERKASALO, 2014; PRESTES et al., 2017 no prelo; ROOB et al., 2013; SILVA; OLIVEIRA; CARDOSO, 2011; SCHIEFER; BARBOSA; PEREIRA, 1999; UNGER; GLUCK; CHOLEWA, 2012) mostraram dados importantes que enfatizam a necessidade da melhor compreensão da interface fala e audição nos processos diagnóstico e terapêutico da gagueira. Esses conhecimentos favorecem a ideia 32 de que há um componente auditivo na manifestação complexa da gagueira (HALAG-MILO et al., 2016; LINCOLN; PACKMAN; ONSLOW, 2006). Indivíduos gagos apresentam uma alteração na rede neuronal relacionada ao processamento da fala, que não se limita a apenas à produção da fala, mas também afeta as respostas corticais durante a percepção da fala (HALAG-MILO et al., 2016). Crianças que gaguejam apresentaram discriminação auditiva central prejudicada por representação menos precisa de sons na fala em relação às crianças fluentes (JANSSON-VERKASALO, 2014). Devido à base neurobiológica do distúrbio (BRAUN et al., 1997; FOX et al., 1996; INGHAM et al., 2000; INGHAM, 2001; WU et al., 1995), a terapia fonoaudiológica visa propiciar o controle e o monitoramento da produção da fala, e a retroalimentação auditiva é um dos meios que propiciam este monitoramento. Por isso, este tema torna-se crucial para a melhor compreensão da gagueira. Além dos objetivos tradicionais da intervenção fonoaudiológica para os indivíduos gagos − como favorecer a redução da velocidade de fala ou taxa de elocução (BONHEN, 2003; OLIVEIRA et al., 2002; PINDZOLA, 1987; RUNYAN; RUNYAN, 1999; SAVELKOUL et al., 2007; SCHWARTZ, 1999; YAIRI; AMBROSE, 1999; YARUSS, 2010; ZEBROWSKI; KELLY, 2002), suavizar os movimentos articulatórios (GREGORY, 2003) e aumentar a continuidade da fala (NEILSON; ANDREWS, 1992) −, a terapia também trabalha com o monitoramento auditivo, visando manter o novo padrão de fala mais coerente com a fluência. Sendo assim, a retroalimentação auditiva é constantemente utilizada durante a fala no processo terapêutico da gagueira, pois certamente propicia melhor controle e monitoramento da fluência. O monitoramento auditivo desempenha importante papel no controle dos processos respiratórios e fonatórios (FERRAND, 2006; SAPIR; MCCLEAN; LUSCHEI, 1983), pois é por meio dele que o indivíduo monitora e confirma a efetividade de sua comunicação (BEHLAU et al., 2005), assim como determina a necessidade ou não de ajustes da fala (SCHEERER; JONES, 2012). O processo de fonação requer não somente o controle dos músculos da respiração, da laringe e dos articuladores, mas também a integração entre as modalidades somatosensoriais e auditivas, as quais são continuamente monitoradas pelo sistema nervoso (YAMAMOTO; KAWABATA, 2011). Estes autores relataram que a fonação necessita do monitoramento e da integração de múltiplos processos. Sendo assim, é possível compreender a relevância da percepção auditiva na gagueira (NEEF et al., 2012). 33 O termo coletivo designado para as condições que envolvem a alteração eletrônica do sinal da fala e que os falantes percebem sua fala diferentemente da habitual é “Alteração na Retroalimentação Auditiva” (AFA) (LINCOLN; PACKMAN; ONSLOW, 2006). As alterações na retroalimentação auditiva em indivíduos gagos provocam, em geral, uma diminuição temporária das disfluências. Este efeito não está comumente relacionado à redução da taxa de elocução, porém, principalmente, devido à entrada auditiva alterada (ARMSON; KIEFTE, 2008; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; HAMPTON; WEBER-FOX, 2008; KALINOWSKI et al., 1993, 1996; LINCOLN; PACKMAN; ONSLOW, 2006; MACLEOD et al., 1995, SPARKS et al., 2002; UNGER; GLÜCK; CHOLEWA, 2012), podendo diminuir ou inibir a gagueira (RITTO et al., 2016). Este fato sugere que o processamento da entrada auditiva poderia ser diferente em indivíduos gagos quando comparado com indivíduos não gagos (CAI et al., 2014; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; KIKUCHI et al., 2011; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015). Qualquer alteração na retroalimentação auditiva deve ser detectada pelos neurônios do sistema auditivo (ELIADES; WANG, 2008). Quando uma irregularidade súbita ocorre em um parâmetro acústico específico da retroalimentação auditiva, fluentes conseguem corrigir o erro em sua produção oral instantaneamente (CAI et al., 2014). No entanto, indivíduos gagos têm mostrado uma compensação mais fraca que o normal ao experimentar essas ocorrências (HOWELL; WILLIAMS, 2004; LING, 2002), indicando que não são capazes de comparar auditivamente os movimentos da fala tão bem quanto falantes fluentes o fazem (HARGRAVE et al., 1994; HUDOCK et al., 2011). Neste sentido, indivíduos gagos podem ser beneficiados mediante uma alteração em sua retroalimentação auditiva (HOWELL; WILLIAMS, 2004; LING, 2002). A amplificação, o atraso e a alteração na frequência, bem como o uso do mascaramento, são as alterações mais frequentes utilizadas na retroalimentação auditiva. Considerando o tema desta dissertação, a seguir, discorrer-se-á sobre a Retroalimentação Auditiva Atrasada (RAA). A grande motivação dos estudiosos para a temática da relação entre o retorno auditivo atrasado e a fala ocorreu com a publicação do artigo “Artificial Stutter”, em 1951, no qual foi divulgada a gagueira provocada como efeito do atraso na retroalimentação auditiva de indivíduos fluentes, em virtude de um erro na conexão dos cabos (LEE, 1950 apud VAN BORSEL; SIERENS; PEREIRA, 2007). A partir deste ocorrido, pesquisadores passaram a acreditar que indivíduos gagos poderiam apresentar alterações perceptuais auditivas (BLOODSTEIN, 1993; BROWN; SAMBROOKS; MACCULLOCH, 1975; 34 LANGOVÁ; MORÁVEK, 1969; MCCORMICK, 1975; STARK; PIERCE, 1970; WEBSTER; SCHUMACHER; LUBKER, 1970). Desde a década de 1970, a retroalimentação auditiva atrasada é utilizada na terapia de indivíduos gagos para estabelecer a fluência (CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; CURLEE, 1993; GUITAR, 2006; LINCOLN; WALKER, 2007; O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008; PERKINS, 1984; PETERS; GUITAR, 1991; POLLARD et al., 2009; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; RITTO et al., 2016; RYAN, 2000; STUART et al., 2003, 2006; VAN BORSEL; REUNES; VAN-DEN-BERGH, 2003). Ao longo dos anos, os dispositivos eletrônicos foram aperfeiçoados e estão cada vez menores e com novos recursos, que facilitam a adaptação e o conforto por parte do usuário. A retroalimentação auditiva atrasada, também conhecida como feedback auditivo atrasado (Delayed Auditory Feedback - DAF), ocorre com o retorno auditivo da fala em atraso, que pode variar de 50 a 100 milissegundos, fazendo com que o falante escute sua voz em coro (ANDRADE; JUSTE, 2011). Portanto, o melhor entendimento deste efeito coro torna-se fundamental, uma vez que ele interfere na fluência da fala de indivíduos gagos. A utilização de estímulos externos de temporalização, como a RAA ou a fala em coro, provoca fluência em indivíduos gagos, pois, segundo o modelo duplo de sistemas pré- motores, a gagueira está relacionada a um distúrbio do sistema medial, rota responsável pela fala espontânea (ALM, 2004). A RAA ocasiona uma transferência desta rota para o sistema lateral, que, segundo o autor, não envolve os núcleos da base, mas contorna o problema e aumenta a fluência. O efeito coro ocasionou baixa ativação dos gânglios basais, e esse achado pode ser interpretado como o seguinte: o estímulo auditivo em resposta ao efeito coro consiste das vozes gravadas, das quais já está caracterizada em uma integração de ritmo e de palavras (TOYOMURA; FUJII; KURIKI, 2011). Segundo os autores, o falante não precisa gerar seu próprio ritmo e integrá-lo com sua produção da palavra, ao contrário, ele foca na fala juntamente com a voz gravada, o que facilita a fluência na fala de indivíduos gagos. Além disso, acredita-se que o atraso na retroalimentação auditiva provoca um realinhamento temporal que reflete na produção da fala (YAMAMOTO; KAWABATA, 2011). O efeito coro provoca um segundo sinal de fala (KALINOWSKI et al., 2000, 2004; SALTUKLAROGLU et al., 2009), que pode ocorrer como uma “informação gestual” adicional e promover a fluência da fala (HARGRAVE et al., 1994; HOWELL; POWELLL, 1987; KALINOWSKI et al., 2000, 2004) em até 100% (ARMSON; STUART, 1998; CHERRY; SAYERS; MARLAND, 1995). 35 Um aumento da ativação do giro temporal superior esquerdo foi encontrado em indivíduos gagos em resposta ao efeito coro (STANGER; JEFFRIES; BRAUN, 2003). Esses resultados indicaram que o giro temporal superior é especificamente modulado pelo hemisfério esquerdo quando uma entrada auditiva é oferecida para promover a fluência (TOYOMURA; FUJII; KURIKI, 2011). Estudos com neuroimagens realizados em indivíduos gagos mostraram resultados relevantes sobre as regiões auditivas e suas conexões com outras áreas cerebrais na produção da fala. A presença de um déficit temporal sensório-motor generalizado foi descrito em indivíduos gagos, devido ao prejuízo de comunicação entre as áreas do cérebro relacionadas à fala (JOOS et al., 2014). Déficit na integração auditiva e motora foi relatado por investigadores (CAI et al., 2014; DALIRI et al., 2017). Estudos mostraram desenvolvimento atípico dos circuitos auditivo-motor e tálamo-cortical dos gânglios basais em indivíduos gagos, o que interfere nos processos de planejamento e execução da fala necessários para alcançar o controle motor da fala fluente (CHANG et al., 2015). Indivíduos gagos mostraram hiperativações em regiões do hemisfério direito, tais como o córtex frontal inferior (CFI) e a ínsula anterior, mas, ao mesmo tempo, apresentaram menos ativações em regiões do hemisfério esquerdo, como as do CFI e o córtex temporal esquerdo quando comparados a fluentes em várias tarefas de fala e percepção auditiva (LU et al., 2016). Vale ressaltar que, devido à base neurobiológica da gagueira, bem como às diferenças encontradas entre indivíduos gagos e fluentes nas investigações de neuroimagens, os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada são diversos entre essas populações. Em falantes que não gaguejam, estudos mostraram que a retroalimentação auditiva atrasada pode ocasionar dificuldades no fluxo da fala fluente (BEHLAU et al., 2005; CHON et al., 2013; FUKAWA et al., 1988; LEE, 1950 apud VAN BORSEL; SIERENS; PEREIRA, 2007; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; STUART et al., 2002; YAMAMOTO; KAWABATA, 2011). No entanto, o resultado mais frequentemente relatado da RAA em falantes gagos foi a promoção da fluência ou a redução das disfluências (ANTIPOVA et al., 2008; ARMSON et al., 2006; ARMSON; KIEFTE, 2008; BLOODSTEIN, 1995; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; CHESTERS; BAGHAI-RAVARY; MOTTÖNEN, 2012; CURLEE; PERKIN, 1973; FIORIN, 2014; GALLOP; RUNNYAN, 2012; HARGRAVE et al., 1994; HUDOCK et al., 2011; KALINOWSKI et al., 1993; KIEFTE; ARMSON, 2008; MACLEOD et al., 1995; O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008; RATYNSKA et al., 2012; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; RITTO et al., 2016; RYAN, 2000; SALTUKLAROGLU et al., 2009; 36 SPARKS et al., 2002; STUART; KALINOWSKI; RASTATTER, 1997; STUART et al., 2006; UNGER; GLUCK; CHOLEWA 2012). A variabilidade dos efeitos da RAA foi descrita tanto para indivíduos fluentes como para indivíduos gagos. A existência de possíveis subgrupos de indivíduos fluentes, como, por exemplo, alguns que seriam mais dependentes do retorno auditivo para manter a fluência, pode justificar essa variabilidade (CHON et al., 2013). Muitos estudos mostraram a heterogeneidade dos efeitos da RAA na fala de indivíduos gagos (ANTIPOVA et al., 2008; ARMSON et al., 2006; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; CHESTERS; BAGHAI-RAVARY; MÖTTÖNE, 2012; FIORIN, 2014; O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; UNGER; GLUCK; CHOLEWA, 2012). A explicação dos diversos resultados encontrados na população de gagos pode estar relacionada com as variáveis que devem interferir nos efeitos da RAA, como a idade, tempo do atraso apresentado, tipo de recurso utilizado para provocar o atraso, gravidade da gagueira, tipologia das disfluências, tipo de amostra de fala avaliada, análise do efeito imediato ou a longo prazo, entre outras. Revisões sistemáticas sobre o efeito da retroalimentação auditiva atrasada em indivíduos gagos concluíram que a diversidade metodológica prejudica a conclusão da eficácia do dispositivo (ANDRADE; JUSTE, 2011; VAN-BORSEL; SIERNS, PEREIRA, 2007). Estudos a respeito dos efeitos da RAA na gagueira investigaram a quantidade de disfluências na fala (ANTIPOVA et al., 2008; ARMSON et al., 2006; ARMSON; KIEFTE, 2008; BLOODSTEIN, 1995; CURLEE; PERKIN, 1973; GALLOP; RUNYAN, 2012; KALINOWSKI et al., 1993; KIEFTE; ARMSON, 2008; MACLEOD et al., 1995; O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008; RATYNSKA et al., 2012; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; RITTO el al., 2016; RYAN, 2000; SALTUKLAROGLU et al., 2009; SPARKS et al., 2002; STUART; KALINOWSKI; RASTATTER, 1997; STUART et al., 2006; UNGER; GLUCK; CHOLEWA, 2012; YAMAMOTO; KAWABATA, 2011), a taxa de elocução (CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; CURLEE; PERKINS, 1973; HARGRAVE et al., 1994; KALINOWSKI, 1993; SPARKS, 2002; STUART, 1997; UNGER; GLUCK; CHOLEWA, 2012), a naturalidade da fala (ARMSON; KEIFTE, 2008; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; STUART et al., 2006) e a possível relação com a gravidade do distúrbio (ANTIPOVA et al., 2008; FIORIN, 2014; SPARKS et al., 2002), e com a tipologia das disfluências (BUZETTI, 2016; SALTUKLAROGLU et al., 2003, 2009; 37 STUART et al., 2008). Porém, não foram encontradas investigações sobre a relação das habilidades auditivas e os efeitos da RAA na literatura compilada. Os principais benefícios da retroalimentação auditiva atrasada na fala de indivíduos gagos foram relatados, como: a promoção da fluência ou a redução das disfluências (ANTIPOVA et al., 2008; ARMSON et al., 2006; ARMSON; KIEFTE, 2008; BLOODSTEIN, 1995; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; CHESTERS; BAGHAI-RAVARY; MOTTÖNEN, 2012; CURLEE; PERKIN, 1973; FIORIN, 2014; GALLOP; RUNNYAN, 2012; HARGRAVE et al., 1994; HUDOCK et al., 2011; KALINOWSKI et al., 1993; KIEFTE; ARMSON, 2008; MACLEOD et al., 1995; O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008; RATYNSKA et al., 2012; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; RITTO et al., 2016; RYAN, 2000; SALTUKLAROGLU et al., 2009; SPARKS et al., 2002; STUART; KALINOWSKI; RASTATTER, 1997; STUART et al., 2006; UNGER; GLUCK; CHOLEWA 2012), a naturalidade da fala (RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015) e a efetividade dos resultados em longo prazo (ANDRADE; JUSTE, 2011; CARRASCO, 2013; GALLOP; RUNNYAN, 2012; O’DONNELL; ARMISON; KIEFTE, 2008; RITTO et al., 2016; STUART et al., 2006; VAN BORSEL; REUNES; VAN- DEN-BERGH, 2003). Portanto, há evidências de que a retroalimentação auditiva do fluxo contínuo da fala é utilizada para manter a fluência no decurso da emissão oral (CHESTERS, 2012). Um dos recursos tecnológicos utilizados para a alteração do feedback auditivo é o SpeechEasy, um dispositivo intra-aural parecido com um aparelho auditivo que é utilizado para reduzir os esventos de gagueira e pode ser comercializado. A comparação da terapia com e sem o uso do SpeechEasy foi relizada com 16 indivíduos gagos com idade de 17 e 49 anos, divididos em dois grupos: oito indivíduos receberam a terapia de modelagem da fala com o uso do SpeechEasy; e oito participaram apenas da terapia sem o uso do dispositivo. Em ambos os grupos houve redução significativa do grau da gagueira e das disfluências típicas da gagueira na avaliação final. Porém, o grupo que fez o uso do SpeechEasy apresentou maior redução no índice das disfluências, bem como maior ganho nas taxas de velocidade articulatória e de produção de informação (CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015). Um estudo realizado com 20 indivíduos com o uso do SpeechEasy, sendo 10 com gagueira e 10 controle com idade de 21 e 41, comparou o desempenho dos participantes em quatro tarefas: fala espontânea, diadococinesia alternada, diadococinesia sequencial e emissão de frase-alvo, com e sem o dispositivo. O uso do SpeechEasy resultou em melhora 38 significativa da fluência de fala, medida pela porcentagem de sílabas gaguejadas para o grupo com gagueira. Para o grupo fluente, o dispositivo produziu o efeito oposto, aumento significativo na frequência das rupturas gagas. Os resultados sugerem que o uso do dispositivo melhora a fluência dos indivíduos gagos sem interferir na naturalidade da fala (RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015). A leitura de um texto de 200 sílabas foi realizada por quatro indivíduos gagos, sendo 2 classificados como gagueira leve e 2 graves, com e sem a utilização da retroalimentação auditiva atrasada. Os resultados mostraram que houve a mínima melhora nos indivíduos com gagueira leve e uma melhora considerável nos indivíduos com gagueira grave (SPARKS et al., 2002). Grande parte das pesquisas dos efeitos da RAA na fala de indivíduos gagos englobaram diversos graus de gravidade do distúrbio, devido à grande dificuldade de se obter grupos homogêneos quanto a esse critério. Indivíduos gagos após o uso da RAA por 12 meses apresentaram diminuição quantitativa da gagueira e maior naturalidade da fala. Os autores concluíram que os efeitos da RAA foram mais efetivos em gagueiras moderada e grave do que em gagueira leve (STUART et al., 2006). Numa investigação com adultos gagos de gravidades distintas de gagueira (muito leve, leve, moderada e grave), os resultados mostraram variabilidade individual. Os autores sugeriram que a gravidade do distúrbio poderia influenciar os efeitos da RAA e concluíram que a indicação do recurso é criteriosa (ANTIPOVA et al., 2008). A comparação do efeito imediato da RAA na tarefa de leitura oral de dois grupos, compostos cada um por oito escolares de 8 a 17 anos − um grupo com gagueira moderada e outro com gagueira grave ou muito grave −, mostrou que o efeito da RAA ocasionou redução das disfluências típicas da gagueira em ambos os grupos (BUZZETI et al., 2016). Efeitos imediatos e a longo prazo da retroalimentação auditiva atrasada foram investigados em indivíduos gagos. Um estudo realizado com adultos com gagueira leve e grave mostrou redução imediata na gagueira sob efeito da RAA (VAN-BORSEL; REUNES; VEM-DER-BERGH, 2003). Os autores concluiram que a RAA é um método efetivo para reduzir a gagueira em ambiente extraterapêutico, visto que os efeitos continuaram após três meses de uso da retroalimentação auditiva atrasada. Em uma pesquisa realizada com a utilização do SpeechEasy em 7 adultos gagos, todos apresentaram redução de 30% das disfluências nas avaliações iniciais com o dispositivo, entretanto essa melhora não se manteve em todos participantes na última avaliação, realizada após 16 semanas. Durante o período entre a avaliação inicial e final, os participantes 39 utilizaram o dispositivo em casa e recebiam ligações telefônicas semanais para gravação e para responderem a um questionário (O’DONNELL; ARMSON; KIEFTE, 2008). Vale mencionar a heterogeneidade do grupo, pois houve variabilidade quanto à gravidade da gagueira entre os participantes. A eficácia do uso do SpeechEasy também foi analisada em um grupo de dez indivíduos gagos com idade de 21 e 42 anos que fizeram uso do dispositivo por seis meses, sem receber qualquer tipo de terapia. Esse grupo foi comparado com 10 indivíduos gagos atendidos em terapia de promoção da fluência, baseada na abordagem da modelagem da fluência e da modificação da gagueira por 12 semanas. Não houve diferença estatisticamente significante entre os participantes de ambos os grupos. O número de silabas gaguejadas reduziu em, aproximadamente, 40% nos dois grupos, sugerindo que o uso do SpeechEasy é uma opção viável para o tratamento da gagueira (RITTO et al., 2016). Em virtude de a retroalimentação auditiva atrasada necessitar das habilidades auditivas, acredita-se que a adequação ou não dessas habilidades interferirá nos efeitos ocasionados na fluência da fala. Neste sentido, o processamento auditivo central torna-se um tema crucial para a análise dos efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fala de indivíduos gagos. 2.2 Processamento Auditivo Central e Gagueira A audição humana ocorre por meio de mecanismos diversos que envolvem estruturas presentes nas vias auditivas. O sistema nervoso auditivo central é complexo e é constituído por: vias aferentes, que transmitem as informações em direção ao córtex auditivo; e vias eferentes, responsáveis pela inibição e alteração das informações em estágios anteriores ao córtex com seus núcleos e inter-relações (MUNHOZ et al., 2003). A audição desempenha um papel fundamental no reconhecimento e na discriminação adequada de eventos auditivos, sejam simples, como um estímulo não verbal, ou complexos, como mensagens que se tornam fundamentais para o entendimento da fala e da linguagem (BELLIS, 2003). A informação auditiva percorre o sistema auditivo periférico até alcançar o córtex auditivo. Para que a mensagem acústica seja processada e interpretada adequadamente, o indivíduo deve ter intactas as habilidades auditivas de detecção, discriminação, localização, identificação, reconhecimento do estímulo, mesmo com a presença de ruído de fundo (YALÇINKAYA; KEITH, 2008). 40 O córtex auditivo é indispensável para o reconhecimento de sucessões organizadas de sons e padrões sonoros complexos (MUNHOZ et al., 2003). Seu papel é crucial no controle da relação sinal-ruído, pois propicia uma relação favorável para a fala na presença de ruído (MUSIEK; BARAN, 2007; TRAMO et al., 2005). Também é responsável pela compreensão das habilidades envolvidas na organização das informações auditivas, que por sua vez dependem da capacidade biológica inata e da experienciação auditiva (BESS et al., 1998). O córtex auditivo é constituído por três regiões: primária, que é responsável pela percepção auditiva; secundária, que realiza a associação acústico linguística da mensagem auditiva, responsável pelo entendimento e compreensão da linguagem falada; e terciária, constituída por fibras auditivas combinadas com fibras sensoriais e motoras (MOMENSOHN-SANTOS; DIAS; ASSAYAG, 2005). O Processamento Auditivo Central (PAC) refere-se à eficiência e eficácia pela qual o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva. Engloba habilidades auditivas que nos envolvem diariamente, tais como discriminação auditiva, localização e lateralização do som, reconhecimento dos padrões auditivos e do desempenho auditivo na presença de sinais acústicos competitivos, bem como dos aspectos temporais da audição (ALVAREZ, et al., 1997; PEREIRA; SCHOCHAT, 2011; MUSIEK et al., 2005). Esse processo não envolve apenas a percepção dos sons, mas também os mecanismos que são utilizados para tornar a mensagem mais clara. Portanto, a percepção dos sons não é imediata, pois é necessário que o sistema auditivo receba e transmita o sinal acústico recebido (BELLIS; BELLIET; ROSS, 2011). Transtorno do processamento auditivo central refere-se à disfunção do sistema nervoso auditivo central (ASHA, 2005; AAA, 2010; MUSIEK; CHERMAK, 2014). Esse transtorno se manifesta como um déficit no processamento perceptual do estímulo auditivo no sistema nervoso central e na atividade neurobiológica subjacente que dá origem ao potencial auditivo eletrofisiológico, além de afetar o indivíduo ao longo de sua vida. Frequentemente, o transtorno do processamento auditivo central é visto com diversas comorbidades, dentre elas dificuldades de linguagem, de aprendizagem (LEMOS, 2008) e das funções comunicativas (CHERMAK; MUSIEK, 2002). A percepção auditiva dos sons verbais e não verbais, a discriminação de pitch e a percepção de duração dos sons da fala ocorrem a partir da integridade dos aspectos temporais da audição, a saber: resolução, integração e mascaramento temporal (SCHINN; CHERMAK; MUSIEK, 2009). 41 A compreensão da fala e de seus segmentos isolados é realizada pelo processamento temporal, que é responsável pela detecção de mudanças rápidas e bruscas no estímulo sonoro, o intervalo de tempo entre dois estímulos acústicos. A alteração nesta habilidade pode gerar prejuízos no desenvolvimento da linguagem, assim como dificuldades na compreensão da fala (ZAIDAN et al., 2008). O processamento auditivo temporal pode ser avaliado pelos testes de padrão de frequência e de duração (CORAZZA, 1998). A discriminação entre pausas e estímulos pode ser avaliada por meio do Random Gap Detection Test (RGDT) (KEITH, 2000). A integridade das habilidades do processamento temporal é fundamental para o processamento neuronal relacionado à percepção de fala e ao processamento da linguagem falada (CHERMAK; MUSIEK, 2002). Neste sentido, a aplicação de testes temporais em indivíduos com queixas relacionadas à linguagem oral e escrita é relevante (SAMELLI, 2005; SAMELLI; SCHOCHAT, 2008). Os processos neurológicos envolvidos no processamento da fluência podem ser investigados por meio da avaliação do processamento auditivo central (SCHIEFER; BARBOSA; PEREIRA, 1999). Acredita-se que o processamento auditivo contribui para um discurso disfluente em nível de produção silábica, no qual a relação entre a fluência verbal e o processamento auditivo não é um fenômeno apenas relacionado a indivíduos gagos ou a fluentes, mas também relacionado ao fenômeno normal da fluência e não fluência (WYNNE; BOEHMLER, 1982). Os sistemas simbólicos e de sinais devem estar equilibrados temporalmente para que a mensagem auditiva chegue até o córtex motor (PERKINS; KENT; CURLEE, 1991). Em virtude de as mensagens auditivas serem influenciadas pelo tempo (SAMELLI; SCHOCHAT, 2008; SMITH; TRAINOR; SHORE, 2006), quando ocorre o desequilíbrio desses sistemas, o fluxo de fala é interrompido e acontecem as disfluências (GOMES; SCROCHIO, 2001). Tendo em vista que, gagueira é um distúrbio heterogêneo e, que a produção da fala fluente engloba três processos, cognitivo, linguístico e motor da fala (WATSON et al., 1994), Freeman (1999) hipotetizou alguns subgrupos de gagueira. Dentre o subgrupo que intitulou de “linguístico”, o autor descreveu um subgrupo diretamente relacionado aos problemas de processamento auditivo e/ou de memória sequencial auditiva. Para o autor, falhas no processamento auditivo ou na memória auditiva geram padrões representados inadequadamente, que por sua vez, ocasionam rupturas na recuperação das palavras e/ou informação inadequada em gerar um padrão de sequência para a produção da fala. O autor 42 acredita que a gagueira pode co-ocorrer com problemas no processamento auditivo e/o na memoria sequencial auditiva. Embora a gagueira seja principalmente percebida como um distúrbio da fluência, há evidências de que déficits auditivos podem estar envolvidos neste transtorno (HOWELL; WILLIAMS, 2004). Existe uma correlação entre o processamento da informação auditiva, as vias visuais e a dificuldade de linguagem expressiva, que pode afetar a fluência e caracterizar a gagueira (JUTRAS et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2007; SILVA; OLIVEIRA; CARDOSO, 2011). A gagueira pode estar relacionada a fatores neuroaudiológicos ligados ao processamento auditivo central, entre eles as alterações das habilidades auditivas de processamento e resolução temporal (PRESTES et al., 2017 no prelo). Indivíduos gagos têm dificuldade em discriminar o som em relação à sua duração e os intervalos entre sons (ANDRADE et al., 2008; BLOOD, 1996; PRESTES et al., 2017 no prelo; SCHIEFER; PEREIRA; BARBORA, 1999; SCHNEIDER; PICHORA-FULLER, 2001). A imprecisão temporal na percepção da fala pode ocasionar disfluências e a diminuição das habilidades de processamento das informações auditivas pode estar relacionada à incapacidade de manutenção da fala fluente (ANDRADE et al., 2008; KRAMER; GREEN; GUITAR, 1987; MEYERS; HUGHES; SCHOENY, 1989). A literatura tem mostrado, por meio de diversos testes do processamento auditivo central, que grande parte dos indivíduos gagos avaliados apresenta transtorno do processamento auditivo central. Vários estudos mostraram resultados inferiores da avaliação do processamento auditivo central em indivíduos gagos (ANDRADE et al., 2008; ARCURI, 2012; BLOOD, 1996; HALL; JERGER, 1978; JUTRAS et al., 2007; MAIORINO, 1993; SCHIEFER, BARBOSA; PEREIRA, 1999; SILVA; OLIVEIRA; CARDOSO, 2011). Outras investigações também mostraram o pior desempenho de indivíduos gagos em testes de resolução temporal (KRAMER; GREEN; GUITAR, 1987; LIEBETRAU; DALY, 1981). Kramer e colaboradores (1987) compararam a avaliação de dez indivíduos gagos e dez indivíduos fluentes em testes que avaliam a habilidade de resolução temporal, e o grupo com gagueira apresentou alteração nos dois testes aplicados − Synthetic Sentence Identification- Ipsilateral Competing Message (SSI-ICM) e o Limiar Diferencial de Mascaramento (MLD) −, reforçando que indivíduos gagos apresentam desempenho inferior quando comparados a fluentes na avaliação do processamento auditivo. 43 Um estudo mostrou que 92,85% dos indivíduos gagos avaliados apresentaram transtorno do processamento auditivo central, sendo os processos gnósicos de decodificação e não verbal os mais afetados (ANDRADE et al., 2008). A avaliação dos testes temporais foi realizada em crianças gagas e os resultados mostraram pior desempenho quando comparado a crianças fluentes nos Testes de Padrão de Duração (TPD) e de Padrão de Frequência (TPF) (SILVA; OLIVEIRA; CARDOSO, 2011). As autoras sugeriram que existe relação entre indivíduos gagos e a alteração do processamento auditivo central, principalmente relacionada ao processamento temporal. Uma pesquisa realizada com 15 adultos gagos comparados a 15 fluentes mostrou maior ocorrência de transtorno do processamento auditivo central no grupo de gagueira, especialmente nos testes com estímulos não verbais (Teste Dicótico Não Verbal e Teste de Padrão de Frequência), que se relacionam diretamente aos processos prosódicos e suprasegmentares da fala (ARCURI, 2012). Em relação aos achados no teste Random Gap Detection Test (RGDT), indivíduos gagos apresentaram resultados inferiores em comparação a indivíduos fluentes, sugerindo que se deve incluir o treinamento auditivo na terapia fonoaudiológica, com o intuito de aprimorar a habilidade alterada e, consequentemente, influenciar na promoção da fluência (PRESTES et al., 2017 no prelo). A habilidade envolvida neste teste está relacionada ao reconhecimento de sons da fala e alterações de duração das informações (SCHNEIDER; PICHORA-FULLER, 2001), aspectos relacionados ao feedback auditivo, que podem ou não ter resposta positiva no indivíduo gago (CAI et al., 2014). 44 3 Objetivos e Hipóteses 45 O objetivo geral desta pesquisa foi verificar os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fluência da fala de indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central. Para responder ao objetivo geral, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: 1. Verificar o efeito do atraso da retroalimentação auditiva nas tipologias das disfluências dos indivíduos gagos do Grupo Pesquisa 1 (com alteração do processamento auditivo central) e Grupo Pesquisa 2 (sem alteração do processamento auditivo central). Hipótese: O efeito da retroalimentação auditiva atrasada (RAA) propiciar maior redução nas tipologias das disfluências típicas da gagueira dos indivíduos gagos do GP2 e não modificará a quantidade das outras disfluências nos dois grupos. 2. Verificar o efeito do atraso na retroalimentação auditiva na quantidade de disfluências típicas da gagueira de duração e de repetição dos indivíduos gagos do Grupo Pesquisa 1 e Grupo Pesquisa 2. Hipótese: A retroalimentação auditiva atrasada propiciará maior redução das disfluências típicas da gagueira de duração e de repetição nos indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 2), quando comparados com os indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 1). 3. Verificar o efeito do atraso na retroalimentação auditiva na gravidade da gagueira, na frequência das disfluências e na taxa de elocução dos indivíduos gagos do Grupo Pesquisa 1 e Grupo Pesquisa 2. Hipótese: Os indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 2) apresentarão mais benefícios da RAA em relação aos indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 1), ou seja, GP2 apresentará maior redução na gravidade da gagueira, maior redução na frequência das disfluências e maior ganho na taxa de elocução. 46 4 Material e Métodos 47 Aspectos éticos Esta pesquisa foi submetida à análise e apreciação do Comitêde Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências – CEP/FFC/UNESP e aprovada (N°119809/2015) (ANEXO A). Ressalta-se que todos os critérios éticos foram seguidos respeitando a Resolução 466/2012 que versa sobre a Ética em Pesquisa com seres humanos do CONEP. Todos os convidados e seus representantes legais receberam as informações pertinentes à pesquisa, objetivos da pesquisa, explicação detalhada sobre os procedimentos utilizados, temporalidade, graus de riscos, resguardo da privacidade, consentimento sobre a participação na pesquisa e a utilização dos dados para fins científicos. Dessa forma, os que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO B) e Termo de Assentimento (indivíduos entre 12 e 17 anos) (ANEXO C), confirmando a anuência. Casuística Este estudo é do tipo transversal, observacional, prospectivo e com comparação entre grupos. A amostra foi composta de 20 indivíduos com gagueira do desenvolvimento persistente, de ambos os gêneros, na faixa etária de 7 a 17 anos e 11 meses, sendo 10 com alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 1 – GP1) e 10 sem alteração do processamento auditivo central (Grupo Pesquisa 2 – GP2), provenientes do Laboratório de Estudos da Fluência - LAEF do Departamento de Fonoaudiologia (Unesp – Marília). Para compor a amostra, foram avaliados 31 indivíduos gagos, no período de dezembro de 2015 a agosto de 2016, dos quais 11 não participaram deste estudo por não atenderem aos critérios de inclusão (7 apresentaram na avaliação da fluência menos de 3% de disfluências típicas da gagueira, 4 apresentaram alteração no processamento auditivo central, e o grupo com alteração já estava completo). Descrição dos participantes Os participantes foram divididos em: Grupo Pesquisa 1, indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central; e Grupo Pesquisa 2, indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central. 48 Critérios de inclusão Os requisitos de inclusão dos participantes foram: - Assinar o termo de consentimento livre e esclarecido e/ou termo de assentimento. - Ser falante nativo do Português Brasileiro. - Ter entre 7 a 17 anos e 11 meses, ou seja, faixa etária dos escolares e adolescentes, excluindo os adultos, por isso a idade máxima foi de 17 anos. A idade mínima de sete anos foi para cumprir dois critérios: a persistência do distúrbio, pois, geralmente, a partir dos sete anos a gagueira é persistente; e em função da maturação do sistema auditivo, pois a partir dos sete anos é possível realizar a avaliação do processamento auditivo central. - Apresentar diagnóstico de gagueira do desenvolvimento persistente por profissional especialista da área; mínimo de 3% de disfluências típicas da gagueira (BLOODSTEIN, 1995; YAIRI; AMBROSE, 1992; YAIRI et al., 1996). - Apresentar pontuação de, pelo menos, 11 pontos (de 7 a 16 anos e 11 meses) ou 18 pontos (acima de 17 anos) no Instrumento de Gravidade da Gagueira – SSI-3 (RILEY, 1994), o que equivale a uma gagueira de grau leve. - Limiares audiométricos dentro dos padrões de normalidade (20 dBNA – LLOYD; KAPLAN, 1978). - Não estar participando, na ocasião do estudo, de nenhum programa de terapia fonoaudiológica para gagueira ou terapia de treinamento auditivo. O critério que diferenciou os participantes entre os grupos foi: apresentar alteração do processamento auditivo central, no Grupo Pesquisa 1 (GP1); e não apresentar alteração do processamento auditivo central, para os indivíduos do Grupo Pesquisa 2 (GP2). Critérios de exclusão Os critérios de exclusão para ambos os grupos foram os seguintes: apresentar alterações neurológicas, síndromes genéticas, deficiência mental, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) ou condições psiquiátricas. Na Tabela 1, são apresentados os dados de caracterização dos participantes do Grupo Pesquisa 1 (grupo de indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central) e Grupo Pesquisa 2 (grupo de indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central). Os participantes apresentaram média de idade de 11,1 anos (7 a 17 anos) com 49 variação na porcentagem de disfluências típicas da gagueira de 3% a 19,5% (média = 7,1 DP= 4,9). Em relação à gravidade da gagueira, a média do Escore do Instrumento de Gravidade da Gagueira (SSI-3) foi de 22,4 com DP de 5,6 (de 14 a 32). Com relação à caracterização da fluência dos grupos, é possível observar que há semelhanças entres os participantes do GP1 e GP2. 50 Tabela 1. Caracterização dos participantes do Grupo Pesquisa 1 e Grupo Pesquisa 2 Nº Gênero Idade Total DTG %DTG %OD %TD SPM PPM Escore SSI-3 Gravidade GP1-01 M 16 8 4,0 3,5 7,5 179,1 110,1 19 Leve GP1-02 F 9 35 17,5 14,5 32,0 30,0 20,0 26 Moderada GP1-03 M 7 13 6,5 6,5 13,0 196,7 111,1 24 Moderada GP1-04 M 17 7 3,5 3,5 7,0 240,0 134,4 18 Leve GP1-05 M 12 17 8,5 9,5 18,0 157,9 104,2 28 Grave GP1-06 M 7 22 11,0 6,0 17,0 109,1 73,1 29 Grave GP1-07 M 9 10 5,0 9,0 14,0 206,9 125,1 19 Leve GP1-08 F 9 8 4,0 6,0 10,0 187,5 120,0 19 Leve GP1-09 M 7 6 3,0 3,5 6,5 150,0 88,5 17 Leve GP1-10 M 10 6 3,0 7,5 10,5 155,8 88,8 17 Leve Média GP1 - 10,3 13,2 6,6 7,0 13,6 161,3 97,5 21,6 - DP GP1 - 3,6 9,3 4,6 3,4 7,6 58,4 33,0 4,7 - GP2-01 F 8 39 19,5 7,5 27,0 48,0 28,0 29 Grave GP2-02 M 7 6 3,0 4,5 7,5 139,5 82,3 18 Leve GP2-03 F 17 17 8,5 3,0 11,5 111,1 68,9 31 Grave GP2-04 M 9 25 12,5 15,0 27,5 144,0 91,0 27 Moderada GP2-05 M 13 15 7,5 3,5 11,0 118,8 71,3 32 Grave GP2-06 M 16 8 4,0 7,5 11,5 157,9 82,1 20 Moderada GP2-07 F 12 6 3,0 14,0 15,0 203,0 127,0 14 Leve GP2-08 M 7 19 9,5 3,0 12,5 193,5 116,1 26 Moderada GP2-09 M 13 6 3,0 5,0 8,0 157,9 104,2 15 Leve GP2-10 F 16 10 5,0 5,0 10,0 266,7 157,3 20 Leve Média GP2 - 11,8 15,1 7,6 6,8 14,2 154,0 95,8 23,2 - DP GP2 - 3,9 10,6 5,3 4,4 7,2 59,0 35,7 6,6 - Média Total - 11,1 14,2 7,1 6,9 13,9 157,7 95,2 22,4 - DP Total - 3,7 9,7 4,9 3,8 7,2 57,2 33,5 5,6 - Legenda: N = Número; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; M = Masculino; F = Feminino; DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; OD = Outras Disfluências; TD = Total de Disfluências; SPM = Sílabas Por Minuto; PPM = Palavras Por Minuto; SSI-3 = Stuttering Severity Instrument; DP = Desvio Padrão. 51 A Tabela 2 apresenta os resultados das avaliações dos testes do processamento auditivo central do Grupo Pesquisa 1 (indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central). Os dados dos participantes do Grupo Pesquisa 2 não foram apresentados, tendo em vista que todos mostraram resultados normais em todas as habilidades auditivas avaliadas. Tabela 2. Resultado dos testes da avaliação do processamento auditivo central dos participantes do Grupo Pesquisa 1 Legenda: OD = Orelha Direita; OE = Orelha Esquerda; TPF = Teste Padrão de Frequência; TDD = Teste Dicótico de Dígitos; TPD = Teste Padrão de Duração; GIN = Test Gaps–In –Noise; RGDT = Random Gap Detection Test. Procedimentos Para a seleção, os participantes e seus responsáveis foram questionados oralmente sobre seus dados de identificação para que fossem selecionados por meio da aplicação dos Grupo Pesquisa 1 Testes Frequência Percentual TPF_OD Normal 2 20,00 Alterado 8 80,00 TPF_OE Normal 2 20,00 Alterado 8 80,00 TDD_OD Normal 4 40,00 Alterado 6 60,00 TDD_OE Normal 2 20,00 Alterado 8 80,00 TPD_OD Normal 4 40,00 Alterado 6 60,00 TPD_OE Normal 4 40,00 Alterado 6 60,00 GIN_OD Normal 8 80,00 Alterado 2 20,00 GIN_OE Normal 5 50,00 Alterado 5 50,00 RGDT Normal 5 50,00 Alterado 5 50,00 52 critérios de inclusão e de exclusão. Após a assinatura do termos de consentimento e assentimento livre e esclarecido, todos os participantes foram submetidos à avaliação da fluência da fala e avaliação da gravidade da gagueira (Stuttering Seveirty Insrument, SSI-3, RILEY, 1994) na fala espontânea, nas duas condições de escuta (habitual e atrasada), avaliação audiológica e avaliação do processamento auditivo central. 1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Os pais ou responsáveis pelos participantes receberam informações sobre os objetivos da pesquisa e foram esclarecidos sobre os procedimentos adotados para a anuência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Com a concordância em participar da pesquisa, foi realizado o preenchimento do TCLE nos termos da Resolução CONEP/CNS466/2012. Termo de Assentimento: Os participantes com 12 anos ou mais assinaram o Termo de Assentimento concordando em participar voluntariamente da pesquisa. 2. Avaliação da fluência da fala Para cada participante, foram coletadas e analisadas amostras de fala espontânea em duas condições de escuta: habitual e atrasada. A sequência da gravação das tarefas foi a mesma para todos os participantes: primeiro a fala espontânea com a escuta habitual e depois a fala espontânea com o atraso na retroalimentação auditiva. As gravações foram realizadas com o participante sentado, em ambiente silencioso, com os fones de ouvido (com microfone) ajustados e ligados a um computador, no qual foi utilizado um software específico. A fala do participante foi registrada e processada por meio deste software, que realizou a Retroalimentação Auditiva Atrasada (RAA) (Fono Tools, versão 1.5h, CTS Informática), ou seja, devolveu a fala ao ouvido do participante por meio do fone de ouvido com um ligeiro atraso (Figura 1). A RAA simula o “efeito coro”, que ocorre quando um indivíduo fala ou lê ao mesmo tempo que outro. Portanto, a fala do usuário alcança o cérebro com um ligeiro atraso, favorecendo a sensação de o indivíduo estar falando simultaneamente com outra pessoa. 53 Figura 1. Representação esquemática do equipamento utilizado para provocar a Retroalimentação Auditiva Atrasada Fonte: Elaborada pela própria autora. O registro audiovisual da fala espontânea foi realizado por meio de uma câmera digital Sony (HDR – CX 350) e um tripé. As amostras de fala espontânea coletadas nas duas condições de retroalimentação auditiva (habitual e atrasada) foram transcritas num total de 200 sílabas fluentes para cada amostra (AMBROSE; YAIRI, 1999; ANDRADE, 2011; GREGORY; HILL, 1993, 1998), considerando-se as sílabas fluentes e não fluentes. Subsequentemente, foi efetuada a análise das amostras de fala e caracterizada a tipologia das disfluências, de acordo com a seguinte descrição (CAMPBELL; HILL, 1998; GREGORY; HILL 1993; PINTO; SCHIEFER; AVILA, 2012; YAIRI; AMBROSE, 1992, 1999): - Disfluências típicas da gagueira (DTG): repetição de palavras – acima de três, repetição de sílabas, repetição de som, bloqueio, prolongamento, pausa, intrusão; - Outras disfluências (OD): interjeição, hesitação, revisão, palavras incompletas, repetição de frase, repetição de palavras – até duas. Para determinar a frequência das rupturas, utilizaram-se as seguintes medidas: porcentagem de DTG, porcentagem de OD e porcentagem do Total de Disfluência (TD). O tempo total despendido para cada amostra de fala foi cronometrado, possibilitando, assim, os cálculos necessários para a obtenção da taxa de elocução, alcançada por meio dos fluxos de sílabas e de palavras por minuto (SPM e PPM). Foi adotado o critério de presença de, no mínimo, 3% de DTG, para designar o diagnóstico de gagueira nesta pesquisa. 54 3. Avaliação da Gravidade da Gagueira (RILEY, 1994) O Instrumento de Gravidade da Gagueira (IGG) (Stuttering Severity Instrument–SSI- 3) foi utilizado para classificar a gagueira em leve, moderada, grave ou muito grave. Este teste avaliou a frequência e duração das disfluências típicas da gagueira, bem como os concomitantes físicos. 4. Avaliação audiológica Os participantes foram submetidos à anamnese, meatoscopia e avaliação audiológica básica. Esta constou de audiometria tonal limiar, limiar de reconhecimento de fala (LRF) e imitanciometria. A audição foi considerada normal quando a média dos limiares nas frequências de 500 Hz, 1000 Hz e 2000 Hz foi igual ou inferior a 25 dBNA, o resultado do LRF deveria ser igual ou no máximo 10 dB acima desta média, e na imitanciometria os participantes apresentaram curva timpanométrica de Tipo A, que indica mobilidade normal do sistema tímpano-ossicular. 5. Avaliação do processamento auditivo central As habilidades auditivas foram avaliadas pela pesquisadora principal por meio de testes comportamentais em cabina acusticamente tratada, com audiômetro clínico de dois canais (GSI-61), conectado a um DVD Player. Foram aplicados os seguintes testes: - Teste de Reconhecimento de Padrão de Frequência (TPF): foram apresentadas sequências de três sons breves com tons baixos (880 Hz) e tons altos (1122 Hz), com duração de 500ms e intervalos de 300ms entre os estímulos que deveriam ser identificados e nomeados. Foram apresentados 30 itens diferentes para cada orelha, oferecidos em um nível de intensidade que tinha como referência a média dos limiares de audibilidade das frequências de 500, 1000 e 2000 Hz. De acordo com o critério proposto por Corazza (1998), foi considerada dentro da normalidade a identificação correta de 76% das sequências utilizadas. - Teste Dicótico de Dígitos (TDD): este teste foi utilizado para avaliar a habilidade de figura- fundo para sons verbais. O teste foi constituído por quatro listas de 20 itens cada, sendo que cada item é formado por 4 dígitos (podendo ser: 4, 5, 7, 8 e 9). Foram apresentados dois dígitos em cada orelha simultaneamente (tarefa dicótica), na qual a etapa de integração binaural foi avaliada. O indivíduo foi instruído a repetir oralmente os quatro dígitos apresentados, independente da ordem de apresentação dos mesmos. Para análise dos resultados, foi utilizado o critério de referência proposto por Pereira e Schochat (2011). - Teste de Reconhecimento de Padrão de Duração (TPD): foi apresentada uma frequência de 55 três sons breves de 1000 Hz com diferentes intervalos entre os estímulos e de diferentes durações (tom curto, de 250ms, e tom longo, de 500ms), que deveriam ser identificados e nomeados. Foram apresentados 30 itens diferentes em cada orelha numa intensidade que tinha como referência a média dos limiares de audibilidade das frequências de 500, 1000 e 2000 Hz. Foi considerado dentro dos padrões de normalidade quando houve a identificação correta de 83% das sequências utilizadas, critério este proposto por Corazza (1998). - Teste Gaps–In–Noise (GIN): o objetivo deste teste é determinar o limiar de detecção de gap, ou seja, de intervalos de silêncio. Consiste da apresentação monoaural de diversos estímulos de seis segundos de white noise (ruído branco), com cinco segundos de intervalo entre os estímulos. Inseridos no white noise, existem diversos gaps em posições diferentes e de durações variáveis (2, 3, 4, 5, 6, 8, 10, 12, 15 e 20ms). É solicitado ao ouvinte que relate toda vez que detectar o gap. - Random Gap Detection Test (RGDT): o objetivo deste teste é avaliar a habilidade de resolução temporal por meio da determinação do menor intervalo de tempo entre dois estímulos próximos que podem ser detectados. Consiste da apresentação binaural de 9 pares de tons puros com pequenos gaps entre eles, nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000Hz. O limiar de detecção de gap é obtido com o ouvinte escutando uma série de estímulos apresentados em pares. Os intervalos de silêncio entre cada par de estímulos aumentam e diminuem em duração e, à medida que esses intervalos mudam, o ouvinte relata se ouviu um ou dois estímulos. Considerou-se como padrão de normalidade a detecção de intervalos de 10 ms. Análise estatística Foi realizada a análise estatística dos dados com o teste dos “Postos Sinalizados de Wilcoxon” para análise de possíveis diferenças entre as condições de escuta com retroalimentação auditiva habitual e atrasada. Este teste foi aplicado também a fim de verificar possíveis diferenças entre ambas as condições de escuta quanto ao percentual de disfluências e à taxa de elocução, mensurada pela obtenção da quantidade de sílabas e palavras emitidas por minuto. O teste de “Mann-Whitney”foi utilizado para análise intergrupos. O nível de significância adotado para a aplicação dos testes estatísticos foi de 5% (0,050). A análise dos dados foi realizada utilizando o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 23.0. Para a elaboração das figuras, foi utilizado o software Prism 5.0 (Graphpad Software, Inc.) 56 5 Resultados 57 Neste capítulo, serão apresentados os resultados deste estudo, que teve como objetivo geral verificar os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fluência da fala de indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central. A apresentação dos resultados foi dividida em três partes, de acordo com os objetivos específicos delineados: Parte 1. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva nas tipologias das disfluências no GP1 e GP2; Parte 2. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na quantidade de disfluências típicas da gagueira de duração e disfluências de repetição no GP1 e GP2; Parte 3. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na gravidade da gagueira na frequência das disfluências e na taxa de elocução no GP1 e GP2. Parte 1. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva nas tipologias das disfluências no GP1 e GP2 Os resultados relativos aos efeitos da retroalimentação auditiva atrasada (RAA) nas tipologias das disfluências típicas da gagueira mostraram que o uso do recurso provocou redução estatisticamente significante na frequência dos bloqueios e das repetições de palavras no Grupo Pesquisa 2, indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (Tabela 3). O atraso na retroalimentação auditiva não provocou alterações significantes no Grupo Pesquisa 1, indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central. 58 Tabela 3. Distribuição das tipologias das disfluências típicas da gagueira nas duas condições de escuta, habitual e atrasada DTG RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P Bloqueio RAH 1,90 1,50 0,00 4,00 1,60 2,00 1,00 0,00 6,00 1,94 0,907 RAA 1,20 0,50 0,00 5,00 1,69 0.80 0,00 0,00 5,00 1,55 0,531 P 0,058 0,010* Prolongamento RAH 1,20 0,50 0,00 5,00 1,81 3,20 1,50 0,00 13,00 4,16 0,208 RAA 2,10 0,50 0,00 9,00 3,67 2,30 2,00 0,00 8,00 3,36 0,212 P 0,395 0,478 Repetição de Palavra RAH 5,30 3,50 0,00 14,00 3,50 4,20 4,00 0,00 10,00 3,12 0,674 RAA 5,50 5,00 1,00 14,00 5,00 3,00 2,50 0,00 10,00 2,79 0,040* 0,610 0,042* Repetição de Parte de Palavra RAH 2,50 5,00 0,00 13,00 3,98 2,10 0,50 0,00 7,00 2,81 0,724 RAA 3,30 1,00 0,00 17,00 5,12 2,70 1,00 0,00 11,00 4,22 0,437 P 0,541 0,480 Repetição de Som RAH 1,60 1,50 0,00 3,00 0,97 2,40 1,50 0,00 6,00 2,17 0,461 RAA 1,20 1,00 0,00 6,00 1,78 1,90 1,50 0,00 4,00 1,52 0,529 P >0,999 0,414 Pausa RAH 0,70 0,00 0,00 2,00 0,95 1,10 0,00 0,00 4,00 1,66 0,797 RAA 0,80 0,00 0,00 4,00 1,32 0,80 0,50 0,00 4,00 1,23 0,833 P 0,748 0,414 Intrusão RAH 0,20 0,00 1,00 2,00 0,42 0,10 0,00 0,00 1,00 0,32 0,542 RAA 1,20 0,00 8,00 4,00 2,49 0,90 0,00 0,00 6,00 1,85 0,863 P 0,236 0,157 Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; RA = Retroalimentação Auditiva; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA= Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅ = Média; Md = Mediana; Min. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P. 59 A média da frequência das tipologias das disfluências típicas da gagueira (DTG) do Grupo Pesquisa 1, nas duas condições de escuta, habitual e atrasada, foi apresentada na Figura 2. Não houve redução estatisticamente significante nas tipologias das DTG no GP1 na escuta com atraso. Figura 2. Distribuição das médias das disfluências típicas da gagueira manifestadas pelo Grupo Pesquisa 1 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada. Média ± erro padrão das médias das frequências das disfluências típicas da gagueira. *p<0,05. Legenda: DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA = Retroalimentação Auditiva Atrasada; RP= Repetição de Palavra; RPP = Repetição de Parte de Palavra; RS = Repetição de Som; P = Prolongamento; B = Bloqueio; Pa = Pausa; In = Intrusão. A média da frequência das tipologias das disfluências típicas da gagueira do Grupo Pesquisa 2, nas duas condições de escuta, habitual e atrasada, foi apresentada na Figura 3. Os indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central apresentaram redução estatisticamente significante na quantidade de repetição de palavra e bloqueio com o atraso na retroalimentação auditiva. 60 Figura 3. Distribuição das médias das disfluências típicas da gagueira manifestadas pelo Grupo Pesquisa 2 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada. Média ± erro padrão das médias das frequências das disfluências típicas da gagueira. *p<0,05 Legenda: DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA = Retroalimentação Auditiva Atrasada; RP= Repetição de Palavra; RPP = Repetição de Parte de Palavra; RS = Repetição de Som; P = Prolongamento; B = Bloqueio; Pa = Pausa; In = Intrusão. A Tabela 4 apresenta a distribuição das outras disfluências no Grupo Pesquisa 1 e Grupo Pesquisa 2 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada. Pode-se observar que o atraso da retroalimentação auditiva não provocou alterações significantes nos diferentes tipos das outras disfluências nos participantes dos dois grupos. 61 Tabela 4. Distribuição das tipologias das outras disfluências nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: OD = Outras Disfluências; RA = Retroalimentação Auditiva; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA= Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅ = Média; Md = Mediana; Min. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P. OD RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P Hesitação RAH 5,60 4,00 1,00 18,00 4,81 4,80 4,00 0,00 13,00 4,26 0,702 RAA 6,10 6,50 0,00 10,00 2,85 7,60 6,00 3,00 15,00 4,55 0,674 P 0,209 0,236 Interjeição RAH 4,90 3,50 0,00 13,00 4,36 6,40 3,00 1,00 20,00 7,47 0,939 RAA 3,60 2,50 0,00 10,00 3,57 4,70 3,50 0,00 12,00 4,16 0,593 P 0,053 0,330 Revisão RAH 0,50 0,00 0,00 2,00 0,71 0,70 0,50 0,00 3,00 0,95 0,671 RAA 0,50 0,00 0,00 2,00 0,71 1,00 1,00 0,00 3,00 1,05 0,267 >0,999 0,496 Repetição de Segmento RAH 0,60 0,00 0,00 2,00 0,97 0,50 0,00 0,00 3,00 1,08 0,513 RAA 0,60 0,00 0,00 0,00 0,00 1,20 1,00 0,00 5,00 1,55 0,315 P >0,999 0,068 Repetição de Frase RAH 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 >0,999 RAA 0,80 0,50 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 >0.999 P >0,999 >0,999 Repetição de Palavra RAH 0,80 0,50 0,00 1,00 1,03 0,60 0,00 0,00 3,00 1,08 0,492 RAA 0,20 0,00 0,00 3,00 0,42 0,50 0,00 0,00 2,00 0,71 0,300 P 0,131 0,705 Palavra não Terminada RAH 1,50 1,00 0,00 3,00 1,50 0,50 0,00 0,00 2,00 0,71 0,018* RAA 0,90 1,00 0,00 2,00 0,90 1,20 1,00 0,00 4,00 0,40 0,904 P 0,202 0,263 62 Parte 2. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na quantidade de disfluências típicas da gagueira de duração e repetição Os resultados relativos aos efeitos da retroalimentação auditiva atrasada (RAA) nas disfluências de duração (bloqueio, prolongamento e pausa) e nas disfluências de repetição (repetição de palavra, de parte da palavra e de sílaba) mostraram que o uso do recurso provocou redução estatisticamente significante nas DTG de duração no Grupo Pesquisa 2, indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (Tabela 5). O atraso na retroalimentação auditiva não provocou alterações significantes no Grupo Pesquisa 1, indivíduos gagos com alteração do processamento auditivo central (Tabela 5). Tabela 5. Distribuição das disfluências de duração e de repetição nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; RA = Retroalimentação Auditiva; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA= Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅= Média; Md = Mediana; Min. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P. Parte 3. Análise do efeito do atraso na retroalimentação auditiva na gravidade da gagueira, na frequência das disfluências e na taxa de elocução Serão expostos os resultados relativos à comparação da gravidade da gagueira, da frequência das disfluências e da taxa de elocução dos grupos entre as condições de escuta, habitual e atrasada. DTG RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P DTG de Duração RAH 3,80 3,20 1,00 7,00 2,35 6,30 5,00 1,00 18,00 4,85 0,224 RAA 4,10 2,00 0,00 11,00 4,12 3,90 2,50 1,00 9,00 2,92 0,590 P 0,905 0,036* DTG de Repetição RAH 9,20 6,00 2,00 30,00 8,35 8,70 6,50 0,00 21,00 7,02 0,909 RAA 10,40 6,00 5,00 33,00 9,24 7,60 4,50 1,00 25,00 7,59 0,092 P 0,325 0,526 63 Quanto à gravidade da gagueira, observa-se que ocorreu redução estatisticamente significante no escore da frequência das disfluências típicas da gagueira (DTG) no GP2, ou seja, nos participantes do grupo de gagueira sem alteração do processamento auditivo central (Tabela 6). Tabela 6. Distribuição dos escores do Instrumento de Gravidade da Gagueira, da frequência e da duração das disfluências típicas da gagueira, dos concomitantes físicos e o escore total do testes nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: IGG = Instrumento de Gravidade da Gagueira; RA = Retroalimentação Auditiva; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA = Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅= Média; Md = Mediana; Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P; EF = Escore da Frequência das disfluências típicas da gagueira; ED = Escore da Duração das disfluências típicas da gagueira; ECF = Escore dos Concomitantes Físicos; ET = Escore Total do teste. A distribuição da gravidade da gagueira dos indivíduos do Grupo Pesquisa 1 nas condições de escuta habitual e atrasada foi apresentada na Tabela 7. Pode-se observar que a escuta com atraso promoveu a redução de pelo menos um grau na gravidade da gagueira em quatro indivíduos (40%); dois indivíduos (20%) apresentaram aumento na gravidade da gagueira; e quatro (40%) não apresentaram mudança na gravidade da gagueira. IGG RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P EF RAH 11,00 10,00 8,00 16,00 2,87 11,60 11,00 8,00 16,00 3,24 0,689 RAA 11,20 10,00 6,00 18,00 3,79 9,50 9,50 4,00 16,00 3,37 0,358 P 0,914 0,048* ED RAH 6,40 6,00 6,00 8,00 0,84 6,40 6,00 4,00 10,00 2,27 0,668 RAA 6,20 6,00 4,00 10,00 1,99 6,40 6,00 4,00 10,00 2,46 0,937 P 0,705 >0,999 ECF RAH 4,20 3,50 3,00 7,00 1,55 5,20 5,50 0,00 10,00 2,62 0,216 RAA 4,60 4.00 3,00 9,00 2,01 5,10 5,00 0,00 9,00 2,77 0,560 P 0,684 0,833 ET RAH 21,60 19,00 17,00 29,00 4,67 23,20 23,00 14,00 32,00 7,10 0,471 RAA 22,00 19,00 13,00 35,00 7,06 21,00 19,00 11,00 31,00 6,61 0,879 P 0,811 0,256 64 Tabela 7. Distribuição da gravidade da gagueira do Grupo Pesquisa 1 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Gravidade da gagueira na retroalimentação auditiva habitual Gravidade da gagueira na retroalimentação auditiva atrasada Muito Leve Leve Moderada Grave Muito Grave Leve N= 6 1 10,00% 4 40,00% 0 0,00% 1 10,00% 0 0,00% Moderada N= 2 0 0,00% 1 10,00% 0 0,00% 1 10,00% 0 0,00% Grave N= 2 0 0,00% 0 0,00% 2 20,00% 0 0,00% 0 0,00% Total na condição de escuta com atraso 1 10,00% 5 50,00% 2 20,00% 2 20,00% 0 0,00% Para o Grupo Pesquisa 2, pode-se observar que 40% apresentaram redução de um grau na gravidade da gagueira, 50% mantiveram a mesma gravidade da gagueira e 10% aumentaram um grau de gravidade da gagueira sob o efeito da escuta com atraso (Tabela 8). Tabela 8. Distribuição da gravidade da gagueira do Grupo Pesquisa 2 nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Gravidade da gagueira na retroalimentação auditiva habitual Gravidade da gagueira na retroalimentação auditiva atrasada Muito Leve Leve Moderada Grave Muito Grave Leve N= 4 0 0,00% 3 30,00% 1 10,00% 0 0,00% 0 0,00% Moderada N= 3 0 0,00% 3 30,00% 0 0,00% 0 0,00% 0 0,00% Grave N= 3 0 0,00% 0 0,00% 1 10,00% 2 20,00% 0 0,00% Total na condição de escuta com atraso 0 0,00% 6 60,00% 2 20,00% 2 20,00% 0 0,00% A distribuição das medidas das frequências das disfluências típicas da gagueira dos dois grupos participantes, nas duas condições de escuta, habitual e atrasada, e a porcentagem de mudança entre a RAH e RAA foram apresentadas na Tabela 9. Observa-se que no Grupo Pesquisa 2, 70% dos participantes reduziram a porcentagem de DTG sob efeito do atraso na retroalimentação auditiva e 30% aumentaram esta porcentagem. No GP1, observa-se que 50% dos participantes diminuíram a %DTG, 30% aumentaram e em 20% não ocorreu alteração. 65 Vale ressaltar que o indivíduo gago que obteve maior redução da frequência das disfluências típicas da gagueira era participante do GP2 (número 6), e o que apresentou maior aumento na %DTG era participante do GP1 (número 8). Tabela 9. Distribuição da frequência de disfluências típicas da gagueira nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Legenda: DTG = Disfluências Típicas da Gagueira; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA= Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; % Δ = Porcentagem de mudança entre as condições de retroalimentação auditiva habitual e atrasada. % Δ = %DTG (RAH) - %DTG (RAA) x 100 / %DTG (RAH). A redução da porcentagem de disfluências típicas da gagueira foi sinalizada com o sinal de menos e o aumento foi apresentado com sinal de mais. Em relação à frequência das disfluências (Tabela 10) e à taxa de elocução (Tabela 11), não houve diferenças estatisticamente significantes nos indivíduos gagos dos dois grupos entres as condições de retroalimentaçãoo auditiva habitual e atrasada. GP1 GP2 Participantes %DTG % Δ %DTG % Δ RAH RAA RAH RAA 1 4,0 4,0 0,0 19,5 20,0 +2,5 2 17,5 22,0 +25,7 3,0 4,5 +50,0 3 6,5 4,0 -38,5 8,5 6,5 -23,5 4 3,5 3,0 -14,3 12,5 9,0 -28,0 5 8,5 8,0 -5,9 7,5 6,0 -20,0 6 11,0 5,0 -54,6 4,0 1,5 -62,5 7 5,0 5,0 0,0 3,0 2,5 -16,7 8 4,0 19,5 +487,5 9,5 5,0 -47,4 9 3,0 2,5 -16,7 3,0 3,5 +16,6 10 3,0 4,0 +33,3 5,0 3,5 -30,0 66 Tabela 10. Distribuição da porcentagem de disfluências nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: RA = Retroalimentação Auditiva; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA = Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅= Média; Md= Mediana; Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P; DTG= Disfluências Típicas da Gagueira; OD= Outras Disfluências; TD= Total das Disfluências. Tabela 11. Distribuição da taxa de elocução nas duas condições de escuta, habitual e atrasada Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon na análise intragrupos e Teste de Mann-Whitney na análise intergrupos. Legenda: TE = Taxa de Elocução; RA = Retroalimentação Auditiva; RAH = Retroalimentação Auditiva Habitual; RAA = Retroalimentação Auditiva Atrasada; GP1 = Grupo Pesquisa 1; GP2 = Grupo Pesquisa 2; ̅= Média; Md = Mediana; Mín. = Mínimo; Máx. = Máximo; DP = Desvio Padrão; P = Valor de P; SPM= Sílabas Por Minuto; PPM= Palavras Por Minuto. Disfluências RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P DTG RAH 6,60 4,50 3,00 17,50 4,64 7,55 6,25 3,00 19,50 5,30 0,760 RAA 7,85 4,50 2,50 22,00 7,01 6,20 4,75 1,50 20,00 5,30 0,677 P 0,994 0,058 OD RAH 6,95 6,25 3,50 14,50 3,43 6,80 5,00 3,00 15,00 4,37 0,568 RAA 5,95 6,25 2,00 9,50 2,09 8,10 7,00 3,50 13,00 3,08 0,094 P 0,722 0,172 TD RAH 4,20 3,50 3,00 7,00 1,55 5,20 5,50 0,00 10,00 2,62 0,216 RAA 4,60 4.00 3,00 9,00 2,01 5,10 5,00 0,00 9,00 2,77 0,560 P 0,684 0,833 TE RA GP1 GP2 ̅ Md Mín. Máx. DP ̅ Md Mín. Máx. DP P SPM RAH 161,30 168,50 30,00 240,00 58,37 154,04 150,95 48,00 266,66 59,98 0,596 RAA 136,95 150,21 33,00 219,52 54,86 156,34 157,03 100,00 260,86 46,29 0,596 P 0,051 0,878 PPM RAH 97,55 107,18 20,00 124,40 32,97 92,82 86,66 28,00 157,33 35,70 0,520 RAA 83,99 88,26 20,00 133,68 32,74 93,30 92,07 58,50 133,04 22,90 0,705 P 0,051 0,878 67 6 Discussão 68 Os benefícios da Retroalimentação Auditiva Atrasada (RAA) na gagueira por meio de vários dispositivos eletrônicos foram apresentados por muitos estudiosos (ANDRADE; JUSTE, 2011; ANTIPOVA et al., 2008; ARMSON; KEIFTE, 2008; CARRASCO, 2013; FOUNDAS et al., 2013; GALLOP; RUNNYAN, 2012; O’DONNELL; ARMISON; KIEFTE, 2008; RATYNSKA et al., 2012; RITTO et al., 2016; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; STUART et al., 2006; TOYOMURA; FUJII; KURIKI, 2011; UNGER; GLUCK; CHOLEWA 2012; VAN BORSEL; REUNES; VAN-DEN-BERGH, 2003). No entanto, os resultados mostraram grande variabilidade dos efeitos da RAA nesta população. Ainda não há consenso sobre o subgrupo de indivíduos acometidos pelo distúrbio que poderia apresentar maior fluência com o uso da RAA. Acreditando-se que as habilidades auditivas desempenham um papel relevante na análise dos resultados das alterações da retroalimentação auditiva, este estudo investigou os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada na fluência de indivíduos gagos com e sem alteração do processamento auditivo central. Os achados encontrados neste estudo reforçam a importância da informação auditiva no controle e monitoramento da fluência da fala, tendo em vista que os efeitos da retroalimentação auditiva atrasada foram diversos nos dois grupos. O grupo sem alteração do processamento auditivo central (GP2) obteve promoção na fluência da fala, porém esse resultado não foi observado no grupo com alteração do processamento auditivo central (GP1). Este estudo corrobora a relevância dos estudos da influência da retroalimentação auditiva na fluência da fala de indivíduos gagos (FOUNDAS et al., 2013; CARRASCO; SCHIEFER; AZEVEDO, 2015; RITTO; JUSTE; ANDRADE, 2015; RITTO et al., 2016), também concorda com a literatura pesquisada, visto que deve haver um componente auditivo na manifestação complexa da gagueira (LINCOLN; PACKMAN; ONSLOW, 2006; HALAG-MILO et al., 2016) e os dados encontrados mostram que indivíduos gagos frequentemente manifestam alterações do processamento auditivo central, conforme demonstrado na literatura (ANDRADE et al., 2008; ARCURI, 2012; SCHIEFER; BARBOSA; PEREIRA, 1999; SILVA; OLIVEIRA; CARDOSO, 2011). Por isso a dificuldade na coleta de dados foi obter os indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central. Os efeitos da RAA foram analisados por meio da comparação dos resultados da avaliação da fluência e da gravidade da gagueira entre a condição de escuta habitual e a condição de escuta atrasada, no GP1 e GP2. Os resultados mostraram efeitos positivos da RAA nos indivíduos gagos sem alteração do processamento auditivo central (GP2), pois ocorreu a redução: (1) da quantidade de bloqueios e de repetições de palavras; (2) do total das 69 disfluências típicas da gagueira de duração; (3) e do escore da frequência das disfluências típicas da